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PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E
DESENVOLVIMENTO SOCIAL DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: CONTRIBUIÇÕES DA
PSICOLOGIA PARA A EDUCAÇÃO

Taiane do Nascimento Andrade - Universidade Estadual de Maringá1


Adriana de Fátima Franco - Universidade Estadual de Maringá2

1. Introdução

Este trabalho é um recorte de uma pesquisa de iniciação científica em


andamento, financiada pela Fundação Araucária, a qual denominou-se “A Escolarização
de Pessoas com Deficiência Intelectual: contribuições da Psicologia Histórico-Cultural”.
A pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de analisar o processo de escolarização de
pessoas com deficiência intelectual, a partir de fontes primárias da Psicologia Histórico-
Cultural e de produções científicas sobre o tema, buscando analisar quais os aspectos
metodológicos e os referenciais teóricos estão presentes nas análises desta questão.
Realizou-se uma análise histórica da educação no Brasil, como também da educação
especial, partiu-se da compreensão de que os fenômenos existentes hoje são produtos do
desenvolvimento histórico da humanidade. A pesquisa também se comprometeu a
entender o desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual e os possíveis
encaminhamentos para que haja um verdadeiro processo de escolarização.
Sendo assim, a importância desta pesquisa, além de contribuir para a
aprendizagem e desenvolvimento acadêmico, é de propiciar possíveis contribuições no
campo da Psicologia e da Educação Especial. Esta contribuição está intimamente
relacionada à concepção de homem enquanto ser histórico e social assumida na
pesquisa. Buscou-se por meio de uma análise teórica respaldada por um método crítico,
a superação do determinismo biológico para a compreensão histórica e social do
desenvolvimento da pessoa com deficiência.
O constructo teórico que embasou a pesquisa foi o da Psicologia Histórico-
Cultural, elaborada por L. S. Vigotski, A. R. Luria e A. Leontiev, no contexto pós

1
taianeandrade@hotmail.com, financiada pela Fundação Araucária.
2
adriaffranco@hotmail.com
2

Revolução Russa de 1917. A teoria é pautada no método do materialismo histórico


dialético de Karl Marx (1818-1883). De acordo com Vigotski (2000), a Psicologia deve
ver o homem como partícipe ativo da construção da história e, ao mesmo tempo, é
construído coletivamente, resultando em um ser complexo e constituído pelas relações
sociais. Assim, do mesmo modo que o ser humano é constituído pelas relações sociais,
os processos de exclusão e inclusão também são produzidos historicamente.
O objetivo deste recorte é apresentar, a partir de Vigotski, o processo de
desenvolvimento de pessoas com deficiência intelectual e realizar uma discussão que
contribua para o trabalho educativo.

2. O desenvolvimento Social da pessoa com deficiência intelectual

Historicamente a psicologia olha para as dificuldades de aprendizagem enquanto


falta, enquanto insuficiência presente na criança. De acordo com Vygotski (1983), a
psicologia tradicional concebia a dificuldade infantil apenas como um sistema de
insuficiências, contudo, de acordo com o referido autor, a psicologia moderna intenta
em mostrar o que se esconde atrás desses aspectos negativos. Nas palavras do autor,
“enquanto a velha educação se inclinava a ceder à insuficiência e segui-la, a atual leva
em conta a dificuldade, cede, a fim de vencer e superar o defeito que se tem convertido
na criança em uma criança dificilmente educável ou com dificuldade para aprender”
(VYGOTSKI, 1983, p. 164). As duas formas de olhar fixam o problema na criança.
Para este autor soviético as crianças mentalmente atrasadas se distinguem pela
insuficiência do pensamento abstrato e, por isso, sua instrução se apoia nos meios
visuais-diretos. Esta insuficiência só será superada pela mediação. As relações sociais
são constituidoras do humano, nesta direção a história da humanidade determina as
direções da história do desenvolvimento individual. Segundo o autor, a questão da
deficiência precisa ser pensada a partir da mediação da criança com o mundo. A
sociedade necessita desenvolver instrumentos que possibilitem a superação do estado
inicial apresentado pela criança. Nas palavras do autor,

Possivelmente, não esta longe o dia em que a pedagogia se


envergonhara do próprio conceito “criança com deficiência” para
designar alguma deficiência de natureza insuperável. O surdo falante,
o cego trabalhador – participantes da vida comum em toda sua
plenitude – não sentirão mais a sua insuficiência e nem darão motivos
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para isso aos outros. Esta em nossas mãos fazer com que as crianças
surdas, cegas e com retardo mental não sejam deficientes. Então,
desaparecera o próprio conceito de deficiente, o sinal justo da nossa
própria deficiência” (VIGOTSKI, 2006, p. 54).

