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Como definir, numa disciplina, uma abordagem específica ? Constituiria tal abordagem uma
corrente, um sub-domínio ? Seria teórica ou metodológica ? Estaria situada ainda no mesmo
campo disciplinar ?
No que tange ao discurso – sem deixar de lado o campo da língua – sabemos que constitui um
campo disciplinar próprio, com seu domínio próprio de objetos, seu conjunto de métodos, de
técnicas e de instrumentos. Entretanto, há diferentes maneiras de problematizar seu estudo.
A maneira pela qual abordamos o discurso insere-o numa problemática geral que procura
relacionar os fatos de linguagem a alguns outros fenômenos psicológicos e sociais : a ação e a
influência. Nessa perspectiva, o que se pretende é tratar do fenômeno da construção psico-socio-
linguageira do sentido [1], a qual se realiza através da intervenção de um sujeito, sendo, ele
próprio, psico-socio-linguageiro.
Da leitura de trabalhos recentes, que focalizam o estudo da linguagem sob ângulos diversos,
pode-se concluir, sem que necessariamente nenhuma destas obras o faça, que a linguagem
comporta várias dimensões, as quais retomarei, livremente, da seguinte maneira :
uma dimensão cognitiva cuja questão é saber se há uma percepção e uma categorização do
mundo independentes da ação da linguagem, ou se tais processos se realizam
necessariamente através da linguagem. Correlativamente, quais são as operações
semantico-cognitivas da estruturação lingüística do mundo ? [4], em torno de uma ou outra
destas dimensões. Há, com efeito, diferentes pontos de vista teóricos no âmbito de um
mesmo domínio : várias pragmáticas [5], várias psicolingüísticas [6], etc. Por vezes, um
domínio é definido de maneira tão extensiva que diferentes teorias o reivindicam : é o caso
da sociolingüística [7]. Por vezes, existem filiações múltiplas : o estudo das interações
verbais pertence ao domínio do discurso mas tem a ver igualmente com estudos
“etológicos” e psicossociológicos [8]. Assim, diferentes teorias têm em comum certos
postulados, certos conceitos, certas hipóteses, o que dificulta uma classificação. A própria
análise do discurso, onde começa, onde termina ?
São indagações que refletem a complexidade deste campo disciplinar. Diante disso, três atitudes
são possíveis : inserir-se num desses domínios ; inventar um novo (como ousar ?) ; tentar
conectar alguns dentre eles integrando-os numa problemática global (que será necessariamente
transdisciplinar).
Esta última opção, por mais arriscada que seja [9] corresponde à posição que adotamos já há
algum tempo, e que, ao longo dos anos, vem-se tornando mais precisa. Consiste em relacionar
entre si determinados questionamentos que tratam do fenômeno da linguagem - sendo uns mais
externos (lógica das ações e influência social), outros mais internos (construção do sentido e
construção do texto).
Deve-se salientar, entretanto, que a articulação destes questionamentos se faz numa perspectiva
lingüística (no sentido amplo). Se há comunicação, é de uma comunicação particular que
tratamos : aquela que se realiza através da linguagem verbal ; se há construção do sentido, trata-
se da construção que se faz pelas formas verbais ; se há construção de um texto, trata-se daquela
que depende das regras de “ordenamento” do verbal.
Eis porque a posição que tomamos na análise do discurso pode ser chamada [10] de
semiolingüística. Semio-, de “semiosis”, evocando o fato de que a construção do sentido e sua
configuração se fazem através de uma relação forma-sentido (em diferentes sistemas
semiológicos), sob a responsabilidade de um sujeito intencional, com um projeto de influência
social, num determinado quadro de ação ; [11] lingüística para destacar que a matéria principal
da forma em questão - a das línguas naturais. Estas, por sua dupla articulação, pela
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Postulamos então que, para que a semiotização do mundo se realize, é necessário um duplo
processo :
Assim, numa notícia de jornal que tem por título : “Descaso : desaba o telhado de um
supermercado. 15 feridos”, a identificação é marcada por : “telhado”, “supermercado” e “feridos”,
com modos de determinação particulares desta identificação : “o”, “um”, “15” ; a qualificação está
incluída nas denominações precedentes : “supermercado” (pela dimensão e peso), “feridos” (pelo
estado das vítimas) ; a ação está expressa por “desaba” ; a causação por “descaso”.
