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PERFIL NEUROPSICOLÓGICO DO TRANSTORNO ESPECÍFICO DA

APRENDIZAGEM (TEAp) - 2023

CONSIDERAÇÕES DIAGNÓSTICAS
Transtorno Específico da Aprendizagem (TEAp) – DSM-5-TR

O diagnóstico do TEAp exige um cuidado a mais do que os outros transtornos


do neurodesenvolvimento, devido à sua complexidade e dificuldade. Deve-se sempre ler
todos os critérios (A, B, C e D) com muita atenção, visando levar em conta todas as suas
especificações.

O critério A nos informa que, dos 6 sintomas/prejuízos acadêmicos apresentados


a seguir, pelo menos 1 deles deve ser apresentado por pelo menos 6 meses, apesar das
intervenções dirigidas a essas dificuldades. Isso é muito importante, pois o diagnóstico
deve vir depois da intervenção, como aulas particulares, acompanhamento clínico, entre
outros tratamentos específicos para a dificuldade da criança.
O item 1 refere-se a problemas de leitura nítidos, como as crianças que leem de
forma silabada, fragmento por fragmento. A adivinhação da palavra ocorre quando a
criança fala uma palavra depois de ler somente uma parte dela (p.ex.: na leitura da
palavra “caixa”, a criança leu a primeira sílaba “ca”, e, ao invés de continuar a leitura,
chutou a palavra “casa”). Isso é um sinal de que há tanta dificuldade para ler, que ela
nem tenta continuar para decifrar a palavra inteira.
O item 3 trata da habilidade de escrever corretamente, com a ortografia correta.
O item 4, porém, abarca as crianças que, escrevendo ortograficamente correto ou
não, têm dificuldades quanto à coesão e coerência do texto, organização da escrita,
atribuição de sentido, clareza, início-meio-fim, entre outros fatores.
O item 5 inclui diversos problemas que podem estar relacionados à manipulação
numérica. Uma opção, ainda mais séria de déficit, são as crianças que não entendem a
diferença de escrever 15 ou 51, como se as duas disposições pudessem se referir ao
mesmo número. Ainda sobre o item 5, um fato aritmético é uma lei, algo imutável, que
acaba sendo decorado (p.ex.: 2+2=4, 6+4=10, uma dúzia = 12...), crianças com TEAp
podem não decorar essas somas básicas, e sempre depender da contagem nos dedos para
realizá-las.

Do critério B, ressalta-se que tal avaliação para determinar a existência de


prejuízo ou não, deve ser feita de forma individual, nunca podendo ocorrer em grupo ou
em uma sala de aula, por exemplo. Para indivíduos com 17 anos ou mais, em que é
muito difícil encontrar testes padronizados para a avaliação deles, documentos antigos
que comprovem dificuldades podem ser usados para a avaliação.
O critério C reafirma a necessidade das dificuldades se iniciarem na escola. Por
ser um transtorno do neurodesenvolvimento, os prejuízos não podem aparecer somente
na fase adulta. Mas, além disso, é importante notar que o TEAp pode não ser aparente
até certos estágios escolares serem atingidos, em que a demanda vai ser maior. Ou seja,
o prejuízo sempre existiu, mas até a 5ª série, por exemplo, o ambiente não era
desafiador o suficiente para alguém perceber.
O critério D nos atenta a averiguar outras possibilidades antes de fechar o
diagnóstico de TEAp, pois ele não se trata apenas de dificuldades de aprendizagem.

Dificuldades de aprendizagem não significam um transtorno. De acordo com a


OMS, 40% das pessoas apresentam alguma dificuldade de aprendizagem em um dado
momento na vida, o que é normal.

Uma dificuldade de aprendizagem pode ocorrer a partir de três fatores:


 Escola (onde pode faltar material didático ou quantidade igual para todos, onde
pode ocorrer bullying, más influências, professores ruins, métodos inadequados,
aula online, entre muitos outros fatores);
 Família (ambiente familiar desestruturado, divórcio, pai/mãe viciados ou
alcóolatras, violência, abuso sexual, entre muitos outros fatores);
 Especificidades Individuais (acuidade visual não corrigida, deficiências
auditivas (mesmo que parciais), língua nativa ≠ língua de ensino, problemas de
saúde (é comprovado que problemas respiratórios afetam a atenção), outro
transtorno mental, entre muitos outros fatores).

