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PARTE I

O que é behaviorismo?

O behaviorismo tem sido um tema controverso. Algumas objeções originam-se de


um correto entendimento, mas os equívocos em relação ao behaviorismo são mui-
tos. Os três capítulos da Parte I visam esclarecer o que pode ser chamado de “posi-
ção filosófica” do behaviorismo.
Tudo o que é verdadeiramente controverso sobre o behaviorismo decorre de
sua principal ideia: a de que uma ciência do comportamento é possível. Em algum
momento de sua história, toda ciência teve de exorcizar causas imaginadas (agen-
tes ocultos) que supostamente estão atrás ou sob a superfície dos eventos naturais.
O Capítulo 1 explica como a negação de agentes ocultos por parte dos behavioristas
leva a uma controvérsia genuína: a questão de o comportamento ser livre ou deter-
minado.
O Capítulo 2 visa prevenir os equívocos que podem surgir devido às mudanças
pelas quais o behaviorismo passou ao longo do tempo. Uma versão anterior, cha-
mada de behaviorismo metodológico, baseava-se no realismo, a visão de que toda
experiência é causada por um mundo real objetivo, externo e separado do mundo
interno subjetivo de uma pessoa. O realismo pode ser contrastado com o pragmatis-
mo, que se cala sobre a origem da experiência, mas aponta, em vez disso, a utilidade
de tentar entender e dar sentido a nossas experiências. Uma versão posterior do
behaviorismo, chamada behaviorismo radical, baseia-se no pragmatismo, e não no
realismo. Qualquer pessoa que não entenda essa diferença é propensa a interpretar
erroneamente o aspecto crítico do behaviorismo radical, sua rejeição do mentalismo.
A análise crítica do mentalismo feita pelos behavioristas, explicada no Capítulo 3,
subjaz o restante do livro, pois ela exige que os behavioristas sugiram explicações
não mentalistas do comportamento (Parte II) e soluções não mentalistas para pro-
blemas sociais (Parte III).

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Behaviorismo:
definição e história

A ideia central no behaviorismo pode análise do comportamento, não a ciência


ser formulada de maneira simples: uma em si, o behaviorismo propriamente dito
ciência do comportamento é possível. Os não é ciência, mas filosofia da ciência.
behavioristas têm opiniões diversas sobre Como filosofia sobre o comportamento,
o que essa proposição significa e particu- contudo, ele toca em assuntos próximos e
larmente sobre o que é ciência e o que é que nos são caros: por que fazemos o que
comportamento, mas todos concordam fazemos e o que devemos e não devemos
que pode haver uma ciência do compor- fazer. O behaviorismo oferece uma visão
tamento. alternativa que muitas vezes se coloca
Muitos behavioristas acrescentam que contra o pensamento tradicional sobre a
a ciência do comportamento deve ser a psi- ação, porque as opiniões tradicionais não
cologia. Isso é motivo de controvérsia, pois têm sido pautadas pela ciência. Veremos,
muitos psicólogos rejeitam a ideia de que em capítulos posteriores, que, às vezes, o
a psicologia seja uma ciência, e outros, behaviorismo nos leva em direções radi-
que a tomam como ciência, consideram que calmente diferentes do pensamento con-
seu objeto é algo diferente do comporta- vencional. Este capítulo aborda a história
mento. A maioria dos behavioristas pas- do behaviorismo e uma de suas implica-
sou a chamar a ciência do comportamento ções mais imediatas: o determinismo.
de análise do comportamento. O debate
continua sobre se a análise do comporta-
mento faz parte da psicologia, é o mesmo CONTEXTO HISTÓRICO
que psicologia ou é independente da psi-
Da filosofia à ciência
cologia, mas organizações profissionais,
como a Association for Behavior Analysis, Todas as ciências – a astronomia, a físi-
e revistas, como The Behavior Analyst, ca, a química e a biologia – tiveram suas
Journal of the Experimental Analysis of origens na filosofia e posteriormente se
Behavior e Journal of Applied Behavior separaram dela. Antes que a astronomia
Analysis, dão ao campo uma identidade. e a física existissem como ciências, por
Uma vez que o behaviorismo é um con- exemplo, os filósofos especulavam sobre a
junto de ideias sobre essa ciência chamada organização do universo natural, partindo

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de suposições sobre Deus ou algum outro que poderia ser verdade que levaria a tal
padrão e, raciocinando, concluíam sobre observação, e a quais outras observações
a forma como o universo seria. Por exem- isso levaria?”. A verdade filosófica é abso-
plo, se todos os eventos importantes pare- luta; contanto que os pressupostos sejam
ciam ocorrer na Terra, então ela deveria enunciados e o raciocínio esteja correto,
ser o centro do universo. Uma vez que o as conclusões devem seguir-se. A verdade
círculo é a forma mais perfeita, o Sol deve científica é sempre relativa e provisória;
viajar pela Terra em uma órbita circular. ela é relativa à observação e passível de
A lua deve viajar em outra órbita circular ser desmentida por novas observações.
mais próxima, e as estrelas devem estar em Durante muito tempo, os astrônomos pen-
uma esfera, a forma tridimensional mais saram que havia apenas sete planetas, mas
perfeita, ao redor do todo. (Até hoje, o Sol, um oitavo e um nono foram descobertos.
a lua e as estrelas são chamados de corpos Os pressupostos filosóficos se referem
celestes, porque se supunha que eram per- a abstrações além do universo natural:
feitos.) Deus, harmonia, formas ideais, e assim
As ciências da astronomia e da física por diante. Os pressupostos científicos
nasceram quando os indivíduos come- utilizados na elaboração de teorias refe-
çaram a tentar compreender os objetos e rem-se apenas ao universo natural e a sua
fenômenos naturais por meio da observa- possível forma de organização. Embora
ção. Quando Galileu Galilei (1564-1642) Newton fosse teólogo e físico, ele separava
apontou um telescópio para a lua, obser- as duas atividades. Sobre a física, ele disse:
vou que sua paisagem marcada por cra- “Hypotheses non fingo” (“Eu não inven-
teras estava longe de ser a esfera perfeita to hipóteses”), isto é, ao estudar física, ele
imaginada pelos filósofos. Contribuindo não se preocupava com quaisquer entida-
também para a física, Galileu registrou o des ou princípios sobrenaturais – ou seja,
movimento de queda de objetos rolando com qualquer coisa fora do próprio uni-
uma bola por uma calha. Ao descrever verso natural. A razão pela qual o oceano
suas descobertas, Galileu ajudou a inven- tem marés não é a vontade de Deus, mas a
tar as noções modernas de velocidade e atração gravitacional da lua enquanto gira
aceleração. Isaac Newton (1642-1727) em torno da Terra.
acrescentou conceitos como força e inér- Assim como a física, os gregos anti-
cia para criar um poderoso esquema des- gos também especularam sobre química.
critivo para entender os movimentos dos Filósofos como Heráclito, Empédocles
corpos na Terra, bem como dos corpos e Aristóteles especularam que a matéria
celestes, como a lua. variava em suas propriedades porque era
Ao criarem a ciência da física, Galileu, dotada de certas qualidades, essências ou
Newton e outros pensadores do Iluminis- princípios. Aristóteles sugeriu quatro qua-
mo romperam com a filosofia. A filosofia lidades: quente, fria, úmida e seca. Se uma
raciocina a partir de pressupostos para substância era um líquido, ela tinha mais
chegar a conclusões. Seus argumentos da qualidade úmida; se era sólida, mais da
assumem a forma: “Se isto fosse assim, seca. À medida que os séculos passaram,
então aquilo seria assim”. A ciência segue a lista de qualidades ou essências aumen-
na direção oposta: “Isto é observado; o tou. Dizia-se que as coisas que esquenta-