b) o processo de transação se realiza de acordo com quatro princípios, dos quais fornecemos
breves definições, já expostas anteriormente quando apresentamos nosso “postulado de
intencionalidade” [14] :
A descrição do duplo processo de semiotização que acabamos de propor, com suas operações e
seus princípios, corresponde ao que denominamos, em trabalhos anteriores, e seguindo
J.R.Searle, de postulado de intencionalidade [16]. Para nós, este postulado é o fundamento do ato
de linguagem.
Um ato de linguagem, como acabamos de ver, pressupõe uma intencionalidade – a dos sujeitos
falantes, parceiros de uma troca. Em decorrência, esse ato depende da identidade dos parceiros,
visa uma influência e é portador de uma proposição sobre o mundo. Além disso, realiza-se num
tempo e num espaço determinados, o que é comumente chamado de situação.
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Esta série de hipóteses define, pois, o ato de linguagem como originário de uma situação concreta
de troca, dependente de uma intencionalidade, organizando-se ao mesmo tempo num espaço de
restrições e num espaço de estratégias, produzindo significações a partir da interdependência de
um espaço externo e de um espaço interno - o que nos leva a propor um modelo de estruturação
em três níveis [19] :
O nivel do situacional, para dar conta dos dados do espaço externo, e que constitui ao
mesmo tempo o espaço de restrições do ato de linguagem. É o lugar onde estão
determinados : a finalidade do ato de linguagem, que consiste em responder à pergunta :
“estamos aqui para dizer ou fazer o quê ?” ; a identidade dos parceiros da troca linguageira,
em resposta à pergunta : “quem fala a quem ?” ; o domínio de saber veiculado pelo objeto
da troca, respondendo à pergunta : “sobre o quê ?” ; enfim (mas não se trata de uma
cronologia), o dispositivo constituído pelas circunstâncias materiais da troca, respondendo à
pergunta “em que ambiente físico de espaço e tempo ?”.
O nível do comunicacional, lugar onde estão determinadas as maneiras de falar (escrever),
em função dos dados do situacional, respondendo à pergunta : “estamos aqui para falar de
que modo ?”. Correlativamente, o sujeito falante (quer seja comunicante, quer
interpretante) se pergunta quais “papéis linguageiros” deve assumir que justifiquem seu
“direito à fala” (finalidade), que mostrem sua “identidade” e que lhe permitam tratar de um
certo tema (proposição) em certas circunstâncias (dispositivo).
O nível do discursivo constitui o lugar de intervenção do sujeito falante, enquanto sujeito
enunciador, devendo atender às condições de legitimidade (princípio de alteridade), de
credibilidade (princípio de pertinência) e de captação (princípio de influência e de
regulação), para realizar os “atos de discurso” que resultarão num texto. Este se configura
pela utilização de uma série de meios lingüísticos [20] (categorias de língua e modos de
organização do discurso) [21], em função, por um lado, das restrições do situacional e das
possíveis maneiras de dizer do comunicacional, e por outro lado do “projeto de fala” próprio
ao sujeito comunicante.
2. O quadro metodológico
A análise do discurso, do ponto de vista das ciências da linguagem, não é experimental, mas
empirico-dedutiva [22]. Isto significa que o analista parte de um material empírico, a linguagem,
que já está configurada numa certa substância semiológica (verbal). É esta configuração que o
analista percebe, podendo manipulá-la através da observação das compatibilidades e
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Uma análise do discurso deve pois determinar quais são seus objetivos em relação com o tipo de
objeto construído , e qual é a instrumentalização utilizada, de acordo com o procedimento
escolhido.
