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X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e

Escolas Técnicas

FÍSICA MAIS QUE DIVERTIDA: APRENDENDO A APRENDER APÓS


O ISOLAMENTO SOCIAL POR COVID-19

Hélder Henrique da Silva, Centro Pedagógico da Universidade Federal de


Minas Gerais, hhs@ufmg.br

Categoria: A

Nível: Trabalho concluído

Palavras-chave: Aprendizagem, metacognição, alfabetização científica,


pandemia de COVID-19.

(i) Introdução. Esta pesquisa tem como objetivo investigar a alfabetização


científica de crianças a partir suas produções metacognitivas e comunicacionais.
Ao definir e destacar as necessidades de aprendizagem de crianças de 8 a 9
anos, pode-se compreender mais a fundo esse período de vida, na qual se
aprende a reinventar tudo, por meio da classificação e categorização de objetos,
palavras e procedimentos. Durante essas vivências no chão da escola, suscitou
a seguinte questão: A coletivização da observação, da descrição de fenômenos
e a construção de dispositivos em equipe poderiam contribuir para a
alfabetização científica das crianças nessa idade? Quais os desafios para a
promoção da cultura científica após a pandemia de Covid-19? Quais as
necessidades de aprendizagem das crianças se apresentarão? Tendo em vista
esse tempo de aprendizagem, pode-se observar um momento de transição em
que as crianças passam assumir uma certa individualidade. Seus gostos passam
a ser afirmado com mais intensidade do que antes e a agir com mais autonomia
em relação aos seus papeis como aluno ou filho. Paulatinamente, essa travessia
se reflete na mudança do brincar. Além do faz-de-conta e dos contos fantásticos,
o imaginário infantil passa a se organizar com regras e combinados coletivos
mais consolidados que podem ser observados no gosto por jogos de cartas, de
tabuleiros e esportes coletivos. Tendo em vista essa caracterização do
desenvolvimento do comportamento de brincar de crianças entre 8 a 9 anos,
pode-se definir a alfabetização científica nessa fase como o momento de
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construção do conhecimento desse tempo de aprendizagem tendo em vista a


sua interação com a cultura científica, ou seja, o conhecimento elaborado
historicamente pela comunidade científica. Contudo, é notório que a
aproximação do estudante às terminologias e a demonstração experimentos
científicos não é o caminho para a construção dos conhecimentos, argumentos
e explicações nos domínios da ciência pelos sujeitos de aprendizagem (Bosco
et. al., 2010). De acordo com Bosco (2010), há que reconhecer os processos
sociais para a elaboração dos saberes científicos, a partir de situações-
problemas, coletivizações de hipóteses, construções de modelos de
experimentações, além de estabelecer relações com as suas aplicações
cotidianas. Essas considerações está em conformidade os Parâmetros
Curriculares Nacionais de Ciências Naturais, uma vez que o documento
preconiza que aprendizagem decorre da interrelação das experiências
educativas com os conhecimentos prévios dos alunos, para que assim possa
estabelecer significados ao mundo a partir de conhecimentos científicos (Brasil,
1997). O estudante precisa aprender a estudar, encontrar meios diversificados -
principalmente analógicos e não somente virtuais - para expressar a sua
curiosidade epistemológica para a efetiva construção do conhecimento? Quanto
mais protagonista o sujeito aprendente maiores são as possibilidades para a
aprendizagem? Em que as estratégicas metacognitivas, em outras palavras, o
aprender a aprender, podem contribuir para esse protagonismo do sujeito
cognoscente?
Ao investigar sobre os modos singulares de se aprender, tendo em vista as
características da psique da criança e seu modo de se relacionar socialmente
com o mundo, tal perspectiva descortina o campo metacognitivo. Desde a
declaração de Jomtien, em 1990, vários países, dentre eles o Brasil, definiram
nessa conferência da UNESCO, o aprender a aprender como elementos
basilares da construção social da aprendizagem.
Seus processos estabelecem fortes relações entre estratégias e a
potencialização da aprendizagem, no desenvolvimento da comunicação e da
compreensão oral e escrita e na resolução de problemas, sendo, desse modo,
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elementos centrais no processo de “aprender a aprender”. Nessa perspectiva o


