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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

DEPARTAMENTO DE ARTE – CEART


MESTRADO EM TEATRO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TEATRO E REPRESENTATIVIDADE
QUEER: experiências com a
metodologia do drama na escola

FERNANDO AUGUSTO DO NASCIMENTO

Florianópolis (SC), 2019


FERNANDO AUGUSTO DO NASCIMENTO

TEATRO E REPRESENTATIVIDADE QUEER: experiências com a metodologia do


drama na escola

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Teatro, da Universidade do Estado
de Santa Catarina – UDESC, como requisito para
obtenção do grau de mestre em Teatro, na linha
de pesquisa Teatro, Sociedade e Criação Cênica,
na área de concentração de Pedagogia do Teatro.

Orientadora: Prof.ª Dra. Heloise Baurich Vidor

FLORIANÓPOLIS, 2019
FERNANDO AUGUSTO DO NASCIMENTO

TEATRO E REPRESENTATIVIDADE QUEER: experiências com a metodologia do


drama na escola

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teatro, do Centro de


Artes (CEART), da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), como requisito para
a obtenção do grau de Mestre em Teatro, na linha de pesquisa Teatro, Sociedade e Criação
Cênica, área de concentração de Pedagogia do Teatro.

Banca Examinadora:

Orientadora: ________________________________________________
Dra. Heloise Baurich Vidor
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

Membro interno: _____________________________________________


Dr. Vicente Concílio
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

Membro externo: ____________________________________________


Dra. Melissa da Silva Ferreira
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

FLORIANÓPOLIS, 2019
“Dedico este estudo a todos/as crianças e adolescentes viadas que resistem e se
empoderam na escola e no teatro. Em especial aos/as professores/as-artistas queer,
os/as quais também retornam à escola e compartilham afetos e empoderamentos
aos/as alunos/as”.
AGRADECIMENTOS

Ao teatro, gratidão!!!
À minha mãe, Maria Edleusa do Nascimento Cruz (in memoriam); e, ao meu tio, Sebastião
Ferreira Filho, por contribuírem na construção de mais este sonho.
À minha orientadora, profa. Dra. Heloise Baurich Vidor, pelos conhecimentos e por caminhar
ao meu lado nestes percursos que me prorpocionaram descobertas, afetos e emancipação.
Aos/as amigos/as professores/as-artistas de São Luís - MA, Ma. Dayana Roberta, Ms.
Jurandir Eduardo e Ms. Vinicius Vina, pelas trocas e incentivos, antes, durante e após a
escrita da dissertação. Além dos/as amigos/as de Florianópolis – SC Gabrielli Veras,
Giovanna Bittencourt, João Ferreira, Ma. Elisângela Leite e Moira Gonçalves que também
acompanharam-me nesta caminhada.
À banca, composta pelo professor Dr. Vicente Concílio e professora Dra. Melissa da Silva
Ferreira, pelas contribuições, as quais foram essenciais para delimitar os rumos finais desta
pesquisa.
Aos/as amigos/as Pedro Viana, Patrícia Reis, Thaís Brito, Gleydson Castro, Felipe Façanha,
Alderico Segundo, Júlia Naomí, Ms. Carlos Licar, Ms. João Nunes e Ms. Thiago Viana.
Aos/as colegas de turma, funcionários/as e professores/as do Programa de Pós-Graduação em
Teatro da UDESC.
Ao professor-artista Ms. Luís Antonio, pelo acolhimento e conversas durante a pesquisa de
campo na escola Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago, em São Luís – MA.
Aos/as professores/as que compartilharam suas narrativas queer para este estudo, a saber:
prof. Ms. Anderson Pinheiro, profa. Ma. Beatriz Sousa, prof. Arthur Gomes, prof. Ms. Luis
Rocha, profa. Catarina Moreira, profe. Dr. Tiago Cruvinel e prof. Ms. Leonardo Calixto.
Às professoras Dra. Jimena Furlani e Dra. Sônia Melo, importantes teóricas dos estudos de
gênero e sexualidade na educação, que acolheram-me durante as aulas que acompanhei no
curso de Pedagogia – UDESC.
À Fundação de Amparo à Pesquisa Científica e Tecnológica do Maranhão – FAPEMA, a qual
financiou minha bolsa de pesquisa durante o segundo ano de mestrado, proporcionando-me
dedicação aos estudos acadêmicos.
Aos/as professores/as, diretoras, técnicos/as educacionais e demais funcionários/as da escola
Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago. Especialmente, aos/as alunos e alunas que criaram
comigo os processos criativos em sala de aula.
À escola e à Universidade públicas!!!
“O que me impede de sorrir
É tudo que eu já perdi.
Eu fechei os olhos e pedi…
Para, quando abrir, a dor não estar aqui.
Mas sei que não é fácil assim, mas vou aprender no fim.
Minhas mãos se unem para que, tirem do meu peito o que é de ruim […]
E vou dizendo… tudo vai ficar bem e as minhas lágrimas vão secar.
Tudo vai ficar bem e essas feridas vão se curar [...]
Se recebo dor, te devolvo amor [...]
E quanto mais dor recebo, mais percebo que sou... Indestrutível”
(“Indestrutível” Pabllo Vittar – qualira maranhense e artista drag
queen).

“[…] a experiência de gênero enquanto atividade pedagógica que tem em seu cerne
disparos e formas teatrais é, por excelência, uma aventura sobre as possibilidades e
a imaginação” (“Performatividade transgênera: equações poéticas de
Reconhecimento recíproco na recepção teatral”, Dodi Leal, 2018, p. 289 - travesti,
artista e professora de teatro da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB).
RESUMO

Nesta pesquisa investigo no âmbito da pedagogia do teatro, no contexto formativo da


educação básica, as intersecções entre os processos teatrais com a metodologia do Drama e
as temáticas atreladas ao campo teórico dos estudos queer, isto é, LGBTI+ (Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis, Mulheres e Homens Trans/Transgêneros, Intersexuais, dentre outros).
Para isso, mediei processos de Drama intitulados O segredo, inspirados no livro O menino
perfeito (2017) de Bernard Cormand, com estudantes do 2º ano do ensino médio, no colégio
Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago, em São Luís – MA. Neste sentido, esta
investigação traz para o ensino do teatro na escola os recentes debates da cena
contemporânea relacionados aos temas de representatividade trans, lugar de fala,
interseccionalidades, dentre outros. Além de problematizar as narrativas propagadas pelo
movimento “escola sem partido” e “ideologia de gênero” acerca das discussões de gênero,
educação sexual e queer no espaço escolar, o que é muito significativo diante da atual
conjuntura reacionária que atravessa o ensino da arte no Brasil. Assim, as articulações
teóricas são pautadas nos/as autores/as que discutem a respeito do Drama no Brasil e as
questões de gênero e sexualidade na educação, a saber: Beatriz Cabral (2006), Heloise
Vidor (2010), Diego Pereira (2015), Tharyn Freitas (2012; 2018), Flávio Desgranges
(2017), Guacira Louro (1997; 2001; 2016), Jimena Furlani (2009; 2016), Judith Butler
(2016; 2017; 2019), Guaraci Martins (2009; 2011), dentre outros/as. Esta pesquisa foi
aprovada pelo comitê de ética da UDESC (número do parecer: 3.055.705).

Palavras-chave: Pedagogia do Teatro. Representatividade Queer. Drama na educação.


Escola. Educação Sexual.
ABSTRACT

In this work I research in the field of theatre pedagogy, inside the formative context of basic
education, the intersections between the theatrical processes and the Drama methodology and
the themes connected to the theoretical area of the queer studies, which corresponds to
LGBTI+ (Lesbians, Gays, Bissexuals, Transvestites, Trans/ Transgender women and men,
Intersexuals, and others). For that reason, I mediated processes of Drama titled O segredo
(The secret), inspired in the book O menino perfeito (2017) by Bernard Cormand with
students of the 2nd year of high school, in the school Centro Educacional Dr. Clarindo
Santiago, in São Luís -MA. In this sense, this work brings to the teaching of drama at shcool
the new debates of the contemporary scene related to the themes of trans representation, place
of speech, intersectionality, and others. We will also problematize the narratives spreaded by
the movement “escola sem partido” (schools without party) and “ideologia de gênero”
(gender ideology) about gender discussions, sexual education and queer inside the school
what is very significant in face of the reactionary conjuncture that runs through art teaching in
Brazil. In that way, the theoretical articulations are based on the work of authors that dicuss
about Drama in Brazil and the questions of gender and sexuality in education, they are:
Beatriz Cabral (2006), Heloise Vidor (2010), Diego Pereira (2015), Tharyn Freitas (2012;
2018), Flávio Desgranges (2017), Guacira Louro (1997; 2001; 2016), Tharyn Freitas (2012;
2018), Judith Butler (2016; 2017; 2019), Guaraci Martins (2009; 2011), and others). This
research was aproved bay the ethics comittee of UDESC (numeber of opinion: 3.055.705).

keywords: Theatre Pedagogy. Queer representation. Drama in education. School. Sexual


education.
LISTA DE ABREVIATURAS

ABLGBT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis eTransexuais


ABRACE – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas
ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais
BNCC – Base Nacional Comum Curricular
CACEM – Centro de Artes Cênicas do Maranhão
CEART (UDESC) – Centro de Arte
CESM – Casa de Estudantes Secundaristas do Maranhão
COLIPETE – II Colóquio Internacional de Pedagogia do Teatro
COLUN – Colégio de Aplicação
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
FAPEMA – Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
do Maranhão
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LGBTI – Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e intersexuais
MEC – Ministério da Educação
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
PPP – Projeto Político Pedagógico do Colégio Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago
SESC - Serviço Social do Comércio
UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina
UEMA – Universidade Estadual do Maranhão
UFBA – Universidade Federal da Bahia
UFC – Universidade Federal do Ceará
UFMA – Universidade Federal do Maranhão
UFSB – Universidade Federal do Sul da Bahia
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
UFSM – Universidade Federal de Santa Maria
UFU – Universidade Federal de Uberlândia
UNAM – Universidade Nacional Autônoma do México
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
USP – Universidade Estadual de São Paulo
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – AS CRIANÇAS VIADAS NA FAMÍLIA E NA ESCOLA..............................33


FIGURA 2 – PROCESSO CRIATIVO/PESQUISA...............................................................50
FIGURA 3 – BASTIDORES DO CURTA-METRAGEM MI CUMPLE...............................52
FIGURA 4 – A LITERATURA COMO PRÉ-TEXTO...........................................................98
FIGURA 5 – RELAÇÕES ENTRE ESTÍMULO COMPOSTO E AMBIENTAÇÃO CÊNICA
……………………………………………………….......................................108
FIGURA 6 – PAPÉIS VIVENCIADOS POR MEIO DA ESTRATÉGIA PROFESSOR NO
PAPEL..............................................................................................................120
FIGURA 7 – MEMÓRIAS DE VIADAGENS DAS DIVAS COR DE ROSA....................123
FIGURA 8 – A PRAIA, A ESCOLA E “OS LUGARES ROSA E AZUL” .......................128
FIGURA 9 – PARTILHANDO EXPERIÊNCIAS ARTÍSTICAS........................................132
FIGURA 10 – INVESTIGAÇÃO DO ESTÍMULO COMPOSTO E CRIAÇÃO DE
HIPÓTESES…………………………………………………....……………136
FIGURA 11 – INVESTIGANDO A CENA NO BANHEIRO E ANALISANDO NOVOS
OBJETOS DE A.G……………………………………………………….....143
FIGURA 12 – O MAPA DE HIPÓTESES SOBRE A.G. CRIADO PELA TURMA 201…149
FIGURA 13 – DEPOIMENTOS DA MÃE, AMIGA E NAMORADO DE A.G……...…...152
FIGURA 14 – O PROCESSO DE CRIAÇÃO E VIVÊNCIA DE PAPÉIS FICCIONAIS...161
FIGURA 15 – MENSAGEM PARA A.G…………..…………………………………...….162
FIGURA 16 – O SHOW FÚNEBRE OU QUANDO O PROFESSOR-ARTISTA QUEER
REVELA SEU OFÍCIO……………………………………………………169
FIGURA 17 – DISSEMINANDO AFETIVIDADE COR DE ROSA NA ESCOLA.……..183
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – MUITO MAIS QUE UMA SOPA DE LETRINHAS ….............................…29


QUADRO 2 – O MENINO PERFEITO (BERNAT CORMAND), 2017……………………96
QUADRO 3 – DEVANEIOS E INDAGAÇÕES DA ESTRUTURA DE DRAMA O
SEGREDO…………………………………………………………………….99
QUADRO 4 – OBJETOS DOS ESTÍMULOS COMPOSTOS…………………….......…...105
QUADRO 5 – UM OLHAR TRAVESTI E A REPRESENTATIVIDADE “DE SI”........…116
QUADRO 6 – RESUMO DA PRIMEIRA AULA ………….……………………………...131
QUADRO 7 – RESUMO DO 1º EPISÓDIO …………………………………………..…...134
QUADRO 8 – RESUMO DO 2º E 3º EPISÓDIOS ....……………………………………...139
QUADRO 9 – RESUMO DO 4º EPISÓDIO………………………………………………..147
QUADRO 10 – MONÓLOGO DA ALUNA INTERPRETANDO O PAPEL DE “MÃE” DE
A.G. ……………….........………………………………………………….153
QUADRO 11 – ENTRELAÇAMENTOS AUTOBIOGRÁFICOS QUEER ………..……..155
QUADRO 12 – ENTRELAÇAMENTOS AUTOBIOGRÁFICOS QUEER……………….155
QUADRO 13 – RESUMO DO 5º EPISÓDIO………………………………………………159
QUADRO 14 – SUBVERSÕES DAS BIXAS (NADA) ENGRAÇADAS………………...173
QUADRO 15 – RELEMBRANDO O PROCESSO....……………………………………..175
QUADRO 16 – CARTAS PARA A.G……….......................................................................185
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................15
1 DO QUALIRA À QUALIRAGEM: NARRATIVAS DE UM ALUNO E PROFESSOR-
ARTISTA QUEER NO CONTEXTO EDUCACIONAL MARANHENSE......................23
1.1 ENTRE A UNIVERSIDADE E A CENA: EMPODERAMENTO, (IN)VISIBILIDADE
E REPRESENTATIVIDADE QUEER..............................................................................44
1.2 (IN)VISIBILIDADE E RESISTÊNCIA QUEER NA ESCOLA: RELAÇÕES DE
GÊNERO NA (MINHA) PRÁTICA ARTÍSTICO-PEDAGÓGICA................................53
2 AS FACES DA ESCOLA: ENTRE SEGREGAÇÃO, SILENCIAMENTO E
EMPODERAMENTO QUEER..........................................................................................63
2.1“ESCOLA SEM PARTIDO” E “IDEOLOGIA DE GÊNERO” (OU TENTATIVAS DE
DOMAR A ESCOLA): OUTROS OLHARES PARA O SKHOLE..................................71
2.2 DA PEDAGOGIA QUEER À PEDAGOGIA TEATRAL: AFETIVIDADE E
REPRESENTATIVIDADE “ARCO-ÍRIS” NA ESCOLA................................................75
3 ENSAIOS COM O DRAMA: OS DILEMAS DO PROFESSOR-ARTISTA
QUEER……………………………………………………………….…...………………85
3.1 OS PRIMEIROS PASSOS OU COMO APRENDI A CAMINHAR (CAMINHANDO):
ENTRE CONVERSAS E ESTÁGIOS, ENTRE LIVROS, LEITURAS E GRUPOS DE
ESTUDOS, ENTRE A TEORIA E PRÁTICA DO DRAMA……….…………...…..…88
3.2 ENTRE MATÉRIAS, GRUPO DE ESTUDOS E ORIENTAÇÕES: A LITERATURA, O
PRÉ-TEXTO E O CONTEXTO FICCIONAL…………………………………….……..92
3.3 “ESTÍMULO COMPOSTO”, “AMBIENTAÇÃO CÊNICA” E “ASSEMBLEIA DE
PERSONAGENS”: PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS PARA EMERGIR NARRATIVAS
QUEER NOS PROCESSOS PILOTOS……………………………………...……….....101
3.4 O PROFESSOR-ARTISTA APRENDIZ: DESCOBRINDO MEDIAÇÕES QUEER COM
A ESTRATÉGIA “PROFESSOR NO PAPEL”……………………..……………..…...115
4 “OH! QUE SAUDADES EU TENHO DA AURORA DA MINHA VIDA [...]”:
QUANDO O PROFESSOR-ARTISTA QUEER RETORNA À ESCOLA QUE
ESTUDOU E SE RECORDA QUE FORA UM ALUNO-ARTISTA QUALIRA
....………………………………………………………………………………………...127
4.1 PRIMEIRO DIA DE AULA NA TURMA 201: CONSTRUINDO OS PRIMEIROS
AFETOS E COMPARTILHANDO AS EXPERIÊNCIAS ARTÍSTICAS …………….131
4.2 INÍCIO DO PROCESSO O SEGREDO: 1º EPISÓDIO “A MOCHILA
MISTERIOSA”…………………………...………...…………………………………...134
4.3 ENTRE O 2º E 3º EPISÓDIOS: BULLYING E HOMOFOBIA NA ESCOLA
FICTÍCIA………………………………………………………………………………..139
4. 4 SOBRE QUANDO NOSSAS SUBJETIVIDADES ENTRAM EM (SALA) CENA:
REPRESENTATIVIDADE E AUTOBIOGRAFIA QUEER NO 4º EPISÓDIO……....147
4.5 DA ESCOLA À BOATE, DA SALA DE AULA AO CAMARIM DE MERRY: AS
FACETAS DE ANTÔNIO GABRIEL SÃO REVELADAS NO 5º EPISÓDIO……...159
4.6 O PÓS-PROCESSO DE DRAMA OU O EPÍLOGO QUEER: ENTRELAÇAMENTOS
DE EXPERIÊNCIA TEATRAL E DOS ESTUDOS QUEER NA ESCOLA……….….175
5 UM OLHAR PARA TRÁS… (OU COMO CONSTRUIR NOVAS REDES DE
AFETOS EM TEMPOS TENEBROSOS) …………………...…..…….................….187
REFERÊNCIAS………………………………………………….……….……….…..191
15

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa surgiu com base nas minhas experiências e inquietações artísticas
relacionadas às problematizações de gênero e sexualidade na escola. Durante minha prática
em sala de aula, como professor-artista, lecionando na educação básica em escolas públicas e
privadas de São Luís – MA, identifiquei que as relações de gênero e de sexualidade surgiam
nas aulas de teatro através dos processos criativos, das cenas improvisadas, dos experimentos
cênicos, dos jogos teatrais, bem como dos espetáculos.
A partir das experiências adquiridas em sala de aula e, principalmente, frente a minha
dificuldade em mediar as discussões relacionadas aos temas de gênero, sexualidade e queer
durante a prática docente, houve o despertar de meu interesse em investigar e sistematizar
minha prática artístico-pedagógica através da metodologia do Drama em diálogo com as
temáticas transversais LGBT+1 na escola.
O Drama, metodologia inglesa difundida no Brasil por meio das pesquisas da autora
Beatriz Cabral2 (2006), oportuniza a criação de um processo cênico investigativo, baseado na
delimitação de um contexto ficcional e na vivência de papéis. Assim, a partir de um contexto
fictício e com base num problema ou uma situação de tensão, os/as alunos/as e professor/a
podem vivenciar papéis ficcionais em diálogo com as situações propostas em cada processo,
com o objetivo de criar uma narrativa teatral coletiva (CABRAL, 2006; VIDOR, 2010;
PEREIRA, 2015; FREITAS, 2012; 2018; DESGRANGES, 2017).

1
Segundo Beatriz Lins, Bernardo Machado e Michele Escoura (2016, p. 11) “[...] as siglas LGBTI estão
sempre em processo de transição”, pois conforme discorrem “é preciso dizer que o movimento LGBT, bem
como as pessoas que ele representa, estão em contínuo processo de mudança. No início dos anos 1990 no
Brasil, por exemplo, a sigla mais utilizada era GLS – Gays, Lésbicas e Simpatizantes. Ao longo dos últimos
anos, novas demandas por reconhecimento de especificidades e de sujeitos que se sentiam invisíveis ou até
excluídos fez a sigla ser modificada. Portanto, as letras se alteram de acordo com o momento político e as
respostas que os movimentos sociais dão para as demandas e questões que emergem nos diferentes contextos
históricos. No momento da publicação desta edição, boa parte dos movimentos sociais e do poder público
assume a sigla LGBT para se referir à comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais,
por esse motivo a manteremos neste livro. Pode ser que novas transformações sociais alterem a formação das
siglas ou o rumo das demandas deste grupo exigindo desta publicação uma constante atualização para melhor
dialogar com o movimento” (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 11). Atualmente, verifico o uso da
sigla LGBTI, com inserção do “I” para representar as pessoas intersexuais, anteriormente identificadas como
hermafroditas. Nesta pesquisa utilizo as siglas LGBT+ com o intuito de incluir as identidades que porventura
vierem a agregar esta sigla, bem como LGBTI em partes nas quais opto em eluciar o “I” de pessoas
intersexuais.
2
Nesta pesquisa utilizo ainda como citação os nomes completos dos/as autores/as a fim de visibilizar as
escritoras e teóricas, pois ao citar somente o sobrenome, conforme a ABNT, acredito que existe
homogeneização acerca dos sobrenomes das mulheres, haja vista que muitos estão caracterizados,
gramaticalmente, como masculinos, dando a entender que são autores. Por isso, quando citar nos parágrafos
os autores e autoras irei utilizar os nomes e sobrenomes.
16

As primeiras aproximações com os estudos teóricos de gênero e sexualidade


ocorreram ainda na graduação, quando o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (PIBIC) na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) me oportunizou
investigar, no contexto da historiografia teatral maranhense, as performances de gênero na
construção dos/as personagens ludovicenses3 LGBT+ (gay, lésbica, bissexual,
trangêneros/trans/travesti, dentre outros/as).
Posteriormente, também tive oportunidade, como bolsista do Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), ainda no ambiente formativo da graduação, em
dar continuidade a estas pesquisas e reflexões no âmbito do ensino do teatro na escola.
Contudo, as problematizações estavam em torno da utilização do recurso do “travestismo”
(TREVISAN, 2002; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018) na construção das personagens
femininas, tendo em vista que as performances de gênero construídas pelos alunos
adolescentes reforçavam estereótipos de gênero em cena.
Assim, paralelamente à formação inicial na graduação, no curso de Licenciatura em
Teatro – UFMA, lecionava na rede privada de ensino nos segmentos da educação básica o que
me proporcionara verificar como as narrativas “qualiras”, expressão pejorativa para designar
homossexuais afeminados em São Luís – MA (RAMOS; SILVEIRA, 2012; SÁ-SILVA,
2012), adentravam ou eram silenciadas nas escolas nas quais lecionei.
Dessa maneira, tais experiências fizeram-me identificar o silenciamento e
invisibilidade das identidades LGBT+ na escola, embora com um corpo docente e discente
expressivamente homossexual e lésbico nas instituições. Verifiquei que mesmo tendo uma
imersão nos estudos teóricos de gênero, sexualidade e queer, ainda assim o contexto
educacional de cada instituição, bem como as relações de poder e a liberdade para tratar ou
não destes temas, influenciariam para que na minha prática artístico-pedagógica essas
discussões fossem abordadas em diálogo com a pedagogia do teatro.
No entanto, mesmo diante da invisibilidade e do silenciamento das narrativas queer na
escola, as discussões surgiram nas aulas de teatro: da educação infantil ao ensino médio.
Nesta perspectiva, interessava-me investigar nas abordagens teórico-metodológicas do ensino
do teatro caminhos de aproximações com os estudos queer com o intuito de criar processos
teatrais, com meus/minhas alunos/as em sala de aula, que problematizassem as normas
impostas pelo sistema heteronormativo.
Para esta pesquisa de mestrado, retornei às metodologias do ensino do teatro a fim de
buscar percursos de aproximações entre o teatro e os estudos queer na escola, com o objetivo
3
Expressão para designar pessoas naturais de São Luís – MA.
17

de dar visibilidade e representatividade para os corpos LGBT+ nos processos criativos em


sala de aula. Assim, das metodologias que estudei na graduação, o Drama era uma das quais
não tinha experimentado na prática e tinha o interesse em iniciar os estudos teórico-práticos,
considerando-se que abria possibilidade de criar uma narrativa teatral coletiva em diálogo
com temas transversais.
Dessa forma, retornei também ao livro Drama como método de ensino (2006) da
autora Beatriz Cabral, bem como me aproximei dos escritos da pesquisadora Heloise Vidor,
em Drama e teatralidade: o ensino do teatro na escola (2010), com o intuito de pensar nas
possibilidades de investigar, sob este viés metodológico, a potência artística para envolver
os/as estudantes na criação de narrativas queer na escola.
A metodologia do Drama permite mediar conhecimentos da área teatral em
conformidade com temas transversais, ao passo que também permite aos/as discentes
colocarem seus pontos de vista e experienciarem alteridades de consenso e dissenso ao
interpretarem diversos personagens e situações ficcionais, nas quais as relações de gênero e
sexualidade, principalmente das identidades LGBT+, estejam como protagonistas.
Portanto, através do Drama os/as alunos/as podem vivenciar experiências ficcionais
nas quais as relações de gênero e sexualidade, surgidas a partir do contexto sociocultural
destes/as, possam ser problematizadas a fim de desconstruírem discursos estereotipados
acerca das masculinidades e feminilidades, bem como da pluralidade LGBT+ na escola.
Neste sentido, os/as estudantes também se apropriam dos conteúdos da matéria de
teatro com base na experimentação prática, na fruição e contextualização dos saberes
artísticos mediante o fazer teatral coletivo em sala de aula. Assim, meu interesse em utilizar o
Drama no desenvolvimento deste estudo também esteve atrelado à possibilidade de contribuir
para difundi-lo no estado do Maranhão, considerando-se que os estudos deste método ainda
são pouco explorados e mediados nas escolas maranhenses.
Deste modo, a metodologia proposta nesta investigação está pautada na pesquisa
participante, na qual o/a pesquisador/a não somente adentra o campo de pesquisa e apreende
os conhecimentos assimilados dos sujeitos observados, mas sim promove diálogo com as
necessidades dos/as protagonistas que vivenciam a realidade que se almeja impactar, onde se
constroem as reflexões necessárias para problematizar as questões sociais e educacionais de
acordo com os objetivos da pesquisa. Assim, contribui-se para o desenvolvimento e
empoderamento dos/as sujeitos que participam deste processo formativo, social e educativo,
princípios da ação participante (BRANDÃO, 2008).
18

Ainda a respeito dos aspectos metodológicos da pesquisa utilizei como recurso o


diário de bordo, em diálogo com a pesquisadora Maria Marcondes Machado, a qual em seu
artigo intitulado O Diário de Bordo como ferramenta fenomenológica para o pesquisador em
artes cênicas (2002) descreve que o diário pode se tornar um registro literário e reflexivo dos
encontros, ensaios e processos.
Segundo a autora, “[...] o diário traduz a experiência pré-reflexiva da pesquisa [...]”,
por isso “[...] é que podemos chamá-lo de ferramenta fenomenológica [...]” (MACHADO,
2002, p. 261). Nesta pesquisa utilizei desse recurso, tendo em vista que o mesmo
proporcionou diagnosticar as experiências de apropriação da linguagem teatral, assim como
dos temas transversais de gênero, sexualidade e queer, ainda no decorrer do processo, em
cada episódio/aula de Drama.
Com relação aos diálogos entre a pedagogia teatral e estudos queer na escola, a
pesquisa aqui apresentada traz problematizações atuais dos campos teóricos de gênero e
sexualidade nas artes cênicas contemporânea para o contexto educacional. Por isso, com uma
proposta de introdução dos estudos queer na pedagogia do teatro no Brasil, a pesquisa
pretende aproximar e elucidar aos/as professores/as de teatro e demais profissionais da arte-
educação as recentes problematizações das noções de “visibilidade” e “representatividade
trans” (CARVALHO, 2019), além dos conceitos de “lugar de fala” (RIBEIRO, 2017) e
“interseccionalidade” (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016; AKOTIRENE, 2018) no
âmbito da cena contemporânea no país.
Estruturalmente, a pesquisa está dividida nos seguintes capítulos, a saber: 1º capítulo
intitulado Do qualira à qualiragem: narrativas de um aluno e professor-artista queer no
contexto educacional maranhense no qual partilho minhas narrativas como aluno e,
posteriormente, como professor de teatro e artista nos âmbitos da escola e universidade
públicas, bem como na cena teatral de São Luís – MA. Minhas narrativas estão entrelaçadas
com as vozes de pessoas LGBT+ de outras regiões do Brasil, através da Pesquisa Nacional
sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2015: as experiências de adolescentes e jovens
lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em nossos ambientes educacionais (2016),
objetivando discutir acerca das nossas experiências queer nos espaços sociais e educacionais.
Nesta perspectiva, aproprio-me dos vocábulos maranhenses “qualira” e “qualiragem”,
que equivalem respectivamente a “viado” e “viadagem” em diversos estados brasileiros, para
ressignificá-los como formas de empoderamento. Assim, descrevo as minhas narrativas
qualiras nas escolas nas quais estudei e lecionei na educação básica, paralelamente, discuto os
conceitos de gênero e sexualidade com base nos/as autores/as Guacira Louro (1997; 2001;
19

2016), Beatriz Lins, Bernando Machado, Michelle Escoura (2016), bem como performances
de gênero segundo Judith Butler (2017) e Sara Salih (2015).
Neste mesmo capítulo apresento outros termos e conceitos, a exemplo de
“masculinidade tóxica” (DUTRA, 2017) e “interseccionalidade” (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016; AKOTIRENE, 2018), associados ao campo teórico dos estudos queer.
Além das discussões a respeito da “representatividade queer” na pedagogia do teatro, baseado
nas reivindicações do Movimento Nacional de Artistas Trans (MONART) e da atriz Renata
Carvalho, por meio do “Manifesto Representatividade Trans”, publicado nas redes sociais em
2017 (JUNIOR; GOSCIOLA, 2018; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018; CARVALHO,
2019).
No 2º capítulo As faces da escola: entre segregação, silenciamento e empoderamento
queer, descrevo as facetas da escola para os corpos queer. Inicialmente, baseando-me nas
discussões das (hetero)normas de gênero e sexualidade (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019) e
pedagogia queer (LOURO, 1997; 2001; 2016) na escola, problematizo como os discursos e
práticas da heteronomatividade segregam e silenciam as nossas presenças e subjetividades no
contexto escolar.
Para isso, demonstro como as atuais discussões do movimento “escola sem partido”,
bem como as narrativas “ideologia de gênero” e “kit-gay”, além da ascensão dos discursos de
ódio no Brasil promovem os primeiros impactos na rotina de professores/as de arte queer na
escola. Neste sentido, compartilho as falas de alguns/mas professores/as de arte lésbicas, gays
e trans/travesti de algumas regiões do país, obtidas por meio de entrevistas com perguntas
semiestruturadas, a respeito das implicações da atual conjuntura discriminatória nas
instituições que lecionam.
Em seguida, aproximo-me dos estudos de Jan Masschelein e Maarten Simons (2015)
para lançar outros olhares para escola pública. Dessa forma, meu intuito é revelar a outra face
desta instituição e demonstrar que, neste ambiente ambíguo, no qual sofremos opressões,
também é o lugar que nos proporciona o que os autores definem como “skhole” ou “tempo
livre” para o estudo e não atrelado a imposições do sistema, nos emanciparmos.
Este conceito está atrelado às discussões que os autores apresentam acerca das origens
da escola pública na Grécia antiga, as quais visaram promover uma ruptura nos privilégios da
elite aristocrática grega que detinha o poder vigente. Ou seja, oportunizou um “tempo e
espaço” para aqueles/as que, por fatores como origem, raça ou natureza não aristocrática,
conforme ordem arcaica naquele período, não tinham este direito de acesso à escola pública.
20

Portanto, é com base no que Jan Masschelein e Maarten Simons (2015) apontam com
relação aos conceitos de “tempo livre”, “suspensão” e “tecnologias escolares”, intrínsecos à
materialidade da escola, como a matéria e a autonomia do/a professor/a, que problematizo as
ideias impositivas e reacionárias do movimento “escola sem partido”, que tentam domar a
escola pública e fissurar seus pilares democráticos.
Neste capítulo entrelaço ainda as discussões dos autores citados com relação ao/a
professor/a “amateur”, assim como do/a professor/a “de arte silvestre” segundo Jorge Larrosa
(2018) para discutir sobre o ofício do/a professor/a e as relações de afetividade à matéria, à
escola e aos/as alunos/as. Assim, relaciono estas questões com o/a professor/a de arte queer
apontando imbricações entre afetividade, representatividade, resistência e empoderamento na
pedagogia do teatro no atual contexto repressivo.
Posteriormente, no 3º capítulo Ensaios com o Drama: os dilemas do professor-artista
queer descrevo os percursos que segui para aproximar-me dos estudos teórico-práticos da
metodologia do Drama. Ao relatar os processos pilotos, com uma turma de pedagogia da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) em Florianópolis – SC e com alunos/as
do 2º ano do ensino médio do colégio Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago em São Luís
– MA, ambos os processos realizados em 2018, partilho os caminhos que segui para
compreender os principais conceitos desta metodologia.
Paralelamente às experimentações práticas retornei à teoria para estudar conceitos
como “pré-texto” e “contexto ficcional”, além de algumas estratégias do Drama como
“professor no papel”, “estímulo composto”, “assembleia de personagens” e “ambientação
cênica”. Nesta trajetória teórico-prática, e vice-versa, debruçava-me nos escritos dos/as
seguintes autores/as, a saber: Beatriz Cabral (1999; 2006; 2012), Flávio Desgranges (2017),
Heloise Vidor (2010), Diego Pereira (2015), Wellington Menegaz de Paula (2016), Tharyn
Freitas (2012; 2018), dentre outros/as.
Ainda neste capítulo, retomo as problematizações de “representatividade trans”
(LEAL, 2018; CARVALHO, 2019) e do conceito de “lugar de falar” (RIBEIRO, 2017) nas
artes cênicas para refletir de que forma estas discussões podem potencializar as poéticas
construídas nos processos artísticos em sala de aula. Enquanto no último capítulo, intitulado
“Oh! Que saudades eu tenho da aurora da minha vida [...]”: quando o professor-artista
queer retorna à escola que estudou e se recorda que fora um aluno-artista qualira, discorro
inicialmente sobre meu retorno à escola na qual estudei minha 8ª série, no Centro Educacional
Dr. Clarindo Santiago em São Luís – MA.
21

Assim sendo, por meio desta “estratégia afetiva”, como forma de resistência para criar
redes de afetos e compartilhar experiências artísticas e de alteridades na escola, adentro à sala
de aula para criar narrativas LGBT+ com alunos e alunas. Em seguida, partilho os episódios
do processo de drama O segredo construído com estudantes de uma turma do 2º ano do
ensino médio, no qual as narrativas criadas coletivamente acerca de um personagem chamado
A.G., permitiu trazer à tona o universo queer para dentro da sala de aula.
Por fim, nas minhas palavras finais Um olhar para trás… (Ou como construir novas
redes de afetos em tempos tenebrosos) faço uma breve reflexão apontando alguns caminhos
que, a meu ver, possam nos ajudar a pensar na construção de novas redes de afetos para
seguirmos resistindo nesta atual conjuntura de desmontes do ensino público e do direito à arte
na escola.
22
23

1 DO QUALIRA À QUALIRAGEM: NARRATIVAS DE UM ALUNO E PROFESSOR-


ARTISTA QUEER NO CONTEXTO EDUCACIONAL MARANHENSE

[...] Os estudantes LGBT precisam ser tratados como são os estudantes


heterossexuais. Não queremos ser tratados de maneira privilegiada, nem queremos
ser melhor que os outros. Queremos direitos como qualquer outro cidadão. É
preciso fazer isso logo, o mundo não percebe, mas somos tão humanos quanto os
outros, porém estamos morrendo. O preconceito está nos matando. A cada vez que
você ofende uma pessoa LGBT, o seu senso de valor é destruído. Lembre-se mais
uma vez, somos tão humanos quanto os outros, mas estamos morrendo. E ninguém
tem notado essa injustiça. (Depoimento de um estudante gay, 17 anos, estado de São
Paulo. PESQUISA NACIONAL SOBRE AMBIENTE EDUCACIONAL NO
BRASIL PARA ESTUDANTES LGBT+, 2016, p. 11).

Recordo-me que quando criança todos os elementos culturalmente associados ao


universo feminino, no contexto do interior nordestino, me encantavam: os vestidos, os saltos
altos, os batons, além dos brinquedos como casinhas, panelinhas e bonecas. Entretanto, sabia
que ousar burlar as normas binárias4 de gênero, ainda que não soubesse exatamente o que isso
significava, e usar elementos do vestuário feminino, era algo proibido.
Assim, como um estrangeiro que se aventurava por terras desconhecidas, algumas
vezes eu “clandestinamente” burlava as normas e, escondido, no fundo do quintal brincava,
com meus primos e primas, de casinha e também de fazer bonecas. Logo, folhas de bananeira
amarradas na ponta de um graveto eram ressignificadas como cabelos, os mais diversos tipos:
longos, curtos, lisos e cacheados.
Destas recordações infantis que transgrediam as normas binárias de gênero, relembro-
me de um dia no qual brincava com minhas primas de casinha, com bonecas Barbie, ursos,
dentre outros brinquedos culturalmente associados ao universo feminino, quando fui
surpreendido pelos olhares repressivos da minha tia, que me alertara: Fernandinho, meninos
não brincam de boneca. Meninos brincam de bola (em referência ao futebol).
Essas primeiras histórias demonstram como as normas binárias de gênero e de
sexualidade transitavam entre o meu mundo lúdico do faz de conta “cor de rosa” e a realidade
coercitiva que determinava “os lugares de meninos e meninas”5. Compreendo que estas

4
Padrões estereotipados de masculinidade e feminilidade que definem papéis sociais rígidos para os “lugares
de meninos e meninas” desde a infância, os quais se perpetuam através de discursos e práticas sociais, além
de se materializarem nos espaços sociais como a família e a escola. Estes discursos e práticas inferiorizam
homens e mulheres que não se adéquam a tais padrões, por exemplo, gays afeminados, lésbicas
masculinizadas e pessoas trans/travestis. A estes corpos, que fogem ao binarismo de gênero e sexualidade,
lhes resta a discriminação e LGBTfobia (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016).
5
Faço referência e crítica à fala da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo
Bolsonaro Damares Alves, a qual no início da sua gestão afirmou que: “menino veste azul e menina veste
rosa”. Conforme reportagem daquele período “[...] com essa simples frase, a Ministra Damares sintetizou a
“nova era” em que estamos ingressando no Brasil. De nova, sabemos que essa era do binarismo de gênero e
24

experiências transgressivas no meu mundo “cor de rosa” não necessariamente determinaram


minha orientação sexual, pois acredito que na infância estas brincadeiras fazem parte desta
tenra idade. Todavia, ressalto que para as crianças que se percebem LGBT+ desde muito
cedo, esses lugares de “meninos e meninas” são normas que antecipam um prelúdio de que
nossas existências são subversivas, silenciadas e invisibilizadas.
Para os/as autores/as Beatriz Lins, Bernando Machado e Michelle Escoura (2016),
estudiosos/as de gênero na educação, esses “lugares de meninos e meninas”, impostos no
cotidiano, determinam padrões estereotipados de masculinidade e feminilidade desde a
infância. No livro Diferentes, não desiguais: a questão de gênero na escola (2016) os/as
autores/as discorrem gênero como:
[...] um dispositivo cultural, constituído historicamente, que classifica e posiciona o
mundo a partir da relação entre o que se entende como feminino e masculino. É um
operador que cria sentido para as diferenças percebidas em nossos corpos e articula
pessoas, emoções, práticas e coisas dentro de uma estrutura de poder (LINS;
MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 10).

De acordo com Beatriz Lins, Bernando Machado e Michelle Escoura (2016) as


discussões de gênero são intrínsecas às relações sociais, construídas através de discursos e
práticas nos diversos espaços e atreladas aos dispositivos de poder determinando as
construções de masculinidades e feminilidades dos corpos sexuados.
Para a autora Flora Dutra (2017) no decorrer dos períodos históricos no Ocidente
houve rupturas com os modelos hegemônicos do feminino e masculino, sobretudo com as
problematizações do feminismo na segunda metade do século XX. No entanto, o que ainda
prevalece são modelos estereotipados de gênero, com formas limitadas para o “ser homem” e
“ser mulher” em determinados contextos, instaurando diversas maneiras de discriminação dos
corpos que fogem da lógica binária e heterossexual.
Tais papéis de gênero, como afirma a autora (2017), na perspectiva na qual estou
apontando, determinam os corpos dos homens como “viris”, “fortes”, “másculos”,
“provedores”, “dominadores”, enquanto as mulheres são inferiorizadas como “passivas”,
“frágeis”, “delicadas”, “cuidadoras e afetivas”. Entretanto, os estudos de gênero enquanto

de sexualidade não tem nada. Tampouco é nova a posição de setores progressistas que estão diminuindo e
relativizando a gravidade das declarações de uma autoridade do Estado brasileiro. Aliás, trata-se da primeira
fala pública de uma ministra de direitos humanos. [...] As declarações da Ministra Damares têm reflexo na
vida do menino afeminado que usa cor de rosa e sofre bullying, da menina trans que não consegue ir na
escola, das mulheres que são espancadas por seus maridos. Isso não é diversionismo. Isso é efeito concreto de
ideologia na vida das pessoas.” Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/menino-veste-azul-
menina-veste-rosa/. Acesso em: 10 mai. 2019.
25

uma categoria analítica problematiza essa visão “de que a biologia (o corpo, a genitália, os
hormônios) determina totalmente o comportamento dos indivíduos (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016, p. 27). Assim sendo, este campo epistemológico oportuniza problematizar
os lugares rígidos de masculinidade e feminilidade.
Dessa forma, gênero como categoria de análise neste estudo está atrelado as
demarcações nas relações sociais, entre homens e mulheres (cis 6, trans, não-binário, dentre
outros), em determinadas sociedades e contextos históricos. Portanto, tais relações de gênero
são construídas em sociedade, cotidianamente, a partir do viés binário em espaços com a
família, a escola, dentre outros contextos sociais.
Neste sentido, essas coerções binárias de gênero e também da imposição da
heterossexualidade atravessaram a minha formação ainda na infância. Inicialmente, no seio
familiar e, aos poucos, se estenderam ao âmbito escolar, seguindo por todos os espaços sociais
nos quais adentrava. Logo, essas normas de gênero lembravam-me que eu deveria adequar-me
às regras do jogo, que já estavam historicamente impostas e as quais eu teria que seguir, sem
questioná-las e por muito tempo não as questionei, somente senti mutilarem meu corpo
feminino-masculino-híbrido, minha voz afeminada, minhas atitudes “baquiosas/afeminadas”,
meu jeito de ser e estar no mundo.
As experiências de gênero e sexualidade que descrevo neste capítulo a partir das
minhas narrativas estão associadas aos estudos queer, campo teórico que se ocupa das pessoas
que subvertem a heteronormatividade7 compulsória, a saber: gays, lésbicas, homens e
mulheres trans/travestis, dentre outros/as (LOURO, 1997; 2016; LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016; FURLANI, 2016; BUTLER, 2017).
Como assinala a autora Sara Salih, em escritos a respeito de Judith Butler e a teoria
queer (2015), os estudos queer surgem com base nas divergências e contestações suscitadas
nos movimentos feminista8, gay e lésbico, sob influência também das correntes de análise

6
“Cisgênero são pessoas cuja identidade de gênero está de acordo com o gênero que lhe foi atribuído ao
nascer, correspondente à sua genitália (pênis e vagina). Por exemplo, se uma pessoa nasce com uma
vagina, provavelmente será educada para ser uma mulher, isso é, socialmente será generificada para agir,
pensar e sentir como uma mulher. Caso essa pessoa de fato se entenda como mulher, então ela é cisgênero.
Se, contudo, essa pessoa não se identifica como mulher, mas sim como homem, então ela será uma
pessoa trans” (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 124 – grifos meus).
7
“Heteronormatividade: é suposto que as pessoas possuam naturalmente o desejo heterossexual. Isto é, parte-
se do pressuposto de que ser heterossexual é a norma e o ideal a ser seguido; qualquer tipo de comportamento
que se distancie da heterossexualidade é considerado um desvio, uma doença e/ou um problema” (LINS;
MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 126).
8
Para mais informações a respeito das “ondas” do feminismo e dos estudos de gênero indico a leitura das
referências: Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista, da autora Guacira Lopes
Louro (1997) e Diferentes, não desiguais: a questão de gênero na escola, dos/as autores/as Beatriz Lins,
Bernando Machado e Michelle Escoura (2016).
26

pós-estruturalista e psicanalítica. Houve também a contribuição das teorizações do filósofo


Michel Foucault (2017) a respeito de como as categorias analíticas de sexo e sexualidade são
construídas através de discursos que criam normas e disciplinam os corpos em determinados
períodos históricos e culturais, à luz das relações de poder.
Os estudos queer pretendem problematizar a linearidade construída nas categorias
sexo, gênero e desejo como construções “naturais e fixas”. Isto é, que ao nascer
homem/mulher, necessariamente tem-se que construir performances de gênero atreladas à
masculinidade/feminilidade e orientação sexual hétero (SALIH, 2015; BUTLER, 2016;
2017).
A autora Judith Butler, em seu livro Problemas de gênero: Feminismo e subversão da
identidade (2017), problematiza as construções das categorias “sexo como natural” e “gênero
como social”, como visava o movimento feminista e os estudos gays e lésbicos da segunda
metade do século XX. Dessa forma, é com o objetivo de problematizar as identidades gays e
lésbicas como fixas e imutáveis que os estudos queer irão discutir os conceitos de gênero, de
sexo e de sexualidade como performatividades que são construídas no corpo através de
discursos e práticas (des)construindo masculinidades e feminilidades (SALIH, 2015;
BUTLER, 2016; 2017).
Portanto, foi através de um termo que outrora fora um xingamento para designar
pejorativamente homossexuais nos Estados Unidos que os estudos queer se apropriaram para
se afirmarem como um movimento teórico, político e de resistência contra as segregações da
heteronormatividade. É a partir desta perspectiva queer que lanço olhares para minhas
experiências de bixa afeminada9 para compartilhá-las e demonstrar que até aqui minha voz
queer não foi silenciada neste processo de resistência.
Ao escrever a respeito das experiências queer aqui expostas, nas quais retorno às
minhas memórias infantis e juvenis no âmbito da educação básica no estado do Maranhão,
recordo-me com nostalgia e, ao mesmo tempo, com extremo pesar das narrativas que me
atravessaram na escola pública como aluno homossexual afeminado.

9
No contexto LGBTI+ existem algumas expressões para designar as formas como alguns sujeitos se
expressam que, neste métier, identifica-os como: homossexual afeminado (àquele que tem trejeitos femininos
na voz, na corporeidade e na forma de se expressar), também às vezes associado aos gays afeminadas e poc,
que são as bixas maquiosas. Há também termos como “Barbie” para identificar aquele gay másculo (homem
musculoso “narcisista” que cultua seu corpo malhado), gay cowboy (àquele que também é másculo, mas
mantém um aspecto mais “rústico”), gay urso (homem gordo, peludo e “fofinho”, que é associado aos ursos),
boneca (termo associado às travestis, pois remete a “se montar” e aspectos de feminilidade). Esses termos
dependendo das circunstâncias podem trazer aspectos pejorativos ou positivos. No decorrer deste estudo
utilizo alguns termos, como por exemplo, “bixa”, “viada” e “qualira”, como forma de subversão e
empoderamento.
27

Estes escritos, nos quais me debruço para compartilhar tais experiências, materializam
não somente os meus atravessamentos, mas de alguma forma também dialogam com as
narrativas de muitos/as alunos/as LGBTI+ no Brasil, país no qual mais se mata pessoas
homossexuais, lésbicas e transexuais/travestis no mundo, conforme dados da Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABLGBT) na obra
intitulada Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2015: as experiências
de adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em nossos
ambientes educacionais (2016)10 e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais
(ANTRA)11.
Deste modo, frente às barbáries que massacram nossos corpos, cotidianamente, o
contexto escolar nos mostra as seguintes faces: uma acolhe e emancipa, enquanto a outra
segrega e renuncia. São de ambas as faces dessa instituição que pretendo tratar nestes escritos,
na perspectiva de um ex-aluno e atual professor-artista homossexual afeminado, entrelaçada
por outras narrativas de pessoas LGBT+, a fim de compartilhá-las e demonstrar como, sob o
ponto de vista dos corpos que subvertem as dicotomias binárias de gênero e sexualidade, a
escola torna-se “mocinha” e “vilã”.
Neste sentido, aponto também como, apesar dos nossos corpos ocuparem o espaço
escolar, ainda há uma invisibilidade das identidades LGBT+, sobretudo da homossexualidade
enquanto orientação sexual, bem como da identidade de gênero trans no âmbito da escola.
Estas interseccionalidades (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016; AKOTIRENE, 2018) de
gênero, sexualidade, raça, etnia, religião, classe, dentre outras são atravessadas por discursos,
construídos sob relações de poder nos diversos âmbitos socioculturais, determinando as
vivências de cada sujeito em sociedade.
Como ressalta Guacira Louro (1997; 2001; 2016), estudiosa das discussões de gênero
na educação, apesar destas interseccionalidades, entre as questões de gênero e sexualidade, é
necessário distinguir o que se entende por identidade de gênero e orientação sexual. Para a
autora as identidades sexuais são constituídas através das formas como as pessoas vivem suas
sexualidades:
[...] com parceiros/as do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os sexos ou sem
parceiros/as. Por outro lado, os sujeitos também se identificam, social e
historicamente, como masculinos ou femininos e assim constroem suas identidades

10
O título desta obra será denominado nesta pesquisa como Pesquisa Nacional sobre Ambiente Educacional no
Brasil para estudantes LGBT+. Utilizo narrativas, destes/as adolescentes e jovens LGBT+ em ambientes
educacionais, no decorrer da dissertação.
11
“A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), é uma rede que articula em todo o Brasil mais
de 200 instituições, a fim de desenvolverem ações para a promoção de direitos o resgate da cidadania da
população de Travestis e Transexuais” (ANTRA, 2018, p. 1-8).
28

de gênero. Ora, é evidente que essas identidades (sexuais e de gênero) estão


profundamente inter-relacionadas; nossa linguagem e nossas práticas muito
frequentemente as confundem, tornando difícil pensá-las distintivamente. No
entanto, elas não são a mesma coisa. Sujeitos masculinos ou femininos podem ser
heterossexuais, homossexuais, bissexuais (e, ao mesmo tempo, eles também podem
ser negros, brancos, ou índios, ricos ou pobres etc.). O que importa aqui é considerar
que — tanto na dinâmica do gênero como na dinâmica da sexualidade — as
identidades são sempre construídas, elas não são dadas ou acabadas num
determinado momento (LOURO, 1997, p. 26 - 27).

Dessa maneira, em uma sociedade heteronormativa, a identidade de gênero cis e a


sexualidade hétero, são as “legitimadas”, as demais pluralidades de gênero (transgênero e
não-binário) e de orientação sexual (homossexual, bissexual, assexuado e pansexual) são
marginalizadas, renegadas e silenciadas.
Para melhor compreensão da pluralidade de gênero e de sexualidade e, também, com o
intuito de elucidar as distinções entre identidade de gênero e orientação sexual, compartilho o
quadro (1) abaixo, o qual intitulei de “Muito mais que uma sopa de letrinhas”. A síntese,
criada a partir do Glossário da diversidade (2017) dentre outras referências12, pode contribuir
para exemplificar acerca das identidades LGBTI+.

12
Em algumas das referências consultadas o verbete “queer” está definido como uma identidade, associada às
vezes com as pessoas não-binárias. Todavia, neste estudo utilizo o queer como campo epistemológico, um
conceito que abrange todas as subjetividades que constroem performances de gênero e sexualidade não
heteronormativa. Assim, este quadro foi elaborado a partir de leituras de livros e artigos que discutem os
significados dessas siglas, assim como das demais, a saber: bigênero, agênero, demigênero, pangênero,
gênero fluido, dentre outras. Para mais informações sugiro as seguintes referências: Glossário da diversidade
(2017), Gêneros não-binários: identidades, expressões e educação (2016), de autoria de Neilton dos Reis e
Raquel Pinho, As fronteiras da educação: a realidade dxs estudantes trans no Brasil (2019) de autorias de
Andréia Cantelli, Fernanda Pereira, Julia de Oliveira, Nicholas Tozo e Sayonara Nogueira. Além do livro
Diferentes, não desiguais: a questão de gênero na escola (2016) de Beatriz Lins, Bernando Machado e
Michele Escoura.
29

Quadro 1 – Muito mais que uma sopa de letrinhas

São pessoas lésbicas que possuem identidade de gênero (cis e/ou trans) feminina e sentem atração
L
afetiva e sexual por pessoas que também têm identidade de gênero (cis e/ou trans) feminina.

G São pessoas gays que possuem identidade de gênero (cis e/ou trans) masculina e sentem atração
afetiva e sexual por pessoas que também têm identidade de gênero (cis e/ou trans) masculina.

Enquanto bissexuais são pessoas que têm identidade de gênero (cis e/ou trans) masculina e/ou
B feminina e sentem atração por pessoas de ambas identidades de gênero (cis e/ou trans) feminina e
masculina.

Categoria que abrange pessoas que se identificam como transgêneros, homens ou mulheres
T trans/travestis. Ou seja, não se identificam com o sistema cisgênero o qual determina que se o
homem e/ou mulher nasceu com pênis/vagina, deve construir performances de gênero condizente
com o sexo biológico, construindo performatividades masculina e/ou feminina e atração afetivo-
sexual heterossexual. Assim sendo, pessoas trans/travestis podem ter orientação sexual hétero,
bissexual, homossexual, dentre outras.

I As pessoas intersexuais, anteriormente identificadas como hermafroditas, nascem com


características genéticas masculina e feminina, inclusive com ambas genitálias (pênis e vagina).
Esta categoria está associada as questões biológicas.

Pessoas não-binárias rompem com o sistema normativo e binário, os quais definem formas
N rígidas para “ser homem e ser mulher” em sociedade. Assim, não-binários/as constroem
performances de gênero que não estão associadas somente a masculinidade e feminilidade, criam
outra possibilidade de vivência de gênero mais ambígua. São pessoas que não desejam se
enquadrar nestas normas rígidas de masculinidade e feminilidade.

Pessoas pansexuais sentem atração afetivo-sexual por pessoas cisgênera, transgênera e não-
P binária. Ou seja, sentem atração por pessoas, independente do seu gênero e/ou orientação sexual.
Ressalto ainda que esta atração se restringe somente a pluralidade sexual e de gênero, não inclui
animais, nem plantas, como erroneamente se dissemina acerca da pansexualidade.

A assexualidade se caracteriza pela ausência de atração sexual ou pouco interesse nas atividades
A sexuais. Dessa forma, os/as assexuais se relacionam com pessoas, todavia as práticas sexuais não
são o fim para as vivências da afetividade. Se difere também da “abstinência sexual e do
celibato”, tendo em vista que estes são comportamentos, em geral, motivados por questões de
crenças individuais ou religiosas.