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vam tinham a essência interior calórica. de lado os hipotéticos pressupostos dos fi-
Materiais que queimavam tinham flogisto. lósofos e usava como referencial apenas as
Essas essências foram consideradas subs- observações de fenômenos naturais.
tâncias reais escondidas em algum lugar Quando Charles Darwin (1809-1882)
dentro dos materiais. Quando os pensa- publicou sua teoria da evolução por se-
dores se afastaram da especulação sobre leção natural em 1859, ela despertou um
essências ocultas e começaram a inter- furor. Algumas pessoas se ofenderam, pois
-relacionar observações cuidadosas de a teoria ia contra o relato bíblico de que
mudanças da matéria, nasceu a química. Deus criara todas as plantas e animais em
Antoine Lavoisier (1743-1794), entre ou- alguns dias. Até alguns geólogos e biólo-
tros, desenvolveu o conceito de oxigênio a gos se chocaram com Darwin. Familiari-
partir da observação cuidadosa de pesos. zados com as avassaladoras evidências
Lavoisier descobriu que quando o chum- provenientes do estudo dos fósseis acerca
bo, um metal, é queimado em um recipien- do surgimento e da extinção de muitas es-
te fechado e transformado em pó amarelo pécies, esses cientistas já estavam conven-
(óxido de chumbo), esse pó pesa mais do cidos de que a evolução ocorria. Contu-
que o metal original, e, no entanto, todo do, embora não aceitassem mais o relato
o recipiente conserva o mesmo peso. La- bíblico sobre a criação de maneira literal,
voisier argumentou que isso só poderia alguns deles ainda consideravam a criação
ocorrer se o metal se combinasse com al- da vida (e, consequentemente, a evolução)
gum material no ar. Essa explicação aludia uma obra de Deus. Eles se sentiram tão
exclusivamente a termos naturais; ela dei- ofendidos pela teoria da seleção natural de
xava de lado as essências ocultas sugeridas Darwin quanto aqueles que interpretavam
pela filosofia e estabelecia a química como a Bíblia de forma literal.
ciência. A teoria de Darwin impressionou seus
A biologia rompeu com a filosofia e a contemporâneos por oferecer uma expli-
teologia da mesma forma. Os filósofos ra- cação sobre a origem da vida que deixava
ciocinavam que se as coisas vivas e não vi- de fora Deus ou qualquer outra força não
vas diferiam era porque Deus havia dado natural. A seleção natural é um processo
aos seres vivos algo que Ele não havia dado puramente mecânico. Se os seres variam,
aos não vivos. Alguns pensadores consi- e a variação é herdada, qualquer vanta-
deravam que essa coisa interior era uma gem reprodutiva de um tipo fará com que
alma; outros a chamaram de vis viva (força esse tipo substitua todos os concorrentes.
vital). No século XVII, os primeiros fisiolo- A teoria moderna da evolução surgiu na
gistas começaram a abrir os animais para primeira metade do século XX, quando
ver como funcionavam. William Harvey a ideia de seleção natural foi combinada
(1578-1657) descobriu o que parecia mais com a teoria da herança genética. Essa teo-
o funcionamento de uma máquina do que ria continua a suscitar objeções por causa
uma misteriosa força vital. Parecia que o de seu caráter naturalista e sem Deus.
coração funcionava como uma bomba, Assim como a astronomia, a física, a
circulando o sangue através das artérias e química, a fisiologia e a biologia evolu-
tecidos e voltando pelas veias. Como na tiva, a psicologia também rompeu com a
física e na química, esse raciocínio deixou filosofia. E essa ruptura foi relativamen-

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te recente. Até a década de 1940, poucas torções pessoais, muito subjetiva. Outras
universidades tinham um departamento ciências utilizavam métodos objetivos que
separado de psicologia, e os professores de produziam medidas verificáveis e replicá-
psicologia costumavam ser encontrados veis em laboratórios do mundo inteiro. Se
no departamento de filosofia. Se a biolo- duas pessoas treinadas em introspecção
gia evolutiva, com suas raízes em meados discordassem sobre suas conclusões, seria
do século XIX, ainda está completando difícil de resolver o conflito; entretanto,
sua ruptura com a doutrina teológica e se utilizassem métodos objetivos, os pes-
filosófica, não é surpresa que hoje os psi- quisadores poderiam notar diferenças de
cólogos ainda discutam as implicações de procedimento que talvez explicassem os
considerar a psicologia uma verdadeira resultados diferentes.
ciência, e que os leigos estão apenas co- Um dos primeiros pioneiros da psico-
meçando a aprender o que uma psicologia logia objetiva foi o psicólogo holandês
verdadeiramente científica pode significar F. C. Donders (1818-1889), que se inspi-
na prática. rou em um intrigante problema colocado
Na segunda metade do século XIX, os pela astronomia: como calcular o momen-
psicólogos começaram a chamar a psico- to exato em que uma estrela estará em
logia de “ciência da mente”. A palavra determinada posição no céu? Quando se
grega psique significa algo semelhante a vê uma estrela através de um telescópio
“espírito”, porém mente parecia menos poderoso, ela parece se deslocar a uma
especulativo e mais passível de estudo velocidade considerável. Os astrônomos
científico. Como estudar a mente? Os psi- que tentavam fazer medidas precisas do
cólogos propuseram a adoção do método tempo estavam tendo dificuldade em esti-
dos filósofos: a introspecção. Se a mente mar a velocidade com a precisão de uma
era uma espécie de palco ou arena, então fração de segundo. Um astrônomo ficava
deveria ser possível olhar dentro dela e ver ouvindo o tique-taque de um cronôme-
o que estava ocorrendo; esse era o sentido tro, que marcava os segundos, enquanto
da palavra introspecção. Trata-se de uma observava a estrela e contava os tiques.
tarefa difícil, principalmente se o que se Quando a estrela cruzava uma linha mar-
deseja é colher fatos científicos fidedignos. cada no telescópio (o “momento de trân-
Parecia aos psicólogos do século XIX que sito”), o astrônomo anotava mentalmente
essa dificuldade poderia ser superada com sua posição no momento do tique-taque
bastante treino e muita prática. Duas cor- imediatamente anterior e imediatamente
rentes de pensamento, contudo, se soma- posterior ao trânsito e depois estimava a
ram para corroer essa visão: a psicologia fração da distância entre as duas posições
objetiva e a psicologia comparativa. que ficava entre a posição imediatamente
anterior ao trânsito e a linha. O problema
Psicologia objetiva era que diferentes astrônomos, observan-
do o mesmo momento de trânsito, che-
Alguns psicólogos do século XIX esta- gavam a diferentes estimativas de tempo.
vam pouco à vontade com a introspecção Os astrônomos tentaram resolver o pro-
como método científico. Ela parecia muito blema gerado por essa variação calculan-
pouco confiável, muito suscetível a dis- do uma equação para cada astrônomo,

