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ARTES VISUAIS E HISTÓRIAS DE VIDA: PREVALÊNCIA TEMÁTICA E

CRIATIVIDADE DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Kátia Cristina Novaes Leite


Professora, Mestre em Educação e Diversidade, UNEB-CAMPUS IV
katialeite.ba@gmail.com
Karine Cristina Novais Leite
Professora, Especialista em Educação Especial, APAE de Jacobina/BA
karinecnleite@gmail.com
Juliana Cristina Salvadorie
Doutorado na área de Literaturas de Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica
(MG). Professora Assistente do Curso de Letras Língua Inglesa e Literaturas (UNEB)
Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão Departamento de Ciências Humanas,
Campus IV – Jacobina.
jsalvadori@gmail.com
Elciana Roque de Souza Andrade
Terapeuta ocupacional, mestranda em Educação e Diversidade, UNEB-CAMPUS IV,
elciana@gmail.com

Eixo temático: Atendimento Educacional Especializado e os desafios da Inclusão


Escolar
Modalidade de apresentação: Comunicação

Resumo
Esse texto constitui-se relato da experiência do Projeto Recriando: Inclusão social pela Arte, do
CAEE/APAE de Jacobina-Bahia, almejando a inclusão social da pessoa com deficiência
intelectual através do estudo, apreciação e produção artística. Metodologicamente, prevê a
apreciação de arte pela abordagem Image Watching, de Robert Ott, sistema de crítica artística,
divulgado no Brasil desde 1988 por Ana Mae Barbosa, inicialmente desenvolvido para museus,
posteriormente adaptado para salas de aula, onde a mediação ocorre em cinco fases distintas:
descrevendo, analisando, interpretando, fundamentando e revelando. Através de pesquisas,
rodas de conversa, entrevistas e atividades de campo, as obras escolhidas são apreciadas. Em
2018, como atividade comemorativa aos 30 anos da instituição, o projeto inovou e ao invés do
estudo de artistas consagrados, trabalhou as histórias de vida dos alunos e tais histórias
serviram como tema para produção em arte e exposição. Como resultados, percebemos nas
produções, a prevalência do tema família e as relações estabelecidas por cada aluno no
ambiente familiar. As ausências, os sentimentos, os desejos, sustentando a ideia de que o
círculo social das pessoas com deficiência, ainda é restrito ao convívio familiar. O projeto
permitiu aos alunos expressão e questionamento sobre suas realidades e seus projetos
futuros. No âmbito profissional questionou a condução de propostas educativas para esse
público, a orientação familiar e crítica social.

Palavras-chave: Deficiência Intelectual; Artes Visuais; Histórias de Vida.


INTRODUÇÃO

Conforme Reis (2009), a Arte e suas múltiplas linguagens, mediante


a experiência estética e dos fazeres artísticos, constitui nossas construções
cotidianas, sendo muitas vezes instrumento de focalização e ampliação de
nossas capacidades criativas e cognitivas, além de expressão dos nossos
desejos e afetos. Encontramos nesse leque de possibilidades a sua
importância para a formação de pessoas, seja na escola ou em outros
ambientes sociais, por seu caráter humano e humanizador:

Para que o deficiente alcance a integração social é preciso que sejam


cumpridos os princípios da igualdade, que envolve o trabalho, a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, o bem estar e a justiça
social. Sendo assim é dever do Estado e, acima de tudo, da
sociedade civil promover medidas práticas que rompam com velhos
conceitos que geram discriminação e exclusão social para o fim de
permitir ao deficiente o seu legítimo direito de ser integrado no meio
social (REIS, 2009, p.9).