Atualmente o movimento LGBTI+ utiliza-se do sinal de “+” para agregar as demais identidades
+ que não são contempladas, explicitamente, na escrita ou pronúncia, a saber: demissexualidade,
androssexualidade, dentre outras, além das diversas práticas sexuais, que também são adicionadas
pelo movimento, haja vista que fazem parte do âmbito da sexualidade e das vivências sexuais.
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.
30

Primeiramente destaco como o quadro acima possibilita a compreensão que as siglas13


LGBTI+ demarcam as identidades de gênero cis, trans e não-binária e a orientação sexual
homossexual (lésbicas e gays), bissexual, pansexualidade, assexualidade, além de dar
visibilidade às pessoas intersexuais, ressaltando que identidade de gênero é diferente de
orientação sexual.
É importante frisar, a partir do quadro apresentado, que a transgenereidade 14
caracteriza pessoas trans/travestis/transgêneros. Reitero ainda que o gênero é uma construção
social, construído sob corpos sexuados, que não necessariamente seguem a dinâmica do sexo
biológico15, construindo sujeitos do gênero feminino, masculino, não-binário, dentre outros
(REIS; PINHO, 2016; LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016; PEREIRA; OLIVEIRA;
TOZO; NOGUEIRA, 2019).
Segundo as autoras Raewyn Connel e Rebecca Pearse (2015) corpos marginalizados
são aqueles/as que subvertem as normas binárias de sexo/gênero resultando num “padrão
intermediário, misturado ou nitidamente contraditório, para os quais usamos termos como
afeminado, afetado, queer e transgêneros” (CONNEL; PEARSE, 2015, p. 39).
Nesta perspectiva é que nossos corpos queer, numa sociedade heteronormativa, serão
invisibilizados e silenciados. Tais marcas de silenciamento e invisibilidade acompanharam-
me durante toda a minha trajetória estudantil na educação básica. Sou natural de São Luís -
MA, entretanto, parte da minha vida estudantil residi entre a ilha do amor, a capital
maranhense, e o município de Acoque, no interior do estado. Esses percursos às vezes eram
por questões familiares, outras por causa das inúmeras greves no setor municipal e estadual de

13
A pesquisadora Dodi Leal (2018, p. 12) faz ressalvas com relação ao uso destas siglas, destacando que “o
hábito de justapor formas identitárias de sexualidade às transgeneridades como LGBT, LGBTT, LGBTQIA+,
etc., apesar de aproximadamente nos últimos 60 anos terem sido mecanismos de resistência que
proporcionaram direitos a grupos oprimidos, contém fracassos de interpretação das opressões das quais
procuram dizer respeito. As transgeneridades nos convocam a reinventar todas as formas e noções que
empreendemos de sexualidade até aqui”. Assim sendo, com base nas discussões da contrassexualidade do
teórico Paul Preciado, a autora Dodi Leal problematiza a segregação com que as siglas associam “gosto ou
não-gosto” de determinados corpos. Para mais informações a respeito destas discussões indico a leitura da
tese de doutorado Performatividade transgênera: equações poéticas de Reconhecimento recíproco na
recepção teatral (2018).
14
“Transgeneridade: transgênero ou ‘trans’ são termos utilizados para reunir, numa só categoria, travestis,
como sujeitos que realizam um trânsito entre um gênero e outro” (GÊNERO E DIVERSIDADE NA
ESCOLA: FORMAÇÃO DE PROFESSORAS/ES EM GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL E RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS, 2009, p. 14). Recentemente a Classificação Internacional de Doenças e Problemas de
Saúde retirou a transexualidade da lista do CID como “doenças mentais”, para classificá-la na categoria de
“saúde sexual”. Disponível em: https://nacoesunidas.org/oms-anuncia-retirada-dos-transtornos-de-identidade-
de-genero-lista-saude-mental/. Acesso em: 3 set. 2018.
15
“Sexo biológico é o que pode ser identificado como referencial do corpo da pessoa: o órgão genital, a
combinação genética ou hormonal. Socialmente falando, o sexo biológico define o indivíduo como fêmea,
macho ou intersexo (pessoas que nascem com elementos de ambos os sexos). O sexo biológico não define a
identidade de gênero, nem a orientação sexual das pessoas” (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 130).
31

educação, na qual a única oportunidade para continuar estudando seria retornar para o interior
com o intuito de concluir o ano letivo.
Das memórias que tenho lembranças, ainda nos primeiros anos do ensino fundamental,
as demarcações socialmente atribuídas ao gênero feminino marcavam o meu corpo infantil:
dos “trejeitos afeminados”, passando pela voz socialmente caracterizada como extremamente
feminina, até nas preferências por brincadeiras que também transgrediam as normas binárias
da heteronormatividade no espaço escolar.
Atualmente percebo como na minha infância as relações de gênero e os padrões
rígidos eram pautados em noções de masculinidade “viril” e “máscula” em oposição ao
feminino “dócil” e “frágil”, as quais estão associadas ao sistema patriarcal, machista e
LGBTfóbico. Assim, os arranjos disciplinares nos quais os estudos de gênero compreendem
por “masculinidade tóxica” (DUTRA, 2017) insistiam em lembrar-me que, mesmo em tenra
idade, meu corpo de bixa afeminada ocupava espaços que borravam as fronteiras de gênero e
que este peculiar anseio pelo universo feminino marcaria toda minha trajetória estudantil entre
bullying e homofobia.
Logo, as lições, livros, letras, números, boletins, histórias de personagens e todo o
universo lúdico da escola, contrastavam com o estridente soar da sirene do horário do recreio,
no qual entre brincadeiras de “meninos” e “meninas”, os xingamentos e bullying se tornariam
os protagonistas, acompanhando-me como uma sombra por toda minha trajetória escolar.
Destas brincadeiras infantis, algumas demarcavam rigidamente os limites das fronteiras dos
gêneros masculino/feminino, as quais não deveriam ser burladas, a saber: brincar de boneca,
casinha, elástico, futebol, dentre outras.
Aos poucos os discursos a respeito dos territórios de “meninos” e “meninas”, das
“coisas de meninos e meninas”, além dos xingamentos de “viado”, fresco, biba, mulherzinha,
mariquinha, gilete16, bicha/bichinha, baitola, boiola, frutinha, qualira, dentre outros, seriam a
sombra que iria recordar-me que meu corpo transgredia aquelas normas, com as quais eu
deveria adaptar-me ou sofreria as coerções diariamente. Apesar de ter escolhido resistir e
permanecer ocupando o espaço que também me era de direito, o percurso até a escrita destas
páginas me traz estas recordações, entre silenciamentos e necessidade de representatividade
queer na escola, além de anedotas homofóbicas.

16
Alusão pejorativa à bissexualidade, na qual segundo a expressão popular, referia-se às pessoas que “cortam”
de ambos os lados.
32

Qualquer “criança viada”17, isto é, aquela que já se percebe como afeminada (figura
1), ainda na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, ao compreender-se
enquanto “diferente”, ao dar-se conta que seu corpo ocupa o espaço binário da escola,
imediatamente cria mecanismos de resistência para sobreviver e adaptar-se às regras do jogo,
ou seja, adequar-se às normas heteronormativas do contexto escolar.

17
Faço referência à obra da artista Bia Leite Criança viada, a qual em 2017 foi envolta em discursos de ódio,
repressão e censura na exposição “Queermuseu – Cartografias da diferença na Arte brasileira”, organizada e
patrocinada pelo Santander Cultural de Porto Alegre. “[...] Grupos contrários à mostra, como o Movimento
Brasil Livre (MBL), alegam que alguns dos quadros expostos fazem apologia à zoofilia, à intolerância
religiosa e à pedofilia – como a série de pinturas intitulada ‘Criança Viada’, de Bia Leite. As telas mostram
desenhos de meninos com dizeres como ‘criança viada travesti da lambada’ e ‘criança viada rainha das
águas”. Segundo aqueles que se revoltaram contra o trabalho, tais quadros sexualizam a imagem das crianças,
além de colocá-las num contexto vexatório. Segundo Bia, o intuito do trabalho é dar visibilidade a crianças
cuja vivência foge aos padrões heteronormativos. “Nós, LGBT, já fomos crianças e esse assunto incomoda.
Sou totalmente contra pedofilia e contra abuso psicológico de crianças. O objetivo do trabalho é justamente o
contrário. É que essas crianças tenham suas existências respeitadas”. A reportagem segue discorrendo sobre a
inspiração da obra de Bia Leite “O conceito da série assinada por Bia nasceu por meio de uma página criada
no Tumblr pelo jornalista e ativista LGBT Iran Giusti. ‘O Criança Viada surgiu em 2013, quando resolvi
juntar as fotos dos amigos e amigas que já eram ‘pintosos’ na infância. Em questão de dias, acabou virando
uma celebração da comunidade LGBT”. Em resposta ao cancelamento do Queermuseu, Iran resolveu reativar
o Tumblr nessa quarta-feira (13). Cerca de 24 horas depois, no entanto, a página foi tirada do ar. O motivo?
Denúncias de que o conteúdo remete à pornografia infantil. “[...] Não tem nenhuma foto de crianças nuas ou
fazendo poses eróticas. A gente está apenas falando sobre expressão de gênero. O lance é que as pessoas não
veem maldade no projeto e nem nas fotos, elas simplesmente acreditam que ser LGBT e não cumprir a
heteronormatividade é errado, e usam a justificativa da pedofilia para censurar e proibir que falemos sobre
gênero na infância”, finaliza Iran Giusti. Disponível em: https://mdemulher.abril.com.br/cultura/crianca-
viada-o-que-esta-por-tras-da-obra-que-gerou-revolta/. Acesso em: 15 jun. 2018.
33

Figura 1 – As crianças viadas na família e na escola

Fonte: Fotomontagem elaborada pelo autor a partir de imagens que fazem referências à obra
Criança viada de Bia Leite, 2019.

Neste sentido, será na infância que nossos corpos LGBT+ irão transgredir os espaços
binários e normativos da sociedade. As crianças LGBT+, assim como eu, que subvertem a
heterormatividade serão marginalizadas e insultadas de crianças afeminadas, viadas,
masculinizadas, dentre outros termos. Posteriormente, na adolescência e na idade adulta irão,
possivelmente, afirmar-se enquanto homossexuais afeminados ou não, lésbicas
masculinizadas ou não, homens trans masculinizados, hormonizados ou não e mulheres
trans/travestis femininas, hormonizadas ou não.
Assim sendo, foi ainda na infância, no contexto da educação infantil, que comecei a
perceber, nas poucas e turvas memórias que tenho desse momento no interior do Maranhão,
que meu corpo homossexual afeminado violava as binaridades da heterossexualidade. Mesmo
não sabendo, obviamente, o que seriam essas discussões, acredito que toda criança viada sabe
e sente que é “diferente”, quando comparada ao entorno do seu convívio familiar, escolar e
contexto social heteronormativo e binário.
34

Nesta etapa formativa, ainda na primeira infância, as cores foram os primeiros indícios
a determinar a segregação de gênero, pois o azul para “menino” e a cor rosa para “menina”
ultrapassavam as tonalidades do pintar na disciplina de arte, definiam que lápis, caderno,
mochila, lancheira, brinquedos (especificamente bonecas e carrinhos) demarcavam rígidos
universos de masculinidade e feminilidade. Além das brincadeiras infantis que também
produziam e determinavam os lugares “do ser menino” e “ser menina”, numa perspectiva
machista, sexista e heteronormativa.
Logo percebi, já nas séries iniciais do ensino fundamental, que meu modo de ser e
estar no mundo, vivenciando minha performatividade de gênero atrelada ao feminino
(BUTLER, 2016; 2017) incitaria a fúria homofóbica em alguns alunos, a ponto de ser
perseguido, cotidianamente, em sala de aula, no intervalo e na hora da saída. As perseguições
se tornariam constantes, por um aluno em especial, do qual eu fugia e preferia não sair da sala
durante o intervalo, segurando a vontade de fazer “xixi” até o término das aulas, somente para
“poupar-me” dos xingamentos de “viadinho” e da vergonha de sofrer aquelas agressões.
A violência de gênero no âmbito escolar é uma constante nas instituições brasileiras,
conforme apontam os dados da Pesquisa Nacional sobre Ambiente Educacional no Brasil
2015: as experiências de adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais em ambientes educacionais (2016) acerca da receptividade da escola com
alunos/as LGBT+, que traz informações a respeito de preconceitos, violências físicas,
discriminações, evasão escolar, dentre outros dados.
A pesquisa revela narrativas de violência, homofobia, transfobia, lesbofobia e bifobia,
ou seja, LGBTfobia nos espaços escolares no Brasil. As narrativas expostas nessa pesquisa18
convergem com as minhas memórias como aluno gay afeminado, conforme exemplos citados:
[...] Certa vez ao sair da escola com a minha amiga (lésbica), dois garotos da nossa
sala nos perseguiram até quase chegarmos à minha casa (moro a 5 km da escola).
Enquanto corríamos com medo, os dois gritavam coisas como: aberrações, filhos do
capeta, abominação e coisas do tipo.
Depois do ocorrido fui para a escola por mais uma semana, e depois desisti de
estudar aquele ano (2015), pois não me sentia seguro.
(Depoimento de um estudante gay, 16 anos, estado do Mato Grosso).

[...] Teve uma vez que estávamos na aula de física aí o professor começou a falar
mal das mulheres lésbicas e que todas deviam morar em Paris (de acordo com ele é
porque lá tem muitas lésbicas), então me senti muito mal pois ele sabia que eu era
lésbica [...] Fiquei muito constrangida e com raiva. Também tive várias conversas

18
Nesta pesquisa entrelaço minhas reflexões com as vozes de pessoas LGBT+ nos dois primeiros capítulos,
além das falas de alunos/as extraídas do diário de bordo, no quarto capítulo. Por isso, optei em utilizar este
formato quando me referir a essas narrativas, diferenciando-as das citações teóricas convencionais no
decorrer do texto.
35

com orientadores da escola, porque pra eles era uma fase e não deveria interferir na
minha passagem pela escola.
(Depoimento de uma estudante lésbica, 18 anos, estado de Santa Catarina).

[...] Não sei se alguém vai estar lendo isso, mas quem quer que seja, se você
passa/passou pelas mesmas coisas que eu ou até piores, pois infelizmente isso é
possível, não desista não! Por mais que às vezes isso tudo seja duro de aguentar, mas
pensa que você não está sozinho. Fisicamente falando, talvez, mas pensa em um
apoio espiritual, de energias positivas, que eu e quem mais temos de lidar com isso
deseja aos nossos parceiros, irmãos de luta.
Não desista, resista!
E o maior de tudo, se aceite e se ame, pois não tem nada de errado nisso
(Depoimento de uma estudante lésbica, 15 anos, estado do Espírito Santo.
PESQUISA NACIONAL SOBRE AMBIENTE EDUCACIONAL NO BRASIL
PARA ESTUDANTES LGBT+, 2016, p. 27-71).

Essas são histórias vivenciadas por alunos/as LGBT+ nas escolas brasileiras, as quais
também sintetizam algumas das minhas experiências no ensino fundamental e médio. Assim
como o estudante de Mato Grosso, também por diversas vezes preferi prolongar o percurso de
retorno para casa, caminhando por outras ruas distantes, para evitar encontrar aquelas
“famosas rodinhas” de rapazes na saída da escola, temidas por qualquer criança/adolescente
viada, pois sabia que sofreria agressões verbais.
Entretanto, ao contrário do relato do jovem, apesar de todas as coerções que sofri na
educação básica por ser homossexual afeminado, eu nunca pensei em desistir da escola. Eu
sempre acreditei na escola por perceber que aquele espaço me oportunizava acessos a saberes
que não teria no seio da minha família, haja vista que tanto minha mãe quanto meu pai eram
analfabetos. De tal modo, foi na escola que aos poucos eu fora emancipado no mesmo
ambiente no qual meu corpo queer era (in)visibilizado. Isso se dava através da apropriação de
conhecimentos mediados pelos/as professores/as, bem como a partir das aulas, da biblioteca,
dos livros, das relações interpessoais em sala de aula e da arte/teatro.
No ensino fundamental, por exemplo, as coerções de gênero e por orientação sexual,
eram explícitas dentro de algumas disciplinas normativas, principalmente educação física; o
que se associa com o depoimento da estudante de Santa Catarina. O banheiro ou vestiário
também é um espaço escolar no qual são acionados diversos tipos de violências contra
pessoas LGBT+. Algumas dessas violências decorrem das agressões verbais, enquanto outras
marcam os corpos.
Esses corpos também começam, a partir do término da infância e início da
adolescência, não somente a delimitarem as transições da puberdade, mas também das
mutilações e até do suicídio, como descreve a pesquisa acerca das experiências LGBT+ na
36

escola (PESQUISA NACIONAL SOBRE AMBIENTE EDUCACIONAL NO BRASIL


PARA DISCENTES LGBT+, 2016).
Paralelamente, durante minha trajetória do ensino fundamental ao ensino médio, a
escola revelava além da realidade destacada nestes relatos, experiências afetivas e a
autonomia nas seguintes disciplinas: português com as aulas de literatura, artes visuais e
teatro com as apresentações teatrais, bem como sociologia, filosofia e história, nas quais
destaco além dos conteúdos, as professoras, que sempre me instigaram e incentivaram a
exemplo da professora Ely Cristina, de história (7º ano do ensino fundamental) e Conceição
Ramos, de sociologia (1º ano ensino médio).
Naquela época talvez eu não compreendesse, mas atualmente ao revisitar essas
recordações, acredito que as docentes me incentivaram não somente pelo gosto e dedicação
constante aos estudos, mas também pelo fato de perceberem que minha homossexualidade
seria um “sinal” que marcaria o meu percurso de escolaridade, e que mesmo com todas as
adversidades, que posteriormente surgiriam no meu caminho, eu não poderia desistir.
No ensino médio, já residindo efetivamente na cidade de São Luís – MA, o teatro se
instaurou definitivamente na minha vida escolar. Comecei a participar do grupo de teatro da
escola, no qual realizei apresentações e participei do festival de teatro estudantil. As
experiências no grupo de teatro com meus/minhas amigos/as e professor, Anderson Pinheiro,
foram essenciais para continuar estudando arte e, em seguida, adentrar o curso de Licenciatura
em Teatro da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Foi naquele período que me afirmei como homossexual e acredito que as experiências
nas artes cênicas contribuíram para este processo de afirmação. Antes de me assumir, ainda na
adolescência, sofria conflitos sobretudo por causa da minha família. Depois da minha
revelação como homossexual houve um breve afastamento familiar. A relação foi
posteriormente recuperada quando tive acesso ao ensino superior. Portanto, diferente de
muitos/as amigos/as LGBT+, eu não tive “problemas” subjetivos neste processo de
“aceitação” da homossexualidade, pelo contrário, quando “sai do armário” e tive a
oportunidade de exteriorizar e declarar-me, iniciou meu ativismo queer.
Por outro lado, afirmar-me como gay e, sobretudo, decidir cursar teatro, resultou na
minha expulsão de casa. A partir do ensino médio houve uma reviravolta na minha vida e fui
morar na casa de estudantes secundaristas do Maranhão, a qual abrigava rapazes do ensino
médio e superior em situação de vulnerabilidade. Essa experiência foi extremamente
importante na minha formação individual, da qual me orgulho e tenho gratidão.
37

A exclusão é uma realidade na vida de LGBT+ no Brasil. Ao afirmarem suas


orientações sexuais ou identidades de gênero trans, tais pessoas se sentem excluídas dos
âmbitos familiar e escolar. Assim, a exemplo daqueles/as LGBT+ que decidem permanecer e
resistir na escola, por perceberem o espaço escolar como um importante lugar de emancipação
e empoderamento ou mesmo como o único ambiente digno (não necessariamente sempre
acolhedor) para ser incluído/a em sociedade diante de todo processo de exclusão social, eu
também continuei resistindo no âmbito educacional.
De tal modo, esse processo de empoderamento permeado de cicatrizes e percalços na
escola, apesar das dificuldades e máculas ocasionadas pelas diversas desigualdades do
processo escolar/intelectual, foi uma experiência para o meu amadurecimento como discente
queer e, atualmente, enquanto professor-artista queer.
Como importante fato de emancipação no processo de escolarização, destaco quando o
professor de teatro da escola, Anderson Pinheiro, teve que se desligar da instituição, tendo em
vista que havia finalizado seu contrato e eu resolvi continuar com as aulas de teatro na escola,
criando um grupo teatral e realizando montagens na própria instituição, bem como em
comunidades e com apresentação no Teatro Alcione Nazaré - MA.
Embora eu tenha organizado espetáculos no colégio desde o ensino fundamental, foi
somente através da aproximação dos conhecimentos teóricos, assim como da apropriação da
prática da linguagem teatral mediadas pelo professor de teatro Anderson Pinheiro, por meio
do processo criativo da montagem de Hamlet Machine de Heiner Muller, que obtive a
oportunidade desse primeiro empoderamento intelectual através da imersão no campo
artístico, o que foi determinante para que eu continuasse meus estudos teatrais no ensino
superior.
Além do auditório da escola, no qual ensaiávamos os espetáculos, outro espaço escolar
foi muito significativo para minha formação: a biblioteca. Foi na descoberta dos livros, a
exemplo do misterioso e encantador O mundo de Sofia, de Jostein Gaarder, em especial do
instigante Dom Casmurro, de Machado de Assis, do apaixonante O primo Basílio, de Eça de
Queiroz e, sobretudo, com a coleção impressionante e transgressiva das peças míticas de
Nelson Rodrigues, que a emancipação intelectual e o deleite pela leitura me atravessariam.
O contato com a obra de Nelson Rodrigues foi fundamental e libertador naquela
época, peças como Anjo Negro, Álbum de Família, Dorotéia e Senhora dos Afogados, as
quais compunham a coleção de peças míticas, foram fascinantes naquele período de
adolescência. Assim, foi por meio da dramaturgia que comecei a descobrir outras facetas da
homossexualidade a partir da obra de Nelson Rodrigues. Em seguida, montei com meu grupo
38

de teatro da escola alguns fragmentos de Álbum de Família, dentre eles a cena de


homossexualidade da personagem Glória, a qual ainda que tenha sido construída numa
proposta poética em que as personagens tocavam com as mãos os lábios uma da outra, apenas
sugerindo um beijo lésbico, proporcionou um choque na escola.
Ainda no ensino médio, outro momento de emancipação foi com a experiência na
iniciação científica como pesquisador júnior, com o projeto Ler e escrever: um direito de
todos. Um perfil do aluno do CEGEL, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) no qual iniciei minhas
primeiras experiências na pesquisa e nas apresentações em eventos científicos. Dessa forma,
ressalto essa experiência como importante empoderamento intelectual que demonstra a escola
como um espaço no qual nossos corpos queer sofrem coerções, mas também são
empoderados através da educação, conforme apontarei no decorrer deste estudo.
O projeto supracitado, criado pela professora Tereza Cristina da matéria de português,
visou diagnosticar as dificuldades de leitura dos/as estudantes da escola na qual eu estudava.
Além de identificar as problemáticas, realizávamos ações de estímulo à leitura, como por
exemplo, a biblioteca ao ar livre. Assim, duas vezes por semana, nos intervalos, eu e os/as
demais bolsistas montávamos, embaixo de uma árvore dentro da escola, uma biblioteca com
empréstimo de livros, leituras de poemas e apresentações teatrais.
Nesta perspectiva, na mesma escola na qual sofria processos de coerções por meu jeito
de ser e estar no mundo, era o ambiente que me proporcionava “tempo livre” 19
(MASSCHELEIN; SIMONS, 2015) para acesso ao conhecimento, a partir da mediação de
professores/as que me tocavam com suas afetividades e disponibilidades para compartilhar os
saberes científicos, artísticos e culturais, experiências pelas quais fui me apropriando para ter
emancipação.
Por isso, ao compartilhar as narrativas qualiras/queer pretendo lançar novas
perspectivas acerca da escola pública, na qual estudei e onde acredito poder oportunizar
igualdade (na pluralidade) para acesso ao ensino público de qualidade, principalmente no
atual contexto no qual discursos de setores do governo Bolsonaro tentam marginalizar a
educação pública no Brasil.

19
Para os autores Jan Masschelein e Maarten Simons (2015) a instituição escolar proporciona um tempo e
espaço no qual, distantes da família e anseios da sociedade, os/as alunos/as têm a oportunidade de se dedicar
aos estudos e ao seu processo de emancipação intelectual. No seguinte capítulo, irei retomar a essas questões
discorridas pelos autores no livro Em defesa da escola (2015), o qual fundamenta minha visão a respeito da
escola como lugar de empoderamento dos corpos queer.
39

Deste modo, neste estudo não pretendo somente problematizar a escola na atual
conjuntura social e política, para condená-la como instituição coercitiva dos corpos queer,
quero também defendê-la, por acreditar que, ainda sob este olhar queer, este é o espaço no
qual somos emancipados intelectualmente. É na escola que aprendemos também (ou
esperamos aprender) a lidar com a diversidade dos corpos e das subjetividades, além de
entendermos que existem outras formas de viver e outros arranjos familiares distintos ou
parecidos com os nossos.
É ainda na escola que percebemos que nossa educação também depende de outras
pessoas, com as quais aprendemos, além do nosso seio familiar. Portanto, nestes escritos
tenho interesse em dar luz a estes entrelaçamentos das faces da escola, mostrando momentos
dos quais compreendo como meu empoderamento, e também, de segregação e silenciamento
dos nossos corpos LGBT+. Por isso, estes escritos entrelaçam momentos de empoderamentos
e segregações.
Neste sentido, meus momentos de emancipação no contexto escolar estavam
imbricados também com silenciamentos. Ou seja, embora o processo de autonomia como
aluno-artista, um meio de me afirmar como homossexual afeminado e ocupar o espaço na
escola, se consolidasse ainda no ensino médio, não me isentava das agressões homofóbicas.
Segundo a Pesquisa Nacional sobre Ambiente Educacional no Brasil 2015: as
experiências de adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em
ambientes educacionais (2016) o ensino médio é a etapa da educação básica na qual muitos/as
educando/as LGBT+ desistem da escola, como discorre a estudante transexual do Distrito
Federal entrevistada para a pesquisa:
É uma situação complicada ser transexual e tentar concluir o ensino médio.
Diariamente tenho que lidar não só com pessoas que acham que estou confuso ou é
apenas uma fase e que estou errado em ser quem sou, mas também com pessoas que
não compreendem o que significa «transexual».
A escola não sabe o que fazer comigo, pois não possui regras sobre estudantes
«transexuais», logo é desorganizada a questão do nome social, assim passo por
muitos constrangimentos com a chamada e com a «carteirinha». Muitas vezes chego
em casa chorando, pois fui constrangido, sofri preconceitos ou exclusão.
Dói o meu peito ao pensar que se fosse cisgênero minha vida seria melhor, seria um
menino branco de classe média alta, com notas boas e muitos amigos.
(Depoimento de uma estudante trans, 17 anos, Distrito Federal. PESQUISA
NACIONAL SOBRE AMBIENTE EDUCACIONAL NO BRASIL PARA
ESTUDANTES LGBT+, 2016, p. 64).

Como destacado no relato da estudante trans, o processo de transição da identidade de


gênero de homens e mulheres trans nesta etapa formativa torna a permanência na escola mais
difícil, haja vista as constantes discriminações. Pois, o período da adolescência, o qual
coincide com o ensino médio, é a transição mais complexa para qualquer LGBT+, porque
40

além de ter que lidar com todas as questões corporais e psicológicas intrínsecas a esse
processo de desenvolvimento, as conturbações da sexualidade e identidade de gênero também
compõem essas experiências. Além das dificuldades nas relações familiares, será na escola
que os conflitos desta fase se tornarão mais explícitos, principalmente por motivos de insultos
e humilhações.
No contexto educacional de São Luís – MA, por exemplo, das formas de
discriminações e humilhações que sofremos, a expressão “qualira” é uma das mais utilizadas
para designar, pejorativamente, os gays masculinos. Tal expressão também fez parte das
minhas memórias como aluno homossexual na escola, assim como de inúmeros LGBT+ que
ocupam os espaços educacionais ludovicenses.
De acordo com as autoras Theciana Silveira e Conceição Ramos (2012) essa expressão
linguística, tipicamente ludovicense, para designar o homossexual masculino de forma
pejorativa, surgiu durante o período carnavalesco ainda no século XX nas mediações do
Centro Histórico de São Luís – MA, no qual um brincante/músico com “trejeitos afeminados”
tocava o instrumento musical chamado lira. Para as autoras, esta expressão tornou-se parte do
cotidiano dos/as habitantes de São Luís – MA como uma forma de xingamento referente aos
homossexuais.
O pesquisador e professor Jackson Ronie Sá-Silva, em sua tese de doutorado intitulada
“Homossexuais são...”: revisitando livros de medicina, psicologia e educação a partir da
perspectiva queer (2012), discorre como as expressões populares “qualira” e seu sinônimo
“qualiragem” são “[...] operações que insistem em apontar e desqualificar homens
interpretados como dóceis, passivos, femininos e frágeis” (2012, p. 19).
Ainda acerca desses insultos que, discursivamente, marcavam chagas em nossos
corpos LGBT+, Jackson Sá-Silva (2012, p. 19) descreve que, para designar os homens “[...]
além do típico qualira, outros termos faziam parte do vocabulário depreciativo: veado, boiola,
florzinha, frutinha, rapaz-alegre, bicha, bichona, mulherzinha, fresco, maricas, maricona,
dentre outros”. Em relação as mulheres, estas eram chamadas pejorativamente das seguintes
expressões “butch”, “[...] sapatão, sapatona, sapata, saboeira, mulher-macho, lésbicas” (SÁ-
SILVA, 2012, p. 19).
No ambiente escolar ludovicense os termos homossexual e gay também têm
expressiva utilização. Destaco ainda, que as pessoas trans e travestis também são xingadas,
cotidianamente, como “traveco”, uma forma pejorativa que menospreza a identidade de
gênero trans e a feminilidade das mulheres trans/travestis, insistindo em chamá-las por
xingamentos que tentam legitimá-las como pertencentes ao gênero masculino. Além de
41

“bonecas”, “travecas”, “travas”, “travestis”, “lindas”, “fofas”, “poderosas”, “princesas” e


“damas de paus” (SÁ-SILVA, 2012).
Quanto aos homens trans os xingamentos visam deslegitimar suas masculinidades,
conforme discorre Nicolas Moritz20, homem trans, ator e discente do curso de Licenciatura em
Teatro da UDESC:

[...] Falando da minha própria experiência, quando se trata de xingamento por ser homem
trans, a maioria é uma tentativa de desqualificar a minha masculinidade ao se referir a mim
com pronomes femininos, a querer afirmar que sou uma mulher, a me chamar de sapatona
[...]. As violências que passei geralmente foram simbólicas e feitas por meio de covardia,
com pessoas que utilizam da comodidade de uma rede social para me atacar. Não teriam a
coragem de fazer isso na minha cara. São pessoas covardes e mesquinhas.
(Nicolas Moritz, em relato para esta pesquisa, 2019).

Dessa forma, tais insultos visam deslegitimar os corpos queer e silenciá-los. A


negação das masculinidades e feminilidades de acordo com cada identidade LGBT+ constrói
marcas em nossos corpos que nos oprimem e insistem em nos silenciar. Por isso, reafirmo que
existir é resistir cotidianamente, sobretudo no Brasil, país que mais assassina LGBT+ no
mundo (ANTRA, 2018; GRUPO GAY DA BAHIA, 2019).
Ainda a respeito dos homens cis afeminados e homens trans, por exemplo, estes são
atravessados negativamente pelo machismo e também pela masculinidade tóxica (DUTRA;
2017), que designa uma noção de masculinidade estereotipada que associa o ser homem à
agressão, brutalidade, não demonstrar suas emoções e afetividade. Além de atingir os corpos
masculinos, essa masculinidade tóxica afeta também seu entorno social, familiar,
relacionamentos, dentre outros.
Em relação aos corpos dos homens cis homossexuais afeminados, os quais são
classificados como anormais tais como prevaleceram com base nos discursos normativos
médicos e religiosos (SÁ-SILVA; ALMEIDA, 2011; SÁ-SILVA, 2012). Quando esses corpos
são associados às representações do feminino são tidos como abjetos e inferiores, quando
relacionados à figura masculina, com seus arranjos de estereótipos de masculinidade tóxica,
também são marginalizados e inferiorizados.
Para o autor Jackson Sá-Silva (2012) qualira e sua qualiragem adentram o âmbito
escolar e se impregnam discursivamente, recordando aos/as LGBT+ que seus corpos
constroem performatividades subversivas de gênero e sexualidade. Em seus escritos o autor
(2012) relata a respeito das suas memórias docente, como professor qualira, quando lecionara
na educação básica, recordando de narrativas que eram perpetuadas no espaço da escola:
20
Depoimento cedido por Nicolas Moritz, através de conversa em redes sociais, acerca da sua experiência como
homem trans no atual contexto retrógrado do Brasil, realizado no primeiro semestre de 2019.
42

Na entrada e saída da escola, nos pátios, nos corredores, nas salas de aula, enfim, em
todos os espaços da estrutura escolar não parava de soar qualira. Qualira para
identificar os/as supostos/as homossexuais, qualira para intimidar, qualira para fazer
chacota, qualira para falar mal, qualira para apontar docentes, funcionários/as e/ou
corpo pedagógico. Eu era (e ainda sou!) identificado como qualira. Em muitos
momentos, transitar pela escola era insuportável. Já sabia o que iriam dizer: “lá vem
o qua qua da Biologia”, “esse qualira só quer ser”, “se esse qualira me reprovar
acabo com o carro dele”, “ele até é bonito, mas é qualira”, “adoro as aulas desse
qualira”, “o qualirão aí sabe muita Biologia cara!”, aprendi Biologia com esse
qualira que vai passando aí”, “se ele não fosse qualira, namoraria com ele”, “olha
como o qualira rebola!”, “esse qualira merece é porrada”, “ainda dou uma
surra nesse veado qualira que me reprovou nessa porra de matéria no ano
passado” (SÁ-SILVA, 2012, p. 19-20 – grifos meus).

Essas narrativas perpassam as memórias de qualquer criança qualira, adolescente


qualira e professor/a qualira no contexto educacional de São Luís - MA, como xingamentos
que marcam, ferem, atravessam e excluem nossos corpos LGBT+ e reafirmam que ocupar o
espaço da escola para ser acolhido/a e emancipar-se requer resistência. Como ressalta Jackson
Sá-Silva (2012) essas narrativas transbordam entre sentimentos de medo, revolta e indignação
durante cada ano letivo vivenciado na escola, quer seja como aluno/a, quer seja como
professor/a:

Acredito que sentimentos como medo, revolta e indignação pairavam pelas mentes
dos inúmeros qualiras nas instituições de ensino médio onde trabalhei como
professor de Biologia. Hoje, fazendo uma releitura da situação, percebo que a marca
qualira carrega inúmeras intenções. Intenções às vezes claramente percebidas
porque expõem agressões físicas e verbais. Outras vezes são sutis e silenciosas
onde a tática é não dizer, não agredir, deixar o recado nas entrelinhas, olhares,
gestos, mudanças bruscas no tom da voz e nas expressões faciais. O não dito
expele micro-partículas de intolerância. Os olhares sorrateiros e de reprimenda
fortificam a “certeza” de que “o outro” é o “problema”. Os grãos de rejeição a
cada dia soprados no rosto dos qualiras servem para estruturar o alicerce de
um muro que deve separar (SÁ-SILVA, 2012, p. 19-20 – grifos meus).

Como relata Jackson Sá-Silva (2012) o âmbito escolar será o espaço no qual, depois
da família, as pessoas LGBT+ mais sofrem violências simbólicas e verbais/físicas, o que o
autor aponta como táticas sutis, que com olhares discriminam, com gestos impõem normas e
condutas heteronormativas que violam corpos que não se adéquam a tais regulamentos, “[...] o
não dito expele micro-partículas de intolerância” (SÁ-SILVA, 2012, p. 19).
Ainda de acordo com a perspectiva de Jackson Sá-Silva (2012) essa intolerância e
preconceito reverberam por todos os espaços da escola assinalando que “[...] os grãos de
rejeição a cada dia soprados no rosto dos qualiras servem para estruturar o alicerce de um
muro que deve separar” (SÁ-SILVA, 2012, p. 19-20). Pois, como também aponta Guacira
Lopes Louro (1997; 2001; 2016) o âmbito escolar, como instituição social, também reproduz
discursos heteronormativos de segregação das diversidades sexuais e de gênero.
43

Entretanto, na contramão dos discursos de homofobia e transfobia no contexto


educacional de São Luís - MA, atualmente existe uma apropriação do termo, o qual se
assemelha a expressão americana queer, também utilizado inicialmente de forma pejorativa
para se referir aos gays nos Estados Unidos e, posteriormente, ressignificado como forma de
afirmação da identidade sexual, política e teórica (LOURO, 1997; 2001; 2016; FURLANI,
2016; BUTLER, 2017).
Na contemporaneidade em diversos métier LGBT+ os/as qualiras utilizam as seguintes
expressões como forma de apropriação, identificação e afirmação da identidade sexual, a
saber: “arrasa, qualira!”, “vai, qualira!”, “essa qualira arrasa”, “que arrasante, qualira!”, “e aí,
qualiraaaaa”. Estas expressões, que outrora foram insultos, atualmente fazem parte do
cotidiano das pessoas gays, lésbicas e travestis/trans. Estes termos que feriam nossa
dignidade, que abaixavam nossas cabeças, ultimamente produzem outras sonoridades, que
legitimam, afirmam e empoderam LGBT+ qualiras.
Dessa forma, o termo que fora um xingamento, para menosprezar e humilhar LGBT+,
atualmente é ressignificado pelos próprios sujeitos insultados, como também ressalta a autora
Tertuliana Lustosa no artigo intitulado Manifesto traveco-terrorista (2016). Para Tertuliana
Lustosa (2016) ressignificar os termos do seu cotidiano, e das demais travestis, como “bafo”,
“traveco”, “cuceta” proporciona outros sentidos de pertencimento e empoderamento de
palavras que outrora eram para menosprezar seus corpos. Desta maneira, a autora (2016)
sugere uma nova apropriação de conceitos dos estudos de gênero para o contexto brasileiro,
como forma de afirmação e empoderamento das vivências de pessoas transexuais brasileiras
em diálogo decolonial.
Atualmente, os insultos característicos da realidade dos/as LGBT+ brasileiros/as
começam a ser problematizados, ressignificados e apropriados por pesquisadores/as dentro e
fora das universidades no país. Assim, qualira para mim atualmente é muito mais que uma
forma de desmoralização e afronta, é uma forma de apropriação e empoderamento, que denota
resistência a qualquer forma de opressão e preconceito. Por isso escolhi os termos qualira e
qualiragem para intitular estas narrativas qualiras que compõem a minha história de
qualiragem.
44

1.1 ENTRE A UNIVERSIDADE E A CENA: EMPODERAMENTO, (IN)VISIBILIDADE E


REPRESENTATIVIDADE QUEER

Ainda existe tanto preconceito; é tão angustiante se sentir sozinho, sem


compreensão, com os xingamentos; somos considerados uma escória, se não fosse
por alguns poucos amigos que compreendem nossa batalha diária; vejo o futuro
com tanto pessimismo, que tristeza. (Depoimento de um estudante gay, 21 anos,
estado do Piauí. PESQUISA NACIONAL SOBRE AMBIENTE EDUCACIONAL
NO BRASIL PARA ESTUDANTES LGBT+, 2016, p. 11).

Durante a vivência no curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do


Maranhão (UFMA), o processo de empoderamento qualira que perpassava a resistência no
cotidiano da educação básica, na universidade se consolidou na minha práxis teatral, da
ribalta à cena da sala de aula.
Neste sentido, algumas experiências, atravessadas pela temática queer, foram
significativas para delinear meu percurso até o mestrado da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC). Dentre estas destaco participações em disciplinas curriculares do curso de
Licenciatura em Teatro – UFMA, nas quais tive a oportunidade de desenvolver projetos
artístico-pedagógicos, bem como em projetos de iniciação científica e docência, além de
extensão e intercâmbio acadêmico.
A partir das experiências citadas, aproximei-me das discussões de gênero, sexualidade
e queer, as quais contribuíram para o meu processo de emancipação e afirmação, agora como
artista-pesquisador, com imersão nos estudos de gênero e queer no contexto artístico e,
posteriormente, com esses temas no âmbito da pedagogia do teatro. Dessa forma, durante
minha trajetória acadêmica, foi por meio da iniciação científica que a construção da
autonomia como discente e pesquisador no âmbito de uma instituição pública se tornou
novamente essencial para o meu empoderamento como aluno homossexual.
Assim sendo, foi através do projeto de iniciação científica Corpo e gênero: a
construção discursiva da identidade não heteronormativa no teatro ludovicense
(2013/2015)21, no qual investiguei espetáculos que utilizavam o recurso do travestismo para
representar personagens femininas (mulheres cis e trans), que as narrativas LGBT+
protagonizaram meus escritos científicos, dando voz a personagens que foram invisibilizados
no panorama do teatro brasileiro, com um recorte no teatro maranhense.

21
Esta pesquisa, em seguida, se tornou meu trabalho monográfico intitulado Divas, lindas, sintéticas ao natural:
travestismo na cena teatral ludovicense (2017), no qual tracei a historiografia da cena de travestimento em
São Luís – MA.
45

Conforme apontam Newton Moreno (2002; 2003), José Silvério Trevisan (2002),
Ferdinando Martins (2010) e Manoel Friques (2018), pesquisadores/as dos estudos queer no
teatro, as primeiras manifestações de rompimento com uma “cena heteronormativa” em prol
da visibilidade LGBT+ nos palcos e dramaturgia no teatro brasileiro ganharam notoriedade,
de forma ainda tímida, no início do século XX.
No entanto, foi a partir da segunda metade do século passado que as questões queer
adentraram os palcos impulsionadas pelas ideias de equidade dos movimentos feminista, gay
e lésbico, bem como de igualdade racial e identitário de pessoas negras. Além da liberdade
sexual propagada pelos/as hippies e da histórica “Revolta de Stonewall Inn” ocorrida num
famoso bar na rua Stonewaal Inn22, nos Estados Unidos, em junho 1969. Esse bar era o único
lugar no qual gays, lésbicas, travestis e drag queens podiam frequentar, tendo em vista a
segregação e preconceito que sofriam na época (LOURO, 2001; TREVISAN, 2002;
MORENO, 2002; 2003).
Nesta perspectiva, aos poucos fui me apropriando do entendimento dessa cena teatral
queer, a qual fora silenciada no decorrer da historiografia teatral. A primeira imersão teórico-
prática de compreensão da referida cena queer foi proporcionada durante a oficina Corpo,
gênero e sexualidade no teatro brasileiro, realizada pelo professor e pesquisador dos estudos
de gênero e queer no teatro, Ferdinando Martins, da Universidade do Estado de São Paulo
(USP), durante o I Festival de Teatro Universitário Ponto de Vista – UFMA (2013).
Outra vivência importante foi a oficina A construção da travestilidade como
personificação do ator performático, ministrada pelo ator e diretor Silvero Pereira, durante a
programação do Palco giratório (2014), evento realizado anualmente pelo Serviço Social do
Comércio (Sesc) – MA. Ainda neste evento assisti o espetáculo Uma flor de dama, do
coletivo cearense As Travestidas com atuação e direção de Silvero Pereira23.

22
Após frequentes batidas policiais neste bar, em junho 1969 em Nova Yorque, LGBT+ se rebelaram contra as
ações truculentas da polícia e enfrentaram os policiais, ocasionando manifestações que se estenderiam
durante aquela semana. No ano seguinte, LGBT+ se encontraram no mesmo local para continuar a luta por
respeito e igualdade. Posteriormente, essas primeiras manifestações de resistência se tornariam as paradas
gay/LGBT+ e se espalhariam pelos demais países demonstrando a luta por equidade (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016). Para aprofundar o entendimento deste marco para a história do movimento LGBT+
indico também os documentários: As Revoltas de Stonewall (2010), de Kate Davis, A morte e a vida de
Marsha P. Johnson (2017), de David France e Antes de Stonewall (2019) de Greta Schiller.
23
Em reportagem para o site El país o artista Silvero Pereira fala sobre sua experiência com as questões queer
no interior do Ceará e como o teatro foi libertador na sua trajetória, afirmação e ativismo LGBT+ nos palcos.
Além de destacar como as reivindicações do movimento trans, por mais representatividade na arte, foi
determinante na construção de sua personagem no filme Bacurau (2019) “Originalmente, no roteiro, Lunga
seria uma mulher trans, mas a gente decidiu não fazer isso por respeitar a importância da representatividade.
Eu falei [aos diretores]: se vocês quiserem que seja de acordo com o roteiro original, vão ter que procurar
uma atriz trans. Mas se me querem no filme, podemos buscar outras maneiras de realizar. E aí Lunga
veio queer. Não abrimos mão desta identidade nas unhas, no olho, nas tatuagens, no que eu sinto por dentro.
46

Essas experiências de imersão nos estudos teóricos da história do teatro em diálogo


com as discussões de gênero e sexualidade, assim como no processo criativo do coletivo As
Travestidas e a fruição do espetáculo, me oportunizaram as primeiras aproximações com
outros discursos queer no teatro. Particularmente, na cena teatral de São Luís – MA, comecei
a problematizar as montagens que traziam somente a figura caricata das personagens
femininas (mulheres cis, mulheres trans e gays afeminados), sobretudo nas comédias do
gênero dramático besteirol, que lotavam (e lotam!) os teatros ludovicenses.
Neste sentido, faço um breve preâmbulo trazendo algumas obras/personagens da
dramaturgia brasileira com temáticas ou protagonismo queer para evidenciar não somente as
possíveis origens das discussões de visibilidade e representatividade queer no teatro, mas
também demonstrar como a cena LGBT+ sempre esteve presente na historiografia teatral
brasileira, ainda que invisibilizada diante de um teatro heteronormativo (MORENO, 2002;
2003; FRIQUES, 2018).
Os primeiros personagens gays surgiram na peça A separação de dois corpos, de
Qorpo Santo e O patinho torto, de Coelho Neto, ainda em fins do século XIX, com
representações caricatas. Em seguida, nas primeiras décadas do século XX autores como
Oswald de Andrade (O rei da vela) e Nelson Rodrigues (Álbum de família, O beijo no asfalto
e Toda nudez será castigada) trouxeram a temática da homossexualidade para a cena teatral
(MORENO, 2002; 2003; TREVISAN, 2002; MARTINS, 2010; FRIQUES, 2018;
FERRARESI, 2018).
Posteriormente, foi por meio da visibilidade para as discussões marginalizadas da
homoafetividade e transgeneridade em personagens como o homossexual Vando, em Navalha
na carne, de Plínio Marcos, bem como através da icônica travesti Geni da Ópera do
malandro, de Chico Buarque até a Dama da noite, conto de Caio Fernando Abreu, que
também se popularizou tanto como obra literária queer, quanto nos “palcos purpurinados”
brasileiros, que LGBT+ adentraram à dramaturgia nacional (MORENO, 2002; 2003;
TREVISAN, 2002; MARTINS, 2010; FRIQUES, 2018; FERRARESI, 2018).
Ainda entre os primeiros anos de 2000, obras como Agreste, de Newton Moreno e
Pororoca de Zen Salles, exemplificam peças que trazem personagens descobrindo a

Mas isso não está no primeiro plano porque a sexualidade de Lunga não é o principal argumento para a
existência dessa personagem. O que mais interessa é algo que está no filme inteiro. É que a comunidade não
se importa se uma mulher trans vive com dois homens, se a médica vive com outra mulher, que por sua vez
se relaciona com um michê. A comunidade não se incomoda com absolutamente nada, então porque os
espectadores iriam se incomodar com a sexualidade de Lunga?”. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/23/cultura/1569265659_610072.html. Acesso em: 15 set. 2019.
47

homossexualidade, ambas ambientadas no interior do Nordeste (MORENO, 2002; 2003;


TREVISAN, 2002; MARTINS, 2010; FRIQUES, 2018; FERRARESI, 2018).
Após compreender os recortes da (in)visibilidade da cena queer no teatro brasileiro
surgiram-me algumas inquietações e problematizações dos discursos poéticos que associavam
personagens LGBT+ sempre atrelados ao estereótipo e construção burlesca. Assim sendo,
comecei a investigar propostas artísticas que construíssem outras visões para os corpos queer
em cena. Entretanto, essas investigações cênicas só ganharam materialidade nos meus
trabalhos artísticos durante a mobilidade acadêmica para a Universidade Nacional Autônoma
do México (UNAM).
Nos anos anteriores a 2018 houve uma ascensão das políticas estudantis de inclusão de
discentes com vulnerabilidade social em universidades públicas. Tais ações afirmativas, a
meu ver, direta ou indiretamente, beneficiaram discentes LGBT+, como eu, para adentrarem
e/ou permanecerem nessas instituições. A partir daquele ano, sobretudo após o governo
Bolsonaro, as mesmas ações inclusivas sofreram retaliações, a exemplo do edital vetado pelo
presidente Jair Bolsonaro acerca do vestibular inclusivo para pessoas transgêneras e
intersexuais da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
(UNILAB)24.
Assim, apesar dessa segregação, algumas ações afirmativas conquistadas
anteriormente a 2018 através das cotas para pessoas negras, bem como para pessoas trans25
(ainda que em pouquíssimas universidades brasileiras), direito à utilização do nome social 26
por homens e mulheres trans, além de fomento para alunos/as com vulnerabilidade social nas
universidades estaduais e federais, são exemplos que ilustram as tentativas de agregar a
pluralidade no acesso e permanência à educação pública.
Essas são ações afirmativas que incluem também discentes LGBT+ que são
contemplados/as com políticas de assistências estudantis, como ocorreu comigo, no decorrer
da minha graduação, quando usufruí das políticas estudantis na Universidade Federal do
Maranhão (UFMA). Embora algumas políticas de fomentos estudantis não contemplem
exatamente as minorias LGBT+ por serem gays, lésbicas, trans/travesti, haja vista que
24
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/07/bolsonaro-anuncia-suspensao-de-vestibular-
para-trans-em-universidade-federal.shtml. Acesso em: 15 set. 2019.
25
Algumas universidades públicas atualmente contemplam a população trans/travesti por meio de cota nas
seleções de graduação, a exemplo das universidades do Estado da Bahia (UNEB), Universidade Federal do
Sul da Bahia (UFSB), dentre outras. Além de Programas de Pós-Graduação, a exemplo do mestrado e
doutorado em Teatro da UDESC. Estas ações afirmativas de inclusão são resultado de lutas estudantis nestas
instituições, visando contemplar minorias que historicamente foram segregadas do âmbito acadêmico.
26
Nome Social: O nome escolhido por travestis e transexuais, em substituição ao seu nome de registro civil, e
que melhor se adeque à sua identidade de gênero e aparência física” (PESQUISA NACIONAL SOBRE
AMBIENTE EDUCACIONAL NO BRASIL PARA ESTUDANTES LGBT+, 2016, p. 74).
48

geralmente as modalidades de bolsas estudantis como iniciação científica, extensão, bolsa


alimentação, auxílio aluguel, dentre outras perpassam pelo processo de editais de seleção.
Portanto, no atual contexto no qual narrativas do governo Bolsonaro, inclusive do
ministro da Educação Abraham Weintraub27, desvalorizam o ensino superior público,
democrático e gratuito, tais políticas afirmativas demonstram sua importância, sobretudo por
oportunizar aos/as LGBT+ com vulnerabilidade social não somente que tenham acesso às
universidades públicas, mas também permaneçam estudando no ensino superior e pós-
graduação.
Nesta perspectiva, minha permanência na universidade federal como forma de
resistência também foi proporcionada devido às políticas estudantis, através de seleções de
editais, que me oportunizaram fomento para concluir minha graduação, assim como participar
de seleção para mobilidade estudantil, como por exemplo, a bolsa de intercâmbio para o
México por meio do edital de bolsas Iberoamericanas do Banco Santander. Na Universidade
Nacional Autônoma do México (UNAM), criei processos artísticos que proporcionaram-me
adentrar às práticas das artes cênicas para discutir temas queer, que construíram narrativas de
poéticas queer28 (OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018) de visibilidade e representatividade dos
corpos LGBT+.
Na atualidade, a noção de “representatividade”, em especial trans, ganhou
protagonismo e pauta na cena contemporânea no Brasil através da voz da atriz e diretora
teatral Renata Carvalho. Fundadora do Movimento Nacional de Artistas Trans (MONART),
Renata Carvalho liderou o movimento que escreveu o Manifesto Representatividade Trans 29
publicado nas redes sociais em 2017, no qual reivindicava maior espaço e representatividade
dos corpos trans no teatro, tv, mercado publicitário, dentre outros (JUNIOR; GOSCIOLA,
2018; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018; CARVALHO, 2019).
A atriz Renata Carvalho (2019) ressalta a importância da representatividade trans na
arte, destacando os motivos para o apoio e a sensibilidade da classe artística, a saber:

27
Disponível em: https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-cortara-verba-de-universidade-por-
balburdia-e-ja-mira-unb-uff-e-ufba,70002809579. Acesso em: 15 set. 2019.
28
Poéticas queer está atrelado, conforme apontamos (a autora Fernanda Oliveira e eu), com espetáculos e
processos teatrais que discutem as questões de representação e representatividade das identidades LGBTI+
associadas ao campo teórico dos estudos queer. Estas problematizações encontram-se no artigo intitulado Da
representação à representatividade trans: a historiografia do travestismo no teatro ludovicense (2018).
29
Criado em setembro de 2017, o manifesto Representatividade Trans sintetiza as principais reivindicações do
movimento contra o “trans fake”. Ou seja, a prática na qual personagens trans são representadas por artistas
cisgêneros definida pelo movimento como uma forma de excluir pessoas trans do teatro e das manifestações
culturais (TV, cinema, publicidade, dentre outros).
Disponível em: https://www.facebook.com/RepresentatividadeTrans/posts/1996303693972530. Acesso em:
20 jun. 2019.
49

Precisamos conversar/dialogar sobre travestilidade e transexualidade. Precisamos ter


o entendimento de que vivemos numa sociedade pautada pela corporeidade e que o
corpo trans está entre outros corpos abjetos, excluídos, marginalizados, que não se
encaixam nesse padrão Cis-heteronormativo. [...] Todas essas décadas de exclusão e
marginalidade fortaleceram a criação de lendas, estranhamento, desconforto,
preconceitos e muitos e muitos estigmas, jogando cerca de 90% da nossa população
para a prostituição e deixando a expectativa de vida de uma travesti em 35 anos
neste país, o que mais mata travestis no mundo. Tudo isso será quebrado a partir do
momento que o corpo transgênero for inserido fisicamente na sociedade, quando
estes corpos trans estiverem presentes. Por isso reivindicamos a representatividade
trans, e representatividade é o ato de estarmos presentes (JUNOR; GOSCIOLA,
2018, p. 103).

A atriz e diretora explana que há um processo histórico de exclusão do corpo trans dos
principais espaços de saber-poder que constituem a sociedade. Sendo que o teatro, como
espaço dialético de debate artístico-político, também segregou o corpo trans, que fora
renegado na história do teatro como corpo abjeto, o qual agora busca ocupar o seu
protagonismo.
É atrelada a essas reinvindicações, das quais também compartilho, que neste estudo
proponho a representatividade queer como forma de tornar presente os nossos corpos e
subjetividades nos espaços da cena, da sala de aula e da escola como forma de existência e
resistência frente a este ambiente retrógrado e opressor, no qual tentam silenciar nossas vozes
e invisibilizar nossos corpos LGBT+.
Na historiografia teatral o dramaturgo e pesquisador Newton Moreno, em estudo
intitulado A máscara alegre: contribuições da cena gay para o teatro brasileiro (2002) já
esboçava reflexões de como o “imaginário gay” necessitava de referências na cena teatral que
pudessem dar visibilidade aos corpos e narrativas homossexuais. Assim, essas reivindicações
agora estão associadas não somente à visibilidade, mas sobretudo à noção de
representatividade, ou seja, à presença dos corpos queer nos espaços de saber-poder: na
dramaturgia, no palco, na escola, na sala de aula, nos processos artístico-pedagógicos, dentre
outros espaços artísticos e sociais (OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018; CARVALHO, 2019).
Os processos artísticos que realizei no México já iniciavam, na prática, as construções
de outras narrativas de visibilidade, protagonismo e representatividade queer. Dentre estes
trabalhos destaco a performance Cartas para Any: primeiro capítulo – Infância (2015), que
criei durante a disciplina Teatro Iberoamericano contemporâneo. Com estas ações retorno
minhas problematizações para a infância LGBT+ nos contextos: familiar e escolar.
Cartas para Any (2015) é a primeira parte de uma trilogia na qual pretendo abordar as
representações queer na infância, adolescência e maturidade. Nesta primeira experiência trato
acerca da infância, através de narrativas de cartas doadas e enviadas por amigos/as LGBT+
50

direcionadas para Any (meu alterego feminino) e entrelaçadas com objetos, brinquedos, além
de fotografias das minhas memórias infantis.
Ainda no México obtive aprovação no edital de criação artística para estrangeiros da
Secretaria de Relações Exteriores do México para montagem de uma obra. A partir desse
edital de bolsa artística criei o espetáculo Travestid@s30 (2015), no qual investiguei o
contexto social das mulheres trans/travestis na Cidade do México. Esta experiência me
proporcionou compreender de forma mais específica o cotidiano das travestis e transexuais
mexicanas.
Durante a montagem realizei a pesquisa e entrevistei travestis/trans (universitárias,
prostitutas, professoras, artistas, dentre outras), dialoguei com psicóloga e pesquisadores/as de
gênero no México, além de visitar centros sociais de atenção à comunidade LGBT+
mexicana, boates, casas noturnas, dentre outros espaços (figura 2).
Figura 2 – Processo criativo/pesquisa

Fonte: Fotomontagem elaborada pelo autor a partir do arquivo da Cia Catártica, na qual ilustra a
conversa com a transexual/garota de programa, imagens do processo criativo e diálogo com a
psicológa, 2015.

