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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA –

UDESC
CENTRO DE ARTES – CEART
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

JOSÉ FLÁVIO CARDOSO NOSÉ.


(ZECA NOSÉ)

TEATRO DE VIZINHOS: A TRANSMISSÃO DE


EXPERIÊNCIAS PARA A CRIAÇÃO DE GRUPOS DE TEATRO
COMUNITÁRIO.

FLORIANÓPOLIS – SANTA CATARINA


2014
JOSÉ FLÁVIO CARDOSO NOSÉ
(ZECA NOSÉ)

TEATRO DE VIZINHOS: A TRANSMISSÃO DE


EXPERIÊNCIAS PARA A CRIAÇÃO DE GRUPOS DE TEATRO
COMUNITÁRIO

Dissertação de
mestrado apresentada ao
Programa de Pós-
graduação em Teatro no
Centro de Artes da
Universidade do Estado
de Santa Catarina –
UDESC, como requisito
final para a obtenção do
grau de mestre.
.

Orientadora: Profa. Dra. Marcia Pompeo Nogueira

FLORIANÓPOLIS – SANTA CATARINA


2014
NOSÉ. Zeca: Teatro de Vizinhos: A transmissão de experiências para a
criação de grupos de Teatro Comunitário. Dissertação (Programa de
Pós-Graduação em Teatro – Mestrado) Universidade do Estado de Santa
Catarina.

RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo analisar a disseminação do Teatro de


Vizinhos na Argentina e em outros paìses. O Teatro de Vizinhos é uma
prática teatral comunitário, que surgiu na Argentina em 1983 com a
criação do grupo Catalinas Sur, sendo dirigido desde sua formação até
os dias atuais por Adhemar Bianchi. Em 1996, o grupo de Teatro de Rua
Los Calandracas se inspira no projeto desenvolvido pelo grupo
Catalinas Sur para formar o Circuito Cultural Barracas, coordenado por
Ricardo Talento. Adhemar Bianchi, Ricardo Talento e seus respectivos
grupos colaboram para auxiliar na formação de grupos de Teatro
Comunitário. Destas iniciativas, que se somam a outras, ao longo do
processo, surgem diversos grupos na Argentina, que fazem parte da
Rede Nacional de Teatro Comunitário, e quatro em outros paìses. Este
estudo está dedicado a analisar os objetivos e fundamentos
metodológicos destes grupos. O objetivo também inclui a identificação,
a partir da experiência argentina, de pistas para a criação de novos
grupos teatrais comunitários.

Palavras-chaves: Catalinas Sur. Circuito Cultural Barracas. Teatro


de vizinhos. Teatro Comunitário.
NOSÉ. Zeca: Teatro de Vizinhos: La transmisión de experiências para la
creación de grupos de Teatro Comunitario. Dissertação (Programa de
Pós-Graduação em Teatro – Mestrado) Universidade do Estado de Santa
Catarina.

RESUMEN

Esta tesis tiene como objetivo analizar la difusión del Teatro de Vecinos
en Argentina y en otros paìses. El teatro de vecinos es una práctica de
teatral comunitaria, que se originó en Argentina en 1983 con la creación
del grupo Catalinas Sur, siendo dirigido desde su formación hasta el dìa
de hoy por Adhermar Bianchi. En 1996, el grupo de Teatro de Calle Los
Calandracas se inspira en el proyecto desarrollado por el grupo
Catalinas Sur para formar el Circuito Cultural Barracas, coordinado
por Ricardo Talento. Adhemar Bianchi, Ricardo Talento y sus
respectivos grupos, colaboran para ayudar en la formación de grupos de
Teatro Comunitario. De estas iniciativas, que se suman a otras, durante
el proceso, surgen varios grupos de Teatro Comunitario en Argentina,
que son parte de la Rede Nacional de Teatro Comunitario, y cuatro en
otros paìses, Este estudio está dedicado a analizar los objetivos y los
fundamentos metodológicos de estos grupos. El objetivo también
incluye la identificación, a partir de la experiencia argentina, de pistas
para la creación de nuevos grupos de teatro comunitario.

Palavras-Claves: Catalinas Sur. Circuito Cultural Barracas. Teatro


de vecinos. Teatro Comunitari
NOSÉ, Zeca. Theatre Neighbors: The transmission of experiences for
the creation of groups of Community Theatre. Master (Graduate
Program in Theatre - Master) University of the State of Santa Catarina.

ABSTRAT

This thesis aims to analyze the spread of the Neighbouring Theatre in


Argentina and other countries. The Neighbouring Theatre is a
community theatre which originated in Argentina in 1983 with the
creation of the Catalinas Sur group being led from its formation to the
present day by Adhermar Bianchi. In 1996 , the group Street Theatre
The calandracas is inspired by a project developed by the Catalinas Sur
group to the Circuito Cultural Barracas , coordinated by Ricardo
Talento. Adhemar Bianchi, Ricardo Talent and their respective groups,
working together to help in forming community theater groups . These
initiatives , in addition to others, in the process, several community
theater groups emerge in Argentina , which are part of the National
Network of Community Theatre , and four other countries, this study is
devoted to analyzing the objectives and methodological foundations of
these groups. The objective also includes the identification, from the
Argentina experience, clues to the creation of new community theater
groups .

Keywords: Catalinas Sur. Circuito Cultural Barracas. Neighbouring


Theatre. Community Theatre.
AGRADECIMENTOS;

Este estudo, não é resultado apenas de meu esforço, muitas


outras pessoas contribuìram para que ele se tornasse possìvel, por isto eu
agradeço a:

