(i) Introdução. Esta pesquisa tem como objetivo investigar a alfabetização
científica de crianças a partir suas produções metacognitivas e comunicacionais. Ao definir e destacar as necessidades de aprendizagem de crianças de 8 a 9 anos, pode-se compreender mais a fundo esse período de vida, na qual se aprende a reinventar tudo, por meio da classificação e categorização de objetos, palavras e procedimentos. Durante essas vivências no chão da escola, suscitou a seguinte questão: A coletivização da observação, da descrição de fenômenos e a construção de dispositivos em equipe poderiam contribuir para a alfabetização científica das crianças nessa idade? Quais os desafios para a promoção da cultura científica após a pandemia de Covid-19? Quais as necessidades de aprendizagem das crianças se apresentarão? Tendo em vista esse tempo de aprendizagem, pode-se observar um momento de transição em que as crianças passam assumir uma certa individualidade. Seus gostos passam a ser afirmado com mais intensidade do que antes e a agir com mais autonomia em relação aos seus papeis como aluno ou filho. Paulatinamente, essa travessia se reflete na mudança do brincar. Além do faz-de-conta e dos contos fantásticos, o imaginário infantil passa a se organizar com regras e combinados coletivos mais consolidados que podem ser observados no gosto por jogos de cartas, de tabuleiros e esportes coletivos. Tendo em vista essa caracterização do desenvolvimento do comportamento de brincar de crianças entre 8 a 9 anos, pode-se definir a alfabetização científica nessa fase como o momento de 1 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
construção do conhecimento desse tempo de aprendizagem tendo em vista a
sua interação com a cultura científica, ou seja, o conhecimento elaborado historicamente pela comunidade científica. Contudo, é notório que a aproximação do estudante às terminologias e a demonstração experimentos científicos não é o caminho para a construção dos conhecimentos, argumentos e explicações nos domínios da ciência pelos sujeitos de aprendizagem (Bosco et. al., 2010). De acordo com Bosco (2010), há que reconhecer os processos sociais para a elaboração dos saberes científicos, a partir de situações- problemas, coletivizações de hipóteses, construções de modelos de experimentações, além de estabelecer relações com as suas aplicações cotidianas. Essas considerações está em conformidade os Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências Naturais, uma vez que o documento preconiza que aprendizagem decorre da interrelação das experiências educativas com os conhecimentos prévios dos alunos, para que assim possa estabelecer significados ao mundo a partir de conhecimentos científicos (Brasil, 1997). O estudante precisa aprender a estudar, encontrar meios diversificados - principalmente analógicos e não somente virtuais - para expressar a sua curiosidade epistemológica para a efetiva construção do conhecimento? Quanto mais protagonista o sujeito aprendente maiores são as possibilidades para a aprendizagem? Em que as estratégicas metacognitivas, em outras palavras, o aprender a aprender, podem contribuir para esse protagonismo do sujeito cognoscente? Ao investigar sobre os modos singulares de se aprender, tendo em vista as características da psique da criança e seu modo de se relacionar socialmente com o mundo, tal perspectiva descortina o campo metacognitivo. Desde a declaração de Jomtien, em 1990, vários países, dentre eles o Brasil, definiram nessa conferência da UNESCO, o aprender a aprender como elementos basilares da construção social da aprendizagem. Seus processos estabelecem fortes relações entre estratégias e a potencialização da aprendizagem, no desenvolvimento da comunicação e da compreensão oral e escrita e na resolução de problemas, sendo, desse modo, 2 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
elementos centrais no processo de “aprender a aprender”. Nessa perspectiva o