Nessa perspectiva, o trabalho pedagógico associado à arte em está


presente nas instituições especializadas desde a sua fundação e teve papel
preponderante na construção das escolas especiais brasileiras. Helena
Antipoff, fundadora da Sociedade Pestalozzi, em 1932, foi pioneira ao
assegurar o conteúdo de arte no currículo da Educação Especial desta
instituição, primeira no atendimento educacional especializado ao deficiente
intelectual no Brasil, seguida mais tarde pela APAE, fundada em 1954. A partir
de 1930, Antipoff formou professores no Estado de Minas Gerais para atender
a pessoas com deficiência intelectual enfatizando em suas formações a
importância da arte, com programa de “exercícios de desenho”, trabalhos
manuais e canto, conforme registrado nos escritos de Januzzi (1985).
Na década de 1970, a Lei de Diretrizes de Bases nº 5.692 tornou
obrigatório o ensino da Educação Artística na Educação Básica. As discussões
sobre a aplicabilidade da lei deram um enfoque maior ao ensino de Artes e,
assim, os professores perceberam a importância da disciplina no
desenvolvimento dos estudantes com deficiência. Mesmo assim, as atividades
realizadas eram relacionadas a trabalhos psicopedagógicos que não
proporcionavam ao educando a construção de conhecimentos e novas formas
de linguagem e expressão.
Para Vygotski (1997, p. 33 - 40), o desenvolvimento é um processo
cultural e todo o funcionamento humano se origina e se transforma nas
relações sociais: o que de fato decide o destino da pessoa, em última instância,
não é a deficiência, mas suas consequências sociais, suas relações
psicossociais e como são trabalhadas essas relações. Ademais, para Vygotski
(1999), “na ausência do outro, o homem não se constrói homem”. É
fundamental que essa interação esteja presente nas várias instâncias de
convivência, particularmente, da pessoa com deficiência intelectual. Ainda
segundo Vygotski, as funções superiores são mais plásticas e, portanto, mais
facilmente educáveis que as funções elementares, pois as funções
elementares são norteadas pelo núcleo orgânico, enquanto as funções
superiores são de domínio social e daí a importância da obra de arte e da
experiência estética que nos proporciona como experiência de mediação e
organização de nós e do mundo:

Sabemos que uma obra de arte é um sistema especialmente


organizado de impressões externas ou interferências sensoriais sobre
o organismo. Entretanto, essas interferências sensoriais estão
organizadas e construídas de tal modo que estimulam no organismo
um tipo de reação diferente do que habitualmente ocorre, e essa
atividade específica, vinculada aos estímulos estéticos, é o que
constitui a natureza da vivência estética. (VYGOTSKI, 2010, p. 333).

Enquanto forma privilegiada dos processos de representação humana, é


instrumento essencial para o desenvolvimento da consciência, pois propicia ao
homem contato consigo mesmo e com o universo. Por isso, a Arte é uma forma
de o homem entender o contexto ao seu redor e relacionar-se com ele
(BUORO, 1996, p.20).
A arte torna-se então terreno fértil para a revelação de novas e
efetivas capacidades. Aprender implica enxergar com profundidade, conhecer,
ressignificar, através da atenção, da percepção, da memória, do raciocínio, da
imaginação, do pensamento e, principalmente da afetividade. É o
desenvolvimento dessas capacidades que permite aos educandos aprender,
demonstrar suas potencialidades e saberes sem a frustração de censura sobre
seu desempenho, presente em atividades educacionais pautadas por uma
lógica avaliativa finalísitca.
Nessa perspectiva, a criatividade é um movimento indiscutivelmente
fundamental à vida e é importante a compreensão da deficiência não como
algo limitante, pois em seu desenvolvimento, cada pessoa com deficiência
experimenta processos de elaboração e uma série de funções que
compensam, equilibram e suprem as dificuldades existentes. A deficiência, a
carência, o déficit perdem sua relevância dada a reação que nasce da pessoa
enquanto artista, durante seu desenvolvimento, como resposta às dificuldades
impostas pela condição de desvantagem ao dar sentido aos próprios sentidos e
em expressar verbalmente sensações e sentimentos quando estes ainda estão
indefinidos, ou quando não percebidos com clareza. A Arte entra nesse cenário
como facilitadora da expressão por ser multilíngue:

Ao expressar-se por meio da Arte o aluno manifesta seus desejos,


expressa seus sentimentos, expõe enfim sua personalidade. Livre de
julgamentos, seu subconsciente encontra espaço para se conhecer,
relacionar, crescer dentro de um contexto que o antecede e norteia
sua conduta (BUORO, 1996, p. 33).