Vigotski (1983) demonstrou que a concepção clínica do desenvolvimento


infantil tem considerado o problema de atraso mental como algo fixo e não como um
processo, interessando-se pelos sintomas de estabilidade e de perseverança. Em
consonância a está compreensão estática de deficiência a pedagogia terapêutica recebeu
da concepção clínica as noções elementares sobre a natureza do atraso mental, assim,
construiu sua prática baseada nos resultados dos estudos clínicos. Ao deparar-se com o
problema do atraso mental a escola burguesa levantou objetivos negativos, pelo qual
selecionavam as crianças incapazes de estudar e as que não “desejavam” aprender.
De acordo com Vigotski (1983), fazer uma seleção baseada nas características
negativas é infundado, pois corre-se o risco de isolar e unir em um mesmo grupo
crianças que tem pouco em comum, “não é possível apoiar-se no que falta a essa
criança, no que ela não é, mas é preciso ter noção do que possui, do que é”
(VYGOTSKI, 1983, p. 132).

O intelecto, originado no processo de desenvolvimento complexo, não


pode ser de natureza homogênea nem de estrutura monolítica,
indiferenciada. [...] Não existe uma situação em que, no caso do
atraso, todas as funções do intelecto estão igualmente afetadas, porque
representando a diversidade qualitativa, cada uma das funções
influencia de forma qualitativamente particular o processo que está na
base do atraso mental. [...] O atraso nunca afeta todas as funções
intelectuais na mesma medida. (VYGOTSKI, 1983, p. 141)

Sendo assim, há que se construir um novo conhecimento sobre a criança


mentalmente atrasada, que considere não apenas os aspectos de insuficiência biológica,
mas principalmente as mediações a qual a criança está exposta. Destarte, esse novo
conhecimento a ser construído “não é um estudo pelo estudo em si, mas um estudo para
encontrar as formas ideais de ações práticas para resolver a tarefa histórica de superar
realmente o atraso mental, esta enorme calamidade social que é uma herança da
estrutura de classes da sociedade” (VYGOTSKI, 1983, p.132). Esses estudos devem
demandar um enfoque positivo e diferenciado, que analisem as leis que regem este
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desenvolvimento e que considerem a estrutura econômica da sociedade a qual a criança


está inserida.
Segundo o autor, no ocidente predominava uma concepção mecânica do
desenvolvimento, na qual se supunha que, “na presença de deficiências biológicas, as
crianças se desenvolviam por trilhas biológicas e que para elas podiam ser suprimidas as
leis do desenvolvimento e da formação social que determinam o desenvolvimento de
qualquer criança normal” (VYGOTSKI, 1983, p. 133). Diferentemente dessa concepção
ocidental, Vigotski (1983) postulou que a criança mentalmente atrasada, embora
aprenda menos que a criança sem atraso, deve estudar o mesmo que todas as demais
crianças, receber a mesma preparação para a vida futura, e para isso, muitas vezes faz-se
necessários a utilização e aplicação de métodos e procedimentos especiais, adaptados às
características específicas de cada aluno. Portanto,

O objetivo da escola, no fim das contas, não consiste em adaptar-se ao


defeito, mas superá-lo. A criança atrasada necessita, mais que a
criança normal, que a escola desenvolva os seus rudimentos de
pensamento, posto que abandonado a sua própria sorte, não pode
chegar a apropriar-se dele. (VYGOTSKI, 1983, p. 151)

Do ponto de vista dialético o processo de desenvolvimento é superado pelas


novas formações qualitativas que se originam socialmente, através da mediação de um
adulto instrumentalizado. Para o autor, “a essência das coisas é a dialética das coisas, e
esta se revela na dinâmica, no processo de movimento, da mudança, da formação e da
destruição, e no estudo da gênese e do desenvolvimento” (VYGOTSKI, 1983, p. 170).
No processo de desenvolvimento, ocorre de forma ativa uma adaptação ao meio,
assim, as crianças com deficiência vão elaborando uma série de funções mediante as
quais compensam, equilibram e suprem as deficiências. Desta forma, a criança
mentalmente atrasada, que não está constituída somente de defeitos e carência, tem sua
personalidade restruturada e compensada pelos processos de desenvolvimento
(VYGOTSKI, 1983).

