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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIENCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


LICENCIATURA EM CIENCIAS SOCIAIS
ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
PROF ANGELA RABELLO MACIEL DE BARROS TAMBERLINI
ALUNO: LUCAS DE BRITO MUNIZ

Trabalho Final

Este trabalho versa sobre os efeitos sociais e educacionais possíveis nas quais a
reforma do ensino médio pode desdobrar. Partindo de uma perspectiva crítica,
reproduzindo e refletindo sobre os argumentos contidos nos trabalhos de Tamberlini
(2017) e KOEPSEL, E; GARCIA; S; CZERNIK (2020), demonstrando como a reforma
está inserida em um contexto social e econômico mais amplo, respondendo a interesses
de grupos e classes sociais dominantes, subvertendo a lógica cidadã e democrática da
educação consagrada na Constituição de 19881 em nome da formação de sujeitos sociais
adequados às novas (velhas) modalidades de relação laboral do capitalismo flexível,
priorizando competências em detrimento de conhecimentos. Todavia, o objetivo aqui é
ampliar essa crítica, demonstrando que a reforma não só reforça desigualdades sociais
no âmbito da educação, mas também aprofunda o caráter dependente e subalterno da
posição do Brasil no capitalismo globalizado, atrelando-se a um modelo de
desenvolvimento pautado ainda na exportação de commodities e importação de
produtos de maior valor agregado, em um contexto em que a educação é um ativo
essencial nas perspectivas de desenvolvimento econômico e social.
O trabalho é estruturado em três partes: primeiro, é apresentada a evolução da
organização educacional brasileira, iniciando pelas disputas entre renovadores e
católicos no período de Nacional-Desenvolvimentismo (1930-1945) (Andreotti, 2006);
passando pela expansão educacional combinada com a entrada de agentes privados na
educação durante a Ditadura Militar (1964-1985) (Saviani, 2008); e chegando às
influencias de organismos internacionais na elaboração de leis e reformas educacionais
nos governos pró-reformas de mercado da década de 1990 (Gomide, 2013). Na segunda
parte, são colocados em perspectiva crítica os aspectos que guiam e traduzem
socialmente os efeitos da reforma, sendo focalizados três aspectos principais: a
1
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com
a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).
formação dos itinerários formativos, o ensino técnico dissociado e a contratação de
professores por notório saber. Por fim, uma conclusão com uma reflexão mais aberta e
indicativa de quais perguntas podem guiar futuras pesquisas relacionadas ao tema,
vinculando educação e economia política.