A Arte é linguagem, pode ser lida, mostrada, interpretada e


apreciada, proporcionando a possibilidade de autoperceber-se e expressar
conteúdos pessoais, além de agir reflexivamente desenvolvendo habilidades e
competências necessárias ao convívio social, qualitativamente superior. Esse
diálogo desencadeado pela Arte termina por reposicionar, no caso da pessoa
com deficiência, esse artista para fora do circuito fechado, a que muitos são
submetidos, nas quais as relações estabelecidas, sua vida social, não
ultrapassam a família, a escola e os serviços de saúde.
Amaral (1998, p. 106) apresenta a arte como um “caleidoscópio
mágico ou disposição para uma aventura pessoal” enquanto construção,
conhecimento e expressão. Nesse “caleidoscópio” hipotético, cruzam-se,
justapõem-se e se invertem as relações entre público/obra/artista,
conhecer/fazer/exprimir, descobrir/inventar/figurar, natureza e sociedade/meios
e linguagem, artista e subjetividade, conhecimento/execução/expressão. É
nessa aventura de criatividade, inventividade e subversão que a pessoa com
deficiência intelectual alça vôos na construção de sua identidade e afirmação
de seu espaço social único, pautado em suas aspirações de pertencer a um
todo social, onde seja verdadeiramente respeitado como ser produtivo e
produtor de conhecimento.
Nessa perspectiva, destacamos a afirmação de Barbosa quando
salienta que o processo de identificação é sempre a produção de "uma imagem
de identidade e transformação do sujeito ao assumir ou rejeitar aquela imagem
reconhecida pelo outro". (BARBOSA, 2010, p.02), comungando com Rocha
(2009), que define “criar” como ato de expressar, registrar sua marca pessoal,
seu estilo, seu modo de ver e estar no mundo.
Para além de ter como objetivo ampliar a percepção estética ou
artística dos alunos, o ensino das Artes Visuais almeja desenvolver o
reconhecimento de cada um, a percepção de si e dos outros, tornando-se
relevante para a reconstrução de novos modos de olhar, partindo do impacto
da realidade visualizada.
A APAE de Jacobina desenvolve, desde fevereiro de 2013, o Projeto
Recriando: Educação e inclusão social pela Arte, cumprindo suas metas
estatutárias que visam promover qualidade de vida e inclusão social às
pessoas com deficiência intelectual, e tendo por base o Manual para o Ensino
de Artes da Federação Nacional das APAEs, ARTE, CULTURA, EDUCAÇÃO E
TRABALHO: Proposta Orientadora das Ações. Este documento teve como
base os Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte para os ensinos fundamental
e médio, as orientações em Arte do Referencial Curricular Nacional de
Educação Infantil, além de toda a experiência construída ao longo de anos de
trabalho desenvolvido pelas APAE no trabalho com Arte, que deram inclusive
origem a um evento anual realizado pelas instituições em todo o Brasil, o
Festival Nossa Arte.
Na leitura do documento da Federação Nacional das Apaes, que
orienta as ações em Arte, Cultura, Educação e Trabalho nas APAE em todo o
Brasil, fica claro que, nas instituições filiadas, o ensino em Artes Visuais implica
contínua e sistemática pesquisa sobre os conhecimentos e experiências no
campo das artes, as formas visuais de diversos momentos da História,
inclusive contemporâneos. Cabe a cada filiada proporcionar aos alunos a
vivência de um conjunto de experiências de aprender e criar, articulando
percepção, imaginação, sensibilidade, conhecimento e produção artística
pessoal e coletiva. Os conhecimentos a serem construídos no campo das Artes
Visuais versam sobre: Expressão e comunicação na prática dos alunos em
artes visuais; As artes visuais como objeto de apreciação significativa e As
artes visuais como produto cultural e histórico, temas elaborados a partir dos
Parâmetros Curriculares Nacionais para Arte − (BRASIL, 1997; FENAPAES,
2001)
Embasada pelo documento orientador da FENAPAES e nos
recentes estudos no campo da arte, a proposta da APAE de Jacobina subverte
o que tradicionalmente é oferecido às pessoas com deficiência intelectual em
escolas e instituições especializadas, ou mesmo regulares, ou seja, atividades
de reprodução (colorir o modelo, cobrir pontos e traçados fixos), dirigidas, que
subestimam o desenvolvimento de capacidades intelectuais e criativas, já
subestimadas nesse grupo social. O projeto difere também da conotação
terapêutica comumente objetivada no atendimento às pessoas com deficiência
intelectual, não descartando, porém, o potencial para avaliação pedagógica
diagnóstica, atividade formativa para desenvolvimento de habilidades motoras,
fomento para socialização e construção de autoestima positivada, dimensões
mediadas pela e na arte. Na perspectiva trabalhada, a arte torna-se também
mais que simples meio de expressão de afetos, mas se coaduna aos princípios
defendidos por Vygotski (2010) Buoro (1996), Amaral (1998), Barbosa (2010).
O Projeto Recriado prevê diversas leituras de obras de arte a
depender das potencialidades de cada estudante e seu grupo de trabalho, pois
trabalha considerando a heterogeneidade de seus grupos e interesses.
Projetos interdisciplinares comungam com as demais atividades curriculares da
escola e podem durar uma unidade ou um semestre letivo. O trabalho é
iniciado pela apresentação das obras e seus autores, seguida das leituras
técnica, política, histórica e da leitura contestadora ou crítico-reflexiva, que, por
vezes, torna-se terapêutica por permitir a expressão singular de afetos, que
podem ser mediados pelo professor. Posteriormente às leituras, ocorre a
criação ou reinvenção das obras a partir da perspectiva de vida daqueles que
as “leem”, os educandos, seu olhar criativo estimulado pelo grupo e pelas
possibilidades a ele apresentadas pela arte.
OBJETIVO