educador passa por uma mudança de posicionamentos. Sai de sua suposta centralidade como detentor do saber e “funcionam como mediadores na aprendizagem e agem como promotores da autorregulação ao possibilitarem a emergência de planos pessoais” (Ribeiro, 2003, p.114). O educador escuta as falas de quem aprende, gera perguntas e promove meios para intensificar a aprendizagem. Para se fomentar a metacognição, o educador assume sua condição de mediador do conhecimento, na ampliação do repertório de situações abertas de investigação, percepção, hipóteses e soluções de problemas complexos, em cujos processos o sujeito aprendiz escolhe, seus modos singulares de resolver os seus problemas, testar suas ideias e refletir sobre os seus alcances. É justamente na reflexão sobre seus pensamentos e especialmente sobre suas dificuldades, que o educador acena para os limites do saber mais. A estratégia metacognitiva tem a peculiaridade de capacitar o aprendiz a reconhecer aquilo que se sabe e aquilo que não se sabe. Dá espaço a conscientização, no sentido freiriano (Freire, 1979), além de se dar conta de conhecimentos daqueles saberes dos quais o sujeito cognoscente “não sabia que sabia”, a partir da mudança de estratégias, como a adoção de outras representações para o problema associados, a tradução para outras linguagens, suportes de comunicação e a utilização de materiais manipuláveis auxiliares na solução de problemas. Com isso cria-se uma base para aprender a aprender em um ambiente amigável, organizado com dispositivos pedagógicos. (ii) Objetivos gerais: Possibilitar aos sujeitos da comunidade escolar situações significativas de alfabetização científica para além do espaço escolar convencional, de modo a desenvolver uma atitude participativa, metacognitiva e comunicativa com o conhecimento, com vistas a contribuir para reflexões acerca importância de mudanças paradigmáticas na educação. Objetivos específicos: (a) Organizar dispositivos e mediadores que propiciem às comunidades escolares experiências de aprendizagens dentro e fora do espaço escolar; (b) Construir com estudantes itinerários de aprendizagens, Incentivar a interação da comunidade, sobretudo pais, mães e responsáveis em atividades propostas, (c) 3 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
Compartilhar as vivências culturais deste projeto nesses equipamentos; (d)
Estimular a interação entre alunos e alunas, em redes sociais educativas, bem como a criação de semelhantes dispositivos de comunicação, onde poderão rever os registros das visitas, socializar experiências com familiares, compartilhar roteiros entre comunidades escolares ou comunidades de aprendizagem etc. (iii) Metodologia. Com relação aos caminhos percorridos no processo de investigação, experimentamos uma aproximação à comunidade de aprendizagens, na qual o paradigma da aprendizagem e da comunicação prepara o campo metacognitivo para promover a construção social da aprendizagem. “O paradigma da comunicação perfilha da mesma crença acerca do protagonismo dos alunos, mas distancia-se do paradigma da aprendizagem no momento em que entende que o desenvolvimento daquelas competências estratégicas tanto potência a apropriação de informação como acabam por ser potenciadas pela própria informação como acabam por ser potenciadas pela própria informação de que os alunos se apropriam” (Cosme e Trindade, 2011, pp.37). Enquanto o paradigma da aprendizagem concentra-se numa dimensão intersubjetiva, de modo a se assentar no “aprender a aprender”, sob a perspectiva do paradigma da comunicação, estamos diante de uma noção não apenas de extensão, mas de coletivização do conhecimento, da relação entre a comunicação e a aprendizagem, a relação entre sujeito conhecimento e mundo em que se inscreve a conscientização e na reconstrução da cultura (Freire, 1979). Estamos perante uma transformação cultural, posto que ao passo que utilizamos e nos apropriamos da cultura humana, tornamo-nos produtores dessa cultura. O paradigma da comunicação confere um importante valor a interação social como fator de desenvolvimento das faculdades psicológicas superiores, sendo que os mediadores sociais constroem o conhecimento individual, como exemplifica a sua metáfora epistêmica mais famosa de Vygotsky, um andaime para as construções cognitivas do sujeito. Os mediadores, sejam eles humanos, equipamentos ou tecnologias devem se organizar para a participação ativa dos estudantes. Daí vem a importância da construção coletiva de dispositivos pedagógicos para que se opere o deslocamento de alunos passivos para 4 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