educador passa por uma mudança de posicionamentos. Sai de sua suposta
centralidade como detentor do saber e “funcionam como mediadores na
aprendizagem e agem como promotores da autorregulação ao possibilitarem a
emergência de planos pessoais” (Ribeiro, 2003, p.114). O educador escuta as
falas de quem aprende, gera perguntas e promove meios para intensificar a
aprendizagem. Para se fomentar a metacognição, o educador assume sua
condição de mediador do conhecimento, na ampliação do repertório de situações
abertas de investigação, percepção, hipóteses e soluções de problemas
complexos, em cujos processos o sujeito aprendiz escolhe, seus modos
singulares de resolver os seus problemas, testar suas ideias e refletir sobre os
seus alcances. É justamente na reflexão sobre seus pensamentos e
especialmente sobre suas dificuldades, que o educador acena para os limites
do saber mais. A estratégia metacognitiva tem a peculiaridade de capacitar o
aprendiz a reconhecer aquilo que se sabe e aquilo que não se sabe. Dá espaço
a conscientização, no sentido freiriano (Freire, 1979), além de se dar conta de
conhecimentos daqueles saberes dos quais o sujeito cognoscente “não sabia
que sabia”, a partir da mudança de estratégias, como a adoção de outras
representações para o problema associados, a tradução para outras linguagens,
suportes de comunicação e a utilização de materiais manipuláveis auxiliares na
solução de problemas. Com isso cria-se uma base para aprender a aprender em
um ambiente amigável, organizado com dispositivos pedagógicos. (ii) Objetivos
gerais: Possibilitar aos sujeitos da comunidade escolar situações significativas
de alfabetização científica para além do espaço escolar convencional, de modo
a desenvolver uma atitude participativa, metacognitiva e comunicativa com o
conhecimento, com vistas a contribuir para reflexões acerca importância de
mudanças paradigmáticas na educação. Objetivos específicos: (a) Organizar
dispositivos e mediadores que propiciem às comunidades escolares
experiências de aprendizagens dentro e fora do espaço escolar; (b) Construir
com estudantes itinerários de aprendizagens, Incentivar a interação da
comunidade, sobretudo pais, mães e responsáveis em atividades propostas, (c)
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Compartilhar as vivências culturais deste projeto nesses equipamentos; (d)


Estimular a interação entre alunos e alunas, em redes sociais educativas, bem
como a criação de semelhantes dispositivos de comunicação, onde poderão
rever os registros das visitas, socializar experiências com familiares,
compartilhar roteiros entre comunidades escolares ou comunidades de
aprendizagem etc. (iii) Metodologia. Com relação aos caminhos percorridos no
processo de investigação, experimentamos uma aproximação à comunidade de
aprendizagens, na qual o paradigma da aprendizagem e da comunicação
prepara o campo metacognitivo para promover a construção social da
aprendizagem. “O paradigma da comunicação perfilha da mesma crença acerca
do protagonismo dos alunos, mas distancia-se do paradigma da aprendizagem
no momento em que entende que o desenvolvimento daquelas competências
estratégicas tanto potência a apropriação de informação como acabam por ser
potenciadas pela própria informação como acabam por ser potenciadas pela
própria informação de que os alunos se apropriam” (Cosme e Trindade, 2011,
pp.37). Enquanto o paradigma da aprendizagem concentra-se numa dimensão
intersubjetiva, de modo a se assentar no “aprender a aprender”, sob a
perspectiva do paradigma da comunicação, estamos diante de uma noção não
apenas de extensão, mas de coletivização do conhecimento, da relação entre a
comunicação e a aprendizagem, a relação entre sujeito conhecimento e mundo
em que se inscreve a conscientização e na reconstrução da cultura (Freire,
1979). Estamos perante uma transformação cultural, posto que ao passo que
utilizamos e nos apropriamos da cultura humana, tornamo-nos produtores dessa
cultura. O paradigma da comunicação confere um importante valor a interação
social como fator de desenvolvimento das faculdades psicológicas superiores,
sendo que os mediadores sociais constroem o conhecimento individual, como
exemplifica a sua metáfora epistêmica mais famosa de Vygotsky, um andaime
para as construções cognitivas do sujeito. Os mediadores, sejam eles humanos,
equipamentos ou tecnologias devem se organizar para a participação ativa dos
estudantes. Daí vem a importância da construção coletiva de dispositivos
pedagógicos para que se opere o deslocamento de alunos passivos para
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sujeitos capazes de produzir cultura e história por meio de dispositivos de


