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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS- GRADUAÇÃO


DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

EDITAL Nº 030/2023-PROPPG, de 17 de julho 2023

PRÉ-PROJETO DE PESQUISA

Linha de Pesquisa: Teorias educacionais e práticas pedagógicas

Sugestão de orientadores: Cláudia Helena dos Santos Araújo

Telma Aparecida Teles Martins Silveira

A EDUCAÇÃO FÍSICA E A CONSTRUÇÃO DO CAPITAL CULTURAL

SILVANA SOARES LACERDA

Resumo: No decorrer da história das sociedades, notamos que as experiências determinam


nossas idéias, valores, motivações, posicionamentos diante de diversas circunstâncias. O
conceito de habittus de Pierre Bourdieu será o norteador da pesquisa na compreensão de
como se estabelecem essas idéias a partir das experiências coletivas, ou seja, em sociedade.
Seus estudos na Educação Física foram escassos e aparentemente não tinham relação com o
âmbito escolar. Mas, podemos nos apropriar de suas teorias a fim de compreender a realidade
na tentativa de transformá-la, que é a função da escola. Dessa forma, nos instigou fazer um
levantamento bibliográfico a fim de perceber no decorrer das sociedades como as práticas se
concretizaram.

Palavras chave: Habitus; Violência Simbólica; Transformação; Capital Cultural


INTRODUÇÃO

Compreender como se estabelecem as relações sociais é essencial no processo


educacional. No decorrer da história das sociedades, as relações estabelecidas configuraram a
maneira de pensar, de agir, se posicionar. Tudo estabelecido por meio de um coletivo e que se
manifesta individualmente e de forma durável, perpetuando pelas gerações. A esse fenômeno,
Bourdieu (1976 apud Ortiz 1983) estabeleceu o conceito de habitus. Para ele, toda ação
pedagógica se constitui em violência simbólica, uma vez que a escola cumpre a função de
selecionar cumprindo sua finalidade e contribuindo para as desigualdades sociais. (Bourdieu,
1966, apud, Assumpção, 2014).

Ventura (2008) revela que nos anos 80 surge uma nova perspectiva na Educação
Física na tentativa de romper com pressupostos positivas com a reabertura política abrindo
espaço para uma teoria educacional crítica baseada na Escola de Frankfurt, defendida por
Saviani. Libâneo (1988 apud GHIRALDELLI JR, 2007) defendia que a educação física não
se limita somente em realizar o movimento. Se esta se insere no contexto, escolar deve
contribuir para ampliar a consciência crítica e social do aluno por meio da sua participação
ativa na prática social.

A partir desses conceitos apresentados, o problema que envolveu a pesquisa foi: é


possível constituir ampliar o capital cultural através da Educação Física Escolar?

Trazendo essas comparações e diante de algumas inquietações, surgiu o interesse


em investigar se de fato as tentativas de transformação da realidade estão sendo permeadas
através das aulas de Educação Física na escola. A pesquisa se justifica por um caráter pessoal,
na tentativa de compreender as relações estabelecidas no âmbito escolar por meio de
experiências enquanto professora na rede pública estadual e sobre a instigação nas discussões
sobre a temática. E ainda se justifica no meio científico por possibilitar, através de seus
resultados, a continuidade na pesquisa sobre as relações e perspectivas sobre a disciplina a fim
de ratificá-la como imprescindível na formação humana e possibilitar a transformação da
realidade por meio de um posicionamento crítico acerca dela.

O objetivo geral é analisar as possibilidades de construção de novos habitus por


meio da atuação do professor de Educação Física. Dentre os objetivos específicos estão:
analisar o contexto histórico da educação e Educação Física, examina as considerações a
respeito da construção do habitus e estabelecer relações desse conceito com as possibilidades
da Educação Física.

O trabalho foi estruturado em seções, onde primeiro se estabelece considerações


sobre o habitus, em sequência se apresenta tendências pedagógicas e a Educação Física nesse
contexto e por fim se estabelece as possibilidades de ampliação de capital cultural por meio da
Educação Física.