sujeitos capazes de produzir cultura e história por meio de dispositivos de
comunicação do conhecimento. Portanto, nesse paradigma entra em cena a importância da criação de dispositivos como andaime de processos de subjetivação e produção cultural. Assim, pode-se se afirmar que esta pesquisa se trata de um exercício de transição do paradigma da instrução para o paradigma da aprendizagem. Cosme e Trindade (Idem) apresentam o paradigma da aprendizagem e o paradigma da comunicação como formas que se adequam às propostas educacionais de vivência de cultura viva. No caso do primeiro paradigma, reconhece um lugar no desenvolvimento das competências cognitivas e metacognitivas como prioridade da educação: É no âmbito deste espaço conceitual que a valorização do desenvolvimento de competências de autoaprendizagem e, em particular, o desenvolvimento de competência cognitivas e metacognitivas dos alunos e das estratégias de processamento da informação e de resolução de problemas adquire uma grande visibilidade educativa, já que seriam tais competências e tais estratégias que garantiriam a possibilidade daqueles se apropriarem da informação e simultaneamente se afirmarem e desenvolverem como seres mais inteligentes e relacionalmente mais capazes (Cosme e Trindade, pp. 36-37). Segundo Paulo Freire, a educação e a cultura não podem existir dissociados dos processos de subjetivação de subjetivação que as constituem: É preciso que a educação esteja – em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história... (Freire, 1979, p.19). Essa definição de aprender como uma produção cultural do sujeito cognoscente esclarece o trabalho educativo assentado no paradigma da aprendizagem, no qual o sujeito é compreendido como uma unidade complexa, no qual a diversidade é bem- vinda para a organização de uma unidade dinâmica, quer se trate no campo da construção de conhecimento, concretizadas nas estratégias feitas conjuntamente com o aprendiz, que se trate, do ponto de vista sociopolítico, na organização de comunidades cooperativas e solidárias. Enquanto o paradigma 5 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
da aprendizagem circunscreve-se numa dimensão intersubjetiva, sob a
perspectiva do paradigma da comunicação, estamos diante de uma noção não apenas de extensão, de uma pretensa contribuição para aqueles que nada sabem, mas de coletivização dialógica do conhecimento, da relação entre a comunicação e a aprendizagem, a relação entre sujeito conhecimento e mundo em que se inscreve a conscientização (Freire, 1979). Com relação a análise dos ganhos, contradições e limites deste estudo, adotou-se uma perspectiva metodológica multirreferencial, quem articulou a pesquisa participante de Paulo Freire e a socioanálise de Lourau e Lapassade. Como referência, adotou-se o estudo epistemológico de Paulo Freire, “Criando métodos de pesquisa alternativa: aprendendo a fazê-la melhor através da ação”, extraída de uma conferência realizada no Instituto de Adultos da Universidade de Dar-Es-Salaam, Tanzânia, em 1971. Em um modelo metodológico transdisciplinar, dinâmico, utilizaremos referências da socioanálise, enquanto aspecto aplicado da Análise Institucional. Esses caminhos qualitativos de pesquisa compartilham a descrição densa do dia-a-dia como realização prática. Elas escutam os raciocínios práticos ou do senso-comum dos sujeitos participantes e o reconhecem como elementos constitutivos do social instituído, além de ambas proporem a criação coletiva de dispositivos de autogestão. Desse modo, aproximamos a proposta de experimentar encontros em grupos, no chão da escola, a uma pesquisa participante, como uma forma de pensar no conhecimento diferente do trabalho científico, mesmo no âmbito das ciências humanas. Segundo Brandão (1999), a pesquisa participante convida a apropriação de conhecimentos para a sua transformação e vivência. O conhecimento é produto de um trabalho, feito coletivamente, feito com o outro. Assim o participante torna-se sujeito ao assumirem o direito de pensarem, produzirem, de dentro para fora, seus saberes e suas implicações: “Uma gente aliada, armada dos conhecimentos científicos que foram sempre negados ao povo, àqueles para quem a pesquisa participante – onde afinal pesquisadores e pesquisados são sujeitos de um mesmo trabalho comum, ainda que com situações e tarefas diferentes – pretende ser um instrumento a mais de reconquista popular” (Brandão, 1999, p. 11).O objeto de 6 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
