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Também cabe destacar que o ensino superior brasileiro até os anos 1960
era predominantemente de natureza pública, com instituições federais e
estaduais. É apenas a partir da década de 1960 que passa a ocorrer a
expansão de oferta de vagas e de matrículas no setor privado. E é
justamente no final desta década, em 1968, que é aprovada a legislação:
a Lei n° 5.540/1968 o ‘ensino superior, indissociável da pesquisa’, deveria
ser ‘ministrado em universidades e, excepcionalmente, em
estabelecimentos isolados, organizados como instituições de direito
público ou privado’
e a “legislação brasileira procurou se adaptar à nova realidade de um
sistema complexo 15 de instituições públicas e privadas, de ensino e
pesquisa, presenciais e à distância, sem que, no entanto, houvesse uma
reforma abrangente que desse conta da diversidade que se instalou”
(Schwartzman, 2023).
Cunha (2003) vai ainda mais longe e afirma que, “em vez de investir numa
lei geral para o ensino superior, o MEC foi traçando, no varejo, as
diretrizes e bases da educação nacional, não contra o que seria a lei maior
de educação, mas por fora dela” (p. 4). Esta atitude do MEC leva a um 22
contexto em que, a partir da segunda metade dos anos 1990, o sistema de
educação superior brasileiro passa a apresentar a possibilidade de
formalização de diversos modelos institucionais
Um dos melhores exemplos desta flexibilização e alteração na prática do
modelo de ensino superior vigente no país é a organização acadêmica das
IES, através do Decreto nº 2.306/97. Por esta regulamentação, as IES
passam a adotar cinco formatos diferentes: universidades; centros
universitários; faculdades integradas; faculdades; institutos superiores ou
escolas superiores, sendo estes três últimos praticamente sem distinção
entre si (Cunha, 2003, p.17)
aticamente sem distinção entre si (Cunha, 2003, p.17). No entanto, a
principal alteração neste arcabouço institucional veio com a Lei n° 9870 de
23/11/1999, “que trata de incentivo formal à constituição de entidades
educacionais de natureza empresarial e adicionou o comando de que as
pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de IES, poderão ser de
natureza civil ou comercial” (Nunes, 2012, p. 163). Esta mudança provoca
uma rápida e duradoura expansão do ensino superior privado. Além disso,
como afirma Senkevics (2021) “tal alteração legal permitiu que as próprias
instituições fossem entendidas como mercadorias, o que promoveu
fusões e assimilações empresariais que, no limite, subsidiaram o
estabelecimento de corporações eduPode-se dizer então, a partir de uma
análise das políticas públicas para o ensino superior no governo do
Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que houve um
direcionamento para o benefício a IES privadas que passaram a ter mais
liberdade de atuação, maior autonomia e, ao mesmo tempo, puderam se
inserir fortemente nos próprios espaços de deliberação sobre o ensino
superior, como o Conselho Nacional de Educação (CNE), ampliando seu
poder de decisão nestas instâncias e atuando fortemente em temas
críticos para sua expansão, tais como oferta de vagas, acesso e avaliação
da qualidade do ensino (Cunha, 2003; Nunes, 2012)cacionais com capital
aberto na bolsa de valores” (p.228)
Vale destacar também que, ainda na gestão de Fernando Henrique, em
2001, o Congresso Nacional aprovou 23 o Plano Nacional de Educação
(PNE), Lei 10.172 de 2001, que trazia a perspectiva de expansão com
qualidade do ensino superior e estabelecia metas de expansão de
matrículas para a década seguinte
Ainda no que se refere aos anos 1990, não podemos deixar de mencionar
a importância da criação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em
1998, concebido inicialmente como um exame voltado para a avaliação do
ensino médio, mas que na prática se converteu num mecanismo
importante de acesso ao ensino superior, sendo progressivamente
adotado como critério para ingresso por muitas das IES ao longo da
década seguinte.