comunicação do conhecimento. Portanto, nesse paradigma entra em cena a
importância da criação de dispositivos como andaime de processos de
subjetivação e produção cultural. Assim, pode-se se afirmar que esta pesquisa
se trata de um exercício de transição do paradigma da instrução para o
paradigma da aprendizagem. Cosme e Trindade (Idem) apresentam o
paradigma da aprendizagem e o paradigma da comunicação como formas que
se adequam às propostas educacionais de vivência de cultura viva. No caso do
primeiro paradigma, reconhece um lugar no desenvolvimento das competências
cognitivas e metacognitivas como prioridade da educação: É no âmbito deste
espaço conceitual que a valorização do desenvolvimento de competências de
autoaprendizagem e, em particular, o desenvolvimento de competência
cognitivas e metacognitivas dos alunos e das estratégias de processamento da
informação e de resolução de problemas adquire uma grande visibilidade
educativa, já que seriam tais competências e tais estratégias que garantiriam a
possibilidade daqueles se apropriarem da informação e simultaneamente se
afirmarem e desenvolverem como seres mais inteligentes e relacionalmente
mais capazes (Cosme e Trindade, pp. 36-37). Segundo Paulo Freire, a educação
e a cultura não podem existir dissociados dos processos de subjetivação de
subjetivação que as constituem: É preciso que a educação esteja – em seu
conteúdo, em seus programas e em seus métodos – adaptada ao fim que se
persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa,
transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de
reciprocidade, fazer a cultura e a história... (Freire, 1979, p.19). Essa definição
de aprender como uma produção cultural do sujeito cognoscente esclarece o
trabalho educativo assentado no paradigma da aprendizagem, no qual o sujeito
é compreendido como uma unidade complexa, no qual a diversidade é bem-
vinda para a organização de uma unidade dinâmica, quer se trate no campo da
construção de conhecimento, concretizadas nas estratégias feitas
conjuntamente com o aprendiz, que se trate, do ponto de vista sociopolítico, na
organização de comunidades cooperativas e solidárias. Enquanto o paradigma
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da aprendizagem circunscreve-se numa dimensão intersubjetiva, sob a


perspectiva do paradigma da comunicação, estamos diante de uma noção não
apenas de extensão, de uma pretensa contribuição para aqueles que nada
sabem, mas de coletivização dialógica do conhecimento, da relação entre a
comunicação e a aprendizagem, a relação entre sujeito conhecimento e mundo
em que se inscreve a conscientização (Freire, 1979). Com relação a análise dos
ganhos, contradições e limites deste estudo, adotou-se uma perspectiva
metodológica multirreferencial, quem articulou a pesquisa participante de Paulo
Freire e a socioanálise de Lourau e Lapassade. Como referência, adotou-se o
estudo epistemológico de Paulo Freire, “Criando métodos de pesquisa
alternativa: aprendendo a fazê-la melhor através da ação”, extraída de uma
conferência realizada no Instituto de Adultos da Universidade de Dar-Es-Salaam,
Tanzânia, em 1971. Em um modelo metodológico transdisciplinar, dinâmico,
utilizaremos referências da socioanálise, enquanto aspecto aplicado da Análise
Institucional. Esses caminhos qualitativos de pesquisa compartilham a descrição
densa do dia-a-dia como realização prática. Elas escutam os raciocínios práticos
ou do senso-comum dos sujeitos participantes e o reconhecem como elementos
constitutivos do social instituído, além de ambas proporem a criação coletiva de
dispositivos de autogestão. Desse modo, aproximamos a proposta de
experimentar encontros em grupos, no chão da escola, a uma pesquisa
participante, como uma forma de pensar no conhecimento diferente do trabalho
científico, mesmo no âmbito das ciências humanas. Segundo Brandão (1999),
a pesquisa participante convida a apropriação de conhecimentos para a sua
transformação e vivência. O conhecimento é produto de um trabalho, feito
coletivamente, feito com o outro. Assim o participante torna-se sujeito ao
assumirem o direito de pensarem, produzirem, de dentro para fora, seus saberes
e suas implicações: “Uma gente aliada, armada dos conhecimentos científicos
que foram sempre negados ao povo, àqueles para quem a pesquisa participante
– onde afinal pesquisadores e pesquisados são sujeitos de um mesmo trabalho
comum, ainda que com situações e tarefas diferentes – pretende ser um
instrumento a mais de reconquista popular” (Brandão, 1999, p. 11).O objeto de
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pesquisa social, no caso, sobre a importância de uma pedagogia crítica e