Sobre esses tópicos, que fazem alusão ao critério D do manual, entende-se que
qualquer um dos três fatores acima (incluindo outros transtornos) podem explicar
dificuldades específicas de aprendizagem, e, nestes casos, o diagnóstico de TEAp deve
ser desconsiderado.
Com relação ao fator Especificidades Individuais, compreende-se que o TEAp
nunca será uma comorbidade de outro transtorno que justifique dificuldades de
aprendizagem. Por exemplo, a presença de TEA, TDAH, Epilepsia, Transtorno
Depressivo, Transtorno de Ansiedade, Esquizofrenia Infantil, Transtorno Bipolar na
Infância, entre uma variedade de outras condições, podem justificar as dificuldades de
aprendizagem, e, nestes casos, excluirão a possibilidade do diagnóstico de TEAp.
Isto, no entanto, não significa que o TEAp não pode ser comórbido de outro
transtorno em certas situações. O que foi escrito é: “outros transtornos que podem
justificar as dificuldades de aprendizagem”. Porém, se as dificuldades de aprendizagem
estiverem muito além do que já se espera a partir do transtorno já diagnosticado, a
hipótese de coexistência pode ser levantada. Por exemplo: crianças com TDAH podem
demorar mais para se alfabetizar, mas com a intervenção correta esse aprendizado se
consolida; contudo, se passou um período de intervenção (de pelo menos 6 meses), e a
criança ainda não conseguiu se alfabetizar, o TDAH não justifica isso, mas o TEAp sim;
nesse caso, os dois transtornos podem ser comórbidos.

Ressalta-se, porém, que o TEAp se trata de dificuldades específicas, e não um


quadro global. No caso de ser uma dificuldade universal, um rebaixamento da
inteligência, avaliar-se-á a presença de TDI. O TDI e TEAp nunca poderão ser
comórbidos, pois a presença de um deles anula a possibilidade da presença do outro.
Logo, diferente de outros transtornos, o TDI não pode ser comórbido ao TEAp, em
nenhuma situação.

A primeira nota diz respeito ao tipo de avaliação necessária para o TEAp.


Médicos podem diagnosticar TEA, TDAH, entre outros transtornos sem
necessariamente solicitar a avaliação neuropsicológica, mesmo que não seja o mais
indicado. Porém, transtornos como o TEAp ou TDI precisam ser diagnosticados a partir
da avaliação neuropsicológica, dada a importância das medidas quantitativas, relatórios,
junção com o histórico de vida, entre outros fatores.
Sobre as especificações, ela nos informa que o TEAp deve ser codificado a partir
do seu prejuízo, que pode ser na leitura, escrita e/ou matemática. Quando houver mais
de um prejuízo, deve-se colocar as duas/três codificações juntas. É muito comum ter
crianças com prejuízo nas três áreas.
F81.0 x Dislexia: TEAp com prejuízo na leitura (F81.0) tem como sintomas:
prejuízo na precisão, na velocidade ou fluência e na compreensão da leitura (conforme
escrito na especificação), não é obrigatório apresentar todos os três sintomas. Dislexia é
um nome usado para se referir a um padrão específico de dificuldades apresentado pela
pessoa, que possui: problemas no reconhecimento preciso ou fluente de palavras,
problemas na decodificação e dificuldades de ortografia (conforme escrito na nota).
Portanto, esse termo só pode ser usado quando a criança apresentar todas essas
características. Caso a criança apresente este padrão e outras dificuldades, elas também
devem ser sinalizadas. A principal diferença da Dislexia é que, nesse padrão, a criança
não tem prejuízo na compreensão da leitura quando alguém lê para ela.
F81.81: TEAp com prejuízo na escrita, pode apresentar um, dois ou três
sintomas centrais, conforme descrito na especificação. Anteriormente, já foi usado o
termo “disortografia” para se referir à essa dificuldade, de forma semelhante à
“dislexia” com relação a prejuízos na leitura. Porém, o termo “disortografia” não é mais
referido nas últimas versões do DSM e CID; logo, não deve ser usado.
Vale ressaltar que a leitura e escrita são processos interdependentes, e não
caminham separados. O paciente que tem prejuízos na leitura consequentemente terá
prejuízos na escrita, indiscutivelmente. Porém, nota-se que nem todo paciente com
prejuízo na escrita possuirá prejuízos na leitura, e, por isso, eles são descritos
separadamente.

