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Resenha Crítica do capítulo:

O LEMA “APRENDER A APRENDER”: NOS IDEÁRIOS EDUCACIONAIS


CONTEMPORÂNEOS

O objetivo de Duarte no primeiro capítulo um (1) “O LEMA ‘APRENDER A


APRENDER’: NOS IDEÁRIOS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEOS” do seu livro
Vigotski e o "aprender a aprender": crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da
teoria vigotskiana (2001), é situar sua crítica ao lema “aprender a aprender” do ideário
pedagógico escolanovista que se baseia na teoria da aprendizagem construtivista postulada
por Jean Piaget.
Newton Duarte busca, no primeiro capítulo do livro Vigotski e o "aprender a
aprender": crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana (2001),
situar sua crítica em relação ao lema 'aprender a aprender' presente no ideário pedagógico
escolanovista, que se fundamenta na teoria construtivista de Jean Piaget. Nesse capítulo, ele
aborda a perspectiva crítica adotada por defensores da pedagogia histórico-crítica, como
Bogdan Suchodoiski (1984), George Snyders (1974), Dermeval Saviani (1989) e outros,
incluindo o próprio Newton Duarte. Ele também estabelece uma comparação entre a
popularização do construtivismo e o crescimento dos ideais neoliberais nas décadas de 70 e
80, sugerindo que essa popularização ocorreu devido à imposição da ideologia neoliberal, que
valoriza os desejos e vontades individuais em detrimento das necessidades coletivas.
No entanto, é importante ressaltar que essa interpretação da teoria de Piaget como
exclusiva das vontades individuais é equivocada. Piaget não afirmou, pelo menos de forma
explícita, que a aprendizagem autônoma da criança implicaria na exclusão dos papéis dos
cuidadores e professores. Seu foco principal era descrever o desenvolvimento do pensamento
de acordo com as capacidades cognitivas e estágios de desenvolvimento de cada indivíduo, e
consequentemente, a forma como ocorre a aprendizagem. Sua teoria destacou
especificamente a infância como objeto de estudo (PIAGET, 1972). Com o tempo, outros
teóricos desenvolveram abordagens pedagógicas baseadas em sua teoria, sendo construídas e
testadas por pedagogos e psicólogos ao longo dos anos.

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O que a teoria de Piaget defende é que o conhecimento é uma construção, não
diferindo entre cultura e formas metodológicas de ensinar, a criança só aprende baseada nas
suas capacidades cognitivas esperadas para sua idade, já que seu cérebro e o pensamento tem
um desenvolvimento temporal e construtivo-biológico durante a vida.

O desenvolvimento é caracterizado por um processo de sucessivas equilibrações. O


desenvolvimento psíquico começa quando nascemos e segue até a maturidade,
sendo comparável ao crescimento orgânico; como este, orienta-se, essencialmente,
para o equilíbrio (PIAGET, 1964, p.13).

Dessa forma, de acordo com Piaget (1964) todas as pessoas possuem características
que nos permitem construir conhecimento, desde os aprendizados mais básicos até os níveis
mais avançados. O conceito de sujeito epistêmico foi desenvolvido por Piaget ao estudar
como as crianças constroem conhecimento em matemática e física. Ele é reconhecido como o
pioneiro da epistemologia genética.
As ideias de Immanuel Kant tiveram uma grande influência na obra de Piaget. Kant
foi um dos primeiros a sugerir que o conhecimento surge da interação entre o sujeito e o meio
ambiente. Piaget concordou com essa ideia, mas foi além, afirmando que o desenvolvimento
das estruturas mentais começa desde o nascimento, quando o indivíduo inicia sua interação
com o universo ao seu redor. A Epistemologia é uma das principais contribuições para a
compreensão do desenvolvimento humano. Ela se baseia na inteligência e na construção do
conhecimento, visando não apenas entender como os indivíduos, sozinhos ou em conjunto,
constroem conhecimento, mas também quais processos e etapas são envolvidos nesse
processo e por que eles ocorrem.
O que Piaget quer dizer com isso é que, o sujeito aprende baseado nas suas próprias
capacidades, e assim é justificável, que conhecimento que indivíduo tenha mais afinidade
será o melhor assimilado e equilibrado.