30
Artigo publicado na revista virtual Hysteria acerca do processo criativo. Disponível em:
https://hysteria.mx/travestismoproceso-investigativo/. Acesso em: 4 de jan. 2019.
51

No país mexicano adentrei definitivamente nos estudos teóricos queer para dar
visibilidade e representatividade às identidades LGBT+ na arte. Nesta montagem
problematizei os discursos que estigmatizam as mulheres trans e travesti associadas somente
no âmbito da prostituição, objetivando mostrar que elas também ocupavam outros espaços
sociais, ainda que sob a ótica de uma sociedade mexicana machista e transfóbica,
considerando-se que, depois do Brasil, o México é o segundo país que mais assassina pessoas
trans. Conforme dados da Ong Transgender Europe “foram assassinadas 167 pessoas Trans
no Brasil, seguidos de 71 mortes no México, 28 no EUA e 21 na Colômbia no mesmo
período” (ANTRA, 2018, p. 24).
O espetáculo também oportunizou trazer à cena a representatividade trans, tendo em
vista que, além de atores e atrizes cis, a atriz trans Miranda Lopez também interpretou uma
personagem trans/travesti, bem como Luna Frida, então discente de pedagogia da UNAM, a
qual fez uma participação especial na montagem. Portanto, meu interesse foi criar um
ambiente no qual as vozes de pessoas trans pudessem ser escutadas pelo público através do
protagonismo de suas narrativas para mostrar as diversas facetas da transgeneridade, além de
desconstruir mitos e tabus em torno das subjetividades trans/travestis.
Neste sentido, além das experiências no campo das artes cênicas, também criei o
curta-metragem Mi cumple...31. Nesta obra (figura 3), a qual aborda a transgeneridade na
infância, na perspectiva do personagem Felipe, que um dia antes do seu aniversário, enquanto
sua mãe prepara sua festa, deseja que a fada madrinha do conto de fadas Cinderela, realize seu
sonho de ser uma menina.

31
Curta-metragem criado durante a disciplina Introdução a linguagem de imagens em movimento – UNAM. A
obra foi selecionada posteriormente para participar do 6º Salão de Artes Visuais de São Luís – MA,
organizado pela prefeitura da referida cidade.
Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=1y3R7n4tYuY&feature=youtu.be. Acesso em: 11 set. 2019.
52

Figura 3 – Bastidores do curta-metragem Mi cumple...

Fonte: Fotomontagem elaborada pelo autor a partir do arquivo da Companhia Catártica, 2015.

Em seguida, após apropriação dos estudos queer, retorno à prática docente e ao


contexto educacional para iniciar meus estudos desse tema em diálogo com a pedagogia do
teatro. Deste modo, realizo o projeto de extensão denominado Oficina teatral de
sensibilização em gênero e diversidade sexual na educação básica para a disciplina de
Prática de extensão II – UFMA. Essa oficina se transformou, seguidamente, no projeto de
pesquisa Processos de sensibilização em gênero e diversidade sexual para professores/as da
educação básica: um estudo de caso a partir da formação continuada em teatro, através do
Polo Arte na Escola32 - UFMA.
Assim sendo, esta imersão e afirmação dos estudos queer na minha formação como
pesquisador foi fundamental para problematizar minha prática docente em sala de aula. Ainda
durante a graduação, ao mesmo tempo em que iniciava meus estudos queer, lecionava na rede
32
Com orientação das professoras Dra. Tânia Cristina Ribeiro e Dra. Fernanda Areias de Oliveira, ambas
docentes do curso de Licenciatura em Teatro – UFMA. Este projeto foi contemplado com fomento por meio
do edital nº 007/2016 – Igualdade de Gênero, da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).
53

privada de ensino em processos criativos nos quais as temáticas de gênero, sexualidade e


LGBT+ vieram à tona. São tais experiências artístico-pedagógicas, vivenciadas em escolas
públicas e privadas, à luz das relações de gênero e sexualidade, que compartilho no seguinte
subcapítulo.

1.2 (IN)VISIBILIDADE E RESISTÊNCIA QUEER NA ESCOLA: RELAÇÕES DE


GÊNERO NA (MINHA) PRÁTICA ARTÍSTICO-PEDAGÓGICA

No colégio reinava o machismo, a misoginia, a lgbtfobia e a gordofobia. Qualquer


fuga do estereótipo padrão de gênero, sexualidade ou/e beleza era motivo de
“piadas”. Não ocorreram agressões físicas, porém as verbais eram diárias. O pior
de tudo é que as agressões mais graves vinham dos professores. O de história
desrespeitava identidades de gênero ou sexualidade (que não se adequassem à
heteronormatividade), as quais o mesmo não sabia diferenciar. Chamava mulheres
“masculinizadas” “de machorra”, fazia comentários hipersexualizando mulheres e
fazia discurso de ódio disfarçado contra lgbts. Mas o grande pesadelo era o
professor de matemática, fui perseguido pelo mesmo após reclamar à direção sobre
seus discursos de ódio contra lgbs (dizendo que “travecão” tinha que apanhar até
virar homem, que os gays impunham seu estilo de vida demoníaco, etc.), e suas
“piadas” sobre violência doméstica. Além de me perseguir em sala de aula,
ameaçou bater se encontrasse na rua. (Depoimento de um estudante gay, 16 anos,
estado do Paraná. PESQUISA NACIONAL SOBRE AMBIENTE EDUCACIONAL
NO BRASIL PARA ESTUDANTES LGBT+, 2016, p. 11)

Durante minha experiência na graduação, na Universidade Federal do Maranhão


(UFMA), percebi muitos/as LGBT+ afirmando suas identidades de gênero e orientação
sexual, sobretudo nos cursos de Humanas, Ciências Sociais e Artes. Na pós-graduação, na
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), também tive amigas e amigos que se
afirmavam enquanto LGBT+ tanto na graduação, quanto no mestrado, a exemplo dos/as
minhas colegas de turma conforme nos afirmamos, a saber: eu (homem cis bicha gay
afeminada), Vulcânica Pokaropa (mulher travesti), Bárbara Cardoso (mulher cis sapatona
lésbica) e Vinicius Viana (homem cis gay).
Ainda que a LGBTfobia também estivesse presente no decorrer dos últimos anos,
exacerbada em especial a partir do período eleitoral de 2018, houve uma representatividade de
pessoas cis homossexuais e lésbicas, além de pessoas trans (héteros, homossexuais, lésbicas,
bissexuais, dentre outros/as) ocupando e permanecendo nas universidades públicas.
Contudo, no contexto escolar dos colégios que lecionei ainda havia o silenciamento
relacionado às discussões queer, mesmo quando as questões de gênero, sexualidade e queer
emergiram espontaneamente nos processos criativos, durante as aulas de teatro. O segredo,
enquanto narrativa relacionado à sexualidade, pairava nos corredores, era sussurrado em tom
54

de mistério nas salas de aula, nas piadinhas no fundo da sala que revelavam muito mais que
uma mera brincadeira, desnudava a face LGBTfóbica na escola.
Da mesma forma, nas reuniões dos/as professores/as, nas conversas entre os/as
alunos/as, assim como entre os/as docentes eram compartilhadas narrativas que suscitavam a
possibilidade de ter alunos/as, professores/as ou funcionários/as cis homossexuais/lésbicas.
Alimentando histórias, ditas e não ditas, de segredos, nas quais a revelação da orientação
sexual poderia ser um caminho para a exclusão.
No decorrer da minha formação docente no curso de Licenciatura em Teatro - UFMA,
vivenciei práticas nos estágios curriculares nas quais as relações de gênero estavam presentes.
Em seguida, quando lecionava na rede privada as mesmas discussões de gênero e sexualidade
emergiram atravessadas nos processos criativos e nas montagens.
Neste sentido, as narrativas docentes que compartilho mostram de que forma as
discussões de gênero e sexualidade foram adentrando a minha prática em sala de aula. Assim,
partilho algumas situações que ilustram como tais relações de gênero perpassam a prática
docente em teatro, em especial demonstram como há um silenciamento e invisibilidade das
identidades LGBT+ na escola.
Foi através delas que percebi as possibilidades e também dificuldades em articular os
conhecimentos da pedagogia do teatro em diálogo com temas de gênero, sexualidade e queer
na educação básica. Essas experiências também foram fundamentais na minha formação
como professor-artista por incitar a reflexão a respeito dos percursos teórico-metodológicos
para discutir os temas queer no contexto da pedagogia teatral. O que neste atual contexto
reafirma a necessidade de se buscar estratégias de resistência para manter a visibilidade e
representatividade dos nossos corpos na escola.
Destas experiências, destaco inicialmente aquelas relacionadas à universidade federal,
que marcaram os diálogos entre a minha formação inicial na graduação e a prática em sala de
aula, através de estágios e projetos artístico-pedagógicos. Primeiramente ressalto a
importância do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID), no qual lecionei no
ensino médio, no Colégio de Aplicação (COLUN), da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA). Além dos estágios curriculares no ensino fundamental, médio e técnico em colégios
das redes municipais, estaduais e federais.
Em linhas gerais, percebia a partir das experiências em sala de aula nas escolas, como
os temas de gênero e sexualidade adentraram a prática teatral, nas relações entre os/as
alunos/as, nos experimentos cênicos criados por estes/as, de forma distinta de acordo com
cada faixa etária. Surgiram ainda nas improvisações, nas narrativas dramatúrgicas das cenas
55

criadas, na criação dos/as personagens femininos e masculinos, nos quais o recurso cênico do
“travestismo ou travestimento” fora utilizado pelos/as alunos/as.
Nestes processos teatrais me intrigava o fato das representações do feminino da
mulher cis e homossexual afeminado, criadas pelos alunos adolescentes, serem sempre
caricatas. Dessa forma, durante minha experiência como bolsista do PIBID no Colégio
Universitário (COLUN) na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), diagnostiquei e
problematizei a construção de personagens femininas, pelos alunos durante as aulas de teatro,
a partir da prática do “travestismo” (TREVISAN, 2002; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018).
Inquietava-me o fato da construção destas personagens, representadas pelos alunos,
trazerem sempre um estereótipo que beirava ao burlesco, demarcando a linha tênue da
comédia e do bullying na escola, haja vista que eram construções estereotipadas do feminino,
tanto das mulheres, quanto dos homossexuais afeminados, reforçando o machismo, o sexismo
e valorização da masculinidade tóxica.
Isto posto, foram as experiências que afloraram em mim as inquietações como
professor-artista e pesquisador em investigar, nas metodologias do ensino do teatro, como elas
estabeleciam diálogos transversais com os temas de gênero, sexualidade e queer que surgiram
na minha prática artístico-pedagógica na educação básica (ensino infantil, fundamental e
médio).
Em paralelo, também vivenciei a docência nas escolas, inicialmente como diretor,
montando espetáculos e, posteriormente, lecionando a disciplina de teatro na rede privada de
ensino. Iniciei minha carreira docente, primeiramente, ministrando oficinas de teatro na escola
privada Construção do saber33, localizada em São Luís – MA, ainda no final do ano de 2008,
quando ainda estava iniciando minha carreira artística como ator e diretor.
Naquela época cursava o técnico em Artes Cênicas, no Centro de Artes Cênicas do
Maranhão (CACEM), participava de oficinas de teatro e dança popular no LABORARTE 34,
além de participar do grupo de teatro no colégio Centro de Ensino Governador Edison Lobão
(CEGEL), no qual cursei o ensino médio, conforme descrevi no início deste capítulo.

33
Em conformidade com as normas do comitê de ética da UDESC optei por utilizar nomes fictícios para me
referir às instituições privadas nas quais lecionei.
34
Laboratório de Expressões Artísticas – LABORARTE foi fundado na década de 1970 por artistas como
Sérgio Brito, Tácito Borralho, dentre outros/as. De acordo com Tácito Borralho “[...] filosófica e
ideologicamente, a proposta do LABORARTE era reler, investigar as formas populares de arte, reelaborá-las
em laboratório e torná-las públicas nos resultados, tanto em espetáculos ou outras formas de exibição e
registro nas Artes Cênicas (Teatro, Dança, Teatro de Bonecos) Música, Artes Plásticas, Literatura e
Imprensa, Fotografia e Cinema. Nossa intenção é que cada espetáculo estivesse ligado ao resultado de um
estudo de arte integrada” (LEITE, 2007, p. 222). Atualmente, o LABORARTE é um ponto de cultura, com
diversas oficinas de teatro, danças populares (capoeira, cacuriá, dentre outras), música dentre outras,
localizado no Centro Histórico de São Luís – MA.
56

Posteriormente, participei da companhia Tramando Teatro, dirigida por Armando Veras, na


qual realizei trabalhos como ator em montagens do teatro para crianças e espetáculos adultos.
Em seguida, adentro ao curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do
Maranhão (UFMA).
Com a experiência docente em pedagogia do teatro, ao passo que também me
apropriava dos conhecimentos a respeito dos estudos de gênero, sexualidade e queer, lançava
novos olhares para a escola e também para as minhas práticas com os processos teatrais e
montagens em sala de aula. Neste percurso docente, lecionei em algumas escolas e projetos,
da educação infantil ao ensino fundamental, no entanto, destaco as experiências adquiridas
nas escolas Construção do saber e Educando, nas quais ensinei por mais de cinco anos.
Na primeira, na qual tive mais liberdade artística e pedagógica, abordei temas de
gênero e sexualidade nas montagens que realizei. Nos anos iniciais do ensino fundamental,
por exemplo, tentava dar visibilidade ao protagonismo das personagens femininas, em
especial aos/as personagens negros/as, pois percebi nas práticas das professoras regentes
somente modelos de personagens brancos/as.
Nas escolas, nas quais lecionei, pude desenvolver montagens que problematizavam
essas questões, com turmas dos anos finais do ensino fundamental, mas foram iniciativas
minhas. Abordei temáticas de gênero e sexualidade, além de outras temáticas atreladas aos
estudos de educação sexual, como homossexualidade, menstruação, novos arranjos
familiares35, dentre outros. Esses temas faziam parte das dramaturgias que selecionava para
estudar e apresentar. Exceto uma vez que fui convidado pela direção da escola para adaptar e
montar um espetáculo, com base no livro De repente dá certo da autora Ruth Rocha, que
tratava dos temas citados.
Além das discussões dessas temáticas que realizei com os/as alunos/as do 7ª ano,
através do estudo do texto e nas concepções das cenas, a escola contratou uma psicóloga para
conversar especificamente acerca da temática de sexualidade com os/as estudantes. Todavia,
antes desse diálogo com a profissional da psicologia, durante o estudo do texto que realizei
com os/as alunos/as, discutimos os principais temas relacionados a gênero, feminismo,
sexualidade e queer, os quais estavam presentes na narrativa do livro.
Portanto, nessas ações relaciono com a perspectiva de educação sexual, a qual segundo
Jimena Furlani (2016) dialoga com as abordagens dos direitos humanos, dos direitos sexuais,

35
São formas de organizar uma família. Existem diversas maneiras de compor essa organização familiar:
famílias sem o pai ou sem a mãe, com dois pais ou duas mães, com muitos irmãos, avós ou tios que cuidam
dos netos, primos ou parentes que vivem na mesma casa e assim por diante (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016, p. 124).
57

emancipatória e abordagem queer (FURLANI, 2016) porque visibilizam os temas de


educação sexual numa proposta de equidade e respeito às diferenças.
Dessa forma, como aponta a Pesquisa Nacional sobre Ambiente Educacional no
Brasil 2015: as experiências de adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais em ambientes educacionais (2016), o trabalho de educação sexual e temas de
gênero e sexualidade podem ser abordados na escola através de ações como projetos e,
transversalmente, em diálogo com as disciplinas curriculares.
Neste sentido, o relato de uma estudante bissexual entrevistada para a referida
pesquisa (2016) demonstra a importância destas ações de visibilidade e representatividade
queer na escola para aproximar os/as alunos/as LGBT+ do contexto escolar numa perspectiva
afetiva e de pertencimento:
Por mais que as instituições de ensino público do país tenham dificuldade no
ensino, algumas instituições procuram trabalhar o respeito mútuo,
independente de raça, orientação sexual, identidade de gênero, e coisas do
tipo. No local em que estudei, nos últimos anos, eles focaram na inclusão,
principalmente no ano de 2015!
Pudemos ter a chance de assistir um filme que trazia um pouquinho do
universo LGBT e de deficiência ao assistirmos
“Hoje eu quero voltar sozinho” e, logo após, debatermos sobre o assunto. Os
resultados que tirei foram bons. Há um respeito crescendo entre os
adolescentes sobre esse tema; mesmo que alguns tenham sido
preconceituosos e intolerantes, boa parte, se mostrava ok com tudo.
Quis informar isso para que fique claro que estudar sobre sexualidade na
escola é possível SIM, além de ser importante para todos no local, não pode
haver pirâmide de estudantes, todos necessitam e devem ser tratados de
maneira igualitária num local onde passam boa parte da infância e
adolescência! (Depoimento de uma estudante bissexual, 17 anos, estado de
São Paulo. PESQUISA NACIONAL SOBRE AMBIENTE EDUCACIONAL
NO BRASIL PARA ESTUDANTES LGBT+, 2016, p. 64).

Nesta fala a discente recorda de uma significativa experiência escolar na qual a fruição
de filmes com temáticas queer marcaram sua adolescência, reiterando a relevância da
visibilidade e representatividade queer em sala de aula para que os/as alunos/as LGBT+
percebam a escola como um lugar no qual suas vozes, subjetividades e corpos têm
protagonismos.
Mesmo que, historicamente, os estudos de sexualidade estivessem atrelados somente
às disciplinas de ciências/biologia, com conteúdos relacionados, sobretudo à reprodução,
corpo humano e órgãos reprodutores (FURLANI, 2009; 2016; SÁ-SILVA; ALMEIDA, 2011)
na atualidade há escolas que desenvolvem ações pedagógicas e projetos que visam discutir
com os/as alunos/as temas atrelados à diversidade sexual e de gênero como ressalta o relato da
estudante de São Paulo.
58

Essas ações, de rupturas com o sistema que impõe normas de gênero e invisibiliza a
representatividade queer, contrapõem-se aos atuais discursos reacionários que tentam
deslegitimar os estudos de gênero e sexualidade como campos epistemológicos que
contribuem para a equidade na escola. Conforme destaca Jimena Furlani (2009; 2016) a
discussão a respeito de sexualidade sempre esteve envolta em mitos e tabus, construídos a
partir do senso comum, o que impediu e ainda impede que os temas relacionados à
sexualidade adentrem o âmbito escolar, sobretudo quando essas temáticas são desvinculadas
dos aspectos essencialmente biológicos.
Tais ações dialogam com o que a autora compreende como as abordagens de educação
sexual dos direitos humanos, dos direitos sexuais, emancipatória e queer (FURLANI, 2016),
porque contribuem para ampliar as discussões de gênero, de sexualidade e queer na escola,
numa perspectiva de respeito à pluralidade, à equidade de gênero e à visibilidade LGBT+ no
contexto educacional. Portanto, acredito que ações como essas proporcionam significativos
momentos de aproximações dos temas citados aos conteúdos da linguagem teatral nas aulas
de teatro na escola, desconstruindo mitos e tabus a respeito da discussão da sexualidade.
Quando lecionava na educação básica, na educação infantil e ensino fundamental,
percebia mais resistência para se abordar essas questões nos segmentos da educação infantil e
anos iniciais do fundamental, tanto pelas escolas, quanto pelas famílias. Recordo-me de dois
casos envolvendo a aula de teatro e as relações de gênero: o primeiro diz respeito à “prática
cênica do travestismo” (TREVISAN, 2002; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018) para
interpretar papéis femininos e masculinos, enquanto a outra se refere, especificamente, acerca
da utilização da maquiagem na aula de teatro.
A primeira situação cotidiana que destaco, a qual ocorre nas escolas e marca a aula de
teatro, trata-se de quando se pretende montar espetáculos para serem apresentados na escola
ou em teatros, e os alunos e as alunas desejam interpretar personagens diferentes do seu
gênero. Essa situação aconteceu comigo durante minha experiência docente, na qual a mãe de
uma aluna do 1º ano do ensino fundamental veio conversar comigo, perguntando o porquê eu
havia escolhido um personagem masculino para sua filha interpretar.
Inicialmente, expliquei à mãe da aluna que, durante a experimentação e criação das
cenas, na qual primeiramente narrei a história para a turma e, em seguida, fomos conhecer as
personagens para posteriormente, em cima do tapete mágico, os/as alunos/as criassem cenas a
partir dos personagens da história, sua filha havia experimentado diversos personagens
(masculinos e femininos) e optou em interpretar aquele personagem masculino. Infelizmente,
59

mesmo assim a mãe pediu “gentilmente” que sua filha interpretasse qualquer personagem,
desde que fosse feminino.
Essa anedota traz um recorte de algumas das situações com as quais professoras e
professores de teatro se deparam durante suas práticas em sala de aula, nas quais as relações
de gênero surgem e censuram a criação artística. Assim, tal situação demonstra como as
relações de poder, o machismo e a masculinidade tóxica estão enraizados no contexto escolar
interferindo nas mediações e transgressões artísticas intrínsecas à práxis teatral na escola.
Em geral, quando o teatro confronta os padrões de gênero na escola e possibilita a
vivência de distintos personagens, os/as pais/mães e coordenação escolar acreditam
erroneamente que a criança poderá ser “influenciada” e tornar-se-á gay, lésbica ou trans, haja
vista que em uma sociedade machista e heteronormativa ser LGBT+ e exteriorizar desde a
infância é “horrendo”, “feio”, “anormal” e “abjeto”.
Esses discursos que, cotidianamente, nós professores/as de teatro escutamos na escola
ilustram as visões de uma educação sexual que inferioriza a homossexualidade e
transgeneridade desde a infância. Em conformidade com as discussões teóricas da autora
Jimena Furlani (2016) identifico que nestas visões estão impregnadas perspectivas de
educação sexual biológico-higienista, moral-tradicionalista, terapêutica e religiosa-radical que
discriminam as manifestações que não seguem a dinâmica binária da heteronormatividade.
Dessa forma, os discursos destas abordagens estão impregnados no imaginário
popular, influenciando, direta ou indiretamente, as trágicas histórias LGBTfóbicas que são
notícias cotidianamente no Brasil, a saber: um pai que agride e mata um filho por ser
homossexual afeminado; famílias que aprisionam filhos/as LGBT+ em sanatórios e/ou em
igrejas que prometem a “cura gay”; casos nos quais lésbicas sofrem “estupros corretivos” para
“deixarem de ser lésbicas”. Além de casos nos quais travestis/trans são mortas e seus corações
arrancados como forma de expurgar o “pecado”, como demonstram as estatísticas de
assassinatos de pessoas trans no país (ANTRA, 2018).
As histórias de segregações sociais se materializam de formas simbólicas e explícitas
na escola. Do momento no qual o/a aluno/a LGBT+ sofre discriminação até simples atos que
transgridem as normas de gênero como o uso da maquiagem na aula de teatro. Dessa forma, a
utilização da caracterização, intrínseco ao ofício do/a ator/atriz, na aula de teatro na escola
torna-se uma “grande questão de gênero”, sobretudo nos anos iniciais do ensino fundamental,
tendo em vista o contexto binário e machista envolto por diversos preconceitos.
Recordo-me do trabalho que desenvolvi com uma turma do 3º ano do ensino
fundamental, no qual estávamos estudando a arte circense. Durante o processo criativo
60

conhecemos os/as diversos profissionais que trabalham no circo, posteriormente


experimentamos em sala de aula, algumas dessas práticas. Em uma das aulas, após a escolha
dos/as alunos/as a respeito de quais profissionais gostariam de interpretar, fomos
experimentar os elementos de caracterização.
Logo, quando um aluno, que estava experimentando o palhaço, pintou sua boca de
tinta vermelha, parecido com batom, causou um grande frisson na turma, um misto de repulsa
e fascinação. Repulsa porque acreditavam que aquela era uma prática somente “de meninas” e
fascinação pela possibilidade de interpretarem qualquer personagem e se caracterizarem de
acordo com as características dos personagens que gostavam.
Neste sentido, conversei com os/as alunos/as que poderíamos utilizar maquiagens, que
no circo e no teatro, os atores e atrizes usavam diversos tipos de maquiagens. Esses são
acontecimentos que perpassam o cotidiano dos/as professores/as de teatro, docentes na
educação básica, que verificam os atravessamentos dos temas de gênero, sexualidade e queer
nas aulas de arte/teatro.
Posteriormente, antes de adentrar no mestrado, lecionava na escola Construção do
saber no ensino regular, com a disciplina de teatro. Em contraponto à escola Construção do
saber, na escola evangélica Educando, na qual lecionei teatro como atividade extracurricular
no contra turno, criando montagens de espetáculos, as experiências da prática teatral
envolvidas com temas de gênero, sexualidade e queer eram silenciadas, justamente pelo viés
religioso da instituição.
A partir da aproximação dos estudos de Jimena Furlani (2016) verifico na escola
supracitada discursos que se aproximam das abordagens moral-tradicionalista e religiosa-
radical, ou seja, perspectivas de educação sexual que acreditam que a homossexualidade é
uma prática pecaminosa, que deve ser execrada da sociedade, haja vista que “fere” os
“princípios morais da família tradicional brasileira”, que seria formada somente na aliança
conjugal entre um casal: um homem e uma mulher cis heterossexual.
Dessa forma, arranjos familiares como o homoafetivo não seriam incluídos de acordo
com estas visões de educação sexual. Embora estivéssemos presentes na escola, ainda assim
nossos corpos eram invisibilizados ou silenciados. Assim, as narrativas do segredo a respeito
dos nossos corpos, possivelmente, eram proferidas entre os corredores, no fundo da sala de
aula, nas rodas de conversas, dentre outros espaços nos quais nossas sexualidades eram
(in)visibilizadas em tons de mistérios, chacotas, “curiosidades excêntricas ou estereótipos
sexuais” e “comentários” (leia-se fofocas).
61

Entretanto, mesmo com montagens restritas às festividades do ano letivo e com as


restrições pelas normas escolares, sempre procurei opções ou métodos alternativos de
problematizar alguns temas, a saber: a violência de gênero, o empoderamento da mulher,
racismo, dentre outros. No entanto, as narrativas LGBT+, ainda eram invisibilizadas e
silenciadas, em maior ou menor proporção, em ambas as instituições.
De acordo com a Pesquisa Nacional sobre Ambiente Educacional no Brasil 2015: as
experiências de adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em
ambientes educacionais (2016), baseado nos relatos de adolescentes que pretendem seguir a
carreira docente, constato as minhas dificuldades em discutir os temas citados nas
experiências artístico-pedagógicas que vivenciei:

[...] Como estudante e futuro professor [...] tenho 16 anos e vejo que dentro
das instituições por mais que os preconceitos tenham diminuído, não é
abordado o tema, professores não estão capacitados, fogem do assunto, ou
por opinião própria não querem falar.
(Depoimento de um estudante gay, 16 anos, estado do Paraná).

[...] Meu professor de história foi demitido por ter me ajudado


quando sofria muito bullying.
Os outros pais e estudantes fizeram abaixo assinado contra ele porque ele
começou a propor trabalhos com temas LGBT.
(Depoimento de um estudante gay, 17 anos, estado de São Paulo).

[...] Eu sou estudante pretendo fazer faculdade e minha orientação sexual não
vai interferir em nadíssima. Tinha um professor muito bom e ele era gay e ele
é um dos melhores profs que já tive até hoje. Fiz um trabalho sobre o
movimento em seminário, ganhei um 10, a minha
turma gostou, mas foi no final do ano. Agora estou formada, pretendo fazer
faculdade, namoro há 1 ano com a bofinha mais linda que eu já vi. Me
descobri aos 11 anos, sofro mais preconceito pela parte da minha mãe, às
vezes o porquê disso ela diz que eu só vou entender quando for mais velha e
que é só uma fase, mas estou tomando minhas providências para conseguir
minha casinha. Espero que este relatório seja muito útil para lugares que o
preconceito ainda tenha.
(Depoimento de uma estudante lésbica, 16 anos, estado do Rio Grande do Sul.
PESQUISA NACIONAL SOBRE AMBIENTE EDUCACIONAL NO BRASIL
PARA ESTUDANTES LGBT+, 2016, p. 23-69).

Com base nos relatos acima chamo atenção, sobretudo para a importância da
representatividade de professores/as LGBT+ na escola. Durante minha formação estudantil e
acadêmica foram poucos os/as docentes que eu percebia se afirmarem como homossexuais,
lésbicas, homens e mulheres trans/travestis. Logo, foi somente na Universidade que convivi
com pessoas trans. Atualmente, homens e mulheres trans/travestis se afirmam com mais
“facilidade” na escola, apesar das discriminações, como compartilho no terceiro capítulo
62

sobre os processos criativos pilotos, após convivência com um aluno trans, o qual participou
de uma das práticas.
Compreendo que o processo histórico de preconceito e marginalização impedia
muitos/as dos/as meus/minhas professores/as se afirmarem como LGBT+. Entretanto, na atual
conjuntura, mesmo diante desta onda conservadora propagada pelo governo Bolsonaro,
diversos/as docentes já se posicionam e se empoderam como homossexuais, lésbicas, travestis
e transexuais (homens trans e mulheres trans). Além de alunos/as, os/as quais também estão
afirmando suas identidades sexuais e de gêneros na sociedade e no contexto escolar, embora
reitero que a invisibilidade LGBT+ ainda seja um retrato da realidade da educação básica no
Brasil.
63

2 AS FACES DA ESCOLA: ENTRE SEGREGAÇÃO, SILENCIAMENTO E


EMPODERAMENTO QUEER

Atualmente, professores e professoras que não compactuam com as políticas de sala


de aula, instauradas pela religião, heteronormatividade e patriarcado, sentem-se
acoadas por exporem suas opiniões, ainda mais em SC, o estado mais fascista do
país. Alunos LGBTTs dentro de sala de aula, muitas vezes não são acolhidos,
representados em narrativas educacionais e muito menos se enxergam nas figuras
dos professores, por seguirem o padrão heteronorma-patriarcal-fascista. As
representações de gênero, o binarismo de gênero e a hegemonia de cor, classe e
orientação sexual são destacadas todo o tempo em sala de aula, potencializando um
esquecimento de corpos dissidentes [queer]. (Arthur Rogoski Gomes36, professor de
arte [teatro e artes visuais], cis/homossexual, do ensino fundamental na rede
municipal de Nova Trento – SC, depoimento realizado através de entrevista
semiestruturada, 2019).

No decorrer dos anos, nos quais retornei à escola, lecionando na educação básica
como professor-artista qualira, adentrei a este espaço tão familiar e, com meu corpo
afeminado, desestabilizava as normas rígidas de gênero, burlando a (in)visibilidade das
discussões LGBT+ na escola através de processos artístico-pedagógicos. Na atual situação
retrógrada na educação e nas artes cênicas no âmbito escolar, as minhas narrativas de
resistência e representatividade se assemelham às de outros/as professores/as de arte, algumas
das quais compartilho ao longo do texto, em distintos contextos no Brasil.
Neste capítulo entrelaço as discussões teóricas a respeito das faces da escola pública
com as narrativas de professores/as de arte queer de algumas regiões do Brasil. Para isso,
realizei entrevista com cinco professores de arte (teatro, artes visuais e dança) cis-gays e uma
professora (artes visuais) cis-lésbica, além de uma professora pedagoga travesti-pansexual,
com perguntas semiestruturadas relacionadas às discussões queer na educação básica, em
escolas públicas, na atual circunstância do país.
Assim sendo, meu objetivo consiste em verificar como os/as professores/as,
assumidamente LGBT+, percebem a propagação do movimento “escola sem partido” e
“ideologia de gênero” no contexto atual e suas implicações em sala de aula. Ou seja, tentei
compreender, a partir destes relatos, os primeiros impactos das mudanças ocorridas na escola
pública para professores/as de arte queer desde o período eleitoral de 2018.
Por meio dessas narrativas, compartilho as vozes e subjetividades LGBT+ na arte-
educação, destacando os primeiros impactos desta conjuntura reacionária na rotina escolar,
sob o ponto de vista dos/as professores/as de arte, assumidamente, queer.

36
Arthur Gomes também é ativista queer com ações e projetos voltados para visibilidade LGBT+ através da
BAFHO produções. Link para acesso ao trabalho do artista. Disponível em:
https://www.facebook.com/baphocultural/. Acesso em: 20 jul. 2019.
64

Nos escritos que seguem dedico-me em pensar a respeito das faces da escola pública,
laica e democrática com base na perspectiva da pedagogia queer (LOURO, 1997; 2001; 2016)
e das (hetero)normas de gênero na escola (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019). Aproximo-me
ainda da filosofia da educação (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015; LARROSA, 2018) e das
discussões de gênero, sexualidade e queer na pedagogia do teatro (MARTINS, 2009; 2011),
entrelaçando-as com os “lugares de fala” (RIBEIRO, 2017)37 de alguns professores/as de arte
LGBT+ das regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.
Inicialmente, aproprio-me dos estudos da autora Guacira Louro (1997; 2001; 2016)
acerca da importância da pedagogia queer na educação, tanto para problematizar as normas
binárias de gênero, quanto para empoderar os corpos que fogem de tais regras.
Para Guacira Louro (2001, p. 552) “uma pedagogia e um currículo queer ‘falam’ a
todos e não se dirigem apenas àqueles ou àquelas que se reconhecem nessa posição-de-
sujeito, isto é, como sujeitos queer”. Dessa maneira, a autora resssalta ainda que uma
pedagogia queer “sugere o questionamento, a desnaturalização e a incerteza como estratégias
férteis e criativas para pensar qualquer dimensão da existência” (LOURO, 2001, p. 552). A
pedagogia queer oportuniza a presença dos corpos plurais na escola, transgredindo as
segregações da heteronormatividade.
Os/as autores/as Mariana Torres, Dilton Junior e Leandro Brito (2019), que também
discutem as transgressões queer na escola, apontam como em nossa cultura a hegemonia da
heterossexualidade impõe normas para as vivências de gênero e de sexualidade que segregam
as demais orientações sexuais. Na escola, tais segregações invisibilizam as subjetividades que
subvertem a heteronormatividade.
Neste sentido, os/as pesquisadores/as descrevem (hetero)normas (TORRES; JUNIOR;
BRITO, 2019) como modelos rígidos de masculinidade e feminilidade, identificados em todos
os segmento da educação básica. Para Mariana Torres, Dilton Junior e Leandro Brito (2019)
as (hetero)normas são um “conjunto de dispositivos, tais como discursos, valores e práticas,
que partem do pressuposto de que a heterossexualidade é o único modelo de orientação sexual
possível de ser vivenciado pelos sujeitos na ordem social” (TORRES; JUNIOR; BRITO,
2019). As (hetero)normas (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019) estão fundamentadas em

37
Entendido por lugares sociais nos quais cada sujeito se encontra na sociedade, sob interseccionalidades de
gênero, orientação sexual, raça, etnia, classe, geracionalidade, regionalidade, dentre outros. Estes lugares de
“fala e escuta” estão associados às vozes que foram silenciadas e reinvindicam falar de si, como forma de
representatividade, em determinados contextos de saber-poder, no qual prevalecem as opressões e
desigualdades (RIBEIRO, 2017). Neste estudo estas discussões estão associadas as representatividades queer
e suas subjetividades, na pedagogia do teatro, em diferentes contextos educacionais do Brasil.
65

discursos de segregação e silenciamento da pluralidade LGBT+ na sociedade e adentram


também o espaço escolar.
Na presente conjuntura essas visões estão embasadas em movimentos como o “escola
sem partido”38, assim como na apropriação distorcida dos estudos de gênero denominada
como “ideologia de gênero” e, mais recentemente, a deturpação do material pedagógico
intitulado “escola sem homofobia”39, denominado pejorativamente de “kit-gay”.
Dentre as narrativas caluniosas propagadas durante o período eleitoral de 2018,
destaco a disseminada pelo então candidato à presidência Jair Bolsonaro quando associou o
livro40 infantil Aparelho sexual e cia: um guia inusitado para crianças descoladas41 a um
inexistente “kit-gay”, o qual supostamente “ensinava” as crianças a fazerem sexo. O livro
também foi erroneamente apontado como um material didático distribuído pelo Ministério da
Educação (MEC), ainda no governo do Partido dos Trabalhadores (PT). Ainda segunda a
extrema-direita e setores religiosos, o "kit gay" propagava uma “doutrina ideológica” através
do que chamam de “ideologia de gênero” na escola.
De acordo com os autores Richard Miskolci e Maximiliano Campana, teóricos dos
estudos de gênero, no artigo “Ideologia de gênero”: notas para a genealogia de um pânico
moral contemporâneo (2017), essa narrativa surge no seio da Igreja Católica por meio de
movimentos como “Pró-vida e Pró-família”, visando desqualificar os estudos de gênero como

38
De acordo com os/as autores/as Elder Luan dos Santos Silva (2019) e Lua Da Mota Stabile (2019) o
movimento “escola sem partido” surge oficialmente ainda em 2004, organizado pelo o advogado Miguel
Nagib. Em seguida, é transformado em projeto de Lei N.º 867/2015 (Do Sr. Izalci) “Programa Escola sem
Partido”, que de imediato foi apoiado e transformou-se na principal bandeira ideológica dos partidos
conservadores e fundamentalistas no Brasil. Posteriormente, o projeto que não foi aprovado pelo âmbito
federal, recebeu projeção nacional através do site Escola sem Partido: educação sem doutrinação, recebendo
notoriedade em esferas estaduais e municipais no país. Site “Escola sem partido: Educação sem doutrinação”.
Disponível em: http://escolasempartido.org/. Acesso em: 20 abr. 2019.
39
Link para acesso do PDF do material pedagógico “Escola sem homofobia”. Disponível em:
http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2015/11/kit-gay-escola-sem-homofobiamec1.pdf.
Acesso em: 20 abr. 2019. Reportagem da revista Nova Escola com videos, disponibilizados no material
“Escola
sem homofobia”, para abordar a pluralidade LGBT+ no contexto escolar. Disponível em:
https://novaescola.org.br/conteudo/84/conheca-o-kit-gay-vetado-pelo-governo-federal-em-2011.
Acesso em: 20 abr. 2019.
40
Disponível em: https://super.abril.com.br/comportamento/esse-e-o-livro-pornografico-que-o-bolsonaro-
levou-ao-jornal-nacional/. Acesso em: 28 abr. 2019.
41
Link para acesso a reportagem desmentindo que o livro “Aparelho sexual e Cia: um guia inusitado para
crianças descoladas, de autoria do suíço Philippe Chappuis (conhecido como Zep) e da francesa Hélène
Bruller” fez parte do material pedagógico Escola sem homofobia, como informou Jair Bolsonaro em
entrevista ao Jornal Nacional (Globo) na campanha eleitoral de 2018. O livro que traz uma abordagem não
biológica da sexualidade na infância e adolescência. […] A Companhia das Letras afirmou ainda que o texto
original foi traduzido para dez idiomas ao redor do mundo e vendeu mais de 1,5 milhão de cópias, tendo sido
transformado em exposição que ficou em cartaz em Paris. O público alvo da publicação é formado por
adolescentes: no catálogo da editora, ela era sugerida para alunos de 11 a 15 anos. (EL PAÍS, 2018).
Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/29/politica/1535564207_054097.html. Acesso em: 28 abr. 2019.
66

campo epistemológico. Assim, esta visão conservadora inicialmente pretendeu ir contra as


conquistas feministas do século XX, em especial a emancipação do corpo e da sexualidade
feminina, associadas sobretudo ao aborto e direitos reprodutivos.
As segregações afligem também as pautas LGBT+, como os direitos civis de
homossexuais de se casarem, bem como de pessoas trans realizarem suas transições de gênero
e a afirmação da identidade de gênero trans. Tais ideias foram disseminadas, principalmente
na América do Sul, a partir do livro Ideologia de Gênero: o neototalitarismo e a morte da
família (2015) do autor argentino Jorge Scala. Deste modo, na América Latina e mais
especificamente no Brasil, essas discussões receberam apoiadores/as em outros setores
religiosos e políticos, repercutindo na escola através do projeto “escola sem partido”
(MISKOLCI; CAMPANA, 2017).
Essa perseguição aos direitos fundamentais de LGBT+ objetiva, segundo discursos
dos/as defensores/as da “ideologia de gênero”, manter a ordem natural e divina, para não
desestruturar o que compreendem como a “família tradicional”, aquela constituída por uma
mulher cis e homem cis. Assim, tais argumentos também propagam a prática sexual apenas
como forma de procriação, haja vista que nega a sexualidade como também uma forma de
compartilhamento de prazeres (STABILE, 2019).
Como afirma o autor Elder Luan Silva (2017) o intuito dos/as defensores/as da
“ideologia de gênero” é distorcer conceitos, assim como criar “[…] confusões terminológicas
e conceituais em torno dos estudos de gênero e sexualidade com o intuito de disseminar um
pânico moral que tenta conter o avançar dos direitos e cidadania das mulheres e pessoas
LGBTs” (SILVA, 2019, p. 274).
Dessa maneira, estas discussões falsas e preconceituosas fissuram e atravessam a
escola brasileira disfarçadas de discursos “neutros”, tentando deslegitimar o papel desta
instituição e dos/as professores/as na emancipação de alunos e alunas, agora associados/as à
“doutrinação ideológica”. Nos últimos anos os discursos de ódio e preconceitos contra as
minorias sociais, desqualificação da escola e dos/as professores/as ganharam notoriedade na
mídia e popularidade nas redes sociais e internet.
Esses discursos afetam diretamente os estudos de gênero, educação sexual e queer
como áreas de conhecimento no âmbito educacional, marginalizando e estigmatizando
pesquisadores/as, professores/as LGBT+ tanto no ensino superior, quanto na educação básica.
Dessa forma, tais práticas iniciadas com maior notoriedade a partir de 2018 atingiram os
palcos e também a sala de aula: das montagens em teatros e demais espaços artísticos até os
espetáculos e processos teatrais na escola.
67

Nesta perspectiva, argumentos e práticas de coerções se difundiram também em


ataques e censuras contra os/as artistas e montagens que discutem gênero, sexualidade,
feminismo e queer em teatros e escolas. De tal modo, casos ocorridos em Santa Catarina, Rio
de Janeiro e Pernambuco são exemplos que ilustram o contexto controverso no Brasil, dentre
eles a censura42 do espetáculo O evangelho segundo Jesus, rainha do céu (2018),
protagonizado pela atriz travesti Renata Carvalho em Pernambuco. Além da montagem A
menina e sua sombra de menino (2018), da Harmônica Arte e Entretenimento impedido de se
apresentar na cidade de Xanxerê – SC43.
No âmbito da arte na escola, destaco momentos tensos e conflituosos no cotidiano de
professores/as de arte das regiões Sul e Nordeste do Brasil, como compartilham os
professores de teatro Me. Anderson Pinheiro (IFMA) e Arthur Gomes (Rede municipal – SC)
a respeito dos primeiros impactos do ambiente fundamentalista nas escolas que lecionam:
Acredito que 2018 foi a culminância de um processo que se intensificou nos
últimos anos. Apesar de difícil, foi importante para percebemos que esta
inclusão, respeito e tolerância ainda não havia acontecido de fato e que ainda
precisávamos nos posicionar e principalmente unir. [...] Na escola em que
atuo, em virtude do contexto político do ano passado [2018], muitos
discursos de ódio partiram de vários alunos, acredito que influenciados pelo
que acompanhavam e se identificavam nas redes sociais. Entretanto, as
falas não eram dirigidas especificamente a nenhum docente ou discente
da instituição, mas para o público LGBT+ em geral, o que não deixou de
me causar desconforto e mal-estar.
(Anderson Pinheiro, professor cis/homossexual de arte do ensino médio e
técnico profissionalizante do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Maranhão/IFMA, 2019 - grifos meus).

[...] o poder de coerção, mentira, tolices e hipocrisia instaurado por esse novo
governo do Brasil, faz refletir nas falas que escuto nas escolas, tanto em sala
dos professores, como corredores e grupos de whatsapp. [...] Nas duas
escolas que eu leciono, na cidade de Nova Trento [...] na segunda semana de
aula, em uma das escolas, fui chamado na direção. Fui informado que os
alunos chegavam em casa, comentavam sobre o professor novo de artes e
os pais buscavam informações sobre minha pessoa nas redes sociais, e
detalhe: encontravam. Verificaram minhas redes sociais e perceberam que
eu fugia com a normativa esperada por eles, tanto na política, na

42
Disponível em: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/viver/2018/07/espetaculo-o-evangelho-
segundo-jesus-rainha-do-ceu-sera-apresentado-n.html. Acesso em: 26 jun. 2019.
43
“A Harmônica Arte e Entretenimento, realizadora do projeto Viagem Teatral, vem a público esclarecer alguns
pontos relacionados à difamação e às manifestações que buscaram vetar as apresentações do Espetáculo ‘A
menina e sua sombra de menino’, agendadas para os dias 18 e 19 de setembro de 2018, na cidade de Campos
Novos, Santa Catarina [...]. O espetáculo ‘A menina e sua sombra de menino’ que seria apresentado nesta
quinta-feira (25/10) na cidade de Xanxerê (SC), às 14h, na praça Tiradentes, foi novamente CENSURADO.
O espetáculo, que integra a 10a edição do projeto Viagem Teatral e que faria parte da programação cultural
do mês realizado pela Secretaria de Cultura de Xanxerê, foi censurado a pedido do grupo de pastores,
presidido pelo Sr. Aristides dos Reis Miranda. O pedido do pastor foi acatado pelo prefeito da cidade,
Avelino Menegolla. O motivo da decisão, segundo o pastor, é que o conteúdo do espetáculo ‘vai ao
desencontro dos princípios que pregamos na igreja’ [...]”. Disponível em:
https://web.facebook.com/harmonicaarte/posts/1931811053579425?comment_id=1933192350107962&notif
_id=1537569025333334&notif_t=feedback_reaction_generic. Acesso em: 2 out. 2018.
68

orientação sexual e nos padrões de masculinidade. Os pais questionaram


a escola de “como eu poderia dar aula para os filhos deles, sendo um
homossexual”. A escola pediu para que eu fosse discreto.
(Arthur Rogoski Gomes, professor de arte [teatro e artes visuais]
cis/homossexual do ensino fundamental na rede municipal de Nova
Trento/SC, 2019 - grifos meus).

O Brasil se destaca pelo alto índice de discriminação e assassinatos de pessoas LGBT+


(ANTRA, 2018). No entanto, nos anos que antecederam 2017 houve políticas públicas que
visaram a diminuir tais segregações, a exemplo do projeto Brasil sem Homofobia do governo
federal, ainda na gestão do ministro Fernando Haddad. Todavia, a partir de 2018, sobretudo
com a ascensão do governo Bolsonaro que legitima discursos de ódio contra a comunidade
LGBT+, as perseguições e retaliações se exacerberam. Assim, as narrativas dos professores
de arte/teatro Me. Anderson Pinheiro (IFMA) e Arthur Gomes (Rede municipal – SC)
retratam os primeiros impactos do conservadorismo no ambiente educacional que lecionam.
Após o período eleitoral de 2018, acenderam-se controvérsias falaciosas acerca dos
estudos de gênero e educação sexual na escola instaurando a barbárie, o obscurantismo e a
LGBTfobia, despertando os discursos de ódio que estavam “latentes” e se legitimaram com a
incitação disseminada pelo atual presidente Jair Bolsonaro.
Contudo, como já mencionei antes, é notório que houve uma ascensão de pessoas cis
gays e lésbicas ocupando espaços escolares e universitários no Brasil, como ilustra a produção
científica dos estudos de gênero e queer. Nos últimos anos, algumas pessoas trans (homens e
mulheres trans/travestis) também adentraram à universidade pública ocupando o espaço que
outrora lhe fora negado, assim como retornam à escola pública para realizarem pesquisas
acadêmicas e lecionarem, conforme venho ressaltando nesta pesquisa a respeito da
representatividade queer nos espaços educacionais.
As discusssões teóricas dos estudos feminista, gênero e queer oportunizaram ampliar
as discussões da relevância da pluralidade das nossas subjetividades na educação. Deste
modo, algumas problematizações dos estudos e pedagogia queer adentram à escola e, direta
ou indiretamente, problematizam a heteronormatividade proporcionando visibilidade e
representatividade para as identidades LGBT+ na educação (LOURO, 1997; 2001; 2016).
Mesmo no âmbito repressor, professores e professoras de arte LGBT+ apontam como
há um avanço para a discussão em algumas escolas. Nas falas dos/as docentes que entrevistei
percebi que a demanda pelas discussões de gênero, sexualidade e feminismo surgiram dos/as
próprios alunos/as. Outro aspecto que devo destacar se refere à representatividade de
69

professores/as LGBT+ na escola, que oportuniza visibilidade para abordar nossas


subjetividades em sala de aula.
O professor Dr. Tiago Cruvinel (IFMG), por exemplo, ressalta avanços e retrocessos
referentes aos temas LGBT+ no ambiente escolar, destacando convergências e divergências
entre a época na qual era estudante nos anos 1980 e os/as seus/suas atuais alunos/as. Já a
professora Ma. Beatriz Sousa (COLUN-UFMA)44, com um olhar queer, identifica essas
opressões no colégio que leciona e destaca ações que atualmente realiza para romper com as
segregações:
[...] Eu percebo que existem dois grandes movimentos. Se de um lado nunca
tivemos tanta representatividade na televisão, no cinema, nos palcos e na
música realizadas por LGBT+, do outro lado, o conservadorismo político-
religioso cresceu bastante. Portanto, se analisarmos a representatividade dos
LGBT+ nos anos 80, por exemplo, ela era bem menor no contexto brasileiro.
No entanto, a nossa sociedade, dos anos 80, era menos conservadora. [...] Além
disso, não tínhamos uma bancada evangélica no Congresso Nacional com
tantos deputados e senadores cristãos conservadores.
Na minha escola a demanda pela discussão sobre os LGBT+ acaba
acontecendo por iniciativa dos alunos e das alunas. Na minha época,
nenhum menino ou menina se assumiu LGBT+ para a escola/turma.
Nunca vi isso acontecendo. Contudo, no IFMG os e as estudantes chegam do
Ensino Fundamental já assumidos(as) e com um discurso político de afirmação
muito bem embasado. Vários se assumem nas primeiras semanas de aulas
quando percebem que ser LGBT+ no IFMG Campus Betim não é um
problema. Nesse sentido, em linhas gerais, há uma grande aceitação da escola
para com a diversidade. Não é uma bandeira que ela levante – quando
levantada ela é feita pelos e pelas estudantes, como disse – mas ela respeita e
incentiva a valorização da diversidade.
(Tiago Cruvinel, professor cis/homossexual de arte do ensino médio
integrado do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas
Gerais/IFMG, 2019 - grifos meus).

Percebo que houve avanços em relação à compreensão da temática. Contudo,


ainda há muito preconceito e falta de conhecimento.
Na escola em que trabalho nós ainda temos registros de discriminação,
principalmente no ensino fundamental.
Mas também temos ações educativas. Dentre elas, atualmente escrevi um
projeto sobre Arte e Gênero que envolverá diferentes tecnologias de
gênero afim de promovermos a reflexão e o debate sobre a temática.
(Beatriz de Jesus Sousa, professora cis/lésbica de artes visuais do ensino
fundamental e médio do Colégio Universitário - COLUN/UFMA, 2019 -
grifos meus).

Embora setores conservadores na política e religiosidade tentem silenciar as vozes


LGBT+ na escola, a nova geração de alunos/as (dependendo do contexto social, escolar ou
familiar no qual estão inseridos/as no Brasil) mostra-se empoderada para afirmar sua
orientação sexual homossexual, bissexual, pansexual, dentre outras e também a identidade de

44
A professora Beatriz Sousa é estudiosa das discussões de gênero nas artes visuais com publicação do livro
Tramas de gênero: um estudo sobre mulheres que tecem redes de dormir em São Bento – MA. São Luís:
EDUFMA, 2015.
70

gênero trans. Ainda com base na fala dos/as professores/as destaco a importância da
representatividade queer na escola e a resistência para empoderar outros/as alunos/as por
meio da arte na educação.
Enquanto por outro lado há contextos escolares nos quais não existem nenhum debate
a respeito das questões queer, conforme assinala o professor Me. Luis Rocha (Rede municipal
– MA), o qual ressalta a necessidade de discutir a temática na escola. Além da fala do
professor Me. Leonardo Calixto (Rede municipal – MS), que afirma oportunizar em suas
aulas de teatro e dança experiências com a pluralidade dos corpos:

Na minha escola não se fala na questão LGBT+, acredito que o motivo se


dá pela pouca formação dos professores e até mesmo o preconceito
enraizado em muito docente. A discussão é bem tímida e até inexistente.
[...] A escola enquanto espaço de formação ainda não desenvolve políticas
públicas que assegure os LGBT+ no espaço escolar. E é fundamental que
nossos alunos LGBT+ sejam assegurados de forma que eles não fiquem a
margem da sociedade.
(Luis Félix Rocha, professor cis/homossexual de arte do ensino fundamental
e médio das instituições Escola Municipal Júlia Fonseca Barbosa e Centro
Educ. Altenor Bogea/MA, 2019 - grifos meus).

Acredito que as pesquisas, artigos, dissertações, teses, livros têm


ganhado espaço, há um movimento latente que falam das nossas
diferenças. O assunto é mais discutido, mas isso não significa que chega
nas escolas de forma plural, assim como trata os temas transversais. Quem
fala, pesquisa sobre LGBT+ fala em causa própria e ou tende a ser um grupo
chamado de Minoria. [...] Eu oportunizo sempre [contato com] a
diferença. Pelo menos no Mato Grosso do Sul, em Campo Grande (capital),
professores e professoras de artes cênicas são poucos. O curso de graduação é
oferecido pela UEMS, Universidade Estadual, logo, as escolas, os alunos e
alunas desconhecem o que é teatro e dança na educação. Estamos construindo
a nossa identidade e nosso espaço a pouco tempo.
As minhas aulas acabam sendo diferentes, por todas as novidades que o
teatro e a dança têm.
(Leonardo Arruda Calixto, professor cis/homossexual de artes cênicas [teatro
e dança] da educação infantil e ensino fundamental na rede municipal de
Campo Grande/MS, 2019 - grifos meus).

Assim, se por um lado os discursos dos/as professores/as ilustram a invisibilidade das


discussões LGBT+, por outro revelam caminhos de enfrentamento por meio da
representatividade, da afetividade da arte em sala de aula, do acolhimento e também da
formação continuada a respeito da arte, educação e estudos queer na escola.
Por isso, em conformidade com a fala do professor Me. Luis Rocha, é importante
assegurarmos a existência e permanência dos corpos queer no ambiente escolar, bem como
oportunizar formação continuada em arte que proporcione o conhecimento da pedagogia
queer e da pluralidade das identidades LGBT+ na escola. Além de oportunizarmos momentos
71

de afeto e representatividade em sala de aula, como nas ações dos/as professores/as Tiago
Cruvinel, Luís Félix, Beatriz Sousa e Leonardo Calixto.
Os corpos de alunos/as e também de professores/as LGBT+ que subvertem as
(hetero)normas (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019) são aqueles que sofrem as segregações
na escola, ou seja, as bichas afeminadas, as sapatonas “machonas”, as travestis,
homens/mulheres trans e toda a pluralidade de corpos queer que habitam, ou são excluídos,
dos corredores, das salas de aula, dos pátios, das bibliotecas e demais espaços educacionais.
É neste contexto ambíguo, de empoderamento e segregação, que a vigilância dos
corpos e da sexualidade dos/as alunos/as e professores/as LGBT+ nos confirmam, durante a
rotina escolar, que somos “anormais” frente à “normalidade” da escola e da
heteronormatividade compulsória. Novamente o segredo, para aqueles e aquelas que assim se
mantém “no armário”, segundo a máxima popular, torna-se a (in)visibilidade que camufla e
dita regras de exclusão dos corpos queer na educação básica.
No entanto, compreendo que o revelar-se não necessariamente tem relação com
“expor” sua sexualidade ou identidade de gênero como se fossem sinais que devem ser
obrigatoriamente expostos ao público, mas sim no sentido que, ao se afirmar como LGBT+ na
escola no atual momento, proporciona oportunidades de ocupar espaços e lacunas que só
caberiam para o silêncio, a LGBTfobia e o desconhecimento da existência da pluralidade dos
corpos queer.

