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dislexia ORIGINAL
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aprendizagem iniciam-se nos primeiros anos Sendo assim, o diagnóstico será feito de acordo
escolares e podem se manifestar conforme o com os domínios acadêmicos afetados (acurácia,
aumento das exigências pela habilidade afe fluência e compreensão de leitura) e de acordo
tada ultrapasse as capacidades limitadas do com o nível de severidade (leve, moderado ou
indivíduo; d) exclusão de deficiência intelectual, grave). Porém, a extinção do termo Dislexia do
problemas de visão ou audição não corrigidos, Desenvolvimento foi muito mal recebida pela
outros transtornos psiquiátricos ou neurológicos, comunidade científica, e o termo continua a ser
adversidade psicossocial e escolarização inade adotado como rótulo alternativo; b) críticas ao
quada. De acordo com o manual, esse transtorno critério de discrepância de dois desvios padrão
pode ser subdividido em três especificações: com entre o Quociente de Inteligência (QI) e a habi
prejuízo na leitura, com prejuízo na expressão lidade acadêmica afetada; c) adoção da resposta
escrita ou com prejuízo na matemática. à intervenção (RTI, do inglês Response to Inter-
Dentre os sujeitos diagnosticados com TEAd, vention) como um critério diagnóstico. Dessa
80% destes apresentam o Transtorno Específico forma, a criança deve ser submetida a programas
da Leitura, também conhecido como Dislexia de intervenção e avaliação, e somente caso não
do Desenvolvimento (DD). A prevalência em apresente melhora em suas dificuldades pode
crianças escolares varia entre 5% a 17,5%7. ser diagnosticada com o transtorno6,9,10.
A DD é um transtorno de aprendizagem que Estudos apontam que indivíduos diagnos
tem como característica essencial o déficit na ticados com DD apresentam dificuldades no
habilidade de leitura. De acordo com Lyon et processamento fonológico, menor capacidade de
al.8, a DD é um distúrbio específico de aprendi memória de trabalho fonológica, alterações nas
zagem de origem neurobiológica, caracterizado funções executivas e desempenho inferior em
por dificuldades na correta e/ou fluente leitura tarefas de atenção visual sustentada11.
de palavras e por pobres habilidades de soletra O perfil cognitivo da DD pode ainda apresen
ção e decodificação. Essas dificuldades tipica tar prejuízos mais gerais, tais como: aprendizado
mente resultam de um déficit no componente da fala, organização da linguagem escrita e
fonológico da linguagem, que é muitas vezes falada, aprendizado de letras e seus sons, memo
inesperado em relação às outras habilidades rização de fatos numéricos, soletração, leitura,
cognitivas e à instrução adequada de ensino em aprendizado de nova língua e realização correta
sala de aula. Consequências secundárias podem de operações matemáticas12.
incluir problemas na leitura e compreensão e, A avaliação diagnóstica da leitura tem como
consequentemente, reduzida experiência de objetivo investigar o funcionamento cognitivo,
leitura, que pode impedir o desenvolvimento do comportamental e, em segundo plano, emocio
vocabulário e o conhecimento em geral. nal de um paciente. Desta forma, uma de suas
Entre os principais sintomas apresentados tarefas é identificar perfis cognitivos que repre
pelo DSM 5 para a caracterização da DD, estão sentam os prejuízos e facilidades cognitivas que
a leitura de palavras de forma imprecisa, lenta podem estar presentes nos transtornos. Um dos
ou com esforço; dificuldades para compreender aspectos importantes da avalição diagnóstica é
o que é lido; dificuldades para ortografar e difi o estabelecimento de diagnóstico diferencial,
culdades com a expressão escrita. pois distinguir os casos de DD das demais DA
É importante ressaltar que a mais recente ver é de extrema importância para a escolha de
são do DSM trouxe importantes mudanças em tratamentos adequados13.