pesquisa social, no caso, sobre a importância de uma pedagogia crítica e
dialógica nos dias de hoje, somente pode se aproximar da realidade concreta com a ação dos sujeitos que participam desse fenômeno. De acordo com Paulo Freire: “A realidade concreta é algo mais que fatos ou dados tomados mais ou menos em si mesmos. Ela é todos esses fatos e todos esses dados tomados mais ou menos em que deles esteja tendo a população neles envolvida. Assim, a realidade concreta se dá a mim na relação dialética entre objetividade e subjetividade. Se me preocupa, por exemplo, numa zona rural, o problema da erosão, não o compreenderei, profundamente, se não percebo, criticamente, a percepção que dele estejam tendo os camponeses da zona afetada” (Freire, 1999, p. 9-10). Freire (1983) apresenta um modo de pesquisa com o propósito de construir metodologias e programas de educação de adultos. De acordo com o autor, coletivos não são objetos de pesquisa, mas, neles mesmo, os sujeitos participam, em maior ou menor grau, da construção de saberes sobre si. Igualmente, o pesquisador é também sujeito cognoscente que se educa no processo, ao mesmo tempo em que trabalha como educador. Aqui nessa pesquisa, procuraremos adaptar esse referencial metodológico às peculiaridade de um coletivo composto por crianças de 8 a 9 anos. O método de Freire (1983) sugere procedimentos para esta pesquisa: conhecer mais sobre a cultura do Círculo de Cultura a ser criado, conversar com os membros, anotar o que lhes chama atenção, entrevistar as lideranças, oferecer serviços de mediação do grupo, deixar claro que, se o serviço ofertado não for aceito, o trabalho não acontecerá, apontar a necessidade de reuniões amplas, com a participação de todos os interessados para discutirem suas principais questões, além de nunca sobrepor sua voz a dos outros participantes. As propostas desse método foram apresentadas por Freire em 1971, antecipando-se, pois, a muitas das formulações da Análise Institucional. Segundo Silva: “É praticamente certo que tenham sugerido a Lapassade e Lourau, assim como a outros institucionalistas, que conheciam bem o trabalho de Freire, os dispositivos da análise da demanda, oferta de trabalho pela equipe de pesquisadores e o gerenciamento da pesquisa feito pelo coletivo, formado 7 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
pela equipe de pesquisa e os interessados” (2013). Propõe-se conjugar os
dispositivos propostos na Socioanálise e na Pesquisa participativa com a finalidade de auxiliar na elaboração de analisadores naturais ou da construção coletiva de analisadores. De acordo com Ardoino e Lourau (2003), a Análise Institucional (AI) se expressa em três aspectos: a AI generalizada, propriamente dita, como labor teórico sobre as organizações e conjuntos sociais que tem como base a noção sociológica de instituição; a AI restrita, caracterizada um recorte em estudos específicos de organizações (no caso desta pesquisa, a proposta de um Roda de Escuta); a AI em ação, ou socioanálise, como prática clínica de intervenção psicossociológica. A socioanálise, centrará em seus próprios procedimentos que, pode-se assim considerar, uma clínica institucional: fala livre, escuta atenta e sensível, análise da implicação, da demanda, de atravessamentos, transversalidades. Enfim, a relação dos sujeitos com os sintomas em seu coletivo, tendo em vista a constituição tripartite de instituição, o instituído, geral, o instituinte, particular, e o institucionalizado, a singularidade. (iv) resultados: Para realizar esta pesquisa, colocamos em prática dois grupos em dois coletivos, cada qual com 23 crianças de 8 a 9 anos e 6 professores- estudantes dos cursos de licenciatura que realizaram