F81.2 x Discalculia: TEAp com prejuízo na matemática (F81.2) tem como


sintomas: prejuízo no senso numérico, memorização dos fatos, precisão/fluência de
cálculos e precisão no raciocínio matemático (conforme escrito na especificação), não é
obrigatório apresentar todos os quatro sintomas. Discalculia é um nome usado para se
referir a um padrão específico de dificuldades apresentado pela pessoa, que possui:
problemas no processamento de informações numéricas, aprendizagem de fatos
aritméticos e realização de cálculos (conforme escrito na nota). Portanto, esse termo só
pode ser usado quando a criança apresentar todas essas características. Caso a criança
apresente este padrão e outras dificuldades, elas também devem ser sinalizadas. A
principal diferença da Discalculia é que, nesse padrão, a criança não tem prejuízo no
raciocínio matemático.
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
Avaliação neuropsicológica de qualquer transtorno

Áreas avaliadas em uma avaliação neuro:

Essas áreas devem ser avaliadas independente da demanda específica. Por ser uma
avaliação neuro, avaliar-se-á tudo, para compreender, de fato, o perfil cognitivo como
um todo.

PERFIL NEUROPSICOLÓGICO DO TEAp

A seguir, descrever-se-á sobre os três subtipos do TEAp – leitura, escrita e


matemática.
TEAp com prejuízo na Leitura e Escrita

Analisar-se-á o perfil neuropsicológico do TEAp com prejuízo na leitura e


escrita, tal como os seus principais prejuízos, a saber: Processamento Fonológico,
Leitura e Escrita e Funções Executivas.

1. Processamento Fonológico

Fazem parte do Processamento Fonológico a Consciência Fonológica, a


Nomeação Rápida Automatizada e a Memória Fonológica. Essas habilidades têm sido
descritas como preditoras de sucesso para a alfabetização. [1]

1.1. Consciência Fonológica

[2] A Consciência Fonológica (CF) é a capacidade de processar sons, ela possui


várias etapas, por exemplo: a consciência fonológica de rima, aliteração (sílabas iniciais
iguais), consciência das sílabas... (pesquisar no YouTube “alfabeto fônico”, para
entender os fonemas); consciência fonológica = consciência dos fonemas.
O desenvolvimento da CF é um pré-requisito para a alfabetização. Muitas
crianças com TEAp possuem déficits na CF, e, por isso, acabam tendo dificuldades
profundas para se alfabetizar. Catts et al. (2017), confirmaram que um terço das crianças
que apresentaram alterações na Consciência Fonológica na educação infantil tiveram o
diagnóstico de dislexia confirmado ao final de 2º ano do ensino fundamental.

Instrumentos que avaliam a Consciência Fonológica:

 CONFIAS
o População: A partir de 4 anos de idade;
o Objetivo: Avaliar a CF de forma abrangente, a partir de sílabas e fonemas.

 Prova de Consciência Fonológica por produção oral (Avaliação


Neuropsicológica Cognitiva – Linguagem Oral [livro laranja]
o População: 03 a 14 anos (Educação Infantil e Ensino Fundamental);
o Objetivo: Avaliar a habilidade de manipulação dos sons da fala, expressando
oralmente o resultado dessa manipulação: rima, aliteração, adição e subtração
silábica, adição e subtração fonêmica, transposição silábica e fonêmica e
trocadilhos.