relação à versão anterior, dentre elas: a) adoção Estudos utilizando a Escala de Inteligência
de uma categoria diagnóstica única, chamada Wechsler para Crianças - 3ª Edição (WISC-III)
Transtorno Específico de Aprendizagem, em de mostram que sujeitos com DD apresentam per
trimento do termo Dislexia do Desenvolvimento. fis específicos de baixo desempenho em alguns
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a que melhor corresponde à palavra dita pelo Teste de Nomeação de Figuras por Escrita
avaliador. No presente estudo foi utilizada a Livre (TENOFE): o teste avalia a competência
versão computadorizada da prova24. de escrita e a habilidade de escrever palavras
FAS e categorias semânticas de animais e que correspondam corretamente às figuras do
frutas: avalia a habilidade de fluência verbal nas teste, sem cometer erros ortográficos e semân
categorias fonológica e semântica. Devem ser di ticos. Consiste em 36 itens, sendo uma figura
tas o maior número de palavras com cada letra ou acompanhada por um espaço em branco para a
categoria correspondente no tempo de 1 minuto25. escrita de seu nome correspondente;
Bateria de Avaliação de Leitura e Escrita Teste de Compreensão de Sentenças Faladas
On-Line (BALE On-Line): instrumento compu (TCSF): possibilita avaliar as habilidades de
tadorizado que avalia as habilidades de leitura discriminação e compreensão auditiva. Contém
e escrita26-28. Foram utilizados cinco subtestes 46 itens, sendo os seis primeiros de exemplo, e
da bateria: a tarefa do sujeito é escolher a alternativa com a
Teste de Competência de Leitura de Palavras e figura que corresponda à sentença falada. Cada
Pseudopalavras (TCLPP) - avalia a competência item apresenta cinco figuras, sendo apenas uma
de leitura silenciosa de palavras e pseudopa delas correta;
lavras. É composto por 78 itens, sendo os oito Teste de Vocabulário por Imagens Peabody
primeiros de treino. Cada item é composto por (TVIP): avalia a linguagem receptiva-auditiva
uma figura e uma palavra ou pseudopalavra de crianças e adolescentes, sendo composto por
escrita abaixo, e a criança deve indicar a opção 130 itens, com quatro figuras em cada página. O
“certo” ou “errado”, conforme o julgamento sujeito, após ouvir a palavra dita pelo avaliador,
sobre a correspondência da palavra e da figura. deve identificar a que melhor corresponde ao
Os itens são divididos nos seguintes tipos: 1) que foi verbalizado. Os itens são dispostos em
palavras corretas regulares (CR), como FADA ordem crescente de dificuldade, com conceitos
sob a figura de uma fada; 2) palavras corretas de palavras concretas e de palavras abstratas
irregulares (CI), como TÁXI, sob a figura de um
intercaladas. Os cinco primeiros itens são de
táxi; 3) palavras com trocas semânticas (TS),
treino, e a pontuação máxima é de 125. Para este
como TREM, sob a figura de um ônibus; 4) pseu
estudo, foi utilizada a versão computadorizada,
dopalavras homófonas (PH), como PÁÇARU sob
sendo avaliado o tempo médio das respostas e
a figura de um pássaro; 5) pseudopalavras com
o total de acertos29.
trocas visuais (TV), como CAEBÇA, sob a figura
de uma cabeça; 6) pseudopalavras com trocas
Procedimentos
fonológicas (TF), como CANCURU sob a figura
de um canguru; 7) pseudopalavras estranhas Todas as crianças foram avaliadas por uma
(PE), como RASSUNO sob a figura de uma mão; equipe de pesquisadores especializados em
Teste de Competência de Sentenças Escritas estudos sobre TEAd, especificamente em DD.
(TCSE): avalia a capacidade de compreensão de Foi apresentado o objetivo da pesquisa para
leitura de sentença, com variados níveis de com todos os pais ou responsáveis, e aqueles que
plexidade. É composto por 46 telas, sendo as seis concordaram assinaram o Termo de Consenti
iniciais de treino. As telas contêm uma sentença mento Livre e Esclarecido. As avaliações foram
escrita seguida de cinco figuras alternativas para realizadas individualmente, em dois encontros
escolha, das quais só uma corresponde bem à com duração média de 1 hora.
sentença. A tarefa do examinado consiste em
ler a sentença e escolher entre as alternativas Análise dos dados
a figura que melhor corresponde ao conteúdo Para as análises estatísticas, foi utilizado
da sentença; o software IBM Statistical Package for Social
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Sciences (SPSS Statistics 22.0). Foram realiza desempenho prejudicado em relação aos outros
das análises de variância (ANOVA unidirecio dois no que se refere às tarefas que compõem o
nal), utilizando os três grupos estudados como QI Execução.