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chamada de “equação pessoal”, que calcu- cado – para produzir medidas objetivas de
laria o tempo correto a partir das estimati- aprendizado e memória. Outros usaram
vas de tempo feitas por eles. o método desenvolvido por I. P. Pavlov
Donders raciocinou que as estimati- (1849-1936) para estudar aprendizagem
vas de tempo variavam porque nenhum e associação, medindo um simples reflexo
dos astrônomos utilizou o mesmo tempo de transferência para novos sinais orga-
para avaliar o momento exato de trânsito; nizados no laboratório. Essas tentativas
ele acreditava que eles estavam realmente mantiveram a promessa comum de que,
fazendo suas avaliações por meio de dife- seguindo métodos objetivos, a psicologia
rentes processos mentais. Donders pensou poderia se tornar uma verdadeira ciência.
que esse “momento de avaliação” poderia
ser uma medida objetiva útil. Ele come- Psicologia comparativa
çou a fazer experimentos em que media os
tempos de reação das pessoas – os tempos Ao mesmo tempo que os psicólogos ten-
necessários para detectar uma luz ou som tavam fazer da psicologia uma ciência ob-
e então apertar um botão. Ele constatou jetiva, a psicologia também estava sendo
que levava mais tempo para apertar o bo- influenciada pela teoria da evolução. Os
tão correto entre dois botões quando uma seres humanos não eram mais vistos como
das duas luzes dos botões se acendia do separados de outros seres vivos. Crescia
que para apertar um único botão quando o reconhecimento de que não comparti-
uma única luz se acendia. Subtraindo-se o lhamos apenas traços anatômicos com sí-
tempo de reação simples, mais curto, do mios, macacos, cachorros e até peixes, mas
tempo de reação de escolha, mais longo, também muitos traços comportamentais.
Donders afirmou que seria possível me- Assim surgiu a noção de continuidade
dir objetivamente o processo mental de das espécies – a ideia de que, mesmo que as
escolha. Isso pareceu um grande avanço espécies sejam claramente diferentes umas
comparado à introspecção, pois significa- das outras, elas também se assemelham na
va que os psicólogos poderiam fazer ex- medida em que compartilham uma mesma
perimentos laboratoriais com os mesmos história evolutiva. A teoria de Darwin en-
métodos objetivos que as outras ciências. sinou que novas espécies surgiram apenas
Outros psicólogos desenvolveram como modificações de espécies existentes.
outros métodos que pareciam medir os Se a nossa espécie evoluiu como qualquer
processos mentais objetivamente. Gustav outra espécie, então ela também deve ter
Fechner (1801-1887) tentou medir a in- surgido como uma modificação de ou-
tensidade subjetiva da sensação ao desen- tras espécies. Foi fácil identificar que nós
volver uma escala com base na diferença e os símios temos ancestrais comuns, que
perceptível – a menor diferença física entre símios e macacos têm ancestrais comuns,
duas luzes ou sons que uma pessoa é capaz que macacos e musaranhos têm ancestrais
de detectar. Hermann Ebbinghaus (1850- comuns, musaranhos e répteis têm ances-
-1909) mediu o tempo que ele levava para trais comuns, e assim por diante.
aprender e posteriormente reaprender lis- Pensadores da psicologia comparativa
tas de sílabas sem sentido – combinações raciocinaram que, assim como era possível
de consoante-vogal-consoante sem signifi- reconhecer as origens dos nossos próprios

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traços anatômicos em outras espécies, se mova, seja ele humano, rato, peixe ou
também era possível observar as origens formiga, pode ser treinado para resolver
dos nossos traços mentais. Assim, a ideia um labirinto. Era possível medir o tem-
de fazer comparações entre as espécies po que o animal levava para percorrer o
para saber mais sobre a nossa, aliada à labirinto e o número de erros cometidos,
suposição de que nossos traços mentais além de observar o número de erros e a
apareceriam em outras espécies de manei- quantidade de tempo diminuir conforme
ra mais simples ou rudimentar, deu origem o aprendizado. Levando adiante a tenta-
à psicologia comparativa. tiva de humanizar a fera, esses primeiros
As comparações entre nossa espécie pesquisadores frequentemente incluíram
e outras se tornaram comuns. O pró- especulações sobre os estados mentais, os
prio Darwin escreveu um livro intitulado pensamentos e as emoções dos animais.
The expression of the emotions in men Dizia-se que os ratos demonstravam
and animals. Inicialmente, as evidências aborrecimento ao cometerem um erro,
de uma mentalidade aparentemente hu- confusão, hesitação, confiança, e assim
mana em outros animais consistiam em por diante.
observações ocasionais de seres selvagens O problema com essas afirmações so-
e domésticos, muitas vezes apenas anedo- bre a consciência animal era que elas de-
tas sobre animais de estimação ou animais pendiam demais do viés individual. Se, por
de criação. Com um pouco de imagina- introspecção, duas pessoas podiam discor-
ção, era possível ver um cão que aprendeu dar quanto a estarem sentindo raiva ou
a abrir o portão do jardim levantando o tristeza, elas podiam discordar ainda mais
trinco depois de ter observado e raciocina- quanto a se um rato estava sentindo rai-
do a partir do exemplo de seu dono. É pos- va ou tristeza. Como as observações eram
sível imaginar ainda que as sensações, os muito subjetivas, fazer mais observações
pensamentos, os sentimentos, etc., do cão não ajudaria a resolver qualquer discor-
devem se parecer com os nossos. George dância. John B. Watson (1879-1958), o
Romanes (1848-1894) levou essa linha de fundador do behaviorismo, considerou
raciocínio para sua conclusão lógica, che- que as inferências sobre a consciência em
gando a afirmar que nossa própria cons- animais eram ainda menos confiáveis que
ciência deve constituir a base de nossas a introspecção e concluiu que nenhuma
suposições em eventual tênue consciência das duas poderia servir de método para
que ocorre em formigas. uma verdadeira ciência.
Essa “humanização da fera”, ou antro-
pomorfismo, parecia muito especulativa A primeira versão do
para alguns psicólogos. Na segunda me- behaviorismo
tade do século XIX e início do século XX,
os psicólogos comparativos começaram a Em 1913, Watson publicou o artigo
substituir as vagas evidências anedóticas “Psychology as the behaviorist views it”,
por uma observação rigorosa realizando que rapidamente foi considerado o mani-
experimentos com animais. Grande par- festo da primeira versão do behaviorismo.
te dessa pesquisa inicial baseou-se em Guiado pela psicologia objetiva, Watson
labirintos, porque qualquer animal que articulou a crescente insatisfação dos psi-