Marcia Pompeo Nogueira, minha orientadora, por ser a


professora dedicada e compreensìva que é. Por ter tido paciência para
que eu pudesse construir meus conhecimentos, e ter indicado caminhos
quando eu estava perdido. Por todo o carinho, respeito e amizade. Este
estudo somente foi possìvel com a sua colaboração. Obrigado!
Ao professores Tereza Franzoni, Edélcio Mostaço, André
Carreira e Marcia Pompeo Nogueira. Por todos os ensinamentos que
recebi. Obrigado!
Sandra Lima, em memória, a quem devo por ter me ajudado
assim que cheguei a Florianópolis. Obrigado Sandrinha!
Gloria Fort, grande amor e companheira, por ter estado ao meu
lado nos momentos felizes e nos de dificuldade, por sempre ter
acreditado em mim. Obrigado meu amor!
Cora Maìra e Heitor Damì, meus filhos, por todas as vezes que
eu tive que dizer – agora não! Por fazerem parte da minha vida, sem
vocês pouca coisa faria sentido. Obrigado!
Maria Augusta Pontes Cardoso, minha mãe, uma das mulheres
mais fortes que já conheci, por tudo que você me ensinou. Obrigado
mama!
Umberto Onofre dos Santos, meu “pai-traste”, por fazer parte
da minha vida há tantos anos. Valeu negão!
Tharcisio Antonio Nosé, meu pai, em memória, infelizmente
você não esteve presente fisicamente nas grandes realizações da minha
vida, mas sempre esteve presente dentro de mim. Obrigado pai!
Luis Augusto e João Mauricio, meus irmãos, amo muito vocês.
Obrigado!
Aos sobrinhos, João Vitor, Cadu, Jhonathan, Luis Gustavo e
Talita. Obrigado!
Maria Luiza Pontes Cardoso, por sorte, minha avó. Obrigado
vó!
Heitor Espinola Cardoso, meu avô, em memória, sempre foi
uma referência para mim. Obrigado Vô.
As famìlias Cardoso, Fort e Padoan, pelo apoio recebido.
Obrigado!
Aos integrantes do grupo FOFA, vocês se tornaram minha
famìlia nestes dois anos em Florianópolis. Obrigado!
Em especial, aos amigos Rodrigo Benza e Dimitre Camorlinga.
Obrigado!
A toda a turma de 2012 do mestrado. Obrigado!
Aos entrevistados, Edith Scher, Andrea Salvemini, Arantxa
Llure e Jorge Cassino. Pela contribuição a esse trabalho. Obrigado!
Monica Lacoste, Gilda Ortea e Ximena Bianchi, pelos
ensinamentos recebidos. Obrigado!
Ceccilia Ortea, pelo cuidado que teve comigo em Buenos Aires
e por sempre me chamar de compañero. Obrigado Cecci!
Adhemar Bianchi e Ricardo Talento, por serem os grandes
diretores que são, por não terem medo de ensinar aos outros, por suas
entrevistas. Muito obrigado!
A todos os vizinhos que fazem teatro. Obrigado!
Aos amigos que passaram pela minha vida, no Brasil e na
Espanha. Obrigado!
Aos amigos que tombaram no caminho, a falta de vocês fez
maior a responsabilidade dos que ficaram. Evoé!
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1PRAÇA ILHAS MALVINAS TOMADA PELOS VIZINHOS. FONTE: GRUPO CATALINAS
SUR ...................................................................................................... 14
FIGURA 2 ESPETÁCULO VENIMOS DE MUY LEJOS. FONTE: GRUPO CATALINAS SUR...... 21
FIGURA 4 GALPÃO ANTES DA OCUPAÇÃO DO GRUPO CATALINAS SUR. FONTE: GRUPO
CATALINAS SUR....................................................................................... 24
FIGURA 3 GALPÃO APÓS A OCUPAÇÃO DO GRUPO CATALINAS SUR. FONTE GRUPO
CATALINAS SUR....................................................................................... 24
FIGURA 5ESPETÁCULO EL FULGOR ARGENTINO. FONTE: GRUPO CATALINAS SUR ......... 32
FIGURA 6 GURPO LOS CALANDRACAS: FONTE GRUPO LOS CALANDRACAS .................. 44
FIGURA 7 LOS DESCONTROLADOS DE BARRACAS. FONTE: CIRCUITO CULTURAL BARRACAS
............................................................................................................ 50
FIGURA 8 FACHADA CIRCUITO CULTURAL BARRACAS. FONTE: CIRCUITO CULTURAL
BARRACAS ............................................................................................. 54
FIGURA 9 EL CASAMIENTO DE ANITA Y MIRKO. EL TEATRAL BARRACAS. FONTE: CIRCUITO
CULTURAL BARRACAS ............................................................................... 56
FIGURA 10 RICARDO TALENTO, ZECA NOSÉ E ADHEMAR BIANCHI. FONTE: ARQUIVO
PESSOAL DO AUTOR. ................................................................................ 65
FIGURA 11 LOCALIZAÇÃO DOS GRUPOS DE TEATRO COMUNITÁRIO DA ARGETNINA. FONTE:
CRIAÇÃO DO AUTOR UTILIZANDO GOOGLE MAPAS ......................................... 83
FIGURA 12ESPETÁCULO NUESTROS RECUERDOS. GRUPO PATRICIOS UNIDOS DE PIÉ.
FONTE: GRUPO PATRICIOS UNIDOS DE PIÉ ................................................. 102
FIGURA 13 EPETÁCULO LO QUE LA PESTE NOS DEJÓ. GRUPO LOS POMPAPETRIYASOS.
FONTE: GRUPO LOS POMPAPETRIYASOS .................................................... 107
FIGURA 14 TEATRO JULIO CORTAZAR. FONTE: GRUPO NUCLEO .............................. 123
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................ 1
CAPITULO 1 GRUPO CATALINAS SUR .......................... 7
1.1 LA BOCA E CATALINAS SUR ...................................... 11
1.2 FESTAS TEATRAIS. ..................................................... 13
1.2.1 Primeira fase. ........................................................ 15
1.2.1.1 Aporte coletivo .................................................... 18
1.3 GALPÃO DE CATALINAS ......................................... 23
1.3.1 Espetáculos criados na “praça fechada”. ........... 27
1.3.1.1 Bonecos em cena: uma estética da convivência.
......................................................................................... 31
1.4 FINANCIAMENTO E ORGANIZAÇÃO .................... 33
1.5 ADHEMAR BIANCHI ................................................ 36
CAPÍTULO 2 CIRCUITO CULTURAL BARRACAS ..... 41
2.1 ATORES-PALHAÇOS NO TEATRO DE VIZINHOS 41
2.1.1 Los Calandracas. .................................................. 43
2.2 MOVIMENTO DE TEATRO DE RUA NA PÓS-
DITADURA (1983-1989).................................................... 45
2.3 CIRCUITO CULTURAL BARRACAS ........................... 47
2.3.1 El Teatral Barracas. .............................................. 55
2.4 RICARDO TALENTO. ................................................. 58
2.5 ADHEMAR BIANCHI E RICARDO TALENTO: EL
FULGOR DA PARCERIA. ............................................. 62
CAPÍTULO 3 A DISSEMINAÇÃO DO TEATRO DE
VIZINHOS. ............................................................................ 67
3.1 GRUPOS DA PROVÍNCIA DE MISIONES ................67
3.2 CRISE DE 2001. ........................................................68
3.2.1 2002 - A formação de novos grupos de Teatro de
Vizinhos na cidade de Buenos Aires. ............................71
3.2.1.1 Novos entusiastas. ..............................................80
3.3 Rede Nacional de Teatro Comunitário. ...............82
3.4 O Teatro de Vizinhos fora da Argentina. ..............90
CAPÍTULO 4 FUNDAMENTOS DE TRABALHO...........95
4.1 O TEATRO NA COMUNIDADE E O TEATRO DE
VIZINHOS ..........................................................................95
4.2 OBJETIVOS DO TEATRO DE VIZINHOS. .......99
4.3 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS ...............100
4.3.1 Território. ..................................................................101
4.3.2 Memória Coletiva .............................................103
4.3.3 Identidade comunitária. ....................................109
CAPITULO 5 - DIÁLOGOS POSSÍVEIS COM O
TEATRO DE VIZINHOS PARA A CRIAÇÀO DE UM
GRUPO DE TEATRO COMUNITÁRIO. ........................ 115
5.1 ESTRATÉGIAS DE CONVOCATÓRIAS - A
MOBILIZAÇÃO DA COMUNIDADE. ....................... 115
5.1.1 Ensaios no espaço público. ................................. 117
5.1.2 O galpão como estratégia de mobilização. ........121
5.1.3 A obra teatral mobiliza. ....................................126
5.1.4 Músicas de mobilização. ...................................128
5.1.5 Festas teatrais: a mobilização pelo gastronomia.
.......................................................................................131
5.2 ORGANIZAÇÃO........................................................ 133
5.2.1 Autogestão ........................................................... 134
5.2.2 Autoconvocação ................................................ 137
5.2.3 Grupos abertos: a rotatividade dos vizinhos-
atores............................................................................. 139
5.2.4 O papel dos diretores/coordenadores. ............ 141
5.3 PROCESSOS DE CRIAÇÃO E ENCENAÇÃO. .... 147
5.3.1 Tempo de criação................................................ 147
5.3.1 Aporte coletivo e qualidade artística. ............ 149
5.3.2 A apropriação das tradições populares ................ 152
5.3.2 A música e o canto no Teatro de Vizinhos. ..... 159
5.3.3 A voz coletiva dos espetáculos. ...................... 162
5.3.4 Qualidade artística ............................................ 164
5.3.5 Teatro pelos vizinhos. ....................................... 166
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................. 169
REFERÊNCIAS .................................................................. 171
1

INTRODUÇÃO

Meu interesse em realizar este estudo surgiu da oportunidade


que tive, no ano de 2008, de participar de uma oficina ministrada por
Adhemar Bianchi e Monica Lacoste, respectivamente diretor e
cofundadora do grupo Catalinas Sur na Argentina. A oficina fez parte da
IV Trovata de Teatre y educació de Barcelona (IV Encontro de Teatro e
Educação de Barcelona), organizado pela, Forn de Teatre Pa Thoton
(Escola de Teatro do Oprimido) na cidade de Barcelona, Espanha.
O Encontro teve como tema Quan l‘esperança arriba de
Latinoamèrica… (Quando a esperança chega da América Latina). Nesta
ocasião, diversos artistas que desenvolvem práticas teatrais vinculadas a
projetos de transformação social, na América Latina e Europa, foram
convidados a transmitir suas experiências.
A oficina de Bianchi e Lacoste esteve dividida em duas fases:
uma teórica, destinada às pessoas matriculadas na oficina; e a segunda
prática, que foi realizada no bairro de Cornella, que fica distante do
centro de Barcelona. A parte prática da oficina envolveu diversas
pessoas do bairro de Cornella, que não haviam participado da primeira
fase, sendo em sua maioria, vizinhos sem experiência teatral.
Esta oficina seguiu o modelo que é aplicado por Adhemar
Bianchi e que o diretor chama de simulacro de Teatro Comunitário.
Segundo este modelo, Bianchi, estando acompanhado ou não de outras
pessoas, realiza uma simulação do que seria a organização de um
espetáculo de Teatro Comunitário. Sua proposta é construir
coletivamente uma pequena encenação através de indicações dos
participantes sobre a memória e a identidade do bairro. Bianchi já
realizou simulacros de Teatro Comunitário em diversas regiões da
Argentina e em outros paìses, como Cuba, Estados Unidos da América,
Uruguai, Espanha e Brasil.
Antes de ter a oportunidade de participar do simulacro de
Adhemar Bianchi e Monica Lacoste em Barcelona, em duas
oportunidades, mal sucedidas, havia tentado criar grupos de Teatro
Comunitário no bairro onde morava, Guaianazes, cidade de São Paulo.
2