variáveis independentes e os resultados dos Já em relação aos índices fatoriais, foram
diversos instrumentos aplicados como variáveis encontradas diferenças significativas para OP e
dependentes. Quando verificadas diferenças RD. Análises post hoc Bonferroni mostram que no
significativas entre as médias dos grupos, testes índice OP os indivíduos do G2 foram piores que os
post hoc de Bonferroni foram conduzidos. Para do G1 (p=0,001) e G3 (p=0,002). Esse resultado
todos os testes, foi estabelecido nível de signi indica que novamente o grupo classificado como
ficância de 5%. possuindo DA apresentou desempenho prejudi
cado quando comparado com os outros grupos.
RESULTADOS Por fim, no item RD os participantes do G3 apre
Os resultados das análises estatísticas serão sentaram desempenho estatisticamente superior
apresentados de acordo com as diversas habili ao G1 (p=0,017) e G2 (p=0,001). Desta maneira,
dades cognitivas avaliadas. as crianças e adolescentes controles foram signi
ficativamente melhores que os dois outros grupos.
Inteligência
Com relação aos níveis de inteligência, foram Atenção, consciência fonológica, fluência
analisadas separadamente as pontuações totais verbal e linguagem receptiva-auditiva
nos aspectos QI Total, QI Verbal, QI Execução. Em relação ao desempenho nas tarefas que
Também foram analisados os índices fatoriais CV, avaliaram atenção, consciência fonológica,
OP e RD. A Tabela 2 apresenta os valores obtidos fluência verbal e linguagem receptiva-auditiva,
na WISC-III para os três grupos de participantes: foram analisados separadamente os seguintes
Foram encontradas diferenças significati quesitos: total de acertos, erros e omissões no
vas apenas para QI Execução. Análises post teste AC; total de acertos no teste PCFF; nú
hoc Bonferroni indicaram que o QI Execução mero de palavras evocadas em cada uma das
dos participantes do G2 foi inferior ao do G1 categorias no teste FAS e categorias semânticas
(p=0,047) e ao G3 (p=0,015), não sendo en de animais e frutas, assim como a soma total de
contrada diferença do grupo DD com o grupo todas as palavras; e, por fim, número de acertos
controle. Dessa forma, apesar de todos os gru e tempo médio (em milissegundos) para a rea
pos apresentarem nível de inteligência dentro lização do teste TVIP. A Tabela 3 apresenta os
da faixa média, o grupo com DA apresentou resultados obtidos.
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semântica foi igual para os grupos. Como visto ferença do grupo DD com o grupo DA. O estudo
no trabalho de Ho et al.21, os perfis de dificulda de Ho et al.34 encontrou diferença significativa
des em leitura e escrita podem estar agrupados, em leitura somente para os grupos comparados
sendo que o G2 do presente estudo não se di por idade, sendo que, no grupo comparado por
ferenciou ao G1, podendo haver comorbidades nível de leitura, o desempenho na tarefa foi
entre os perfis. igual. Assim, os grupos G1 e G2 não apresen
Por fim, a avaliação da linguagem receptiva tam diferenças quanto à acurácia de leitura por
-auditiva realizada por meio do TVIP indicou demonstrarem dificuldades significativas na
diferenças significativas entre os grupos para o habilidade de leitura, enquanto que o grupo
total de acertos, sendo o resultado do G2 inferior controle foi mais preciso na leitura.
ao do G3. Esse achado está compatível com os Para uma melhor compreensão do desempe
resultados encontrados no estudo de Capovilla nho nessa tarefa leitura, foram analisados sepa
et al.32, no qual bons leitores tiveram desempe radamente os subtestes que compõem a tarefa.
nho significativamente superior em diversas Foram encontradas diferenças significativas para
tarefas, dentre estas a de vocabulário receptivo. TS, PH e TF. Em relação a TS, o G2 apresentou
Além disso, o estudo sugere que maus leitores número de acertos significativamente inferior ao
apresentam dificuldades ao serem comparados G1 e G3. As trocas por semelhança semântica ne
com bons leitores, principalmente em relação cessitam de engajamento atencional muito maior,
ao processamento fonológico, ou seja, proces e o G2 do presente estudo apresentou desem
samento de informações baseadas na estrutura penho inferior em atividades de funcionamento
fonológica do estímulo, necessário na atividade executivo. Portanto, estes resultados podem ser
de vocabulário receptivo. em decorrência do prejuízo atencional do G2.