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cólogos com a introspecção e a analogia processos mentais do animal. Dizemos


como métodos. Queixava-se de que a in- que, não tendo olhos, seu fluxo de cons-
trospecção, diferentemente dos métodos ciência não pode conter sensações de bri-
lho e cor como tal qual conhecemos; sem
da física ou da química, dependia excessi-
papilas gustativas, esse fluxo não pode
vamente do indivíduo:
conter sensações de doce, azedo, salgado
e amargo. Mas, por outro lado, uma vez
Se você não conseguir reproduzir minhas
que ele responde a estímulos térmicos,
descobertas... é porque sua introspecção
táteis e orgânicos, seu conteúdo cons-
não foi bem treinada. Ataca-se o obser-
ciente deve, em grande parte, ser consti-
vador, e não a situação experimental. Na
tuído por essas sensações... Certamente,
física e na química, atacam-se as condi-
é possível demonstrar que uma doutrina
ções experimentais. O equipamento não
que exige uma interpretação analógica
era sensível o suficiente, foram utilizados
de todos os dados comportamentais é
produtos químicos impuros, etc. Nessas
falsa. (p. 159-160)
ciências, uma técnica melhor irá gerar
resultados passíveis de reprodução. Na
psicologia é diferente. Se você não é ca- Os psicólogos prendiam-se em esfor-
paz de observar de 3 a 9 estados de cla- ços tão infrutíferos, argumentou Watson,
reza na atenção, sua introspecção é defi- por causa de sua definição de psicologia
ciente. Se, por outro lado, um sentimento como a ciência da consciência. Essa defi-
parece razoavelmente claro para você, nição era a culpada pelos métodos pouco
sua introspecção é novamente a culpada. confiáveis e pelas especulações sem fun-
Você está vendo demais. Os sentimentos
damento. Ela era responsável pelo fracas-
nunca são claros. (p. 163)
so da psicologia em se tornar uma verda-
Se a introspecção não era confiável, as deira ciência.
analogias entre animais e seres humanos Em vez disso, escreveu Watson, a psi-
eram menos ainda. Watson queixava-se de cologia deveria ser definida como a ciên-
que a ênfase na consciência o obrigava cia do comportamento. Ele descreveu sua
decepção quando, ao ver a psicologia
à absurda situação de tentar construir definida por Pillsbury no início de um
o conteúdo consciente do animal cujo livro como a ciência do comportamen-
comportamento estudamos. Nessa visão, to, constatou que, depois de algumas
depois de ter determinado a capacidade páginas, o livro deixou de se referir ao
de aprender do animal, a simplicidade ou
comportamento e voltou ao “tratamento
a complexidade de seu método de apren-
dizagem, o efeito de hábitos passados na convencional” da consciência. Em reação,
resposta atual, a faixa de estímulos a que Watson escreveu: “Creio que podemos
ele normalmente responde, a faixa mais escrever uma psicologia, defini-la como
ampla à qual é capaz de responder em Pillsbury e nunca renunciar a nossa defi-
condições experimentais – em termos nição: jamais use os termos consciência,
mais gerais, seus vários problemas e suas estados mentais, mente, conteúdo, intros-
várias maneiras de resolvê-los –, ainda
pectivamente verificável, imagens e coisas
devemos sentir que a tarefa está inaca-
bada e que os resultados são inúteis, até
parecidas” (p. 166).
que possamos interpretá-los, por analo- Evitar os termos relacionados à cons-
gia, à luz da consciência... sentimo-nos ciência e à mente deixaria os psicólogos
obrigados a dizer algo sobre os possíveis livres para estudarem o comportamen-

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to humano e animal. Se a continuidade uma ciência do comportamento contras-


das espécies podia levar à “humanização taram fortemente com as da maioria dos
da fera”, ela poderia igualmente levar outros behavioristas. Enquanto os outros
ao oposto (bestializar o humano?); se as se concentraram em métodos das ciências
ideias sobre os humanos podiam ser apli- naturais, tais como medição e controle ex-
cadas aos animais, os princípios desenvol- perimental, Skinner focou nas explicações
vidos pelo estudo de animais poderiam científicas. Ele argumentou que o caminho
ser aplicados aos seres humanos. Watson para uma ciência do comportamento era
argumentou contra o antropocentrismo. por meio do desenvolvimento de termos e
Ele apontou para o biólogo que estuda a conceitos que permitiriam explicações ver-
evolução, que “reúne seus dados a partir dadeiramente científicas. Rotulou a visão
do estudo de muitas espécies de plantas e oposta de behaviorismo metodológico e
animais e tenta elaborar as leis da heredi- denominou sua própria visão behavioris-
tariedade no tipo particular sobre o qual mo radical. Discutiremos mais sobre isso
ele está realizando experimentos... Não é nos Capítulos 2 e 3.
justo dizer que todo o seu trabalho é dire- Sejam quais forem suas discordâncias,
cionado à evolução humana ou que deve todos os behavioristas concordam com as
ser interpretado em termos de evolução premissas básicas de Watson de que pode
humana” (Watson, 1913, p. 162). Para haver uma ciência natural do comporta-
Watson, era claro o caminho para trans- mento e de que a psicologia poderia ser
formar a psicologia em uma ciência geral essa ciência. A ideia de que o comporta-
do comportamento que abarcasse todas as mento pode ser abordado cientificamente
espécies, com seres humanos como apenas implica que, assim como as outras ciên-
uma delas. cias expulsam essências, forças e causas
Essa ciência do comportamento que ocultas, também a análise do comporta-
Watson idealizou não usaria nenhum dos mento (ou a psicologia, se forem a mes-
termos tradicionais que se referem à men- ma coisa) omite esses fatores misteriosos.
te e à consciência, evitaria a subjetivida- Essa omissão suscita controvérsias aná-
de da introspecção e das analogias entre logas à reação à explicação naturalista
animais e humanos e estudaria apenas o de Darwin sobre a evolução. Enquanto
comportamento objetivamente observá- Darwin ofendeu deixando de fora a mão
vel. Contudo, mesmo na época de Watson, oculta de Deus, os behavioristas ofende-
os behavioristas já debatiam sobre a cor- ram deixando de fora outra força oculta:
reção dessa receita. Não estava claro o que o poder dos indivíduos de governarem
significava objetivo ou o que exatamente seu próprio comportamento. Assim como
constituía o comportamento. Uma vez que a teoria de Darwin desafiou a venerada
esses termos foram deixados abertos à in- ideia de Deus, o criador, também o beha-
terpretação, as ideias dos behavioristas so- viorismo desafia a venerada ideia do
bre o que constitui ciência e como definir livre-arbítrio. Discutiremos mais profun-
comportamento variaram. damente as causas ocultas no Capítulo 3,
Dos behavioristas pós-Watsonianos, mas, uma vez que o questionamento do
o mais conhecido é B. F. Skinner (1904- livre-arbítrio muitas vezes suscita antago-
-1990). Suas ideias sobre como alcançar nismo, trataremos disso agora.