O estudo apresenta uma linha de pesquisa vinculada às práticas pedagógicas e


sociais, pois tem como foco um fenômeno que acontece em sociedade e influencia nas
relações estabelecidas na escola. As linhas de pesquisas tornam-se essenciais em uma
pesquisa científica, pois é ela que irá direcionar o processo a fim de que haja informações
claras e organização do trabalho. As pesquisas em educação, assim como as pesquisas nas
áreas de ciências sociais e humanas, são essencialmente qualitativas. Como afirma Minayo
(2002 apud REIS, 2015) muito se tem avançado na concepção de que é preciso considerar que
os fenômenos humanos e sociais nem sempre podem ser quantificáveis, pois, envolve um
universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a
um espaço das mais profundas relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis.
DESENVOLVIMENTO

COMPREENSÃO DO HABITUS NAS RELAÇÕES SOCIAIS

As ideias de Bourdieu acerca do habitus é o ponto de partida para a compreensão


de como se estabelecem os princípios e valores em sociedade. Para ele, é algo permanente e
que foi constituído por meio das práticas e suas representações por cada indivíduo e que
fazem parte da coletividade.

Bourdieu (1976 apud Ortiz 1983) interpreta o habitus como:

“sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem


como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e estrutura práticas e
as representações que podem ser objetivamente ‘regulamentadas’ e ‘reguladas’ sem
que por isso sejam o produto de obediência de regras, objetivamente adaptadas a um
fim, sem que se tenha necessidade de projeção consciente deste fim ou do domínio
das operações para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente
orquestradas sem serem produto da ação organizadora de um maestro”

Ao analisar o conceito de Pierre Bourdieu sobre o habitus, Ortiz (1983) define que
o mesmo conforma e orienta as ações e na medida em que é produto das relações sociais,
asseguram a reprodução dessas mesmas relações objetivas.

Para tornar mais claro o entendimento a respeito do habitus, Setton (2002) o


define como instrumento conceptual que auxilia a apreender certa homogeneidade nas
disposições, nos gostos, nas preferências de grupos e / ou indivíduos produtos de uma mesma
trajetória social.

Podemos considerar a partir desses conceitos que, nossos posicionamentos,


valores, costumes, ideologias mesmo que sejam individuais, são frutos de experiências num
coletivo e acabam sendo reprodução quando tendem a se repetir por predisposição. Quando
nos apropriamos desses saberes podemos observar como se manifesta na sociedade.

Ortiz (1983) também esclarece sobre a questão de gostos de classe e estilo de vida
para explicar o habitus. Segundo ele, estilo de vida é um conjunto unitário de experiências
distintas que determinam a lógica de cada um em relação a subespaços simbólicos, mobília,
vestimentas, linguagem. Então, os gostos, propensões e aptidões se distinguem de acordo com
as classes. Dessa forma, a escolha entre o bar e o lar, a bebida e abstinência dependem das
ambições e oposições entre as classes populares e burguesas. Esse exemplo é utilizado na
tentativa de explicar como as práticas constituem naturalidade dependendo do estilo de vida
que cada ser mantém de acordo com sua classe.

É através dessa percepção que nos instiga a investigar como as práticas


construídas nas relações interferem diretamente nas práticas da Educação Física, seja na
relação, professor-aluno e aluno – aluno. Como já vimos, o habitus é um conjunto de
referências construídas nas relações sociais, que de forma inconsciente determina
determinados posicionamentos individuais que ratificam a reprodução de algo comum na
sociedade.

Ortiz (1983) afirma ainda que o habitus, enquanto produto a história, produz
práticas individuais e coletivas, e produz história em conformidade com os esquemas
engendrados pela história. Discorre ainda que, o princípio da continuidade e regularidade
concedido ao mundo social são sistemas de disposições do passado, que sobrevivem no
presente e se perpetuam no futuro.

A partir desses conceitos percorreremos no âmbito da educação para compreender


como as ideias explicitadas podem ser identificadas no decorrer da história.

TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA

É importante compreender na história da educação, como se organizavam as


relações. As tendências pedagógicas determinavam as relações em cada época. A escola
tradicional era pautada no professor que era o detentor do conhecimento. Não oportunizava o
debate, a teoria deveria ser aceita sem questionamentos. Sua função era vigiar, corrigir e
aconselhar (PCN, 1997).