Os resultados em relação à leitura e à escrita Nos itens PH, o G1 foi significativamente in
indicaram o desempenho geral do grupo contro ferior ao G3. Esse padrão de resultados se repetiu
le superior aos outros dois outros grupos. Nos nos itens TF, com os participantes do G1 piores
subtestes da prova de leitura, o grupo com DD que os do G3. No estudo de Silva e Capellini19
foi o que se mostrou com maiores dificuldades, foram encontradas diferenças significativas en
sendo pior nos itens PH, TV e TF. Esses achados tre os grupos de transtornos de aprendizagem e
são idênticos aos de Capovilla33, em que uma sem dificuldades de aprendizagem em todas as
amostra de 13 crianças com DD apresentou medidas de leitura: reconhecimento do alfabeto,
dificuldade nos mesmos subtestes. A autora leitura de palavras reais, leitura de palavras não
argumenta que esse padrão de erros na leitura reais e leitura de palavras em 1 minuto. Com
indica dificuldades no processamento fonológico isso, as crianças com transtornos de leitura apre
e dificuldades no processamento lexical. sentam prejuízos em relação à decodificação e
No que se refere ao TCSE, foram encontradas no uso de novas palavras menos frequentes e de
diferenças significativas tanto para o número complexidade estrutural mais complexa.
de acertos quanto para o tempo médio. Crian Além disso, leitores com DD apresentam
ças com DD apresentam prejuízos em relação prejuízos no uso de rota sublexical e, portanto,
à fluência de leitura e, consequentemente, em na conversão grafema fonema quando necessi
relação à compreensão do material lido. Com tam do uso adequado de habilidade fonológicas
isso, necessitam de maior tempo para a leitura, como na leitura de pseudopalavras e palavras
resultado encontrado no presente estudo. com sons semelhantes. Por fim, o uso de rota
Em relação ao TCLPP, foram encontradas lexical também se encontra prejudicado em
diferenças significativas para o número de acer crianças com DD13. Dessa forma, a identificação
tos. Novamente, os participantes do G3 foram de palavras com trocas pseudohomófonas e com
superiores ao G1 e G2, não sendo encontrada di trocas fonológicas se torna mais difícil para esse
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SUMMARY
Performance in psychopedagogical and neuropsychological tests
of children and adolescents with developmental dyslexia
and learning difficulties
The problems encountered during the learning process are one of the
most frequent reasons for seeking care by psychopedagogues, psychologists
and speech therapists. These difficulties have been analyzed according to
two important subtypes: Learning Difficulties (LD) and Specific Learning
Disabilities (SLD), Developmental Dyslexia (DD) being the most prevalent
disability. Thus, one of the important aspects of diagnostic assessment is
the establishment of a differential diagnosis. The present study aimed to
characterize the cognitive profiles of children and adolescents with DD and
LD in psychopedagogical and neuropsychological tests, and to compare
them with the control group. Participated a sample of 45 children and
adolescents divided into three groups: (G1) 21 subjects with DD; (G2) 10
subjects with a history of LD, but without the diagnostic criteria for the
disability; (G3) 14 good readers, used as a control group. The following
cognitive abilities were evaluated: intelligence, attention, phonological
awareness, verbal fluency, receptive-auditory language, reading and
writing. One-way ANOVAs were conducted and in cases where significant
differences were found between groups, post hoc Bonferroni tests were
performed. The results indicated that the group with DD presented greater
difficulties in tests that evaluate working memory and visual discrimination,
besides specific errors in reading and writing. This cognitive profile shows
specific difficulties in reading and cognitive abilities related to this process.
In addition, the study evidenced the heterogeneity of the dyslexic children
profile, as well as possible comorbidities with other disabilities.
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