A segunda opção corresponderia a uma perspectiva de análise textual, na qual focaliza-se uma
realização particular (um texto), para tentar descrever, da maneira mais exaustiva possível, os
traços que a caracterizam. É uma outra tendência da etnometodologia e de algumas análises de
texto. Esta perspectiva suscita igualmente duas questões : o que se pode concluir de fatos
particulares se eles não apontam para os mecanismos recorrentes que presidem à fabricação
destes textos ? Não estariam estes fatos particulares relacionados a regularidades que se
consolidaram e que, por organizarem as trocas linguageiras, devem obrigatoriamente ser levadas
em conta pelo analista [24] ?
Tais questões são abordadas continuamente pelos pesquisadores, pois todos sabem que o
procedimento de análise é duplo, indo do particular para o geral, e do geral para o particular. O
que não impede que, segundo as tendências, se privilegie tal ou qual movimento, induzindo a
formação de tal ou qual modelo. Neste caso, definiremos nossa posição.
As condições, para nós, são estruturadas num “contrato de comunicação” [25] o qual preside a
toda produção linguageira. Para descrevê-las, é necessário, reunir produções que, por hipótese,
pertençam ao mesmo tipo de situação ; a isso denominamos de “corpus de textos”. Este trabalho
se faz ao mesmo tempo por um levantamento empírico (intuitivo) das constantes que permitem
reunir estes textos (por exemplo, para a publicidade, destacam-se as constantes : produto,
marca, slogan-promessa, assinatura de uma agência de publicidade, suporte de difusão), e por
um levantamento também empírico das diferenças entre estes textos e os textos que se
assemelham a eles mas não possuem todas as constantes levantadas anteriormente (por
exemplo, textos de propaganda política). Estabelecem-se assim fronteiras que circunscrevem, de
início, um (ou mais) corpus de textos relativamente homogêneo. Este tipo trabalho determina uma
das condições que consideramos fundamental para a constituição de um corpus, e que é
constitutiva do procedimento de análise : a condição de “contrastividade”.
Assim sendo, o estudo das características discursivas próprias a esse corpus mostra o
funcionamento das condições do contrato de comunicação, pois tais características as reativam ou
as transgridem, e, ao mesmo tempo, mostra como funcionam as estratégias (conscientes ou não)
próprias ao projeto de fala do sujeito comunicante.
Uma vez determinado este objetivo global (não se trata de hipóteses), resta precisar alguns
critérios de construção do corpus.
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hierarquização destes tipos (ou destes gêneros) em relação uns com os outros : o que caracteriza
o modelo geral (o tipo super-ordenado) e o que caracteriza o sub-tipo ou o sub-gênero ?
O que propomos, é construir uma tipologia, não das formas nem dos sentidos, mas das condições
de realização dos textos – isto é, dos “contratos de comunicação” – considerando que existem
contratos mais ou menos gerais que englobam outros, e que cada um destes pode comportar
variantes. Por exemplo, o contrato de comunicação “propagandista” engloba contratos particulares
como os do “discurso publicitário” e do “discurso eleitoralista”, e, no âmbito do discurso
publicitário, encontram-se variantes tais como a publicidade de “rua”, de “revista” ou de “anúncios
televisionados” [26]. Do mesmo modo, o contrato de comunicação do “debate” comporta
contratos particulares como os do “debate midiático”, “debate científico”, “debate político”
(parlamentar), e no interior do “debate midiático” encontramos variantes como o debate
“cultural”, debate “social”ou “talk show” [27]. Tal modelo permite estudar as modificações
eventuais sofridas por um contrato através do tempo, assim como as diferenças na realização de
um mesmo contrato em contextos socioculturais diferentes [28]].
Isto implica, então, que à condição de “contrastividade” de que falamos esteja atrelado um critério
de “abertura/fechamento”, que consiste em construir o corpus segundo um movimento em caracol
que procede por contrastes sucessivos.