 Prova de Consciência Fonológica por escolha de figuras (Avaliação


Neuropsicológica Cognitiva – Linguagem Oral [livro laranja]
o População: 06 a 10 anos (Ensino Fundamental;
o Objetivo: Avaliar a habilidade de manipulação dos sons da fala, a partir da
escolha de figuras: rima, aliteração, adição e subtração silábica, adição e
subtração fonêmica, transposição silábica e fonêmica e trocadilhos.

o Nota: nos livros da editora Memnon, você precisa comprar o direito autoral das
folhas de resposta dos testes.

1.2. Nomeação Automática Rápida

A Nomeação Automática Rápida (ou Nomeação Rápida Automatizada) será


avaliada a partir de testes que medem os prejuízos na nomeação de estímulos
alfanuméricos e não-alfanuméricos.

O instrumento que avalia isso é:

 TENA (Teste de Nomeação Automática)


o População: 03 a 09 anos e 11 meses de idade;
o Objetivo: estimar a habilidade do indivíduo em ver um símbolo visual e nomeá-
lo de forma acurada e rápida.

Ou seja, como o próprio nome já diz, essa habilidade permite a criança nomear
estímulos visuais de maneira rápida; identificá-los e nomeá-los de maneira automática.
Por exemplo:
Em uma tarefa do TENA, a criança teria que nomear uma folha cheia dessas
figuras, e o tempo seria contabilizado. Crianças com TEAp têm dificuldade nessa
habilidade.

1.3. Memória Fonológica (Memória de Curto Prazo Fonológica)

A Memória Fonológica (i.e., memória de sons) refere-se à habilidade de, na


fase inicial do aprendizado da leitura, manter as informações fonológicas durante o
processo de decodificação (leitura). Por exemplo: na leitura da palavra “computador”, é
a Memória Fonológica que, ao ler a última sílaba “dor”, permitirá a identificação e fala
da palavra completa, pois ela manteu as outras sílabas lidas na memória e juntou todas
no final. Isso vale para qualquer palavra ou frase.
Na fase da compreensão leitora, ou seja, quando a criança já passou as fases da
leitura e escrita e agora precisa compreender o texto, a Memória Fonológica ajuda na
retenção de informações para o processo semântico (significado) e sintático
(organização gramatical). [3]
Ressalta-se que a alta incidência de prejuízos na Memória de Curto Prazo
Fonológica em pessoas com TEAp não significa a mesma incidência de prejuízo nos
demais tipos de Memória de Curto Prazo.

O instrumento (estilo de prova) que avalia isso é:

 Teste de Repetição de Palavras e Pseudopalavras (Avaliação Neuropsicológica


Cognitiva – Linguagem Oral [livro laranja]
o População: 03 a 14 anos (Educação Infantil e Ensino Fundamental);
o Objetivo: avaliar a memória de curto prazo fonológica por meio de uma tarefa
de repetição de palavras e Pseudopalavras;
o Outros testes com o mesmo objetivo também podem ser usados.
2. Leitura e Escrita

A decodificação/leitura pode ser definida como a capacidade de transformar as


letras visuais (imagens) em sons (na sua fala ou na sua mente). Já a codificação/escrita
se trata da capacidade de ouvir um som/palavra e transformar em símbolo.
Déficits na habilidade de decodificação (leitura) têm sido relatados na literatura
como uma característica persistente nos Transtornos Específicos de Aprendizagem [4].
Esse prejuízo, consequentemente, afeta a habilidade de codificação (escrita) da mesma
forma.
Os pacientes com TEAp apresentam dificuldade no reconhecimento de que as
palavras (escritas e faladas) podem ser quebradas em unidades menores de sons, e que
as letras constituindo a palavra impressa representam os sons ouvidos nas palavras
faladas. Ou seja, dificuldade de ler (déficit na fluência), escrever e soletrar. Isso vale
para o reconhecimento de palavras e pseudopalavras.

Para entender o motivo desses prejuízos, deve-se compreender o modelo


cognitivo de leitura e escrita. O modelo mais usado atualmente é o Modelo de Dupla
Rota. A seguir, descrever-se-á, de maneira resumida, o que é esse modelo.