Minha abordagem para criar um grupo de Teatro Comunitário


se restringia a conseguir pessoas interessadas em fazer teatro, ensaiar
um texto e apresentá-lo. Buscava levar cultura a uma região que
acreditava ser inculta, pois carecia de espetáculos teatrais, museus,
cinemas e todas as atividades culturais disponíveis em outras regiões da
cidade.
Minha primeira tentativa de criar um grupo de Teatro
Comunitário ocorreu no conjunto habitacional Fazenda do Carmo, local
onde eu atuava dentro do programa Escola da Família, desenvolvida
pelo Governo do Estado de São Paulo, para buscar promover opções de
lazer para os moradores das periferias aos finais de semana, e para isto,
mantinha as escolas estaduais abertas.
Para mobilizar os moradores, colei cartazes pela escola e, desta
maneira, consegui quatro participantes. Fomos para dentro de uma sala
de aula e escolhi o texto Piquenique no Front, de Fernando Arrabal, pois
poderia ser encenado com meus quatro alunos, e também porque eu
gostava do texto.
Foram cinco meses de trabalho, mas nunca apresentamos.
Mantivemo-nos dentro da sala, buscando fazer uma peça que nada dizia
sobre nosso bairro. Não buscamos incorporar novos integrantes, éramos
um grupo fechado, e o diretor/professor possuía pouquíssimos
conhecimentos teatrais.
Minha segunda tentativa frustrada ocorreu também dentro do
programa Escola da Família, mas em outra escola, Fadlo Haidar, que
atende aos moradores do Conjunto Habitacional José Bonifácio,
conhecida popularmente como COHAB II, que também faz parte da
macrorregião de Guaianazes.
Semelhante à minha primeira tentativa, a mobilização foi feita
através de cartazes, houve poucos jovens interessados, nossa tentativa
era de montar um texto (neste caso, Édipo Rei, de Sófocles), e os
ensaios aconteceram em uma sala fechada. Novamente não tivemos
nenhum resultado.
Alguns questionamentos surgiram destas experiências: por que
as pessoas não gostavam de teatro em Guaianazes? Por que eu não tinha
alunos dispostos a fazer teatro em meu bairro?
Através das informações que recebi de Adhemar Bianchi e
Monica Lacoste, durante a oficina, é que conheci o grupo Catalinas Sur.
Neste momento tive a impressão de que estes ensinamento poderiam
3

auxiliar na formação de grupos de Teatro Comunitário. Desde então, foi


crescente meu interesse em me aprofundar nas técnicas utilizadas pelo
grupo. A oportunidade surgiu no ano de 2012, quando ingressei na
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), no Programa de
Pós-graduação em Teatro (PPGT), sobre a orientação da professora Dra.
Marcia Pompeo Nogueira.
Inicialmente minha pesquisa tinha por objetivo analisar as
técnicas utilizadas pelo grupo Catalinas Sur, com as quais havia tido
contato em Barcelona. Mas, no seu transcorrer, este objetivo foi se
modificando. Isto ocorreu por ter encontrado um grande movimento
teatral, do qual o grupo Catalinas Sur é o pioneiro, e que atualmente
envolve 51 grupos na Argentina, organizados através da Rede Nacional
de Teatro Cominitário, e quatro em outros paìses, sendo dois na
Espanha, um na Itália e um no Uruguai.
Ao constatar que muitos grupos tinham se formado, e que estes,
de formas diversas, haviam se inspirado nas experiências do grupo
pioneiro, minha pesquisa se tornou uma investigação sobre a
disseminação desta prática teatral.
Para compreender tal disseminação, tornou-se necessário
conhecer, além das experiências do grupo Catalinas Sur, as práticas do
segundo projeto a se formar, o Circuito Cultural Barracas. Uma vez que
seu coordenador, Ricardo Talento, realizou junto com Adhemar Bianchi
diversos projetos que tinham por objetivo auxiliar a formação de grupos
de Teatro Comunitário, tendo os diretores se auto intitulado,
entusiasmadores do Teatro Comunitário.
Mantendo sua atenção voltada para aspectos que possam ser
considerados como comuns aos grupos estudados, esta pesquisa busca
responder a algumas perguntas: existem técnicas comuns utilizadas
pelos grupos pioneiros? Que princìpios as fundamentam? Como a
prática do teatro de vizinhos se estrutura? Com que finalidade?
Com base num entendimento mais profundo sobre o trabalho
destes dois entusiasmadores do Teatro Comunitário, esta pesquisa busca
identificar como se dá a transmissão de conhecimentos e como se
desenvolve a motivação pra a criação de novos grupos.
Complementarmente, esta investigação busca identificar
elementos do Teatro de Vizinhos que possam subsidear pessoas que
como eu buscam desenvolver uma prática teatral na comunidade.
A dissertação está dividida em cinco capìtulos, os dois
4

primeiros estão dedicados ao grupo Catalinas Sur e ao Circuito Cultural


Barracas respectivamente. Cada capìtulo busca descrever o processo de
formação dos grupos e as diferentes experiências que foram geradas por
seus integrantes. Também são abordados aspectos comuns aos dois
projetos e a parceria empreendida entre Adhemar Bianchi e Ricardo
Talento.
O terceiro capìtulo aponta alguns percursos utilizados na
disseminação desta prática teatral comunitária, que resultou na formação
da Rede Nacional de Teatro Comunitário. Também inclui elementos dos
grupos de Teatro de Vizinhos fora da Argentina.
Estes primeiros capìtulos são analisadas tendo em vista
momentos importantes da recente história da Argentina. A ditadura
militar (1976 -1983) é situada tendo em vista a importância da
resistência a ela, por parte do grupo Catalinas Sur. O perìodo de
implementação das polìticas neoliberais e a subsequente crise
econômica e social que se desenvolveu ao final do ano de 2001, também
são apresentados em função da reação que causaram em termos da
necessidade de articulação das pessoas, o que motivou o surgimento de
muitos grupos de teatro de vizinhos. São contextos polìticos que são
apresentados de forma breve, porque seu detalhamento fugiria do foco
deste trabalho.
No quarto capìtulo busco identificar alguns fundamentos que
norteiam as práticas teatrais dos grupos envolvidos. Três aspectos são
desenvolvidos: questòes de nomenclatura e identificação de
antecedentes do Teatro de Vizinhos; questões ligadas aos objetivos do
trabalho; e os fundamentos metodológicos do Teatro Comunitário
Argentino, com especial destaque em relação à territorialidade, à
memória e à identidade cultural.
O quinto e último capìtulo procura apontar alguns indicadores
para aqueles que querem desenvolver uma prática teatral comunitária, a
partir de metodologias de trabalho que são comuns a muitos dos grupos
envolvidos. As propostas envolvem três áreas: formas de aproximação
com a comunidade, o formas de convocatória, seguindo terminologia
utilizada pelos grupo; aspectos da organização dos grupos; e elementos
do processo criativo e da encenação das peças criadas.
Um dos aspectos mais desafiadores enfrentados para
desenvolver este estudo foi a distância entre pesquisador e pesquisados.
Foi especialmente difìcil conhecer a cultura argentina, mergulhar na
5

história recente do paìs e trabalhar a partir das heranças teatrais dos


grupos pioneiros. Esta dificuldade foi enfrentada a partir de material que
tive acesso na internet, por livros que pude ler e pela pesquisa de
campo, realizada entre os dias 22 de fevereiro e 03 de março de 2013, na
cidade de Buenos Aires. Nesta visita tive acesso a outros livros sobre o
movimento de Teatro Comunitário analisado e pude entrevistar os
diretores dos grupo pioneiros, Adhemar Bianchi e Ricardo Talento,
além de entrevistar diretores de dois outros grupos Edith Scher, do
grupo Matemurga e Andrea Salvemini, do grupo 3,80 y Cresce. Também
pude assistir ensaios realizados pelo grupo Catalinas Sur e pelo Circuito
Cultural Barracas, e presenciar um encontro entre os integrantes do
grupo Los Dados da Rocha, da cidade de La Plata, com os diretores
Adhemar Bianchi e Ricardo Talento.
Outros encontros presenciais com Adhemar Bianchi
aconteceram durante o II Seminário Internacionall de Teatro
Comunitário, que aconteceu de 14 a 17/08/2013; e no 5° Encontro
Comunitário de Teatro Jovem da Cidade Tiradentes, de 7 a 15/09/2013,
que aconteceu em conjunto com Reuniões da Rede Latinoamericana de
Teatro em Comunidade. Neste eventos, que contaram com a presença de
Adhemar Bianchi, Andrea Salvemini e Gilda Ortea e Ximena Bianchi, e
discutiram em profundidade a prática teatral comunitária dos dois lados
do atlântico também contribuìram para a fundamentação desta
dissertação.
Pela internet, foram realizadas entrevistas com dois diretores de
grupos que estão na Espanha, Jorge Casino, do grupo madrilenho do
bairro de Tetuán e Arantxa Llure, do grupo Aullidos de Otxar, de Bilbao.
Todas as citações em outros idiomas estão traduzidas, e postas
na nota de rodapé no idioma de origem. Estas traduções foram
realizadas por mim, com o auxilio de Rodrigo Benza, para as traduções
em Espanhol, e de Gloria Fort, para as traduções em Italiano. A exceção
é feita para as músicas e diálogos de peças teatrais, que são mantidos em
seus idiomas originais.
A motivação para realizar este estudo surge de um interesse
pessoal, de poder me apropriar das técnicas utilizadas pelos grupos aqui
analisados, de forma a me capacitar para práticas futuras. De forma
complementar, espero que esta pesquisa possa contribuir para o
desenvolvimento de outras práticas e municiar pessoas que, como eu,
tenham como objetivo desenvolver projetos teatrais comunitários.
6
7