2.1 “ESCOLA SEM PARTIDO” E “IDEOLOGIA DE GÊNERO” (OU TENTATIVAS DE


DOMAR A ESCOLA): OUTROS OLHARES PARA O SKHOLE

[...] nós nos recusamos, firmemente, a endossar a condenação da escola. Ao


contrário, defendemos a sua absolvição. Acreditamos que é exatamente hoje – numa
época em que muitos condenam a escola como desajeitada frente à realidade
moderna e outros até mesmo parecem querer abandoná-la completamente – que o
que a escola é e o que ela faz se torna claro. [...] muitas alegações contra a escola
são motivadas por um antigo medo e até mesmo ódio contra uma de suas
características mais radicais, porém essencial: a de que a escola oferece “tempo
livre” e transforma o conhecimento e as habilidades em “bens comuns”
(MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 10).

Qual o lugar da escola para alunos/as e professores/as LGBT+ frente a atual


conjuntura conservadora, machista e LGBTfóbica? Ainda sob a perspectiva queer, a
instituição escolar somente flagelou e segregou os corpos LGBT+ ou também empoderou
alunos e alunas, professores e professoras queer? Qual o papel da escola nesse processo
emancipatório? Qual a importância da representatividade dos corpos queer ocupando o espaço
72

escolar neste contexto atual repressivo e preconceituoso? E como a Arte, especificamente o


teatro, pode contribuir neste empoderamento?
Esses foram alguns dos questionamentos que me atravessaram no decorrer desta
investigação e fizeram-me pensar a respeito da escola pública e suas facetas para os corpos
queer na atualidade. Portanto, aproximo minhas reflexões, acerca dos desmontes da escola
pública em tempos de “escola sem partido” e “ideologia de gênero”, das discussões dos
autores Jan Masschelein e Maarten Simons (2015) com relação às especificidades na origem
da escola na Grécia antiga.
Inicialmente retomo as ideias dos autores no livro Em defesa da escola: uma questão
pública (2015, p. 26), no qual apontam que a escola é uma criação da polis grega e que a
mesma surgiu como uma “usurpação do privilégio das elites aristocráticas e militares na
Grécia antiga” que detinham o acesso e o perpetuavam através da prole. Essa instituição
pública surge para romper com a lógica da elite grega antiga de que a origem, a raça ou
natureza aristocrática seriam os fatores para determinar o acesso à escola.
A escola pública nasce como uma invenção política e democrática que oportunizava o
“skhole”, compreendido como “escolar” ou “tempo livre” e não produtivo. Ou seja, “tempo
livre” para aqueles/as que não tinham esse direito, de acordo com a ordem vigente, para se
dedicarem aos estudos. Os autores ressaltam ainda que o “escolar” está atrelado à noção de
“abertura” para o mundo, concentrar atenção na matéria e no “presente do indicativo”, no
aqui/agora de compartilhamento das matérias da escola. A partir da “suspensão” dos
antecedentes do passado e pretensões do futuro, o/a aluno/a concentra-se no tempo presente
para envolver-se com os estudos e reinventar-se.
Nesta perspectiva, a escola pública proporcionava aos alunos/as, independemente de
antecedentes de origem, raça e lugar na sociedade, um tempo/espaço igualitário, no qual
distantes dos anseios da família, das demandas do sistema e governo, das imposições sociais,
filosóficas, religiosas, dentre outros, pudessem dedicar-se aos estudos e emancipar-se. Tal
noção de “tempo livre”, isto é, ruptura com tais imposições no seio da escola, está associado
ao que os autores definem como “suspensão”.
Deste modo, a escola, com sua materialidade e espacialidade, proporciona por tempo
determinado, que os/as jovens deixem seus antecedecentes familiares como filhos/as, assim
como as delegações da ordem social e econômica para, neste tempo igualitário, serem alunos
e alunas. Assim, “na escola, o tempo não é dedicado à produção, investimento, funcionalidade
ou relaxamento […] o tempo escolar é o tempo tornado livre e não é tempo produtivo”
(MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 33).
73

Através da “suspensão”, neste tempo igualitário para torna-se estudante, os saberes são
“postos à mesa”, em sala de aula, para que o/a aluno/a possa se apropriar e se desenvolver
como indivíduo, cidadão/dã e transformar-se, sem obrigações familiares, sociais e de trabalho.
Segundo Jan Masschelein e Maarten Simons (2015), a “suspensão” desconstrói algumas
narrativas que assinalam que pessoas nascidas em contextos sociais adversos não possam ser
capazes de apreender determinadas matérias escolares ou de que outras não possam ser
assimiladas por determinados/as alunos/as, considerando-se seus antecedecentes familiares ou
sociais.
Por meio das materialidades básicas que compõem a escola, as quais os autores
definem como “tecnologias escolares”, a lousa, a carteira, os livros, o/a professor/a, a matéria
compartilhada e através deste tempo lento dedicado aos estudos, alunos e alunas independente
de antecedentes podem se perceber “capazes de” ou tornar possível o “eu posso”. Assim
sendo, é com base nestas “tecnologias”, intrínsecas à materialidade da escola, que o/a
professor/a “capta a atenção” do/a estudante para a matéria e com ela abre as possibilidades
para as coisas do mundo, para que este/a transforme a si mesmo/a.
Por isso, diante desta característica subversiva, de rompimento com a ordem desigual
da sociedade grega da época e democratização do ensino, que a escola pública atravessará os
séculos seguintes, sofrendo ataques e hostilidade, com tentativas de dominação doutrinária,
social, mercadológica, religiosa, dentre outros. A partir da modernidade no Ocidente, a escola
tornar-se-á fragmentada destas características primárias revolucionárias, tendo em vista que
pelas imposições o sistema “priva a geração jovem do tempo e do lugar para praticar e
experimentar o tempo livre” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 106).
Contudo, mesmo assim, na atualidade, ainda há resquícios destas subversões da escola
pública, apesar das determinações do sistema que a adentra, dita normas e tenta domá-la e,
por isso, ela é atacada. No presente momento no Brasil, por exemplo, identifico estas
tentativas de dominação da escola pública em discursos pautados no projeto “escola sem
partido”, “ideologia de gênero”, “criacionismo” e “militarização dos colégios”, os quais
tentam fissurar a escola e sua autonomia democrática como lugar público. Além de tentativas
de vigiar e domesticar a autonomia de professores e professoras em sala de aula, como
preconizam as ideias do movimento escola ‘sem partido’, a saber:
Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica
bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam
estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou
responsáveis pelos estudantes. [...] Art. 4º. No exercício de suas funções, o
professor: I - não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de
74

cooptá-los para esta ou aquela corrente política, ideológica ou partidária [...]


(PROJETO DE LEI N.º 867, 2015, p. 2 – grifos meus).

Neste sentido, a meu ver, as propostas desse movimento estão atreladas ao que Jan
Masschelein e Maarten Simons (2015) discorrem como tentativas ou táticas de movimentos
políticos e ideológicos de “despolitizar” a escola, ou retirar dessa instituição seu princípio
político basilar que é proporcionar “tempo livre”. Portanto, estes anseios religiosos, morais e
familiares propagados no movimento “escola sem partido” e nos discursos de “ideologia de
gênero” tentam se instalar no âmbito educacional com objetivos de domar a escola pública e
deturpar o seu caráter democrático e autônomo neste processo de emancipação intelectual de
alunos e alunas.
Em contrapartida aos discursos de ódio e discriminatório, a onda conservadora,
fundamentalista e preconceituosa disseminada através do projeto “escola sem partido”,
surgiram reivindicações como “escola sem mordaça” e “professores contra o escola sem
partido”45, defendendo a liberdade democrática do ensino público e dos/as professores/as, sem
que sejam vigiados/as com câmeras e denunciados ao Ministério Público46.
Ainda sob esta perspectiva, os autores de Em defesa da escola (2015) destacam que
“julgadores/as” da escola a condenam como alienadora, arcaica frente às mudanças
tecnológicas. Todavia, é em tempos difíceis, como na contemporaneidade, no qual discursos
tentam inferiorizar e discriminar a escola pública, que a instituição reafirma sua importância,
seu caráter de reinventar-se e emancipar aos/as que dela desfrutam. É justamente acerca deste
aspecto emancipatório, ou de empoderamento intelectual, o qual é propocionado no âmbito da
escola pública e democrática, que tenho interesse em trazer à tona para falar dos corpos e
representatividade queer na escola.
Ou seja, meu intuito é desvelar esta outra face escolar, a que empodera os corpos
queer, considerando-se que é neste mesmo espaço no qual na atualidade sentimos segregações
que também nos emancipamos. Neste sentido, a escola também acolhe e empodera LGBT+ e
torna-se subversiva por oportunizar esta emancipação dos corpos abjetos e renegados. Estes
corpos queer que, anteriormente, se “escondiam” nos armários obscuros de uma sociedade
hipócrita ou, no caso de algumas, se “escondiam” do sol e se revelavam nas noites, nas
45
“Em uma sociedade dividida como a brasileira, é certo que o projeto Escola sem Partido foi alvo de críticas
contundentes. Destaca-se nesse debate Fernando Penna, Professor da Faculdade de Educação da
Universidade Federal Fluminense, que ocupa papel central no movimento “Professores contra o Escola sem
Partido”, protagonista na promoção de debates, audiências e publicações, além do enfrentamento diligente a
projetos de lei espalhados nas casas legislativas do país” (VIÉGAS; GOLDSTEIN 2017, p. 6).
46
“Deputada estadual do PSL eleita por SC incita alunos a filmar e denunciar professores”. Disponível em:
https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/eleicoes/2018/noticia/2018/10/29/deputada-estadual-do-psl-eleita-por-
sc-incita-alunos-a-filmar-e-denunciar-professores.ghtml. Acesso em: 28 abr. 2019.
75

esquinas, nos becos, nas ruelas, nos guetos, mas que agora estão ocupando, seguindo a
máxima qualira “bota a cara no sol, viad@!”: a escola, a Universidade e demais espaços de
saber-poder, reivindicando o direito de existir.

2.2 DA PEDAGOGIA QUEER À PEDAGOGIA TEATRAL: AFETIVIDADE E


REPRESENTATIVIDADE “ARCO-ÍRIS” NA ESCOLA

[...] o ponto de partida é o amor pelo assunto, pela matéria, e pelos alunos; um
amor que se expressa na abertura e compartilhamento do mundo. Com base nisso, o
professor não pode fazer nada além de assumir a igualdade, ou seja, agir a partir
do pressuposto de que todo mundo é capaz de atenção, interesse, prática e estudo.
[...] Assim como o professor amoroso não permite que os alunos se escondam por
trás das histórias de fracasso ou inépcia que contam sobre si mesmos ou os outros
contam sobre eles. Em suma, o professor amateur ama sua matéria e acredita que
deve ser dada a todos, repetidas vezes, a oportunidade de se engajarem na matéria
que ele ama (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 83-84).

Os autores Jan Masschelein e Maarten Simons (2015, p. 134) descrevem o/a


professor/a como uma “figura pedagógica”, aquele/a “que se coloca a serviço do assunto ou
da tarefa” que pretende compartilhar em forma de matéria. Por isso, o/a professor/a compõe a
escola neste lugar de “amateurismo”, ou “amor pelo assunto”, centrando a atenção do/a
aluno/a na matéria que pretende partilhar e, com esse gesto, proporciona um debruçar-se aos
estudos no tempo presente.
Assim, com relação a este amor pela materialidade da escola e pela matéria da qual
lecionamos, retorno aos escritos do livro Em defesa da escola (2015) e Esperando não se sabe
o quê – sobre o ofício do professor (2018), de Jorge Larrosa para pensar acerca da relação
afetiva que atravessa a profissão do/a professor/a. Tanto Jan Masschelein e Maarten Simons
(2015), quanto Jorge Larossa (2018) ressaltam a importância da relação afetiva que o/a
professor/a deve nutrir com a matéria que leciona e com o ofício da docência. Além da
afetividade, os autores destacam ainda o deslocamento da disciplina das imposições da esfera
produtiva como forma de tornar público o amor à matéria que leciona, concentrando a atenção
dos/as alunos/as nos estudos e na sua própria emancipação.
Neste sentido, esse gesto afetivo de tornar pública sua matéria aos/as seus/suas alunos
e alunas também está atrelado ao que Jorge Larrosa (2018) descreve como característico de
“professores de arte silvestres”. Para o autor, os/as “professores/as de arte silvestres” possuem
algo que, ao compartilhar a matéria que lecionam e pela qual nutrem um amor, têm a
oportunidade de se inspirar por ela no momento que a tornam pública aos/as estudantes.
76

Com isso temos a capacidade de despertar a atenção e interesse em torno do que se


está sendo partilhado. Logo, os/as professores/as de arte silvestres “não apenas amam o que
ensinam, e por isso o transmitem, mas é a própria transmissão que os faz aprender”
(LARROSA, 2018, p. 458). Esta “corrente de amor” ou “cadeia de transmissão”, como
discorre Jorge Larrossa (2018, p. 458), oportuniza a nós, professores/as silvestres,
convertermos o nosso ofício em uma “espécie de agradecimento” ao que recebemos dos/as
nossos/as mestres e mestras. Contudo, este agradecimento, convertido nesta “cadeia de
transmissão”, é compartilhado adiante com nossos/as alunos e alunas, no que compreendo
como um ciclo de afetos.
As falas que seguem os/as professores/as de arte Ma. Beatriz Sousa, Ms. Luis Félix
Rocha e Dr. Tiago Cruvinel refletem a respeito da escola para alunos/as LGBT+ e da
importância de suas presenças em sala de aula como possibilidade de representatividade.
Além de revelar ainda a influência da arte na escola e do amor nutrido pela matéria, que
concentra a atenção e aproxima os/as estudantes do fazer artístico em sala de aula:

A escola para o docente de Arte também é esse campo de luta. [...] Como um
campo a ser explorado. Como um lugar de conquistas e desafios. Como espaço
de violências simbólicas e desafios constantes. Como um ambiente que
proporciona reflexão e conhecimento e, dessa forma, pode contribuir para a
compreensão da diferença. [...] Penso que a Arte me transformou. Me deu
liberdade para ser o que sou e o que desejar ser. Não sei o que seria se não
fosse arte/educadora. Acredito que o exercício da liberdade, o contato com
a diversidade cultural, o respeito e a valorização da diferença são
diferenciais da minha formação que tento levar para a minha prática
docente. Tento tocar as pessoas. Não sei se consigo.
(Beatriz de Jesus Sousa, professora cis/lésbica de artes visuais do ensino
fundamental e médio do Colégio Universitário - COLUN/UFMA, 2019 - grifos
meus).

A segregação parte do comportamento de alguns meninos heterossexuais,


todavia, os alunos LGBT+ se sentem acolhidos junto às meninas
heterossexuais, eu sou uma prova viva desse acontecimento na escola. Por isso
os LGBT+ se agrupam mais com meninas, para nós é um porto seguro. [...] nós
enquanto LGBT+ e professor de Arte temos uma sensibilidade que
conquista nossos alunos/as. Tiro por mim, o carinho que meus alunos/as
têm por mim. Existe um respeito mútuo, meus alunos/as se sentem mais
confortáveis em sala de aula comigo e com a disciplina.
(Luis Félix Rocha, professor cis/homossexual de arte do ensino fundamental e
médio das instituições Escola Municipal Júlia Fonseca Barbosa e Centro Educ.
Altenor Bogea/MA, 2019 - grifos meus).

Eu acho que, independentemente de ser LGBT+, normalmente, o


professor de arte/teatro é aquele que tem abertura e brecha para
trabalhar questões que dizem respeito à complexidade da vida e as
relações humanas. [...] A arte, nesse sentido, tem se mostrado bem eficiente
nesse processo de mediação do sujeito atual com o sujeito historicamente
construído. Não me parece mais que há espaço para a disciplina de
Arte/Teatro ser isenta e neutra. Ela sempre será política. Digo política, não
77

partidária. Falo isso porque ela sempre trabalhará com o espectro da


transgressão, da criação, da revolução e da crítica.
(Tiago Cruvinel, professor cis/homossexual de arte do ensino médio integrado do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais/IFMG, 2019 -
grifos meus).

As falas dos/a “professores/as de arte silvestres” ilustram este “algo” que perpassa as
experiências do fazer artístico em sala de aula: o amor pela arte e a forma com que estes
saberes são “postos à mesa” aos/as alunos/as. Destaco ainda a sensibilidade e
representatividade nas afirmações do professor Luis Félix que, a meu ver, tornam-se
importantes nesta circunstância conservadorista, pois proporcionam acolhimento e afetividade
em meio aos discursos de ódio que assolam o Brasil e adentram à escola.
Ainda com base nas concepções dos/as professores/as de arte ressalto a resistência, a
transgressão e o pensamento crítico suscitado pelo fazer artístico na escola, como frisa o
professor Tiago Cruvinel, os quais proporcionam aos/as alunos/as esta brecha para olhar para
si e também para o mundo. Em diálogo com as falas dos/as professores/as de arte queer,
verifico que mesmo no atual contexto conservador, repressivo, machista e LGBTfóbico, ainda
que a escola seja este lugar ambíguo para alunos/as e docentes queer, ela mostra-se
imprescíndivel para estabelecer redes de afetos, representatividade e empoderamento dos
corpos queer nesta conjuntura obscuratista.
Portanto, o ensino de arte na escola, em especial o teatro, pode proporcionar
experiências artísticas através do sensível que toquem alunos/as e oportunizem relações de
alteridade nos processos criativos em sala de aula. A meu ver, quando partilhamos nossa
matéria, com propostas artísticas de afetividade e acolhimento em sala de aula, também
proporcionamos que nossos alunos/as sejam tocados/as pelas experiência da arte na escola.
O professor Tiago Cruvinel também ressalta diálogos entre o ensino de teatro, a
representatividade e o acolhimento por meio da arte. Para o professor a representatividade na
formação inicial na Universidade fora fundamental na sua formação artística e também na
afirmação como homossexual, destacando imbricações entre a Arte e a comunidade LGBT+.
Atualmente, lecionando na educação básica como professor de arte, identifica paralelos entre
a sua representatividade queer, a afetividade e a empatia com a pluralidade em sala de aula:

[...] eu acho que há uma relação muito grande entre os cursos de Artes e a
comunidade LGBT+. Conviver com meus iguais [na Universidade] foi fundamental
para esse processo de afirmação. Afinal, é somente quando se conhece pessoas que
lidam bem com sua sexualidade que o espelho passa a refletir o seu corpo também.
Antes ele só refletia uma mancha escura.
[...] Eu não consigo dar aula sem poder ser aquilo que sou. Afeminado [...] por ser
assumido, consigo trazer exemplos pessoais para as discussões que caminham na
78

perspectiva da transformação do sujeito. Isto é, meu objetivo com a disciplina está


para além do vestibular, do Enem, ou do mundo do trabalho, está em auxiliar os
meus alunos e alunas a se transformarem enquanto sujeitos sociais. A pensarem fora
da caixa. A entenderem como os movimentos artísticos e as novas concepções de
Arte nos ajudam a perceber que a transgressão sempre será um processo doloroso.
Ser aceito não é fácil, já ser respeitado é um direito.
(Tiago Cruvinel, professor cis/homossexual de arte do ensino médio integrado do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais/IFMG, 2019).

Dessa maneira, ressalto ainda, em conformidade com a fala do professor Tiago


Cruvinel, a sensibilidade e transgressão da arte na escola quando os/as professores/as de arte
percebem a importância da emancipação dos/as alunos/as através da prática artística na
escola. Além de destacar, a partir da perspectiva queer, como a representatividade dos corpos
queer em sala de aula oportuniza também uma abertura para a empatia, o respeito e o
protagonismo da pluralidade LGBT+ no ambiente escolar e fora dele.
É neste lugar de reivindicação do direito de existir e ocupar estes espaços artísticos e
sociais que se encontra a representatividade na escola. Assim, a respeito das faces da escola
para alunos/as e professores/as LGBT+, a professora travesti/pansexual Catarina Moreira
também identifica na escola aspectos de segregação e de emancipação dos corpos queer.
Enquanto o professor de arte/teatro cis/homossexual Arthur Gomes ressalta que o
empoderamento no âmbito escolar também perpassa pela representatividade dos nossos
corpos em sala de aula:

A escola tem esse caráter dubio na vida de pessoas LGBT+, ao mesmo tempo
que ela tenta abrir espaço para o indivíduo se emancipar, ela também, através
de certos agentes, tolhe e exclui a diversidade sexual e identitária. [...] Eu
acredito na capacidade de incentivo que muitos professorxs47 colocam
nos alunxs. Isto também ajuda no empoderamento, mas é uma situação
que compete a cooperação de muitos, do corpo docente, administrativo e das
famílias, a participação e respeito de todos neste processo é primordial. Não
adianta apenas os alunxs quererem e não terem apoio.
(Catarina de Cassia Moreira, professora pedagoga travesti/pansexual,
docente substituta na Escola de Educação Infantil da Universidade Federal do
Rio de Janeiro/EEI-UFRJ, 2019 - grifos meus).

47
Conforme discorri no início desta pesquisa, a escrita inclusive nos estudos de gênero compreende diversas
formas, dentre elas a utilizada pelo professor Arthur Rogoski Gomes. Entretanto, para esta investigação optei
pelo uso da escrita “o/a”, ao invés do “x”.
79

A escola sempre é o pior ambiente para uma pessoa LGBTT. Falo por mim
que vivenciei experiências deselegantes e totalmente desnecessárias nesse
espaço. [...] (a escola) empodera apenas quando se possibilita a
representatividade em sala, é a partir da diversidade no ambiente da
licenciatura que fortalecemos as diferenças, que barramos a censura e o
esquecimento dos corpos LGBTTs. É um empoderando o outro, tanto a
criança-viada, como o adulto bicha.
(Arthur Rogoski Gomes, professor de arte (teatro e artes visuais)
cis/homossexual do ensino fundamental na rede municipal de Nova
Trento/SC, 2019 - grifos meus).

Conforme compartilham os/as professores/as, percebo na escola, por meio da sua


materialidade, deste tempo/espaço dedicado aos estudos e na mediação do/a professor/a com
afetividade, além da abertura para a representatividade queer, oportunidades também de
superação das máculas e coerções vivenciadas por estudantes LGBT+, tornando uma forma
possível do empoderameno intelectual.
Destaco ainda, como ressaltam os/as professores/as, a importância da
repesentatividade dos nossos corpos compondo este espaço escolar como forma de ruptura
das normas de segregação e silenciamento na atual situação de desmontes da educação no
Brasil, sobretudo com a dissiminação explícita de discursos de ódio e das ideias do “escola
sem partido”, bem como da “ideologia de gênero”. Sendo que, novamente, a
representatividade queer nesse âmbito torna-se relevante, quando está associada à presença e
atitudes de afetividade, acolhimento e empoderamento em sala de aula.
Por isso, interesso-me em lançar outros olhares para a escola pública baseados nos
estudos e pedagogia queer, além das aproximações com o campo epistemológico da filosofia
da educação, para pensar a respeito da escola e desestigmatizá-la apenas como o lugar de
opressão dos corpos queer. Acredito na relevância da “interrupção dos discursos” que
somente estigmatizam a escola como espaço de segregação dos nossos corpos.
Diante desses novos olhares, compreendo o quão é importante perceber a escola de
forma empática e afetuosa, tendo em vista que é neste espaço ambíguo que nos empoderamos.
Logo, é neste lugar escolar no qual os nossos corpos queer resistem, o mesmo no qual outros
foram expulsos e desejavam ser acolhidos. É ainda neste espaço que muitos/as resistiram e
agora retornam, não mais como alunos/as LGBT+, mas como professores/as queer que
retribuem e emancipam outros/as, por acreditarem na escola e na educação, mesmo no atual
contexto em que “jogam pedra na Geni”.
Diante dessa conjuntura, a tímida visibilidade dos conteúdos de gênero e orientação48
sexual conquistada no decorrer dos anos nos documentos educacionais, a exemplo dos

48
Para entendimento do processo de elaboração da Base Nacional Comum Curricular e da segregação dos temas
80

Parâmetros Curriculares Nacionais – Orientação Sexual (1997), fora silenciada na Base


Nacional Comum Curricular (BNCC)49. Para o professor Tiago Crunivel, o qual pesquisou os
conteúdos de arte/teatro na BNCC e acompanhou a elaboração deste documento, há relações
entre o movimento “escola sem partido”, a narrativa “ideologia de gênero” e a marginalização
dos temas de gênero, sexualidade, educação sexual e LGBT+:

Eu acho que a grande problemática é o projeto “Escola sem Partido”, pois


para os seus defensores existe o que eles chamam de “ideologia de gênero”
sobre a qual você não poderia “tomar partido” de nenhum conhecimento
científico/cultural/social, isto é, eles partem do pressuposto que há um
conhecimento neutro [...] Mas, como sabemos, esse conhecimento “neutro” é
baseado em princípios conservadores. Portanto, quando se tem um Presidente
que legitima o discurso de ódio à população LGBT+, o conservadorismo e os
ataques crescem significativamente. Aquilo que antes era considerado
politicamente incorreto ou preconceituoso passa a ser visto como normal,
pois o chefe da nação assim o vê. [...] O Escola sem Partido tem pavor da
palavra gênero. Eles partem do pressuposto que é possível ensinar a ser
LGBT+ nas escolas. Eles não sabem a diferença de educação sexual e
sexo nas escolas. Pelo simples fato de ter a palavra “sexual”, eles
entendem que a criança irá aprender a fazer sexo na mais tenra idade. O
que não é verdade. A educação sexual é extremamente importante de ser
estudada nas escolas, pois ela permite que a criança perceba e denuncie,
por exemplo, casos de abuso sexual na família. Além disso, ela começa a
entender melhor e a respeitar mais as diferenças de gênero e/ou de
orientação sexual.
(Tiago Cruvinel, professor cis/homossexual de arte do ensino médio integrado do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais/IFMG, 2019 -
grifos meus).

A fala do professor Tiago Cruvinel demonstra o que venho apontando com relação a
distorção falaciosa dos estudos de gênero e sexualidade propagados por meio da “ideologia de
gênero” e seus impactos na rotina escolar. Neste sentido, como também ressaltou o professor,
é importante a desconstrução destes mitos e tabus em torno dos estudos de gênero,
sexualidade e educação sexual em sala de aula, tendo em vista que são temáticas intrínsecas à
formação sócio-cultural dos indíviduos em sociedade. São temas compreendidos para serem
estudados progressivamente, de acordo com cada faixa etária da criança e adolescente; na
educação infantil, no ensino fundamental e médio, a partir de recursos didático-pedagógicos
que ampliem os conhecimentos emancipatórios dos/as educandos/as (FURLANI, 2016).
Com base no desconhecimento desses campos teóricos e incitados pelo “pânico
moral” atrelado à “ideologia de gênero” todas as menções aos termos “gênero” e “orientação

de diversidade das primeiras versões, sugiro a leitura do artigo A primeira e segunda versões da BNCC:
construção, intenções e condicionantes (NEIRA; JÚNIOR; ALMEIDA, 2016). Disponível em:
https://www.redalyc.org/pdf/715/71550055003.pdf. Acesso em: 15 abr. 2019.
49
Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base. Acesso em:
28 abr. 2019.
81

sexual” foram censurados da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Logo, quando
comparado aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), principalmente o documento que
trazia os temas transversais como “Orientação sexual”, a BNCC ocasiona um retrocesso nas
discussões de gênero e sexualidade na escola. Ainda que nos Parâmetros Curriculares
Nacionais – Temas Transversais (1997) não se tratasse das diversas identidades sexuais e de
gênero LGBT+, foi através dos PCN de orientação sexual que os/as educadores/as se
respaldaram para discutir os temas citados de forma transversal, em diversas disciplinas e
projetos na escola.
Todavia, baseado na entrevista do professor Tiago Cruvinel para esta investigação e
em seu artigo intitulado Avaliação qualitativa do ensino de Arte no Ensino Médio (2019), no
qual discute os conteúdos de arte/teatro na BNCC, questiono-me: apesar deste silenciamento
dos termos gênero, orientação sexual e das subjetividades queer na BNCC não há brechas de
subversão dessa censura, no próprio eixo curricular de arte/teatro, proposto por esse
documento? Tendo em vista que, como aponta o pesquisador, a BNCC ressalta a “importância
de os processos criativos incorporarem, aos seus estudos, tanto pesquisas e referências
estéticas e poéticas, quanto referências sociais e políticas, visto que essa é uma maneira de
chamar atenção do jovem para si e para o mundo” (CRUVINEL, 2019, p. 87).
São destas relações, entre o futuro do ensino da arte na escola, sobretudo do teatro, e
as discussões interseccionais de gênero, educação sexual, queer, questões étnico-raciais,
acessibilidade, dentre outras que perpassaram as falas dos/as professores/as de teatro nos
eventos acadêmicos que participei no decorrer da pesquisa. De Norte a Sul, do Nordeste ou
Centro-Oeste brasileiro tais discussões foram debatidas nos seguintes eventos, a saber: GT de
Pedagogia das Artes Cênicas da ABRACE, realizado em 2018 na UDESC, VIII Seminário de
Pesquisa em Artes Cênicas – SPAC/UDESC, X Jornada Latino-Americana de Estudos
Teatrais. Além do II Colóquio Internacional de Pedagogia do Teatro – Colipete/UFMA.
Nesses importantes eventos da pedagogia do teatro foram discutidas as dificuldades,
bem como a relevância das intersecções do ensino de teatro na escola e os temas transversais
mencionados, a partir de reflexões com tentativas de vislumbrar possíveis caminhos de
articulações para problematizar, dar visibilidade e representatividade a essa pluralidade nos
processos criativos em sala de aula, como forma de resistência.
Nos dossiês como Pedagogia das Artes Cênicas: desafios e resistência (2019) -
UDESC e Desafios do fazer artístico na Educação Básica em tempos de diversidade e
rupturas (2018) - UFU, professores e professoras de arte também discorrem acerca das
implicações do atual contexto repressivo e reacionário para o ensino do teatro em sala de aula.
82

Além de compartilharem reflexões acerca das retaliações e tentativas de silenciamentos do


fazer artístico na escola.
A autora Maria Lucia Pupo, em artigo intitulado Construir o(s) sentido(s), juntos
(2018), tece considerações (e ingadações) com relação às conquistas no ensino de teatro
garantidas ao longo das décadas e que nesta conjuntura sofrem desmontes. A pesquisadora
destacou na formação inicial e continuada em artes cênicas, projetos positivos como o PIBID,
o qual estreitou e antecipou o ofício do ser professor/a-artista para discentes de cursos de
licenciaturas em formação inicial. Além de ter ressaltado a expansão dos cursos de pós-
graduações no Brasil em artes cênicas, a qual oportunizou a formação continuada e fomento à
pesquisa na área de pedagogia do teatro, dança, circo e performance, bem como as trocas de
experiências e escuta das vozes dos quatros cantos do Brasil através dos eventos acadêmicos.
No entanto, conforme frisa a autora, os altos e baixos da historiografia de luta e
resistência do ensino de arte, sobretudo de teatro na educação básica, retornaram no atual
cenário educacional brasileiro refletindo a instabilidade, a corda bamba na qual professores e
professoras, do ensino superior à educação básica, estão tendo que equilibrar-se para manter
os direitos conquistados por professores/as de arte (dança, teatro, música e artes visuais). A
pesquisadora destacou também como o fantasma da polivalência no ensino de Arte ainda
permeia o cotidiano do/a professor/a-artista na educação básica.
Dessa forma, o ensino de teatro na escola nesta atual situação torna-se significativo e
empoderador quando rompe com discursos heteronormativos e visibiliza a pluralidade
LGBT+ na cena. Além de oportunizar também as discussões das demais interseccionalidades
e “lugares de fala e escuta”, como os debates da cena contemporânea no Brasil, que podem
adentrar os processos criativos e espetáculos na escola.
Como ressalta a autora Guaraci Martins (2009; 2011), pesquisadora dos estudos de
gênero na pedagogia do teatro, os processos teatrais em diálogo com estudos queer no
contexto escolar oportunizam a desconstrução de estereótipos, mitos, tabus e preconceitos a
respeito da pluralidade de gênero e orientação sexual, contribuindo neste processo de
empoderamento dos corpos queer na escola.

Ao estimular as pessoas em debates sobre diferentes temas e questões humanas, as


atividades teatrais podem propiciar o exercício da construção/desconstrução de
padrões de comportamento e valores sociais, muitas vezes, compreendidos como
inquestionáveis. Assim, arrisco-me afirmar que a ação do fazer teatral é uma atitude
de intervenção no cenário da ética, da política e da construção de novos saberes.
Determinados padrões de comportamento e valores humanos levados para o espaço
da cena proporcionam entre os sujeitos da educação – professor/a-alunos/as e
alunos/as-alunos/as –, debates significativos sobre as ações dos sujeitos no contexto
83

social. Diante de tal consideração é possível afirmar que as atividades teatrais podem
fomentar alternativas no cenário social (MARTINS, 2011, p. 24-26).

Os processos teatrais na escola atrelados aos estudos queer podem dar visibilidade e
representatividade para os corpos historicamente marginalizados e silenciados, desconstruindo
tabus em torno de temas como identidade de gênero e orientação sexual, considerando-se que
na presente conjuntura essas temáticas ainda estão envoltas de narrativas falaciosas.
Na atualidade estes temas aparecem nos experimentos de artistas e professores/as de
arte em diversos estados brasileiros, além de espetáculos de companhias que abordam
temáticas de gênero, feminismo, sexualidade e queer, embora diante de situações de censura.
As discussões de rompimento com essa cena heteronormativa nas artes cênicas
contemporâneas estão associadas às problematizações dos estudos feministas, gênero e queer;
com viés decolonial. O mesmo ocorre na pedagogia do teatro na escola, com as demais
interseccionalidades étnico-raciais e acessibilidade.
Na matéria Seminário Temático II: pensamento giratório – decolonialidade e lugares
de fala nas artes cênicas brasileira contemporânea – UDESC50, as discussões foram pautadas
a partir da fruição de espetáculos com estas temáticas interseccionais, no projeto Palco
giratório, com debates antes e após as apresentações, além de problematizações em sala de
aula.
Tais problematizações teóricas, paralelamente à fruição das práticas artísticas,
proporcionaram estreitar os diálogos de entedimento dessas discussões como lugares de “fala,
escuta e cala” que atravessam o fazer teatral na contemporaneidade. Com base nas discussões,
surgiram alguns questionamentos: qual o papel político da arte neste âmbito de desmontes, do
teatro e da educação, na escola? De que maneira o fazer artístico no ambiente escolar pode dar
protagonismo às narrativas silenciadas? Indaguei-me ainda: Como e quando entender o nosso
“lugar de fala, escuta e cala”, bem como proporcionar representatividade para “outros lugares
de fala e escuta” em nossos processos teatrais na escola? Como reinventar nossas práticas
artísticas para oportunizar outros protagonismos interseccionais?
Essas reflexões dialogam com as inquietações que presenciei e escutei na trajetória
desta pesquisa, ao longo desses dois anos de caminhada no mestrado, imbricadas com minhas
próprias inquietações como professor-artista queer buscando maneiras para mediar práticas
teatrais em sala de aula que proporcionassem, aos/as meus/minhas alunos/as, presenciarem
estes lugares de “fala e escuta” queer.

50
Ministrada pelos/as professores/as Dra. Daiane Dordete, Dr. Vicente Concílio e Dra. Fátima Lima, em
parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC).
84

Dessa forma, estas atuais discussões da cena contemporânea nos aproximam,


professores/as e artistas (professores/as-artistas) do lugar de (re)aprender, (des)construir,
(re)criar possibilidades para (re)inventar o fazer teatral em sala de aula. Ou seja, termos
sensibilidade, e também exercitarmos a empatia, para pensarmos nos atravessamentos
interseccionais associados aos estudos queer e entendermos esses lugares de fala como
potência e resistência artística na escola. São desses dilemas, do professor-artista queer, que
aprende a caminhar (caminhando) diante dessas discussões, que compartilho no próximo
capítulo.
85

3 ENSAIOS COM O DRAMA: OS DILEMAS DO PROFESSOR-ARTISTA QUEER

Ao tentar recordar-me de como surgiram os atravessamentos do meu “ser professor” e


“ser artista”, inevitavelmente, as lembranças da criança-artista viada se sobressaem: quando
me montava em frente ao espelho com os vestidos da minha mãe, quando colocava uma
toalha na cabeça e imaginava-me com lindos e longos cabelos. Além daqueles momentos
quando meus primos e eu montávamos “espetáculos” circenses no fundo do meu quintal e
chamávamos os/as amigos/as para prestigiarem nosso fazer artístico, que era muito mais uma
brincadeira, que acredito ter feito parte da vida de muitas crianças nas pequenas cidades do
Brasil, que qualquer prelúdio do que viria a ser um ofício.
No entanto, quando retorno às mesmas memórias infantis, não me recordo de brincar
de “ser professor”, parece-me que o exercício da docência, mesmo nas brincadeiras mais
juvenis, estava impregnado pelas demarcações de gênero, tanto que o “ser professor/a” no
ambiente lúdico estava atrelado sempre à figura feminina, da prima mais velha, sobretudo,
como Guacira Louro (1997) também ressaltou. Assim, com mãe e pai analfabetos/as, as
referências de docência estavam na minha tia e nas minhas professoras dos anos iniciais do
ensino fundamental na materialidade da escola.
Todavia, referências masculinas na docência, principalmente nas séries iniciais, pelo
menos na década de 1990 e início dos anos 2000, não fizeram parte das minhas memórias
escolares, somente posteriormente. Também não havia referências de professores/as LGBT+,
pelo menos não assumidos/as, tendo em vista o burburinho em torno da sexualidade de
muitos/as. Esta atmosfera opressiva, presente também nos gestos ditos e não ditos e nas falas
levianas de corredor, assinalava que a docência ainda era um ambiente feminino interditado
aos meninos e mais fortemente às crianças queer.
Se no decorrer da minha vida escolar estes diálogos entre o ser artista e ser professor
estavam distantes, quando a figura do artista parecia se sobressair a do professor, por
inúmeros fatores impostos na sociedade, dentre estes, por exemplo, a valorização
“glamourosa” do ser artista em detrimento a “desvalorização” do ofício de ensinar na escola,
como apontam Heloise Vidor e Bárbara Biscaro (2019), bem como Jorge Larrosa (2018),
quando tecem reflexões a respeito do ofício da docência e da arte. Assim, em diálogo com as
reflexões desses/as autores/as começo a pensar quando ou a partir de qual momento da minha
vida o ofício de artista foi ao encontro do professor.
Acredito que, o espaço no qual viria sentir estas aproximações, era o mesmo no qual
sentia dilatarem-se, isto é, a formação inicial na Universidade, considerando-se que no curso
86

de Licenciatura em Teatro nem sempre todos/as almejam à docência na escola. Assim sendo,
a Universidade, também pode ser pensada como escola, como assinala Jorge Larrosa (2018),
tendo em vista que oportuniza a formação artístico-pedagógica de alunos/as e futuros
professores/as-artistas. Logo, é neste âmbito que se apropriam dos conhecimentos artísticos e
pedagógicos para retornarem à escola, agora não somente como alunos/as, mas sim como
alguém que compartilha saberes e proporciona a emancipação de outros/as alunos e alunas.
Dessa forma, ao debruçar-me nessas reflexões verifico que, se a construção do (meu)
ser artista teve seu prólogo na infância, se acentuando durante a educação básica na escola,
acredito que a de professor foi se construindo no decorrer do curso de licenciatura em teatro.
Portanto, foi na formação inicial e na pós-graduação, na formação continuada,
simultaneamente ao retorno à escola, no chão da sala de aula, que estreitavam os caminhos do
“ser professor” e “ser artista”.
As aproximações com a noção que esse seria o meu ofício foi se estabelecendo
também a partir da afetividade e encantamento pelas matérias, e por alguns/mas
professores/as-artistas, que assim como eu, sentiam-se tocados/as pelo ensinar teatro e
experienciar processos teatrais na escola. Assim sendo, das disciplinas que nos ensinavam o
ofício de artista (atores/atrizes, encenadores/as, maquiadores/as, iluminadores/as,
dramaturgos/as, dentre outros) às que nos ensinavam como compartilhar tais saberes,
atrelados à pedagogia do mediar algo (matérias, conteúdos, experiências e afetos artísticos) a
alguém, percebia como os primeiros encontros deste binômio “professor/a-artista”.
Neste sentido, interesso-me em trazer à tona quais os atravessamentos entre o “ser
artista” e “ser professor/a” na atualidade, quando a práxis de ambos/as se encontram, se
entrelaçam, se distanciam e se unem novamente para compor o ofício do/a professor/a-artista.
Assim, questiono-me também quando esse binômio se encontra com a especificidade do “ser
professor/a-artista queer” na escola. Logo, ao dar à luz a essa reflexão, me vem à memória
uma conversa que tive com um amigo artista qualira, após sairmos de um espetáculo e nos
cumprimentarmos depois de alguns anos sem nos vermos:
(Re)encontros...

Lugar: um casarão antigo, recém reformado para abrigar produções artísticas na ilha do amor.
Personagens: dois artistas qualiras (ou professores-artistas queer).
(Era noite, dois artistas se reencontram após fruírem a materialização do ofício de outros/as artistas.
Estão sentados, à beira de um local dentro do casarão, que talvez outrora, no século XIX, fora uma
fonte, mas que agora era um jardim).
Amigo: tudo bem, Nando? Quanto tempo? O que anda fazendo?
Nando: Estou cursando o mestrado. Realizando a pesquisa de campo... Fazendo teatro.
87

Amigo: Ah, é? Qual espetáculo está montando?


Nando: estou realizando um processo criativo com alunos/a na escola [...].
Amigo: Sim, mas além de dar aulas, você está montando algum espetáculo?
(Pausa).
Nando: Então... Eu estou fazendo teatro, criando um processo criativo na escola que discute questões
queer [...].”
(e continuamos a conversar sobre teatro, processos na escola, discussões queer na cena
contemporânea, problematizações na formação inicial e também como seguir fazendo arte no Brasil
em tempos tenebrosos).

Esse breve encontro, regado pela partilha do (re)encontro e compartilhamento de


novas experiências artísticas faz parte das conversas nos cafés, nas universidades, nos
corredores dos teatros, antes ou após espetáculos. Atualmente, este tempo para conversar a
respeito do nosso ofício fora estendido às redes sociais, lugar também de compartilhar os
novos afazeres, inquietações artísticas e narcisistas. Situações assim são como uma fotografia
momentânea do cotidiano dos/as artistas que conversam, pensam, discutem e partilham as
dores e amores do ser artista, e LGBT+, na contemporaneidade frente as adversidades do
contexto político, social e educacional do Brasil.
Dessa maneira, “(Re)encontros...” revela algumas das reflexões entorno do ofício do/a
professor/a-artista, sobretudo deste/a que também se percebe como queer, na escola na atual
conjuntura. Por um lado, esse prelúdio ilustra como o fazer teatral na escola muitas vezes é
desconsiderado como fazer teatro por muitos/as artistas. Por outro lado, há necessidade de
repensar os conteúdos das disciplinas da formação inicial que ainda não contemplam a
pluralidade de gênero e sexualidade em diálogo com a pedagogia do teatro.
Essa anedota desvela ainda que, na formação inicial, ainda pouco se discute acerca das
especificidades de ser professor/a-artista queer na escola. Sendo que, as discussões de gênero,
sexualidade e questões LGBT+, além das demais interseccionalidades, são sempre
atravessadas nos processos criativos e montagens teatrais dos/as professores/as-artistas em
formação, quando estão lecionando na educação básica. No entanto, por falta de
conhecimentos preliminares a respeito das temáticas e como estas podem ser mediadas em
diálogo com os conteúdos da linguagem teatral, discentes em formação e professores/as-
artistas sentem dificuldades e receio de abordar tais temas em sala de aula.
Nos próximos itens deste capítulo tenho interesse em refletir principalmente acerca do
lugar do professor-artista queer e sua práxis artística na escola em tempos de censuras e
silenciamentos das vozes LGBT+ na educação, sem a pretensão de esgotar as discussões, mas
talvez com o intuito de incitar a reflexão na atual contexto política e educacional do Brasil,
para quem sabe pensarmos: como nossos corpos LGBT+ e processos artístico-pedagógicos
88

queer resistirão na escola, e na Universidade, diante deste ambiente retrógrado que nos assola
e que perdurará por mais alguns anos (que não sabemos quantos!)?
São dos atravessamentos do/a professor/a-artista queer, em especial a respeito do/a
professor-artista-aprendiz, que se aproxima de novas possibilidades metodológicas para criar
em sala de aula que pretendo partilhar nestes escritos. Para isso, compartilho a minha
aproximação teórico-prática com a metodologia do Drama e os caminhos iniciais de
preparação e mediação das duas práticas pilotos, realizadas em Florianópolis – SC e São Luís
– MA, em 2018. Assim, revelo os percursos que segui (e os que não consegui seguir) para
criar narrativas queer, com meus/minhas alunos/as do ensino médio em sala de aula.

3.1 OS PRIMEIROS PASSOS OU COMO APRENDI A CAMINHAR (CAMINHANDO):


ENTRE CONVERSAS E ESTÁGIOS, ENTRE LIVROS, LEITURAS E GRUPOS DE
ESTUDOS, ENTRE A TEORIA E PRÁTICA DO DRAMA

Ao ecoar e entrelaçar as vozes de Jorge Larrosa (2018) na perspectiva da filosofia da


educação, acerca do ofício de professor, com a da autora Heloise Vidor (2010) no âmbito da
pedagogia do teatro, a respeito das experiências artístico-pedagógicas do/a professor/a-artista,
indaguei-me: de que maneira estes diálogos, entre o percurso de elaboração das aulas e dos
episódios de Drama51, revelam o meu ofício de professor-artista aprendiz e também de artista-
pesquisador, na construção dos processos criativos de Drama?
Ao compartilhar as angústias, as inquietações, os atravessamentos e as realizações
significativas que um professor-artista aprendiz trilha, ao aproximar-me de novas e
desconhecidas práxis, talvez possa trazer diferentes olhares para o processo criativo de
professores/as-artistas, bem como acerca das experiências teatrais compartilhadas na escola.
Nesta perspectiva, que estas reflexões também possam trazer à tona um recorte da
realidade da escola pública no Brasil frente a atual conjuntura educacional e política, assim
como revelar o ofício do/a professor/a-artista, quando nos propomos a criar processos
artístico-pedagógicos com nossos/as alunos/as na sala de ensaio da sala de aula.
Como preâmbulo para iniciar esta trajetória, no qual retorno às experiências que
vivenciei nestes dois anos de mestrado, para compartilhá-las com outras pessoas que, por
ventura tenham interesse, me vem à cabeça (e aos dedos) alguns questionamentos: de que

51
Utilizo a terminologia Drama, em itálico, para diferenciar do termo usado como dramaturgia, bem como
destacar a origem desta palavra em inglês. Além de diferenciá-la de “drama”, quando me referir aos
processos de drama, ou seja, os experimentos teatrais.
89

forma o professor-artista aprendiz (que sou), que almeja criar em sala de aula artisticamente,
se aproxima de uma metodologia que acredita ser potente (mas que até então não sabe se
realmente é!) para envolver alunos/as no universo lúdico do fazer teatral e fazer emergir
narrativas queer?
Assim, como dar voz aos/as estudantes oportunizando que estes/as sejam protagonistas
da construção da narrativa? Como envolvê-los/as em experiências teatrais em meio às
adversidades da rotina escolar na matéria de arte/teatro na educação básica? Como aproximar
meus/minhas alunos/as, por meio da ficção, dos lugares de fala e escuta das narrativas
LGBT+, bem como das facetas do universo queer neste cenário reacionário, de silenciamento
e de marginalização das minorias sociais na educação? Quais caminhos percorri, e quais não
pude desbravar, tendo em vista o contexto reacionário e LGBTfóbico no Brasil? Como foi
minha aproximação com a metodologia do Drama para realizar processos cênicos na escola?
Em diálogo com Jorge Larrosa (2018), perguntei-me: quais livros e autores/as
estreitaram os meus laços com o Drama? Com quem conversei sobre Drama (e também a
respeito dos estudos queer na educação)? Quais percursos, intrínsecos ao ofício de professor/a
e de artista, especificamente na aproximação da metodologia do Drama, segui antes de chegar
no chão da sala de aula e continuar criando com meus/as alunos/as?
Inicialmente, quando decidi aventurar-me, do Nordeste ao Sul do Brasil, em busca de
novas possibilidades artísticas para mediar processos teatrais na escola em diálogo com os
estudos queer, a metodologia do Drama era o caminho que pretendia percorrer. Dessa forma,
meu intuito era aproximar-me dessa abordagem para pensar em possíveis caminhos para criar,
fruir e contextualizar, com meus/minhas alunos/as em sala de aula, numa perspectiva que
trouxesse à tona as discussões queer.
Meu interesse pela metodologia deu-se ainda na graduação na Universidade Federal
do Maranhão (UFMA), quando tive acesso à abordagem do Drama, por meio do livro Drama
como método de ensino (2006), durante a disciplina Metodologia do ensino do Teatro,
ministrada pelo prof. Dr. Arão Paranaguá. Recordo-me que os escritos da profa. Beatriz
Cabral (Biange) me inquietaram, almejava compreender melhor como era desenvolvida as
práticas com o Drama.
Ao aproximar-me dos estudos desta metodologia na pós-graduação identifiquei que,
neste panorama do Drama no contexto da pedagogia do teatro no Brasil, ainda há
divergências acerca da terminologia e também desconhecimento em diversos estados
90

brasileiros a respeito dessa abordagem. Apesar de passados mais 25 anos de inserção52 do


Drama no país, com diversas publicações de artigos, monografias, dissertações e teses,
conforme pesquisa realizada para esta investigação. No que tange à terminologia, de acordo
com a autora Tharyn Freitas (2017), como campo de estudos o Drama:
Vem se consolidando desde o início do século XX. Talvez por ter sua estruturação,
finalidade e massivo desenvolvimento em contextos educacionais de países de
origem anglo-saxônica (Inglaterra, Austrália, EUA), o uso dessa nomenclatura
proponha certa confusão em países de língua latina. Além disso, a diversificada
gama de pesquisas e práticas com o drama em sala de aula e fora dela tem
disseminado propostas conceituais diferentes para nomear essas experiências
pautadas essencialmente na atividade dramática. Logo, o drama foi ganhando
terminologias diferentes de acordo com as abordagens em seus respectivos
contextos: drama na educação, drama desenvolvimentista, drama terapia,
sociodrama, live action roleplay, teatro de site-specific, drama processo (FREITAS,
2017, p. 37).

Ainda segundo a autora (2017), no Brasil essa abordagem inglesa foi introduzida pela
pesquisadora Beatriz Vieira Cabral, docente aposentada do curso de Licenciatura em Teatro
(UDESC), através da nomenclatura Drama ou método do Drama. Nesta pesquisa, aproprio-
me deste termo para designar esta metodologia em diálogo com as propostas da pesquisadora
Beatriz Cabral (2006).
O Drama é definido como a criação de um processo coletivo de investigação teatral,
delimitado por um contexto ficcional, no qual os/as participantes são envolvidos/as em
situações cênicas, a partir de problemas e tensões, para criarem uma narrativa. O processo é
construído por meios de episódios, nos quais são utilizadas convenções e estratégias teatrais
que possibilitem seu sequenciamento e aprofundamento, oportunizando que os/as alunos/as
assumam papéis ficcionais para explorar problemas, eventos e situaçõs imaginárias para
construir uma narrativa coletiva (CABRAL, 2006; VIDOR, 2010; PEREIRA, 2015;
FREITAS, 2017; ÖZBEK, 2017; SOLANO, 2018).
No âmbito da pedagogia do teatro no Brasil, esta abordagem de Drama53, como
estrutura de criação de um processo teatral utilizando convenções e estratégias como pré-
texto, professor-personagem, contexto real e ficcional, adentrou a prática de professores/as de
teatro por meio do livro O drama como método de ensino (2006), da autora Beatriz Ângela
Vieira Cabral. Posteriormente, foi se difundindo no Brasil através de publicações de artigos e
52
Refiro somente à abordagem do Drama proposto pela pesquisadora Beatriz Cabral baseada nas práticas e
investigações realizadas pelas pesquisadoras Dorothy Heathcote e Cecily O’Neill.
53
Reconheço que no Brasil tenha sido difundindo, a partir da segunda metade do século passado, outras
abordagens do drama e também do jogo dramático, como por exemplo, os escritos de Richard Courtney
(2010) e Peter Slade (1978). Entretanto, ao discorrer a respeito do pioneirismo da pesquisadora Biange
Cabral, refiro-me acerca da estrutura propagada da metodologia inglesa do Drama pela autora no Brasil, após
estudos de doutorado na Inglaterra, conforme investigações realizadas pelas pesquisadoras Dorothy
Heathcote (inglesa) e Cecily O’Neill (irlandesa).
91

processos práticos realizados por esta pesquisadora quando era professora da Universidade do
Estado de Santa Catarina (UDESC), sobretudo no grupo de pesquisa Pedagogia do Teatro e
Teatro como Pedagogia, com práticas realizadas na UFSC e UDESC, em Florianópolis – SC
(VIDOR, 2010; PEREIRA, 2015; PAULA, 2016).
O autor Diego Pereira (2015) ressalta que os processos de drama desenvolvidos por
Beatriz Cabral se diferenciavam das propostas realizadas nas escolas inglesas, principalmente
porque Biange, como também é chamada, evidenciava os aspectos de apropriação da
linguagem teatral, os conceitos cênicos, a teatralidade, a corporeidade e imersão no contexto
ficcional e não só, necessariamente, a apreensão de conteúdos curriculares, nos quais o teatro
torna-se uma ferramenta para assimilação das demais disciplinas.
Na proposta da autora, os conhecimentos da área da pedagogia do teatro são
apropriados em diálogo interdisciplinar com os demais conteúdos curriculares, ressaltando o
teatro como um campo epistemológico e um dos eixos fundamentais do currículo educacional
na educação básica (CABRAL, 2006).
Ao passo que aproximava-me da prática do Drama na disciplina Ensino do Teatro II –
Escola, ministrada pela professora Heloise Vidor, na qual cumpri meu estágio docente do
mestrado no segundo semestre de 2017, realizei levamento bibliográfico de monografias,
dissertações, teses e artigos acerca dessa metodologia no Brasil. Posteriormente mediei a
primeira experiência prática com alunos/as do curso de pedagogia – UDESC, no primeiro
semestre de 2018.
As referências catalogadas contribuíram para o entendimento dos caminhos que
outros/as pesquisadores/as haviam percorrido para articular o Drama e seus objetivos de
investigações. Paralelamente, às aproximações teóricas havia orientações e também
acompanhava a mediação da minha orientadora, profa. Heloise Vidor, desenvolvendo um
processo de drama na graduação. Além de organizar a preparação da minha primeira
experiência prática conduzindo um processo de drama, através dos encontros do grupo de
estudos do Drama, o qual criei com mais duas amigas Gabrielli Veras54 e Giovanna
Bitencourt55.
Com a breve “historiografia da metodologia do Drama no Brasil”, após levantamento
bibliográfico, identifiquei recortes temáticos baseados em convergências nas monografias,
dissertações e teses catalogadas56. Contudo, destaco apenas aquelas que trazem diálogos com

54
Professora de Teatro formada pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
55
Discente do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
56
Professor/a personagem, professor/a no papel e professor/a em ação dramática (VIDOR, 2010; LEITE, 2013);
Drama e suas possibilidades: ambientação cênica, espaço sonoro, experiências e memórias (GUERRA, 2010;
92

os estudos de gênero, sexualidade e queer, a saber: Teatro e gênero na educação infantil


(2015) de Tatiani Borga, Gênero e vivência teatral: Reflexões sobre a prática docente do
professor de teatro na educação infantil (2017) de Erik Cáceres Barbour, Frida Kahlo:
inspirando as discussões sobre o empoderamento feminino a partir de um processo de drama
(2018) de Silvia Lemes dos Santos.
Dessa maneira, traçar o panorama do Drama me possibilitou compreender a
propagação da metodologia a nível nacional, mesmo que esta ainda seja “desconhecida” em
muitas regiões do Brasil. Além de constatar a importância da UDESC, e da autora Biange
Cabral, como polo central do Drama no país nestes 25 anos de inserção da metodologia em
terras tupiniquins, bem como entender os desdobramentos e percursos que cada pesquisador/a
construiu ao se aproximar do Drama para desenvolver seus processos teatrais. Ainda revelou
a continuidade de produção em artigos que foram publicados através destas pesquisas em
revistas científicas de pedagogia do teatro, assim como de novas investigações, que estavam
acontecendo enquanto escrevia estes escritos.