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LIVRE-ARBÍTRIO VERSUS comer sorvete ou não, e, ainda assim, isso


DETERMINISMO poderia ser totalmente determinado por
eventos passados. O livre-arbítrio afirma
Definições que a escolha não é uma ilusão, que os pró-
prios indivíduos causam o comportamento.
A ideia de que uma ciência do comporta- Os filósofos tentaram conciliar deter-
mento é possível implica que o compor- minismo e livre-arbítrio. Surgiram posi-
tamento, como qualquer outro objeto de ções chamadas “determinismo brando”
estudo da ciência, é ordenado, pode ser ex- e teorias “compatibilizadoras” do livre-
plicado, pode ser previsto desde que se te- -arbítrio. O determinismo brando, atribuí-
nha dados necessários e pode ser controla- do a Donald Hebb (um behaviorista; ver
do desde que se tenham os meios corretos. Sappington, 1990), por exemplo, sustenta
Isso é o determinismo, a noção de que o que o livre-arbítrio consiste no fato de o
comportamento é determinado unicamen- comportamento depender da heredita-
te pela hereditariedade e pelo ambiente. riedade e da história ambiental passada,
Muitas pessoas acham o determinismo fatores menos visíveis do que o ambiente
censurável. Ele parece contrariar antigas presente. Mas, como essa visão ainda con-
tradições culturais que atribuem a respon- sidera que o comportamento resulta uni-
sabilidade pela ação ao indivíduo, e não à camente da hereditariedade e do ambiente,
hereditariedade e ao ambiente. Essas tra- passado e presente, ela implica que o livre-
dições mudaram um pouco: a responsabi- -arbítrio é apenas uma experiência, uma
lidade pela delinquência é atribuída a um ilusão, e não uma relação causal entre pes-
mau ambiente; artistas famosos expres- soa e ação. A teoria compatibilizadora do
sam reconhecimento a pais e professores; e livre-arbítrio proposta pelo filósofo Daniel
reconhece-se que alguns traços comporta- Dennett define o livre-arbítrio como uma
mentais, como alcoolismo, esquizofrenia, deliberação antes da ação (Dennett, 1984).
lateralidade e QI, têm um componente Enquanto eu delibero sobre comer o sor-
genético. Contudo, permanece a tendência vete (Será que isso vai me fazer engordar?
a atribuir mérito e culpa aos indivíduos, Eu poderia compensar seus efeitos fazen-
a afirmar que o comportamento depende do exercício depois? Eu posso ser feliz se
não apenas da hereditariedade e do am- estou sempre fazendo dieta?), meu ato de
biente, mas de algo mais, que as pessoas comer sorvete é escolhido livremente. Isso
têm liberdade para escolher suas ações. é compatível com o determinismo porque
A capacidade de escolher é denominada a própria deliberação é um comportamen-
livre-arbítrio. Esse livre-arbítrio implica um to que pode ser determinado pela heredi-
terceiro elemento além da hereditariedade tariedade e pelo ambiente passado. Se a
e do ambiente, algo dentro do indivíduo. deliberação desempenha qualquer papel
Afirma que, apesar da herança e de todos no comportamento que se segue, ela só
os impactos ambientais, uma pessoa que se atuaria como um elo em uma cadeia de
comporta de uma forma poderia ter esco- causalidade que se estende a eventos ante-
lhido se comportar de outra. Afirma algo riores. Essa definição, entretanto, se afasta
além do simples fato de que alguém tem do que as pessoas convencionalmente que-
escolha – poderia me parecer que eu posso rem dizer com livre-arbítrio.

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Os filósofos denominam a ideia con- livremente agradar seus pais com esforços
vencional de livre-arbítrio – a ideia de que musicais em vez de brincar com brinque-
a escolha pode realmente ser livre de even- dos como as outras crianças. Se a evidên-
tos passados – de livre-arbítrio libertário. cia não é capaz de persuadir, então aceitar
Qualquer outra definição, como as de o determinismo ou o livre-arbítrio pode
Hebb e Dennett, que seja compatível com depender das consequências de acreditar
o determinismo não apresenta problema em um ou outro, e estas podem ser sociais
para o behaviorismo ou para uma ciência ou estéticas.
do comportamento. Somente o livre-arbí-
trio libertário conflita com o behavioris- Argumentos sociais
mo. A história desse conceito na teologia
judaica e na cristã sugere que ele existe Em termos práticos, parece que a negação
precisamente para negar o tipo de deter- do livre-arbítrio pode solapar toda a es-
minismo que o behaviorismo representa. trutura moral de nossa sociedade. O que
Separando-nos dos filósofos, portanto, acontecerá com nosso sistema judicial se
faremos referência ao livre-arbítrio liber- as pessoas não puderem ser responsabi-
tário como “livre-arbítrio”. lizadas por suas ações? Já estamos tendo
problemas quando os criminosos alegam
Argumentos a favor e insanidade e incapacidade mental. O que
acontecerá com nossas instituições demo-
contra o livre-arbítrio
cráticas se as pessoas não tiverem livre es-
Para comprovar o livre-arbítrio (em ou- colha? Por que se preocupar em realizar
tras palavras, refutar o determinismo), eleições se a escolha entre os candidatos
seria necessário que um ato contrariasse não é livre? Acreditar que o comporta-
a previsão, mesmo que todos os possíveis mento das pessoas pode ser determinado
fatores contribuintes fossem conhecidos. poderia encorajar uma ditadura. Por essas
Como um conhecimento tão perfeito é razões, talvez seja bom e útil acreditar no
impossível na prática, o conflito entre de- livre-arbítrio, mesmo que ele não possa ser
terminismo e livre-arbítrio jamais poderá comprovado.
ser resolvido por demonstração. Se parece Abordaremos esses argumentos na Par-
que jovens de classe média de bons lares que te III, quando discutiremos liberdade, po-
se tornam dependentes de drogas escolhe- lítica social e valores. Um breve apanhado
ram isso livremente, pois nada em suas agora dará uma ideia da direção geral to-
histórias explica esse comportamento, o mada posteriormente.
determinista insistirá que uma investiga- A percebida ameaça à democracia de-
ção adicional revelará os fatores genéticos riva de um falso pressuposto. Embora
e ambientais que levaram a essa depen- seja verdade que a democracia depende
dência. Se parece que a carreira musical da escolha, é falso que a escolha perde
de Mozart era inteiramente previsível com o sentido ou torna-se impossível sem o
base na sua história familiar e no modo livre-arbítrio. O medo de que a escolha
como a sociedade vienense funcionava em desapareça decorre de uma noção sim-
sua época, o defensor do livre-arbítrio in- plificada da alternativa ao livre-arbítrio.
sistirá que o pequeno Wolfgang escolheu Se uma eleição oferece a uma pessoa duas