comigo sua formação docente no Centro Pedagógico da UFMG. A partir da construção de um ambiente amigável onde os conflitos, questões e perguntas de todas as ordem pudessem ser acolhidos podemos dar as bases para esse trabalho investigativo. Essa abertura evidenciou um grande desafio marcado pela falta de convivência dos sujeitos devido ao isolamento social por dois anos devido a pandemia de COVID- 19. Além do distanciamento, o uso de máscara necessários para a proteção de todos, conforme requeridas pelos protocolos sanitários vigentes, mostrou-se um elemento dificultador por tornar a comunicação mais abafada e ruidosa. A proposta de fazer uma escuta coletiva, demonstrou uma dificuldade em se relacionar com o outro. Por um lado observamos a baixa tolerância à frustração, a dificuldade de ambientação em espaços fora de casa, agitação corporal, raiva com relação às diferenças, dificuldade de reconhecimento do outro, com muitas 8 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
condutas agressivas e passagem ao ato. Os conflitos exacerbados com a
alteridade, mostraram a dificuldade decorrente de uma baixa interação social. Além de gritos, espasmos e agressões físicas e psicológicas, observou-se, por outro lado, a psicoadaptação à tela e a comunicação virtual mostrou uma baixa interação ao diálogo, a falta de leitura e percepção de seus próprios sentimentos e necessidades. A dificuldade de integração visomotora, o tempo de atenção e a desconexão com relação ao contexto e a falta de expressão e baixa comunicação apresentava várias situações de gritos e de silêncios. Nesses encontros semanais, observamos a necessidade de reestabelecer espaços abertos e arejados de preferência em interação com a natureza. Diante dessa conjuntura, da dificuldade que os sujeitos participantes tinham de se relacionar e se escutar, mostrando muita falta de atenção, baixa tolerância a alteridade e reações desproporcionais e agressivas com relação às diferenças. Descortinou- se assim dois dispositivos de convivência e de aprendizagem para se desenvolver uma experiência de comunidade: a roda de escuta empática e as aulas-passeio. Vários fatores como as experiências de luto, a ansiedade decorrente do confinamento, a falta de diálogo durante esse período, caracterizou a demanda por um trabalho focado em habilidades socioafetivas e de conscientização ambiental, uma vez que a desconexão com o outro, com a natureza e seus sentimentos e necessidades individuais humanas se assomaram como a primeira demanda para um trabalho de alfabetização científica. Esse contexto de escolarização após o isolamento social apresentou a contradição de, ao construir experimentos e conceitos de reversibilidade, característica da inteligência operatória concreta (Piaget, 2015), observamos que a distância com a natureza, da dimensão física - do grego physis, natureza e da experimentação com as coisas - as crianças em excessivo tempo de exposição à tela e à realidade virtual demonstraram uma dificuldade de aprendizagem com relação à observação, formulação de hipóteses e observação de uma lógica de reversibilidade dos fenômenos dos estudos curriculares. Somado a esses componentes cognitivos, atenção, concentração, memória, observação, imaginação etc. a experiência da vida coletiva na escola 9 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
mostrou a dificuldade de lidar com as perdas, lutos e traumas dos período do
isolamento social imediato, principalmente contaminações, sequelas e mortes no seu contexto social e midiático, um luto simbólico em comum foi perda de contato com espaços sociais e da natureza. Aos poucos pandemia foi se apresentando como um analisador por excelência de uma pesquisa voltada ao processo de escolarização em que se propôs situações significativas de alfabetização científica. Após um intervalo de dois anos, essas crianças do terceiro ano do ensino fundamental retomava às atividades escolares presenciais tendo como pano de fundo ansiedades, conflitos, destroços e traumas, além da privação de convivência no contexto escolar. A roda de escuta empática foi um dispositivo construído coletivamente com os participantes desses encontros. Em princípio, estabeleceu