Os processos de enfermidade não podem ser descobertos enquanto


não se compreende que o próprio organismo luta contra a
enfermidade, que existem sintomas de dupla ordem: por um lado, os
sintomas da alteração das funções, por outro lado, os sintomas da luta
do organismo contra essas alterações. (VYGOTSKI, 1983, p. 134)
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Sendo assim, à medida que a criança encontra dificuldades objetivas é possível


superá-las com a ajuda de uma série de formações que a princípio não foram
desenvolvidas. A partir do processo de interação da criança com o meio, cria-se uma
situação que impulsiona a criança para a compensação. Nas crianças com insuficiências,
a compensação segue direções totalmente diferentes segundo qual seja a situação que
foi criada, em que meio se educou a criança, quais dificuldades se lhe apresentam a
causa dessa insuficiência, portanto, a compensação não é orgânica, mas depende das
condições de materiais da vida em sociedade (VYGOTSKI, 1983). A compensação, de
acordo com o autor, “é, em enorme medida, a vida social coletiva da criança, a
sociabilidade de sua conduta, pelas quais encontra material para construir as funções
internas que se originam no processo de desenvolvimento compensatório”
(VYGOTSKI, 1983, p. 137).
Em se tratando de desenvolvimento social humano, Engels (apud LEONTIEV,
1964), após a publicação do livro “A origem das espécies” de Darwin, afirmou que o
homem é radicalmente diferente dos seus antepassados animais e que a hominização foi
consequência da passagem a uma vida em sociedade organizada na base do trabalho.
Sendo assim, o desenvolvimento dos homens não está submetida às leis biológicas, mas
às leis sócio-históricas.
O processo da passagem dos animais aos homens é constituído por estágios. O
primeiro deles é o da preparação biológica do homem, na qual ainda reinam as leis
biológicas. O segundo estágio pode ser considerado o da passagem ao homem, que
apesar de estar submetido ainda às leis biológicas, o homem já inicia a fabricação de
instrumentos e as primeiras formas de trabalho e de sociedade. O terceiro é o estágio do
aparecimento do Homo sapiens, a partir desse momento o homem passa a ser regido
apenas pelas leis sócio-históricas, pois “possui já todas as propriedades biológicas
necessárias ao seu desenvolvimento sócio-histórico ilimitado [...] a passagem do homem
a uma vida em que a cultura é cada vez mais elevada não exige mudanças biológicas
hereditárias” (LEONTIEV, 1964, p. 263-264). Nas palavras do autor,

Assim se desenvolvia o homem, tornando sujeito do processo social


de trabalho, sob a acção de duas espécies de leis: em primeiro lugar,
as leis biológicas, em virtude das quais os seus órgãos se adaptaram às
condições e às necessidades da produção; em segundo lugar, às leis
sócio-históricas que regiam o desenvolvimento da própria produção e
os fenómenos que ela engendra. (p. 263)
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É através da cultura material e intelectual que os homens passam a fixar e


transmitir às próximas gerações as aquisições da evolução e não mais pela
hereditariedade biológica. Desta maneira,

podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a


natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade.
É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do
desenvolvimento histórico da sociedade humana. (LEONTIEV, 1964,
p. 267)

Diferentemente dos animais, os homens não aprendem por adaptação individual


do comportamento genérico, mas “a assimilação do homem é um processo de
reprodução, nas propriedades do indivíduo, das propriedades e aptidões historicamente
formadas da espécie humana” (LEONTIEV, 1964, p. 270). Com isso, é possível afirmar
que o homem constrói a sua natureza.
Na mesma direção, Vygotski (1983) afirmou que a fonte do desenvolvimento
das funções psicológicas superiores é a coletividade, sendo assim,

Toda função psicológica superior, no processo de desenvolvimento


infantil, se manifesta duas vezes, a primeira como função da conduta
coletiva, como organização da colaboração da criança com o
ambiente, depois como função individual da conduta, como
capacidade interior da atividade do processo psicológico no sentido
estrito e exato desta palavra. Do mesmo modo, também a linguagem
se transforma, de meio de comunicação a meio do pensamento.
(VYGOTSKI, 1983, p. 139)

Um ambiente ausente de mediações que possibilitem a intenalização destes


instrumentos pode conduzir a criança mentalmente atrasada a momentos negativos
adicionais que, longe de ajudar a superar o atraso, pelo contrário, acentuam e agravam
sua insuficiência inicial. O autor propõe que para orientar o desenvolvimento desta
complexa estrutura é preciso dirigir a atenção do desenvolvimento da criança
mentalmente atrasada, e não a natureza dos processos patológicos que estão na sua base,
uma vez que a complexidade da estrutura aparece durante o processo de
desenvolvimento, ou seja,
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O desenvolvimento incompleto das funções superiores está ligado ao


desenvolvimento cultural incompleto da criança mentalmente
atrasada, à sua exclusão do ambiente cultural, [...] um
desenvolvimento cultural incompleto, de uma negligência pedagógica.
Com frequência, as complicações secundárias são resultados de uma
educação incompleta. [...] Se a criança tem pouco contato com
uma coletividade infantil, então aqui podem surgir as
complicações secundárias. (VYGOTSKI, 1983, p. 144-145)