3.2 ENTRE MATÉRIAS, GRUPO DE ESTUDOS E ORIENTAÇÕES: A LITERATURA, O


PRÉ-TEXTO E O CONTEXTO FICCIONAL

Durante o primeiro período de estudos no mestrado, no segundo semestre de 2017,


algumas disciplinas contribuíram para o percurso inicial de definição do pré-texto que utilizei
para mediar os três processos de drama, a saber: Ensino do Teatro II - Escola, na qual realizei
meu estágio docente, bem como acompanhei a mediação de um processo de drama e
Seminário Temático I: Processos Educacionais em Artes Cênicas e Formação de Professores
de Teatro, por meio da qual me aproximei dos estudos de leitura, literatura e teatralidade
(VIDOR, 2016), ambas matérias mediadas pela profa. Dra. Heloise Vidor na graduação e
Programa de Pós-Graduação em Teatro – UDESC.
As aproximações com as áreas da leitura, literatura e teatralidade (VIDOR, 2016), bem
como as discussões entre as relações do texto e da teatralidade nas mediações das aulas de
teatro na escola, realizadas durante a disciplina, despertaram meu interesse em investigar nos
livros infanto-juvenis caminhos que pudessem contribuir no meu processo de drama na
educação básica com as crianças.

KUHN, 2011; FREITAS, 2012; SIMÕES, 2013); Drama e gênero na escola (BORGA, 2015; BARBOUR,
2017; SANTOS, 2018); Drama e Role Play Game – RPG (GONÇALVES, 2011; SARTURI, 2012);
Processos de drama na escola e na universidade (PAULA, 2016; COSTA, 2016; MENDES, 2016; FREITAS,
2017; DUARTE, 2018); além de Drama na educação infantil (PEREIRA, 2015; COLOMBI, 2016; VERAS,
2017).
93

Logo surgiram as minhas primeiras inquietações e dificuldades: qual texto utilizaria?


Qual literatura? O que eu gostaria de discutir com meus/minhas alunos/as a respeito dos temas
de gênero, sexualidade queer? Qual ou quais temas eu poderia explorar com as crianças? O
que era exatamente esse tal “pré-texto” em processos de drama? Era um texto em si ou
também materiais visuais e sonoros? Será que o pré-texto era somente um estímulo inicial ou
deveria permanecer em todo o processo? Quais eram as convenções teatrais principais para
iniciar um processo de drama? Essas eram as indagações que pairavam no ar (na minha
cabeça).
Portanto, debruçava-me nos livros teóricos para tentar responder as minhas primeiras
inquietações e entender como essas indagações poderiam se materializar na estrutura de um
processo de drama, sobretudo na definição do pré-texto. Dessa maneira, ao retornar à teoria,
percebia que havia alguns conceitos teórico-práticos basilares para mediar um processo de
drama, conforme a abordagem da pesquisadora Biange Cabral (2006) como, por exemplo:
pré-texto, contexto e circunstâncias de ficção, estratégias do drama, contexto ficcional, papéis
ficcionais, professor/a-personagem, processo e episódios.
Ao retornar aos escritos da autora Beatriz Cabral (2006) compreendi que estas eram
algumas características básicas atreladas à prática da metodologia do Drama, a saber: um pré-
texto, que guie e potencialize o processo teatral coletivo, contexto e circunstâncias de ficção
que tenham ressonâncias com a realidade dos/as participantes e com os seus interesses. Além
de propostas teatrais, através das estratégias do drama, coerentes com o contexto ficcional, no
qual os/as participantes sejam instigados/as a resolver situações sendo eles/as mesmos/as ou
vivenciando papéis ficcionais, com a mediação de um/a professor/a-personagem, “que
permite focalizar a situação sob perspectivas e obstáculos diversos [...]” num processo teatral
dividido em episódios (CABRAL, 2006, p. 12).
Todavia, ainda no início dos meus estudos esses eram conceitos difíceis de
compreender na prática, na estruturação de um processo e definição de um pré-texto. Nesta
perspectiva, iniciei minha aproximação teórico-prática com a metodologia por meio do pré-
texto. Por isso, debruçar-me nos escritos da autora Biange Cabral (2006) foi essencial para
entender esse primeiro conceito, sua origem e implicações na prática.
Quando a pesquisadora Beatriz Cabral (2006) desenvolve seus processos de drama no
Brasil, a mesma utiliza-se do conceito de pré-texto criada pela Cecily O’Neill, o qual introduz
e guia as situações dramáticas que serão exploradas durante o processo criativo. Assim, o pré-
texto “[...] é o roteiro, história ou texto que fornecerá o ponto de partida para iniciar o
94

processo dramático, e que irá funcionar como pano de fundo para orientar a seleção e
identificação das atividades e situações exploradas cenicamente” (CABRAL, 2006, p. 15).
Como frisa a autora Heloise Vidor (2018, p. 107) “[...] o texto como pré-texto para o
drama tem uma abordagem peculiar, porque tem que funcionar como um roteiro aberto,
flexível.”. Ou seja, a autora ressalta que o texto, que funcionará como pré-texto no processo
de drama, terá que ser flexível a ponto de adaptar-se “[...] as situações que se quer explorar, a
necessidade desse texto interessar ao grupo, de contemplar o número de alunos envolvidos, de
ter potencial para desenvolvimento da teatralidade, entre outros fatores” (VIDOR, 2018, p.
107).
Wellington de Paula (2016, p. 96) acrescenta ainda que “[...] um pré-texto pode ser
oriundo de diversas formas, artísticas ou não: texto - dramatúrgico, literário ou jornalístico;
imagem - fotografia ou pintura; música etc. Tudo dependerá dos objetivos a serem
explorados.” Neste sentido, ao compreender o conceito na teoria e perceber sua amplitude
como inspiração a partir de textos, imagens e sonoridades, as dificuldades iniciais estavam em
definir qual livro poderia discutir as questões de gênero, sexualidade e queer com as crianças,
tendo em vista que a proposta inicial era mediar o processo com alunos/as das séries iniciais
do ensino fundamental.
Além dessas inquietações, as aproximações com o campo de estudos citado e a
mediação da professora Heloise Vidor durante a matéria mencionada, fizeram-me repensar e
problematizar as narrativas e as relações forma e conteúdo apresentadas nos livros infanto-
juvenis com discussões de gênero. Dessa forma, os acervos 57 literários utilizados como fonte
inicial de pesquisa foram importantes para ter acesso aos livros e tecer as primeiras reflexões
no artigo Entre o metafórico e o didático: caminhos de apropriações do texto literário em
diálogo com as discussões de gênero e sexualidade nas aulas de teatro (2017).
Diante dessas problematizações, cheguei em duas temáticas que interessavam-me,
considerando-se que ao resgatar minhas memórias como professor-artista, estas eram questões
que surgiram nas minhas aulas com as crianças. Assim, os temas que gostaria de explorar
estavam entre o silenciamento das crianças viadas, qualiras e queer na infância, além da

57
Os acervos bibliográficos dos projetos Bibliotequinha, desenvolvido por minha orientadora, profa. Dra
Heloise Baurich Vidor, no curso de Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e acervo
Arte e Gênero, do projeto desenvolvido por mim e as professoras doutoras Fernanda Areias e Tânia Christina
Ribeiro, docentes do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Maranhão (UFM). O
primeiro acervo possui obras literárias infanto-juvenis que abordam diversas temáticas, enquanto no segundo
há referências literárias somente de gênero, sexualidade, feminismo e queer com intersecções étnico-raciais.
95

desconstrução da idealização das princesas e também o silenciamento das heroínas nas


histórias infantis.
Após definir as temáticas, questionei-me novamente: quais literaturas podem ajudar-
me a trazer esses temas à tona? Além de trazerem as temáticas, essas literaturas (que eu ainda
estava investigando) abrem possibilidades para serem exploradas cenicamente, dentro de uma
estrutura de Drama, conforme apontou a pesquisadora Heloise Vidor (2018)? Portanto, a
dificuldade na escolha do pré-texto não estava somente em definir literaturas que abordassem
os problemas da forma que eu gostaria de experimentar, abrindo espaços para as temáticas de
forma metafórica, mas também em determinar qual seria o contexto ficcional e os papéis
dos/as participantes, bem como se esses temas também seriam de interesse dos/as alunos/as.
Enquanto investigava nos acervos as literaturas que poderiam contribuir no processo,
conheci as discentes do curso de Licenciatura em Teatro – UDESC Gabrielli Veras e
Geovanna Bittencourt, ainda em 2017, ambas tinham interesses em aprofundar estudos de
Drama e de gênero na escola. No ano seguinte organizamos encontros semanais para estudar
a metodologia e criar uma estrutura de processo de drama, haja vista que minha orientadora e
eu havíamos decidido que seria importante a mediação de um processo de drama antes do
meu retorno para São Luís – MA, para realização da pesquisa de campo.
A professora Heloise Vidor me convidou para acompanhar a matéria Teatro e Ensino
e conduzir um processo com os/as discentes do curso de pedagogia – UDESC, público-alvo
da referida disciplina. Paralelamente, eu articulava uma parceria com a Secretaria de
Educação de Florianópolis – SC a fim de conseguir autorização para mediar um processo de
drama com crianças dos anos iniciais do ensino fundamental. Essa também seria uma
experiência piloto que almejava realizar com o mesmo segmento da educação básica que
pretendia desenvolver a pesquisa de campo em São Luís –MA.
Contudo, somente a primeira proposta foi realizada (com a turma de pedagogia –
UDESC), tendo em vista que no período que iria conduzir o processo, abril e maio de 2018, as
escolas da rede municipal de educação estavam em greve. Todavia, ainda tive a oportunidade
de apresentar a proposta presencialmente para uma escola em Florianópolis – SC, bem como
virtualmente (por e-mail) em São Luís – MA.
No entanto, em ambas as escolas ocorreram recusas considerando-se a temática
LGBT+, como um prelúdio do conservadorismo exacerbado no Brasil. Tais situações foram
determinantes para perceber que eu não conseguiria adentrar as escolas para realizar os
processos pilotos e pesquisa de campo com as crianças dos anos iniciais do ensino
96

fundamental. Estas situações ocorreram posteriormente à finalização da estrutura do pré-texto


e a primeira experimentação com a turma de pedagogia – UDESC.
As descrições que seguem acerca do pré-texto dialogam ainda com os anseios de
mediar um processo com crianças, com algumas adaptações elaboradas em seguida para os
dois processos pilotos58 realizados em 2018. A primeira prática foi realizada com os/as
discentes de pedagogia – UDESC em Florianópolis/SC e a segunda com os/as alunos/as do
ensino médio da escola Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago, em São Luís/MA.
Após definir a temática e investigar as literaturas escolhi o livro O menino perfeito
(2017), do espanhol Bernat Cormand. Esse livro traz discussões das experiências
transgressivas de gênero na infância, aproximando com as questões da criança queer, que me
interessava abordar no processo de drama. Além de explorar outra temática que era do meu
interesse, a qual está intrínseca às experiências queer, isto é, as discussões a respeito do
segredo e suas implicações na vida de pessoas LGBT+, conforme resumo da obra (quadro
2)59:

Quadro 2 – O menino perfeito (Bernat Cormand), 2017

Daniel é um menino obediente, estudioso e prestativo. Aos olhos de


todos à sua volta é o menino perfeito. Ajuda a pôr a mesa, toca com
dedicação nas aulas de piano, lê seu livro favorito todas as noites
antes de dormir. Enquanto acompanhamos sua vida tão regrada,
folheando as páginas em tom pastel, a ansiedade vai crescendo.
Alguma coisa acontece com Daniel, ele esconde algo, só pode. É
tudo muito limpo, muito asséptico, simétrico. É aí que Daniel ganha
nossa confiança, a confiança do leitor, e divide seu segredo. Os olhos
baixos das primeiras páginas, que fogem do próprio espelho, nos
encaram com cumplicidade e nos revelam algo...

Fonte: produção do próprio autor, 2019.

Portanto, foi a ideia do segredo, ilustrada na narrativa dessa literatura, que me


interessou em propor para o meu processo de drama, tendo em vista que desde a infância a
relação guardar segredo e manter-se no “armário” é uma constante na vida de pessoas
LGBT+. O receio de descobrirem esse “segredo”, que carregamos desde a infância e às vezes
nem sabemos, coexiste com o fato de que insistem em proferir que somos “diferentes”,
abjetos, anormais, viados, sapatas, “mulherzinha”, qualira e queer.

58
Estou chamando esses dois processos de drama como “pilotos” porque o terceiro, definido como análise da
pesquisa de campo, será apresentado no próximo capítulo.
59
Resumo da obra Disponível em: http://acigarraeaformiga.com/o-menino-perfeito-de-bernat-cormand/. Acesso
em: 1 mai. 2018.
97

Após definição do livro retornávamos60 à teoria para tentarmos compreender a função


do pré-texto no processo de drama, bem como de que forma este poderia ser articulado com as
discussões suscitadas na referida literatura. Dessa maneira, ao retornarmos aos escritos de
Biange Cabral (2006), percebíamos que o pré-texto não era somente um estímulo inicial. A
autora ressalta o pré-texto como exercendo uma função mais ampla porque pode indicar o que
“existe anteriormente”, como contexto e circunstâncias, e subsidiar “a investigação posterior”,
já que “introduz elementos para identificar a natureza e os limites do contexto dramático e do
papel dos participantes” (CABRAL, 2006, p. 16).
Como afirma Biange Cabral (2006) o pré-texto deve sugerir papéis aos/as
participantes, deve delimitar um contexto ficcional, além de abrir possibilidades para que
os/as envolvidos/as criem a narrativa, que não necessariamente seguirá a história do material
artístico definido como pré-texto, mas que ainda assim manterá relações e conexões com este
ponto de partida. No entanto, ainda na etapa inicial todas essas questões que, agora após
mediar três processos de drama já estavam mais nítidas para mim, naquele período ainda eram
difíceis de entender na prática, tanto que a relação pré-texto e contexto ficcional foram
conceitos que eu demorei para organizar nas práticas pilotos.
Nesta perspectiva, essas foram as minhas aflições iniciais na compreensão do conceito
e como estruturá-lo na prática. Nas atuais pesquisas acerca das aproximações entre o texto, a
literatura e o drama, a pesquisadora Heloise Vidor (2018) propõe mediações poéticas
articulando a tríade, na qual o texto não cumpre a função somente como pré-texto. Assim, ao
discorrer a respeito destas relações com o texto na mediação de processos de drama, a autora
descreve as dificuldades que professores e professoras de teatro têm com relação à forma e
conteúdo, quando adaptado às particularidades da metodologia:
Como utilizar a literatura como pré-texto e organizá-la como uma estrutura de
drama? Supõe-se que o desafio esteja justamente na organização da estrutura com
base em um texto previamente escrito e lido, ou seja, em transformar uma literatura
em uma estrutura de drama que, ao mesmo tempo em que mantenha a relação com a
obra, abra espaço para que situações e temas emergentes relacionados ao grupo
possam ser incorporados. E, além disso, em utilizar as estratégias, convenções
próprias do drama (VIDOR, 2018, p. 108).

Percebi algumas questões somente no decorrer da prática, que alguns dos conflitos
chaves do livro ou material utilizado como pré-texto podem ser possibilidades para guiar os
desdobramentos cênicos e investigativos nos processos de drama, permitindo que o/a

60
Em alguns momentos deste texto escrevo na terceira pessoa do plural por entender que a construção do pré-
texto, além de momentos dos processos, foi criado por meio das conversas e ideias partilhadas entre mim, as
amigas Gabrielli Veras e Geovanna Bitercourt, bem como sob a orientação da profa. Heloise Vidor.
98

professor-artista não se distancie da referência que o/a inspirou, ao passo que oportunizam a
escolha de atividades teatrais que dialoguem com a coerência do pré-texto.
A literatura O menino perfeito (2017), a meu ver, apresentava aspectos metafóricos
que possibilitava adaptar para a estrutura do drama as discussões plurais acerca das questões
queer, sobretudo ao tratar das primeiras experiências das transgressões das binaridades de
gênero e sexualidade, além da identidade de gênero ainda na infância (figura 4). Essas e
outras discussões surgiram nos processos, traçando paralelos com a narrativa do livro, ao
longo dos episódios criados em sala de aula, conforme discorro nos seguintes subitens.
Figura 4 – A literatura como pré-texto

Fonte: fotomontagem com imagens do livro, 2019.

Como ilustram as imagens do livro, essa literatura dialoga com as experiências queer
na infância, entre silenciamentos, segredos e transgressões subversivas. Sendo que as
narrativas, textuais e visuais, demonstravam o lugar de afirmação e transgressão da binaridade
na qual vivemos, com as (hetero) normas no âmbito familiar.
99

Dessa maneira, o livro compartilhava elementos chaves do universo queer que


poderiam ser explorados de forma poética durante o processo, a saber: as (hetero)normas de
gênero, com imposição da masculinidade tóxica (DUTRA, 2017) e suas implicações na vida
de pessoas LGBT+, as subversões dos lugares de “menino” e “menina”, a atmosfera
silenciosa da noite e suas revelações das faces LGBT+, o espelho e a “montação” como
elementos que trazem o jogo de papéis femininos/masculinos das crianças viadas nessa tenra
idade e, posteriormente, na cena artística ou entre quatro paredes, no ambiente subjetivo das
vivências das sexualidades. Além da narrativa sensível problematizar a invisibilidade queer
na infância.
Meu interesse era que estas discussões entre manter o segredo e a possiblidade de
revelá-lo, materializada na necessidade de pedir ajuda, fossem os primeiros estímulos para
engajar os/as alunos/as numa atmosfera metafórica e misteriosa do segredo. Tal analogia faz
parte e “atormenta” a vida de pessoas gays, lésbicas e travestis/trans desde a infância, antes e
após afirmarem sua orientação sexual ou identidade de gênero (trans).
Em seguida, compartilho uma síntese das primeiras ideias (quadro 3) que surgiram no
processo criativo de construção da estrutura de drama O segredo, após a minha decisão em
utilizar essa literatura como pré-texto. Portanto, neste processo criativo nos perguntávamos
desde como poderíamos explorar a relação entre as temáticas queer e a estrutura artístico-
pedagógica da metodologia, até as possibilidades de inserção no contexto ficcional, que neste
momento ainda não estava totalmente explícito.

Quadro 3 – Devaneios e indagações da estrutura de drama O segredo

Pedido de ajuda de uma criança Lugar escuro


(bilhete): (metáfora da sombra):
Qual o nome (sigla A.G.)? Quarto de A.G.? Lugar escuro?
Como e quando as questões queer O que aconteceu nesse lugar?
vão entrar no episódio? Mundo paralelo?
Quais objetos sao “queer”?

Quais narrativas sobre os objetos de


A.G. serão criadas?
Será que serão criadas narrativas
queer?
Qual o segredo de A.G.?
Quais as implicações da revelação do
segredo?

Fonte: NASCIMENTO, Fernando. Florianópolis - SC, 2019.


100

O quadro (3) ilustra as nossas primeiras inquietações de como a estrutura poderia


suscitar possíveis narrativas queer. Primeiramente, decidimos em utilizar um bilhete, que
seria encontrado com uma mochila (estímulo composto), no qual a criança pediria ajuda. Para
isso, investigamos possibilidades da escrita e conteúdo do bilhete, bem como a maneira com
que o mesmo seria escrito para pedir ajuda, possibilitando que ao mesmo tempo em que
criasse um mistério e engajasse os/as alunos/as na busca por pistas, tivesse abertura para que
estes/as criassem as narrativas baseadas no pedido de ajuda e nos objetos (estímulo composto)
encontrados. Além de uma sigla, que definimos como A.G., que também oportunizasse que
os/as participantes criassem o nome.
Diante do processo de escolha de um pré-texto indagava-me: quais possibilidades
teatrais poderia explorar para inserir o contexto ficcional que fosse estimulante e engajasse
os/as alunos/as na investigação teatral dos temas que pretendia propor? Perguntava-me ainda
se esse pré-texto poderia reverberar de forma potente também no contexto real das turmas nas
quais eu iria mediar os processos de drama, para que os/as alunos/as se sentissem
interessados/as em criar comigo, em sala de aula. Pois esta ressonância do ambiente real, no
contexto ficcional dos/as participantes, também é um dos princípios desta metodologia
(CABRAL, 2006; PAULA, 2016).
Ou seja, após definir o pré-texto o/a professor/a-artista delimita um contexto ficcional
para que a história seja abordada e os/as alunos/as assumam papéis ficcionais para explorar
o(s) tema(s) evidenciando a teatralidade. Biange Cabral (2006) discorre que a potência de um
pré-texto deve estimular as atividades teatrais no contexto ficcional, com possibilidades para
que os/as participantes vivenciem papéis ficcionais e sejam instigados/as a resolver situações
como “uma tarefa a ser cumprida, uma decisão que precisa ser tomada, um quebra-cabeça que
terá de ser resolvido em tempo hábil, uma casa assombrada a ser explorada (CABRAL, 2006,
p. 15).
Wellington de Paula (2016, p. 97) acrescenta ainda que o pré-texto e as atividades
ficcionais propostas “[...] tenham reverberações com o contexto dos participantes, o qual não
é tarefa fácil de ser compreendida, pois, muitas vezes, desconhecemos as vivências dos
estudantes que participam do processo”. Portanto, nem sempre o/a professor/a-artista conhece
os/as participantes, sobretudo quando é um/a professor/a-artista-pesquisador/a que irá realizar
uma pesquisa pontual. Diferente do/a professor/a de sala de aula, que já conhece a turma e
alunos/as, o que possibilita diagnosticar o contexto real dos/as participantes e organizar-se
conforme seus objetivos artísticos e pedagógicos.
101

Neste caso, percebi durante este processo inicial que, ainda que seja feito um
diagnóstico preliminar da turma, mesmo assim o/a professor/a-artista-pesquisador/a terá que
buscar caminhos entre o tempo da investigação que precisa realizar, as especificidades do
contexto real dos/as alunos/as e os objetivos da pesquisa.
Logo, verifiquei ainda que quando o/a professor-artista desconhece o público-alvo
com o qual irá criar processos de drama, o pré-texto será definido baseado em hipóteses dos
possíveis desdobramentos que estas poderão ressoar no ambiente real dos/as participantes.
Nesta perspectiva, o contexto ficcional foi um conceito difícil de compreender na prática e
articular a partir do pré-texto. Ainda na etapa inicial, bem como nas primeiras
experimentações pilotos o contexto ficcional ainda estava “incerto”. Portanto, essas foram as
constatações, descobertas e problematizações surgidas no processo de criação deste pré-texto,
entre estudos no grupo de Drama e orientações com a professora Heloise Vidor, ao passo que
mediava a primeira experiência prática.
Dessa forma, essas foram as minhas primeiras inquietações na compreensão teórico-
prática entre o pré-texto e o contexto ficcional. Assim sendo, muitas respostas eu só descobri
elaborando a estrutura do processo, enquanto outras foram descobertas quando eu já estava
criando com meus/minhas alunos/as, em sala de aula, após o terceiro processo de drama, o
qual escolhi para compartilhar como análise desta pesquisa no quarto capítulo.

3.3 “ESTÍMULO COMPOSTO”, “AMBIENTAÇÃO CÊNICA” E “ASSEMBLEIA DE


PERSONAGENS”: PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS PARA EMERGIR NARRATIVAS
QUEER NOS PROCESSOS PILOTOS

Ainda no início de 2018, como um prelúdio do que viria ecoar no período eleitoral no
segundo semestre do mesmo ano, percebi que eu teria dificuldades para realizar esta pesquisa
com crianças. Desde então comecei a pensar em estratégias para realizar a prática e adentrar à
escola, campo que me interessava investigar e no qual queria experimentar os processos.
Ao retornar para São Luís – MA decidi revisitar minhas memórias como aluno-artista
qualira e as escolas nas quais estudei. Essa foi a estratégia que me veio, diante da situação
reacionária e obscura que o Brasil atravessou no apogeu das eleições de 2018, a qual poderia
me permitir adentrar nos espaços educacionais que outrora ocupei como aluno-artista qualira,
e que agora retornava, como professor-artista queer.
Neste sentido, compartilho as experiências dos dois processos pilotos, realizados em
Florianópolis – SC e em São Luís – MA em 2018. O primeiro processo mediado ainda no
102

primeiro semestre de 2018 com discentes do curso de pedagogia – UDESC, na disciplina


Teatro e ensino, ministrada pela profa. Dra. Heloise Vidor. Enquanto o segundo foi realizado
com uma turma do 2º ano do ensino médio na escola Centro Educacional Dr. Clarindo
Santiago – MA, escola na qual estudei minha 8ª série do ensino fundamental.
Agora percebo como foi importante utilizar a estratégia de resistência de retornar às
minhas memórias estudantis para a realização desta investigação. Desde o princípio, quando
apresentei a pesquisa à diretora e coordenadora Christiane Lima Cunha e Flavya Soraya
Machado, como um ex aluno do Clarindo Santiago, me senti acolhido, fato determinante para
realizar as propostas artísticas que experimentei, as quais compartilho nos próximos
subcapítulos.
Outro fato de extrema relevância que devo ressaltar, o qual também determinou a
realização desta prática, foi o reencontro com o professor de Arte Luís Antonio, importante
professor-artista da cena teatral pedagógica de São Luís – MA. Recordo-me que ainda na
adolescência assisti às montagens de A semente e O santo inquérito no Festival de Teatro
Estudantil, dirigidas por Luís Antonio quando era docente de outra escola. Assim sendo, o
acolhimento por parte de Luís Antonio e os momentos de afetos compartilhados através de
saberes artístico-pedagógicos acerca do ofício do/a professor/a-artista foram essenciais nesta
minha empreitada naquele momento conturbado para o ensino de Arte no Brasil, o qual ainda
se perdura neste futuro incerto da educação pública no país.
Conforme venho apontando, o período no qual realizei os processos fora o mesmo em
que houve a ascensão dos discursos de ódio em torno dos temas de educação sexual, gênero e
LGBT+ na escola, disseminados por movimentos como o “escola sem partido” e a narrativa
“ideologia de gênero”, propagados por fake news e apoiados pelos/as que atualmente possuem
o poder no Brasil. Assim, esses discursos também respingavam no cotidiano escolar, nas
conversas entre os/as docentes na sala dos/as professores/as, em alguns posicionamentos e
falas quando os temas políticos, sociais e de gênero estavam em evidência, considerando-se
que eu vivenciei a rotina educacional, participei de reuniões, conversei com os/as
professores/as e demais funcionários/as da escola.
No auge dos discursos que diziam “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, me
deparei com uma situação no cotidiano escolar que ilustrava como essas (hetero)normas
(TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019) se instauravam naquele espaço. Em um desses
momentos, na reunião de planejamento letivo recordo-me que ouvi a seguinte expressão “[...]
não pode confundir a cabeça demais (dos/as alunos/as) [...] afinal de contas, desde bebê
compramos roupas azul para menino e rosa para menina!”. Essa afirmação demonstra o
103

silenciamento das discussões LGBT+ quando impõe um modelo (hetero)normativo


(TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019), no qual a norma a ser seguida é que os corpos se
adéquem “ao rosa para menina” e “ao azul para menino”.
Todavia, o que fazer quando um aluno diz “eu não posso ir pra escola do jeito que eu
quero” (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019). Ou seja, o que fazer quando não podemos
adentrar o espaço escolar como realmente somos? Ou a indagação seria: o que a escola está
fazendo para acolher, dar afetividade e pertencimento aos corpos queer?
Essas eram algumas das reflexões, relacionadas aos estudos queer, que caminhavam
comigo durante as experiências na escola neste âmbito conturbado, além das descobertas e
implicações metodológicas nestas primeiras práticas mediando os processos de drama. Neste
sentido, a exemplo de uma dessas descobertas, após a experimentação prática com o primeiro
processo com discentes de Pedagogia – UDESC, percebo a necessidade de repensar a
metodologia de coleta dos dados de pesquisa.
Ou seja, tendo em vista que os recursos metodológicos de avaliação que utilizei, como
a roda de conversa no final do processo e o questionário pós-prática, não supriram as minhas
necessidades avaliativas para diagnosticar à aproximação dos/as alunos/as aos estudos queer a
partir do processo de drama, utilizei no segundo processo o diário de bordo como recurso
avaliativo da pesquisa. Dessa forma, decidi utilizar o diário de bordo como recurso
(MACHADO, 2002) poético descritivo do processo criativo, haja vista que este me
possibilitou compreender os pontos de vista dos/as estudantes a respeito de cada episódio,
enquanto a prática da construção da narrativa teatral era criada em sala de aula.
Também utilizei o aparelho eletrônico tablete como recurso para registro do processo,
o qual me possibilitou também realizar o registro fotográfico da pesquisa, tendo em vista que
estava sozinho em sala de aula, bem como ter o registro em fotos e vídeos dos episódios sob a
ótica dos/as alunos/as. Além das redes sociais, WhatsApp, através de um grupo criado por
mim, para compartilhar informações do processo e utilizá-lo para imersão no Drama fora da
sala de aula (PAULA, 2016).
Nos próximos itens compartilho minha aproximação com a prática do Drama, por
meio desses dois processos pilotos, a partir das seguintes estratégias, a saber: estímulo
composto, ambientação cênica, assembleia de personagens e professor no papel. A escolha
dessas estratégias justifica-se porque foram essenciais neste meu percurso de aproximação
com a metodologia para envolver os/as alunos/as no universo queer. Para isso, as utilizo como
“chaves conceituais” com o objetivo de demonstrar os percursos que segui para experimentar
104

e apreender tais conceitos na prática e teoria, ou vice-versa, na tentativa de compreender a


metodologia e instaurar a teatralidade para emergir temáticas queer em sala de aula.

 Problematizando as masculinidades e feminilidades: a teoria do estímulo


composto e as (des)construções queer

Durante as mediações dos processos pilotos, além da convenção do Drama como


contexto ficcional, compreendi algumas estratégias na experimentação prática, paralelamente
aos estudos teóricos. Assim, o Drama como um processo coletivo se estrutura através de
episódios, nos quais usamos diversas atividades intituladas de “estratégias61” para envolver
os/as participantes na construção da narrativa (CABRAL, 2006; FREITAS, 2012; PEREIRA,
2015; DESGRANGES, 2017).
Para instigar a criação das primeiras histórias a respeito de A.G. escolhi utilizar a
estratégia do estímulo composto (SOMERS, 2011, p. 179), a qual permite criar, organizar e
elaborar “diferentes artefatos – objetos, fotografias, cartas e outros documentos, incluídos em
um container apropriado”.
Ao estudar esta estratégia, baseada na “teoria do estímulo composto” criada pelo autor
John Somers (2011), percebi que poderia inicialmente envolver os/as participantes na
construção das primeiras narrativas sobre A.G. Como ressalta o autor (2011, p. 178), tal
estratégia cumpre a função inicialmente de, a partir da organização de objetos em um
“container apropriado”, como “um foguete”, impulsionar e introduzir a possibilidade de
criação de histórias e personagens.
Para ambos os processos utilizei uma mochila, na qual continha objetos (quadro 4) de
A.G, sendo que na mochila constavam dois bilhetes de pedido de ajuda, a saber: “Me ajudem,
por favor. É urgente. A.G.” e “Este é o caminho”.

61
Para mais informações a respeito das estratégias do Drama sugiro a leitura das obras de autores/as como
Beatriz Cabral (2006), Tharyn Freitas (2012), Diego Pereira (2015) e Flávio Desgranges (2017).
105

Quadro 4 – Objetos dos estímulos compostos


1º Processo 2º Processo
(turma de pedagogia – UDESC) (turma do 2º ano – ensino médio)

 Um caderno (amarelo e verde  Um caderno (amarelo e verde


com figurinhas de emoji) com folhas com figurinhas de emoji) com folhas
destacadas/rasgadas; destacadas/rasgadas;
 Um frasco (plástico/vazio);  Um vidro de perfume (vazio),
 Um par de chuteira usada (de cor além de cápsulas, injeção (sem
verde); agulha) e vidros de remédios
 Itens de maquiagens usados (vazios);
(máscara de cílios, pó compacto,  Um par de chuteira usada (de cor
pincel de blush); verde);
 Velas (usadas);  Itens de maquiagens usados
 Echarpe (marron). (máscara de cílios, pó compacto,
pincel de blush);
 Um carrinho (modelo fusca/azul).
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. Florianópolis - SC, 2019.

Como ilustra o quadro comparativo, o estímulo composto criado para ser mediado
com a turma de pedagogia da UDESC tinha o intuito de trazer objetos que poderiam suscitar
discussões de gênero, como itens de maquiagens e chuteira. Além dos demais que poderiam
abrir possibilidades para a criação de outras narrativas.
No primeiro processo, a mochila encontrada na sala continha objetos (chaves, mapas e
lanternas) que levavam os/as participantes, após desvendarem um quebra-cabeça com
imagens do Centro de Artes da UDESC, para uma sala escura, na qual encontravam os objetos
do primeiro quadro (4). Neste sentido, essas foram minhas dificuldades iniciais, desde a
elaboração de um estímulo composto e ambientação cênica até a mediação para engajar os/as
participantes.
Neste primeiro processo piloto algumas estratégias se confundiam demonstrando a
minha dificuldade no entendimento teórico, sobretudo prático, de como materializar as
estratégias. As dificuldades se atrelavam também ao fato de esta ter sido a minha primeira
experiência mediando processos de drama, tentando compreender estes caminhos artísticos e
pedagógicos/didáticos específicos da metodologia. Portanto, deparei-me com inquietações, a
saber: de que maneira posso mediar processos de drama instigando a participação dos/as
estudantes na construção das narrativas ao invés de “direcionar” a leitura destes/as?
Considerando que nesta primeira experiência prática por várias vezes me perguntava
“estou instigando ou ‘direcionando’ a construção/leitura artística do/a meu/minha aluno/a?”,
“se o Drama é a construção de uma narrativa teatral coletiva, como mediar os processos
106

criando ‘com os/as alunos/as’ para dar voz ao protagonismo destes/as na criação artística?” e
“como perceber os momentos oportunos, durante os episódios, para ‘abrir os olhos’, ‘calar ou
falar’ e ‘escutar’ os/as alunos/as?”. Essas respostas vieram aos poucos, em cada processo,
mediante a compreensão e aprendizagem na mediação com a metodologia do Drama,
paralelamente aos estudos teóricos e conversas com a professora Heloise Vidor.
Assim como a aprendizagem na mediação de processos de drama foi compreendida
nesta relação prática e teórica, a descoberta da potência dos objetos dos estímulos compostos
também se consolidou nesse caminho. Assim sendo, quando os/as alunos/as de pedagogia se
deparam com alguns objetos como velas, frasco e echarpe, os quais acreditávamos poder
trazer narrativas relacionadas à sombra, quando associados ao ambiente escuro da sala/quarto
de A.G., os objetivos não se efetivaram na prática. Ao contrário dos outros objetos como
chuteiras, itens de maquiagens e caderno com folhas rasgadas que foram potentes para
instigar a criação das primeiras narrativas de A.G., principalmente por trazer as primeiras
problematizações de gênero e sexualidade.
Com base na experimentação prática e com os estudos teóricos acerca do “estímulo
composto”, compreendia o que John Somers (2011) ressaltava. Isto é, que a “teoria do
estímulo composto” teria a capacidade de que objetos alinhados, e coerentes com o que se
deseja explorar no contexto ficcional, possibilitassem aos/as participantes, ao realizar uma
leitura por meio da justaposição de objetos, a criação de histórias no processo de drama.
Contudo, as dificuldades iniciais ainda estavam no que o autor (2011, p. 179) define
como “justaposição” dos objetos ou um jeito de organizar que, quando justapostos,
proporciona “criar uma rede de relacionamentos que nem sejam rapidamente compreendidos
para evitar que a história torne-se imediatamente óbvia”. Mas também não podem ser “tão
distantes um do outro para que as possibilidades narrativas possam emergir” (SOMERS,
2011, p. 179).
Conforme a mediação realizada nos dois primeiros processos práticos, percebi que
alguns objetos eram mais potentes que outros para estimular a criação de histórias queer por
parte dos/as alunos/as. Dessa forma, os que percebi que eram potentes permaneceram nos
demais processos, enquanto fui experimentando outros objetos e possibilidades artísticas no
decorrer das práticas através de poemas, letras de músicas e outros recursos, como descreverei
no quarto capítulo. A elaboração dos estímulos dos processos pilotos foram resultados da
experimentação prática, em diálogo com a ideias de John Somers (2011).
No segundo processo na escola, com a turma do ensino médio, continuei utilizando o
caderno (amarelo e verde com figurinhas de emoji), um par de chuteira usada (de cor verde) e
107

itens de maquiagens usados (máscara de cílios, pó compacto, pincel de blush). Acrescentei


ainda um vidro de perfume (vazio), injeção (sem agulha), cápsulas e vidros de remédios
(vazios), além de um carrinho (modelo fusca/azul).
Os objetos citados foram colocados dentro de uma mochila (de cor preta), com os
mesmos bilhetes descritos inicialmente e assinados por A.G. Na segunda prática, alguns
objetos como chuteira, carrinho azul e itens de maquiagens, trouxeram à tona as primeiras
problematizações dos lugares de “meninos” e “meninas” do ambiente real para dentro do
contexto fictício. Para Megg Rayara Oliveira (2018), pesquisadora dos estudos queer na
educação, estes “lugares de meninos e meninas” estão demarcados na sociedade desde as
cores e objetos, até os espaços sociais:
As cores rosa e azul representam, de forma bastante específica, em várias culturas,
os universos feminino e masculino respectivamente, a fim de informar, ainda antes
mesmo de nascer, a maneira correta como cada criança deve ser tratada. Isso a fim
de fortalecer os elementos constitutivos de sua feminilidade ou masculinidade,
associados diretamente ao seu sexo biológico (OLIVERIA, 2018, p. 110).

As discussões suscitadas pela estratégia estímulo composto demarcavam inicialmente


esta heteronormatividade binária da sociedade baseadas nos significados atrelados aos
“lugares de meninos e meninas”, nas cores e objetos “masculinos” e “femininos”. Em
seguida, com base na minha mediação e questionamentos os/as alunos/as começavam a
problematizar os discursos que associam os corpos e performances de gênero a
enquadramentos “menino veste azul e menina veste rosa”.
Assim sendo, os estímulos compostos, bem como a minha mediação suscitaram as
reflexões nos/as participantes para desconstruir as visões dos papéis e “lugares de meninos e
meninas” na sociedade, na qual as heteronormas constroem e reproduzem discursos e práticas
machistas, sexistas, misóginas e LGBTfóbicas.

 Realidade e ficção: experimentando a criação de espaços queer

No decorrer dos processos pilotos, de acordo com as narrativas que estavam sendo
criadas pelos/as estudantes, alguns lugares da universidade estadual e do colégio foram
utilizados como espaços ficcionais, a saber: sala de teatro de animação, sala de dança, sala de
aula, corredores e escadas da UDESC e pátio, sala de aula, biblioteca, espaços nas laterais e
banheiro da escola. Alguns desses espaços citados foram utilizados como ambientação cênica,
como a sala de teatro de animação para representar o quarto escuro de A.G. na primeira
prática.
108

Enquanto a biblioteca e banheiro da escola foram utilizados como ambientações


cênicas envolvendo os objetos do estímulo composto, ilustrando a agressão sofrida por A.G.
(figura 5). A ambientação cênica em drama está associada a criação de atmoferas num
determinado espaço físico, o qual remete ao contexto ficcional. Assim, utilizamos das
características do espaço, dos elementos visuais da cena, sobretudo aspectos cenográficos,
para construir um ambiente fictício de acordo com a atmosfera que se pretende materializar
no processo (FREITAS, 2012).
Figura 5 – Relações entre estímulo composto e ambientação cênica

Fonte: Fotomontagem com imagens dos processos pilotos, São Luís – MA, 2019.

As imagens acima ilustram minhas tentativas de explorar a teatralidade (SARRAZAC,


2013; 2014) através da estratégia ambientação cênica em ambos processos. Sendo que na
primeira prática a ideia do quarto escuro de A.G. estava atrelada à intenção de criar as
possibilidades da sombra para abordar a pluralidade de gênero e sexualidade. Todavia,
inicialmente percebi que a ideia da metáfora da sombra seria mais complexa para explorar na
109

prática, considerando-se que as primeiras narrativas criadas no primeiro processo não foram
por esse caminho.
Portanto, percebia que muitas ideias criadas ainda no início da elaboração da estrutura
do processo e definição do pré-texto para imersão nas atmosferas queer deveriam ser
repensadas, pois era na prática que o drama se materializava como uma narrativa coletiva: na
experimentação das estratégias por parte dos/as participantes e no exercício da escuta do/a
professor/a-artista para incorporar, em cada episódio, as criações dos/as alunos/as.
Nesta perspectiva, a experiência adquirida me colocava constantemente no lugar de
professor-artista aprendiz para aprender fazendo e (re)fazendo a partir das especificidades da
metodologia do Drama, sobretudo quando fui experimentá-la na rotina escolar, no horário de
arte, no segmento da educação básica, mediando processos sozinho. Logo, compreendi que
ainda que houvesse um planejamento, a práxis do Drama se efetivava na criação coletiva com
os/as alunos/as, pois muitas das possibilidades que na teoria achava que, possivelmente,
poderia explorar, na prática não se materializavam.
Em seguida, identifiquei que, assim como no espetáculo, a leitura do espaço como
signo coerente na ficção, de acordo com a proposta da ambientação cênica do processo, era
essencial para o envolvimento dos/as alunos/as no espaço ficcional. Dessa forma, foi somente
no decorrer da experimentação prática, paralelamente ao estudo da teoria, que compreendi
formas de imersão em diálogo com as narrativas criadas.
Ao aproximar-me dos estudos da autora Tharyn Freitas (2012) compreendi como a
ambientação cênica, bem como o estímulo composto, eram estratégias que estimulavam a
interação e criação artísticas dos/as estudantes. A autora ressalta ainda que essas propostas
sempre foram eficazes com suas turmas da educação básica, pois os/as alunos/as estabeleciam
outra relação em contato com os estímulos e a ambientação, o que a levou a investigar a
potência dessas estratégias para proporcionar experiências de imersão no Drama.
Para Tharyn Freitas (2012) a noção de “experiência e imersão em drama” está ligada,
inicialmente, à disponibilidade do/a participante em “aceitar e acreditar na situação” fictícia,
ou seja, está disponível para jogar e se envolver com as propostas no contexto ficcional. A
partir do envolvimento, por meio da percepção na relação com a teatralidade no ambiente
fictício e também da disponibilidade para envolver-se, que os/as alunos/as estariam
receptíveis para o que a pesquisadora define como a “imersão e experiências” no processo de
drama.
Por meio desta disponibilidade para jogar e se colocar “na pele do outro”, como define
a autora, que o/a participante “se coloca diante do desconhecido” para criar, uma narrativa
110

teatral coletiva, explorando situações fictícias que instiguem a reflexão, consensos e


dissensos, quebrando padrões, em diálogo com os objetivos do/a professor/a-artista. Segundo
os escritos de Tharyn Freitas (2012) e baseado nas experiências pilotos, também identifiquei
nos processos como essa estratégia estimulava e instigava os/as alunos/as na criação de
narrativas, dentre elas, as atreladas ao universo queer.
A partir do processo realizado na escola comecei a experimentar o banheiro masculino
como espaço cênico, considerando-se que esse é um lugar social no qual as (hetero)normas e
opressões dos corpos queer são reproduzidas. Como descreve Tharyn Freitas (2012, p. 53) a
“imersão é uma experiência que se liga a um espaço ou ambiente e que nos incita a presença”,
a coerência ficcional com a situação que se pretende “ambientar” e também estimule o
envolvimento sensorial dos/as participantes.
Contudo, as minhas dificuldades iniciais estavam justamente em materializar tais
ideias, primeiramente, em criar uma atmosfera visual de violência LGBTfóbica ocorrida no
banheiro para envolver os/as estudantes na imersão da cena de agressão sofrida por A.G.
Além de criar uma situação ficcional coerente com a narrativa que estávamos criando em sala
de aula para estimular os/as alunos/as na investigação da ambientação cênica do banheiro,
tendo em vista que, nesse segundo processo piloto, o contexto ficcional ainda não estava
explícito na prática.
Em seguida, a aflição estava na incerteza de conseguir “interditar” o banheiro
masculino durante o horário regular na escola para construir a ambientação. O banheiro é um
espaço de nítida separação binária “banheiro para meninos e para meninas”, sendo que no
âmbito escolar, as cores azul e rosa também reforçam o binarismo e os códigos
(hetero)normativos (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019) de segregação dos corpos que não
conseguem adentrar, nem no banheiro masculino, nem feminino, como os corpos
transgêneros, por exemplo.
Deste modo, o que é um simples espaço para a maioria da população, para as pessoas
LGBT+ torna-se um grande problema, visto que para pessoas trans tal direito será negado, e
quando o acessam, será envolto em sentimentos de medo pela agressão, discriminação e até
de morte. Por isso, escolhi o banheiro para materializar as cenas de violências homofóbicas e
transfóbicas com o intuito de aproximar os/as estudantes para esta problemática que é
realidade na vida de pessoas LGBT+.
111

 Assembleia de personagens ou quando criamos junt@s em sala de aula

Era outubro de 2018 e os discursos de ódio contra nossos corpos se disseminaram nas
redes sociais, nos grupos familiares de WhatsApp, nas ruas e também nas escolas. Em meio a
esse caos, eu encontrava-me construindo narrativas LGBT+ com meus/minhas alunos/as em
sala de aula. No entanto, a revelação e construção do segredo de que A.G era queer ainda não
tinha sido consolidada pelos/as alunos/as do segundo processo piloto.
Diante dessa circunstância hostil na sociedade, em meio ao luto com o resultado das
eleições presidenciais e o receio de que os discursos de ódio adentrassem à sala de aula,
continuei com a realização da pesquisa (embora a situação de opressão, explícita nas redes
sociais e nas ruas, atormentasse o meu sono!). Felizmente, a relação de respeito e de
pertencimento atreladas à prática teatral e às afetividades construídas no decorrer do processo,
com os/as alunos e alunas, permitiu que estes/as se envolvessem com a narrativa de A.G. e
com a mediação das aulas.
Assim, a anetoda abaixo “Professor, e se…”, ocorrida no segundo processo na escola,
ilustra a importância da estratégia assembleia de personagens para materializar as criações
dos/as alunos/as-artistas e discutir temas relacionados as subjetividades queer. Além de trazer
para “a roda”, tornando público na discussão ficcional, a violência e transfobia na escola, no
auge da polarização política e conservadora no Brasil.

“Professor, e se…”

(A assembleia de personagens trazia à torna discussões éticas, sobretudo de como os/as profissionais
que trabalhavam na escola fictícia Unidade Integrada Aluísio Azevedo, deveriam se posicionar com
relação ao caso de agressão de A.G. ocorrida no banheiro masculino. Após discussões e reflexões
sobre os vários pontos de vista dos/as personagens a respeito do caso, o som da sirene anuncia o final
da assembleia e o diretor da escola fictícia finaliza a primeira parte da reunião).
Nando: (o professor-artista tira seu figurino e declara) Fim da primeira parte deste episódio.
Continuamos na próxima aula.
(Os/as estudantes ainda estavam eufóricos/as. Um aluno-artista se aproxima do professor-artista e,
empolgado, sugere algo).
Aluno: Professor, seria legal se os agressores de A.G. viessem no próximo episódio para a reunião.
(O professor-artista também fica empolgado com a ideia, por dentro está saltitante. Contudo, para
manter a atmosfera de segredo, não demonstra entusiasmo - uma estratégia artístico-pedagógica que
este descobre, ao criar em sala de aula, para manter a tensão no desenvolvimento da narrativa
teatral. No entanto, responde ao aluno-artista).
Nando: Vamos esperar as cenas dos próximos episódios!
(Na semana seguinte, o episódio continua com a assembleia de personagens e a ideia do aluno-artista
se materializa em cena, por meio da estratégia “cadeira quente/berlinda”, a qual permite que se
indague uma ou mais personagens a fim de compreender novas informações trazidas por esta(s) para
112

desenvolvimento da narrativa. Assim, o professor-artista, agora como personagem do diretor da


escola fictícia, anuncia que os alunos-agressores de A.G. iriam ser interrogados. As narrativas e
problematizações relacionadas aos estudos de gênero, feminismo, sexualidade e queer surgiram
naquele episódio trazendo os pontos de vista éticos, consensos e dissensos dos/as estudantes-artistas a
partir da vivência de papéis ficcionais).
(Em sala de aula da escola Clarindo Santiago, em São Luís – MA, outubro de 2018).

Esses momentos ocorridos em sala de aula, durante o processo criativo, demonstram o


envolvimento dos/as estudantes na criação das narrativas acerca de A.G. Dessa forma, a
estratégia se mostrou significativa para imersão da turma na vivência de papéis ficcionais62 no
ambiente cênico, uma das principais convenções do Drama para envolver os/as participantes
na contrução da narrativa teatral. Além de ter oportunizado a aproximação dos/as alunos e
alunas das problematizações e visibilidade das discussões queer.
Acredito que, neste processo, esse foi um dos momentos no qual o contexto ficcional
de uma escola ficou mais nítido, considerando-se que no primeiro realizado com a turma de
pedagogia – UDESC, ainda na etapa inicial de elaboração da estrutura eu confundia se o
lugar, ou mundo paralelo, em que A.G. poderia explorar suas performances de gênero, seria o
contexto ficcional. Naquele período, de experimentação do primeiro processo, o contexto
ficcional que pretendia explorar estava atrelado a um ambiente, ou mundo paralelo, no qual
A.G. poderia ser quem realmente era.
Portanto, o entendimento de que o pré-texto do processo deveria ser experimentado
diante da delimitação de um tempo e espaço ficcional só se efetivou no último processo.
Nesta perspectiva, após a experiência dos processos pilotos voltei a estudar as relações entre
pré-texto e contexto ficcional no Drama, quando retomo os escritos de Biange Cabral (2006),
Diego Pereira (2015), Welligton de Paula (2016) e Flávio Desgranges (2017). Assim,
aproximei-me dos escritos do autor Diego Pereira (2015) e agora questionava-me novamente:

[...] Em quais tempo e espaço a situação dramática será explorada? Vamos viajar a
outros continentes? Conhecer a lua? Vamos para o futuro ou passado? Estamos no
presente, mas fomos convidados a um caça ao tesouro? Encontrar alguém
desaparecido? Desvendar um mistério? [...] (PEREIRA, 2015, p. 122-123).

Baseado nesses questionamentos norteadores e na experiência dos episódios do


segundo processo piloto, no qual surgiu a assembleia de personagens, me veio o entendimento
que o contexto ficcional poderia ser uma escola fictícia que pudesse trazer à tona a vivência
de papéis pelos/as participantes. Nesse contexto os/as alunos/as poderiam explorar a

62
“No drama essa vivência é um elemento essencial para que o participante imerja no ambiente ficcional. Ao
vestir um papel ele assume responsabilidades perante a experiência dramática e percebe o quanto suas ações
tem influência significativa na continuidade dos acontecimentos” (PEREIRA, 2015, p. 134).
113

alteridade ao passo que se aproximariam da criação coletiva das narrativas para ajudar e
descobrir/criar o(s) segredo(s) de A.G.
Enquanto realizava a prática, debruçava-me novamente nos estudos teóricos para
entender o contexto ficcional e definir as atmosferas fictícias para o último processo. Assim,
retomei as discussões do autor Wellington de Paula (2016), o qual investigou o potencial do
ciberespaço e o universo da internet para imersão dos/as participantes no Drama, haja vista
que o mesmo também mediou práticas com adolescentes.
Conforme ressalta Wellington de Paula (2016), ao exemplificar o contexto ficcional
baseado em algumas séries dos streaming, como Game of Thrones, me possibilitou também
compreender esta convenção do Drama por esse viés. Esse também foi um dos percursos que
segui, o qual me inspirou nesse momento inicial da investigação. Nesta perspectiva, séries
como Stranger Things e Dark, as quais traziam “mundos paralelos” e narrativas misteriosas
baseadas em segredos, contribuíram para o meu entendimento desta convenção, tendo em
vista que se aproximavam com as atmosferas que eu estava tentando explorar nos processos.
Neste sentido, identifiquei aproximações entre a dramaturgia e as narrativas criadas
nestas séries, sobretudo relacionadas à tensão e ao mistério entre o término de um episódio e o
início de outro, com a estrutura da metodologia do Drama. Portanto, compreendia, entre a
experimentação prática nos processos pilotos, a leitura dos livros e a fruição das séries, a
importância das escolhas de algumas estratégias do Drama, bem como das atividades
coerentes com o contexto ficcional para proporcionar uma tensão e engajar os/as participantes
em cada episódio do processo.
Autores/as como Biange Cabral (2006), Wellington de Paula (2016) e Flávio
Desgranges (2017) também apontam a tensão, durante as atividades e término dos episódios,
coerente com a narrativa que está sendo criada em cada processo, como um estímulo para
envolver os/as participantes na construção da história. Dessa maneira, os processos pilotos
foram essenciais para experimentar essas possibilidades, as quais se efetivaram no terceiro
processo, como compartilho no próximo capítulo.
No contexto ficcional o/a aluno/a é inserido numa atmosfera lúdica que oportuniza que
o/a mesmo/a vivencie papéis fictícios e situações teatrais que tenham coerência com o que se
pretende explorar, a partir das possibilidades sugeridas no pré-texto e outras criadas pelo/a
professor/a-artista (CABRAL, 2006; PEREIRA, 2015). Ao rememorar a prática vivenciada na
oficina Drama e infância, ministrada pelo prof. Dr. Diego Pereira durante o II Colóquio
Internacional de Pedagogia do Teatro realizado na Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), compreendia outras possibilidades de explorar os papéis, o contexto ficcional e a
114

assembleia de personagens na prática. Apesar da oficina ter sido realizada somente em duas
tardes, pois fazia parte de um evento acadêmico, a prática foi importante para o meu
entendimento de algumas especificidades da metodologia.
Além da assembleia de personagens, outra estratégia intitulada berlinda ou cadeira
quente63 (PEREIRA, 2015; DESGRANGES, 2017) foi experimentada ainda na segunda
prática piloto, por meio da qual os/as alunos/as vivenciaram os papéis dos agressores de A.G.
No processo da pesquisa de campo tal estratégia foi essencial para que os corpos queer
adentrassem a narrativa de forma coerente com a história que fora criada, conforme descrevo
no quarto capítulo.
Dessa forma, através da estratégia “professor no papel” na prática piloto, como diretor
da escola fictícia, instiguei a turma do 2º ano do ensino médio para refletir acerca das
implicações éticas da agressão de Antônio Gabriela (nome escolhido pela turma para A.G.) no
banheiro da escola. Tal estratégia, como um personagem antagonista, possibilitou-me explorar
mediações artístico-pedagógicas conforme as propostas da autora Beatriz Cabral (1999). Isto
é, um/a personagem que instigue os/as participantes a tomarem posicionamentos, argumentos,
bem como atitudes de consenso e dissenso diante da situação posta, a fim de refletir e mostrar
os diversos pontos de vista dos temas que estão sendo discutidos na cena/contexto ficcional.
Nos dois processos pilotos, dentre as diversas narrativas criadas a respeito do pedido
de ajuda/segredo de A.G, em ambos emergiram histórias em torno de pessoas trans: no
primeiro, a turma de pedagogia definiu que A.G. era um homem trans (Ariel Guerra) e no
segundo, a turma do ensino médio criou uma narrativa acerca de uma mulher trans (Antônio
Gabriela).
Durante os processos, as histórias criadas trouxeram à tona a transfobia, revelando
uma das face da vida de pessoas queer na ficção. Contudo, em ambas as narrativas Ariel
Guerra e Antônio Gabriela superaram as agressões e continuaram suas histórias de resistência,
diferente do percurso dramático definido no último processo, na pesquisa de campo. Ainda no
que tange à segunda prática piloto na escola, além da visibilidade das discussões de pessoas
trans na ficção, na turma também teve a presença de um aluno trans.