dialógica nos dias de hoje, somente pode se aproximar da realidade concreta
com a ação dos sujeitos que participam desse fenômeno. De acordo com Paulo
Freire: “A realidade concreta é algo mais que fatos ou dados tomados mais ou
menos em si mesmos. Ela é todos esses fatos e todos esses dados tomados
mais ou menos em que deles esteja tendo a população neles envolvida. Assim,
a realidade concreta se dá a mim na relação dialética entre objetividade e
subjetividade. Se me preocupa, por exemplo, numa zona rural, o problema da
erosão, não o compreenderei, profundamente, se não percebo, criticamente, a
percepção que dele estejam tendo os camponeses da zona afetada” (Freire,
1999, p. 9-10). Freire (1983) apresenta um modo de pesquisa com o propósito
de construir metodologias e programas de educação de adultos. De acordo com
o autor, coletivos não são objetos de pesquisa, mas, neles mesmo, os sujeitos
participam, em maior ou menor grau, da construção de saberes sobre si.
Igualmente, o pesquisador é também sujeito cognoscente que se educa no
processo, ao mesmo tempo em que trabalha como educador. Aqui nessa
pesquisa, procuraremos adaptar esse referencial metodológico às peculiaridade
de um coletivo composto por crianças de 8 a 9 anos. O método de Freire (1983)
sugere procedimentos para esta pesquisa: conhecer mais sobre a cultura do
Círculo de Cultura a ser criado, conversar com os membros, anotar o que lhes
chama atenção, entrevistar as lideranças, oferecer serviços de mediação do
grupo, deixar claro que, se o serviço ofertado não for aceito, o trabalho não
acontecerá, apontar a necessidade de reuniões amplas, com a participação de
todos os interessados para discutirem suas principais questões, além de nunca
sobrepor sua voz a dos outros participantes.
As propostas desse método foram apresentadas por Freire em 1971,
antecipando-se, pois, a muitas das formulações da Análise Institucional.
Segundo Silva: “É praticamente certo que tenham sugerido a Lapassade e
Lourau, assim como a outros institucionalistas, que conheciam bem o trabalho
de Freire, os dispositivos da análise da demanda, oferta de trabalho pela equipe
de pesquisadores e o gerenciamento da pesquisa feito pelo coletivo, formado
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pela equipe de pesquisa e os interessados” (2013). Propõe-se conjugar os