Vigotski toma a educação como componente determinante para a superação do


homem biológico e desenvolvimento do homem cultural. Nesta direção, faz-se
necessário olhar para o projeto de sociedade e homem presente na contemporaneidade.
A partir das contribuições do autor fica evidente que as funções psicológicas
superiores pouco dependem da herança genética, contudo são direcionadas pela
educação e pelo social. Com isso, verifica-se que Vigotski trouxe grandes contribuições
para o âmbito educacional e desenvolvimental ao explicar que a educação não influi
apenas em alguns processos de desenvolvimento, mas reestrutura em toda amplitude as
funções do comportamento humano. Através do processo de aprendizagem a criança
desenvolve a capacidade de utilização de instrumentos, ou seja, desenvolve o
pensamento, a linguagem, a capacidade de planejamento e antecipação, entre outros.
Esses instrumentos psicológicos irão mediar a relação da criança com o mundo,
podendo ela modificar o seu comportamento.
Nesse processo, as funções psíquicas naturais e biológicas são elevadas a um
nível superior, mais complexo e passam a depender funcionalmente do instrumento
utilizado pela criança. Assim, compreende-se que a educação, quando efetiva, é capaz
de reestruturar e revolucionar as funções psíquicas (VYGOTSKY, 1999).
Contudo, apesar do conhecimento de que uma educação de qualidade pode
conduzir crianças com deficiência à patamares elevados de desenvolvimento terem
sidos apontados por Vigotski nas primeiras décadas do século passado não superou-se a
velha forma de pensar. Continua-se a produzir o fracasso escolar e assiste-se no sistema
educacional brasileiro a implementação de novos projetos que, na verdade, prolongam a
ilusão da inclusão, mantendo as crianças com deficiência no mesmo nível de
desenvolvimento. De acordo com Meira (2011), os dados da Síntese de Indicadores
Sociais de 2007 demostram que 27,5% dos alunos entre sete e 14 anos, matriculados nas
escolas brasileiras, estavam atrasados em relação a série que deveriam estar e 7,4% de
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todos esses alunos foram considerados “iletrados escolarizados”, isto é, analfabetos que
frequentam a escola a um longo período.
E, nesta direção a Psicologia Tradicional, ainda hegemônica, com frequência
tem se posicionado trazendo explicações que situam o problema do não
desenvolvimento exclusivamente nas incapacidades dos alunos, sem questionar o
sistema educacional e todo o contexto histórico e econômico que perpassa esse sistema.
Uma das explicações mais recorrentes para os problemas escolares se refere às
explicações biológicas para fenômenos que são sociais - a biologização do indivíduo -
isto significa que “há um deslocamento do eixo de análise da sociedade para o indivíduo
e, muito particularmente, para o organismo do indivíduo” (MEIRA, 2001, p. 95).
Outra explicação muito utilizada é a que atribui explicações de caráter
psicológico à questões construídas socialmente – psicologização do indivíduo. De
acordo com Costa (1984, apud MEIRA, 2011), este discurso psicologizante foi
incorporado no cotidiano escolar no Brasil a partir do movimento higiênico-pedagógico
dos séculos XVIII e XIX, “o qual introduziu as ideias da medicina social com o objetivo
de normatizar o modo de vida das massas populares por meio do controle de seus
corpos e costumes, bem como da repressão de comportamentos considerados
socialmente nocivos e inadequados” (MEIRA, 2001, p. 113).
Collares & Moysés (1996, apud MEIRA, 2011, p. 122) afirmaram que essas
condutas higienistas se tornam essenciais numa sociedade que discursa sobre a
igualdade entre os homens, mas que se alicerça na desigualdade entre as classes sociais.
Sendo assim, disseminar preconceitos é fundamental para a manutenção desses sistema
social, uma vez que através dos preconceitos e mitos é possível “responsabilizar as
pessoas e não a sociedade pelas desigualdades existentes” (MEIRA, 2001, p. 123).