63
“Um participante, que pode ser o coordenador, assume um personagem da trama, a quem o grupo pode lançar
questões que tragam novas informações acerca do contexto da narrativa em questão. O personagem está
particularmente relacionado com uma cadeira (a cadeira quente) na qual, ao sentar-se, o participante
apresenta-se enquanto tal. Ou talvez por uma peça de roupa ou um acessório que o caracterize como
personagem, a quem serão lançadas questões pelos demais membros do grupo” (DESGRANGES, 2017, p.
128).
115

Assim, além do meu corpo qualira, a representatividade queer estava na presença de


um aluno trans, que timidamente, descobria a história de A.G., ao passo que também se
descobria. Entre conflitos internos e externos, ele se afirmava como um rapaz trans, em meio
à transfobia simbólica e estrutural na escola e na família.

3.4 O PROFESSOR-ARTISTA APRENDIZ: DESCOBRINDO MEDIAÇÕES QUEER COM


A ESTRATÉGIA PROFESSOR NO PAPEL

No decorrer das minhas experiências no mestrado, simultaneamente aos processos de


drama, as discussões de representatividade trans ganharam notoriedade na cena
contemporânea das artes cênicas no Brasil. As reivindicações do Movimento Nacional de
Artistas Trans (MONART) iniciaram primeiramente nas redes sociais, se consolidaram nos
palcos, por meio de problematizações de montagens nas quais atores cis interpretavam
personagens trans64 e, em seguida, adentraram os debates em sala de aula nas universidades.
Tais discussões foram pautas também dos encontros que organizavámos no grupo de
estudos Teatro, Gênero e Sexualidade, na UDESC. No grupo, organizado por mim e os/as
mestrandos/as Yuri Cabral e Vulcânica Pokaropa, que também investigavam temas queer nas
artes cênicas, ainda no início do mestrado, percebíamos a necessidade de aprofundar estudos a
respeito das temáticas que pesquisávamos. O grupo era orientado pela profa. Dra. Brígida de
Miranda (UDESC), pesquisadora dos estudos feministas no teatro, além de ter a participação
de discentes da UDESC e Universidade Federal de Sanra Catarina (UFSC).
As reivindicações do Movimento Nacional de Artistas Trans (MONART), acerca da
representatividade trans (CARVALHO, 2018) e as problematizações de “lugar de fala”
(RIBEIRO, 2017) na cena contemporânea, proporcionaram aos/as pesquisadores/as dos
estudos de gênero, feminismo e queer, assim como professores/as de teatro e artistas lançarem
outros olhares para as práticas artísticas, os processos criativos, as montagens e as aulas de
teatro. Assim sendo, essas problematizações discutiam como nossas práticas artísticas,
processos e espetáculos poderiam dar voz e representatividade aos corpos queer com suas
interseccionalidades, atreladas sobretudo à noção conceitual de “lugar de fala” (RIBEIRO,
2017).

64
Desde 2017 o tema tem sido largamente discutido na impressa/mídia/redes sociais, como pode ser verificado
nas seguintes matérias: Representatividade trans – MONART (Movimento Nacional de Artistas Trans, 2018),
transfake em Gisberta - MONART (Movimento Nacional de Artistas Trans, 2018), A insurgência trans e seu
alvo impreciso - Valência Losada (LOSADA, 2018), ‘Gisberta’, de Luis Lobianco: representação e
representatividade nas artes - Paloma França Amorim (AMORIN, 2018), Questões sobre a representatividade
trans no teatro - Mateus Araújo (ARAÚJO, 2018).
116

Dessa maneira, partilho estas discussões sob o ponto de vista de uma espectadora
travesti em processo de “encontro consigo mesma”. Em seus escritos Performatividade
transgênera: equações poéticas de reconhecimento recíproco na recepção teatral (2018) a
artista, pesquisadora dos estudos de gênero e professora-artista Dodi Leal compartilha suas
descobertas subjetivas, as implicações de autoafirma-se travesti, bem como as imposições da
passabilidade65 que pessoas trans são sujeitadas numa sociedade cis(hetero)normativa.
Como a pesquisadora descreve em sua tese de doutorado, essas inquietações foram
suscitadas sobretudo com base nas experências com a recepção teatral em duas montagens, as
quais compartilho em formato de quadro ilustrativo (5). Dessa forma, meu objetivo é
demonstrar, baseando-me nas reflexões da autora, os processos de fruição no ato de “olhar
para a cena e para si” e não se reconhecer, não se ver representada e quando “olha para a cena
e para si” com representatividade:
Quadro 5 – Um olhar travesti e a representatividade “de si”
Espetáculo Espetáculo
Na Rego – Graduação em As 3 Uiaras de SP City – Coletivo
Laboratório de Técnica Dramática
Teatro/UNESP
[…] Observar a atuação […] sobre a vida de […] No dia primeiro de junho de 2018 fui assistir
travestis que se prostituiam na Rego Freitas, para ao espetáculo As 3 Uiaras de SP City — barbante
além de me proporcionar um melhor roxo do mural da memória no Centro Cultural de
conhecimento sobre as histórias destas mulheres São Paulo. […] O diálogo com a recepção aqui
trans, produzia em mim um embaraço adicional. foi em outro tom. De trans pra trans e de trans pra
Percebia que havia na proposta estética uma cis. O choque que vinha da cena tal como na
demarcação muito concreta da transgeneridade encenação Na Rego, provinha de histórias de
condicionada à prostituição, à qual eu não me agressão e profundas revoluções pessoais de
encaixava: "travestis são elas, as mulheres trans pessoas trans em resistência às opressões e
que se prostituem e que foram depoentes da obra genocídio. No entanto, o diferencial de não ter
teatral", algo como que me sussurrava ao ouvido. medo de falar em primeira pessoa do plural sobre
Como eu não me prostituia, eu percebia enquanto estas histórias, durante e depois da peça, não foi
espectadora que não era (ou não deveria ser) um um mero detalhe. Trata-se de uma ética
resultado da peça que eu fosse trans também. Não sofisticadíssima, construída com os rasgos e
foi nem um pouco óbvio para mim que um sangue de luta. Mas mais do que isto, provoca um
mesmo espetáculo pudesse ser auspicioso o outro olhar sobre as transgeneridades. Leva-nos a
bastante para me deixar nua porque me fazia perceber que há mais pessoas trans entre a
enxergar a própria transgeneridade mas, ao recepção do que se supõe. Há encorajamento, mas
mesmo tempo, com sua proposta terceirizadora de não se exime de haver também advertência. Pelo
narrativa, me dificultasse a me reconhecer contrário, a advertência é mediada por fragmentos
enquanto trans. Este impasse foi muito dolorido que nos incitam a nos encorajam ainda mais em

65
“[…] uma mulher trans que tem uma passabilidade cisgênera, como dizemos entre pessoas trans. A noção de
autenticidade sobre ser uma mulher trans ganha na passabilidade cis um parâmetro normativo de legitimação
de pessoas trans em sua leitura. O acabamento esperado de uma mulher trans jamais considera que ela
eventualmente venha a ter tido o "azar" de parecer, performar ou se autodesignar no masculino. […] De fato,
a passabilidade está suportada pela visão hegemônica de transgeneridade fomentada pelo Estado sob o nome
de 'processo transexualizador' que traz consigo os parâmetros da legitimação das pessoas trans por meio dos
procedimentos cirúrgicos (transgenitalização, faloplastia), hormonais, modificações corporais, etc” (LEAL,
2018, p. 15-16).
117

porque me levou a conviver por um longo períodonossa transgeneridade. Ao sermos provocadas a


com uma verdade aprendida com a cena mas que sermos nós mesmas, a encenação se agiganta com
não poderia ser nomeada em função do modo humildade; se levanta para revelar o real, na cena
como a cena foi arregimentada. […] E não é que e na sala. Mas não só revela o real, o sustenta. A
o trabalho do grupo se simplificava em dizer que
performatividade das novas tecnologias presente
somente são pessoas trans quem se prostitui. O na encenação com suas projeções de vídeo com
problema é que, ao narrar a transgeneridade em gravações de câmera ao vivo, o jogo de luz que
terceira pessoa e não em primeira pessoa, o grupo
modula o espaço público e incita a revolução
não se preparou eticamente e teatralmente para mediada por uma musicalidade híbrida e engajada
perceber o que de fato estava levando para a cena
que Verónica e Danna conduzem com
e provocando no seu público: uma alteração na propriedade estética, levam a todos/as a
percepção sobre os descobrirem o melhor de si e desnudarem suas
conteúdos das transgeneridades. Ora, a matéria normatividades […]. O que pude perceber a partir
subjetiva e social das travestis da Rego Freitas
da minha experiência como espectadora é que o
dizia respeito tanto sobre os processos de trans fake é uma forma insidiosa de veto
performatividade de gênero do elenco como sobrecontemporâneo às transgeneridades no domínio
os processos de performatividade de gênero das artes cênicas […] conduzindo assim […]
das/os espectadora/es, no entanto, o trans fakemanutenção de privilégios sociais, acadêmicos,
empreendido pelo grupo teatral os negligenciava.
artísticos, familiares e políticos de pessoas cis
[…] (Dodi Leal, escrita de si, p. 25-26). sobre pessoas trans (Dodi Leal, escrita de si, p.
420-423).
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. Florianópolis - SC, 2019.

A partir das experiências da artista Dodi Leal, meu intuito é compartilhar as


problematizações e reivindicações de pessoas trans a respeito da importância da
representatividade de seus corpos ocupando espaços cênicos, protagonizando suas narrativas e
lugares de fala. Ou seja, “lugar de fala” está atrelado às questões étnico-raciais, como
interseccionalidades nos estudos feminista, de gênero e queer, que envolvem as
reivindicações de grupos sociais historicamente marginalizados. São corpos subalternos que
foram silenciados/as e invisibilizados/as no decorrer dos séculos (RIBEIRO, 2017).
Assim, discussões associadas as pautas trans, adentraram à cena contemporânea e à
pedagogia do teatro com um olhar decolonial e problematizador. Ao longo deste processo de
investigação, algumas discussões me fizeram pensar nas seguintes questões: da maneira que
algumas reivindicações foram postas, em determinadas circunstâncias, por determinados
grupos, podem aproximar ou “segregar” as pautas identitárias nos processos e nas montagens
teatrais? Como a representatividade queer, numa perspectiva interseccional, pode
potencializar as poéticas artísticas nos processos teatrais na escola?
Questionava-me ainda: de que forma dar voz a essas pluralidades nos processos
criativos em sala de aula? Como os corpos queer podem adentrar o processo de drama
coerente com a narrativa criada? Com relação a primeira reflexão, tanto a autora e filósofa
feminista Djamila Ribeiro (2017), quanto a pesquisadora dos estudos de gênero Dodi Leal
(2018), concordam que essas problematizações de grupos minoritários historicamente
118

marginalizados visam ampliar as discussões e “não restringir a troca de ideias, encerrar uma
discussão ou impor uma visão” (RIBEIRO, 2017, p. 84).
De acordo com a filósofa (2017, p. 84), “pensar lugar de fala é uma postura ética” de
entendimento que todos/as temos “lugares de fala”. Isto é, “localização social”, na qual
indivíduos ou grupos sociais possuem privilégios atravessados por intersecionalidades de
gênero, orientação sexual, questões étnico-raciais, classe, dentre outros, quando comparados a
determinados grupos que sofrem opressões e desigualdades com base nos mesmos marcadores
sociais.
Portanto, perceber-se nessa situação de (des)igualdade é fundamental para
compreender que determinados grupos minoritários silenciados, marcados por
interseccionalidades e desigualdades, agora buscam seus “lugares de fala” e
representatividade nos espaços de saber-poder como a escola, a Universidade, dentre outros.
Para Dodi Leal (2018) as pessoas cis pesquisando transgeneridades podem contribuir
na luta por equidade e visibilidade dessas discussões. Contudo, ressalta a autora, é
imprescindível exercitar a “escuta” e perceber se estamos caminhando juntos/as ou querendo
apenas manter privilégios e desigualdades. Pois, como frisa a autora Dodi Leal, é importante
“[…] perceber que agora é vez das pessoas trans ocuparmos lugares-latifúndios que nunca nos
foram oportunizados. Redistribuição de privilégio de performance de gênero é uma forma de
redistribuição de terras!” (LEAL, 2018, p. 420 – grifos da autora).
No decorrer da pesquisa, na mediação dos processos de drama, meu intuito era
oportunizar também que as vozes queer adentrassem as práticas teatrais na escola. Por isso, as
experimentações dos processos pilotos foram fundamentais para descobrir possibilidades, por
meio das estratégias, em diálogo com as histórias que foram criadas pelos/as alunos/as.
No entanto, as primeiras reflexões estavam em como proporcionar a visibilidade e
representatividade da pluralidade dos corpos queer nos processos de drama, considerando-se
que ainda estava no processo de compreensão dos modos de como caminhar com a
metodologia. Logo, essas experimentações e descobertas de aprender fazendo, entre teoria e
prática, e vice-versa, me colocavam no papel de professor-artista aprendiz.
Nessas descobertas dos processos a estratégia professor no papel se revelou potente
por me oportunizar vivenciar personagens na mediação em sala de aula, partilhando com os/as
alunos/as o meu ofício de artista, bem como proporcionou relações de jogo dentro do contexto
ficcional.
Deste modo, como professor no papel tentei investigar os seguintes objetivos:
experimentar a mediação artístico-pedagógica com base na vivência de papéis, assim como
119

inserir a teatralidade para imersão dos/as participantes na construção das narrativas. Além de
explorar as possibilidades de trazer à tona, por meio das personagens, aproximações entre as
discussões de visibilidade e representatividade queer em sala de aula, de acordo com as
histórias que os/as alunos/as estavam criando acerca de A.G.
Meus estudos a respeito desta estratégia, paralelamente à prática, estavam atrelados as
teorizações das pesquisadoras Beatriz Cabral (2006) e Heloise Vidor (2010). A origem desta
estratégia teacher in role, traduzido por Biange Cabral (2006) por professor-personagem, foi
criada pela a educadora e atriz inglesa Dorothy Heathcote66, pioneira nos estudos deste
método nas escolas da Inglaterra (CABRAL, 2006; VIDOR, 2010).
A autora Heloise Vidor (2010) ressalta as possibilidades artísticas na mediação destas
estratégias: professor-personagem e professor no papel. Na primeira, o/a professor/a-artista
interpreta um/a personagem, conservando seu discurso e suas atitudes com o intuito de
desafiar o ponto de vista dos/as alunos/as participantes. Enquanto que, como professor no
papel, o/a docente também interpreta um personagem, que traz aspectos de uma função social
para estabelecer uma relação de jogo como um/a parceiro/a dos/as alunos/as no processo
(VIDOR, 2008). Dessa maneira, a pesquisadora ressalta ainda acerca da estratégia professor
no papel que:
[...] ao utilizar-se da estratégia do teacher in role, o professor assume um papel
social e com isso estimula a discussão que este papel levanta entre os participantes,
em termos de comportamento e suas implicações éticas ou conscientização de outra
realidade que não a sua própria (VIDOR, 2010, p. 44).

Portanto, meu intuito era explorar os desdobramentos artísticas e pedagógicas nas


mediações dos meus processos. Desta forma, durante as primeiras experimentações práticas
(figura 6) vivenciei personagens femininas e masculinas, por meio do recurso teatral do
“travestismo” ou “travestimento” (TREVISAN, 2002; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018),
para emergir as discussões queer nos episódios.
No primeiro processo as personagens estavam associadas sobretudo aos
desdobramentos metodológicos do Drama, sendo a estratégia professor no papel utilizada
com a função de mediar situações, causar tensões ou desafiar os pontos de vista dos/as
alunos/as, como no caso da diretora da escola fictíca (figura 6).

66
A abordagem da professora e pesquisador Dorothy Heathcote também está vinculada à aquisição de
conteúdos do currículo educacional. Seus objetivos estavam atrelados aos aspectos de emancipar e promover
o desenvolvimento pessoal do/a aluno/a ao apreender, durante os processos de drama, os conhecimentos
interdisciplinares das disciplinas curriculares, que também estavam vinculados aos conteúdos teatrais. Mas
não necessariamente direcionado para montagem de espetáculos na escola, como acontecia anteriormente no
contexto educacional da Inglaterra (CABRAL, 2006; VIDOR, 2010; PAULA, 2016).
120

As primeiras inquietações estavam também atreladas às performances de gênero cis e


trans das personagens femininas que eu estava interpretando. Logo, ao passo que aprendia a
mediar e entender a metodologia na prática, nos primeiros processos de drama, também
exercitava a “minha escuta” em torno das problematizações do “trans fake”, bem como
refletia de que maneira poderia proporcionar a representatividade LGBT+ de forma coerente
com a narrativa criada pelos/as alunos/as no último processo de drama.
Figura 6 – Papéis vivenciados por meio da estratégia professor no papel

Fonte: Fotomontagem elaborada pelo autor a partir de imagens dos processos. Florianópolis - SC, 2019.

Nas imagens interpreto os papéis de diretora (cis) da escola fictícia Conhecimento, na


qual utilizo o elemento de vestuário cachecol, na primeira prática. Em seguida, interpreto
Sarah (trans), a amiga de A.G., na fotografia segurando a caixinha, ainda no primeiro
processo. Além de interpretar o diretor (cis) da escola Arthur Azevedo, na cena que estou
lendo um documento de abertura da exposição sobre a vida de A.G., no último processo.
Ainda conforme as imagens, as personagens demonstram minha intenção de explorar
os aspectos da teatralidade por meio da caracterização. Inicialmente, experimentei o uso de
121

acessórios simples (cachecol, casaco e camisa) como signo, elementos práticos de utilizar e
retirar rapidamente para “sair do papel” até figurinos mais elaborados (blaser, peruca,
vestidos, maquiagens, dentre outros) que potencializavam a teatralidade na caracterização das
personagens, como descrevo ainda neste subcapítulo.
Ao passo que experimentava os personagens e retornava aos escritos da autora Heloise
Vidor (2010), percebi que a estratégia oportunizava relações entre o meu ofício de professor
com o do ator, em sala de aula, proporcionando relações de mediação e jogo no contexto
ficcional que aproximava os/as alunos/as da fruição e da linguagem teatral na escola. Para a
autora, quando o/a professor/a vivencia papéis em sala de aula, através das estratégias do
professor/a-personagem e professor/a no papel, amplia as possibilidades artísticas “[...] como
dramaturgista, como diretor, como cenógrafo, figurinista e ator, colocando-se também como
um artista, um criador” (VIDOR, 2010, p. 14).
Das personagens que vivenciei, a drag queen67 Merry, no último processo de drama,
oportunizou as aproximações das minhas memórias queer entrelaçadas com as histórias
elaboradas pelos/as alunos/as a respeito de A.G. De acordo com a autora e atriz Janaina Leite
(2014, p. 34) o teatro contemporâneo utiliza-se cada vez mais dos recursos autobiográficos
como procedimento de criação artística. Para a autora esse recurso coloca o/a “artista a
engajar-se em primeira pessoa e transformar a cena, a obra, num depoimento próprio”
(LEITE, 2014, p. 34). Como afirma Janaina Leite (2014), através das autobiografias, o/a
ator/atriz mergulha em recursos como sua memória, fotografias, objetos, manuscritos,
referências visuais e sonoras que potencializem sua criação artística.
Essa proposta é recorrente nos espetáculos e performances que discutem as questões
LGBT+ na contemporaneidade, como por exemplo, o espetáculo Luís Antônio-Gabriela, do
diretor Nelson Baskerville. Pois, aproxima em meandros realidade e ficção, assim como
discursos do eu-real e personagem/presença colocando as discussões políticas de gênero e
sexualidade no cerne do fazer/compartilhar artístico na cena (LEITE, 2014; FRIQUES, 2018).
Interessou-me em trazer à tona no último processo, na pesquisa de campo, esse
procedimento de criação dramatúrgica porque aproximava o meu ofício de professor-artista
daquele do/a artista queer, em sala de aula. Assim, retornei às minhas “memórias qualiras”
para resgatar as referências femininas que pudessem contribuir na construção da drag queen

67
Drag queens são artistas/atores/cantores/dançarinos que se vestem como elementos do vestuário socialmente
atribuído ao feminino e constroem performances de gênero femininas. Enquanto drag king são
artistas/atrizes/cantoras/dançarinas que utilizam de adereços e figurinos socialmente atribuídos ao masculino
para criar performances artísticas masculinas (TREVISAN, 2002; LOURO, 2016; SCHICHARIN, 2017).
122

diva de A.G., coerente com a narrativa que os/as alunos/as estavam criando. Para isso, além
de retornar às “memórias qualiras” também resgatei as mais recentes a fim de criar uma diva
que pudesse compartilhar o universo artístico queer com os/as alunos/as, bem como acerca
das discussões de identidade de gênero e orientação sexual, LGBTfobia e também a respeito
da relação desta drag com A.G.
A cena que defini, se passava no camarim da artista. Enquanto esta se “montava” para
o show fúnebre de encerramento da exposição em homenagem à A.G. conversava com os/as
estudantes-espectadores/as. O roteiro com os temas citados foi apresentado em sala de aula
em uma cena de 15 minutos, na qual eu me “despia” da figura de professor-artista para tornar-
me Merry, a drag queen diva de Antônio Gabriel, diante dos olhos surpresos e de fascínio
dos/as alunos e alunas.
Ao retornar às minhas memórias da infância/adolescência na década de 90 e início dos
anos 2000, me dou conta como havia uma invisibilidade e silenciamento de personagens
LGBT+ na literatura, bem como nos livros 68 e espaço escolar. Logo, meu interesse pelo
“imaginário cor de rosa e viado” do universo feminino e da “montação” era preenchido nas
referências estereotipadas das mocinhas e vilãs das telenovelas. Além do glamour e ousadia
das vilãs, considerando-se que estas traziam a noção de “montação” que se aproximava
também do lugar da drag, assim como das divas da música, do cinema e das vedetes do teatro
de revista.
Nesta perspectiva, fiz um regaste do imaginário das referências femininas, da minha
mãe e primas, além das heroínas transgressivas dos desenhos animados e filmes que
permeavam minhas brincadeiras infantis de faz de conta, quando eu podia fugir das coerções,
das piadinhas machistas e homofóbicas da masculinidade tóxica para mergulhar no universo
feminino. Essas referências me inspiraram para vivenciar Merry (figura 7), a diva drag queen
de A.G., para instaurar e aproximar este universo queer dos/as alunos/as em sala de aula.
Além das memórias de infância, também me inspirei nas divas atuais de “montação” da arte
drag.

68
Na atualidade percebo que, ainda que a conjuntura mantenha este silenciamento do protagonismo de
personagens LGBT+ na infância e adolescência, há livros a exemplo do que utilizei como pré-texto para este
processo de drama, assim como programas como Conexões Projeto Teatro Jovem que traz
literaturas/dramaturgias com temáticas queer. Dessa forma, esses são exemplos de literaturas que rompem
com a heteronormatividade para dar visibilidade e representatividade aos corpos e narrativas LGBT+ na
literatura e dramaturgia infanto-juvenil. Todavia, a partir de relatos de professores/as de arte e pedagogia, nas
formações que ministro percebo que ainda há um desconhecimento destes livros literários e dramaturgias
com temas queer para crianças e adolescentes. Disponível em: http://conexoes.org.br/. Acesso em: 28 jun.
2019.
123

Figura 7 – Memórias de viadagens das divas cor de rosa69

Figura 5. Acervo pessoal da artista Merry. Drag Queen mexicana Merry, em show na Cidade do México, s/d.

Como ilustram “minhas memórias de viadagens das divas cor de rosa” algumas
inspirações da minha infância qualira, como as heroínas dos desenhos animados, a “Power
Ranger Rosa” e a “Vampira” de X-Men, que surgiram neste processo de investigação. Esta
última, por exemplo, além da referência feminina do desenho e do filme, trazia ainda uma
metáfora dos/as mutantes como excluídos/as de uma sociedade normativa, que os/as
discriminava por serem “diferentes”. Enquanto as duas últimas imagens são das drag queens,

69
Figura 1. Acervo da pesquisa. O professor-artista queer como Merry, drag queen diva do personagem A.G.,
na escola Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago – MA, 2019. Fotografia do acervo da pesquisa de campo
realizada pelos/as alunos/as. Figura 2. Site: wordPress.com. Personagem Vampira do desenho animado
intitulado X-Men, s/d. Figura 3. Site: Pinterest.com. Personagem Power Ranger Rosa do desenho Power
Ranger, s/d. Figura 4. Site: Pinterest.com. Drag Queen brasileira Pablo Vittar, natural de São Luís – MA, s/d.
124

a brasileira Pabllo Vittar e a mexicana Merry. Sendo que Merry70, foi um resgate atual das
minhas experiências como artista queer durante minha estadia no México, a qual me ensinou
a arte de se “montar”.
Para a pesquisadora Biange Cabral (2012, p. 25) a memória “é a fonte do trabalho do
ator”, um estímulo e impulso criativo que “introduz a interação entre passado e presente”. A
autora frisa ainda que “o apelo à memória, em processos de drama e teatro, mantém a
narrativa na fronteira entre o real e ficcional, e é responsável pela mobilidade da significação”
(CABRAL, 2012, p. 28), que neste último processo aproximou as minhas memórias afetivas
“cor de rosa” do espaço real da sala de aula na qual estudei, que agora era ressignificado
como lugar ficcional de compartilhamento de alteridades pela voz de Merry.
Ainda no âmbito das referências mais recentes também me vieram à cabeça, neste
processo criativo, o clássico do cinema queer, Pryscilla – A rainha do deserto, bem como a
filmografia com personagens LGBT+ do diretor Pedro Almodóvar. O cineasta espanhol,
assim como o dramaturgo Plínio Marcos no teatro brasileiro, retratou o protagonismo
subjetivo LGBT+, mostrando ainda os guetos e o submundo marginalizado de gays, lésbicas,
travestis/trans no cinema.
Além das mais recentes descobertas como o reality show norte-americano RuPaul’s
Drag Race, apresentado pelo ator, RuPaul André Charles, como a drag queen que dá título ao
reality, bem como os canais brasileiros do Youtube Gay Nerd, com o jornalista Marcel Nadale
e Tempero Drag, com o ator e professor Guilherme Terreri Pereira interpretando a drag queen
Rita Von Hunty. Tais programas e canais trazem discussões artísticas e políticas a respeito das
questões LGBT+, os quais também proporcionaram esta minha imersão investigativa de
estudo na cultura pop queer para aproximar os/as alunos/as do nosso universo LGBT+.
Na atualidade, os discursos em torno dos temas de educação sexual são propagados
como fake news e absorvidos como “verdades instantâneas e absolutas”. Em meio a tais
narrativas, que também adentram a rotina escolar, questionava-me enquanto organizava o
último processo da pesquisa de campo: de que forma eu poderia envolver meus/minhas
alunos/as em experiências de escuta, de troca de olhares sensíveis e de afetividade com
relação aos temas queer na criação artística em sala de aula, em meio aos atuais discursos de
ódio e proliferação de fake news acerca das questões LGBT+ na escola?

70
Merry foi artista mexicana transformista/drag assassinada em 2016 na Cidade do México, um ano após o
meu retorno para o Brasil. A polícia mexicana não informou na época os motivos do assassinato. Todavia, a
família acredita que fora motivado por LGBTfobia, segundo informações da sua sobrinha Kirey Amano, atriz
e diretora teatral.
125

Essas e outras reflexões, me inquietavam enquanto me preparava para começar um


novo processo, no qual o tempo metafórico me colocava diante do tempo concreto do
cotidiano escolar, o qual está envolto de normas. Além de pensar nas possibilidades de
“desacelerar” a turma 201 do ensino médio do colégio Centro Educacional Dr. Clarindo
Santiago, para o novo processo realizado no início do primeiro semestre de 2019, pelo menos
naqueles dois primeiros horários, para quem sabe transformar a sala de aula num
espaço/tempo de criação artística.
Era frente a esse tempo, o qual eu tentava “desacelerar”, que me encontrava
novamente. Assim, no momento no qual iniciava um novo processo, problematizando a
minha prática, refletia a respeito de alguns caminhos que já havia percorrido, enquanto
buscava outros percursos para caminhar. Novamente o fator tempo me assolava como
pesquisador, que precisava cumprir os prazos da pesquisa, e professor-artista em sala de aula,
que precisava (re)aprender a lidar com as escolhas metodológicas para explorar o Drama e
determinar o andamento a partir do horário curricular. E, quem sabe, tentar “desacelerar” para
partilhar momentos de escuta e afetividade acerca das questões LGBT`+ com meus/minhas
alunos e alunas na sala de criação artística na escola.
Dessa forma, como eu deveria ajustar e planejar as sete aulas disponibilizadas, em dois
horários seguidos de 45 minutos por semana, as escolhas metodológicas e o tempo seriam
determinantes nesse último processo. Assim, a introdução da ampulheta desde o início do
processo, tanto dentro do contexto fictício, quanto nas atividades fora dele, foi a chave
temporal que conectou os/as alunos/as no tempo das atividades propostas, permitindo a
ressignificação daquele tempo/espaço escolar.
Além das primeiras inquietações compartilhadas, outras me trouxeram até o último
processo de drama, a saber: a necessidade de investigar outras possibilidades para instaurar a
teatralidade em sala de aula (VIDOR, 2010; SARRAZAC, 2013; 2014) para imersão dos/as
alunos/as no universo LGBT+, apropriar-me ainda de especificidades intrínsecas ao fazer
artístico-didático do Drama (CABRAL, 2006; THARYN, 2012; PEREIRA, 2015; PAULA,
2016), bem como construir momentos potentes de afeto e alteridade relacionados aos estudos
queer no âmbito da escola.
126
127

4 “OH! QUE SAUDADES EU TENHO DA AURORA DA MINHA VIDA [...]”71:


QUANDO O PROFESSOR-ARTISTA QUEER RETORNA À ESCOLA QUE
ESTUDOU E SE RECORDA QUE FORA UM ALUNO-ARTISTA QUALIRA

Era fim de tarde de mais um dia ensolarado em São Luís - MA e a brisa do mar me
trazia recordações não somente da proximidade com a escola Centro Educacional Dr.
Clarindo Santiago (figura 8), na qual estudei minha 8ª série, mas também da praia do Olho
d’Água em São Luís – MA. Assim, os ventos do mar trouxeram-me não apenas a lembrança
da escola na qual estudei meu ensino fundamental, trouxeram também as recordações da
proibição que era estudar próximo à praia, e não poder visitá-la, depois de uma tarde
“trancafiado” (como costumávamos falar!) em sala de aula.
Ao retornar às minhas memórias como aluno-artista qualira, esse prólogo sintetiza
algumas das reflexões que pretendo compartilhar quando o professor-artista (que agora sou)
adentra novamente à escola que estudou e resgata suas experiências artísticas e qualira/queer.
Quando me recordo do momento no qual me aproximei do portão, ao passo que relembro dos
meses que lecionei na escola e as narrativas que escutei/presenciei/compartilhei, tenho a
impressão que a proibição nunca esteve somente em torno da praia, outros assuntos ainda
permaneciam como tabus, como, por exemplo, gênero e sexualidade, em especial as questões
LGBT+.
A ideia da escola como lugar de enclausuramento dos corpos queer, dos sonhos, dos
desejos e dos anseios também retornou conforme me aproximava da escuta dos/as alunos/as e
novamente me via ali, sentado naquela cadeira, talvez com sonhos parecidos com os dos/as
meus/minhas alunos/as. Agora me vem novamente à memória que naquela época sentia
aprisionado por normas que ainda me impediam de ser totalmente queer. A mesma
(hetero)norma (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019), que aprisiona os corpos queer no âmbito
escolar, está materializada desde a arquitetura que determina os “lugares de meninos e
meninas em cores azul e rosa” até nos discursos simbólicos e concretos do cotidiano escolar
(LOURO, 1997; 2001; 2016).

71
Referência ao poema Meus oito anos, de Casemiro de Abreu.
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2813/casimiro-de-abreu. Acesso em: 10 mai.
2019.
128

Figura 8 – A praia, a escola e “os lugares rosa e azul”

Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.

Por outro lado, o retorno à escola me aproximou novamente daquela outra face escolar
da qual apontei no segundo capítulo (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015), ou seja, a face que,
a meu ver, empodera os corpos queer. Assim sendo, novamente o teatro era o elo entre o meu
passado e o presente no ambiente escolar, o ponto de fuga e de empoderamento para
desbravar novos e desconhecidos caminhos na mesma escola que estudei.
Naquela época, na 8ª série, o desafio era iniciar a aproximação com o teatro, diante da
marginalização que era fazer teatro, ou seja, “coisa de menina”, “coisa de qualira”. Naquele
contexto escolar as atividades teatrais ainda estavam atreladas somente às apresentações
artísticas em datas comemorativas, assim como o ensino de arte à reprodução de cópias de
desenhos de livros, que a professora de arte inseria cotidianamente na lousa. Todavia, agora o
desafio era outro, retornar ao colégio Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago, como
professor-artista e proporcionar outras experiências artísticas, de afeto e de alteridade, nas
quais o que outrora fora um silêncio dos bastidores se revelaria, com todas as luzes
purpurinadas, no palco principal da sala de aula.
129

Adentrei à escola do meu ensino fundamental, reencontrei com o pequeno pátio, o


corredor, as salas, a cantina, o banheiro e também com o portão no qual fiz a clássica cena do
filho rebelde, que depois é perdoado pela mãe, na festividade do dia das mães do ano de 2006.
Estava tudo lá, uma escola pequenina, em meio aos casarões luxuosos com muros altos,
contrastando socialmente com o perfil do alunado de bairros periféricos adjacentes
(PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO – CENTRO EDUCACIONAL DR. CLARINDO
SANTIAGO, 2018).
Por um lado, a afetividade e recepção no Clarindo Santiago foram explícitas e
determinantes para a realização dos processos, por outro, não me isentaria de, sob a escuta e o
olhar queer (LOURO, 1997; 2001; 2016), diagnosticar e problematizar o silenciamento das
discussões de gênero, sexualidade e LGBT+ na escola. Assim, por envolver-me nas atividades
pedagógicas da escola, para além das mediações nas duas turmas, pude diagnosticar a tímida
representatividade queer na instituição, ainda envolta muito mais numa situação de segredo
que no empoderamento e enfretamento das dores e amores de revelar-se.
Neste sentido, percebo que há discursos na atual conjuntura que insistem em tratar os
temas de educação sexual, gênero e queer como de âmbito do privado, do íntimo e da família,
ressaltando que a escola deve manter-se neutra para não interferir na “moral e nos bons
costumes” (LOURO, 1997; 2001; 2016; FURLANI, 2016; TORRES; JUNIOR; BRITO,
2019).
No entanto, conforme problematiza Guacira Louro (1997; 2001; 2016), se para
alguns/mas a escola “não tem gênero” e não cabe a ela abordar temas de educação sexual,
gênero, feminismo e LGBT+, questionava-me novamente: de que forma poderemos ajudar o
aluno gay que foi hospitalizado pela família por acreditar que estaria doente e, desde então,
passou a tomar remédios controlados? Como pedir para que um/a aluno/a trans permaneça na
escola se, além do conflito com a descoberta e afirmação da sua própria identidade de gênero
trans, tem que lidar com o/a professor/a que não lhe chama pelo nome social?
Como fazer com que a comunidade escolar não ache normal quando uma aluna de 15
anos retorna à escola, nove meses depois, com um bebê em mãos para apresentar-lhe na sala
dos/as professores/as ao invés de um caderno para revisar o conteúdo da matéria? De que
maneira a escola pode lidar, pedagogicamente, com o fato de que praticamente na mesma rua
em que está localizada, além dos casarões luxuosos e da praia, há também uma rua que é
ocupada nos finais da tarde por meninas e mulheres que se prostituem? Entendendo aqui que a
prostituição para alguns/mas não é uma escolha, mas a única opção, sobretudo para a
população trans (ANTRA, 2018).
130

Quais são as ações e políticas públicas que podem ser efetuadas para assegurar a
integridade das alunas quando estas vão à escola e, cotidianamente, sofrem assédios e
tentativas de estupros ao percorrem as ruas desertas até o colégio? Como ignorar que as
abordagens de educação sexual (FURLANI, 2016), bem como os temas de sexualidade,
gênero e as discussões LGBT+ não estão dentro e próximas à escola se elas saltam aos olhos e
ao mesmo tempo são naturalizadas?
Essas foram algumas das problematizações de gênero e sexualidade que diagnostiquei,
paralelamente à minha convivência na rotina escolar. Além do contexto controverso no país,
outras aflições colocavam em dúvida se conseguiria realizar uma segunda prática em 2019,
após realizar a primeira no segundo semestre de 2018, isto é, a mudança na gestão da escola.
No entanto, novamente fui surpreendido pelo acolhimento da minha pesquisa tanto pela nova
diretora, Giselle Sampaio Pires, quanto pela coordenadora pedagógica, Carla de Oliveira, que
assim como eu iniciavam novos desafios na instituição.
Dessa forma, é através do ponto de vista de um ex aluno-artista qualira e atual
professor-artista queer que retorna à escola na qual sentiu opressões e empoderamentos que
compartilho os caminhos que percorri ao aproximar a pedagogia do teatro, através da
metodologia do Drama (CABRAL, 2006), com a pedagogia queer (LOURO, 1997; 2001;
2016) como possibilidade de mediar processos teatrais que trouxessem à tona narrativas
LGBT+ em sala de aula.
Na escola Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago pretendi experimentar as
implicações e desdobramentos artístico-pedagógicos de mediar processos de drama sozinho
no contexto da disciplina de Arte/teatro no âmbito curricular. Assim, tento aproximar o ofício
do/a professor/a-artista-pesquisador/a ao do/a professor/a-artista da educação básica de escola
pública no Brasil.
Diante desse segmento da educação básica, no qual prevalecem as relações de poder
entre secretarias versus escola, as imposições para que o/a professor/a de arte cumpra o
conteúdo do livro didático, além das determinações de simulados, provas, conteúdos e as
obrigações do sistema educacional, indagava-me: qual o lugar da prática artística, mais
especificamente do Drama, no contexto do ensino médio? Como posso envolver alunos/as em
atmosferas artísticas e queer que, talvez, pudessem trazer outros sentidos de pertencimento,
afeto e alteridade que não o determinado pela lógica do sistema?
Nesta perspectiva, compartilho o último processo de drama criado com uma turma do
2º ano do ensino médio do Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago entre os meses de
fevereiro e março de 2019. Para isto, nos próximos subcapítulos descrevo as sínteses dos
131

episódios sob o olhar/escrita dos/as alunos/as para em seguida retomar alguns pontos, através
de “chaves de análises” para discutir os temas queer que emergiram do processo.
As temáticas destacadas trazem discussões que aproximam a pedagogia teatral à
pedagogia queer na escola, a saber: imersão dos/as alunos/as no universo LGBT+ através da
teatralidade em processos de drama; a construção coletiva de narrativas queer em sala de aula;
criação de autobiografias e representatividades queer na escola; e aproximações com a
resistência transgressiva da cultura pop queer. Além de discussões a respeito do combate a
LGBTfobia, da importância da educação sexual e estudos queer no âmbito escolar e
desconstrução da noção de “ideologia de gênero” que também surgiram durante a experiência
prática.

4. 1 PRIMEIRO DIA DE AULA NA TURMA 201: CONSTRUINDO OS PRIMEIROS


AFETOS E COMPARTILHANDO AS EXPERIÊNCIAS ARTÍSTICAS

Quadro 6 – Resumo da primeira aula


O primeiro encontro com a turma 201
Por: Junior (nome fictício criado pelo aluno-autor no diário de bordo)

“O professor Luís entra com o já estudante da escola Dr. Clarindo Santiago, o professor
Nando, que nesse dia ia começar a sua jornada com a nossa sala 201 e por ordem do destino
estávamos na mesma sala que ele frequentou no ano letivo dele [...] Nisso ele nos deu uma
cesta com papéis para pegarmos e escrever um pouco de nós. Já com os papéis coloridos na
cesta, novamente ele pediu para nós fazermos um mesão com as mesas para ele nos mostrar
um pouco de sua trajetória por meio de fotos, jornais, cartazes [...] nisso ele foi espalhando
tudo pelo mesão feito no meio da sala e nos explicando algumas das imagens e pediu para
nós pegarmos um dos papéis que estavam dentro da cesta [...] depois de todos tirassem um
papel e nós falássemos o que tava escrito [...] para que os outros tentassem descobrir de
quem estávamos falando. [...] Depois nos deu os últimos toques para fazer o livro da nossa
trajetória com ele” (Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago, 18 de fevereiro de 2019.
Texto extraído do diário de bordo do referido aluno).
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.

Algumas das anedotas destacadas no relato do aluno “Junior”, em seu diário de bordo,
me colocam novamente no lugar de um ex aluno de escola pública, quando me aproximei do
grupo de teatro no ensino médio, descobrindo as possibilidades da prática teatral e também do
exercício da escrita criativa através do diário de bordo. Ao adentrar, coincidentemente, a
mesma sala no final do corredor na qual estudei a 8ª série, e me recordar das aulas de
português, de arte, de ciências, me vieram à memória os atravessamentos das faces da escola
para um aluno qualira, ao passo que sentia meus olhos marejarem quando compartilhei essa
agradável coincidência com os/as alunos/as da turma 201.
132

Parece que algo me conectava com aquela sala de aula, o fato de que anos atrás os/as
meus/minhas professores/as compartilhavam saberes e me empoderavam intelectualmente.
Atualmente, era eu quem trocava de figurino de aluno e assumia o ofício de professor-artista
para compartilhar experiências artísticas com meus/minhas alunos e alunas. Resgatar as
experiências dos/as alunos/as com a arte (teatro, música, dança e artes visuais), paralelamente
às minhas como professor-artista, foi a maneira didática que já mediava nas minhas aulas, a
qual utilizei para me conectar com estes/as novos/as alunos/as, que agora, iniciariam comigo
uma nova jornada de criação artística em sala de aula.
Este ciclo de afeto, o que Jorge Larrosa (2018) chama de “corrente de amor” ou
“cadeia da transmissão”, revela o amor que o/a professor/a de arte nutre por sua matéria,
mesmo diante da desvalorização quando comparada às demais disciplinas curriculares, e ao
compartilhá-la com os/as seus/suas alunos/as estabelece uma espécie de gratidão aos/as que
um dia foram nossos/as mestres/as. Neste sentido, enquanto os/as alunos/as (figura 9)
partilhavam suas histórias com a arte e conheciam as fotografias, folders, cartazes e matérias
jornalísticas a respeito do meu ofício de professor-artista, compreendiam e refletiam acerca
das diversas possibilidades do fazer teatral que não estavam atreladas somente a um palco e
um edifício teatral.
Figura 9 – Partilhando experiências artísticas

Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.
133

Como um professor-artista que torna pública e partilha a matéria que leciona aos/as
alunos/as, no sentido em que Jorge Larrosa (2018) descreve com relação aos/as professores/as
de “arte silvestres” que têm amor ao que ensinam, que através do afeto e sensibilidade fui
tentando tocar aqueles/as que caminhariam comigo na construção de saberes artísticos e
queer. Aos poucos, os/as alunos/as percebiam que já tinham feito teatro na escola, na rua, em
projetos sociais, dentre outros, como descreveram em seus diários:
Bem, hoje aprendemos na sala de aula, que pelo menos uma vez
na vida, fizemos teatro. O professor fez uma dinâmica muito
legal, podemos conhecer sua trajetória e a pessoa que ele é. Foi
ótima a aula de hoje, que venham mais assim!72
(Escritos de “Sam”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

[...] Descobrimos quem fez e quem não fez teatro e que algumas
pessoas que já fizeram não sabiam que tinham feito.
(Escritos de “Luana”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

[...] teatro não é apenas dançar ou subir em um palco, teatro


pode acontecer em diversos lugares, como terminais, ruas,
shopp e outros lugares.
(Escritos de “Lobinho”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

[...] ADOREI a ideia do diário e não vejo a hora de começar


com as aulas de teatro. Estou ansiosa em relação às aulas e
curiosa com que vamos fazer, o que vamos apresentar.
(Escritos de “Meghan”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

Conforme aponta a aluna “Meghan”, a aula introdutória na qual revelamos o fazer


teatral dos/as alunos/as-artistas e professor-artista, despertou uma motivação para fazer teatro,
além de revelar o interesse da aluna no registro do diário. Deste modo, pedi aos/as os/as
alunos/as que criassem um perfil com algumas informações pessoais (nome real, idade, bairro,
com quem moravam, se já tinham feito teatro). Pedi ainda que criassem um nome fictício e
informei que seria através dele que iria citar algumas falas na minha dissertação.
O diário de bordo me permitiu diagnosticar a aproximação dos/as alunos/as com a
teatralidade e estudos queer de acordo com a abordagem processual da metodologia do
Drama, pois durante o processo também me foi atribuída a função de avaliar os/as alunos/as
com notas referentes ao primeiro bimestre do ano letivo. Apesar de compartilhar com a turma
que realizaríamos um processo teatral através de uma metodologia intitulada Drama, não
descrevi os detalhes a respeito dos temas transversais queer, pois minha estratégia/hipótese de
pesquisa era verificar se as narrativas queer surgiriam a partir desse novo processo, além da
necessidade de manter o mistério em torno do segredo que seria construído coletivamente.
72
No decorrer deste capítulo utilizo as falas dos/as alunos/as extraídas do diário de bordo, ressalto que a
transcrição se manteve em versão original dos textos.
134

4. 2 INÍCIO DO PROCESSO O SEGREDO: 1º EPISÓDIO “A MOCHILA MISTERIOSA”

Quadro 7 – Resumo do 1º episódio


Introdução do contexto ficcional
Por: Junior e Aghata Vitória (nomes fictícios criados pelos/as alunos/as no diário de bordo)

“Nesta aula de hoje o professor Nando chegou mais cedo que o professor Luís,
com isso ele foi conversando [...] sobre a aula antepassada e também se
apresentando aos alunos que não vinheram a útilma aula [...] Depois nós
começamos a fazer teatro. O professor Nando saiu de sala [...]. Derrepente entra
uma rapaz bem parecido com professor Nando, só que ele estava usando paletó e
não usava óculos, dizendo ser diretor da escola Unidade Integrada Arthur Azevedo
e tinha nos relatado que um(a) aluno(a) tinha deixado uma mochila lá pelo pátio
[...] que era para nós ajudá-lo a achar o aluno desaparecido. Nisso ele vai embora
e passa um tempo volta o professor Nando [...] nos pergunta o que aconteceu e nós
explicamos tudo e nos disse para irmos ao pátio ver se nós encontravamos a
mochila [...] chegando lá encontramos uma bolsa com várias coisas dentro, havia
uma chuteira, maquiagens, vidros de perfumes, remédios, um carrinho tipo uma
lembraça e uma prova em branco de matemática [...] um mini caderno com folhas
rasgadas [...] e uns bilhetes com pedido de ajuda. Voltamos a sala de aula e ele
nos pede a falar o que a gente viu na mochila e depois nos dividiu em quatro
grupos [...] depois de escrevermos as nossas hipóteses na cartolina, ele nos pediu
para relatar [...]”.
(Fato ocorrido no Colégio Unidade Integrada Arthur Azevedo, na tarde do dia 25
de fevereiro de 2019. Texto extraído do diário de bordo dos/as referidos/as
alunos/as).
Convenções e estratégias da metodologia do Drama utilizadas neste episódio:
Pré-texto: livro O menino perfeito (2017).
Contexto ficcional: escola fictícia Unidade Integrada Arthur Azevedo.
Professor/a no papel: diretor da escola.
Estímulo composto: Um caderno; uma prova de matemática; um vidro de perfume,
além de cápsulas de remédio, injeção (sem agulha) e vidros vazios de remédios; um
par de chuteira; itens de maquiagens usados (máscara de cílios, pó compacto, pincel
de blush) e um carrinho (modelo fusca azul).
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.

Era o segundo dia de aula, e o início do processo efetivamente, o primeiro episódio.


Os/as alunos/as da turma 201 estavam com bastante expectativas e disponíveis para serem
tocados/as pelo teatro, mesmo eles/as não sabendo o que poderia surgir, tampouco eu como
professor-artista sabia quais narrativas poderíamos construir neste novo processo. Tal
disponibilidade para ser tocado/a, foi fundamental para que os/as adolescentes adentrassem
em uma imersão inicial na teatralidade, no contexto ficcional, através da estratégia professor
no papel (VIDOR, 2010; SARRAZAC, 2013; 2014; THARYN, 2012).
135

Quando entrei em sala de aula, como o diretor da escola fictícia Unidade Integrada
Arthur Azevedo, pedi ajuda aos/as alunos/as da turma 201 para descobrirem de quem era a
mochila deixada no pátio. Tal mediação, a partir da estratégia professor no papel (CABRAL,
2006; VIDOR, 2010), instaurou o contexto ficcional e engajou os/as estudantes na ficção,
além de estabelecer uma relação de jogo e entendimento da teatralidade, desde o primeiro
episódio, como ressalta a aluna “Kamylla”:

Para mim desde o primeiro episodio tivemos teatro na cena em


que o diretor da escola de A.G. foi conversar com a gente e logo
em seguida fomos investigar perto do banheiro dos professores.
Em algumas parte nos saiamos do personagem para montar a
cena com a equipe e logo em seguida entravamos no
personagem [...].
(Escritos de “Kamylla”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

Foi com base nas reflexões da pesquisadora Heloise Vidor (2010) a respeito das
relações entre os ofícios do/a professor/a e do/a ator/atriz em sala de aula, especificamente em
“como trazer a teatralidade para este contexto?” (VIDOR, 2010, p. 9), que percebi na
estratégia do professor no papel, a oportunidade para mediar e engajar a turma 201 no
ambiente ficcional. Ao assumir o papel para iniciar o processo de drama, possibilitou-me criar
outras relações artístico-pedagógicas com meus/minhas alunos/as na inserção da teatralidade
em sala de aula e na mediação para investigarem a mochila de A.G. Além de engajar os/as
alunos/as na investigação teatral para que, posteriormente, criassem hipóteses (figura 10).
136

Figura 10 – investigação do estímulo composto e criação de hipóteses

Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.

A partir do primeiro episódio aqueles dois primeiros horários curriculares não seriam
mais os mesmos. Às segundas-feiras, das 13:00min às 14:30min, a escola, e a sala de aula,
seriam ressignificadas como espaços de experimentação artística (CABRAL, 2006; 2012).
Assim, a relação tempo/espaço que se estabelecia naqueles primeiros horários, levava
àqueles/as alunos/as do 2º ano do ensino médio da turma 201 a se distanciarem dos laços
afetivos da família e das imposições e anseios da sociedade para com os/as mesmo/as, para se
dedicarem ao ofício da criação artística dentro da sala de aula na escola.
No decorrer do processo, os/as alunos/as concentravam-se em outro momento, um
tempo artístico-escolar, que não estava atrelado a temporalidade produtiva para “produzir
conhecimento” dentro da lógica das imposições do sistema. Agora, os/as estudantes se
envolviam na construção de narrativas artísticas que estavam atreladas ao afeto e alteridade
das subjetividades queer, cujo fio condutor era a ajudar alguém chamado/a A.G.
137

 Estímulo composto e as (des)construções queer

Nesse episódio, os/as estudantes investigaram a mochila de A.G., com dois bilhetes de
pedidos de ajuda: “Me ajudem, por favor. É urgente. A.G.” e “Este é o caminho”, as mesmas
mensagens utilizadas nos processos pilotos. A segunda mensagem direcionava para dentro da
mochila, na qual continha os seguintes objetos, a saber:
a) Um caderno (amarelo e verde com figurinhas de emoji);
b)Uma prova de matemática (sem assinatura do nome)/com questões de cálculos
com o nome fictício da escola “Unidade Integrada Arthur Azevedo”;
c) Um vidro de perfume, além de cápsulas de remédio, injeção (sem agulha) e
vidros vazios de remédios;
d)Um par de chuteira usada (de cor verde);
e) Itens de maquiagens usados (máscara de cílios, pó compacto, pincel de blush);
f) Um carrinho (modelo fusca/azul).

Dessa forma, o conceito da “teoria do estímulo composto”, criado pelo autor John
Somers (2011), materializado nos objetos citados permitiu suscitar as primeiras
problematizações de gênero e sexualidade entre os/as alunos/as e estimular também a primeira
imersão no processo para construir narrativas a respeito de A.G. A chuteira, por exemplo,
trouxe à tona reflexões dos estereótipos de gênero e dos papéis sociais desempenhados por
homens e mulheres em sociedade, como no trabalho, no esporte e na arte.
As falas de alguns/mas alunos/as ilustravam os primeiros impactos com a temática.
Visões preconceituosas e estereotipadas acerca das identidades LGBT+ começaram a surgir
por meio de piadinhas machistas, ao passo que analisavam os objetos do estímulo composto.
As discussões proporcionadas através da análise dos objetos dessa estratégia, numa
perspectiva queer (LOURO, 1997; 2001; 2016), oportunizaram desconstruir estereótipos
atrelados às masculinidades e feminilidades. Logo, algumas problematizações surgiram
entorno dos lugares “de meninos e meninas” no esporte e na arte, a partir de questionamentos
como: meninas não podem jogar futebol, no país tido como símbolo do futebol? Meninos não
podem fazer teatro ou balé pois colocam suas masculinidades em “risco”? Fazer teatro
necessariamente determina a sexualidade de alguém?
Essas e outras indagações foram iniciadas a partir das análises dos objetos de A.G.,
bem como da necessidade de criar hipóteses para ajudá-lo/a. Tais discussões colocaram os/as
alunos/as em confronto com seus próprios conceitos (e preconceitos!), além de revelar as
138

visões binárias e coercitivas dos lugares sociais “de meninos e meninas”. Nesta perpectiva, as
reflexões em sala de aula trouxeram as primeiras problematizações dos estereótipos de
gênero, os quais estão naturalizados e estruturados na sociedade e também no âmbito escolar.
Essas são (hetero)normas que determinam e segregam os corpos queer que não se adéquam às
binaridades na escola (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019).
Ou seja, na escola, como uma metáfora da sociedade, também reproduzimos discursos,
atitudes, comportamentos e visões de mundo que nos fazem repetir, consciente ou
inconscientemente, formas de opressões e preconceitos de gênero. Assim, piadinhas
machistas, sexistas e homofóbicas, como as que surgiram durante o episódio, naturalizadas
como “brincadeiras” no espaço escolar, revelam as formas simbólicas e violentas de agressões
aos corpos que transgridem as (hetero)normas (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019).
Dessa maneira, a estratégia estímulo composto (SOMERS, 2011) contribuiu para
iniciar as primeiras reflexões dos/as alunos/as com relação aos temas queer no processo, ao
passo que se envolviam com a ficção, em busca de hipóteses que os/as fizessem chegar até
A.G. para ajudá-lo/a. A respeito da primeira imersão à teatralidade e aos estudos queer as
alunas apontam como discussões, problematizações e criações de hipóteses sobre A.G.
proporcionaram à turma algumas reflexões, a saber:

[...] eu me surpreendi com a capacidade de que nós alunos


tivemos, muitos questionamentos, opiniões interessantes […].
(Escritos de “Katherine”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

[...] foi muito legal pois tivemos que imaginar, pensar,


investigar e interpretar tudo de diversas maneiras.
(Escritos de “Aria”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019)

Nos primeiros episódios não estava certo o gênero de A.G.


muitos acharam que ele fosse homossexual por conta das
maquiagens [...]. Nos outros episódios começou a ficar mais
claro que A.G. realmente era homosexual [...].
(Escritos de “Kamylla”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

[...] O episodio que nos estavamos fazendo teatro foi o que


interpretamos a família, amigos, alunos e professores que
conheciam A.G., mas desde o primeiro episodio já estavamos
fazendo teatro, quando o professor da escola Arthur Azevedo
veio falar que achou uma bolsa com objetos dentro.
(Escritos de “Jo”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

Para “Kamylla”, apesar de no decorrer dos primeiros episódios ainda se tivesse uma
“dúvida” quanto ao gênero e orientação sexual de A.G., tendo em vista que ainda estavam
levantando as primeiras hipóteses, a aluna destaca os itens de maquiagem deste primeiro
139

episódio como fator que colocava em “suspeita” o segredo do/a personagem. Essas reflexões
demonstram como as primeiras hipóteses estavam relacionadas às desconstruções dos
estereótipos do “ser homem” e “ser mulher”. Além de revelar as dificuldades no entendimento
das diferenças entre orientação sexual e identidade de gênero.
Com base no relato da aluna verifiquei como os itens de maquiagem, e também o
carrinho, proporcionaram (des)construções queer, as quais inicialmente partiram da
perspectiva da (hetero)normatividade (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019). Em seguida,
surgiram visões e pontos de vista estereotipados acerca da homossexualidade, em falas como
“tem maquiagem, então A.G. é gay”. Essa é uma expressão cotidiana que também sinaliza o
machismo, a misógina e a masculinidade tóxica, desde as formas simbólicas no cotidiano até
a aversão ao feminino quando este está caracterizado no corpo de uma bixa cis afeminada.
Na escola, as (hetero)normas se materializam em discursos e práticas LGBTfóbicas, as
quais atreladas à masculinidade tóxica reproduzem preconceitos quando um rapaz usa
maquiagem, tendo em vista que sob os olhares disciplinadores do machismo colocaria em
xeque a orientação sexual heterossexual e a manutenção da (hetero)normatividade.
Enquanto os grupos defendiam suas hipóteses para a turma, compreendi que como
professor-artista (CABRAL, 2006; VIDOR, 2010; THARYN, 2012) minha função era,
inicialmente, instigar a reflexão em relação a coerência das hipóteses levantadas, o pedido de
ajuda e os objetos encontrados na mochila de A.G. Posteriormente, exercitar a minha escuta
para seguir com o 2º episódio com base no que a turma havia criado, problematizando alguns
pontos das questões de gênero e sexualidade.