Estes contrastes podem ser internos. São estabelecidos em torno de alguns dos dados do
contrato. Por exemplo, para o estudo da publicidade, poder-se-á construir um corpus em torno de
um mesmo produto, contrastando-se as “marcas”(Peugeot, Fiat, Ford, etc), ou um corpus
transversal aos produtos, contrastando certas “representações” (a mulher na publicidade / o
homem na publicidade), ou ainda um corpus em torno de uma mesma marca, contrastando os
“suportes” (a publicidade das revistas / os anúncios televisionados / os out-doors).
Mas a abertura / fechamento pode ser mais ampla, e os contrastes externos, enfocando as
variáveis de espaço (o mesmo contrato em diferentes contextos socio-culturais : a publicidade na
França, na Espanha, na Inglaterra), de tempo (o mesmo contrato em diferentes épocas : a
publicidade dos anos 50-60, 70-80, 90), ou confrontando contratos diferentes para estudar suas
semelhanças e suas dissemelhanças (o contrato publicitário e o contrato informativo ou o contrato
político).
Uma vez construído o corpus, e tendo este sido contrastado de maneira a definir o contrato de
comunicação (sendo esta a primeira tarefa da análise do discurso que defendemos aqui), torna-se
possível proceder tanto à análise de textos particulares, quanto (como conseqüência) à proposta
de uma tipologia.
Com efeito, a partir deste trabalho de construção e contraste do corpus, é possível descobrir,
destacar e interpretar (por um processo inferencial) os índices que caracterizam cada texto. Tais
índices apontarão : ora para a relação do texto com os dados do contrato a partir de inferências
situacionais - que podem configurar a conformidade ao contrato, (sua reativação), ou sua negação
(sua transgressão) ; ora para o jogo estratégico que é próprio ao sujeito comunicante, no interior
do contrato, quando tais índices são confrontados com outros elementos do contexto (inferências
contextuais) ou com um corpus (que seria “virtual”) – constituído este último por um certo saber
experiencial compartilhado (inferências intertextuais) [29]. Isso tudo tem a ver com a análise de
texto.
Eis porque sempre propomos diferenciar análise de texto e análise de discurso. A primeira incide
sobre um texto, consiste em analisar um texto (qualquer que seja sua configuração) – que é o
resultado de uma combinação de certas condições de produção com operações de
“discursivização”, isto é, com operações de construção do discurso – em seu desenvolvimento
linear, de uma forma ao mesmo tempo progressiva e recorrente. A segunda (a análise de discurso)
incide sobre um corpus de textos reunidos em torno de um tipo de situação (contrato) que os
sobredetermina, para que sejam estudadas suas constantes (visando definir um gênero), e suas
variantes (visando definir uma tipologia de estratégias possíveis). Quando se diz que se está
fazendo “a análise de discurso de um texto”, é necessário explicitar se o texto constitui um fim em
si ou se é um simples pretexto.
deve-se tratar da mesma maneira um texto monológico e um texto dialógico ? Seriam dois
objetos diferentes que se inscreveriam em quadros teóricos diferentes ou seriam variantes
de objeto ?
que lugar devem ocupar, na análise, as outras matérias semiológicas, tais como o icônico e
o gestual ? Devem ser tratadas separademente da análise do verbal ou devem ser
integradas a ela, visto que, em todo ato de comunicação, aparecem fornando um só
conjunto ?
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Um modelo de análise do discurso deve poder dar conta de todos os atos de linguagem, quaisquer
que sejam. Deve, pois, dar conta tanto de diálogos quanto de textos escritos. Construir um
modelo tome por objeto o estudo apenas um destes tipos de textos equivaleria a engajar-se numa
construção necessariamente ad hoc que não teria alcance geral.
De início, convém distinguir, sob nosso ponto de vista, situação de comunicação e texto. A
situação é o que define o ato de linguagem em sua função e finalidade comunicativas. Há dois
tipos básicos de situação : situação de interlocução, na qual os parceiros do ato de linguagem
estão fisicamente em presença um do outro e ligados por um contrato de troca imediata [30], e
situação de monolocução na qual os parceiros, quer estejam ou não presentes, estão ligados por
um contrato de troca postergada. O texto é o resultado de um ato de linguagem, e de acordo com
a situação de produção, será um texto monológico ou dialógico [31].