(...) convém lembrar que Piaget se propôs a estudar o processo de desenvolvimento


do pensamento e não a aprendizagem em si. Ele observa a aprendizagem infantil
não com o intuito de diferenciá-la do desenvolvimento, mas para obter uma resposta
a questão fundamental (de ordem epistemológica) que se refere a natureza da
inteligência, qual seja: como se constrói o conhecimento? (...) Ele trabalha com o

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sujeito epistêmico que, mesmo não correspondendo a ninguém em particular,
sintetiza as possibilidades de cada indivíduo e de todos ao mesmo tempo. Na
perspectiva piagetiana, o outro pólo desta relação, ou seja, o objeto do
conhecimento refere-se ao meio genérico que engloba tanto os aspectos físicos
como os sociais (PALANGANA, 2001. p.71).

A crítica que os adeptos à pedagogia histórico-crítica fazem, exclui a subjetividade e


as possibilidades do aprendizado único de cada indivíduo. Onde os mesmos trazem que a
pedagogia construtivista exclui as influências da cultura e da historicidade de cada um,
baseado na ideia de materialismo histórico de Marx e na historico-culturalidade de Vygotsky.
Porém, Piaget não tratava de um homem material, e sim do pensamento, do desenvolvimento
do pensar, trazia a ideia de sujeito epistêmico,

O homem que Piaget identifica não é alguém em específico: o homem da classe


alta, ou da favela, mas um homem hipotético, universal que sintetiza todas as
características e possibilidades dos outros homens - trata-se de um sujeito
epistêmico (SARAVALI, 2004, p. 25).

O pensamento de Piaget não exclui o pensamento de Vygotsky; pelo contrário, ambos


abordam o desenvolvimento humano de maneiras complementares. Piaget enfoca o sujeito
biológico e epistêmico como um todo, enquanto Vygotsky enfatiza o sujeito cultural. Juntos,
eles discutem o desenvolvimento biopsicossocial sob a perspectiva construtivista. Piaget, um
biólogo, enfatiza a importância da maturação biológica, enquanto Vygotsky, um médico,
destaca o papel crucial do ambiente social (LEMOS, 2010).
Piaget argumenta que os fatores internos têm um impacto predominante sobre os
externos, propondo uma sequência fixa e universal de estágios de desenvolvimento, com a
aprendizagem ocorrendo nos processos cognitivos, sociais e afetivos. Por outro lado,
Vygotsky reconhece que o ambiente social em que a criança está inserida pode influenciar e
variar seu desenvolvimento. Portanto, é inviável adotar uma visão única e universal do
desenvolvimento humano. Levando em consideração essa perspectiva, ambos os teóricos
desenvolveram abordagens construtivistas, valorizando os processos de interação com o
ambiente e o interesse - porém, trazem um enfoque e importância diferente em cada proposta
teórica (LEMOS, 2010).

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A crítica de Duarte e dos adeptos à pedagogia histórico-crítica diz que os
construtivistas escolanovistas defendem que a criança tem que ser deixada ao bel prazer, não
seja corrigida ou chamada atenção, ignorando os possuidores do conhecimento e apreensão
da realidade a mais tempo. Onde o conhecimento e metodologias de outros não são
importantes e não devem ser considerados.
Porém, isso não é totalmente correto de se afirmar. Piaget não desvaloriza o papel
histórico e cultural na construção do conhecimento, nem o papel dos cuidadores e
professores, mas sim que os mesmos saibam adaptar o conhecimento ao fato de que ele está
implicado nas etapas do desenvolvimento mental do indivíduo, em suas capacidades e no
interesse mais latente daquele momento do seu processo de maturação.