CAPITULO 1 GRUPO CATALINAS SUR

No ano de 2013, o grupo Catalinas Sur completou 30 anos de


atividade artìstica e comunitária. Desde sua formação, em 1983, os
vizinhos dos bairros de La Boca del Riachuelo e Catalinas Sur, na
cidade de Buenos Aires – Argentina - desenvolvem espetáculos teatrais,
dos quais participam pessoas de todas as idades, classes sociais, com ou
sem experiência teatral.
O grupo foi formado no último ano da Ditadura Militar
argentina,1 com o objetivo de restaurar laços comunitários rompidos
pelos anos de exceção. O golpe militar de 1976 destituiu a presidenta
Isabel Perón,2 dissolveu o poder legislativo, os sindicatos e perseguiu as
organizações sociais que lutavam por direitos sociais. A Argentina
passou a ser governada por uma junta militar, composta pelos
comandantes das três forças armadas, exército, marinha e aeronáutica,
sendo a presidência do paìs exercida pelo comandante do exército. Foi
instituìda como polìtica de estado o exterminio fisico de opositores, sem
direito a defesa. O sequestro, desaparecimento, tortura e assassinato de
opositores passaram a ser praticados de forma sistemática e com o apoio
do governo central (CONADEP, 1984).
O estado terrorista instituido pela ditadura militar foi
responsável pelo assassinato de milhares de pessoas. As estimativas
variam: a CONADEP (Comisión Nacional sobre la Desaparición de
Personas) contabiliza 8.960 desaparecidos dos quais não se tem
informação e 1300 pessoas que foram vistas em Centros Clandestinos de
Detenção e depois desapareceram; as Mães da Praça de Maio3 afirmam

1
Aqui nos referimos à ditadura militar instaurada em 1976.
2
Isabel Perón presidiu a Argentina de 1974 à 1976, tendo substituido
Juan Domingos Perón, após seu falecimento, de quem era esposa e vice-
presidente. O casal Perón foram os lìderes de um importante movimento
polìtico da Argentina conhecido como peronìsmo.
3
Mães das praças de Maio, no original: Madres de La Plaza de Mayo é
como ficaram conhecidas as mulheres que passaram a se reunir na Praça
de Mayo, onde fica a Casa Rosada, sede do governo Argentino, em
busca de seus familiares desaparecidos durante a ditadura de 1976-1983
8

que foram cerca de 30.000 os assassinatos. Outras estimativas apontam


o desaparecimento de 15.000 (SCIPIONI, 2004).
Outra barbárie cometida neste perìodo foi o sequestro dos filhos
de pessoas consideradas insurgentes. Segundo Jelin (2007),
aproximadamente 500 crianças foram tiradas de suas famìlias e
entregues, com nova identidade, para militares ou pessoas ligadas ao
governo militar.
Foi neste contexto, que de 1976 a 1982, o Brigadeiro Osvaldo
Cacciatore governou a cidade de Buenos Aires, como intendente
nomeado pelo governo militar. O governo de Cacciatore ficou conhecido
principalmente pela implementação de um projeto de reorganização
urbana em Buenos Aires, buscando transformá-la em uma cidade com
grande qualidade de vida para as pessoas que “mereciam viver nela”
(GUILLERME DEL CIOPPO apud COSACOV et tal, 2012, p. 75), .
Para isto foram tomadas medidas que visavam o afastamento das
indústrias da capital, o aumento das áreas verdes e a retirada de milhares
de pessoas que residiam nas villas miserias, o que para Cosacov (2012),
representou a tentativa de construir uma cidade da elite branca. Sobre
esta retirada massiva de pessoas pobres de partes da cidade, comentou o
então secretário da Comision Municipal de la Vivenda, Guillermo del
Cioppo.
Há de se definir uma polìtica de qualidade para os
habitantes […] nestes últimos anos temos visto
integrar-se a nossa geografia uma população
marginal da qual eu lhe falava, com baixa
qualificação para o trabalho. Nós pretendemos
que viva na nossa cidade apenas quem seja
preparado culturalmente para viver nela […]
Concretamente: Viver em Buenos Aires não é
para qualquer um, mas para quem mereça, para
quem aceite as condições de uma vida
comunitária (GUILLERME DEL CIOPPO apud
CASACOV et. tal, 2012, p. 75).4

(DI MARCO, 2006).


4
No original: Hay que definir una política de calidad para los habitantes
[...] en estos últimos años hemos visto integrarse a nuestra geografía a
esa población marginal de que le hablaba, de muy bajo nivel laboral.
Nosotros solamente pretendemos que vivan en nuestra ciudad quienes
9

A copa do mundo de 1978, realizada na Argentina, também foi


utilizada como justificativa para a remoção das villas misérias, pois
estas expunham aos visitantes aspectos negativos da situação social do
paìs. A destruição de tais vilas e o processo de elitização da cidade
empreendido pelo intendente Cacciatore, somente foi possìvel devido ao
silêncio imposto pela Ditadura Militar a grande parte da população
argentina (CASACOV et. tal, 2012).
Durante o governo de Osvaldo Cacciatore, a associação de pais
da escola Carlos Della Penna, que atende aos bairros de Catalinas Sur e
La Boca del Riachuelo, foi impedida de seguir com suas atividades no
interior da escola, pois o governo militar impedia organizações
populares autogeridas. (BIANCHI, 2005a).
Mesmo assim, a associação não aceitou se dissolver, e seguiu se
reunindo fora do âmbito escolar, como conta Cristina Pavarano,
fundadora do grupo:
Fazendo […] exposições de pintores da zona,
projeções de filmes, até que em 1982, com os
primeiros indicativos de democracia começamos a
fazer oficinas, entre elas, uma das oficina foi a de
teatro (CRISTINA PAVARANO apud MAYO,
2006. p. 85-86).5

No ano de 1983, a professora da oficina de teatro destinada aos


membros da associação se disse impedida de continuar ministrando as
aulas. Foi então que Monica Lacoste, uruguaia e membro da associação,
sugeriu que se convidasse para assumir as aulas, seu compatriota,
Adhemar Bianchi, que desde os anos 70 havia imigrado para a Argentina

están preparados culturalmente para vivir en ella [...]. Concretamente:


vivir en Buenos Aires no es para cualquiera sino para el que la merezca,
para el que acepte las pautas de una vida comunitaria (CASACOV et.
tal, 2012, p. 75).
5
No original: haciendo [...], exposiciones de pintores de la zona,
proyección de películas, hasta que, cuando en 1982 empezaron a
aparecer los primeros atisbos de democracia hicimos talleres y entre
ellos, un taller de teatro (CRISTINA PAVARANO apud MAYO, 2006. p.
85-86);
10

e que tinha as filhas estudando na escola Carlos Della Penna (SCHER,


2010a).
Bianchi não quis assumir a oficina, mas em troca propôs que se
organizasse um espetáculo para ser ensaiado e apresentado na praça
(BIANCHI, 2010). Desta maneira, foi formado o grupo de teatro
Catalinas Sur, que em princìpio se chamou Grupo de Teatro Al Aire
Libre Catalinas Sur e que elegeu a praça Ilhas Malvinas como sede de
seus encontros.
Adhemar Bianchi comenta sobre a formação do grupo
Catalinas Sur neste perìodo: “Quando começamos a nos juntar ainda
estávamos na ditadura. Não havia terminado, mesmo estando debilitada
por causa da guerra das Malvinas. De fato, não havia sido suspenso o
estado de sitio” (BIANCHI apud SCHER, 2010, p.135).6
A ditadura militar estava enfraquecida em 1983, principalmente
pela derrota sofrida pelos argentinos para a Inglaterra na guerra das
Malvinas, que vitimou 746 argentinos e 265 ingleses (RAZOUX, 2002,
p.20) e por uma grave crise financeira que o paìs enfrentava, resultado
da grande soma de empréstimos internacionais que o governo totalitário
adotou para financiar seu projeto desenvolvimentista (ROSENBER,
2009).
Mesmo tendo iniciado suas atividades no último ano da
Ditadura Militar, que chamou eleições democráticas para dezembro de
1983, ao ocupar a praça do bairro, os vizinhos sofreram acosso das
autoridades militares, segundo Adhemar Bianchi, um helicóptero
sobrevoou a praça e policiais foram perguntar:
E isto, o que é? – Isto, não é nada, é que estamos
fazendo uma festa do bairro – Imagine um sujeito
vestido de século de ouro espanhol, várias pessoas
na praça fantasiadas, (ri) não podìamos estar ali,
mas, que queriam! Não podiam levar oitocentas
pessoas da praça (BIANCHI, 2011)!7

6
No original: Cuando comenzamos a juntarnos estábamos todavia en la
ditadura. No había terminado, aunque ya estaba debilitada por la
guerra de Malvinas. De hecho, no se había levantado aún el estado de
sitio (BIANCHI apud SCHER, 2010, p.135).
7
No original: ¿y esto qué es? - Este, no, que estamos en una fiesta del
barrio - imaginate un tipo vestido de siglo de oro español, un montón de
11

1.1 LA BOCA E CATALINAS SUR

Para Bidegain (2007a), não foi por acaso que o Teatro de


Vizinhos surgiu entre os moradores de La Boca e Catalinas Sur, pois
suas tradições sempre estiveram voltadas para a convivência
comunitária e para a atividade artìstica.
O bairro Catalinas Sur é composto, em grande parte, por blocos
de edifìcios, entre os quais não transitam carros. Ele foi construìdo
durante os anos 60, através de um projeto desenvolvido pela prefeitura
de Buenos Aires, que visava a construção de moradias para a classe
média. Catalinas Sur é conhecido como micro bairro, pois está
localizado no interior do bairro portuário de La Boca del Riachuelo.