Da educação dissociada às políticas neoliberais: um balanço da organização da


educação brasileira

O governo de Getúlio Vargas (1930-1945) inaugura uma preocupação de Estado


sobre a organização da educação brasileira, até então sendo responsabilidade quase que
inteiramente da igreja católica. O trabalho de Andreotti (2006) demonstra com a
chegada do varguismo ao poder reorientou a preocupação com a educação, tratando-a
como instrumento de criação de uma identidade nacional, formação de uma mão-de-
obra para o projeto de industrialização brasileira. Nesse sentido, o Estado brasileiro
buscou centralizar as ações perante os desafios da educação, criando o Ministério dos
Negócios da Educação e Saúde Pública (1930) com o intuito de organizar um primeiro e
embrionário Plano Nacional da Educação, respaldando a introdução de um ensino
elementar gratuito e obrigatório para a população com base em uma preocupação em
estabelecer regulamentações nacionais para a atividade educacional. A ideologia
nacionalista e desenvolvimentista também esteve imersa nas disputas entre
escolanovistas e católicos. Os primeiros advogavam um ensino gratuito e obrigatório,
em bases filosóficas de caráter laico, priorizando a organização burocrática e eficiente
da educação, expressos pelo lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
(1932). Já os segundos pretendiam não perder o monopólio da educação básica no
Brasil, pleiteavam a separação de gêneros no ensino, a doutrina da fé cristã como base
de conhecimento, com predominância da família na trajetória escolar dos jovens. Com o
fim do Estado Novo em 1945 e o interregno democrático que se estende até 1964, a
preocupação com a educação avança para a criação da primeira LDB, em 1961. O saldo
da LDB aponta para uma adequação desses interesses, reforçando o papel do Estado na
organização e na definição das bases de ensino, mas dividindo a responsabilidade com a
instituição familiar, mediante a permissão do ensino particular.
A instauração da Ditadura Militar (1964-1985) suprimiu o debate público sobre
a educação, encapsulando as relações entre interesses privados e o funcionamento da
máquina burocrática do estado, implementando uma lógica empresarial sobre a
educação. Essa situação conduziu a um pontapé inicial de introdução do privado no que
era prerrogativa do público até então no Brasil em termos de ensino. A nova fronteira
econômica aberta pela expansão do ensino nos níveis básico, médio e superior atraiu
grandes grupos econômicos interessados no ativo da educação, muito baseado na
dimensão do capital humano enquanto ascensão social. Saviani (2008) argumenta nesse
sentido ao demonstrar que as mediadas tomadas pelo governo militar introduziu uma
lógica produtivista sobe a educação, pautando a expansão do ensino superior pelo setor
privado, criando a Pós-Graduação modelada na experiencia americana, nos marcos do
acordo MEC-USAID (1969) e na Reforma Universitária (1969) que separou os cursos
dos departamentos, padronizando e nivelando os conteúdos em termos mais gerais. Do
ponto de vista do investimento, a Emenda Constitucional (1969) desobrigou a União de
um mínimo de investimento do PIB na educação, abrindo caminho para o loteamento de
firmas educacionais nesse espaço, com o consentimento do Conselho Federal de
Educação ao outorgar a criação de instituições privadas na educação.
A partir da década de 1990, na esteira da redemocratização e da promulgação da
Constituição de 1988, observa-se uma continuação da privatização e introdução da
lógica de mercado sobre a educação. Dessa vez, o papel de mediador do mercado coube
aos organismos internacionais como o Banco Mundial e o FMI ao indicar um conjunto
de reformas educacionais introduzindo uma crítica de que o Estado não seria capaz de
produzir uma educação de qualidade para as populações mais pobres, cabendo a
instituições privadas readequarem currículos e formulas que atingissem o grau de
excelência exigido pelos sistemas de avaliação internacionais. Gomide (2013)
demonstra como essas políticas, sempre acompanhada de chantagens financeiras para
aqueles que adotem os seus modelos, inverte a lógica cidadã da Constituição sobre a
educação, responsabilizando docentes sobre os resultados abaixo da crítica da educação
brasileira e solapando mecanismos de gestão democrática e participativa, esvaziando o
papel do Estado enquanto mediador principal da formação de uma educação de
qualidade e de sua consequente expansão.
A reconstrução histórica da organização da educação brasileira denota como esta
esteve sempre inserida dentro das disputas entre grupos sociais distintos, com projetos
societários que expressam interesses de classe sobre ela. De forma geral, pode-se
afirmar que a educação brasileira acompanhou as transformações ocorridas no
capitalismo e no mundo do trabalho, tornando-se objeto de expansão da lógica
neoliberal e de mercado, em contraposição às propostas que afirmam o caráter cidadão,
democrático e transformador da educação.
A Reforma do Ensino Médio: uma abordagem crítica
A lei de reforma do ensino médio veio acompanhada de um contexto político
conturbado no Brasil. O impeachment da presidente Dilma Rouseff (PT), em 2016,
acelerou um conjunto de mudanças estruturais na condução econômica do Estado
brasileiro, em especial, com a aprovação da lei do teto de gastos. Esse quadro reafirmou
uma nova composição de forças sociais e políticas que pretendiam implementar uma
agenda de reformas de caráter neoliberal, onde a educação ganhava destaque. Buscando
um maior alinhamento com os organismos internacionais e nacionais eu viam a
educação como uma fronteira ainda a ser explorada, a Lei de Reforma do Ensino Médio
se insere em um quadro de avanços de relações econômicas de caráter capitalista nas
instituições educacionais. Nesse sentido, três são as prerrogativas que chamam mais a
atenção na reforma: os itinerários formativos, o ensino técnico e a contratação de
professores por notório saber.
Os itinerários formativos foram elaborados com a prerrogativa de que se criasse
trajetórias escolares mais livres, flexíveis e menos rígidas, o que abriria uma maior
parcela de escolha do estudante em definir qual carreira profissional e educacional
gostaria de seguir, selecionando aquele currículo eu melhor se adequaria aos seus
interesses.2 Todavia, KOEPSEL, E; GARCIA; S; CZERNIK (2020) apontam que a
proposta de uma liberdade de escolha dos estudantes encontra limitações inclusive
orçamentárias e legais, pois dependerá da oferta de itinerário oferecida pela instituição
escolar. Na mesma linha, Tamberlini (2017) avança demonstrando que essa suposta
liberdade se escora em uma prerrogativa de uma formação rápida e rasa do ponto de
vista dos conteúdos e do conhecimento, priorizando a construção de um sujeito social
adaptável ao capitalismo flexível. Essas contribuições indicam a prevalência imediatista
e exterior às demandas de um ensino democrático, criando a falsa ilusão de que os
itinerários respondesse a esta modalidade. De forma geral, os itinerários reforçam a
dualidade, pois as necessidades de um jovem oriundo das camadas populares é muito
maior do que um jovem de classe média, impelindo o primeiro de adotar um ensino
mais rápido, devido a necessidade de adentrar ao mercado de trabalho, ficando ausente
de um conjunto de conhecimentos necessários para a interpretação da realidade que o
rodeia, tanto em seus aspectos econômicos, quanto sociais.