2.1. Modelo de Dupla Rota

Esse modelo visa explicar como as pessoas aprendem a ler e escrever. De acordo
com ele, o acesso à pronúncia e ao significado podem ser obtidos por meio de dois
processos ou rotas:
 Rota Fonológica: (grafia ↔ som) processo indireto envolvendo a mediação
fonológica.
 Rota Lexical: processo direto que não envolve a mediação fonológica.

A primeira rota a se desenvolver é a Rota Fonológica. Essa rota permite o nosso


aprendizado de leitura e escrita a partir da associação entre grafema (representação
gráfica) e fonema (som). Essa rota faz com que palavras como “fada” sejam escritas
corretamente por crianças até o 2º ano, porque o grafema e fonema se equivalem, mas
que palavras como “casa” possam ser escritas erradas, substituindo “s” pelo “z”, “ch”
por “x”, e assim por diante, porque existem diferentes grafemas para um mesmo
fonema. Logo, é normal que esses erros ocorram no início da alfabetização, em que a
rota lexical ainda não foi desenvolvida. (Fase Alfabética = 1º e 2º ano do Ensino
Fundamental).
Crianças com TEAp já apresentam dificuldades no desenvolvimento da Rota
Fonológica. Porém, no desenvolvimento normal, com o passar do tempo, a criança vê
muitas vezes uma mesma palavra e comete vários erros. Mas, nesse período, há,
também, a recorrência de correções e pontuações da professora e dos pais, e o que eles
dizem vai se consolidando no aprendizado da criança. Então, depois de escrever “casa”
com “z” várias vezes, e todas elas com correção da professora, a criança memoriza que
a escrita dessa palavra sempre será com “s”, ela aprende isso e nunca mais erra de novo.
É a partir disso que ocorre o desenvolvimento da Rota Lexical, em que a criança
armazena palavras na sua memória e é a partir dessa memorização que ela consegue ler
e escrever corretamente. Ou seja, ao invés de a criança aprender a partir da associação
grafema-fonema, ela aprende a partir da recorrência das palavras e consequente
memorização/familiaridade. (Fase Ortográfica = 3º e 4º ano do Ensino Fundamental).

No processamento da leitura e da escrita de palavras em um adulto típico, é


utilizada e desenvolvida os dois tipos de rotas. Ou seja, quando criança, ele desenvolveu
a Rota Fonológica e iniciou o processo de alfabetização com sucesso. Com o passar do
tempo, houve o desenvolvimento da Rota Lexical, o que permitiu o aprendizado e
memorização de mais palavras. E, quando adulto, frente a uma palavra desconhecida,
ele usa da Rota Fonológica para ler e escrever essa palavra, da forma que faz mais
sentido; caso esteja errada, ele usará da Rota Lexical para acertar na leitura e escrita
dessa palavra das próximas vezes.
Apesar de um adulto saudável utilizar as duas rotas simultaneamente, é a Rota
Lexical que se torna responsável por mais fluência e naturalidade na oralidade, leitura e
escrita, uma vez que ela automatiza todos esses processos e não é necessário despender
muita energia para decodificar ou codificar palavras, sendo que já estamos
familiarizados com elas e as regras que as regem.
A fluência da leitura, fator importante alterado no TEAp com prejuízo na leitura,
inclusive em adultos, é avaliada através dos fatores: 1. Taxa de Leitura (velocidade) / 2.
Automaticidade (uso da Rota Lexical) / 3. Prosódia / 4. Compreensão. [6]

Pseudopalavras: palavras que não existem na língua portuguesa. Palavras


Regulares: uma única opção de grafema para um fonema (p. ex.: fada, bebê, uva, livro,
entre outras). Palavras Irregulares: possibilidade de mais de um grafema para um
mesmo fonema (p. ex.: casa, chuva, exceção, caixa, entre outras). Ademais, observa-se
que o Efeito de Extensão, ou seja, o fato de palavras mais longas demandarem mais da
Rota Fonológica, ocorre porque essas palavras são mais difíceis de memorizar.