Nascemos em um bairro que por sua arquitetura


desenvolve uma tendência ao comunitário, já que
urbanisticamente está planejado para seu interior
[...] A sabedoria arquitetônica que tem é a de
reproduzir esse espaço com praças e espaços
centrais e uma forma de circulação que inter-
relaciona, que por sua edificação traz uma
tendência para o comunitário (BIANCHI, 2005a).8

Ações comunitárias foram desenvolvidas pelos vizinhos de

tipos en la plaza disfrazados, (rìe) no podíamos estar ahí, pero ¡que


querés! ¡no se podían llevar a ochocientas personas de la plaza
(BIANCHI, 2011)!
8
No original: Nascimos en un barrio que por su edificación tiene una
tendencia a lo comunitario, ya que urbanísticamente está planteado
hacia adentro […] La sabiduría arquitectónica que tiene es la de
reproducir ese espacio con plazas y espacios centrales y una forma de
circulación que interrelaciona que por su edificación tiene una
tendencia a lo comunitario (BIANCHI, 2005a).
12

Catalinas desde os primeiros anos de criação do micro bairro, pois a


promessa de moradias cercadas de jardins e praças, descritas por
Bianchi, não foi completamente cumprida pela prefeitura, por isto,
foram os vizinhos que se organizaram e terminaram a construção de
muitos dos passeios, jardins e praças que compõem a arquitetura do
bairro de Catalinas Sur, que oficialmente chama Alfredo Palacios
(CATALINAS SUR).9
O bairro de La Boca del Riachuelo, foi formado ao final do séc
ulo XIX como um bairro portuário, pois está localizado ao lado do rio
Riachuelo. Desde sua constituição como bairro, começou a ter como
moradores um grande número de imigrantes e sua economia esteve
voltada em grande parte, para atividades portuárias (HERZER et tal,
2008).
Tornou-se caracterìstico do bairro de La Boca, um modelo de
submoradias conhecido como conventillo, casarões que foram adaptados
para que pudessem abrigar várias famìlias de imigrantes, cada uma
ocupando um dos quartos do casarão e compartindo as instalações
sanitárias, os pátios internos e os quintais com as outras famìlias
(HERZER et tal, 2012). Um conventillo é similar ao que no Brasil
conhecemos como cortiço.
Dentro dos conventillos os imigrantes desenvolviam uma
intensa convivência comunitária (mesmo que forçada), tornando-se esta
uma caracterìstica entre os moradores de La Boca.
Diversos acontecimentos marcaram a história do bairro, por
exemplo, foram seus moradores que elegeram o primeiro deputado
socialista da América Latina, Alfredo Palacios, isto no ano de 1904
(HEREDIA, 2013). A eleição do primeiro deputado socialista seria
homenageada posteriormente, com a escolha do nome do deputado para
denominar o micro bairro de Catalinas Sur, que oficialmente se chama
Alfredo Palacios. Ali também se formou o primeiro grupo de bombeiros
voluntários da Argentina, os bombeiros voluntários de La Boca.
Muitos artistas escolheram o bairro de La Boca del Riachuelo

Disponìvel em:
http://www.catalinasur.com.ar/index.php?option=com_content&view=ar
ticle&id=15&Itemid=9&lang=es acessado em 07/11/2013.
13

para viver. Provavelmente, o mais conhecido destes tenha sido Benito


Quinquela Martin, pintor que realizou diversas obras retratando o bairro
portuário no qual vivia (DI MARIA; PÓRFIDO, 2004).
O bairro também se tornaria conhecido por ter entre seus
moradores diversos bonequeiros, que recém-chegados da Europa,
fixaram ali residência. Entre estes, destacam-se Vito Cantone, Vittorio
Podrecca e o casal Carlina Ligotti e Sebastián Terranova. Estes artistas
influenciaram toda uma geração de bonequeiros, durante o século XX na
Argentina, como aponta Javier Villafañe, ao dizer que “Estes velhos
bonequeiros de La Boca se converteram em grandes amigos meus. Os
visitava, e fui testemunha de como, igual a seus avós e pais,
envelheceram e morreram ao lado de suas marionetes” (MARIA,
2011).10
A convivência comunitária que se tornou uma caracterìstica em
La Boca e Catalinas, foi dificultada durante o governo militar, mas com
os primeiros indìcios de democracia, foi reconstruìda, em parte, através
da atuação do grupo de teatro Al Aire Libre Catalinas Sur.

1.2 FESTAS TEATRAIS.

Antes de estrear seu primeiro espetáculo, o grupo Catalinas Sur


organizou choriceadas11 e festas comunitárias na Praça Ilhas Malvinas,
animando ambas com jogos teatrais realizados por seus integrantes.
Estas festas foram batizadas como festas teatrais e além de mobilizarem
aos vizinhos para que estes retomassem o espaço público comunitário,
trouxeram novos integrantes ao grupo.

10
No original: Estos viejos titiriteros de La Boca se convirtieron en grandes
amigos míos. Los frecuentaba, y fui testigo de cómo, al igual que sus
abuelos y padres, envejecieron y murieron al lado de sus marionetas
(MARIA, 2011).
11
Choriceada é um tradicional churrasco argentino de pão com linguiça,
sendo que o lanche feito em uma choriceada é conhecido como
Choripán..
14

Figura 1Praça Ilhas Malvinas tomada pelos vizinhos. Fonte: Grupo


Catalinas Sur

O grupo que era composto inicialmente por aproximadamente


30 pessoas, quase todas vinculadas à associação de pais, em seu
primeiro espetáculo, Los Comediantes, incorporou novos integrantes a
partir das festas teatrais, pois participaram da obra aproximadamente 90
vizinhos (SCHER, 2010a).
Além das festas teatrais organizadas em suas primeiras ações, o
grupo Catalinas Sur anima, desde 1986 a festa de ano novo que se
celebra na praça Ilhas Malvinas, “que inclui a queima de um boneco que
se converte no centro da reunião dos vizinhos autoconvocados, para
encontrar-se para um abraço” (BIANCHI, 2005, p. 36).12
Foi através da festa e da gastronomia, da busca para reconstruir
relações sociais, e da ocupação do espaço público, que o grupo
conseguiu fomentar a participação dos vizinhos, deixando de ser um
grupo de teatro formado por membros da associação de pais da escola
Carlos Della Penna para se tornar um grupo de Teatro Comunitário
vinculado com o bairro de La Boca de Riachuello e ao complexo de
edifìcios Catalinas Sur.

12
No original: que incluye la quema de un muñeco que se convierte en el
centro de reunión de los vecinos autoconvocados para encontrarse en
un abrazo (BIANCHI, 2005, p. 36).
15

1.2.1 Primeira fase.

Os quatro primeiros espetáculos do grupo Catalinas Sur, foram


criados a partir de textos teatrais que seus integrantes consideravam
como pertencentes ao teatro popular. Sendo que Los Comediantes
(1983), El Herreiro y la Muerte (1985) e Entre gallos y Medianoche
(1989), respectivamente primeira, segunda e quarta montagem do grupo
foram escritos por Jorge Curi e Mercedes Rein, que se inspiraram no
Século de Ouro Espanhol13 para criar os textos. Já o terceiro espetáculo,
Pesadillas de una Noche en el Convetillo (1987), era uma livre
adaptação de Sonhos de Uma Noite de Verão de William Shakespeare,
que remetia ao teatro Elisabetano14. Todas estas montagens podem ser
consideradas como pertencentes a uma primeira fase do grupo em
relação ao uso da dramaturgia e marcam sua vinculação com o que
consideram movimentos de teatro popular.
Para Adhemar Bianchi, o teatro Elisabetano e do Século de
Ouro Espanhol foram movimentos pertencentes ao teatro popular, pois:

Este tipo de teatro também nasceu nas praças e


recrutou seus elencos entre as camadas populares.
Utilizou sua força para falar e dar testemunho da
história de seu tempo, mostrando em obras como
“Fuente Ovejuna” de Lope de Vega, a luta das
pessoas do povo contra os nobres opressores
(BIANCHI, 2005, p. 36).15

13
Século de ouro espanhol foi como ficou conhecido o perìodo que se
desenvolveu na Espanha entre os séculos XVI-XVII. No teatro, os
principais autores são Lope de Vega e Calderón de la Barca (VAREY,
1987).
14
O teatro Elisabetano possuì este nome pois se desenvolveu durante o
reinado de Elizabeth I (Século XVI e XVII), o dramaturgo mais
conhecido do perìodo é William Shakespeare (SILVA, 2013)
15
No original: este tipo de teatro también nació en las plazas y reclutó a
16