O Projeto Recriando tem como objetivo promover a inclusão social da


pessoa com deficiência intelectual, valendo-se do estudo, da apreciação e da
produção da arte, oportunizando aos alunos conhecer a história de vida dos
artistas estudados, e suas obras, desenvolvendo o processo criativo e cognitivo
de cada um por meio dos diferentes tipos de linguagem (oral, visual, corporal e
escrita). Nessa etapa, ao invés de conhecer a vida de artistas renomados, o
foco foi o aluno e suas histórias vida

METODOLOGIA

O trabalho com os alunos é realizado com o acompanhamento da leitura


das imagens propostas no Projeto. É utilizado o roteiro de Robert William Ott
(1997) criado originalmente para treinar o olhar sobre obras de arte em
museus. Na ausência dessa possibilidade, as imagens são reproduzidas ou
são utilizadas obras de artistas locais para o desenvolvimento do Image
Watching, ou Roteiro para o Olhar em cinco categorias, a saber:

1. Descrevendo – o aluno observa o obra a ser estudada, essa


observação deve ser de um olhar cuidadoso, de certa forma deixando
a arte falar primeiro. Em seguida, o aluno fará uma lista, de forma
verbal, do que percebe da obra de arte que está sendo estudada
criticamente, partilhando suas percepções com os demais alunos.
2. Analisando – Aqui se investiga como foi executado o que foi
percebido, os elementos da composição, as técnicas e formas da
obra de arte.
3. Interpretando – Considerada a mais criativa das categorias, pois
fornece dados para as respostas pessoais e sensoriais dos alunos.
Permite a eles expressarem como se sentem. Ott sugere uma
preparação antes para que os alunos possam externar suas
emoções.
4. Fundamentando – Essa categoria está relacionada com o
conhecimento artístico que está sendo armazenado pelo aluno.
Nessa etapa, pode-se convidar o artista para uma fala ou usar vídeos
com as falas dos mesmos, utilizar catálogos de exposições,
publicações acadêmicas, textos de reportagem de jornal ou revista.
5. Revelando – É o ato de expressão artística, o momento da
produção, o fazer artístico. Todas as outras categorias culminam para
esta. Aqui uma nova obra é criada pelo aluno (OTT, 1997).
A culminância do projeto é sempre a exposição pública das produções: a
primeira exposição foi direcionada ao público interno e às famílias, a segunda e
a terceira foram abertas à comunidade, em via pública da cidade, e na própria
instituição.
Em 2018 a APAE completou 30 anos o projeto inovou e, ao invés do
estudo de artistas consagrados, trabalhou as histórias de vida dos alunos e tais
histórias serviram como tema para produção em arte e exposição. As
atividades foram elaboradas a partir de uma tema gerador, revisita a artistas já
estudados e questões para reflexão sobre as obras e sua relação com os
alunos e seu grupo social. Importante ressaltar que cada encontro é marcado
por uma produção pós reflexão. O grupo de alunos colaboradores era