Além de oferecer um breve resumo, este quadro também mostra a importância


de usar instrumentos para avaliação que incluam tanto palavras quanto
pseudopalavras. Testes sem pseudopalavras não são capazes de avaliar a Rota
Fonológica, pois podem não exigir o processamento e construção de uma “palavra”
nova.
Idade Mínima de Diagnóstico: Entender esses processos de desenvolvimento
da leitura e escrita são importantes para compreender a idade mínima para o
diagnóstico de TEAp. Não se pode fechar diagnóstico na Educação Infantil, uma vez
que sua função é oferecer noções básicas para a alfabetização. Nesse período, pode-se
observar sinais do transtorno, mas somente indicativos e hipóteses.
O período mínimo para fechar um diagnóstico de TEAp é a partir do 3º ano do
ensino fundamental.

 1º e 2º ano do Ensino Fundamental: Alfabetização.


 3º e 4º ano do Ensino Fundamental: Ortografia.

Por conta de o processo de alfabetização terminar ao 2º ano, um déficit nessa


capacidade só pode ser confirmado depois desse período, em que a criança deveria ter
desenvolvido a Rota Fonológica. Caso isso não tenha acontecido até o início do 3º ano,
pode-se sugerir a presença de TEAp com prejuízo na leitura, considerando todo o
processo descrito nas Considerações Diagnósticas.
Há uma exceção dessa regra para crianças que repetiram de ano. Por exemplo,
no caso de uma criança cujo os pais decidiram segurar no primeiro ano, ou seja, essa
criança fez o 1º ano do Ensino Fundamental duas vezes, quando ela passar para o 2º ano
e a Rota Fonológica não estiver desenvolvida, o diagnóstico pode ser fechado. Isso
também vale para o caso em que a criança repete no 2º ano; assim, na segunda vez que
ela estiver fazendo o 2º ano, pode-se dar o diagnóstico.

“No início do processo de alfabetização é esperado que indivíduos com TEAp


apresentem dificuldades tanto na precisão quanto na velocidade, sobretudo em
ortografias mais transparentes, como é o caso do português brasileiro” [5].
É importante entender isso pois, no início da alfabetização, o prejuízo do TEAp-
leitura (F81.0) é na precisão e na velocidade. Porém, quando a criança é mais velha,
esse prejuízo pode se manter apenas na velocidade, uma vez que a criança melhorou a
sua precisão a partir da Rota Lexical, memorizando as palavras. Nestes casos, o prejuízo
de precisão, no entanto, pode ser encontrado em pseudopalavras, que mostrarão o déficit
na Rota Fonológica. Esse fato também mostra a importância de escolher instrumentos
que avaliam a velocidade da leitura.
Instrumentos que avaliam as duas rotas:

 TDE-II (Teste de Desempenho Escolar)


o População: 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental;
o Objetivo: avaliar as capacidades fundamentais para o desempenho escolar –
escrita, aritmética e leitura;
o O TDE é um teste importante, básico, mas precisa de testes complementares,
uma vez que ele não possibilita a leitura e escrita de pseudopalavras, tal como
não tem leitura de textos.

 TCLPP (Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras)


o População: 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental;
o Objetivo: O TCLPP é instrumento psicométrico neuropsicológico cognitivo para
avaliar e a competência de leitura silenciosa de palavras isoladas, e servir de
coadjuvante para diagnóstico diferencial de distúrbios de aquisição de leitura;
o Tem alta recomendação pela Sarah.

 Teste Contrastivo de Compreensão Auditiva e de Leitura (Avaliação


Neuropsicológica Cognitiva – Leitura, escrita e aritmética) – livro vermelho
o População: 6 a 11 anos (2º ao 7º ano do Ensino Fundamental);
o Objetivo: compreensão da linguagem escrita e oral;
o As tarefas de escrita e aritmética desse livro não são boas, mas essa tarefa de
leitura é recomendada, pois permite avaliar a compreensão da criança a partir da
leitura do aplicador e dela mesma.

