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O teatro do oprimido:
mediação e construção da autonomia
The theater of the oppressed:
mediation and construction of autonomy
RESUMO
Este artigo tem como objetivo situar e demonstrar os resultados de
uma investigação de pós-doutoramento que analisa uma experiência de
apropriação e uso dos princípios metodológicos do Teatro do Oprimido
(BOAL, 2015) em estratégias de mediação do ensino de Artes nas
escolas, junto aos professores e professoras de Artes da rede de ensino
do município de São José em Santa Catarina, Brasil. Apontamos alguns
fatores considerados favoráveis à autonomia e à capacidade do estudante de
interpretar e compor o mundo a partir de suas relações no campo do ensino/
aprendizagem desenvolvidas através de diálogos artísticos e de oficinas
investigativas e comprometidas com perspectivas democráticas e livres.
Nosso referencial teórico contou com as ideias de Augusto Boal no campo
da dramaturgia e Paulo Freire e Immanuel Kant no campo da educação.
As oficinas permitiram uma reflexão profunda sobre o momento atual da
educação brasileira, totalmente profissionalizante, que não deixa espaço e
tempo para aquilo que não é escrita ou cálculo. A metáfora de João e Maria
possibilitou aos professores procurarem pelo olhar do estudante dentro do
espaço ensino/aprendizagem e levarem em conta este olhar no processo de
construção do saber dentro um espaço constitucionalmente democrático e
aberto às experiências.
Palavras-chave: Autonomia. Mediação. Arte. Educação. Teatro do oprimido.
*
Universidade de Évora. Évora, Portugal. E-mail: zecarlosdebus@hotmail.com - https://
orcid.org/0000-0003-4599-8444 E-mail: apb@uevora.pt - https://orcid.org/0000-0002-4159-7718
ABSTRACT
The following text aims to situate and demonstrate the results of an
experience of appropriation and use of the methodological principles of
the Theater of the Oppressed (BOAL, 2015) in mediation strategies for the
teaching of Arts in schools with the Arts teachers of the education system
in the municipality of São José in Santa Catarina, Brazil. We pointed out
some factors considered favorable to the student’s autonomy and ability to
interpret and compose the world from his relations in the field of teaching /
learning developed through artistic dialogues and through investigative and
committed to democratic and free perspectives workshops. Our theoretical
framework relied on the ideas of Augusto Boal in the field of dramaturgy and
Paulo Freire and Immanuel Kant in the field of education. The workshops
allowed a profound reflection on the current moment of Brazilian education,
totally professionalizing, which leaves no space and time for what is not
written or calculated. The metaphor of João and Maria made it possible for
teachers to seek for the student’s look within the teaching / learning space
and to take this look into account in the process of building knowledge within
a constitutionally democratic and open to experiences space.
Keywords: Autonomy. Mediation. Art. Education. Theater of the oppressed.
Introdução
A autora reforça essa ideia com uma citação de Douglas Sloan, para quem
“a tarefa mais importante da educação parece ser a educação da imaginação”
(SLOAN, 1993 apud GIRARDELLO, 2011, p. 76).
Procuramos pelas pedagogias que permitam que o outro compreenda que
tudo pode ser diferente. Essas pedagogias devem levar em conta qualquer detalhe
e cada palavra que o estudante diga ou tenha que interpretar e convida o outro
e aprende a ser convidado a aprender pelos demais. Aqui a ideia de formação
continuada passa pelo sentido de entender que se pode sempre ter algo novo frente
às educações dominantes, tecno-científicas e conservadoras. Compreendemos
uso das concepções sobre educação escolar desenvolvidas por Immanuel Kant
(1999) e Paulo Freire (2006). Kant foi um dos primeiros que pensou o conceito
de autonomia na educação da modernidade ainda num tempo em que o mundo
era enquadrado e dominado pela crença religiosa que considerava a razão e o
livre pensar uma subversão da ordem. Pensar, falar e agir estariam dentro de
um movimento necessariamente autônomo que leva em conta unicamente a
vontade dos seres. Uma vontade que pode ser estimulada a partir do mundo
inteligível e também a partir do mundo sensível. Com Freire (2006) procuramos
compreender o estudante como um sujeito que deve se apropriar e experimentar
o seu poder de recriar o mundo. Um sujeito autônomo e social, intelectualmente
preparado para novas vivências em um espaço autêntico e dinâmico. Como
propõe o teatro do oprimido.
partir das tentativas que podem acarretar em resultados bons ou ruins (KANT,
1999). Assim, “vê-se, pois, que, sendo nesse assunto necessária a experiência,
nenhuma geração pode criar um modelo completo de educação” (KANT, 1999,
p. 29). Neste contexto podemos afirmar que a educação tem o objetivo de
formar sujeitos autônomos pelo princípio que movimenta os esboços da razão
no espaço da experiência.