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maneiras diferentes de votar, qual voto política consiste em algo mais prático do
realmente ocorre depende não só do histó- que o livre-arbítrio: ela significa dispor de
rico de longo prazo da pessoa (histórico, opções e ser capaz de influenciar o com-
educação ou valores), mas também dos portamento dos governantes. A compreen-
eventos que antecedem imediatamente a são científica do comportamento poderia
eleição. As campanhas são realizadas exa- ser usada para aumentar a liberdade po-
tamente por esse motivo. Eu posso ser in- lítica. Dessa forma, poder-se-ia fazer bom
fluenciado por um bom discurso e sem ele uso do conhecimento adquirido a partir de
eu poderia ter votado no outro candidato. uma ciência do comportamento; nada exi-
As pessoas não precisam ter livre-arbítrio ge que dele seja feito um mau uso. Afinal,
para que as eleições tenham sentido; seu se realmente temos livre-arbítrio, presu-
comportamento só precisa estar aberto à mivelmente ninguém precisa se preocupar
influência e à persuasão (determinantes com o uso de tal conhecimento.
ambientais de mais curto prazo). E quanto aos padrões morais? A teo-
Somos favoráveis à democracia não logia judaica e a cristã incorporaram o
porque temos livre-arbítrio, mas porque livre-arbítrio como meio de salvação. Sem
achamos que, como um conjunto de prá- tal ensinamento, as pessoas continuarão
ticas, ela funciona. Em uma sociedade sendo boas? Uma maneira de responder
democrática, as pessoas são mais felizes e a essa pergunta é apontar para aque-
mais produtivas do que em qualquer mo- la parte da humanidade, sem dúvida a
narquia ou ditadura conhecida. Embora maioria, que não tem esse compromisso
outros fatores – principalmente a riqueza com a noção de livre-arbítrio. Os budis-
– contribuam para a felicidade relatada tas e hinduístas na China, no Japão e na
pelos cidadãos, a liberdade para fazer es- Índia se comportam de maneira menos
colhas de vida e a distância da corrupção moral? Nos Estados Unidos, o crescimen-
contam como dois dos fatores mais im- to da educação pública tem cada vez mais
portantes no World Happiness Report das transferido a formação moral da igreja e
Nações Unidas, que pesquisa cidadãos em de casa para as escolas. À medida que a
158 países. Segundo o relatório de 2015, sociedade norte-americana se apoia mais
os cinco países classificados como mais nas escolas para produzir bons cidadãos, a
felizes são Suíça, Islândia, Dinamarca, No- análise de comportamento já está ajudan-
ruega e Canadá, todos eles democracias. do. Longe de destruir a moral, a ciência
(Os Estados Unidos ocupam a 15ª posi- do comportamento pode ser usada para
ção, e os 14 países colocados acima são educar as crianças para que se tornem ci-
todos democracias.) dadãos bons, felizes e eficientes.
Em vez de nos preocuparmos com a Quanto ao sistema judiciário, ele existe
perda do livre-arbítrio, podemos pergun- para lidar com as falhas da sociedade, e
tar de maneira mais proveitosa o que há na não precisamos considerar a justiça como
democracia que a torna melhor. Se puder- uma questão puramente moral. Nós sem-
mos analisar nossas instituições democrá- pre precisaremos “responsabilizar as pes-
ticas para descobrir o que as faz funcionar, soas por seu comportamento”, no sentido
talvez possamos encontrar maneiras de prático de que as ações são atribuídas a
torná-las ainda mais efetivas. A liberdade indivíduos. Uma vez estabelecido pelos

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tribunais que alguém transgrediu as nor- biente pobre, somos inclinados a atribuir
mas, surgem questões práticas a respeito o comportamento ao ambiente, e quanto
de como proteger a sociedade contra essa mais sabemos sobre como ele foi mal-
pessoa e como tornar improvável que ela tratado e negligenciado por sua família
venha a se comportar da mesma forma no e pela sociedade, menor a probabilidade
futuro. Encarcerar criminosos tem feito de dizermos que ele escolheu livremente.
pouco para evitar reincidências. A ciência Quando sabemos que um político aceitou
do comportamento poderia ajudar tanto suborno, não consideramos mais que as
para prevenir o crime como para tratá-lo posições daquele político são assumidas
de forma mais eficaz. livremente. Quando ficamos sabendo que
um artista tinha pais compreensivos e um
Argumentos estéticos grande professor, sentimos menos curiosi-
dade sobre seu talento.
Críticos da noção de livre-arbítrio muitas O outro lado desse argumento é que,
vezes apontam para a sua falta de lógica. por mais que saibamos, não podemos pre-
Mesmo os teólogos que promoveram essa ver exatamente o que uma pessoa vai fazer
ideia trataram de decifrar seu conflito pa- em determinada situação. Essa imprevisi-
radoxal com um Deus onipotente. Santo bilidade é, às vezes, considerada uma pro-
Agostinho coloca o assunto claramente: se va do livre-arbítrio. O clima, entretanto,
Deus faz tudo e sabe tudo antes que acon- também é imprevisível, mas nós nunca o
teça, como é possível que uma pessoa faça consideramos como um produto do livre-
qualquer coisa livremente? Assim como -arbítrio. Existem muitos sistemas natu-
com o determinismo natural, se Deus de- rais cujo comportamento momentâneo
termina todos os eventos (inclusive nossas não podemos prever com antecedência,
ações), então é só a nossa ignorância – no mas que jamais consideramos livres. Por
caso, da vontade de Deus – que permite que iríamos definir um padrão mais ele-
a ilusão do livre-arbítrio. A solução teoló- vado para uma ciência do comportamento
gica comum é chamar o livre-arbítrio de do que para as outras ciências naturais?
mistério; de alguma forma, Deus nos dá Parece ilógico, e realmente é, pois o argu-
o livre-arbítrio a despeito de Sua onipo- mento da imprevisibilidade contém um
tência. Do ponto de vista científico, essa erro lógico. O livre-arbítrio realmente im-
conclusão é insatisfatória porque desafia a plica imprevisibilidade, mas isso de forma
lógica e não resolve o paradoxo. alguma exige o inverso, que a imprevisibi-
Em seu conflito com o determinismo, lidade implique livre-arbítrio.
divino ou natural, o livre-arbítrio parece De certa forma, deve mesmo ser falso
depender da ignorância. De fato, pode-se que o livre-arbítrio implica imprevisibili-
argumentar que o livre-arbítrio é simples- dade. Minhas ações podem ser imprevi-
mente um nome para a ignorância dos de- síveis por outra pessoa, talvez, mas se o
terminantes do comportamento. Quanto meu livre-arbítrio causa meu comporta-
mais se sabe das razões por trás das ações mento, eu deveria saber muito bem o que
de uma pessoa, menor a probabilidade de vou fazer. Isso exige que eu conheça minha
as atribuirmos ao livre-arbítrio. Se um vontade, porque é difícil de entender como
menino que rouba carros vem de um am- uma vontade que é desconhecida poderia