Entretanto, ambos os casos concernem o discurso. É por isso que, no estudo dos textos, sejam
quais forem, partimos de nossas hipóteses gerais sobre o funcionamento do discurso, as quais
constituem, aqui, um quadro de pesquisa :
para determinar :
No que diz respeito à questão do lugar que devem ocupar, numa análise de discurso, os diferentes
componentes da forma semiológica de um texto, a resposta não é simples. Isto é comprovado
pela terminologia diversificada que se encontra nos trabalhos que abordam o domínio da relação
entre o verbal e o não-verbal : “multicanalidade”, “pluricódico”, “plurimodal”, “multi” ou “pluri-
semiológico” (cf. N. Nel, 1990, p. 53).
Convém distinguir, então, o texto (como manifestação verbal e não verbal) daquilo que, em torno
dele, faz parte de suas condições de “discursivização”, a saber : o contexto (como um outro texto
manifesto que se acha antes e depois de uma seqüência considerada), a situação (como condição
contratual de produção-interpretação). Além disso, por outro lado, deve-se considerar que um
texto é compósito do ponto de vista de sua materialidade semiológica (logo, efetivamente : “pluri-
códico”), porque em sua significância ele depende de uma pluralidade de matérias semiológicas,
as quais se combinam numa integração textual, remetendo-se mutuamente (em suas relações de
“ancoragem” ou de “relê” tal como o propôs R. Barthes [33] ), não podendo dissociar-se umas das
outras.
Em face deste sincretismo, duas posições são possíveis. Uma, a de Cosnier (1982, 1984), enfatiza
a sincronicidade da troca verbal (recebida acusticamente) e não-verbal (recebida visualmente),
isto é, “a estrita sinergia entre o verbal e o mimogestual” (Cosnier et Brossard, 1984, p. 20).
Assim sendo, será preciso conduzir concomitantemente a análise dos elementos da comunicação,
considerando que o visual, isto é, o não verbal, predomina sobre o verbal (op. cit. p. 15).
A outra posição, que é a nossa, consiste em estratificar o objeto em níveis de análise autônomos
correspondentes às diferentes dimensões semiológicas. O CAD estuda cada uma dessas
dimensões (o Verbal, o Visual, o Gestual) separadamente. A princípio, o objetivo da
autonomização dos estratos é proporcionar, a cada grupo de pesquisadores que se dedicam a um
dos estratos, a descoberta de suas próprias unidades, as do estrato, e seu modo de combinação.
Num segundo momento, estudar as relações entre os estratos, as quais podem ser de integração
ou de interação (compreendendo os contrastes, as oposições, as convergências). [34]
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Toda instrumentação de análise depende tanto do quadro teórico quanto das hipóteses
metodológicas gerais que dele decorrem, para especificar em seguida, as ferramentas adequadas
ao tipo do objeto. É por isso que consideramos que a instrumentação de análise deve destinar-se
a dar conta do que está em jogo no objeto de estudo enquanto ato de comunicação. Assim sendo,
não nos parece muito útil proceder a análises de corpus ou de textos que se limitem a
confeccionar um catálogo de suas características (retóricas, lexicais, enunciativas, etc.) sem nada
dizer sobre a significância psicossocial do objeto.
1. Todo sujeito linguageiro, para engajar-se num ato de linguagem (seja ele momológico ou
dialógico) deve resolver o problema de saber como ocupar o espaço de fala. Ele deve pois,
de uma maneira ou de outra, legitimar e/ou justificar sua “tomada da palavra”, sua fala.
2. Todo sujeito linguageiro deve, ao mesmo tempo, posicionar-se com relação aos outros
(quer se trate do parceiro real do ato de linguagem ou de diversos destinatários visados).
Ele deverá, pois, usar de estratégias discursivas para criar relações de aliança ou de
oposição com relação a seu(s) destinatário(s).