composto por 12 adultos, sendo 05 do sexo feminino e 07 do sexo masculino,
na faixa etária de 18 a 44 anos, todos com deficiência intelectual leve ou
moderada. Nessa perspectiva, as atividades foram desenvolvidas conforme o
quadro abaixo de abril a setembro de 2018:

Quadro 01: Atividades observadas para produção de dados, 2018.


Encontros/Tema Atividades Questão para reflexão
1° - 04.04.2018: Meu Interpretação da música Quem me ensina a nadar na vida? Quem
corpo e suas Peixinhos do Mar. faz parte da minha vida?
possibilidades de
comunicação.
2° - 18.04.2018: Apreciação dos O que é um autorretrato e como os artistas
Como eu sou e me autorretratos de Tarsila construíram seus autos ao longo dos anos.
sinto no mundo. do Amaral e Van Gogh. Me recriando e fotografando, como me
vejo e como acham que me veem?
3° - 02.05.2018: Apreciação e Do que fala a música? Todas as famílias
Minha família e os interpretação da música são iguais? Na diferença o que elas tem de
sentimentos nutridos Família de Rita Rameh. igual?E sua família, como é?
por ela. Contação de história: Qual é a cor do
amor? Sentimentos tem cor? O que você
sente de cada pessoa da sua família? Se
fosse dar uma cor, qual seria, por que?
4° - 16.05.2018: O Apreciação de obras de Qual desses lugares vocês gostam mais?
que me deixa feliz. arte temática animais, Na companhia de quem estão? Pessoas?
comidas e lugares, Anita Animais? Se você fosse um animal, qual
Malfati, Tarsila do Amaral, seria? Por que? Das comidas do dia a dia,
Eduardo Lima, Almaques quais são as preferidas? E com quem
Gonçalves. vocês estão quando as estão degustando?
5° - 06.06.2018: De Apreciação de músicas Já ouviram essas músicas em algum
onde venho o que em diferentes ritmos, lugar? Qual gostam mais e por que? E as
aprendi a ouvir e entre eles o forró. imagens, quais chamam mais atenção?
dançar. Apreciação de obras de Estão presentes na vida de alguém?
Portinari e Volpi temática:
manifestações culturais.
6° - 19.07.2018: Apreciação de obras de Já passaram por algum desses lugares
Jacobina, onde nasci Almaques Gonçalves com que Almaques pintou? Ou visitam com
ou sempre venho. registros de Jacobina. frequência? De onde gostam mais? Com
quem estão?
7° - 08.08.2018: 30 Entrevista com O que a APAE representa pra vocês?
anos da APAE de funcionários da APAE, Como se sentem quando estão
Jacobina. sobre fatos e pessoas participando dos projetos?
importantes da história.
8º, 9º e 10º - 15.08 a Escolha de tema, criação Após relexão e retomada dos registros
12.09: Mãos à obra. e excução das obras. realizados a cada encontro, o que merece
ir para exposição? Que materiais usar?
Que sentimento quero expor?
11º - 10 a 14.09.208: Exposição no Centro Os alunos respondem ao público sobre as
Eu artista. cultural proprais produções.
12º - 19.09.2018: Impressões sobre a Como se sentiram expondo suas artes?
Inclusão pela arte. exposição. Quais momentos foram mais legais? E os
que não foram bons, quais motivos?
Fonte: das autoras, 2019