3. Considerações finais

Diante do exposto, é possível tecer algumas considerações que possibilitam uma


reflexão acerca do trabalho educativo. Destarte, a escola ou a sociedade não podem
exigir dos alunos as funções psicológicas superiores, pois estas são desenvolvidas ao
longo do processo de escolarização, através do processo ensino-aprendizagem. Vigotski
apresenta uma concepção positiva do desenvolvimento humano da criança com
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deficiência. Destaca que a criança aprende de uma maneira própria, sendo fundamental
mediações que possibilitem este desenvolvimento.
De acordo com Meira (2001, p. 102-103), “é preciso que os professores
auxiliem cada criança a desenvolver cada vez mais a consciência e o controle sobre seu
próprio comportamento”. O controle do próprio comportamento não é algo natural, ele
ocorre a partir das relações que a criança estabelece com o mundo. O outro mais
experiente ensina a criança a se controlar. Portanto, cabe ao professor dirigir
intencionalmente o processo educativo e promover o desenvolvimento das funções
psíquicas tipicamente humanas nos alunos com ou sem deficiência.
As funções psicológicas superiores são originadas nas relações sociais que os
indivíduos estabelecem ativamente com o mundo exterior, “com a intensificação das
relações da criança com o mundo, todas as funções psicológicas superiores passam a ser
determinadas pela vida em sociedade” (MEIRA, 2001, p. 115).
É o processo de aprendizagem que concretiza as potencialidades dos alunos:

Os alunos que são patologizados por não conseguirem realizar


sozinhos determinadas atividades não podem ser considerados
incapazes. O que ocorre é que, naquele momento, as capacidades
cognitivas necessárias à realização das tarefas propostas se encontram
em processo de formação. (MEIRA, 2001, p. 126-127).

Assim, percebe-se que as capacidades e as funções psicológicas superiores não


estão dadas a priori e não são constituídas por meio de um aparato biológico, todavia,
são funções construídas e desenvolvidas por meio da atividade educativa, pelo processo
de aprendizagem. Tal processo não depende apenas do aluno, mas principalmente do
professor que organiza a atividade. Portanto, o ensino deve ir em direção ao
desenvolvimento potencial, pois se o ensino orienta-se apenas até a etapa do
desenvolvimento já alcançado então não orienta o processo de desenvolvimento, mas
vai atrás dele. “O único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”
(VIGOTSKII, 2006, p. 114). Neste sentido, se a escola e os profissionais à ela
diretamente relacionados percebem o indivíduo com deficiência apenas pelo viés
biológico e de insuficiências pouco poderá ser feito para a promoção do
desenvolvimento. Diante disso é possível compreender que a deficiência implica antes
uma condição social do que biológica, pois,
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O desenvolvimento incompleto das funções superiores está ligado ao


desenvolvimento cultural incompleto da criança mentalmente
atrasada, à sua exclusão do ambiente cultural, [...] a um
desenvolvimento cultural incompleto, uma negligência pedagógica.
Com frequência, as complicações secundárias são resultados de uma
educação incompleta. (VYGOTSKI, 1983, p. 144-145)

A educação tem a função de desenvolver as funções psicológicas superiores,


mediando o campo da vida cotidiana e as áreas não cotidianas, “ao possibilitar o contato
dos alunos com as expressões mais desenvolvidas da cultura humana, a escola pode e
deve ser não apenas ponte entre alunos e conhecimento, mas ela própria fonte rica de
desenvolvimento” (MEIRA, 2001, p. 127).
Nas palavras de Saviani (1991, p. 21), “o trabalho educativo é o ato de produzir,
direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida
histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”. Mas para que isso de fato ocorra o
professor deve ser o mediador entre os alunos e os conhecimentos. E, a escola
comprometida com o processo de humanização de todos os alunos. Neste sentido,
coloca-se a necessidade de se identificar tanto os elementos culturais que precisam ser
assimilados pelos indivíduos para que se tornem humanos, quanto as formas de atingir
esse objetivo.
Quando a concepção predominante presente no espaço escolar é aquela que tem
como pressuposto o amadurecimento do indivíduo para alcançar determinado nível de
desenvolvimento para só então aprender, ou por outra, se este desenvolvimento não foi
alcançado, torna-se o impeditivo para o aprendizado; o trabalho educativo fica distante
de cumprir com seus objetivos, colaborando para a produção do fracasso escolar.

REFERÊNCIAS

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MEIRA, M. E. M.; TULESKI, S. C. A exclusão dos “incluídos”: uma crítica da
psicologia da educação à patologização e medicalização dos processos educativos.
Maringá: Eduem, 2011. p. 91 – 132.
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