4.3 ENTRE O 2º E 3º EPISÓDIOS: BULLYING E HOMOFOBIA NA ESCOLA FICTÍCIA

Quadro 8 – Resumo do 2º e 3º episódios


O banheiro masculino
Por: Junior e Aghata Vitória

“Hoje começamos, pelo menos eu comecei, arrumando a sala de aula com as


carteiras encostadas nas paredes [...] depois chega o professor Nando, nos pede
para tampar as janelas com TNT [...] logo depois nos pede para ficarmos de pé e
fecharmos os olhos e sentir o momento [...] começou a tocar uma música e depois
disse que nós já pudessemos abrir os olhos e ao abrir [...] me deparo com uma
pano branco esticado no chão com itens que tinha dentro da mochila de A.G., tava
tudo lá [...] nisso o diretor da escola surge e fala novamente do desaparecimento
de A.G. [...] O professor Nando pediu para fazermos uma roda [...] ele nos dá as
cartolinas de cada grupo e pede para o grupo se reorganizar [...] grupo dos
professores de A.G., grupo de familiares de A.G., grupo de alunos da sala de A.G e
o grupo de amigos de A.G. Então ele nos pede a fazer uma cena com os
140

personagens, no caso do meu grupo era “professores(as) de A.G.”. Pediu também


um nome para A.G., por que ele estava pedindo ajuda e a relação dos objetos que
tem na bolsa com A.G. Nisso eu e a minha equipe começamos a levantar hipóteses
e montar a nossa cena [...] nós fomos o quarto grupo a se apresentar, depois o
professor saiu da sala [...] em seguida uma pessoa responsável por fazer
investigação pediu que a gente usa-se máscara e luvas para investigar um
ocorrido que aconteceu no banheiro masculino. Fomos até lá e encontramos
várias coisas como sangue, uma caixa de som, uma peruca, uma poesia e uma
mensagem deixada no espelho com a frase “qualira deve morrer”. [...] Depois de
todos olharem o banheiro ele, um rapaz da perícia, nos entrega sacolas para
colocarmos os itens [...] voltamos para a sala e nós espalhamos os itens que
encontramos lá e analisamos direito [...] nos dividimos em equipes e o professor
distribuiu cartolinas e pediu que colocassemos as coisas que achamos e a hipótese
do que teria acontecido e assim termina o 3º episódio.”
(Banheiro masculino do colégio Unidade Integrada Arthur Azevedo, fim de tarde
do dia 11 de março de 2019).
Estratégias da metodologia do Drama utilizadas neste episódio:
Papéis ficcionais: alunos/as interpretando papéis de familiares, professores/as,
estudantes e amigos/as de A.G.
Professor/a no papel: diretor da escola Unid. Integ. Arthur Azevedo e períto chefe
do departamento de assuntos de violência nas escolas.
Ambientação cênica: banheiro masculino.
Manto do perito: alunos/as vivenciando papéis de especialistas investigativos em
casos de violência nas escolas.
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.

Era quase o horário de entrar na turma 201, estava na sala dos/as professores/as, em
meio às várias sacolas com materiais cênicos que utilizaria naquele episódio. Os olhares
dos/as demais professores/as e alunos/as, que às vezes entravam na sala, eram de estranheza e
curiosidade. Parece-me, que havia um burburinho e comentavam na escola que tinha um
professor de teatro (ou quem sabe falavam: uma professora qualira baquiosa dando pinta!)
ministrando aulas e “causando” no Clarindo Santiago.
Todavia, a preocupação que me assolava naquele dia era somente uma: será que
conseguiria montar a ambientação cênica do banheiro sem que os/as alunos/as percebessem?
Diferente do processo piloto na escola, no qual o horário de arte era o terceiro e me permitiu
chegar antes para montar esta ambientação. Neste novo processo, as aulas eram no primeiro
horário, o que me impossibilitava de organizar a ambientação cênica do banheiro, tendo em
vista que os/as alunos/as estavam entrando na escola e o banheiro era na passagem, no
corredor.
Embora diante das inquietações citadas, adentrei a turma e iniciamos os novos
episódios. Apesar do receio de, talvez, a qualquer momento não poder continuar com a
141

pesquisa, considerando o contexto reacionário no Brasil para se discutir questões LGBT+ na


escola.
No segundo episódio os/as alunos/as retomaram os grupos ficcionais divididos em:
grupo de professores/as de A.G., grupo de familiares de A.G., grupo de alunos/as da sala de
A.G e o grupo de amigos/as de A.G. Foi a partir dos grupos fictícios que os/as estudantes
vivenciaram papéis (PEREIRA, 2015; PAULA, 2016), uma das convenções do Drama, para
criar cenas improvisadas (SPOLIN, 2015) evidenciando: “quais eram os/as personagens de
cada grupo ficcional?”, “onde a cena se passava?” e “o quê os/as personagens estavam
fazendo que pudessem trazer informações sobre A.G.?”.
Assim sendo, os/as estudantes criaram improvisações relacionadas a busca por pistas e
mais informações acerca de A.G., nas quais os grupos ficcionais construíram as seguintes
cenas, a saber:
a) Reunião de professores/as para discutir a ausência do aluno A.G. nas aulas;
b)Pai, filhas e filho conversam sobre a depressão de A.G.;
c) Coordenadora pedagógica entrevista alunos/as a respeito do desaparecimento
do aluno A.G.;
d)Amigos/as de A.G. se encontram para jogar futebol e fumar, bem como
conversam sobre a sua ausência nos “rolês”.

Nas improvisações criadas as relações drogas e bullying estavam sempre associadas ao


desaparecimento de A.G., sendo que a cena do “grupo amigos/as de A.G” evidenciava
também os diálogos entre tais temas e a homossexualidade do personagem. Novamente os
estereótipos do homossexual se materializaram em cena, inclusive ilustrados em piadinhas
preconceituosas colocando em dúvida a masculinidade/sexualidade de A.G., quando o grupo
de amigos/as conversam a respeito da sua orientação sexual:
“Amiga 1: Eu acho que ele era gay mesmo…
Amigo: Que gay, ele é homem… até jogava futebol com a gente. Se ele fosse gay a gente
excluía ele.
Amiga 2: Tu é preconceituoso?! O quê que tem …”
(Improvisação do processo de Drama no contexto ficcional. São Luís - MA, 2019).

As primeiras aproximações da turma com os temas queer construídos na ficção


retratavam o ambiente homofóbico no qual os/as alunos/as estavam inseridos/as. Sendo a
cena, a materialidade de uma conjuntura de repressão daqueles corpos que fogem da
142

binaridade da masculinidade tóxica. Ainda nesta aula, no segundo horário, com o início do
terceiro episódio, os/as alunos/as exploraram mais facetas do universo queer. Inicialmente,
através da estratégia manto do perito73 (PEREIRA, 2015), foram instigados por mim, como
professor no papel 74 (VIDOR, 2010; DESGRANGES, 2017), para vivenciar papéis
ficcionais de investigadores/as especialistas em casos de violência na escola e averiguar a
cena do banheiro.
A ambientação cênica da cena do banheiro (figura 11), no qual A.G. sofreu
homofobia, estimulou a imersão e delimitação do contexto fictício, além de possibilitar a
investigação e criação de novas histórias atreladas às narrativas queer. Dessa forma, a
estratégia ambientação cênica como frisa Tharyn Freitas (2012) contribui para reforçar o
contexto ficcional e gerar uma atmosfera, estimulando o envolvimento sensorial e emocional
dos/as participantes na criação das narrativas.

73
“Ao serem tratados como peritos ou experts em determinado assunto, o professor dá às crianças o poder de
tomar decisões que busquem resolver o problema em questão, dá-lhes responsabilidades gerando reflexões
sobre as consequências de suas ações. [...] ao serem tratados como especialistas pela realização de uma
tarefa, pela análise de um material [...] constroem seus conhecimentos e ampliam sua percepção a partir da
experimentação” (PEREIRA, 2015, p. 139-140).
74
“O coordenador assume um personagem no Drama, com o fim de inteferir ou definir um novo rumo para a
ação dramática. O papel concebido pelo coordenador pode assumir diferentes status na narrativa e propor
relações de poder para com o grupo” (DESGRANGES, 2017, p. 127).
143

Figura 11 – Investigando a cena no banheiro e analisando novos objetos de A.G.

Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.

Diante dessa estratégia, os/as alunos/as levantaram novas hipóteses a respeito de A.G.
e seu pedido de ajuda. Nesta ambientação cênica continha alguns objetos de A.G que os/as
alunos/as já conheciam, como o caderno, vidros de remédios, alguns itens de maquiagens. No
entanto, novos objetos suscitaram uma imersão e reflexão diante da cena chocante que os/as
estudantes presenciaram, a saber:
a) Um batom (vermelho);
b) Uma peruca (loira);
c) Uma caixinha de música;
d) Uma prova de biologia (com questões sobre sexualidade);
e) Infecções Sexualmente Transmissíveis – IST’s e reprodução humana);
f) Um poema intitulado Eros e Psique (de Fernando Pessoa);
g) Uma mensagem escrita no espelho com batom: “Qualiras devem morrer!”.
144

Eros e Psique75
(Fragmentos do poema de Fernando Pessoa)

Conta a lenda que dormia A princesa adormecida,


Uma princesa encantada Se espera, dormindo espera
A quem só despertaria Sonha em morte a sua vida,
Um infante, que viria E orna-lhe a fronte esquecida,
Do além do muro da estrada. Verde, uma grinalda de hera.
Ele tinha que, tentado, Mas cada um cumpre o destino.
Vencer o mal e o bem, Ela dormindo encantada,
Antes que, já libertado, Ele buscando-a sem tino [...].
Deixasse o caminho errado [...] E vê que ele mesmo era
Por o que à Princesa vem. A princesa que dormia.

Portanto, os objetos selecionados para este processo, a elaboração da prova fictícia de


biologia com temas reais de sexualidade, o poema de Fernando Pessoa, além da construção da
teatralidade através da estratégia ambientação cênica (FREITAS, 2012) e do manto do
perito (PEREIRA, 2015) proporcionaram um envolvimento artístico dos/as alunos/as com os
materiais disponibilizados. As estratégias utilizadas também oportunizaram a criação de novas
histórias sobre a vida de A.G. pela turma 201, trazendo narrativas das dores e amores de ser
queer numa sociedade machista e homofóbica, na qual nem o banheiro da escola é lugar
seguro para LGBT+.
A imersão cênica trouxe à tona diversas hipóteses relacionadas às vivências e
subjetividades do retrato do que é ser homossexual, em especial revelou para a turma 201 uma
face trágica do universo queer. Tal face dialoga com a realidade de LGBT+ no Brasil, em
decorrência da LGBTfobia, da discriminação e do assassinato de homossexuais, lésbicas,
bissexuais, pessoas trans, dentre outros/as (ANTRA, 2018; GRUPO GAY DA BAHIA, 2019).
Para a aluna “Katherine” houve uma empatia, ao deparar-se com a cena do banheiro, a qual a
fez refletir com as aproximações entre ficção e realidade:
Agora é o episódio 3 que também foi bem legal e prazeroso. [...]
fomos ao banheiro e lá no espelho estava escrito qualiras devem
morrer, levantamos a hipótese de vários casos sobre o que
podesse ter acontecido com ele [...] na hora que nós alunos
fazíamos teatro nós se emocionavam com o caso de A.G.,
mesmo tudo isso sendo apenas ficção. Mas a história de A.G.
em si é real, quantos A.G. aí no mundo tem, quantos aí
sofrem por bulluying, são homossexual [...] passou por tudo
que A.G. passou, pois é, não é fácil.
(Escritos de “Katherine”, em diário de bordo. São Luís/ MA,
2019 - grifos meus).

75
Poema de Fernando Pessoa. Disponível em: https://ensina.rtp.pt/artigo/fernando-pessoa-poesia/. Acesso em:
10
jan. 2019.
145

O banheiro é sempre uma “questão” para pessoas LGBT+, um espaço emblemático


nas experiências queer. Ou seja, de lugar de transgressão das práticas sexuais LGBT+,
materializada em expressões típicas do nosso metiê como “fazer banheirão” ou “a senhora
estava fazendo o banheirão né, viado”, como referência a determinadas práticas sexuais
inseridas neste espaço como subversão das normas até a segregação e exclusão dos corpos
que fogem da dinâmica normativa da heterossexualidade, especialmente na escola
(ALMEIDA, 2019).
O banheiro também representa um espaço binário, preconceituoso e ao mesmo tempo
transgressivo, tendo em vista que há manifestações com escritas e desenhos nas paredes,
portas e janelas que subvertem a heterossexualidade, mas ao mesmo tempo reproduz discursos
LGBTfóbicos. Nos banheiros públicos encontramos desde informações atreladas aos orgãos
sexuais femininos e masculinos (inclusive com desenhos) até mensagens LGBTfóbicas, como
expressões “viados devem morrer ou qualiras devem morrer!”.
Por isso investiguei no decorrer dos processos a potência do banheiro como espaço
cênico para entrelaçar realidade e ficção nos episódios de Drama. Neste episódio em especial,
no diálogo entre ficção e realidade, e vice-versa, como destacado pela aluna “Katherine”,
relaciono os momentos de coerções sofridos por A.G. no banheiro do colégio à narrativa real
de Pedro, aluno de uma escola pública do Rio de Janeiro:
Eu não posso ir pra escola do jeito que eu quero. Todos os dias
eu me arrumo e antes de sair me olho no espelho pra ver se não
estou muito gay, se tiver dando muita pinta troco de roupa.
Tenho que me controlar pra não sair muito feminino, porque
quando saio assim os olhares preconceituosos e as brincadeiras
de mal gosto aumentam. Já sofri até violência por causa disso
[...]. E é tanto na rua quanto na escola.
(Pedro, 17 anos, relato de aluno um aluno gay/Rio de Janeiro,
TORRES; JUNIOR, BIRTO, 2019, p. 118).

A reflexão da aluna “Katherine” ao destacar “[...] mas a história de A.G. em si é real,


quantos A.G. aí no mundo tem, quantos aí sofrem por bulluying.” (Diário de bordo, 2019) se
entrelaça com o desabafo de Pedro, ao compartilhar que se controla “pra não sair muito
feminino, porque quando saio assim os olhares preconceituosos [...]” (TORRES; JUNIOR;
BRITO, 2019) ditam regras e concretizam atos simbólicos de homofobia, os quais também
podem ocasionar em fins trágicos, como o ocorrido com A.G.
As regras naturalizadas das (hetero)normas (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019)
determinam a masculinidade de meninos, rapazes e homens durante suas vivências na escola,
146

sendo as transgressões queer como as fronteiras para transitar entre as performatividades


masculinas e femininas. Logo, quando as bixas cis afeminadas e pocs utilizam roupas e
adereços socialmente atribuídos ao gênero feminino no espaço escolar colocam em xeque as
(hetero)normas e por isso, seus corpos são aqueles que sofrem a homofobia por meio de
discursos de ódio (LOURO, 2001; TORRE; JUNIOR; BRITO, 2019).
Para pessoas cis gays e lésbicas que fogem de uma performance de gênero socialmente
atrelada ao corpo feminino e/ou masculino, como por exemplo, as bixas afeminadas e pocs,
bem como as sapatas masculinizadas, serão aquelas que também sentirão a exclusão do
banheiro. Pois, além do receio de usá-lo diante de demais pessoas homofóbicas, há também o
medo de agressão homofóbica/lesbofóbica ou mesmo de morte, conforme a narrativa criada
de A.G., em que a partir dos objetos encontrados na cena os/as alunos/as levantaram as
hipóteses de que poderia ser um assassinato ou suicídio.
As (hetero)normas (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019) no espaço escolar colocam as
bixas afeminadas, como Pedro e A.G., em situações fronteiriças de “inteligibilidade”
(BUTLER, 2016). Isto é, seus corpos e subjetividades desconstroem as estabilidades da
heterossexualidade, transitam em performances de gênero que borram as fronteiras binárias
do que socialmente se define como “lugar de menino e menina”.
Assim, é por meio destas normas, construídas e materializadas no discurso e nas ações
coercitivas de “lugares de meninos e meninas”, “menino veste azul, menina veste rosa”,
“menina não joga futebol, menino não usa maquiagem”, que cotidianamente, opera a “matriz
heterossexual”. Para Judith Butler (2016, p. 155) uma “matriz excludente” que segrega os
corpos que não se enquadram na dinâmica heteronormativa, produzindo “corpos abjetos” que
ocupam “zonas ‘inóspitas’ e “inabitáveis” na sociedade.
Os corpos tidos como abjetos, os quais transitam na fronteira da “clandestinidade
social” por não poder ser realmente quem são, estão materializados na ficção em A.G. e, na
realidade, em nomes como de Pedro, João, Luís, Lahonna, Andressa, Catrine, Nando, Vicente,
Arthur, Vinicius, Liah, Alderico, Jurandir, Thiago, Julia, Vulcânica, Megg, Dodi, Nicolas,
Renata, Maria, dentre outros/as que através de suas subjetividades, performances de gênero e
sexualidade resistem frente a face LGBTfóbica que aflige o Brasil e também adentra o
contexto educacional.
147

4.4 SOBRE QUANDO NOSSAS SUBJETIVIDADES ENTRAM EM (SALA) CENA:


REPRESENTATIVIDADE E AUTOBIOGRAFIA QUEER NO 4º EPISÓDIO

Quadro 9 – Resumo do 4º episódio


O pendrive misterioso
Por: Junior

“O professor chega 10 minutos mais cedo para dar tempo de arrumarmos a sala de
aula [...] depois de fazermos isso o professor coloca os itens que encontramos no
banheiro em cima de uma mesa para analisarmos novamente e especular ideias de
quem seria A.G. Tivemos várias hipóteses de quem seria A.G. ou do seu gênero [...]
depois de fazermos isso começamos a falar de homossexualidade [...] que cada um
tem sua opção sexual76. [...] depois o professor Nando dividiu em quatro grupos:
grupo dos professores de A.G., grupo de familiares de A.G., grupo de alunos da sala
de A.G e o grupo de amigos de A.G. [...] Pediu para colocarmos um nome ou cargo
do seu personagem nessa cena em um papel e colar no peito com fita [...] depois
começamos a atuar, começou a reunião que estava marcada para acontecer [...]
nisso estavamos debatendo se foi assassinato ou suicídio e quem poderia fazer essa
barbárie que chocou a todos da escola Arthur Azevedo. [...] Conseguimos chegar a
uma consenço que foi um assassinato [...] que possivelmente um aluno do terceiro
ano que praticava bullying com ele e tinha preconceito contra homossexuais e
também praticava bullying com o namorado de Antônio Gabriel ou A.G. Nisso o
diretor Paulo Freitas chama duas testemunhas, o namorado de Antônio Gabriel e
uma amiga (trans) bissexual [...] o namorado de Antônio Gabriel revela que eles se
conheceram na parada de ônibus e acabam se apaixonando em sigilo [...] revelou
que A.G. era muito humilhado pelos colegas do terceiro ano e que ele não
aguentava mais. [...] Depois de todos os depoimentos o namorado de A.G. diz que
antes de Antônio Gabriel morrer ele deu uma caixa de presente para o seu
namorado e dentro tinha um pendrive que pode solucionar totalmente o caso.”
(Era início da tarde de um dia ensolarado e quente de março).
(Local: sala Nº 201 de reunião, no colégio Unidade Integrada Arthur Azevedo).
(Data: 11 de março de 2019).
Estratégias da metodologia do Drama utilizadas neste episódio:
Assembleia de personagens: reunião na escola fictícia Unidad. Integ. Arthur
Azevedo para discutir o caso de A.G.
Professor/a no papel: diretor da escola.
Berlinda ou cadeira quente: namorado e amiga de A.G.
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.

Os objetos da ambientação cênica (FREITAS, 2012) do banheiro estavam


devidamente embalados em sacos transparentes para que a turma 201 pudesse averiguar cada
material. Aos poucos, os/as alunos/as foram analisando e levantando hipóteses a partir das

76
Essa expressão demonstra como os/as alunos/as, no decorrer dos episódios, ainda estavam se aproximando
dos termos e conceitos dos estudos Queer. Neste sentido, a expressão mais adequada seria “orientação
sexual” ao invés de “opção sexual”. Retomo essas discussões no último subcapítulo.
148

discussões de cada objeto, tentando estabelecer uma coerência dramática com o que já haviam
criado e encontrado com relação a A.G, conforme ilustra o mapa (figura 12).
Neste momento, no qual os/as alunos/as analisavam cada objeto, algumas falas
preconceituosas e estereótipadas a respeito da homossexualidade foram proferidas, a exemplo
de um aluno que associou homossexuais somente à profissão de cabeleireiro, tendo em vista
que, possivelmente, a referência que o mesmo tinha de gays estaria atrelada somente aos
profissionais de salão de beleza. Logo, antes mesmo que eu pudesse problematizar, muitos/as
estudantes contra-argumentaram à fala afirmando que nem todos homossexuais trabalhavam
como cabeleireiros, bem como problematizaram apontando que esta era uma “visão
preconceituosa imposta pela sociedade”.
Enquanto uma aluna escrevia as hipóteses do mapa (figura 12) na lousa, eu mediava e
instigava a reflexão da turma a respeito dos temas que surgiram relacionados aos estereótipos
de gênero, às imposições sociais relacionadas às masculinidades e feminilidades. Além de
discutirmos a homofobia, numa sociedade machista, com suas consequências na escola, bem
como a iniciação de A.G. no universo artístico e na arte drag queen. Discutimos ainda a
revelação da homossexualidade dele e a relação conturbada com o pai, de acordo com as
hipóteses e discussões criadas pelos/as alunos/as.
149

Figura 12 – O mapa de hipóteses sobre A.G. criado pela turma 201

Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.

O mapa de hipóteses criado pela turma contribuiu para traçar um perfil e uma
justificativa coerente acerca dos objetos encontrados no banheiro, suscitando a reflexão dos/as
alunos/as a respeito dos temas queer, além de aproximá-los/as da realidade de homofobia que
homossexuais sofrem no Brasil.
Dessa maneira, em diálogo com Beatriz Cabral (2006), ressalto a importância do
conhecimento não somente das especificidades da metodologia do Drama, mas também dos
temas transversais que serão explorados para que os mesmos sejam abordados de forma
coerente na ficção. Ainda que tenha uma trajetória pesquisando os estudos queer, a prática me
permitiu aprofundar e conhecer temas/conteúdos específicos da área. Pois, em cada episódio
os/as estudantes criavam possibilidades que me faziam investigar mais a respeito das
temáticas queer para que no episódio seguinte pudesse emergir tais discussões, com base no
que a turma 201 já havia criado.
150

 Assembleia de personagens e cadeira quente: representatividade de corpos queer


na (sala) cena

A mensagem enviada, no grupo de WhatsApp77 (PAULA, 2016) da turma, um dia


antes da aula anunciava a convocação para uma assembleia. No contexto ficcional, familiares
e amigos/as de A.G., professores/as e demais funcionários/as da escola, além de alunos/as do
colégio Unidade Integrada Arthur Azevedo se faziam presentes. A sala estava escura e quente.
O diretor da escola anunciava que o tempo da reunião, e de fala, seria determinado pela
ampulheta.
A reunião começa e os grupos discutem os motivos que ocasionaram o fato trágico no
banheiro, os posicionamentos da escola e familiares diante do caso, além de definirem durante
a assembleia de personagens78 se A.G. tinha se suicidado ou foi assassinado. Os/as
estudantes, a partir dos papéis ficcionais, trouxeram problematizações a respeito da
homofobia que A.G. sofria na escola, a rejeição e falta de amor por parte do pai, a negligência
de alguns/mas colegas de turma que faziam bullying com ele e decidem ainda que os alunos
do 3º ano foram os assassinos de A.G.
No entanto, fora ao levantar-me, como professor no papel, para anunciar o
depoimento do namorado de A.G. e de sua amiga trans, através da estratégia cadeira quente,
para instaurar inicialmente, em sala, um silêncio ensurdecedor. Eu abri a porta e apresentei
Vinícius Viana79 como namorado de A.G. Em seguida, adentra à sala Liah Ramos80, uma
amiga trans do personagem. Tanto o ator homossexual, Vinícius Viana, quanto a atriz trans
Liah Ramos atuaram mantendo seus nomes reais e entrelaçando suas biografias com as
histórias que os/as alunos/as da turma 201 estavam criando sobre A.G.
Dessa forma, meu interesse foi envolver as histórias reais do meu amigo Vinícius
Viana e da minha amiga Liah Ramos às narrativas que estávamos criando acerca de A.G., por
isso optei em trazer para este episódio o namorado dele e sua amiga trans. Assim, tinha

77
As discussões sobre as redes sociais como reverberação e imersão no contexto ficcional estão atreladas aos
estudos do pesquisador Wellington Menegaz de Paula em sua tese intitulada Drama-processo e ciberespaço:
o ensino do teatro em campo expandido (2016). Neste processo utilizei o grupo do WhatsApp para enviar o
documento da escola fictícia para a assembleia de personagens, além de comunicar-me com os/as estudantes
durante o processo.
78
“Todos os integrantes do grupo assumem-se como personagens da trama em um encontro em que eles
precisam ser comunicados de algo ou tomar decisões coletivas. O coordenador pode ou não assumir um
personagem junto com o grupo, dependendo se ele precisa ou não inteferir diretamente nos rumos que a
assembleia precisa tomar” (DESGRANGES, 2017, p. 128).
79
Ator e professor de teatro, mestre em teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
80
Atriz e professora de teatro formada pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
151

interesse também em trazer para o processo as discussões sobre as autobriografias associadas


à noção de representatividade queer, contudo que estivessem atreladas com as narrativas de
pessoas que foram importantes durante o meu percurso de empoderamento e aproximação dos
estudos queer na Universidade.
Pesquisadores/as de Drama, como Biange Cabral (2006; 2012), Wagner Monthero
(2011) e Tharyn Freitas (2012), ressaltam a importância das memórias, tanto dos/as
participantes, quanto do/a professor/a-artista, assim como dos espaços sociais como
importantes estímulos para a criação subjetiva/coletiva através desta metodologia. Neste
sentido, Biange Cabral (2012) assinala ainda a potência artística e investigativa da inserção da
memória como recurso poético para o trabalho do/a ator/atriz no Drama. Para a autora, os
paralelos entre realidade e ficção permitem aos/as participantes do processo estabelecerem
seus próprios significados à experiência teatral, que neste episódio também visou aproximar
os/as estudantes às alteridades, vivências e lugares de fala dos corpos queer.
Neste episódio a fábula brotou da presença e das narratividades subjetivas
(ABUJAMRA, 2013) do ator e atriz queer, que compartilharam suas memórias emaranhadas
de máculas, amores e LGBTfobia, as quais no contexto ficcional, foram cedidas aos/as
personagens próximos a A.G. (figura 13). A partir deste tempo/espaço fictício (CABRAL,
2012), criado em sala de aula, a representatividade queer foi materializada no corpo/texto
através do jogo cênico, aproximando os/as alunos/as das máscaras felizes e trágicas da
realidade de pessoas LGBT+ no conturbado e controverso momento no qual vivemos, com
disparidades de discursos de afetos e ódio na mesma proporção.
152

Figura 13 – Depoimentos da mãe, amiga e namorado de A.G.

Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.

Conforme ilustra a imagem (figura 13) inicialmente entrou na sala o namorado de


A.G., Vinícius Viana, para relatar seu relacionamento com o personagem. Logo após, Liah
Ramos, amiga de A.G., compartilhou sua amizade e a LGBTfobia que sofriam na escola.
Ainda na cena do namorado de A.G., como professor no papel, diretor do colégio Unida.
Integ. Arthur Azevedo, perguntei à assembleia se alguém gostaria de fazer perguntas ao
namorado de A.G., uma aluna do grupo ficcional “familiares” levantou-se e, apresentou-se
como a “mãe” de A.G.
Assim, compartilho a cena improvisada, cuja transcrição fiz a partir de um
vídeo/áudio, no qual a aluna no papel ficcional de “Mãe” de A.G. criou sua história materna,
na qual demonstrou o envolvimento afetivo e artístico dos/as estudantes na criação artística no
episódio.
153

Quadro 10 – Monólogo da aluna interpretando o papel de “Mãe” de A.G.


Reunião na escola fictícia Unida. Integ. Arthur Azevedo
Mãe de A.G.: (levanta a mão e pede a palavra. Levanta-se da cadeira e se direciona ao centro da
assembleia) Bom, eu sou mãe do ... (a aluna ri).
Diretor: (intervém, ajudando-a) ...do aluno Antônio Gabriel, acho que você não o conhecia como A.G., já
que o nome dele era mais popular assim, aqui na escola.
Mãe de AG.: Ok! (Começa a se recompor do nervosismo) ...Eu era mãe do A.G. A perda do meu filho doeu
muito em mim, (contando para os grupos ficcionais) porque o pai dele nunca aceitou o meu filho como
homossexual e isso me doía tanto por dentro, em saber que o meu filho queria ser algo... (Pausa) algo
“diferente”... Ele tinha duas irmãs, ele gostava muito delas e por isso ele olhava elas, ele se espelhava nelas...
Ele gostava do jeito delas se arrumarem, se maquiarem...por isso ele gostava de se vestir daquele jeito, de
fazer ... O pai dele obrigava ele a fazer futebol... (Com ênfase) o pai dele obrigava ele a fazer futebol! (Com
nostalgia) Mas o meu filho sempre quis fazer teatro, o sonho dele era ser um artista... (Emocionada, olhando
fixamente para o diretor da escola) Isso me dói muito, sabe?! Em saber que meu filho ... (emocionada) Eu
não consigo falar... (Senta-se novamente junto ao grupo ficcional de “familiares de A.G.”).
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.

Neste episódio os elementos da linguagem teatral e algumas convenções do teatro


contemporâneo, como os elementos visuais da cena, a organização do espaço cênico, as
autobiografias, o ambiente escuro e a presença de personagens no contexto ficcional, foram
organizados com o intuito de instaurar uma atmosfera de teatralidade em sala de aula
(ROUBINE, 1998; SARRAZAC, 2013; 2014).
O foco de luz fora projetado para marcar as silhuetas e trazer uma tensão e mistério
para a cena/momento, os figurinos do ator/atriz tinham o intuito de transitar entre as
vestimentas cotidianas de adolescentes e aspectos de luto pela morte de A.G. Além da escolha
dos nomes e/ou funções sociais dos papéis definidos pelos/as alunos/as para a assembleia, a
partir dos grupos ficcionais envolvidos com A.G., que também oportunizou a imersão no
contexto ficcional da escola na qual o personagem estudava.
Tais convenções do teatro contemporâneo foram materializadas durante o episódio em
meio às relações entre o jogo cênico, subjetividades e alteridades através da presença de
corpos queeer, ressignificando o espaço da sala de aula como um tempo/lugar teatral de
compartilhamento de narrativas LGBT+ (SARRAZAC, 2013; 2014; CABRAL, 2012;
FRIQUES, 2018).
Por meio da estratégia berlinda ou cadeira quente (PEREIRA, 2015;
DESGRANDES, 2017) os corpos queer de Vinícius e Liah puderam adentrar o processo de
drama. Além da presença destes corpos, que já traria uma potência que me interessava
compartilhar com meus/minhas alunos/as, também tinha o objetivo de averiguar as
possibilidades poéticas e desdobramentos artísticos que as autobiografias dos/as intérpretes
poderiam trazer para a narrativa que estávamos criando a respeito de A.G.
154

Segundo Marcia Abujamra (2013, p. 73) os materiais autobiográficos em processos


artísticos e em cena, no teatro contemporâneo, são utilizados para ressaltar “a presença do real
no teatro”, que neste episódio foi materializado nas relações entre as biografias do ator cis-
homossexual Vinícius Viana e da atriz trans-heteressoxual Liah Ramos para os papéis de
namorado de A.G. e amiga trans do personagem, respectivamente.
A autora assinala ainda a importância do “ator-performer Spalding Gray, referência
maior quando se fala de autobiografia no teatro” (ABUJAMRA, 2013, p. 79) destacando que
o uso deste recurso dramatúrgico pelo artista já era feito pelo “teatro gay e feminista” nos
Estados Unidos a partir da segunda metade do século XX. Portanto, as autobiografias queer
apropriadas pelo “teatro gay” visavam levar aos palcos as narrativas reais deste segmento,
criando potências cênicas-discursivas como uma forma de resistência e protagonismo dos
corpos abjetos.
Na cena contemporânea brasileira o espetáculo Luís Antônio-Gabriela (2010), do
diretor Nelson Baskerville, é uma das referências quando se menciona o uso da autobiografia
como recurso dramatúrgico no teatro queer. No espetáculo, o diretor narra suas memórias e a
conturbada relação com sua irmã travesti, a qual dá título à montagem e que fora assassinada
brutalmente em Portugal (ABUJAMRA, 2013; LEITE, 2014).
A utilização das autobiografias no episódio, atreladas à presença dos corpos queer
compartilhando suas subjetividades entrelaçadas com a ficção, potencializou as relações de
jogo cênico e re-criação da fábula que estávamos criando em sala de aula, a qual agora
dialogava com o protagonismo das narrativas LGBT+. Tais experiências ocasionaram
sensações adversas nos/as alunos/as, entre surpresa e admiração, fascínio e empatia, conforme
a fala do/as alunos/as em seus diários.
Assim, além de explicar ao ator convidado Vinicius Viana e a atriz Liah Ramos a
criação dos primeiros episódios por parte dos/as estudantes, bem como a respeito da
construção da narrativa teatral coletiva através do Drama, pedi ainda que escrevessem suas
biografias para que eu pudesse adaptar e entrelaçar com a ficção. A seguir compartilho os
procedimentos dramatúrgicos de adaptação do material autobiográfico do/a ator/atriz para a
narrativa coletiva, o qual chamo de “entrelaçamentos autobiográficos queer”.
155

Quadro 11 – Entrelaçamentos autobiográficos Queer

Vinícius Viana Vinícius Viana


(ator/cis-homossexual) (namorado de A.G./cis-homossexual)

 Homem cis (identidade de gênero);


 Homem cis (identidade de gênero);  Homossexual (orientação sexual);
 Homossexual (orientação sexual);  Negro (raça);
 Negro (raça);  Namorava com A.G.;
 Se beijaram em frente ao ponto de
 Namora com Hudson;
ônibus;
 O primeiro beijo foi no ônibus;
 Presentou A.G. com uma caneca de
 Presenteou seu namorado com uma quadro negro na qual escreveu “eu te
caneca de quadro negro; amo A.G.!”;
 Já sofreu homofobia;  Sofreu homofobia;
 Artista.  Teve o namorado morto pela homofobia;
 Seu namorado queria ser drag queen.
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.

Quadro 12 – Entrelaçamentos autobiográficos Queer

Liah Ramos Liah Ramos


(atriz/trans-hétero) (amiga de A.G./trans-bissexual)

 Mulher trans (identidade de gênero);  Mulher trans (identidade de gênero);


 Hétero (orientação sexual);  Bissexual (orientação sexual);
 Atriz;  Aluna do 3º ano;
 Já sofreu transfobia na escola;  Já sofreu transfobia na escola;
 Teve acolhimento e aceitação da  Teve acolhimento e aceitação da família.;
família;  Sofreu trasfobia na escola.
 Sofreu transfobia na escola.
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.

Nesta perspectiva, os “entrelaçamentos autobiográficos queer” demonstram os


recortes que fiz da biografia do ator e da atriz convidado/a, sobretudo relacionados às
questões queer, destacando os pontos de convergências entre a realidade e como foram
inseridos na ficção, baseado na criação da turma 201 e da inserção de novos elementos
dramatúrgicos para a narrativa de A.G.
Logo, os entrelaçamentos também ilustram de que forma a representatividade dos
corpos queer no teatro oportuniza trazer para o debate, nos processos artístico-pedagógicos na
escola, as recentes discussões dos estudos de gênero e sexualidade em torno da pluralidade e
“lugar de fala” (RIBEIRO, 2017) de LGBT+ com base nas questões interseccionais
(AKOTIRENE, 2018). Assim, estas discussões foram compartilhadas neste episódio através
156

das narrativas autobiográficas do ator e da atriz em diálogo com os atravessamentos queer e


algumas interseccionalidades.
As problematizações dos estudos queer, como apontei no capítulo anterior, destacam
que as vivências de gênero estão intrínsecas nos nossos corpos por subjetividades e
demarcações como identidade de gênero, orientação sexual e questões étnico-raciais, além de
outras interseccionalidades como classe, religião, dentre outros, definindo nosso “lugar de
fala” em determinados contextos educacionais, políticos e socais (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016; RIBEIRO, 2017; AKOTIRENE, 2018).
As aproximações da prática do Drama com o teatro contemporâneo na escola, no
decorrer do processo teatral, assim como a atmosfera de mistério e de segredos que eram
criados ou revelados aos poucos em cada episódio, envolviam os/as estudantes nas tramas de
A.G. Através das novas narrativas incorporadas no processo pelo namorado e a amiga de A.G.
e com a inserção de um novo elemento misterioso no episódio a turma 201 se engajou mais
ainda no processo, tanto na apropriação das convenções do teatro, quanto das temáticas queer
como compartilhou a aluna “Mace” em seu diário de bordo:
[...] tivemos uma grande surpresa, o namorado e uma amiga
(trans) de A.G. apareceram e nos deixaram curiosos. [...] O 4º e
penúltimo episódio nos deixou com dúvidas sobre o que tinha
em um pen-drive que ficou nas coisas de A.G. e o namorado
achou, vamos descobrir no 5º episódio, mal posso esperar...
(Escritos de “Mace”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

Dessa maneira, a assembleia de personagens instaurou um ambiente de jogo entre


professor-artista, estudantes-artistas e ator/atriz convidados/as. Os diálogos improvisados
entre personagens dos grupos ficcionais, do diretor da escola, bem como do namorado e
amiga de A.G. (os quais tinham um roteiro com pontos que deveriam falar e/ou improvisar de
acordo com o que a turma 201 já havia criado) revelavam diversas narrativas e pontos de vista
éticos a respeito da homofobia e assassinato de Antônio Gabriel dentro do âmbito escolar.
A presença dos corpos queer e as memórias compartilhadas pelos/as novos/as
participantes sobre de A.G. foram as experiências que mais afetaram os/as alunos/as neste
episódio, como estes/as descreveram nos diários, que cito ainda neste subcapítulo. Deste
modo, a representatividade dos corpos queer e suas interseccionalidades (AKOTIRENE,
2018), partilhando suas memórias entrelaçadas com às de A.G., foram importantes para
aproximar os/as estudantes da realidade de segregação de LGBT+ no Brasil. O episódio
também foi relevante porque causou sentimentos adversos, desde surpresa e fascínio, até
empatia e reflexões, como os/as alunos/as relataram no diário de bordo:
157

Esse namorado dele nos disse que eles namoravam escondidos,


tinha medo do que algumas pessoas possa fazer maldade [...]
Bom com as falas da amiga e o namorado de A.G. nos ajudou
muito sobre esse caso. Descubrimos que ele era muito zuado
por alunos mais velho [...]. Então foi uma aventura muito legal
de hoje [...].
(Escritos de “Lau”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

A aula foi muito interessante, muito real, eu me imaginei de


verdade naquela situação, quando os outros dois personagens
entram até arrupiou, uma sena forte [...].
(Escritos de “Lobinho”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

[...] todos nós tivemos uma grande e inesperada surpresa onde o


namorado e um amiga de A.G. chegaram e relataram o que eles
sabiam de A.G. e também coisas de A.G. e um pendrive mais
não sabemos o que tem no pendrive [...] estou ansioso para
saber o que tem la.
(Escritos de “Carinha”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

A.G. morreu! Meu amigo querido morreu! Ele foi espancado


enquanto ouvia música. [...] As aulas estão sendo fantásticas a
minha visão sobre o teatro mudou. Fiquei surpresa com os
atores que apareceram. Deu uma reviravolta na história. Estou
ansiosa pelo o último dia em que finalmente tudo virá à tona.
(Escritos de “Meghan”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

Sobre as aulas de teatro, a sala toda tá amando e se envolvendo


cada vez mais com a história. Infelizmente a próxima aula é a
última, pois amamos muito participar desse projeto. Enfim, que
venha o 5º episódio e que seja tão bom quanto os outros.
(Escritos de “Rha”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

A estratégia assembleia de personagens além de oportunizar uma imersão à


teatralidade, através da qual os/as alunos/as vivenciaram papéis, criando outras narrativas
acerca de A.G., incorporando as hipóteses levantadas no mapa e discutindo as consequências
da homofobia na escola, permitiu também que corpos queer adentrassem o contexto ficcional
de forma coerente com a narrativa que estava sendo criada. Afinal, como ressalta a
pesquisadora Biange Cabral (1999; 2006) é importante que as propostas inseridas pelo/a
professor/a, bem como os materiais artísticos e as participações/personagens tenham
coerência com o contexto ficcional e a história que está sendo criada.
As falas dos/as alunos/as “Meghan”, “Lobinho” e “Lau” explanam principalmente
como a presença do ator cis-gay, interpretando o namorado de A.G., e da atriz trans-
heterossexual, interpretando a amiga trans-bissexual, levou para a cena a pluralidade das
identidades de gênero e orientações sexuais. Oportunizou ainda reflexões sobre as
158

desconstruções das (hetero)normas (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019) materializadas nos


corpos e suas subjetividades do/a ator/atriz, além de evidenciar as aproximações dos/as
estudantes, no contexto ficcional, com a realidade cotidiana da LGBTfobia no Brasil,
causando afeições e alteridades.
Por exemplo, a aluna “Meghan” destaca “fiquei surpresa com os atores que
apareceram. Deu uma reviravolta na história” (Meghan, em diário de bordo. São Luís/MA,
2019). revelando a inesperada entrada de novos personagens em sala de aula, que trouxeram à
tona outros olhares para a história que estávamos criando, em especial com relação ao namoro
de A.G. Ainda no que tange ao namorado de A.G., a aluna “Lau” ressalta que “esse namorado
dele nos disse que eles namorava escondidos, tinha medo do que algumas pessoas possa fazer
maldade [...]” (Lau, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019), demonstrando como as
narrativas compartilhadas pelo ator Vinícius Viana ficaram presentes nas memórias dos/as
estudantes.
A aluna em questão relembra ainda a face trágica da homofobia na escola narrada pelo
artista Vinícius Viana, como namorado de A.G., ao descrever que “descubrimos que ele era
muito zuado por alunos mais velho [...] (Lau, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).
Enquanto o aluno “Lobinho” compartilhou como o episódio, em especial a presença dos
corpos e narrativas queer, lhe atravessou causando afeto e empatia “a aula foi muito
interessante, muito real, eu me imaginei de verdade naquela situação” (Lobinho, em diário de
bordo. São Luís/MA, 2019).
Nesta perspectiva, as falas dos/as alunos/as, nas quais descrevem de que forma os
paralelos entre ficção e realidade lhes trouxeram reflexões a respeito da vida de pessoas
LGBT+, se aproximam com o que a autora Marcia Abujamra (2013) ressalta como um dos
anseios do teatro, da fábula e jogo cênico: que a fruição da obra talvez possa trazer algum
possível sentido para quem presencia este ato poético, que se sinta tocado/a ou afetado/a.
Dessa forma, a presença dos corpos abjetos (BUTLER, 2016) em sala de aula, neste
processo de drama, demonstrou a potência artística nas relações de afetividades e alteridades
por meio da representatividade queer e sua relevância nos processos artístico-pedagógicos na
escola, em tempos de tentativas de silenciamento das vozes LGBT+ nos espaços artísticos e
educacionais no país.
159

4.5 DA ESCOLA À BOATE, DA SALA DE AULA AO CAMARIM DE MERRY: AS


FACETAS DE ANTÔNIO GABRIEL SÃO REVELADAS NO 5º EPISÓDIO

Quadro 13 – Resumo do 5º episódio


A homenagem fúnebre para Antônio Gabriel (A.G.)
Por: Junior e Aghata Vitória

“[...] cheguei em sala de aula e fui logo arrumando as carteiras encostadas na parede
[...] o professor Nando foi arrumando uma mesa, depois disso o professor explica para a
aluna nova o que tinha acontecido nos episódios anteriores [...] ele passa a dividir em
grupos, no total de 6 grupos para fazermos uma exposição sobre a adolescência e infância
de Antônio Gabriel [...] e cada grupo fazia meio que umas esculturas representando a
adolescência e infância. Nisso a minha equipe ficou com a infância [...] eu tive a ideia de
um aluno mais velho da sala dele já o influenciava a usar drogas e os professores dele
não olhavam [...] Depois chega a hora da apresentação do ídolo de Antônio Gabriel que
ele conheceu numa boate e nisso esse ídolo de A.G. relata como eles se conheceram, o
desejo que A.G. tinha em ser uma drag queen, [...] ele ia fazer uma peça de teatro em sua
escola. [...] o ídolo de A.G. [...] se prepara para sua apresentação [...] nisso o ídolo
começa a dançar e toca uma música, depois disso começa a colocar o pen-drive na caixa
de som [...]. Logo após o amigo de A.G. abriu um baú que a família cedeu que era do
A.G., lá tinha peruca loira, que ele tinha dado para A.G., uma roupa colorida [...] um
salto, vestido, um sutiã e uma bandeira nas cores do símbolo LGBT [...] os itens que A.G.
provavelmente iria usar em sua apresentação na escola. Depois o ídolo de A.G. nos passa
umas folhas para mandar um bilhete a A.G. Nisso nós colocamos em cima da roupa de
A.G e o ídolo de A.G coloca a bandeira LGBT [...] e em cima a frase “O segredo” e “Fim
do 5º episódio”. Depois começa os agradecimentos do professor e de nós alunos sobre a
nossa experiência com ele nas aulas.”
(Era início da tarde na escola Arthur Azevedo, porém no palco da sala 201 parecia noite.
Uma exposição sobre a vida de Antônio Gabriel fora montada e, por fim, um show fúnebre
encerrou as homenagens póstumas à A.G.)
Convenções e estratégias da metodologia do Drama utilizadas neste episódio:
Tableaux: exposição sobre a vida de A.G.
Papéis ficcionais: pai, mãe, A.G., irmão, irmã, amigos/as, dentre outros/as.
Ambientação cênica: boate e camarim.
Ambientação sonora: sequência com músicas das divas pop e queer.
Professor/a no papel: diretor da escola e Merry (diva drag queen de A.G.).
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.

No decorrer dos últimos episódios do processo, os/as estudantes foram se


aproximando tanto do lugar de escuta das questões LGBT+, quanto do protagonismo autoral
na criação coletiva das histórias de Antônio Gabriel. No quinto episódio, a partir da vivência
160

de papéis ficcionais (PEREIRA, 2015) e da estratégia tableaux81 (CABRAL, 1999) os/as


alunos/as criaram um museu para contar as histórias de A.G. na infância e adolescência.
Assim, instaurar um ambiente de teatralidade e jogo, por meio das estratégias
utilizadas neste episódio, proporcionou a criação coletiva entre professor-artista e alunos/as-
artistas em sala de aula para emergir novas narrativas a respeito de A.G, como destaca o aluno
“Agrah”:

Na nossa ultima aula vimos que A.G. foi assassinado e fizemos um


museu da historia dele e logo depois uma amiga dele que ele foi
procurar falou que ele queria ser dreg e ela falou que estava ajudando
ele a se preparar para sua apresentação como tal. Mas o sonho de A.G.
foi interrompido por alunos que não sabem respeitar o próximo.
Fizemos uma homenagem a ele e escrevemos cartas e mensagens de
consolação para ele e sua família. Fique com Deus A.G.
(Escritos de “Agrah”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).

5º e ultimo episodio talvez a aula que nunca vou esquecer, começamos


normal fechando as janelas e depois a exposição mais top [...]. Agora
o que eu tive do primeiro ao quinto episodio aprendi que pequenas
coisas podem fazer na vida de uma pessoa, bem A.G. era so um
personagem [...] o preconceito e a homofobia pode destruir um sonho
tão maravilhoso (ser drag). Nas aulas de teatro que na minha opinião
deveria se tornar disciplina [...] porque em 5 aula eu mudei minha
forma de pensar e o respeito todos os generos e nem precisa
aceitar so o respeito ja é o começo [...].
(Escritos de “Corey”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019 - grifos
meus).

Como assinala o aluno “Agrah”, no episódio instiguei os/as estudantes para criarem
tableaux (CABRAL, 1999), por meio dos quais permitiu a criação de quadros, com cenas que
intitulei de “as qualiragens/viadagens” da vida de A.G. (figura 14), tendo em vista que
qualiragem/viadagem são termos pejorativos para censurar a feminilidade das bixas pocs
afeminadas. Aproprio-me destas noções para assumir o viés de viadagem dos corpos queer,
como o de A.G.
Conforme ilustram as imagens abaixo (figura 14) os/as alunos/as estavam disponíveis
para jogar, para vivenciar as histórias de “qualiragens/viadagens de A.G”. Embora piadinhas
machistas também se revelassem durante a elaboração das cenas, demonstrando a resistência
de alguns alunos ao depararem-se com vestidos, sutiãs, perucas, saltos e o universo
purpurinado das afeminadas. Por outro lado, outros alunos, a exemplo do estudante da

81
“Convenção teatral na qual cada participante define uma atividade simples, e a mantém, todos ao mesmo
tempo, tal como se fosse um recorte de uma cena coletiva em um filme” (CABRAL, 1999).
161

imagem (figura 14), tenha se sentido à vontade para montar-se em sala de aula para
representar A.G.
Figura 14 – O processo de criação e vivência de papéis ficcionais

Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.

As imagens ilustram também a disponibilidade do aluno para desenhar a moldura de


espelho na lousa para a cena de Merry, drag queen diva de A.G., até a construção de cenas
que demonstravam a homofobia sofrido por Antônio Gabriel em sala de aula.
As cenas criadas (figura 14) trouxeram recortes da vida de A.G., analogias com alguns
momentos reais também da vida de pessoas LGBT+, a saber: as primeiras descobertas e
repressão da sexualidade na infância; o fascínio pelo universo feminino por parte de alguns
homossexuais afeminados como A.G.; a LGBTfobia na escola; a aproximação com a
depressão e também com as drogas. Além da aceitação da sua própria identidade (de gênero
ou orientação sexual), a inclusão ou exclusão materializadas na metáfora do “armário”, bem
como as primeiras baladas e a “montação” como drag queen.
162

O autor Diego Pereira (2015) ressalta como a estratégia da vivência de papéis


ficcionais no Drama é uma oportunidade para os/as participantes improvisarem e criarem
cenas, no tempo/espaço do contexto ficcional, “como se fossem outra pessoa”. Essa
possibilidade, intrínseca ao fazer teatral, proporciona analogias entre realidade e ficção, que
neste episódio estimulou na criação de cenas da biografia de A.G.
A criação em sala de aula, do momento no qual A.G. se monta para ir para sua
primeira balada, reforça a disponibilidade para jogar que os/as alunos/as se permitiram
durante todo o processo, inclusive desconstruindo seus própios preconceitos e estereótipos
relacionados ao “mundo LGBT+”, concretizado agora nesta cena de “montação” de A.G.
como drag queen vivenciado por um aluno (figura 14).
Ainda no âmbito da vivência de papéis ficcionais, esta convenção do Drama
proporcionou também um outro momento do episódio, após a minha apresentação de drag
queen como professor no papel (VIDOR, 2010), pedi que os/as alunos/as escrevessem
mensagens para A.G. a partir do ponto de vista de familiares, amigos/as, professores/as e
demais pessoas próximas, que cada aluno/a escolheu, como mostram as “mensagens para
A.G.”:

Figura 15 – Mensagens para A.G


163
164
165

Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.

Segundo o autor Wellington de Paula (2016), através de roles, ou seja, da vivência de


papéis no Drama, os/as participantes se colocam no papel de outra pessoa, dentro do contexto
ficcional, transitando numa proposta “mais fluída” e não necessariamente na “construção de
personagem” (VIDOR, 2010; PAULA, 2016). Essa possibilidade de jogo em sala de aula, por
meio de papéis, permitiu que os/as estudantes pudessem se colocar tanto no lugar de A.G.,
durante a exposição da vida dele, quanto no papel de pessoas próximas a ele de modo a sentir
a dor da perda causada pela LGBTfobia que aflige, cotidianamente, diversas famílias de gays,
lésbicas, bissexuais, homens e mulheres trans/travesti no Brasil.
166

 Autobiografia Queer: quando o professor-artista queer


entra (em cena) na sala de aula

Do fim do século XIX até a atualidade as divas, vedetes, transformistas 82, drag
queens, travestis/trans e bixas afeminadas artistas sempre estiveram presentes na arte e no
imaginário gay (MORENO, 2001; TREVISAN, 2002; FRIQUES, 2018). Carmen Miranda,
Maria Bethânia, Rogéria, Nany People, Cássia Eller, Vera Verão e Roberta Close, bem como
Cher, Madonna, David Bowie, Prince, Pink, Lady Gaga, Rihanna e Beyoncé até Pabllo Vittar,
Johnny Hooker, Lin da Quebrada, Glória Groove e RuPaul’s, foram estas e outras divas da
“Cultura pop Queer” as inspirações para instaurar uma atmosfera “cor de rosa” neste último
episódio (GONZATTI; HENN; MACHADO, 2018; FRIQUES, 2018).
Ainda no 5º episódio, após a turma 201 definir no episódio anterior por meio das
hipóteses que A.G. queria ser drag queen, mergulhei nas minhas memórias “cor de rosa” das
divas e das bixas afeminadas para resgatar o universo da cultura pop queer e instaurar um
“ambiente purpurinado” em sala de aula. Estes momentos intitulei de “aquenda estas
qualiragens, viad@!”, como referência ao “pajubá”83, dialeto do metiê LGBT+.
Conforme discorri no capítulo anterior, dentre as referências resgatadas das minhas
memórias “cor de rosa”, a drag queen mexicana Merry foi uma das minhas inspirações. Por
isso meu interesse em trazê-la in memoriam para este episódio, entrelaçando realidade e
ficção, tendo em vista que intitulei a diva de A.G. de Merry. Assim, incorporei minhas
memórias às narrativas criadas pelos/as estudantes como uma forma de homenagear as divas

82
“Na vida brasileira, parece que essa modalidade de travestismo teatralizado evoluiu por duas vertentes
diversas. Uma – meramente lúdica – floresceu, de modo esfuziante, no carnaval, protagonizada por homens
(inclusive pais de família) vestidos com roupas de suas esposas (ou irmãs ou mães ou amigas) durante pelo
menos três dias ao ano. [...] A outra vertente do travestismo voltou-se para um objetivo mais profissional,
com o surgimento nos palcos do ator-transformista, que passou a viver profissionalmente da imitação das
mulheres e, com frequência, tornou-se travesti na vida quotidiana (TREVISAN, 2002, p. 225-226).
83
Faço referência ao dialeto utilizado pela comunidade LGBT+ como forma de subversão das (hetero)normas,
ilustrado na “Aurélia, a dicionária da língua afiada”, escrito pelo jornalista Angelo Vip e por Fred Libi, com
mais de 1.300 verbetes a respeito do “pajubá”. O “pajubá” esteve no cerne dos debates da extrema-direita no
período eleitoral de 2018 porque foi utilizado numa questão da prova do Exame Nacional do Ensino Médio –
ENEM na área de Linguagens, códigos e suas tecnologias para exemplificar a construção linguística dos
dialetos em diversos contextos. Tendo em vista que o Brasil estava, e ainda está, envolto em discursos
explícitos de coerção e vigilância da “moral e da sexualidade”, na ocasião proliferaram afirmações de
acusação do ENEM por propagar o que chamam de “doutrinação da ideologia de gênero”. Conforme discorri,
a questão de português utilizou deste fenômeno linguístico característico dos/as LGBT+ para exemplificar a
construção dos dialetos em determinados contextos socioculturais. Portanto, como forma de subversão das
(hetero)normas utilizo, especialmente neste capítulo, algumas destas expressões do metiê LGBT+ para dar
protagonismo as nossas formas de transgressões e afirmações das identidades queer na sociedade, assim
como aproximar os/as interessados/a nesta pesquisa às várias facetas do “arco-íris”. As primeiras
informações foram extraídas da prova do ENEM. Disponível em:http://portal.inep.gov.br/provas-e-gabaritos.
Acesso em: 28 jun. 2019.
167

cis e trans que subvertem o machismo e as (hetero)normas, adentrando no imaginário queer e


contribuindo também para o empoderamento das bixas afeminadas.
Através de Merry e de forma sensível, com muito afetividade, compartilhei o texto que
criei para esta cena, no qual a diva de A.G. narra sua história de discriminação e superação,
diferenças entre identidade de gênero cis, trans e orientação sexual. Além da explicação da
arte drag queen e sua relação com A.G., como descrevem os/as alunos/as:

Na ultima aula (episodio) conhecemos o personagem que era


amigo de A.G e que tambem era homosexual. O amigo de A.G
fez uma apresentação linda para ele no velorio. Nós escrevemos
cartas para A.G. e colocamos juntas.
Foi um episodio emocionante onde vimos que o preconceito
tem que acabar.
(Escritos de “Luana”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019).