Los Comediantes, primeiro espetáculo do grupo Catalinas Sur,


retratava, entre outras coisas, a censura que o Rei Fernando impunha na
Espanha aos cômicos de la légua16 “que proibia que nas obras se
tocassem temas religiosos, se dançasse determinado tipo de dança ou
que atuassem as mulheres” (BIANCHI apud SCHER, 2010 p. 136).17
Segundo Adhemar Bianchi, ao tratar da censura imposta pelo Rei
Fernando no século XIX, o grupo Catalinas Sur realizava uma
referência à censura que o governo impôs à Argentina durante a
Ditadura Militar (BIANCHI, apud SCHER, 2010).
Em El Herrero y La Muerte, o grupo Catalinas Sur encena uma
lenda, que segundo Scher (2010), está presente em diversas culturas, na
qual um homem do povo consegue enganar a morte: “Foi um espetáculo
muito bonito – assegura Adhemar. O tema do homem que vence a
morte, levado ao teatro justamente naquele momento histórico do paìs
era muito forte” (BIANCHI apud SCHER 2010 p. 136).18
Sendo assim, os dois primeiros espetáculos do grupo Catalinas
Sur faziam referências indiretas (ou diretas) ao perìodo que se encerrava
na Argentina, com o enfraquecimento e posterior término da Ditadura

sus elencos entre las clases populares. Utilizó su fuerza para hablar y
dar testimonio de la historia de su tiempo, mostrando en obras como
―Fuente Ovejuna‖, de Lope de Vega, la lucha de la gente del pueblo
contra los nobles opresores (BIANCHI, 2005, p. 36).
16
A expressão cómicos de la legua faz referencia ao Século de Ouro
Espanhol, onde os cômicos ambulantes eram impedidos de se instalarem
dentro das cidades as quais iriam se apresentar, por isto, eles
acampavam a uma légua da cidade, ficando conhecidos como cómicos
de la legua.
17
No original: prohibía que en las obras se tocaran temas religiosos, se
bailara determinado tipo de bailes o actuaran en ellas las mujeres
(BIANCHI apud SCHER, 2010 p. 136).
18
No original: Fue un espectáculo muy lindo – asegura Adhemar. El
tema del hombre que vence a la muerte, llevado al teatro justamente en
aquel momento histórico del país era muy fuerte (BIANCHI apud
SCHER 2010 p. 136).
17

Militar.
O terceiro espetáculo, Pesadillas en una Noche en el Convetillo,
pode ser entendido como um espetáculo de transição do grupo em
relação ao uso da dramaturgia, pois, mesmo tendo como referência a
obra dramatúrgica de William Shakespeare, na versão do Catalinas Sur,
o espetáculo assume caracterìsticas próprias do território onde foi
criado, o bairro de La Boca del Riachuelo.
Como já dito, conventillo é um modelo de submoradia que se
tornou comum no bairro de La Boca del Riachuello. Por serem
compartilhados entre os moradores, os quintais e pátios internos dos
conventillos passaram a ser utilizados por companhias circenses para
apresentar obras de sainete,19 obras estas que tinham muitas de suas
tramas ambientadas nos próprios conventillos (RODRIGUEZ, 1999).
Sendo assim, a adaptação da obra shakespeariana faz referência ao
modelo de submoradia existente em La Boca del Riachuelo e o formato
de sainete resgata a memória de uma tradição teatral do bairro no
começo do século XX.
Poucos registros foram encontrados durante esta pesquisa sobre
o quarto espetáculo do grupo Catalinas Sur, Entre Gallos y Medianoche,
último espetáculo a se utilizar de um texto dramatúrgico prévio.
Segundo a página de internet do grupo Catalinas Sur, este espetáculo foi
criado no ano de 1988 e apresentado na praça Ilhas Malvinas e em
outras praças e parques da cidade de Buenos Aires (CATALINAS SUR).20

19
Sainetes são obras curtas, de tema ligeiro que surgiram na Espanha
para serem apresentados entre espetáculos durante o século XVI, com
sua evolução histórica ganhou independência enquanto manifestação
teatral. Os saininetes chegaram na Argentina através de companhias
teatrais europeias que excursionavam pela América Latina, sendo seu
formato incorporado pela cultura do paìs.
20
Documento disponìvel em:
http://www.catalinasur.com.ar/index.php?option=com_content&view=ar
ticlea&id=26%3Aentre-gallos-y-medianoche-
1989&catid=2%3Aespectaculos&Itemid=34&lang=es Acessado em 25
10 2013
18

1.2.1.1 Aporte coletivo

O que pode ser considerado como a segunda fase do grupo


Catalinas Sur em relação ao uso da dramaturgia, inicia-se com o
espetáculo Venimos de Muy Lejos), 1989. A partir deste, o grupo começa
a construir coletivamente a dramaturgia de seus espetáculos, indagando
sobre o território, a memória e a identidade comunitária dos integrantes
do grupo.
Quando começamos com o Catalinas, ainda
estávamos na ditadura militar. Por isto o objetivo
era recuperar o espaço público, curar as redes
quebradas de solidariedade e fazer uma celebração
conjunta na praça. Era uma forma de resistir desde
o fazer artìstico e de recuperar o espaço para que
estivéssemos juntos. Recorremos então ao teatro
do Século de Ouro Espanhol, que era o teatro
popular dessa época. E quando começamos a
indagar sobre os temas da memória e da
identidade, investigamos sobre nós mesmos. Mas
foi um processo de evolução através dos vinte e
quatro anos de Catalinas (BIANCHI, 2007).21

Sendo assim, Bianchi identifica a transição da primeira fase


para a segunda como fruto de um processo evolutivo do grupo. Mas não
se trata aqui da substituição de uma fase por outra, mas da utilização da
dramaturgia criada coletivamente sobre bases que já vinham sendo

21
No original: Cuando comenzamos con Catalinas, todavía estábamos en la
dictadura militar. Por lo tanto el planteo era recuperar el espacio
público, resanar las redes rotas de la solidaridad y hacer una
celebración en conjunto en la plaza. Era una forma de resistir desde el
hecho artístico y de recuperar un espacio en el que estuviéramos juntos.
Recurrimos, entonces, al teatro del siglo de oro español, que era el
teatro popular de esa época. Y cuando empezamos a indagar en los
temas de la memoria y la identidad, investigamos sobre nosotros
mismos. Pero fue parte de una evolución a través de los veinticuatro
años de Catalinas (BIANCHI, 2007).
19

desenvolvidas na primeira fase.


Um elemento presente nas obras do grupo Catalinas Sur desde
o inìcio de suas atividades é a mescla em cena de diálogos cantados e
falados. Los Comediantes já trazia consigo a utilização deste recurso,
pois o texto de Mercedes Rein e Jorge Curi é composto por personagens
e coro, sendo que este último realiza diversas de suas intervenções
através de cenas cantadas. A quantidade de vizinhos que participaram do
espetáculo (aproximadamente 90) fez com que o coro fosse mais
valorizado (SCHER, 2010a). Desta forma, com o amadurecimento do
grupo, a mescla de falas e canto é mantida, sendo uma ferramenta muito
explorada quando os vizinhos passam a criar coletivamente suas obras.
Dentro do processo de criação que se inicia, os integrantes do
grupo investigam, sugerem, discutem e improvisam o tema que vai ser
abordado, e uma equipe organiza e desenvolve a dramaturgia (com
canções e falas) baseada na criação inicial dos vizinhos.
Adhemar Bianchi comenta sobre esta dinâmica ao ser
perguntado por Lola Proaño Gomez e Silvia Perollo sobre o processo de
criação do grupo.

Não temos esquemas pré-concebidos; vamos


mudando. Mas em geral existe algo constante que
é a improvisação. Divide-se o grupo em
subgrupos de no máximo dez pessoas.
Perguntamo-nos, por exemplo, quais são os temas
importantes este ano, escolhemos os temas e cada
subgrupo escreve e trabalha por mais ou menos
uma hora e depois apresenta sua produção para o
grupo. Grava-se ou se escreve este material e a
equipe de direção com a equipe de dramaturgia
vai processando esses materiais. Isto se repete até
se esgotar o tema e finalmente se devolve ao
grupo um material mais elaborado (BIANCHI,
2001, p.125).22

22
No original: No tenemos esquemas preconcebidos; los vamos
cambiando. Pero en general hay una constante que es la improvisación.
Se divide el grupo en sub-grupos de no más de diez personas. Nos
planteamos, por ejemplo, cuáles son los temas que este año importan,
elegimos los temas y cada sub-grupo escribe y trabaja por una hora
20

O aporte coletivo permite que os espetáculos tenham como


ponto de partida os interesses, questionamentos e memórias dos
vizinhos, e o refinamento desenvolvido pela equipe de dramaturgia traz
ao espetáculo uma “coerência estética” (BIDEGAIN, 2007a, p. 55).
O espetáculo Venimos de Muy Lejos, o primeiro criado
coletivamente, retrata a chegada dos imigrantes ao bairro de La Boca no
inìcio do século XX. Ele foi criado a partir de relatos dos integrantes do
grupo sobre seus antepassado, tendo sido ensaiado e apresentado na
praça Ilhas Malvinas.
Para Scher (2010), Venimos de Muy Lejos se tornou um dos
espetáculos emblemáticos do grupo Catalinas Sur, pois a partir dele
ocorreu “uma mudança qualitativa. As pessoas começaram a conhecer o
grupo, a convidá-lo” (SCHER, 2010a, p. 137).23
Desta forma, o espetáculo Venimos de Muy Lejos é um marco na
tragetória do grupo, trazendo visibilidade as atividades dos vizinhos de
La Boca na cidade de Buenos Aires e em outras regiões da Argentina.