Rossueau inaugurou uma nova era na educação, resgatando a relação entre


educação e política. O tema infância foi central em sua discussão, afirmando que a criança
não seria um adulto em miniatura. Para ele, a criança nasce boa e o adulto é lhe perverte.
(GADOTTI, 2001).

Não tão otimista quanto Rousseau, mas seu admirador, o educador alemão
Emanuel Kant, acreditava que o homem não podia ser considerado totalmente bom, mas,
capaz de elevar-se por meio da educação pautada em princípios da disciplina, didática,
formação moral e da cultura (GADOTTI, 2001).
Por meio do movimento escolanovista, o professor assume o papel de mediador,
permitindo a aprendizagem pela descoberta. (PCN, 1997). O ambiente é um meio
estimulador, valorizando aspectos psicológicos do sentimento, da subjetividade. (ABREU et.
al. 2003).

Na abordagem tecnicista, a educação valoriza o desempenho. Busca a eficiência,


eficácia, qualidade. Não se preocupa com o processo mental do aluno e sim com a resposta da
mecanização de processos. (ABREU et. al. 2003).

Na década de 1920, a educação física recebeu influências de uma tradição


educacional que a situou como uma atividade complementar com fins de preparação 18
militar, eugenismo, nacionalismo e formação de atletas (BETTI; ZULIANI, 2002).

A Educação Física sempre foi pautada em princípios das ciências naturais, com
valorização de um corpo saudável, estético, forte para atender os interesses do trabalho.
Percebemos as influências da pedagogia tecnicista nos objetivos da Educação Física. Diante
do exposto, fica evidente que a Educação Física brasileira se vincula ao eixo paradigmático da
aptidão física. (CASTELLANI FILHO, 1988).

Apesar da prevalência desse eixo paradigmático, a partir dos anos 80 novas


abordagens críticas, com visão progressista se estabeleceram no Brasil a partir da reabertura
política. Assim a Educação Física passou a ser vista com outras finalidades, de forma a
estabelecer posicionamentos críticos.

POSSILIDADES DE CONSTRUÇÃO DE CAPITAL SOCIAL ATRAVÉS DA


EDUCAÇÃO FÍSICA

É importante compreender como se estabeleceu o processo da educação para


compreender a realidade. Quando se trata da Educação Física, ressaltamos suas finalidades de
acordo com a abordagem crítico- superadora:

A expectativa da Educação Física escolar, que te como objeto a reflexão sobre a


cultura corporal, contribui para a afirmação dos interesses de classe das camadas
populares, na medida em que desenvolve uma reflexão pedagógica sobre valores
como solidariedade substituindo o individualismo, cooperação confrontando a
disputa, distribuição em confronto com apropriação, sobretudo enfatizando a
liberdade de expressão dos movimentos – a emancipação -, negando a dominação e
submissão do homem pelo homem (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.40).
Dentro do contexto da Educação Física, as idéias de Boudieu ainda são muito
escassas. Suas tentativas em explicar influências por meio do esporte na comunicação. De
acordo com Medeiros (2009 apud Assumpção, 2014), ao analisar o espetáculo televisivo e sua
forma de exercer violência simbólica, por desenvolver instrumento de registro e tornar-se um
instrumento da realidade.

Pensando nas ideias de Bourdieu, vemos algumas possibilidades de aproximação


com a Educação Física Escolar, mesmo que suas análises não tenham sido específicas para
este campo de atuação. As aulas de Educação Física, tornam-se desafiadoras à medida que o
professor precisa lidar com as idéias de cada aluno na tentativa de ir na contra mão das ideias
dominantes que Bourdieu denuncia em sua abordagem sobre habitus e capital cultural.

É importante refletirmos também sobre a ação educativa como uma violência


simbólica. É algo complexo e desafiador. Para Bourdieu (1966, apud, Assumpção,2014) a
escola é campo de reprodução da sociedade, o que não a exime de exercer a sua função, já que
foi criada com o ideal de seleção, ratificando desigualdades sociais. Sua teoria do sistema do
ensino enquanto violência simbólica faz parte de uma abordagem crítico-reprodutivista, e
afirma que os grupos e classes dominantes controlam os significados culturalmente legítimos
e socialmente mais valorizados. Diante disso, qualquer ação pedagógica constitui-se em
violência simbólica. (Abreu et. al. 2003).