Nossa última aula foi triste e emocionante, eu me emocionei


com a apresentação da Drag Queen, me deu vontade de sair
dançando junto com ela. [...] Essa foi para mim a mais legal.
Foi eletrizante.
(Escritos de “Meghan”, em diário de bordo, São Luís/MA,
2019).

[...] tivemos apresentação com uma dreig queen, que conhecia


A.G., ela falou um pouco de A.G., alguns dias antes A.G. foi
conversar com ela, falou de novas coisas sobre A.G. enquanto a
dreig falava [...] se montava [...] fez uma apresentação muito
lindo e no final tivemos que fazer uma mensagem para A.G. e
no final de tudo um velorio de Antonio Gabriel.
(Escritos de “Lau”, em diário de bordo, São Luís – MA, 2019).

De acordo com as falas dos/as estudantes, a ambientação cênica e sonora, além da


minha presença queer montada, revelando meu ofício de professor-artista, oportunizaram essa
aproximação com mais uma face alegre e trágica das experiências LGBT+. Ainda nesse
episódio as relações de jogo estabelecidas pelo texto e presença cênica instauraram uma
ressignificação daquele espaço da sala de aula, como lugar afetivo tanto para mim, quanto
para os/as alunos/as num tempo/espaço que foi propício para a escuta do/a outro/a, para o
afeto, para a empatia, para deixar-se tocar pela experiência no processo de drama (FREITAS,
2012).
168

 Ambientação cênica e sonora:


Abram as portas (da sala de aula) que as bixas, drag, qualiras, rainhas das águas
purpurinadas querem brilhar, meu bem!!!

Neste episódio, as estratégias professor no papel, ambientação cênica e sonora 84


(CABRAL, 2006; VIDOR, 2010; FREITAS, 2012; PEREIRA, 2015; DESGRANDES, 2017)
foram investigadas, estudadas, adaptadas e mediadas para instaurar uma atmosfera na sala 201
que envolvesse os/as estudantes no processo de imersão no universo queer. Assim, minha
proposta para o figurino de Merry era que transitasse entre a cor rosa e também o preto, como
referência ao luto pela morte de A.G. A organização do espaço cênico, em sala de aula, tinha
a intenção de criar a ambientação de um camarim/boate que aproximasse os/as alunos/as do
lugar de ofício do/a artista: da caracterização à apresentação como drag queen.
Os objetos escolares e o próprio espaço da sala de aula era ressignificado criando um
ambiente de teatralidade na escola (VIDOR, 2010; CABRAL, 2012; FREITAS, 2012). A
mesa do/a professor/a fora ressignificada como túmulo, a qual, associada a alguns elementos
do figurino de A.G., bem como à bandeira LGBT+, trouxe um simulacro de caixão no
momento final da cena. Além da lousa, utilizada agora como o espelho do camarim de Merry,
como ilustram as imagens (figura 16).

84
“Essa estratégia refere-se a possibilidade de ampliar a imersão dos participantes na proposta dramática a partir
de estímulos sonoros. [...] Na questão dramática a ambientação sonora pode colaborar com a instauração de
diferentes climas (mistério, de tranquilidade, de tensão), remeter a diferentes épocas [...] enfatizar a passagem
do tempo, unir-se a outras estratégias como rituais e cerimônias” (PEREIRA, 2015, p. 154-155).
169

Figura 16 – O show fúnebre ou quando o professor-artista queer revela seu ofício

Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.

Portanto, como Merry dublei a música Todos me miran, da cantora mexicana Glória
Trevi, na qual a letra fala sobre as opressões e preconceitos na família e sociedade,
ressaltando a importância de olhar para si mesmo/a e aceitar-se, independentemente da
opinião dos/as demais.
Através deste tempo/espaço ficcional, os/as alunos/as envolveram-se com as narrativas
da diva de A.G. Entre vestidos e perucas, batons e blush, bem como entre saltos altos e
purpurinas cor de rosa, Merry revelava para os/as espectadores/as seu ofício de drag queen e
também suas anedotas de discriminação, além do lamento pela perda de seu fã, que também
sonhava em ser drag. A transformação do professor-artista para o artista “montada”, em sala
de aula, trouxe novas relações de jogo dentro do contexto ficcional, dando protagonismo às
narrativas qualiras e também causando nos/as estudantes experiências de afeição, empatia,
fascínio e admiração:
170

O 5º episodio infelizmente já chegou no fim mais não deixa de


ser muito massa por que tivemos grandes experiencias de teatro
mais voltando o ultimo episodio [...]
Foi o mais foda sem duvida, aconteceu de tudo desde grandes
tristezas a grandes emoções.
(Escritos de “Ney”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019).

O quinto episodio foi o melhor que nós estávamos falando de


tudo o que aconteceu desvendamos tudo o que aconteceu com
A.G. e foi onde aprendemos que não podemos jugar ninguém
que tem que dá apoio.
(Escritos de “Man”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019).

O ultimo episodio foi muito interessante. Todos nós estavamos


surpresos com o que ia acontecer no final. Cada momento foi
muito lúdico, teve a participação de cada aluno para finalizar o
episodio. O que eu achei bastante interessante foi o final, o
professor Fernando atuou [...] podemos ver o quanto ele ama
fazer, que é atuar, fazer teatro.
(Escritos de “Mel”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019).

[...] ficávamos triste com o acontecido, nos emocionávamos


com cada episódio, cada aula, cada momento que passávamos
ali naquela sala que se tornou um teatro magnífico, e eu que
nunca fui ao teatro assim como outros alunos, tivemos uma
grande oportunidade brilhante de termos um teatro, ali
descobrimos também vários talentos, maravilhosos [...].
(Escritos de “Katherine”, em diário de bordo, São Luís/MA,
2019 – grifos meus).

Em diálogo com as falas dos/as alunos/as em seus diários, verifico como esta cena
final da diva de A.G., na qual eu revelo meu ofício de professor-artista queer diante dos olhos
atentos (e outros marejados) dos/as meus/minhas alunos/as, revelou ainda a disponibilidade
destes/as para serem afetados/as pelas experiências compartilhadas em sala de aula. Além da
empatia, quando por muitas vezes se colocaram no lugar de Antônio Gabriel e também de
Merry para refletirem que por trás da “máscara arco-íris” há outras facetas com discursos e
práticas LGBTfóbicas que oprimem e matam.
Como apontam os autores Rodrigo Casteleira, Adalberto Inocêncio e Alexandre
Polizel no estudo intitulado Drag queens vão à escola: estranhamentos currículares e o
“pavonear” das diferenças em um espaço institucional (2019) a presença de personagens
drag queens e drag kings na escola promove o que chamam de “tensionamentos” e
“deslocamentos” da diferença, tendo em vista que são performances de gênero que subvertem
as (hetero)normas e o cotidiano escolar.
171

Para a pesquisadora Guacira Lopes Louro (2016, p. 20) “em sua ‘imitação’ do
feminino, uma drag queen pode ser revolucionária. Como uma personagem estranha e
desordeira, uma personagem fora da ordem e da norma, ela provoca desconforto, curiosidade
e fascínio”. Dessa forma, ao vestir-me da diva de A.G. e ao revelar tal procedimento de
“montação”, no que Guacira Lopes Louro (2016, p. 20) aponta refletindo que “de que
material, traços, restos e vestígios ela se faz? Como se faz? Como fabrica seu corpo?”
revelava aos/as meus/minhas alunos/as, além do processo criativo, a “fabricação do gênero”.
Isto é, a performance de gênero construída sob o meu corpo de bixa afeminada.
As ambiguidades do feminino e masculino estavam materializadas agora no corpo da
personagem drag queen Merry. Ao revelar-me como drag, montada, proporcionava aos/as
alunos/as a presença cênica daquele corpo abjeto e fascinante, que não adentraria aquele
espaço da sala de aula se não fosse para desestabilizar as (hetero)normas e lugares
socialmente atribuídos como de “meninos e meninas”.
Estas desestabilizações da presença dos corpos afeminados interpretando personagens
femininas, bem como da inserção das temáticas queer na cena teatral brasileira estiveram
presentes inicialmente em figuras de personagens caricatos como o “fresco” ou “entendido”
(MARTINS, 2010; FERRARESI, 2018), passando por atores-cis homossexuais e atrizes-
travestis que se travestiam entre final do século XIX e início do XX no teatro de revista até
aos shows destes/as artistas-transformistas (TREVISAN, 2002; FRIQUES, 2018).
Dessa maneira, alguns recortes da cena queer demonstram como a mesma se construiu
na (in)visibilidade e na resistência pela visibilidade e representatividade dos corpos e
temáticas LGBT+. Destaco alguns recortes, como as montagens transgressivas de Zé Celso
(São Paulo) na década de 60, dos grupos Dzi Croquettes (Rio de janeiro) e Vivencial
(Pernambuco) em 1970. Assinalo ainda os espetáculos de Cesar Almeida (Paraná), entre as
décadas de 90 e 2000, até chegarmos à atualidade com o coletivo As travestidas (Ceará) e os
recentes debates de representatividade trans, pela atriz trans Renata Carvalho (MORENO,
2001; TREVISAN, 2002; MARTINS, 2010; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018; FRIQUES,
2018).
Esta prática artística de “travestismo ou travestimento” no teatro brasileiro revelou
ainda o lugar marginalizado e invisibilizado com que a historiografia teatral tratou as divas
travestis como Rogéria, Valéria, Jane di Castro, Camille K., Fujica de Holliday, Eloína,
Marquesa e Brigitte de Búzios, estrelas queer85 do documentário Divinas Divas, da diretora

85
“[...] o travestismo masculino proliferou tanto, no século XIX, que passou do palco para as ruas e, num
movimento inverso, procurou se legitimar, de volta aos palcos, buscando função nos espetáculos
172

Leandra Leal. Corpos abjetos, silenciados da história “oficial”, se montavam e subvertiam as


(hetero)normas vivenciando suas performances de gênero tanto dentro, quanto fora dos
palcos. Atualmente, a arte também retorna à memória para revelar a importância destas
artistas, e de outras não aqui mencionadas diretamente, para as manifestações do teatro queer
no Brasil (TREVISAN, 2002; FRIQUES, 2018; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018).
Há paralelos nas relações transgressivas, coercitivas e de sileciamentos do teatro queer
do passado com o presente. Isto é, a censura moral, simbólica e física daquela ditadura militar
agora está explícita no atual momento, disfarçada de discursos de higienização normativo e
manutenção da “família tradicional brasileira”. No entanto, o teatro queer permanece firme
subvertendo as normas reacionárias que atualmente assolam não somente os palcos da cena
contemporânea, mas também a escola, lugar de criação artística e também de subversão e
resistência das (hetero)normas, na qual os corpos LGBT+ resistem para compartilhar suas
narrativas, entrelaçando em sala de aula, realidade e ficção.
Assim, a partir das hipóteses levantadas pela turma 201, no mapa criado no episódio
anterior, me permitiu pensar na possibilidade de que no pendrive de A.G. pudesse haver uma
sequência de músicas das divas pop queer que também envolvesse os/as estudantes no
universo LGBT+. Tal proposta surgiu após os/as alunos/as criarem a hipótese de que a
caixinha de som e peruca de A.G., encontradas na ambientação do banheiro, mostravam que
ele estava ensaiando para uma apresentação artística na escola.
Logo, investiguei algumas cantoras e músicas que embalaram as bixas afeminadas nas
últimas décadas que pudessem aproximar os/as estudantes desta atmosfera queer,
considerando-se que também com base nas hipóteses de que A.G. queria ser drag queen,
acrescentei a possibilidade que ele pudesse se inspirar numa diva. Dessa maneira, aproximaria
os/as alunos/as desta outra face do metiê queer, o fascínio das bixas afeminadas pelas divas
do cinema, tv, teatro e música.
Por meio de fragmentos de músicas clássicas de Cher, Madonna, Whitney Houston,
Lady Gaga, Rihanna, Beyoncé, Pabllo Vittar, Lin da Quebrada, Cazuza, Ney Matogrosso,

transformistas. Por ora, basta dizer que travestis-atores puderam encontrar espaço profissional mais amplo
nas revistas-musicais que, a partir de meados do século XIX, invadiram os palcos brasileiros e aí se
proliferaram [...]. Já na década de 1990, entraram em cena as drag queens, atuando a partir de um conceito
mais flexível de travestismo. [...] A atuação das drag queens foi facilitada por englobar um componente
lúdico e satírico semelhante ao das caricaturas do carnaval, o que as levou a transitar por áreas jamais
imaginadas, como as concorridas festas de socialites, shows beneficentes e colunas sociais da grande
imprensa. [...] A animação promovida pelas drag quens invadiu até o terreno político. Partilhando da nova
consciência homossexual que emergiu na década de 90, como se verá adiante, as drag queens têm tido
presença marcante nas Paradas do Orgulho Homossexual, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Quando das
eleições para governador de São Paulo, em 1998, elas chegaram a comandar coros em prol da candidatura de
Marta Suplicy, durante shows em boates gays” (TREVISAN, 2002, p. 227-231).
173

dentre outros/as criei uma sequência sonora que introduziu este lugar de imersão sensível às
músicas mais icônicas até às falas mais subversivas que mostram as faces do universo
LGBT+, como compartilho em “subversões das bixas (nada) engraçadas” (quadro 14):

Quadro 14 – Subversões das bixas (nada) engraçadas

Indestrutível (Pabllo Vittar)


O que me impede de sorrir, é tudo que eu já perdi. Eu fechei os olhos e pedi, para,
quando abrir, a dor não estar aqui. Mas sei que não é fácil assim, mas vou aprender no
fim. Minhas mãos se unem para que, tirem do meu peito o que é de ruim […] E vou
dizendo… tudo vai ficar bem e as minhas lágrimas vão secar. Tudo vai ficar bem e essas
feridas vão se curar [...] Se recebo dor, te devolvo amor [...] E quanto mais dor recebo,
mais percebo que sou... Indestrutível!

Homem com H (Ney Matogrosso)


Nunca vi rasto de cobra, nem couro de lobisomem. Se correr o bicho pega, se ficar o
bicho come, porque eu sou é home... E como sou! Quando eu estava pra nascer, de vez
em quando eu ouvia... Eu ouvia a mãe dizer, ai meu Deus como eu queria que essa cabra
fosse home, cabra macho pra danar. Ah! Mamãe aqui estou eu, mamãe aqui estou eu...
Sou homem com H... E como sou!

O tempo não pára (Cazuza)


Disparo contra o sol, sou forte, sou por acaso. Minha metralhadora cheia de mágoas, eu
sou um cara [...] Mas se você achar que eu tô derrotado, saiba que ainda estão rolando os
dados, porque o tempo, o tempo não para. [...] Eu vejo o futuro repetir o passado, eu
vejo um museu de grandes novidades [..] Nas noites de frio é melhor nem nascer, nas de
calor, se escolhe: é matar ou morrer. E assim nos tornamos brasileiros. Te chamam de
ladrão, de bicha, maconheiro.... Transformam o país inteiro num puteiro, pois assim se
ganha mais dinheiro.

A lenda (Lin da Quebrada)


Vou te contar a lenda da bicha esquisita, não sei se você acredita, ela não é feia (nem
bonita) [...] Abandonada pelo pai, por sua tia foi criada enquanto a mãe era empregada,
alagoana arretada [...] Eu fui expulsa da igreja (ela foi desassociada) Porque “uma podre
maça deixa as outras contaminadas”. Eu tinha tudo pra dar certo e dei até o cu fazer
bico. Hoje, meu corpo, minhas regras, meus roteiros, minhas pregas sou eu mesmo quem
fabrico. Eu tô bonita? (tá engraçada) Eu tô bonita? (tá engraçada) Me arrumei tanto pra
ser aplaudida, mas até agora só deram risada […].

Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís -MA, 2019.

Através da ambientação sonora meu intuito era criar uma atmosfera de imersão dos/as
estudantes nas boates e nas transgressões de gênero e sexualidade do contexto noturno
LGBT+. Além das músicas e divas icônicas do mundo queer minha intenção foi compartilhar
não somente os “baques” e “close” purpurinados das bixas afeminadas e drag. Ou seja, com
base na estratégia ambientação sonora o objetivo era sobretudo dar visibilidade para a
diversidade das narrativas LGBT+, proporcionando aos/as alunos/as o “exercício da escuta”
174

de outras vozes queer e lugares de fala traduzidos em manifestos poéticos nas músicas de Lin
da Quebrada, Pabllo Vittar, Ney Matogrosso e Cazuza.
As narrativas destacadas nas letras das músicas conectam artistas de um Brasil do
passado, através de Cazuza e das performances transgressivas de Ney Matogrosso no auge da
ditadura nas décadas de 70 e 80, com o presente, nas performances de gênero de Pabllo Vittar
e Lin da Quebrada que desestabilizam as (hetero)normas. Enquanto os/as estudantes
escreviam suas mensagens para A.G., a sonoridade criava uma atmosfera em sala de aula
propícia para a escuta das poéticas, a respeito das subjetividades LGBT+, ao passo que
impulsionava o momento a pensar devagar, parar para escutar e escrever.
Neste momento de escuta, os/as estudantes também refletiam acerca das desigualdades
interseccionais descritas nas falas dos/as artistas. Por exemplo, como discorre Dodi Leal
(2018) a respeito da música A lenda de Linn da Quebrada, a qual retrata o lugar de fala de
muitas travestis que vivem em contextos “da quebrada” e “nos guetos” da invisibilidade
social. Tais corpos, “objetificados” e abjetos, são ilustrados na letra de Linn da Quebrada
como corpos silenciados tanto na escola, quanto na sociedade:

[...] A esquisitice reincidente nas letras de Linn da Quebrada expressa o quanto que
a figura monstra é um desajuste nos espaços sociais. Efetivamente presenciamos na
canção A Lenda a referenciação ao contexto escolar e a perseguição enfrentada por
pessoas gênero-desobedientes até mesmo entre os pares. A criança transgênera
nunca passa desapercebida: ou está extremamente marginalizada e representa o
fracasso escolar ou é superestimada na figura nerd ou possuidoras de uma
inteligência que de tão inteligente são um novo motivo de rejeição: essas bichonas,
sabichonas (LEAL, 2018, p. 157).

Portanto, tinha interesse em proporcionar um lugar de escuta para meus/minhas


alunos/as durante o momento final do processo, para que ouvissem desde as narrativas
autobiográficas da bixa negra “engraçada” de Lin da Quebrada (TRÓI, 2019), que sofre o
machismo e LGBTfobia no cotidiano, passando pela homofobia e resistência na escola
retratada nas memórias de Pabllo Vittar como bixa poc afeminada e Indestrutível
(MENDONÇA; MACHADO, 2019). Além das desconstruções da masculinidade tóxica em
Homem com H de Ney Matogrosso (VÉLIZ, 2018) e da poesia cantada por Cazuza ao clamar
por um Brasil que não renegue seus filhos e filhas em prol da hipocrisia, da barbárie e dos
discursos de ódio.
Dessa forma, este último episódio proporcinou a aproximação dos/as estudantes de
algumas faces das narrativas LGBT+, por meio da diversidade de sonoridades artísticas, além
da minha performance no papel da drag queen Merry. Conforme ressalta Manoel Friques
(2018) as práticas teatrais são “capazes de oferecer, dispor e revelar os dispositivos de
175

construção de gênero e o caráter performativo das identidades desviantes” (FRIQUES, 2018,


p. 47).
Ainda como descreve o autor, o espaço cênico na contemporaneidade, que também
associo ao fazer teatral na escola, é um campo privilegiado de experimentação de
performances de gênero atreladas às desconstruções dos estudos queer, tendo em vista que
desvincula o gênero do caráter somente biológico para pensar nestes dispositivos a partir do
viés artístico-cultural.
Assim, a prática revelou o contraponto com os discursos que tentam silênciar os
debates de identidade de gênero e orientação sexual LGBT+, bem como da existência dos
nossos corpos na escola, além de aproximar os/as alunos/as das singularidades subjetivas das
nossas identidades queer.

4.6 O PÓS-PROCESSO DE DRAMA OU O EPÍLOGO QUEER: ENTRELAÇAMENTOS


DE EXPERIÊNCIA TEATRAL E DOS ESTUDOS QUEER NA ESCOLA

Quadro 15 – Relembrando o processo


O que aprendi ou os afetos que ficaram em mim
Por: Junior

“Hoje não arrumamos a sala com as mesas no canto da parede e nem tampouco as
janelas com papelões e TNT [...] tinhamos de interagir com a explicação que ele
nos deu e também nos passou um papel na cor verde e outro na cor branca e tinha
destintos assuntos para cada um [...]. Depois de pegarmos o papel ele foi nos
passando uma caixa com o livro que lhe inspirou a fazer aquela peça com a gente
mas não tinha o mesmo nome que o livro [...] com ideias um pouco diferentes [...]
foi arrumando o notebook para passar uns slides para nós sobre o teatro que ele
fez com a turma do ano passado e a que ele fez com a nossa agora [...]. Depois ele
nos explicou sobre o feminismo [...] sobre os meios de bullying que são praticado
como xenofobia, gordofobia etc. [...] e de pessoas que era transexuais [...] lésbicas
ou bissexuais [...]. Depois nos passou uns papeis para lermos [...] relatos de
homossexuais e transexuais sobre a vida sofrida por sofrerem bullying.”
(Compartilhando experiências, afetos e arte na sala 201 do Centro Educacional
Dr. Clarindo Santiago, em 26 de março de 2019, em São Luís – MA, ilha do amor)
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.

Na semana seguinte retornei à sala de aula e como descreveu “Junior”, o aluno-escritor


das sínteses dos episódios de Drama, agora era o momento de retornarmos ao tempo/espaço
que construímos nas últimas aulas para tentarmos pensar no que chamei de “os afetos que
ficaram em mim”. Enquanto me preparava para partilhar, através de fotos no slide o processo
176

piloto realizado com a turma 211 em 2018, comuniquei aos/as estudantes que passaria a
“caixinha de A.G.” que estava em minhas mãos, para que cada aluno/a em seu tempo,
folheasse a literatura que inspirou a nossa história.
Durante o tempo que conversávamos a respeito da experiência das aulas, do processo
realizado na turma anterior, bem como dos temas de gênero e sexualidade que surgiram na
história de A.G., cada aluno/a foi descobrindo o segredo de Daniel, protagonista do livro O
menino perfeito ao passo que compartilhava a caixinha com os/as demais colegas de turma.
Além do registro habitual do diário, neste último encontro pedi aos/as alunos/as que
escrevessem em duas folhas como foram apreendendo a linguagem teatral e as questões de
gênero, sexualidade e LGBT+ em cada episódio. Para a reflexão final do processo
compartilho alguns destes escritos, os quais ilustram de que forma os temas, termos e
conceitos dos estudos queer e a linguagem teatral foram sendo apropriados no decorrer da
prática.
Desse modo, durante a prática construímos uma narrativa teatral, a qual deu
protagonismo para personagens LGBT+, numa narrativa criada em cada episódio através da
disponibilidade da turma para se deixar envolver com a ficção. Neste tempo/espaço, muitos/as
também se permitiram exercitar a escrita e os sentimentos que pulsavam em seus corpos,
registrando em seus diários seus devaneios acerca de cada momento dos episódios, como
descreveram:
[...] tivemos uma aula muito interessante [...] aprendi coisas que não sabia, comecei
a vê esse assunto com outros olhos [...]. [...] todas as aulas que tivemos, fizemos
cada episodio, construimos uma história muito interessante [...]. Foi muito legal e
divertido que aconteceu nesse período, gostei muito e amei o ultimo episodio,
quando uma dreig queen fez uma linda apresentação, cantando e dançando, foi tudo
muito lindo, gostei de verdade.
(Escritos de “Lau”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019).

[...] Bom sobre teatro eu aprendi que teatro não se faz só em um palco, teatro se faz
também em sala de aula, rua e etc. É uma forma de arte na qual um ou vários atores
apresentam que desperta na plateia sentimentos variados.
(Escritos de “Lud”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019).

O teatro esteve conosco em todos os momentos, especificamente, quando nos


separamos em grupos e fazíamos os papéis de pessoas conhecidas de A.G. Aliás
desde os primeiros episódios estivemos em cenas, ao investigar os objetos, ao
encenar como professores, alunos, amigos e familiares. Foi muito importante, pois
enxergamos que o teatro não precisa de um palco, pode ser quando e onde
quisermos, e também não precisa de um público, necessariamente, nós fomos o
nosso próprio público, criamos a nossa história. É muito massa fazer teatro, se pôr
no lugar do personagem, vivenciar os papeis, pois foi uma experiência com base na
realidade, algo que as pessoas passam atualmente, é bom para repensarmos em
nossas atitudes e ajuda quem está precisando...
(Escritos de “Mac”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019).
177

As aulas do professor Nando foi super importante pois a parte daí ele acrescentou
muitos conhecimentos para mim, abordando temas que esta ao nosso redor como
identidade de gênero e sexualidade. Eu também aprendi que pra fazer teatro não é
preciso trazer um roteiro para ensaiar e apresentar, teatro também pode ser algo
demorado, que pode ser criado aos poucos.
(Escritos de “Agrah”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019).

Com base nos relatos dos/as alunos/as, por meio do contexto ficcional, das escolhas
artístico-pedagógicas das estratégias do Drama, da mediação e do envolvimento dos/as
discentes foi possível criar este “gesto de interrupção” na rotina escolar, e nas imposições
intrínsecas ao ensino médio, para que pudessem explorar e descobrir outras possibilidades
para o fazer teatral na escola e aproximarem-se da pluralidade dos corpos LGBT+.
Contudo, este outro tempo/espaço dilatado e “desacelerado” no qual os/as
adolescentes se (des)conectaram para falarem de si e do/a outro/a, para escutarem a si
mesmos/as e aos/as outros/as, para escreverem suas narrativas e criarem outras só foi possível
porque os/as estes/as se deixaram atravessar pelo que lhes estava sendo proposto, através da
narrativa de A.G. Ao se deixarem envolver pela trama misteriosa de A.G., os/as alunos/as
construíram comigo a história desta personagem, ao passo que em cada episódio apreendiam a
linguagem teatral, assim como se aproximavam das temáticas queer.
A autora Tharyn Freitas (2012) reitera como o Drama na escola pode oportunizar a
imersão prática proporcionando experiências de alteridades no contexto ficcional. Portanto, o
envolvimento dos/as estudantes com a prática, atrelada ao exercício da escrita do diário,
permitiu diagnosticar de que forma os temas, termos e conceitos de gênero e sexualidade
foram sendo assimilados em cada episódio, a saber:
Desde o primeiro episódio começamos a falar sobre orientação sexual e continuamos a
falar sobre assunto durante todas as aulas. Agora depois da nossa aula, eu consegui
diferenciar. Orientação (sexual) é quando a pessoa sente o desejo (sexual e amoroso)
por outra, já o gênero é quando quem nasceu com um pênis se identifica com uma
vagina.
(Escritos de “Pan”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019 – grifos meus).

Bem eu acho que identidade de gênero é como a pessoa se identifica, como ela que
se apresenta para a sociedade se é como homem ou mulher. Já a sexualidade eu
acho que é por quem a pessoa sente atrassão se é por homem, mulher ou nem um
deles. O episodio que falamos sobre isso foi quando levantamos a hipótese de que A.G.
era um menino afeminado, a partir dai todos os outros episodio falamos sobre isso
indiretamente ou diretamente.
(Escritos de “Jo”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019 – grifos meus).

Nesse período que passamos, falamos e discutimos muito muito sobre sexualidade,
entendi que cada gênero é diferente, a personagem da nossa historia se via como gay
afeminado e foi morta por conta da sua opção [...] aprendo que o Brasil é o país que
mais mata gays, lesbicas, trans etc. Devemos respeitar cada pessoa do jeito que ela é.
(Escritos de “Lau”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019 – grifos meus).
178

As falas dos/as alunos/as demonstram como o processo talvez tenha proporcionado a


primeira aproximação com os termos e conceitos dos estudos queer, diante da complexidade,
ausência e silenciamanto das discussões na escola. O que se evidência na forma como alguns
termos e conceitos foram utilizados pelos/as estudantes, como por exemplo: “gênero é quando
nasceu com pênis” para se referir à “identidade de gênero trans” das mulheres transgêneras,
assim como “opção” para se referir à “orientação sexual homossexual”. Logo, as formas mais
adequadas se referem ao gênero como uma construção social, a exemplo da “identidade de
gênero” (cis, trans, não-binário, dentre outras) e a “orientação sexual” ao invés de “opção
sexual”.
Nestes diálogos, destaco ainda algumas falas, a exemplo do/a aluno/a “Jo”, que ilustra
um entendimento tanto da identidade de gênero, quanto da orientação sexual/homossexual,
apontando ainda em qual episódio do processo as discussões ficaram explícitas. Portanto,
conforme ressalta Guaraci Martins (2009; 2011) as práticas teatrais na escola são
oportunidades de envolver os/as alunos/as em momentos propícios para à alteridade,
intrínseca ao fazer teatral, de se colocar no lugar do/a outro/a, para através da criação coletiva
proporcionar a empatia.
A experiência por meio da metodologia do Drama instaurou um ambiente de
“exercício de alteridade”, ilustrado nos relatos dos/as estudantes e no envolvimento destes/as
em cada episódio, o qual permitiu que se aproximassem de alguns lugares de fala de LGBT+,
desconstruindo mitos e tabus relacionados aos/as gays, lésbicas, bissexuais, homens e
mulheres trans/travestis, dentre outros/as. Pois, como ressaltam as autoras Guacira Louro
(2009; 2011) e Jimena Furlani (2016), as discussões de gênero e sexualidade na escola ainda
estão envolvidas em mitos e tabus.
As falas de duas alunas ilustram de que forma o termo “ideologia de gênero” se
impregnou na escola e como atualmente causa equívocos no entendimento de alguns
conceitos e objetivos dos estudos de gênero, queer, educação sexual e feminismo. Assim,
compartilho as reflexões de duas alunas, suscitadas após a prática, por meio da escrita do
diário de bordo (MACHADO, 2002) a respeito do debate de educação sexual na escola, as
quais evidenciam alguns pontos de convergências e divergências:

O gênero da sexualidade também esteve presente em nossa atividade. O rumo que a


nossa história teve, foi nos mostrando isso, os objetos nos fez levantar hipóteses, que
envolvia o mundo dos lgbt, pois o personagem foi um menino que sofria por causa
da sua sexualidade e acabou morrendo, assim como, INFELISMENTE, está
acontecendo atualmente. Foi interessante para nós refletirmos e repensarmos nas
nossas atitudes, no nosso comportamento e que a observação, o diálogo é importante
para salvar a vida de alguém que passa por motivos semelhante, para ajudar aqueles que
179

precisam da nossa ajuda! Aprendemos também que a educação sexual é essencial


sim nas escolas, para informar, alertar todos de que certas coisas não são normais.
Além da aula sobre identidade sexual, feminismo e a nossa opinião sobre esses
assuntos também legais.
(Escritos de “Mac”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019 – grifos meus).

Na nossa aula de hoje falamos sobre a diferença entre orientação sexual e gênero
sexual. Consegui entender um pouco, eu super respeito a escolha de certas pessoas,
super respeito, mas sou contra. É a questão de respeitar, mas não aceitar. Eu
nunca falei ou fui desrespeitosa com uma pessoa LGBTI. Agora sobre a tal
“ideologia de gênero” eu não concordo que isso tem que se dá em sala de aula. Na
minha opinião isso é assunto que os “pais” tem que conversar com os filhos, até
porque eu quando for mãe (lá pelos 30) eu vou fazer questão de ensinar meus filhos,
sobre os tipos de toque, sobre o assédio que nós mulheres passamos. É uma pena que
isso tem se tornando frequente. Eu como mulher tenho o medo de sair na rua e ser
estuprada. Em pleno século XXI, nós mulheres temos que passar por isso. Eu não
me considero feminista, até porque tem assuntos em que sou totalmente contra, eu
só quero parar de andar na rua e ser só vista como um objeto sexual. E igualdade
salarial. Eu quero e desejo ganhar o mesmo que um homem.
(Escritos de “Meghan”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019 – grifos meus).

Os diálogos das alunas ilustram os porquês de compreenderem que a educação sexual


deve ser de âmbito somente familiar ou também de discussão na escola, trazendo para a sala
de aula, bem como para suas reflexões na escrita, os debates em torno da educação sexual na
sociedade, suscitados a partir da ficção. Na fala de ambas, apesar de pontos divergentes, os
discursos convergentes reiteram o respeito à pluralidade e a necessidade da equidade de
gênero.
A aluna “Meghan” aponta as recentes discussões de “ideologia de gênero”, o que me
fez refletir como os discursos de marginalização dos estudos queer, propagados por esta
narrativa falaciosa, já se impregnaram na rotina escolar. Ainda com base na fala da estudante,
questionei-me: como os estudos de gênero, queer e, em especial o feminismo estão chegando
em determinados contextos educacionais fazendo com que uma aluna reivindique todas as
lutas de equidade do movimento feminista, contudo não se perceba (ou não queira ser
associada) como feminista? Compreendo que há inúmeros fatores que contribuem para essa
difusão equivocada das pautas dos estudos de gênero, educação sexual e feminismo como já
apontado neste estudo.
Todavia, indago-me ainda: além dos discursos fundamentalistas e extremistas que
disseminam levianidades acerca dos estudos de gênero, LGBT+ e feminismo na educação,
nossas ações, como pesquisadores/as e professores/as, estão aproximando ou “afastando”
alunos e alunas do entendimento destes campos teóricos? Como a Universidade está se
aproximando da escola, em parceria, para romper com esses discursos? Em tempos de
marginalização do pensamento científico, artístico e sociocultural atrelados a estas áreas de
180

conhecimentos na Universidade, quais novas estratégias utilizaremos para empoderar alunos e


alunas na escola?
De que forma tais discussões estão chegando no ambiente educacional? Como
pretendemos continuar estudando e pesquisando estes temas na escola desconstruindo os
estigmas neste ambiente retrógrado? Quais caminhos iremos construir diante desta onda
conservadora? Estas são algumas das indagações que faço enquanto finalizo a escrita da
pesquisa, diante da atual conjuntura na arte e educação no país.
Nesta perspectiva, minhas reflexões a respeito do futuro, ou como iremos seguir
resistindo, também estão em diálogo com as discussões da teórica Judith Butler em recente
entrevista para a revista/site Gênero e Número em uma série de reportagens a respeito da
situação política que atravessamos no Brasil. Na entrevista com a filósofa, intitulada O reino
sagrado da desinformação – cap. VIII: conhecimento contra o medo86, inicialmente mostra, a
partir das duas vindas de Judith Butler ao Brasil entre 2015 e 2017, como houve uma
ascensão da extrema-direita e também do ataque ao conhecimento acadêmico no país.
Em 2017, no auge da propagação dos discursos de ódio e desinformação a respeito dos
estudos de gênero, a pesquisadora sofreu ataques misóginos e LGBTfóbicos por supostamente
disseminar o que erroneamente compreendem como “ideologia homossexual nas escolas” por
meio da “ideologia de gênero”. Na época a autora fora convidada pelo SESC – São Paulo para
palestrar no “seminário sobre populismo, autoritarismo e democracia”, no qual lançou seu
livro Caminhos divergentes: judaicidade e a crítica do sionismo.
Com base nesta entrevista interessa-me trazer à tona dois pontos que dialogam com as
questões que venho discutindo ainda com relação às reflexões das alunas em seus diários de
bordo: a desinformação acerca dos estudos de gênero disseminados como “ideologia de
gênero” e como a academia caminhará diante do cenário de desmontes da educação e o ataque
ao pensamento intelectual. Dessa forma, as reflexões de Judith Butler apontam para as
seguintes problematizações, quando explica os objetivos do campo teórico dos estudos de
gênero em contraponto à “ideologia de gênero”, a saber:
Como intelectuais, temos que continuar publicando livros e textos que exponham
as mentiras que são declaradas sobre estudos de gênero, feministas, queer e trans.
Devemos deixar claro o que fazemos, por que isso é importante, e também mostrar
o que não fazemos e por que não fazemos. Isto é, voltar ao básico no nosso campo
de estudo, explicar nosso pensamento e nossa ética. […] Não existe “ideologia de
gênero” porque este conceito sugere um conjunto de crenças ou uma teoria única.
Na verdade, o que existe é um universo complexo de estudos de gênero com
muitas e variadas abordagens metodológicas e acadêmicas. É um campo

86
O reino sagrado da dedesinformação cap. VIII: conhecimento contra o medo, revista/site Gênero e Número.
Disponível: http://www.reinodadesinformacao.com.br/cap-viii-entrevista-judith-butler/. Acesso em: 29 agos.
2019.
181

acadêmico vivo, isto é, as pessoas o tempo todo discutem pressupostos, objetivos e


definições. […] busca entender a realidade dos corpos, da sexualidade, da família,
dos parentescos, da reprodução humana, da desigualdade, da liberdade, da justiça,
da masculinidade, da feminilidade e de todas as formas de vivenciar o gênero que
não foram adequadamente entendidas ainda. Acima de tudo, é um estudo que
propõe conhecimento de verdade, em vez de preconceito. A ideia de que o ensino
de gênero nas escolas constitui uma “doutrinação” é simplesmente falsa. […] a
função de um professor é ouvir e acolher diversos pontos de vista sobre assuntos
difíceis e estimular debates, não impor uma vontade aos jovens. […] Nossa função
como pais e professores é oferecer um ambiente de apoio para que as crianças
encontrem seu próprio caminho, sem serem coagidos física ou psicologicamente.
Eu sou contra qualquer tipo de coerção neste sentido (Judith Butler, em entrevista
para a revista/site Gênero e Número, 2019 – s/p).

Conforme ressalta Judith Butler, neste momento difícil devemos seguir pesquisando
para explicar à sociedade, sobretudo à escola, a importância dos estudos de gênero,
feminismo, educação sexual e queer para o empoderamento de alunos e alunas, para que
compreendam as desigualdades e “[…] encontrem seu próprio caminho, sem serem coagidos
física ou psicologicamente” (BUTLER, 2019, s/p). Ainda nesta entrevista a autora destacou
como este contexto reacionário está fissurando a Univerdade pública no Brasil e quais
caminhos de resistência serão traçados, considerando-se, como frisa a pesquisadora, que “o
Brasil é um país de conquistas incríveis na pesquisa de ciências sociais, humanas, psicologia,
teatro, produção e crítica literária” (BUTLER, 2019, s/p).
Esta conjuntura obscurantista ilustra como os discursos extremistas e retrógrados estão
se alastrando com perspicácia e rapidez, se solidificando no chão da escola, fundamentados e
apoiados em fake news e discursos de ódio, demonstrando que há muito que fazer e
desconstruir. Assim, mesmo após o processo prático e aula teórica, nos quais fomos
compreendendo as diferenças e objetivos dos estudos de gênero e educação sexual na escola,
em contraponto à “ideologia de gênero”, ainda assim tal narrativa mostra sua força discursiva
no imaginário popular, quando surge, por exemplo, nos escritos da estudante “Meghan” como
analogia aos estudos de educação sexual na escola.
Para Jimena Furlani (2016) essas visões de educação sexual perpassam por
paradigmas religiosos, biológicos, terapêuticos, de direitos humanos e sexuais, além de
emancipatório e queer. Tais discursos são classificados pela autora como as formas de
abordagens de educação sexual, que se constituem na sociedade, adentrando também à escola,
naturalizadas e/ou (in)visibilizadas nas diretrizes educacionais, nos projetos políticos
pedagógicos, nos currículos das disciplinas, nos livros didáticos, nas práticas docentes e no
cotidiano em sala de aula.
Os discursos das abordagens biológico-higienista, moral-tradicionalista, terapêutica e
religiosa-radical (FURLANI, 2016) dialogam com as narrativas de segregação, preconceito e
182

invisibilidade de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais nos currículos e


documentos oficiais. Enquanto as demais abordagens como a emancipatória, dos direitos
humanos e dos direitos sexuais, além da abordagem queer (FURLANI, 2016) compartilham
outros discursos, os quais empoderam as minorias, dando visibilidade e representatividade
para os corpos LGBT+.
A abordagem de educação sexual queer, como reitera Jimena Furlani (2016), é uma
proposta pedagógica de equidade, como demonstrado nesta pesquisa, oportuniza dar
visibilidade e representatividade às identidades que desestabilizam as estruturas binárias da
(hetero)normatividade, na contramão de discursos de invisibilidade e intolerância
LGBTfóbica.

 Conversando sobre subjetividades e representatividade Queer na escola

Ainda era a mesma semana do término do processo, retornei à escola para a palestra
que havia organizado a respeito da representatividade queer no âmbito escolar. Enquanto o
pátio era organizado para nossa conversa fui surpreendido pela comemoração de despedida
que os/as estudantes da turma 201 haviam organizado para mim. Entre falas de
agradecimentos pelas aulas, desejos de sucesso na conclusão da minha pesquisa, percebi a
importância daqueles momentos que construímos em um curto período e que, talvez, alguns
afetos deste “professor-artista silvestre” pudessem ter ficado em cada aluno e aluna.
Foi como uma forma de agradecimento pelo acolhimento que tanto os/as alunos/as,
quanto a comunidade escolar do Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago, me
proporcionaram com o meu retorno ao colégio, que retribuí através da palestra
“Representatividade Queer na escola”. Dessa forma, os/as convidados/as, o sociólogo e
professor Alderico Segundo87, o professor Ms. e advogado Thiago Viana88 e a turismóloga
Júlia Naomí89, importantes ativistas das lutas LGBT+ no Maranhão, compartilharam suas
narrativas, seus lugares de fala e demais interseccionalidades que atravessam as experiências
de gênero, sexualidade, queer, étnico-raciais, dentre outras (figura 17).

87
Mestrando em Educação – Universidade do Estado do Maranhão – UEMA, especialista em Gênero e
Diversidade na escola – UFMA e ativista das discussões LGBT+.
88
Especialista em Direito da Diversidade Sexual e de Gênero e prof. Ms. da Universidade de Ensino Superior
Dom Bosco e ativista dos direitos das minorias, sobretudo LGBT+. Advogado que representou o Grupo
Gayvota no julgamento e defendeu a pauta pela criminalização da LGBTfobia no Supremo Tribunal Federal
em junho de 2019.
89
Formada em Hotelaria – Universidade Federal do Maranhão – UFMA e Designer de interiores – Centro
Universitário do Maranhão. Além de ativista dos direitos das pessoas transgêneras.
183

Figura 17 – disseminando afetividade cor de rosa na escola

Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.

O pátio já estava lotado, olhares atentos e dispostos a escutar aqueles “corpos abjetos”,
que agora transitavam por aquele espaço. Ao finalizar o compartilhamento dos processos que
construímos nas duas turmas para os/as demais alunos/as da escola, exibi o clipe da música
Indestrutível da Pabllo Vittar. Entre cenas que retravavam a descoberta da sexualidade de um
adolescente e a agressão física sofrida na escola, o personagem descobria a homofobia na
pele.
A música estava no refrão e um coro, baixo, um pouco tímido, foi ecoando no pátio
composto pelas vozes daqueles/as adolescentes, cantando “[...] tudo vai ficar bem e as minhas
lágrimas vão secar, tudo vai ficar bem e essas feridas vão se curar... Se recebo dor, te devolvo
amor [...] E quanto mais dor recebo, mais percebo que sou... Indestrutível” (VITTAR, 2017).
Aplausos e gritos também ecoaram naquele pátio!!!
184

Por fim, acredito que construímos momentos que podem (ou não) ressoar na vida
dos/as estudantes que criaram comigo, artisticamente, em sala de aula. Contudo, espero que
ao menos estes afetos deixem vestígios em cada aluno e aluna, para que possam, quem sabe,
refletir sobre a vida, o teatro na escola, a pluralidade LGBT+ e as coerções discursivas da
(hetero)normatividade através das instituições sociais, as quais aprisionam e segregam os
nossos corpos queer.
Conforme, por exemplo, compartilhou o aluno “Carinha” ao se aproximar da matéria
teatral no processo criativo, quando começou a pensar no sentido da alteridade, ao se colocar
no lugar do/a outro/a na ficção. Assim, ao estudar o teatro em sala de aula, se aproximou
também dos estudos queer e com base na reflexão sobre si, oportunizada nos momentos de
escrita do diário, refletiu também acerca das relações de saber-poder, as quais estão
enraizadas na sociedade (hetero) normativa e nas relações na família, na escola e demais
espaços sociais. Neste exercício de escrita sobre si, também lançou olhares para o/a outro/a,
com afetividade e empatia para partilhar seus atravessamentos, paralelamente às experiências
dos episódios do processo:
185

Quadro 16 – Cartas para A.G

Carta para A.G. ou


Os afetos que ficaram em mim

Bom o primeiro dia que o professor falou que nós iriamos fazer teatro
eu confesso que eu não gostei muito porque querendo ou não a
sociedade tem esse preconceito que quem faz teatro e so mulher e os
homens que fazem são homossexuais a sociedade nos põem um modelo
e as pessoas que não segue esse modelo ou melhor o “normal”, a
sociedade já não o aceita porque ele não está adequado para a
sociedade, e até mesmo nossa própria família pensa isso, então eu
fiquei um pouco com o pé atraz mais depois que veio o primeiro
episódio e nós começamos a interpretar foi tudo mágico por que alguns
tem talento para essa arte. E veio o segundo foi melhor ainda porque
nós já estava mais solto já tinha perdido um pouco do preconceito com
o teatro e ele aproximou algumas pessoas e eu gostei muito disso e veio
o terceiro que veio o namorado de A.G. e a amiga de A.G. também e
isso uma surpresa porque niguem pensava que iria entra pessoas novas
no meio do episódio e foi surpreendente o modo que eles atuavam como
se aquilo fosse de verdade como se fosse real, mas infelizmente é a
realidade de alguns e dos próprios que sofreram com o preconceito
todos os dias as pessoas olhando de modo estranho e deve ser muito
ruim viver ou melhor ser gay em uma sociedade extremamente
preconceituosa e chega até ser homofobica e muito triste que as
pessoas que não escolheram seguir as normas da sociedade sofrem
muito ou que não tem o modelo que a sociedade põem e muitas pessoas
morrem por não ter ou não seguir o “normal” da sociedade [...] isso
nos ensinou a não julgar niguem pela suas escolhas porque a vida é
dele e as escolhas são deles e ninguém deve julgar ou desrespeitar por
que todos nós merecemos respeito e dignidade e isso não importa, quem
a pessoa é ou a sexualidade dela. “#todosmerecemosrespeito”
(Escritos de “Carinha”, em diário de bordo).

São Luís - MA, 26 de março de 2019.

Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.


186
187

5 UM OLHAR PARA TRÁS… (OU COMO CONSTRUIR NOVAS REDES DE


AFETOS EM TEMPOS TENEBROSOS)

Florianópolis - SC, 25 de setembro de 2019.

Ao olhar para trás, recordo-me da minha trajetória no mestrado e das experiências que
me atravessaram durante este caminhar, ao passo que tento vislumbrar o futuro (incerto).
Ainda nesta olhadela ao passado, no atual desmonte da educação pública, compreendo a
importância da escola e Universidade públicas como espaços de resistência e empoderamento
para o meu corpo qualira. Assim, ao escrever estes últimos parágrafos diante do atual
contexto que aflige a pedagogia do teatro na escola, tento refletir acerca de quais caminhos
podemos seguir para construir redes de afetos entre a arte, a Universidade e a escola, bem
como entre os/as professores/as-artistas, alunos/as e todos/as que queiram dar às mãos e
resistir nestes tempos tenebrosos no Brasil.
Dessa maneira, escrevo estas últimas palavras em um momento no qual as notícias de
censuras e silenciamentos a respeito das narrativas LGBT+ na educação e na arte são tão
evidentes (apesar que há resistência!), a saber: “o presidente da República ‘pede’ ao
Ministério da Educação – MEC um projeto de lei para proibir o termo ‘ideologia de gênero’
no ensino fundamental”, “O presidente Jair Bolsonaro ‘veta’ filmes com temáticas LGBT+ na
Agência Nacional de Cinema – ANCINE”, “Deputados de SC pressionam governador para
retirar o termo ‘identidade de gênero’ de currículo base da educação”, “Governador de São
Paulo determina apreensão de apostila com ‘identidade de gênero’ em escolas” e “Prefeito do
Rio de Janeiro determina apreensão do livro Vingadores – a cruzada das crianças durante a
Bienal do livro por suposto ‘conteúdo’ impróprio”.
É diante deste ambiente de extremo retrocesso, instabilidade e censura que me
disponho, ao olhar para trás e relembrar as conversas, encontros e afeições construídos nessa
caminhada, para pensar em: como vamos caminhar diante desta conjuntura retrógada? Quais
redes vamos construir para resistir e seguir adiante? Quais laços afetivos devem se estreitar,
na pedagogia do teatro na escola, para fortalecer esta árdua caminhada rumo ao futuro na
educação?
Não sei se tenho respostas, todavia, proponho-me a refletir, com quem queira também
seguir nessa caminhada. Neste sentido, com base no meu retorno à escola na qual estudei e
me permitiu mediar os processos de drama compartilhados, percebo as “redes de afetos” com
um dos caminhos para seguir juntos/as desconstruindo mitos, tabus e estereótipos acerca do
188

fazer teatral atrelado aos estudos queer, assim como demonstrar a importância destes
conhecimentos no empoderamento de alunos e alunas.
Nestes percursos de acolhimentos e resistências, a escola e a Universidade públicas
devem caminhar juntas, oportunizando o acesso aos saberes que permitam a emancipação
com pluralidade de concepções artísticas e pedagógicas em detrimento das atuais narrativas
falaciosas. Pois, a academia torna-se imprescindível para desconstruir mitos e tabus em torno
do campo teórico queer na educação, como ressalta Judith Butler (2019), proporcionando
(re)existência, visibilidade e representatividade dos corpos queer em sala de aula e nos
processos artísticos na escola.
Contudo, compreendo que esta conjuntura de “caça aos/as professores/as”,
marginalização do pensamento intelectual e criminalização da potência subversiva do teatro
na escola, quando este oportuniza dar voz aos/as silenciados/as, contribuem para disseminar
“o pânico” aos/as professores/as-artistas, sobretudo àqueles/as que estão na base, em
contextos adversos no Brasil.
Por isso, construir redes de afetividade e disseminação do conhecimento dos estudos
queer, em oposição às fake news, na formação inicial e continuidade são caminhos que
oportunizam esta primeira aproximação e emancipação, haja vista que muitos/as
professores/as ainda desconhecem conceitos básicos deste campo teórico, contribuindo para
desinformação e preconceitos.
Em seguida, as parcerias entre grupos de pesquisas das universidades e professores/as-
artistas que tenham interesse em estabelecer diálogos, entre a pedagogia queer e a pedagogia
das artes cênicas, também podem ser caminhos de articulação de novas redes. Além das
articulações entre festivais, mostras e companhias com as escolas a fim de proporcionar a
fruição, bem como as discussões destes temas nas instituições educacionais, de acordo com
cada faixa na educação básica.
Ressalto ainda a importância do olhar sensível e decolonial para a atual produção
LGBT+ realizada por artistas e professores/as queer no Brasil com o propósito de conhecer,
ler, fruir, escutar e entender os lugares de fala e seus atravessamentos interseccionais em
diversos contextos brasileiros como, por exemplo, as produções das travestis Megg Rayara,
Dodi Leal e Vulcânica Pokaropa, que resistem fazendo arte e escrevendo suas subjetividades.
Além de outros/as LGBT+, no palco e na escola, de Norte a Sul, do Nordeste ao Sudeste do
Brasil que também estão (re)existindo, no entanto, não foram apontados/as aqui, mas também
estão fazendo arte, montando espétaculos, organizando festivais e palestras com visibilidade e
representatividade queer nesses tempos tenebrosos.
189

Acredito também no diálogo entre movimentos LGBT+, associações de pessoas trans


e homossexuais/lésbicas como percursos para aproximar à Universidade e a escola. Dessa
forma, tanto o movimento LGBT+, quanto os/as pesquisadores/as dos estudos queer possuem
lugares de “fala, escuta e cala” que, ao invés de segregar, podem convergir e estabelecer
parcerias juntos/as.
A partir da pesquisa, assim como em diálogo com o que ressaltou Judith Butler (2019),
o momento é de continuar resistindo, ou seja, pesquisando, estudando, publicando e
desconstruindo as falácias criadas a respeito dos estudos feminista, gênero e queer, além de
fortalecer a união dos segmentos identitários. Pois, como frisa a autora, o exercício agora
encontra-se em retornar aos conhecimentos básicos dos estudos de gênero. Isto é, explicar à
sociedade a função e importância destes estudos na escola, explanando o que fazemos e
pretendemos, sobretudo o que não fazemos e não pretendemos fazer.
Neste sentido que, o ensino do teatro na escola, em meio a este ambiente conservador,
quando distante das normas que censuram sua expressão artística, proporciona aos/as
estudantes dedicarem atenção aos estudos e a criação artística em sala de aula. Quando este
tempo/espaço é oportunizado na escola há possibilidades de aberturas às experiências de
compartilhamentos de olhares sensíveis e exercício da escuta para a pluralidade e acolhimento
dos corpos queer no âmbito escolar.
Assim, é neste contexto de fissura da escola e censura às expressões artísticas e
pluralidade do pensamento intelectual que o ensino de teatro afirma seu caráter de subversão,
transgressão e resistência para proporcionar a visibilidade e representatividade queer através
de outros lugares de fala e escuta pela via do sensível, da percepção e da partilha de
afetividades e alteridades em sala de aula.
190

“Afetividade subversiva na história em quadrinhos (HQ):


Vingadores – a cruzada das crianças”90

90
Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/crivella-manda-recolher-hq-dos-vingadores-com-beijo-gay-
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