A mudança de governo a partir de 2003, inaugurando um ciclo de 13 anos
de gestão federal do Partido dos Trabalhadores (PT), trouxe
transformações importantes para a configuração do ensino superior. No
programa de governo do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva,
observava-se “o reconhecimento do papel estratégico das universidades,
em especial as do setor público, para o desenvolvimento econômico e
social do país” (Ristoff, 2006, p.25). Em 2005, o então Ministro da
Educação Tarso Genro encaminha ao Congresso o anteprojeto de Lei da
Reforma da Educação Superior. Neste documento defende-se a efetivação
da norma constitucional da autonomia universitária e definemse formas
de melhorar o financiamento público, embora ainda muito abaixo do
necessário (Sguissardi, 2006).
Embora esta reforma não tenha se concretizado como uma nova
legislação unificada, o governo Lula implementou uma série de medidas
que ao longo do tempo contribuíram para mudanças significativas no
ensino superior brasileiro, tanto no que diz respeito ao setor público
quanto ao setor privado. Podemos analisar de forma contínua as ações
voltadas para o ensino superior implementadas no ciclo dos governos do
PT, incluindo os dois mandatos de Lula, o primeiro mandato e o segundo
mandato (interrompido) de Dilma Rousseff, no período 2003 a 2016.
Neste percurso, é necessário levar em conta fluxos, avanços e retrocessos
que refletiram diferentes disputas de interesses, concessões e
negociações levadas a cabo pelos dirigentes em cada período.
Uma importante medida tomada ainda em 2004 foi a criação do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), através da 24 Lei
10.861, a fim de promover uma reformulação do Exame Nacional de
Cursos, trazendo maior complexidade à avaliação (Sguissardi, 2006).
Lei No. 12.711, de 29 de agosto de 2012, que ficou conhecida como “Lei
de cotas”, que instituiu cotas nas instituições federais de ensino. A lei
estipulava que até 2016 pelo menos 50% das vagas das instituições
federais de educação superior fossem reservadas para estudantes de
escola pública
IES estaduais e federais já adotavam reserva de vagas para estudantes de
escola pública, pretos e pardos e de menor renda, chegando-se ao
número de 115 instituições públicas de educação superior com algum tipo
de reserva de vagas em 2012 (Feres Júnior, 2008).
Outro aspecto que destacamos como avanço no campo das políticas de
ação afirmativa foi justamente a maior legitimidade alcançada por elas ao
longo da última década. Havia neste período a preocupação com o
desfecho da votação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre duas ações
diretas de inconstitucionalidade que tramitavam naquela corte, ambas
questionando o princípio da reserva de vagas. Neste sentido, destacamos
a importância da votação unanimemente favorável do STF em 2012 à
constitucionalidade das políticas de ação afirmativa, inclusive no seu
componente racial
legitimação do ponto de vista não apenas jurídico, mas também político e
ideológico sobre a justeza e 28 relevância das políticas de ação afirmativa.
Foi emblemática a enunciação detalhada e contundente dos votos por
parte de todos os ministros do STF, traduzindo em seus discursos as ideias
e reflexões que vinham sendo afirmadas por muitos anos pelo movimento
negro e ativistas antirracistas (Silverio, 2012)
Por ocasião dos 10 anos de implementação da Lei de Cotas no Brasil,
realizamos um estudo nacional que apontou como principal conclusão que
seu impacto foi extremamente positivo em todos os sentidos (Heringer &
Carreira, 2022). Concluímos também que, apesar dos avanços, ainda há
muitos desafios a enfrentar. Podemos reconhecer que as políticas de ação
afirmativa e as políticas de democratização do acesso ao ensino superior
brasileiro vêm contribuindo decisivamente para “mudar a cara” da
universidade, tornando-a mais próxima do retrato da população brasileira
como um todo
Destacamos como um dos efeitos destas políticas, por exemplo, que a
proporção de estudantes matriculados em universidades federais que
ingressaram por alguma reserva de vaga passou de 6% em 2010 para 35%
em 2019 (Heringer & Carreira, 2022).
As políticas de ação afirmativa, conjugadas à expansão de vagas,
possibilitaram, entre outros resultados, o aumento expressivo da presença
de estudantes de menor renda, de escola pública, de autodeclarados
pretos, pardos e indígenas e de pessoas com deficiências nas
universidades federais