2
§ 7º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar
um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos,
cognitivos e socioemocionais (BRASIL, 2016 ).
A proposta de ensino técnico contida na reforma avança em uma perspectiva que
reduz o tempo de sala de aula dos estudantes, apesar da divulgação de fortalecimento do
ensino integral. A possibilidade de se encurtar o ensino técnico, mediante um certificado
de semi-conclusão, porém atestando habilidades adquiridas, esvazia a importância da
formação técnica.3 Tamberlini (2017) aponta que esse movimento reforça a dissociação
do ensino propedêutico do profissionalizante, alienando o jovem estudante da
compreensão totalizante dos aspectos produtivos, esvaziando a proposta da politecnia e
formando um profissional que compreende a prática de uma técnica, porém sem inseri-
la em um todo, respondendo apenas a uma demanda de mercado de uma mão de obra
mais simples de ser formada e mais barata. Essa proposta de ensino técnico atende
necessidades daqueles setores de menor intensidade tecnológica, reforçando o caráter
subalterno da economia brasileira em termos da qualificação profissional.
Por fim, a proposta de contratação de professores por notório saber 4 torna
desimportante a prática pedagógica, permitindo que a difusão de habilidades e práticas
se se sobreponha sobre os conhecimentos adquiridos durante a trajetória formativa do
profissional da educação. Tal como Tamberlini (2017) coloca, essa possibilidade torna
ainda mais fragmentado e mais segmentado a proposta pedagógica de construção do
ensino médio, pois flexibiliza o conceito de qualidade, pensando a qualidade como
expressão de uma formação pouca aprofundada e calcada na prática e não no
conhecimento.
Conclusão
A partir das discussões aqui apresentadas chega-se a conclusão de que a reforma
do ensino médio é a expressão de uma correlação de forças desfavorável para as classes
populares e forças democráticas nesse momento. Pensando em uma relação capital x
trabalho, a educação tem pendido para o lado da valorização de mercado,
transformando-se em um importante ativo da financeirização da economia. As críticas
apresentadas demonstram essa situação, onde a formação de sujeitos sociais se resumem
a formação de sujeitos para o mercado, sem direitos e ausente de uma consciência
3
§ 6º A critério dos sistemas de ensino, a oferta de formação com ênfase técnica e profissional
considerará: II - a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o
trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com terminalidade (BRASIL, 2016).
4
§ 3º O processo seletivo referido no inciso II considerará as competências e as habilidades definidas na
Base Nacional Comum Curricular.” (NR)
IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar
conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou
prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporações privadas em
que tenham atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput do art. 36 (BRASIL, 2016).
crítica que lhes serão tomadas no ensino médio. Para além dessa questão, é importante
salientar que a reforma do ensino médio está inserida no circuito global de acumulação
capitalista também na sua dimensão de reprodutora da posição subordinada do Brasil
enquanto participante de etapas de criação de mercadorias de menor valor agregado e
tecnologicamente defasadas. Pensar criticamente a reforma também impõe uma revisão
e uma necessária vinculação de uma proposta educacional que se insira em um projeto
de desenvolvimento econômico e social mais amplo.
Referências Bibliográficas
ANDREOTTI, A. A ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR NA ERA VARGAS E NO
NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO (1930 - 1964). Revista HISTEDBR On-line,
Campinas, n. especial, p.102–123, ago. 2006.
BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília:
Senado Federal/Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Medida Provisória n. 746, de 22 de setembro de 2016. Institui a Política de
Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei
n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, e a Lei n. 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação, e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2016.
GOMIDE, A. ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: UM DEBATE
SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A GESTÃO DEMOCRÁTICA. XI
EDUCRE. PUC, Curitiba, 2013.
KOEPSEL, E; GARCIA; S; CZERNIK; E. A TRÍADE DA REFORMA DO ENSINO
MÉDIO BRASILEIRO: LEI No 13.415/2017, BNCC E DCNEM. Educação em Revista
Belo Horizonte. v.36. 2020
SAVIANI, D. O LEGADO EDUCACIONAL DO REGIME MILITAR. Cad. Cedes,
Campinas, vol. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.
TAMBERLINI, A. A reformulação do ensino médio; pontuando conceitos, desvelando
sentidos, pensando caminhos. VI CONEDU. 2017.

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