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ser livre. Se eu decido fazer uma dieta e em nossa espécie? Ele teria que ter sido
eu sei que essa é minha vontade, então eu prenunciado em nossos ancestrais não hu-
deveria prever que vou fazer uma dieta. Se manos. Segundo, mesmo que os animais
eu conheço minha vontade e minha vonta- pudessem ter livre-arbítrio, como uma
de causa meu comportamento, eu deveria coisa tão pouco natural poderia evoluir?
ser capaz de prever meu comportamento Traços naturais evoluem por modificação
perfeitamente. de outros traços naturais. Pode-se inclusi-
A noção de que o livre-arbítrio causa o ve imaginar a evolução de um sistema me-
comportamento também levanta um pro- cânico natural que poderia se comportar
blema espinhoso. Como pode um evento de forma imprevisível a cada momento.
não natural como o livre-arbítrio causar Mas não existe maneira concebível de a
um evento natural como comer sorvete? seleção natural produzir um livre-arbítrio
Eventos naturais podem levar a outros não natural. Essa pode ser uma poderosa
eventos naturais, porque eles podem estar razão pela qual alguns grupos religiosos se
relacionados um com o outro no tempo e opõem à teoria da evolução; inversamente,
no espaço. Uma relação sexual leva a um ela é uma razão igualmente poderosa para
bebê cerca de nove meses depois. A expres- excluir o livre-arbítrio das descrições cien-
são leva a implica que a causa pode ser si- tíficas do comportamento.
tuada no tempo e no espaço. Por definição, Na verdade, a razão de discutirmos es-
entretanto, elementos e eventos não natu- ses argumentos contra o livre-arbítrio é
rais não podem ser situados no tempo e no realmente mostrar que explicações cien-
espaço. (Se eles pudessem ser situados no tíficas do comportamento que excluem o
tempo e no espaço, então eles seriam natu- livre-arbítrio são possíveis. Os argumentos
rais.) Como, então, um evento não natural visam defender a ciência do comportamen-
pode levar a um evento natural? Quando to contra a alegação de que o comporta-
e onde se dá a vontade que pode me levar mento humano não pode ser compreen-
a comer sorvete? (Outra versão do mesmo dido porque as pessoas têm livre-arbítrio.
problema, o problema mente-corpo, irá A análise do comportamento adverte con-
nos ocupar no Cap. 3.) A nebulosidade tra o uso do conceito em arenas onde ele
de tais conexões hipotéticas levou ao Hy- tem consequências infelizes, como no sis-
potheses non fingo de Newton. A ciência tema judiciário (Cap. 10) e no governo
admite enigmas sem solução, porque enig- (Cap. 11). A análise do comportamento
mas podem posteriormente originar maior omite o livre-arbítrio, mas ela não proí-
reflexão e experimentação, mas a conexão be o uso do conceito no discurso cotidia-
entre livre-arbítrio e ação não pode ser tão no ou nas esferas da religião, da poesia e
elucidada. É um mistério. O objetivo da da literatura; clérigos, poetas e escritores
ciência de explicar o mundo exclui misté- muitas vezes falam de livre-arbítrio e livre
rios que não podem ser explicados. escolha. Uma ciência do comportamento
A natureza misteriosa do livre-arbítrio, poderia tentar explicar essa fala, mas de
por exemplo, vai contra a teoria da evo- modo algum a proíbe. Neste livro, con-
lução. Primeiro, levanta o problema da tudo, exploramos como compreender o
descontinuidade. Se falta livre-arbítrio aos comportamento sem conceitos misteriosos
animais, como ele repentinamente surgiu como o livre-arbítrio.

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PSICOLOGIA POPULAR* mais importante da vida. A crítica reflete


um apego à noção de que nós (presumivel-
O livre-arbítrio é um de um conjunto de mente nosso eu interior) causamos nosso
conceitos inter-relacionados que, juntos, comportamento, impulsionado por nossos
muitas vezes recebem o rótulo de psico- pensamentos e sentimentos internos.
logia popular, em comparação com físi- O discurso-padrão e sua implícita depen-
ca popular ou biologia popular. Outros dência do comportamento da vida interior
conceitos que andam junto com o livre- funcionam bem para o discurso cotidiano,
-arbítrio são, por exemplo, o eu interior, para a literatura e a poesia, mas eles são
em contraste com o corpo externo, e a im- incompatíveis com uma ciência do compor-
portância dos pensamentos e sentimentos tamento, pois, como o livre-arbítrio, o eu
internos. De acordo com a psicologia po- interior e os seus pensamentos e sentimen-
pular, o corpo exterior é habitado por um tos são coisas e eventos não naturais que
eu e todo um mundo dentro da pele. Ex- têm um relacionamento misterioso com o
pressões como “Eu pensei comigo mesmo” comportamento. Se os eventos comporta-
ou “No fundo eu sabia” derivam desse mentais são considerados eventos naturais,
ponto de vista, em que o eu está aparente- logo suas causas são outros eventos natu-
mente situado a uma curta distância atrás rais: hereditariedade e ambiente, passado
dos olhos e olha para o mundo externo a e presente. A análise do comportamento
partir de seu mundo interior. Supostamen- omite pensamentos e sentimentos internos,
te esse eu interior tem uma vida interior de é verdade, mas não porque ela não tem
pensamentos e sentimentos. uma maneira de abordar pensamentos e
Muitas culturas, particularmente no sentimentos. Como veremos no Capítulo 3,
Ocidente, incorporam um jeito cotidiano pensamentos e sentimentos e conversas so-
de falar sobre o comportamento, o que bre pensamentos e sentimentos podem ser
pode ser chamado de discurso-padrão. compreendidos como mais um comporta-
Sua forma geral é: “Eu pensei (ou achei) mento a ser explicado, além de suas ações
tal e tal e aí eu agi (de acordo com aquele supostamente resultantes.
pensamento ou sentimento)”. Declarações
como essa significam que pensamentos e
sentimentos interiores causam o compor- RESUMO
tamento exterior, como se o corpo fosse
uma máquina que é acionada por uma Todos os behavioristas concordam com
vida interior. uma ideia central, a de que uma ciência do
Os críticos do behaviorismo às vezes comportamento é possível. Essa ciência
se queixam de que o behaviorismo não dá veio a ser chamada de análise do compor-
conta de nossa vida interior, especialmen- tamento. O behaviorismo é corretamente
te de nossos pensamentos e sentimentos. visto como a filosofia sobre essa ciência.
A omissão parece tornar o behaviorismo Todas as ciências se originaram e se
incompleto ou mesmo trivial, porque su- separaram da filosofia. A astronomia e a
postamente nossa vida interior é a parte física surgiram quando os cientistas passa-
ram da especulação filosófica para a obser-
*  N. de R.T. Também pode ser chamada de psico- vação. Ao fazerem isso, eles abandonaram
logia do senso comum. qualquer preocupação com o sobrenatural,