RESULTADOS

Durante os seis meses de duração do projeto, os alunos foram expostos,


conforme o quado acima, aos mais variados temas, iniciando pela limitações e
possibilidades de seus próprios corpos para o exercício da comunicação.
Segundo o plano de aula apresentado pela professora, os objetivos desse
primeiro encontro eram conhecer e valorizar as possibilidades expressivas do
corpo e comunicar-se com movimentos e expressões de afeto. Nos encontro
seguintes falou-se de cultura, prcepção de si, desejos, origem, gostos, natureza
e pertença.
Como o tema central dessa fase projeto foi o aluno, Eu Artista,
constatamos como foi fluente o falar sobre e da própria familia nos momentos
de reflexão e discussão: foi possível observar nas obras e nas falas dos alunos
como eles compreendem as relações estabelecidas com suas famílias. Entre
os alunos mais velhos foi prevalente o sentimento de saudade, inclusive numa
obra quando a aluna a descreve a figura 01: Todo mundo sentado na mesa de
jantar, minha mãe ainda estava viva, meus irmãos estavam todos alegres, na
mesa tem um livro que minha mãe gostava de ler, eu tenho saudades, não fica
mais todo mundo junto na sala.
(Figura 01:Criação em tinta guache, massa de modelar e macarrão)

Além de falar sobre o sentimento de saudade pela sua mãe, já falecida,


a aluna também conta da saudade que sente de não ver os irmãos juntos,
sentados a mesa de jantar, comendo e sorrindo. No momento em que essas e
outras falas são feitas, que surgem como um problema sem solução para quem
conta, os colegas lamentam o fato, e começam a contar experiências correlatas
de sua vida, inclusive mostrando ao colega suas formas de lidar com a
situação: Minha mãe também morreu já faz tempo, eu moro com a minha irmã,
quando ela tá com raiva e briga comigo eu já sei até o que fazer, fico calada e
vou assistir ou arrumar a casa, depois ela fala comigo de novo e a gente vai
assisitr novela.
Ao falar, desenhar, sugerir, retirar, colar, criar, os alunos encontram na
arte um meio de lidar melhor com as situações que fazem parte do seu
cotidiano, expondo o que sentem ao falar ou produzir uma tela.
Outro aspecto observado nas produções e falas dos alunos diz respeito
a relação que eles tem com seus familiares, alguns comentam de atividades
que realizam junto a família, em casa, ou na rua. Em muitos depoimentos os
alunos falam de atividades que fazem com seus familiares em casa, como
comer, assistir televisão, conversar:
Percebemos, tanto nos diálogos reflexivos em sala quanto nas
produções, a prevalência do tema saudade dentro família, as relações
estabelecidas por cada aluno no ambiente familiar: saudade pelas ausências
dos pais que já se foram, dos irmãos que contruiram suas vidas e se tornaram
distantes, os sentimentos, os desejos, sustentando a ideia de que o círculo
social das pessoas com deficiência, ainda é restrito ao convívio familiar, pois
mesmo quando não estavam falando especificamente da família, era a família
que oportunizava o feito ou a conquista – sair de casa, divertir-se, comer um
lanche, viajar – sempre a família na articulação cotidiana.
O contato com diversas linguagens artísticas permitiu aos alunos
expressar o que sentem, pensam, e querem pra suas vidas. Durante as
produções muitos diálogos acontecem entre alunos e entre professor e alunos,
muitos contaram nesse processo algumas experiências em família utilizando a
fala, o desenho, a pintura, colagem ou modelagem, de alguma forma
expressaram seus sentimentos, de alegrias e tristezas, anseios e angústias,
por meio da produção artística.
Pós processo criativo, durante as exposições, culminância do Projeto
Recriando, os momentos de contemplação do público desencadearam as mais
diversas e significativas reações nos estudantes/artistas, e o trabalho como um
todo fez refletir positivamente sobre o mesmo a todos os participantes,