o enquadramento de um processo grupal, apresentou uma característica aberta a todos os participantes, se organizou com o ritmo de encontros semanais, estava aberta a uma escuta sensível. Contudo, o estabelecimento de um contrato de confidenciabilidade e privacidade dos participantes não foi construído de forma objetiva. Com relação a essa aspecto, condição sine qua para a dinâmica de grupo, observou-se a dificuldade de acolhimento e respeito as diferenças de pontos de vista, crenças e singularidades. Dessa dificuldade, surgiu uma outra investigação sobre as habilidades socioafetivas e a Comunicação não-violenta, assunto a ser tratado em uma outra pesquisa. Pode-se dizer que o dispositivo da roda de conversa apesar de ter construído um sentimento de pertencimento por parte dos sujeitos, foi um dispositivo da atividades mais estruturadas de grupo e não obteve uma participação que atingisse um trabalho em grupo: Sem nunca chegarem a ser propriamente atividades de grupo, as atividades em grupo foram operadas por uma clínica específica, diferente da clínica médica. Não derivam tanto do grego klinikós – ação que se exerce junto ao leito do paciente –, mas antes da noção epicurista Climene – movimento de deriva, de emergência do inédito. Não somente de experiências profissionais, mas da vivência e da participação em grupos. Passei a ver as atividades grupais como dispositivo de mediação entre as esferas íntima, social e pública do sujeito. O dispositivo de aprendizagem 10 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
aulas-passeio partiu da evidente necessidade de conexão com o espaço escolar,
suas adjacências, de apreciação e fruição ambiental e suas correlações com os conteúdos curriculares. Esse dispositivo é atribuído a Freinet, um dos precursores do movimento escolanovista e da pedagogia institucional, foi ao encontro da necessidade de honrar a infância e a natureza e, principalmente, resgatar as crianças do Transtorno do Déficit de Natureza (Louv, 2018). Existe uma forte preocupação quanto ao declínio do real para o virtual. Há uma contradição entre a valorização de um mundo mais sustentável e o isolamento e a falta de contato com a natureza. “Também aprendi isso: pais, educadores, outros adultos e instituições – a própria cultura – dizem algo para as crianças sobre as dádivas da natureza, mas muitas de nossas ações e crenças - em especial as que não percebemos que estamos transmitindo- passam outra mensagem. E as criança ouvem bem” (Idem, p. 36). Avaliando a desconexão entre pessoa e natureza, o autor vem reunindo estudos sobre a diminuição significativa de espaço públicos e na natureza destinados à fruição e ao brincar. Nessa compilação de estudos, a única conclusão que se faz consenso é a evidência de que a exposição direta à natureza é fundamental para a saúde física e mental. “Por exemplo, novos estudos sugerem que a exposição à natureza pode reduzir os sintomas de TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade), e melhorar as habilidades cognitivas e a resistência das crianças ao estresse e a depressão” (idem, p. 57). O terceiro dispositivo realizado foi a construção e observação de experimentos com o reaproveitamento de materiais recicláveis e de baixo custo, como latas, garrafas pet, pilhas usadas, elásticos etc. com o objetivo de promover a alfabetização científica das crianças e as regras ou leis que poderiam formular hipóteses nesse experimento. Adotamos o livro “Física mais divertida”. Segundo o autor (Valadares, 2013), é uma manual para que se “ponha a mão na massa, explore todas as possibilidades ao seu alcance e descubra como a Natureza funciona”(2013, p. 13). Apresentei um experimento de mecânica, chamado “lata-mágica”, que consiste em um mecanismo composto por uma forma cilíndrica, como uma lata ou uma garrafa pet, que possui um pêndulo 11 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
amarrado em um elástico em sua parte interna, de modo que, ao rolar o cilindro