dispositivos propostos na Socioanálise e na Pesquisa participativa com a
finalidade de auxiliar na elaboração de analisadores naturais ou da construção
coletiva de analisadores. De acordo com Ardoino e Lourau (2003), a Análise
Institucional (AI) se expressa em três aspectos: a AI generalizada, propriamente
dita, como labor teórico sobre as organizações e conjuntos sociais que tem como
base a noção sociológica de instituição; a AI restrita, caracterizada um recorte
em estudos específicos de organizações (no caso desta pesquisa, a proposta de
um Roda de Escuta); a AI em ação, ou socioanálise, como prática clínica de
intervenção psicossociológica. A socioanálise, centrará em seus próprios
procedimentos que, pode-se assim considerar, uma clínica institucional: fala
livre, escuta atenta e sensível, análise da implicação, da demanda, de
atravessamentos, transversalidades. Enfim, a relação dos sujeitos com os
sintomas em seu coletivo, tendo em vista a constituição tripartite de instituição,
o instituído, geral, o instituinte, particular, e o institucionalizado, a singularidade.
(iv) resultados: Para realizar esta pesquisa, colocamos em prática dois grupos
em dois coletivos, cada qual com 23 crianças de 8 a 9 anos e 6 professores-
estudantes dos cursos de licenciatura que realizaram comigo sua formação
docente no Centro Pedagógico da UFMG. A partir da construção de um ambiente
amigável onde os conflitos, questões e perguntas de todas as ordem pudessem
ser acolhidos podemos dar as bases para esse trabalho investigativo. Essa
abertura evidenciou um grande desafio marcado pela falta de convivência dos
sujeitos devido ao isolamento social por dois anos devido a pandemia de COVID-
19. Além do distanciamento, o uso de máscara necessários para a proteção de
todos, conforme requeridas pelos protocolos sanitários vigentes, mostrou-se um
elemento dificultador por tornar a comunicação mais abafada e ruidosa. A
proposta de fazer uma escuta coletiva, demonstrou uma dificuldade em se
relacionar com o outro. Por um lado observamos a baixa tolerância à frustração,
a dificuldade de ambientação em espaços fora de casa, agitação corporal, raiva
com relação às diferenças, dificuldade de reconhecimento do outro, com muitas
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condutas agressivas e passagem ao ato. Os conflitos exacerbados com a


alteridade, mostraram a dificuldade decorrente de uma baixa interação social.
Além de gritos, espasmos e agressões físicas e psicológicas, observou-se, por
outro lado, a psicoadaptação à tela e a comunicação virtual mostrou uma baixa
interação ao diálogo, a falta de leitura e percepção de seus próprios sentimentos
e necessidades. A dificuldade de integração visomotora, o tempo de atenção e
a desconexão com relação ao contexto e a falta de expressão e baixa
comunicação apresentava várias situações de gritos e de silêncios. Nesses
encontros semanais, observamos a necessidade de reestabelecer espaços
abertos e arejados de preferência em interação com a natureza. Diante dessa
conjuntura, da dificuldade que os sujeitos participantes tinham de se relacionar
e se escutar, mostrando muita falta de atenção, baixa tolerância a alteridade e
reações desproporcionais e agressivas com relação às diferenças. Descortinou-
se assim dois dispositivos de convivência e de aprendizagem para se
desenvolver uma experiência de comunidade: a roda de escuta empática e as
aulas-passeio. Vários fatores como as experiências de luto, a ansiedade
decorrente do confinamento, a falta de diálogo durante esse período,
caracterizou a demanda por um trabalho focado em habilidades socioafetivas e
de conscientização ambiental, uma vez que a desconexão com o outro, com a
natureza e seus sentimentos e necessidades individuais humanas se
assomaram como a primeira demanda para um trabalho de alfabetização
científica. Esse contexto de escolarização após o isolamento social apresentou
a contradição de, ao construir experimentos e conceitos de reversibilidade,
característica da inteligência operatória concreta (Piaget, 2015), observamos
que a distância com a natureza, da dimensão física - do grego physis, natureza
e da experimentação com as coisas - as crianças em excessivo tempo de
exposição à tela e à realidade virtual demonstraram uma dificuldade de
aprendizagem com relação à observação, formulação de hipóteses e
observação de uma lógica de reversibilidade dos fenômenos dos estudos
curriculares. Somado a esses componentes cognitivos, atenção, concentração,
memória, observação, imaginação etc. a experiência da vida coletiva na escola
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mostrou a dificuldade de lidar com as perdas, lutos e traumas dos período do