 PROLEC (Provas de Avaliação dos Processos de Leitura) – verificar a


edição mais atual
o População: 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental;
o Objetivo: avaliar os diferentes processos e subprocessos que interferem na
leitura, para identificar os casos de dificuldades em sua aprendizagem e quais os
processos que são responsáveis por essas dificuldades.
o É específico para a suspeita de TEAp-Leitura (F81.0).
Instrumentos para avaliar as crianças com dislexia que, com o passar do tempo,
melhoraram a precisão da decodificação, mas continuaram com déficit na velocidade:

 PROLEC-SE-R (Provas de Avaliação dos Processos de Leitura – Ensino


Fundamental II e Médio)
o População: 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental II (11 a 15 anos) e 1º ao 3º ano
do Ensino Médio (15 a 18 anos);
o Objetivo: avaliar a capacidade geral de leitura e dos processos cognitivos
provenientes dos processos: léxico, sintático e semântico. Detecção de
dificuldades na leitura;
o É específico para a suspeita de TEAp-Leitura (F81.0);
o Tem alta recomendação pela Sarah, principalmente porque é um dos poucos
testes que avalia essa faixa etária.

 Avaliação da Compreensão Leitora de Textos Expositivos


o População: 2º ano do Ensino Fundamental até a idade adulta;
o Objetivo: o teste Avaliação da Compreensão Leitora tem por objetivo avaliar
diferentes processos subjacentes à capacidade de compreender textos
informativos;
o É específico para a suspeita de TEAp-Leitura (F81.0).

3. Funções Executivas

Não há uma concordância histórica entre os estudos do tema com relação à


definição de Função Executiva. Contudo, na maioria dos artigos, houve concordância no
que diz respeito às seguintes características:
1. Orientam comportamentos fundamentais a situações de aprendizagem e
funcionamento cotidiano;
2. Permitem monitoramento e a regulação destes comportamentos;
3. Pertinentes a cognição e ao desempenho nos domínios comportamental e
socioemocional;
4. Natureza multidimensional, mas com prevalência de 3 componentes específicos:
controle inibitório, memória operacional e flexibilidade cognitiva.
De maneira mais simples, pode-se compreender Função Executiva como “um
comportamento dirigido a uma meta”. Refere-se à capacidade de planejar uma ação,
definir os seus objetivos, regular o seu comportamento, organização comportamental e
socioemocional.
Em pacientes com TEAp F81.0 e F81.81, o perfil mais comum de alteração nas
Funções Executivas se dá em prejuízos na Memória Operacional, Atenção Seletiva e
Controle Inibitório. [7]
Nota-se que esses prejuízos podem se associar a um quadro de TDAH. Na
avaliação neuropsicológica de uma criança que tem TEAp como suspeita, deve-se
analisar até que ponto esses prejuízos limitam-se ao TEAp, ou se pode se tratar de
TDAH como comorbidade.

TEAp com prejuízo na Matemática

Analisar-se-á o perfil neuropsicológico do TEAp com prejuízo na matemática,


tal como os seus principais prejuízos, a saber: Senso Numérico (ou Numerosidade),
Processamento Numérico, Cálculo, Processamento Fonológico e Funções
Executivas.

1. Senso Numérico, Processamento Numérico e Cálculo

Senso Numérico (ou Numerosidade): capacidade de representar e manipular


magnitudes numéricas de forma não-verbal em uma linha numérica internalizada.
É uma capacidade considerada inata do ser humano, que é a competência de
fazer estimativas, de ter noção numérica, sem necessariamente estar realizando uma
conta/cálculo. Por exemplo: ao olhar três aquários, um com 2 peixes, um com 6 peixes e
outro com 20 peixes, sabe-se que o aquário com 20 peixes é o que possui a maior
quantidade deste animal, e percebe-se isso mesmo sem contar peixe por peixe, graças ao
Senso Numérico, que representa essa noção de quantidade, tamanho, magnitude, entre
outros fatores que podem ser avaliados por estimativa.

Processamento Numérico: compreensão e produção de símbolos e números;


leitura, escrita e contagem de números; recuperação de fatos numéricos.
Diferente da Numerosidade, não é inato ao ser humano. Refere-se ao
aprendizado que permite representar números através de diferentes símbolos, p. ex.: 5 /

cinco / V / I I I I I / ∙∙∙∙∙ / todos esses símbolos são diferentes, mas representam o mesmo
número. Ademais, o Processamento Numérico também faz jus à recuperação dos Fatos
Numéricos (ou Aritméticos) que, como visto anteriormente, se trata de leis e fatos
imutáveis que acabam sendo decorados (p.ex.: 2+2=4, 6+4=10, uma dúzia = 12, etc.)