Para Kant, o cumprimento às regras de convivência deve estar no contexto
do estudante e no espaço da experiência, mas isso não pode gerar uma situação
de maus tratos e falta de respeito à sua dignidade. A vontade do estudante não
pode ser ignorada, isso pode levá-lo ao adestramento. É preciso cuidar para
que ele aja segundo suas próprias convicções, e não pela força do hábito. Que
não faça simplesmente o bem, mas o faça porque é o bem em si (KANT, 1999,
p. 68). Por isso, o filósofo pondera que: “Treinam-se os cães e os cavalos; e
também os homens podem ser treinados. [...] Entretanto, não é suficiente treinar
as crianças; urge que aprendam a pensar” (KANT, 1999, p. 27). E assim, ele vai
construindo uma pedagogia para a autonomia com a predominância da razão
prática sobre a razão pura, num movimento que é dotado de razão e liberdade.
A grande tarefa da educação para a autonomia é educar o homem para uma vida
racional. A partir dessa ideia de Kant (1999) podemos pensar que tudo que há
na natureza está de acordo com a natureza, menos o homem. Que, na condição
de ser racional, vive de acordo com as leis. Por isso os homens devem ser
autônomos e se destacarem na natureza por serem livres e autodeterminantes.
A perspectiva freiriana do sujeito aponta para a apropriação e
experimentação do poder de recriar o mundo. Entender que o respeito à
autonomia, à dignidade e à identidade do sujeito-estudante deve levar algumas
virtudes e qualidades para as novas vivências. A autonomia, a dignidade e a
identidade do educando devem ser respeitadas, caso contrário, este ensino poderá
ser “inautêntico, palavreado vazio e inoperante” (FREIRE, 2006, p. 62). Freire
(2006) ressalta que as experiências e práticas autônomas não devem restringir-
se ao espaço da escola, mas ocupar todo o espaço vital para o sujeito. Porém,
“o ambiente da escola pode-se constituir num dos espaços fundamentais aos
seres humanos exercitarem as práticas de emancipação individual e coletiva”
(FREIRE, 2006, p. 98).
Em “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa”,
Paulo Freire (2006) faz uma reflexão sobre o espaço ensino/aprendizagem que
fortalece a autonomia do aluno e chama a atenção para as diferenças entre
treinar, ensinar e educar. E, ensinar para Freire requer aceitar os riscos do
desafio do novo, enquanto inovador, enriquecedor e rejeitar quaisquer formas
de discriminação que separem as pessoas em cor, tamanho, classes etc. É ter
certeza de que se faz parte de um processo inconcluso, apesar de saber que o ser
Cena 6 – Uma pergunta é dirigida a aqueles que não estão em cena: como
acabar com aquelas situações de opressão?
Rapidamente um debate se estabelece. Envolvendo atores e espectadores
no contexto da trama e também no contexto político do país buscando uma
solução para desoprimir os estudantes e também o sistema educacional.
As soluções apresentadas passaram por uma greve geral, uma invasão da
escola pelos professores que se opõe ao sistema, pela troca dos gestores e
por uma ação judicial junto ao Ministério Público exigindo o cumprimento
da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente em
vigor desde 1996, mas que não eram respeitados. Todas as propostas
foram experimentadas em cena, intensificando ainda mais o grande fórum.
Depois de discutidas dramaticamente, a solução escolhida foi a perspectiva
da lei que prevê e entende a criança e o adolescente como cidadãos de
direitos e escola como um lugar de ações democráticas. Apesar de tudo,
a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente continuam em
vigor. É hora dos direitos.
Considerações finais
REFERÊNCIAS
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