impactando na inclusão social dessas pessoas por meio de suas produções
artísticas, que reconfiguram/recriam as obras, mas, também, a si mesmos,
suas identidades e representações, convalidando suas experiências e
produções como indivíduos e como grupo.
Conforme texto do Projeto, a atividade artística configura-se como
recurso a ser trabalhado na educação de pessoas com deficiência intelectual,
promovendo subsídios complementares aos processos de ensino e de
aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento de habilidades necessárias à
interação social com consciência de ser e estar presente num grupo no qual
suas capacidades/eficiências são postas em destaque, e não as deficiências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os processos criativos e suas diferentes linguagens, ao oportunizar ao
aluno, em especial aqueles com deficiência intelectual, vivências complexas e
criativas, instiga processo de aprendizagem e desenvolvimento significativos
que contribuem para compreensão e enfrentamento de nossas realidades
cotidianas. O ato de criação pressupõe a superação de limitações na
organização e compreensão das experiências, voltando-se a novas formas de
pensar e sentir, de perceber a si e ao outro.
A experiência aqui relatada com o Projeto Recriar – as reflexões em sala
a partir dos temas e obras norteadores, as produções e a exposição – mostra
que as famílias desempenham papel fundamental no desenvolvimento da
pessoa com deficiência, uma vez que é através das relações familiares que se
constrói experiências fomentadores de autonomia e autoestima positivada.
Esse reconhecimento à família e sua importância pela pessoa com
deficiência emerge nesse estudo onde o tema saudade na família prevalece
sobre os demais, principalmente entre os adultos, cujos pais, falecidos, se
configuram nas melhores lembranças de suas vidas. Emerge também, no dia a
dia institucional, como mães ou familiares vivos de pessoas com deficiência
adultos assumem papel vitalício de cuidadoras, negociando com as instituições
e redes de apoio, institucionais ou não, a oferta e o acesso a serviços e
atividades para seus filhos, das quais tem sido as maiores responsáveis. Esse
cuidado (ou a falta dele, que não é provida de forma sistematizada pelas redes
de acompanhamento da pessoa com deficiência) fica expresso nas falas e
obras dos alunos.
Em relação a arte e ao poder que ela tem de ampliar os corpos e a
expressão do aluno com deficiência, acreditamos que a arte tem muito a
colaborar, não apenas no desenvolvimento intelectual das pessoas com
deficiência, mas também com o necessário processo de inclusão social destas,
pois, ao tratar questões de representação e interpretação, impacta na
identidade cultural desses sujeitos, ressignificando-os à luz de suas faculdades
criativa e cognitiva. Acreditar nesse potencial de criatividade e autorrealização
pelo ser que cria e que, nessa criação se recria, é o alicerce de todo trabalho
em arte para qualquer ser humano e, principalmente, no trabalho artístico da
pessoa com deficiência intelectual, cujos processos de elaboração esbarram no
déficit cognitivo e, muitas vezes, num processo de estimulação ineficiente.
Ademais, o paradigma inclusivo que se instaura internacionalmente a partir das
convenções e tratados e que no Brasil conformam política nacional de
educação especial na perspectiva da inclusão no final dos anos 1990 e ao
longo dos anos 2000, implica pensar democracia e equidade garantindo que
diferenças sociais, culturais e ideológicas sejam não apenas respeitadas, mas
acolhidas. No caso das pessoas com deficiência esse acolhimento institucional
implica o deslocamento da compreensão biomédica ou funcionalista da
deficiência para perspectiva social que deve fundar os serviços ofertados para
essas pessoas e suas famílias, pautados pelas eficiências e capacidades.

REFERÊNCIAS

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