isolamento social imediato, principalmente contaminações, sequelas e mortes no
seu contexto social e midiático, um luto simbólico em comum foi perda de contato
com espaços sociais e da natureza. Aos poucos pandemia foi se apresentando
como um analisador por excelência de uma pesquisa voltada ao processo de
escolarização em que se propôs situações significativas de alfabetização
científica. Após um intervalo de dois anos, essas crianças do terceiro ano do
ensino fundamental retomava às atividades escolares presenciais tendo como
pano de fundo ansiedades, conflitos, destroços e traumas, além da privação de
convivência no contexto escolar. A roda de escuta empática foi um dispositivo
construído coletivamente com os participantes desses encontros. Em princípio,
estabeleceu o enquadramento de um processo grupal, apresentou uma
característica aberta a todos os participantes, se organizou com o ritmo de
encontros semanais, estava aberta a uma escuta sensível. Contudo, o
estabelecimento de um contrato de confidenciabilidade e privacidade dos
participantes não foi construído de forma objetiva. Com relação a essa aspecto,
condição sine qua para a dinâmica de grupo, observou-se a dificuldade de
acolhimento e respeito as diferenças de pontos de vista, crenças e
singularidades. Dessa dificuldade, surgiu uma outra investigação sobre as
habilidades socioafetivas e a Comunicação não-violenta, assunto a ser tratado
em uma outra pesquisa. Pode-se dizer que o dispositivo da roda de conversa
apesar de ter construído um sentimento de pertencimento por parte dos sujeitos,
foi um dispositivo da atividades mais estruturadas de grupo e não obteve uma
participação que atingisse um trabalho em grupo: Sem nunca chegarem a ser
propriamente atividades de grupo, as atividades em grupo foram operadas por
uma clínica específica, diferente da clínica médica. Não derivam tanto do grego
klinikós – ação que se exerce junto ao leito do paciente –, mas antes da noção
epicurista Climene – movimento de deriva, de emergência do inédito. Não
somente de experiências profissionais, mas da vivência e da participação em
grupos. Passei a ver as atividades grupais como dispositivo de mediação entre
as esferas íntima, social e pública do sujeito. O dispositivo de aprendizagem
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aulas-passeio partiu da evidente necessidade de conexão com o espaço escolar,


suas adjacências, de apreciação e fruição ambiental e suas correlações com os
conteúdos curriculares. Esse dispositivo é atribuído a Freinet, um dos
precursores do movimento escolanovista e da pedagogia institucional, foi ao
encontro da necessidade de honrar a infância e a natureza e, principalmente,
resgatar as crianças do Transtorno do Déficit de Natureza (Louv, 2018). Existe
uma forte preocupação quanto ao declínio do real para o virtual. Há uma
contradição entre a valorização de um mundo mais sustentável e o isolamento e
a falta de contato com a natureza. “Também aprendi isso: pais, educadores,
outros adultos e instituições – a própria cultura – dizem algo para as crianças
sobre as dádivas da natureza, mas muitas de nossas ações e crenças - em
especial as que não percebemos que estamos transmitindo- passam outra
mensagem. E as criança ouvem bem” (Idem, p. 36). Avaliando a desconexão
entre pessoa e natureza, o autor vem reunindo estudos sobre a diminuição
significativa de espaço públicos e na natureza destinados à fruição e ao brincar.
Nessa compilação de estudos, a única conclusão que se faz consenso é a
evidência de que a exposição direta à natureza é fundamental para a saúde física
e mental. “Por exemplo, novos estudos sugerem que a exposição à natureza
pode reduzir os sintomas de TDAH (transtorno do déficit de atenção e
hiperatividade), e melhorar as habilidades cognitivas e a resistência das crianças
ao estresse e a depressão” (idem, p. 57).
O terceiro dispositivo realizado foi a construção e observação de
experimentos com o reaproveitamento de materiais recicláveis e de baixo custo,
como latas, garrafas pet, pilhas usadas, elásticos etc. com o objetivo de
promover a alfabetização científica das crianças e as regras ou leis que poderiam
formular hipóteses nesse experimento. Adotamos o livro “Física mais divertida”.
Segundo o autor (Valadares, 2013), é uma manual para que se “ponha a mão na
massa, explore todas as possibilidades ao seu alcance e descubra como a
Natureza funciona”(2013, p. 13). Apresentei um experimento de mecânica,
chamado “lata-mágica”, que consiste em um mecanismo composto por uma
forma cilíndrica, como uma lata ou uma garrafa pet, que possui um pêndulo
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amarrado em um elástico em sua parte interna, de modo que, ao rolar o cilindro