Cálculo: execução de cálculos com mais dígitos; envolve sequenciamento,


encadeamento de operações, exige memória operacional, atenção e processamento
visuoespacial.

Pessoas com TEAp com prejuízo na matemática (F81.2) possuem déficits nesses
três aspectos, que acabam comprometendo severamente o seu desempenho acadêmico.

2. Processamento Fonológico

O Processamento Fonológico – que inclui velocidade de acesso lexical


(Nomeação Rápida Automatizada), memória fonológica e consciência fonológica, como
visto anteriormente – no F81.2 desempenha um papel na aprendizagem dos aspectos da
matemática que dependem mais fortemente do emprego de códigos verbais. Tais como
transcodificação (variação de códigos/símbolos para representar a mesma coisa) entre
notações simbólicas (2, dois), fatos numéricos e problemas matemáticos narrativos.
É por conta do prejuízo no Processamento Fonológico que é comum encontrar
pacientes com TEAp com prejuízo nas três áreas, uma vez que esse fator afeta a leitura,
escrita e matemática.

Instrumentos para avaliar os fatores citados até aqui:

 Coruja PROMAT
o População: 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental;
o Objetivo: verificar se as competências numéricas básicas foram adquiridas;
o Apesar de ser destinado à população do 1º ao 5º ano, por avaliar os processos
mais básicos da matemática, ele também pode ser aplicado em adultos com
suspeita de F81.2, uma vez que eles também terão dificuldades de realizar essas
contas.

 PRO-NÚMERO (Bateria de Avaliação do Processamento Numérico e


Cálculo)
o População: 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental, com exceção da tarefa de
problemas aritméticos narrativos, em que os dados normativos foram coletados
entre crianças do 3º ao 5º ano;
o Objetivo: a PRO-NÚMERO constitui-se de testes que avaliam os problemas
aritméticos narrativos, o cálculo aritmético básico e a transcodificação numérica;
o Tem a recomendação da Sarah.

3. Funções Executivas

Em pacientes com TEAp F81.2, o perfil mais comum de alteração nas Funções
Executivas se dá em prejuízos na Memória Operacional. [8]
A Memória Operacional é a capacidade de sustentar informações e mentalmente
manipulá-las. É a memória utilizada para realizar uma instrução, interpretar um texto,
fazer um serviço, entre outros, por isso também é chamada de Memória de Trabalho.

4. Escalas para avaliar o TEAp geral

 EAVAP-EF (Escala de Avaliação das Estratégias de Aprendizagem para o


Ensino Fundamental)
o População: 07 a 16 anos (1º ao 9º ano do Ensino Fundamental);
o Objetivo: Avaliar as estratégias de aprendizagem da criança, se ela faz resumo,
se ela sublinha o texto, entre outras possibilidades.

 EMA-EF (Escala de Avaliação da Motivação para Aprender de Alunos do


Ensino Fundamental)
o População: 07 a 16 anos;
o Objetivo: avaliar a motivação escolar.
 EAME-IJ (Escala para Avaliação da Motivação Escolar Infantojuvenil)
o População: 08 a 11 anos;
o Objetivo: avaliar a motivação escolar.

REFERÊNCIAS

1. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3429860/pdf/jlcd0047-0027.pdf
2. file:///C:/Users/nickn/Downloads/Acceptedversion.pdf
3. Neuropsicologia dos Transtornos Psiquiátricos (ampla)
4. https://www.scielo.br/j/pusf/a/WKVqnSD9Kf5qgJLxXL4Znjj/?
format=pdf&lang=en
5. Entendendo a Dislexia - 2ª edição – Sally e Jonathan
6. Relatório Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências (renabe)
7. https://www.scielo.br/j/anp/a/n8nyS4SWm9MvdWXsmp9tZ5h/?
format=pdf&lang=en
8. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psipesq/v6n2/v6n2a07.pdf

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