o elástico se enrola também, armazena energia e desenrola o elástico, fazendo com que a lata role de volta. Nesse momento os estudantes puderam observar o brinquedo e lançar a sua curiosidade epistemológica para o seu funcionamento e sua estrutura e as leis que estavam presentes para o seu funcionamento. Como culminância dessa pesquisa, foi o momento de verificar a aprendizagem, observar as evidências do conhecimento construído. Isso reveste a pesquisa de um caráter ainda mais significativo, pois assenta-se nas bases epistemológica de que, conforme Bruner, a construção do conhecimento é diretamente proporcional à motivação e à variação de linguagens e contextos de sua expressão. Quanto mais consigo ampliar a aplicação dos saberes ao mais diversos contextos, mais evidente se mostra a aprendizagem. Fazer conhecimento implica superar construções prévias, respostas padronizadas e homogêneas e concepções etnocêntricas de cultura e currículo (Bruner, J. 2005). Essa concepção vai ao encontro de Paulo Freire. Para ele, conhecer é encontrar meios para expressar a sua curiosidade epistemológica. Criamos um quarto dispositivo que pudesse traduzir o paradigma da comunicação, um tutorial criado coletivamente no qual as crianças brincariam com o experimento, demonstrassem seu funcionamento, apresentasse suas estruturas, conjecturassem suas hipóteses e explicassem, com a sua linguagem e a partir do seu tempo de aprendizagem, o funcionamento das leis da natureza. Elas montaram e desmontaram o brinquedo, descreveram as suas partes. Simularam o seu funcionamento de diversos modos. Fantasiaram e formularam hipóteses. Procuraram, cada qual com o ritmo e entendimento, falar e escrever sobre o seu funcionamento. Alguns imaginaram o que fazia a lata-mágica funcionar, de modo a mesclar fantasia e a observação das leis da natureza. Alguns inclusive relacionam o brinquedo com o conceito de energia e falaram sobre as leis de Newton, apropriando-se delas como se realmente fossem os seus formuladores. (v) conclusão: Após um longo período de distanciamento social devido ao Covid- 19, a alfabetização encontrou diversos desafios em decorrência de traumas, lutos e conflitos decorrente desse período. Acresce ao fato o excessivo tempo 12 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
de exposição à tela e ao virtual em detrimento do desenvolvimento das
habilidades socioemocionais, da convivência e da conexão com pessoas e espaços ao ar livre na natureza. A análise dessas transversalidades, apontou para contradições presentes no contexto escolar em 2022, completamente desadaptado a esse contexto. Mesmo assim, observamos que os desafios da convivência, uma vez enfrentados, permitiram que os sujeitos das comunidades escolares, pudesse desenvolver uma atitude participativa e comunicativa com o conhecimento. Esse ganho somente pode ser verificado por meio de um pequeno deslocamento de uma compreensão instrucionista para uma outra que se relacione com a construção do conhecimento e sua comunicação. Cito Paulo Freire: Conhecer, na sua dimensão humana, que aqui nos interessa, qualquer que seja o nível em que se dê, não é o ato através do qual um sujeito, transformado em objeto, recebe, dócil e passivamente, os conteúdos que outro lhe dá ou impõe. O conhecimento, pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica invenção e reinvenção. Reclama a reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo qual de reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se assim, percebe ‘como’ de seu conhecer e os condicionamentos a que está submetido seu ato” (Freire, 1985, p. 16). Desse modo, a nossa participação em uma Feira Nacional seria mais uma oportunidade da construção de um novo suporte de partilha de saberes, para os sujeitos de aprendizagem comunicarem de uma forma ainda mais direta e efetiva os seu aprendizados. Seria uma culminância pedagógica e mais um dispositivo de aprendizagem e comunicação?
Referências
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educação fundamental: transformações nas práticas argumentativas em sala de aula, 2010. Disponível em http://www. nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R0619-2.pdf. Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências Naturais. Brasília: MEC, 1997. 13 X Feira Brasileira dos Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas
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