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observando o universo natural e explican- livre escolha de um indivíduo. Promove o


do os eventos naturais por referência a determinismo, a ideia de que todo com-
outros eventos naturais. Da mesma forma, portamento se origina da herança genéti-
a química rompeu com a filosofia quando ca e de efeitos ambientais. O termo livre-
abandonou as essências internas ocultas -arbítrio denomina a suposta capacidade
como explicações de eventos químicos. que uma pessoa tem de escolher o com-
Quando se tornou uma ciência, a fisiolo- portamento livremente, sem considerar a
gia abandonou a vis viva interior em favor herança ou o ambiente. O determinismo
de explicações mecanicistas do funciona- afirma que o livre-arbítrio é uma ilusão
mento do corpo. A teoria da evolução de baseada na ignorância dos fatores que de-
Darwin foi percebida como um ataque à terminam o comportamento. Uma vez que
religião porque ela se propôs a explicar o determinismo brando e as teorias com-
a criação das formas de vida apenas com patibilizadoras do livre-arbítrio afirmam
eventos naturais, sem a mão sobrenatural a ideia de que o livre-arbítrio é apenas
de Deus. A psicologia científica também uma ilusão, eles não apresentam qualquer
nasceu da filosofia e pode ainda estar objeção a uma ciência do comportamento.
rompendo com ela. Dois movimentos, a Somente o livre-arbítrio libertário, a ideia
psicologia objetiva e a psicologia compa- de que as pessoas realmente têm a capaci-
rativa, promoveram essa ruptura. A psico- dade de se comportar como escolhem (de-
logia objetiva enfatizou a observação e a fendida pelo judaísmo e cristianismo), en-
experimentação, métodos que distinguiam tra em conflito com o determinismo. Uma
outras ciências. A psicologia comparativa vez que a discussão entre determinismo e
enfatizou a origem comum de todas as livre-arbítrio não pode ser resolvida por
espécies, incluindo os seres humanos, na evidências, o debate sobre qual ponto de
seleção natural e ajudou a promover expli- vista é certo repousa em argumentos sobre
cações puramente naturais acerca do com- as consequências – sociais e estéticas – de
portamento humano. adotar um ponto de vista ou outro.
John B. Watson, fundador do behavio- Os críticos do determinismo argumen-
rismo, assumiu a liderança da psicologia tam que a crença no livre-arbítrio é ne-
comparativa. Ele atacou a ideia de que a cessária para preservar a democracia e a
psicologia era a ciência da mente, assina- moralidade na sociedade. Os behavioristas
lando que nem introspecção nem analo- argumentam que provavelmente o oposto
gias com a consciência animal produziam é verdade – que uma abordagem compor-
os resultados confiáveis produzidos pelos tamental para os problemas sociais pode
métodos de outras ciências. Ele argumen- melhorar a democracia e promover um
tou que somente se estudasse o comporta- comportamento moral. Quanto à estéti-
mento a psicologia poderia atingir a con- ca, críticos apontam que o livre-arbítrio é
fiabilidade e a generalidade que precisava ilógico quando emparelhado com a noção
para se tornar uma ciência natural. de um Deus onipotente (como geralmente
A ideia de que o comportamento pode acontece). Se as ações são determinadas por
ser abordado cientificamente continua eventos naturais ou pela vontade de Deus,
sendo controversa porque questiona a no- elas não podem, logicamente, ser atribuí-
ção de que o comportamento é oriundo da das ao livre-arbítrio do indivíduo. Defen-

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sores do livre-arbítrio retrucarão que, uma Embora a análise do comportamento omi-


vez que os cientistas nunca podem prever ta causas internas não naturais, ela oferece
ações de um indivíduo em detalhes, o livre- um tipo diferente de explicação de pensa-
-arbítrio continua sendo possível, mesmo mentos e sentimentos, o qual é compatível
que seja um mistério. Os behavioristas res- com uma abordagem científica.
pondem que sua natureza misteriosa é pre-
cisamente o que o torna inaceitável, por-
que levanta o mesmo problema que outras LEITURAS ADICIONAIS
ciências tiveram que superar: como pode Boakes, R. A. (1984). From Darwin to beha-
uma causa não natural acarretar eventos viorism: Psychology and the minds of animals.
naturais? Os behavioristas dão a mesma Cambridge: Cambridge University Press. Uma
resposta que foi dada nas outras ciências: excelente avaliação histórica dos primórdios do
behaviorismo.
eventos naturais surgem somente de outros
Dennett, D. C. (1984). Elbow room: The varieties
eventos naturais. Esse ponto de vista cientí-
of free will worth wanting. Cambridge, MA: MIT
fico do comportamento argumenta contra Press. Inclui uma discussão completa do tópico do
a aplicação da ideia de livre-arbítrio à lei livre-arbítrio e um exemplo de uma teoria com-
e ao governo, contextos em que ele produz patibilizadora.
consequências ruins para a sociedade, mas Sappington, A. A. (1990). Recent psychological
permanece neutro sobre (e pode explicar) o approaches to the free will versus determinism
issue. Psychological Bulletin, 108, 19–29. Esse ar-
uso da ideia no discurso cotidiano, na reli- tigo contém um útil resumo das várias posições
gião, na poesia e na literatura. sobre determinismo e livre-arbítrio.
A psicologia popular, que incorpora, Watson, J. B. (1913). Psychology as the behavio-
juntamente com o livre-arbítrio, um eu in- rist views it. Psychological Review, 20, 158–177.
terior com pensamentos e sentimentos que Watson expõe suas ideias originais nesse artigo
supostamente causam o comportamento clássico.

e levam a um discurso-padrão que parece Zuriff, G. E. (1985). Behaviorism: A conceptual


reconstruction. New York: Columbia University
explicar o comportamento como oriundo
Press. Esse livro é um compêndio e um debate do
de pensamentos e sentimentos é incompa- pensamento de vários behavioristas, do começo
tível com uma ciência do comportamento. do século XX até cerca de 1970.

PALAVRAS-CHAVE
Análise do comportamento Determinismo Psicologia comparativa
Antropomorfismo Diferença apenas Psicologia objetiva
Behaviorismo perceptível Psicologia popular
metodológico Discurso-padrão Psique
Behaviorismo radical Flogisto Tempo de reação
Calórica Introspecção Vis viva
Continuidade das espécies Livre-arbítrio libertário

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