o elástico se enrola também, armazena energia e desenrola o elástico, fazendo
com que a lata role de volta. Nesse momento os estudantes puderam observar
o brinquedo e lançar a sua curiosidade epistemológica para o seu funcionamento
e sua estrutura e as leis que estavam presentes para o seu funcionamento.
Como culminância dessa pesquisa, foi o momento de verificar a aprendizagem,
observar as evidências do conhecimento construído. Isso reveste a pesquisa de
um caráter ainda mais significativo, pois assenta-se nas bases epistemológica
de que, conforme Bruner, a construção do conhecimento é diretamente
proporcional à motivação e à variação de linguagens e contextos de sua
expressão. Quanto mais consigo ampliar a aplicação dos saberes ao mais
diversos contextos, mais evidente se mostra a aprendizagem. Fazer
conhecimento implica superar construções prévias, respostas padronizadas e
homogêneas e concepções etnocêntricas de cultura e currículo (Bruner, J.
2005). Essa concepção vai ao encontro de Paulo Freire. Para ele, conhecer é
encontrar meios para expressar a sua curiosidade epistemológica. Criamos um
quarto dispositivo que pudesse traduzir o paradigma da comunicação, um tutorial
criado coletivamente no qual as crianças brincariam com o experimento,
demonstrassem seu funcionamento, apresentasse suas estruturas,
conjecturassem suas hipóteses e explicassem, com a sua linguagem e a partir
do seu tempo de aprendizagem, o funcionamento das leis da natureza. Elas
montaram e desmontaram o brinquedo, descreveram as suas partes. Simularam
o seu funcionamento de diversos modos. Fantasiaram e formularam hipóteses.
Procuraram, cada qual com o ritmo e entendimento, falar e escrever sobre o seu
funcionamento. Alguns imaginaram o que fazia a lata-mágica funcionar, de modo
a mesclar fantasia e a observação das leis da natureza. Alguns inclusive
relacionam o brinquedo com o conceito de energia e falaram sobre as leis de
Newton, apropriando-se delas como se realmente fossem os seus formuladores.
(v) conclusão: Após um longo período de distanciamento social devido ao Covid-
19, a alfabetização encontrou diversos desafios em decorrência de traumas,
lutos e conflitos decorrente desse período. Acresce ao fato o excessivo tempo
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de exposição à tela e ao virtual em detrimento do desenvolvimento das


habilidades socioemocionais, da convivência e da conexão com pessoas e
espaços ao ar livre na natureza. A análise dessas transversalidades, apontou
para contradições presentes no contexto escolar em 2022, completamente
desadaptado a esse contexto. Mesmo assim, observamos que os desafios da
convivência, uma vez enfrentados, permitiram que os sujeitos das comunidades
escolares, pudesse desenvolver uma atitude participativa e comunicativa com o
conhecimento. Esse ganho somente pode ser verificado por meio de um
pequeno deslocamento de uma compreensão instrucionista para uma outra que
se relacione com a construção do conhecimento e sua comunicação. Cito Paulo
Freire: Conhecer, na sua dimensão humana, que aqui nos interessa, qualquer
que seja o nível em que se dê, não é o ato através do qual um sujeito,
transformado em objeto, recebe, dócil e passivamente, os conteúdos que outro
lhe dá ou impõe. O conhecimento, pelo contrário, exige uma presença curiosa
do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a
realidade. Demanda uma busca constante. Implica invenção e reinvenção.
Reclama a reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo
qual de reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se assim, percebe ‘como’ de
seu conhecer e os condicionamentos a que está submetido seu ato” (Freire,
1985, p. 16). Desse modo, a nossa participação em uma Feira Nacional seria
mais uma oportunidade da construção de um novo suporte de partilha de
saberes, para os sujeitos de aprendizagem comunicarem de uma forma ainda
mais direta e efetiva os seu aprendizados. Seria uma culminância pedagógica e
mais um dispositivo de aprendizagem e comunicação?

Referências

Bosco, C. et Al. Aprendendo a ensinar ciências nos anos iniciais da


educação fundamental: transformações nas práticas argumentativas em
sala de aula, 2010. Disponível em http://www.
nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R0619-2.pdf.
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Nacionais – Ciências Naturais. Brasília: MEC, 1997.
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Bruner, J. Homo sapiens, a localized espécies. Behavioral and Brain Sciences,


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