3. Todo sujeito linguageiro deve, concomitantemente, situar-se com relação à enunciação de
sua proposição sobre o mundo. Ele deverá, pois, organizar e problematizar sua enunciação
de maneira adequada.
Estas três hipóteses determinam três espaços de estudo dos atos de linguagem, os quais
designamos como espaço de locução, espaço de relação, espaço de tematização-
problematização [35].
A partir destas hipóteses gerais, é necessário construir instrumentos diferenciados para a análise
de textos dialógicos ou monológicos.
Para os instrumentos de análise de textos dialógicos, remetemos o leitor aos trabalhos do CAD
sobre a análise do discurso radiofônico (1984a) e dos debates na televisão [36]] que distinguem :
os modos de tomada da palavra, os papéis comunicacionais, os modos de intervenção, os
movimentos das trocas, os encadeamentos temáticos, os perfis argumentativos.
A lingüística, de um certo ponto de vista, é “ingênua” quando sua teoria e seus intrumentos de
análise deixam de lado a descoberta interesses em jogo na significação psicossocial dos atos de
linguagem de uma comunidade sociocultural.
É na carga semântica das palavras, através dos modos de organização do discurso que as
integram, e em situação de troca que se pode recuperar os traços desses jogos de interesse.
Uma tal abordagem do discurso tem múltiplas filiações : pragmática, psicossociológica, retorico-
enunciativa, e mesmo socio-ideológica. E é, necessariamente, pluridisciplinar.
Traduzido por :
Angela Maria da Silva CORRÊA
Do original inicialmente publicado na
Revista Langages, mars 1995
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHARAUDEAU P., dir., 1984a, Aspects du discours radiophonique, Paris, Didier Erudition.
CHARAUDEAU P., 1984b, “L’interlocution comme interaction de stratégies discursives”, Verbum VII,
2-3, Nancy, 1984.
CHARAUDEAU
P., 1988b, “Une théorie des sujets du langage”, in Modèles linguistiques, T.X,FasC.2,
Lille, 1988.
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CHARAUDEAU P., 1989a, “Le dispositif socio-communicatif des échanges langagiers”, in Verbum,
Tomme XII, Fasc. 1, revue de l’Université de Nancy II.
CHARAUDEAU P., 1993a, “Des conditions de la mise en scène du langage” in L’esprit de société,
Mardaga, Bruxelles.
CHARAUDEAU P., 1993b, “Le contrat de communication dans la situation de classe”, in Inter-
actions, Halté J. F. éd., Université de Metz.
COSNIER J., 1982, “Communications et langages gestuels”, in Les voies du langage, Paris, Dunod.
COSNIER J. et BROSSARD, A., 1984, La communication non verbale, Paris Delachaux et Niestlé.
KERBRAT-ORECCHIONI C., 1990, Les interactions verbales, Tome I, Armand Colin, Paris.
LOCHARD G., 1986, “Le télévisuel comme objet autonome et ses implications méthodologiques”,
revue Degrés n°48, hiver 1986, Bruxelles.
LOCHARD G. et SOULAGES J.C., 1993, “Talk show : la part de l’image”, revue de Psychologie
française, n°38-2, 1993, Paris Dunod.
SPERBER D. et WILSON D., 1979, “L’interprétation des énoncés”, in revue Communications, n° 30,
Paris, Le Seuil.
[3] O CAD, Centro de Análise do Discurso da Universidade de Paris XIII, abriga pesquisadores cujo
núcleo permanente é constituído por : P. Charaudeau, F. Claquin, A. Croll, M. Fernandez, O.
Galatanu, G. Lochard, J.C. Soulages. A estes estão associados pesquisadores de outras
universidades francesas.
[4] Ver como colocamos este problema, sob o ângulo da compreensão, em nosso trabalho de
1994d.]
uma dimensão social e psico-social cujas questões remetem ao valor de troca dos signos e
ao valor de influência dos fatos de linguagem ;
uma dimensão semiótica, termo que tomaremos aqui num sentido amplo, cujos problemas
dizem repeito à relação entre a construção do sentido e a construção das formas : como se
faz a semantização das formas ? Como se faz a semiotização do sentido ? Correlativamente,
esta semiotização seguirá um processo idêntico se considerarmos os diferentes níveis - da
palavra, da frase ou do texto ?