Se o habitus significar criar uma situação irreversível. Para isso, é preciso


insistência e persistência; fazer fixar algo por meio da repetição. (SAVIANI, 1994). Por que
não inculcar valores contrários aos das classes dominantes nos nossos alunos de modo a
transformar a realidade?

Muitos fenômenos foram naturalizados no processo: a reprovação; a separação de


atividades e definição de cores por gêneros; futebol para meninos; dança (ballet) para
meninas. Pensar a prática através de uma pedagogia progressista é o grande desafio da
educação. Para Freire (1996), a escola deve exercer um papel transformador na sociedade.
Dever ser a base para a mudança social. Esse movimento faz parte de uma educação
progressista onde a escola é condicionada pelos aspectos sociais, políticos e culturais onde
existe, contraditoriamente, possibilidade de transformação social. (Abreu et. AL, 2003).
É possível, através de uma perspectiva progressista, pautada em princípios
humanistas, problematizar a realidade de forma a conscientizar e fazer o sujeito autônomo e
participante da transformação da realidade. Nessa relação, educador e educando aprendem
juntos por meio de uma concepção dialética, onde a prática, orientada pela teoria, reorienta
essa teoria, num processo de constante aperfeiçoamento. (Abreu et. al. 2003).
CONCLUSÃO

Dessa forma, podemos concluir que, apesar das dificuldades diante das idéias
fixadas no decorrer do tempo e levando em consideração as finalidades da Educação Física
nesse contexto, não podemos desconsiderar as possibilidades de um novo posicionamento
diante das situações expostas por meio de uma atuação crítica nas aulas. É importante fazer o
aluno compreender o sentido e significado de suas ações e fazê-lo perceber-se como sujeito
capaz de transformar sua realidade. É primordial a atuação do professor na problematização
da realidade e na atuação para a sua transformação.

Para que a pesquisa alcance resultados mais satisfastórios em relação ao fenômeno


analisado, torna-se essencial sua continuidade em campo. O tempo para a produção foi muito
curto, impossibilitando a aplicação de instrumentos de coleta de dados. O loco é o lugar onde
tudo se desenvolve e é por meio da prática que podemos levar em consideração todo
conhecimento sobre habitus na perspectiva de Bourdieu e verificar das possibilidades de se
construir junto aos alunos, novas práticas, ideias, valores e posicionamentos a ponto de se
tornar algo como sendo parte da sua natureza, e que não reproduza a violência construída ao
longo do tempo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Diana Cristina de.et. al. Concepções e tendências da educação e suas


manifestações na prática pedagógica escolar. Curitiba, PR: Universidade Federal do
Paraná,2003.

ASSUMPÇÃO, Renato Poubel de Sousa. Breve diálogo entre Pierre Bourdieu e a


Educação Física: reflexões sobre um novo e possível capital. Rio de Janeiro,2014.
Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao_fisica/0014.html.
Acesso em: maio.2017.

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BETTI, Mauro; ZULIANI, Luis Roberto. Educação física escolar: uma proposta de diretrizes
pedagógicas. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, v.1, n.1, p. 73 – 81, 2002.

CASTELLANI FILHO, Lino. Política educacional e educação física. Campinas, SP:


Autores Associados, 1988.

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez,


1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São


Paulo: Paz e Terra, 1996.

GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. 8. Ed. São Paulo: Editora Ática, 2001.

GHIRALDELLI JR., Paulo. Educação Física Progressista: a pedagogia crítico-social dos


conteúdos e a educação física brasileira. 10.Ed.São Paulo: Edições Loyola, 2007.

ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática,1983.

REIS, Maria Freitas de Campos. A pesquisa e a produção de conhecimentos. Universidade


Paulista Júlio de Mesquita Filho. Disponível em:
http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/195/3/01d10a03.pdf. Acesso em:
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SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico – crítica: primeiras aproximações. 4.ed.
Campinas, SP: Autores Associados, 1994.

SETTON, Maria das Graças Jacintho. A teoria de Bourdieu: uma leitura contemporânea.
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http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n20/n20a05. Acesso em: maio.2017.

VENTURA, Paulo Roberto Veloso. Educação Física – Um conhecimento científico à busca


de sua identidade. Goiânia, 2008.

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