De fato, a educação tradicional sempre tratou a criança como um pequeno adulto,


um ser que raciocina e pensa como nós, mas desprovido simplesmente de
conhecimentos e de experiência. Sendo a criança, assim, apenas um adulto
ignorante, a tarefa do educador não era tanto a de formar o pensamento, mas sim de
equipá-lo; as matérias fornecidas de fora eram consideradas suficientes ao exercício.
O problema é todo outro quando se parte da hipótese das variações estruturais. Se o
pensamento da criança é qualitativamente diferente do nosso, o objetivo principal
da educação é compor a razão intelectual e moral; como não se pode moldá-las de
fora, a questão é encontrar o meio e os métodos convenientes para ajudar a criança a
constituí-la ela mesma, isto é, alcançar no plano intelectual a coerência e a
objetividade e no plano moral a reciprocidade (PIAGET, 1998, p. 163).

Com isso, Piaget nos deixa algumas reflexões sobre o que realmente remete o lema
“aprender a aprender” que se popularizou a partir de suas teorias; o aluno é um indivíduo
epistêmico participante, onde o mesmo deve aprender sua maneira de produzir e assimilar
conhecimento, baseado nas suas capacidades e possibilidades implicadas a cada etapa do seu
desenvolvimento.

Deixar as crianças jogarem é então uma higiene mental, tão proveitosa e fácil como
deixá-las respirar ar puro é uma higiene física. Se elas sofrem uma tristeza, ou uma
decepção uma afeição mal correspondida ou uma desconfiança delas mesmas, elas
inventam as situações lúdicas mais próprias para superá-las, melhor do que poderia
fazer um adulto inábil (PIAGET, 1943/2003, p.19).

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Dessa forma, a noção de "aprender a aprender" parece se resumir a um conceito em
que o indivíduo adquire conhecimento e lida com as situações do ambiente por conta própria.
Nessa perspectiva, o papel do professor seria o de facilitador entre o conhecimento e o
desenvolvimento do aluno, permitindo que ele descubra sua própria maneira de lidar e
assimilar as informações.
Além disso, podemos levantar a hipótese de que Duarte não tenha apresentado ou não
esteja familiarizado profundamente com as teorias de aprendizagem de Piaget e Vygotsky,
limitando-se a criticar as ideologias pedagógicas e as práticas que se desenvolveram a partir
desses teóricos. Dessa forma, ao desvalorizar uma teoria em detrimento da outra, o autor não
demonstra competência em analisar adequadamente os fundamentos de cada uma delas ao
expor sua posição. É ambicioso criticar diretamente a teoria de um tão importante teórico,
reconhecido amplamente pela Psicologia e pela a Pedagogia desde o século XX.
Isso leva o leitor a não compreender por que uma crítica tão severa é feita logo no
primeiro capítulo do livro, sem qualquer preparação prévia e aprofundamento para tal
refutação.

Figura 1: Jean Piaget em 1965. Figura 2: Capa da primeira edição, em 1923, do livro “A
linguagem e o pensamento na criança”. Fonte: https://archivespiaget.ch/

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Referências Bibliográficas

DUARTE, Newton. Vigotski e o "aprender a Aprender": Crítica às Apropriações


Neoliberais e Pós-modernas da Teoria Vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 1993.

LEMOS, O. Michael. As semelhanças, diferenças e contribuições de Piaget e Vygotsky


para a formação docente. In: https://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0220.pdf. São
Caetano, Brasil. 2010.

PALANGANA, C. Isilda. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a


relevância do social. São Paulo: Summus, 3.ed- 2001.

PIAGET, J. Para onde vai a educação? Tradução: Ivette Braga. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1972. 80p

PIAGET, J. Seis estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1964.

PIAGET, J. O jogo e a higiene mental da criança, 1943. In: ENCONTRO NACIONAL DE


PROFESSORES DO PROEPRE, 20, 2003, Campinas. Anais... Campinas: Faculdade de
Educação/UNICAMP, 2003. p.17-19.

PIAGET, J. Psicologia e pedagogia. 9.ed. Tradução: Dirceu Lindoso e Rosa Silva. Rio de
Janeiro: Forense, 1988. 184p.

SARAVALI, G. Eliana. Contribuições da teoria de Piaget para a formação de


professores. ETD - Educação Temática Digital, [S. l.], v. 5, n. 2, p. 23–41, 2008. DOI:
10.20396/etd.v5i2.759. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/759. Acesso em: 3 jun. 2023.

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