Disso decorre que, mesmo se tal ou qual lingüista, sociolingüista ou psicolingüista só trabalhe com
uma ou outra destas dimensões, a linguagem é multidimensional.
Entretanto, o jogo científico impõe que sejam discriminadas e selecionadas as variáveis que
determinam o objeto empírico, para construir conceitos e regras apropriadas à sua análise. Daí
existirem teorizações que circunscrevem domínios, e mesmo territórios[[Se aceitarnos que é
forçoso reconhecer que a determinação de um campo disciplinar é também uma questão de poder
(Bourdieu).
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[7] Cf. Où en sont les sciences du langage, 10 ans après (Session 3), Buscila, ASL, 1992.
[11] Isto é Hjelmeslev + uma perspectiva pragmática+ uma dimensão psico-social, daí porque se
deveria dizer “psico-socio-semio-pragmática”, mas nos limitaremos à denominação simplificada de
“semiolingüística”.
[12] Isto quer dizer que embora outras formas semiológicas participem deste processo, elas se
encontram, de algum modo, sob a dominância da linguagem verbal.
[13] Estas operações, evocadas em 1992 e em 1993a, serão descritas com mais detalhes em um
outro trabalho a ser publicado. O presente trabalho tem como foco principal o processo de
transação.
[18] Esta hipótese do duplo espaço externo/interno e dos dois tipos de sujeitos aí envolvidos foi
formulada, embora de maneira diferente, por diversos autores. Para nós, este fato é sintomático
da necessidade de distinguir dois níveis de construção do sujeito linguageiro.
[20] Seria melhor dizer “semiológicos”, tendo em vista os diferentes sistemas de signos que o
integram.
[21] Cf. nossa “Grammaire” (1992) onde tratamos dos modos de organização do discurso.
[23] Os conceitos como os de “proteção da face”, “lugares”, etc. assim como os de “máximas” e
“regras” incluem-se nesta tendência.
[24] Por exemplo, tomar a palavra, numa interlocução, tem sentido não apenas em função do que
vem antes ou depois, mas também em função daquilo que, na situação de comunicação,
possibilita a tomada de palavra.
[28] Cf. Le Talk Show, em colaboração com R. Ghiglione, publicado pela Editora Dunod.
[ATUALIZAR
[31] Pode-se dizer igualmente monologal / dialogal, mas deve-se reconhecer que em nossa
disciplina, as palavras muitas vezes são armadilhas. Além disso, não se deve confundir este
dialógico com o de Bakhtine.
[32] A ilustração disso pode ser encontrada em nossa “Introduction à l’étude des débats télévisés”
(1991).
[34] Ver apresentação e discussão deste ponto de vista em CHARAUDEAU, P. (dir.) : (1991), e
também a apresentação feita por A. M. Houdebine em Sémiologie (1994). Também neste
particular nossa análise pode ser chamada de “semiolingüística”.
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[35] Ver o desenvolvimento destes três espaços em : “Existe um sujeito da interlocução”, Atas do
colóquio da IADA, Paris-Sorbonne (1994) , assim como CHARAUDEAU, P. (1993c).
[36] Cf. CHARAUDEAU, P. (1991, 1993c). Le talk show, rapport CNRS- Communication, em
colaboração com R. Ghiglione (GRP), no prelo, e A. Croll, 1993. [ATUALIZAR
[37] In :. Charaudeau (dir.), 1991, e também A. M. Houdebine (dir.) Travaux de Linguistique.
Sémiologie (1994).
[38] In : Charaudeau (dir.), 1991 : Le talk show, rapport CNRS- Communication, em colaboração
com R. Ghiglione (GRP), no prelo, e também G. Lochard, 1986 e G. Lochard e J. C. Soulages,
1993.
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