más o menos y luego presenta su producción ante todo el grupo. Ese


material se graba y/o se registra por escrito y el equipo de dirección con
el equipo de dramaturgia va procesando esos materiales. Esto se repite
hasta agotar los temas y finalmente se devuelve al grupo un material
más elaborado (BIANCHI, 2001, p.125).
23
No original: un cambio cualitativo. La gente empezó a conocer el grupo,
a invitarlo (SCHER, 2010a, p. 137).
21

Figura 2 Espetáculo Venimos de Muy Lejos. Fonte: Grupo


Catalinas Sur

Um dos aspectos interessantes do espetáculo está nas canções


que foram parodiadas, que por um lado homenageiam a cultura das
nações às quais os imigrantes haviam saìdo, e por outro retratam a
chegada em um novo continente. Este é o caso de Bella Ciao, música
popular italiana que se tornou sìmbolo da resistência Partigiana ao
fascismo,24 e que na versão do grupo Catalinas Sur foi parodiada em
Boca Ciao, em referência ao bairro de La Boca del Riachelo (SCHER,
2010a).

24
Partigiano é como ficaram conhecidos os combatentes italianos ao
governo facista de Benito Mussolini, que durou de 1922 à 1943.
22

VERSÃO ITALIANA VERSÃO DO GRUPO


(Partigiana) CATALINAS SUR
Una mattina Somos los tanos
mi son svegliato Que aquí llegamos
o bella ciao, bella ciao, bella Oh Boca ciao Boca ciao Boca
ciao ciao ciao ciao ciao ciao

Una mattina mi son svegliato e Para el armado, del conventillo


ho trovato L‘invasor dove arriviamo per vivir

O partigiano portami via, o Somos los tano/Que aquí llegamos


bella ciao bella ciao bella ciao Oh Boca ciao, Boca ciao, Boca
ciao ciao ciao ciao ciao

O partigiano portami via che Força compagni, lavoratori, che


mi sento di morir qui la casa construirén (GRUPO
(COLONELLI, 2008) CATALINAS SUR, 2007)

O espetáculo Venimos de Muy Lejos se mantém em cartaz até os


dias atuais em constantes remontagens (SCHER, 2010a) e em 2013, foi
lançada sua versão cinematográfica, dirigida por Ricky Piterbarg, que
por ter vivido muitos anos no bairro de Catalinas Sur, afirma que: “vi
nascer o grupo de teatro, vi nascer a peça, assim que estou contando
parte da minha vida contando este filme. Da minha vida e a de meus
companheiros” (PITEBARG, 2013).25
El Parque Japonés (1992) foi o último espetáculo do grupo Al
Aire Libre Catalinas Sur, pois a partir dele o grupo se mudou da praça
ilhas Malvinas para um galpão no bairro de La Boca del Riachuelo e que
foi apelidado de “praça fechada”, deixando assim de ter a praça Ilhas
Malvinas como sua sede e passando a se chamar desde então como
grupo Catalinas Sur.

25
No original: vi nacer el grupo de teatro, vi nacer la obra, así fue que
vivi todo esse processo, así que estoy contando parte de mi vida
contando esta película. De mi vida y de mis compañeros de barrio
(PITEBARG, 2013).
23

Este último espetáculo ―Al Aire Libre‖ foi criado a partir de


uma memória aportada por um dos vizinhos sobre seu pai, que ao chegar
da Alemanha fugindo do nazismo, para manter a famìlia, fincou diversos
pregos em um tronco de árvore, e foi para o parque Japonês apostar em
quem conseguia fincar o prego com apenas uma martelada. Mas na
verdade este era um truque, pois por baixo do tronco havia outra
madeira, dificultando que o prego fosse fincado até o final (SCHER,
2010a).
A partir desta memória de um vizinho, os integrantes do grupo
Catalinas Sur realizaram um espetáculo em homenagem a artistas que o
grupo considera populares, como do Circo Criollo26, sendo que El
Parque Japonês é denominado pelo grupo como uma opereta circense
(SCHER, 2010a).

1.3 GALPÃO DE CATALINAS

Um marco importante na trajetória do grupo Catalinas Sur se


deu em 1997, quando grande parte de suas atividades foram transferidas
da praça Ilhas Malvinas para um galpão que estava praticamente
abandonado no bairro de La Boca del Riachuelo que foi inicialmente
alugado e dois anos depois comprado pelo grupo.
A inauguração de uma rodovia que passava pelo bairro foi um
dos motivos desta transferência, pois o ruìdo causado pelo tráfego
impedia as atividade teatrais do grupo na praça que havia lhe dado
origem (BIANCHI, 2010). Outro motivo apontado por Adhemar Bianchi
(2010) foi a necessidade em contar com um espaço maior, uma vez que
se mantinha alugado um local onde eram guardados os materiais do

26
Criollo é um adjetivo utilizado em paìses hispano-americanos para se
referir tanto a pessoas filhas de pais europeus mas que nasceram no
continente americano como para elementos culturais adaptados à
cultura local, neste sentido temos o Circo Criollo que faz referência ao
movimento circense que se desenvolveu na Argentina e em outros paìses
durante o século XIX e XX e que possuìam caracterìsticas locais.
Voltarei a analisar este movimento mais adiante.
24

grupo e esporadicamente se realizavam ensaios, isto em dias em que não


conseguiam ocupar a praça por questões climáticas.
O galpão foi adaptado como sala de espetáculo pela ação
comunitária dos integrantes do grupo, que além de participarem dos
ensaios, passaram a se dedicar a sua reforma, adequação e a buscar
diversas formas de financiamento para manter o “Galpão de Catalinas”:

Figura 3 Galpão antes da


Figura 4 Galpão após a ocupação
ocupação do Grupo Catalinas
do grupo Catalinas Sur. Fonte
Sur. Fonte: Grupo Catalinas
Grupo Catalinas Sur
Sur

Chama a atenção nas imagens acima, a transformação que o


galpão sofreu através da ação dos vizinhos. A pintura dos murais foi
coordenada pelo mestre Osmar Gasparini e a fachada esculpida pelos
artistas plásticos Andrea Aguero, Andrea Bustamente e Valeria Vizioli
(SCHER, 2010).
Dentro do Galpão de Catalinas, permite-se que qualquer pessoa
possa assistir aos ensaios do grupo. Busca-se que os vizinhos e pessoas
25

interessadas tenham livre acesso, mesmo se tratando de um espaço


fechado. Este é um dos motivos de sua estilização externa, que faz
referência a vários elementos importantes dos bairros Catalinas Sur e La
Boca del Riachuelo, como é o caso dos bombeiros que aparecem na
imagem acima, neste caso se faz referência aos bombeiros voluntários
de La Boca, primeiro grupo de bombeiros voluntários da Argentina.
O apelido do Galpão de Catalinas - praça fechada - faz
referência a uma importante caracterìstica do grupo Catalinas Sur e que
influencia diversas de suas estruturas. Para Adhemar Bianchi, o grupo
Catalinas Sur sempre desenvolveu um Teatro de Praça, que para o
diretor se diferencia do Teatro de Rua.

El Herrero era para praça. Sempre foi de praça. O


conceito de teatro de rua e de praça para mim é
distinto. A rua é um lugar de intervenção, um
lugar onde as pessoas caminham. A praça é o
velho teatro renascentista, medieval. Na metade
do espaço público onde as pessoas costumam ir
aos finais de semana para passear, a praça te
permite montar um cenário. A rua é de passo. No
geral, eu não fiz teatro de rua (BIANCHI, 2012).27

Neste sentido, para Bianchi, o teatro de praça permite que um


grupo se utilize de um maior aparato técnico e que encontre potenciais
espectadores que estão na praça a passeio. Não sendo o objetivo deste
estudo se aprofundar nas diferenciações entre o teatro de rua e o teatro
de praça, apontadas por Bianchi, é importante constatar que para manter
as caracterìsticas desenvolvidas para a apresentação na praça, procura-se
manter uma relação semelhante dentro do galpão. Se na praça os
espectadores se posicionavam em diversas perspectivas em relação ao

27
No original: El Herrero era para plaza. Siempre fue de plaza. El
concepto te teatro de calle y teatro de plaza para mí es distinto. La calle
es un lugar de intervención, un lugar donde la gente camina. La plaza
es el viejo teatro renacentista, medieval. En la mitad de un espacio
público donde la gente suele ir los fines de semana de paseo, la plaza te
permite armar una escenografía. La calle es de paso, en general yo no
he hecho teatro de calle (BIANCHI, 2012).
26

espetáculo, não tendo assim uma relação “à italiana”, no Galpão de


Catalinas, o grupo buscou manter esta relação, oferecendo também no
Galpão diversas perspectivas possìveis aos espectadores, através do
posicionamento das cadeiras em diversos lados do local onde ocorre a
apresentação (BIDEGAIN, 2007a).
Adhemar Bianchi comenta sobre a manutenção do galpão desde
os primeiros anos até os dias atuais:

Fomos arrumando-o, (juntando dinheiro com


festas e apresentações), comprando tijolos,
conseguindo mão de obra [...]. Desde aquele
momento esta sala foi crescendo em
infraestrutura. Primeiro foi nada mais que um
andar, depois foram os camarins em cima. Em
1999 compramos o galpão. Com o tempo, como
este espaço ficou pequeno, alugamos o galpã de
atrás. E assim chegamos ao presente, no qual
tiramos o teto, fizemos uma laje e estamos nos
preparando para fazer outro andar. Tudo isto
graças aos muitos espectadores que sempre
tivemos. Também por ser um empreendimento
que não é comercial, em que o dinheiro se reverte
no próprio projeto, isto nos permitiu crescer
(BIANCHI, 2010).28

Bianchi atribui o crescimento e estruturação do galpão de


Catalinas à quantidade de espectadores que o grupo Catalinas Sur

28
No Original: Fuimos arreglándolo, (juntando dinero con fiestas y
funciones) comprando ladrillos, consiguiendo mano de obra [...] Desde
aquel momento esta sala fue creciendo en infraestructura. Primero fue
nada más que una grada, después fueron los camarines de arriba. En
1999 compramos el galpón. Al tiempo, como el lugar ya nos quedó
chico, alquilamos el galpón de atrás. Y así llegamos al presente, en el
cual sacamos el techo, hicimos una loza y nos estamos preparando para
hacer un primer piso arriba. Todo esto gracias a que siempre hemos
tenido mucho público. El hecho de ser un emprendimiento que no es
comercial, en el que el dinero se revierte en el mismo proyecto, nos ha
permitido crecer (BIANCHI, 2010).
27

consegue mobilizar e ao fato do grupo não ser um empreendimento


comercial, fazendo com que o dinheiro obtido seja revertido para o
crescimento e estruturação do próprio grupo.
Mesmo utilizando o galpão de Catalinas para realizar grande
parte de suas atividades, o grupo Catalinas Sur segue participando das
festas populares do bairro e realizando apresentações em praças, sempre
que sentem a necessidade de voltar ao local que lhes deu origem
(BIDEGAIN, 2007a).

1.3.1 Espetáculos criados na “praça fechada”.

Além de Venimos de Muy Lejos, outro espetáculo que


representa um sìmbolo na trajetória do grupo Catalinas Sur é El Fulgor
Argentino, Social Club y Deportivo, de 1998, sendo que este foi o
primeiro espetáculo criado pelo grupo depois de ter se mudado da praça
aberta, para o Galpão de Catalinas, sua praça fechada. Semelhante à
Venimos de Muy Lejos, El Fulgor Argentino faz parte do repertório do
grupo Catalinas Sur, sendo remontado desde sua criação até os dias
atuais.
Bidegain (2007a) comenta sobre o momento que antecede ao
espetáculo, no qual os espectadores podem compartir um choripán e
outros alimentos que são oferecidos pelo grupo no galpão de Catalinas:

O espetáculo-festa se inicia na calçada com a


clássica choriceada e uma variada oferta de
comidas. Entre as pessoas que se preparam para
entrar aparecem os primeiros anos das
apresentações, misturados e disfarçados com eles,
alguns dos pitorescos personagens que formam
parte do espetáculo. Outros membros do grupo,
caracterizados e como personagens, atendem no
posto de Souvenirs ao terminar o espetáculo.
Mulheres caracterizadas na moda dos anos trinta
exercem a função de acomodar o público. Assim
se entra na sala. (BIDEGAIN, 2007a, p. 71-72).29

29
No original: El espectáculo-fiesta se inicia en la vereda con la clásica
28

Em El Fulgor Argentino são representados cem anos da história


argentina, que se inicia em 1930 e termina no ano de 2030, com a visão
dos integrantes do grupo de como será a Argentina em algumas décadas
(BIDEGAIN, 2007a). Estes cem anos de história se passam no interior
do clube do bairro, que se chama El Fulgor Argentino e os
acontecimentos que ali sucedem são influenciados pela história do paìs.
O programa do espetáculo El Fulgor Argentino, traz uma
descrição sobre o espetáculo segundo o grupo Catalinas Sur:
El Fulgor Argentino, Club Social e
Esportivo abre suas portas para os bailes de
1930. O golpe militar que derruba Yrigoyen30
interrompe a festa. Desde esse momento no
salão de baile se refletem os acontecimentos
de nossa história (CATALINAS SUR).31

Em seguida, disponibiliza-se uma análise de como os


acontecimentos históricos são retratados pelo grupo:

choriceada y una variada oferta de cocina. Entre la gente que se


prepara para entrar aparecen en los primeros años de las funciones,
entremezclados y confundidos con ellos, algunos de los pintorescos
personajes que forman parte del espectáculo. Otros miembros de la
agrupación, caracterizados y en personaje atienden el puesto de
souvenirs al finalizar el espectáculo. Mujeres ataviadas a la moda de los
años treinta ofician de acomodadoras. Asi se entra a la sala
(BIDEGAIN, 2007a, p. 71-72).
30
Hipólito Yrigoyen foi presidente da Argentina em duas ocasiões (1916-
1922) e no perìodo de (1928-1930) sendo retirado do cargo por um
golpe militar realizado em 16 de setembro de 1930 (SANTORO, 2007).
31
No original: El Fulgor Argentino, Club Social y Deportivo abre sus puertas
para los bailes de 1930. El golpe militar, que derroca a Yrigoyen,
interrumpe los festejos. De ahí en más en el salón de baile se reflejan
los avatares de nuestra historia (GRUPO CATALINAS SUR).
Disponìvel em
http://www.catalinasur.com.ar/index.php?option=com_content&view=ar
ticle&id=5&Itemid=22&lang=es acessado em: 12/12/2013. .
29

Cem atores, orquestra, grandes bonecos, tanques e


canhões, dão vida a este espetáculo. Nossa visão
destes 100 anos de “Fulgor Argentino” é uma
tentativa de memória que não implica uma análise
cientìfica nem acadêmica sobre os
acontecimentos, mas o resgate de alguns
momentos marcantes que ficaram na memória
coletiva e como grupo de teatro popular quisemos
recriar (CATALINAS SUR).32

A utilização de momentos históricos importantes para a história


argentina, no espetáculo El Fulgor Argentino, faz parte do processo de
resgate da memória coletiva que o grupo Catalinas Sur assumiu a partir
da criação do espetáculo Venimos de Muy Lejos (SCHER, 2010a). Como
aponta a citação acima, em ambos os casos, não se busca levar a cena
uma análise cientìfica ou acadêmica da história, mas a visão dos
vizinhos sobre os acontecimentos que são retratados.
A mesma caracterìstica pode ser observada em seu último,
Carpa Quemada: El Circo del Centenário, que foi levado à cena no ano
de 2013. As informações do espetáculo disponibilizadas pelo grupo
Catalinas Sur em sua página de internet apontam que este espetáculo é
“una genesis histórica” (CATALINAS SUR, 2013) dos espetáculos El
Fulgor Argentino e Venimos de Muy Lejos.
Carpa Quemada: El Circo del Centenário retrata diversos
“sueños aniquilados que marcaron la historia argentina”. O primeiro
sonho aniquilado que o espetáculo retrata é a intenção do palhaço Fran
Braw, em 1910, de participar das comemorações do centenário da
independência argentina. Jovens das mais importantes famìlias
portenhas, queimam o circo do palhaço por entenderem que uma
expressão tão popularesca como a circense, não estava à altura de

32
Cien actores, orquestra, grande muñecos, tanques y cânones, dan vida
a este espectáculo. Nuestra visión de estos 100 años de ―Fulgor
Argentino‖ es un intento de memoria que no implica un analises
científico ni académico sobre los hechos, sino el rescate de algunos
hitos que han quedado en la memoria colectiva y como grupo de teatro
popular hemos querido recrear. IBIDEN.
30

participar das comemorações cìvicas (CAJAMARCA, 2013).


Para Andrea Salvemini,33 uma cena emocionante no espetáculo
é quando um coro de crianças entra em cena, representando o exército
paraguaio.

CORO DE NINÕS
No dispare señor
Somos niños!
Con bigotes y barbas
Nos assusta el ruído del cañón
Somos niños que lo sepan las balas

CORO DE MUJERES
Ya no quedan hombres
En el Paraguay
Pago cara su insolencia industrial
[…](CAJAMARCA, 2013 p.53-54).

Esta cena retrata a guerra do Paraguai (1865-1870), e questiona


o massacre que a trìplice aliança (Brasil, Uruguai e Argentina) realizou
no paìs vizinho (BETHELL, 1995). Nela, as crianças são caracterizadas
como soldados que utilizam barbas e bigodes falsos para poder ir para a
guerra e As Mulheres comentam que no Paraguai não sobraram adultos
para guerrear.
No total, os integrantes do grupo Catalinas Sur já realizaram
dezoito produções artìsticas, as obras que não foram apresentadas ao
longo deste subcapìtulo, são, em sua maioria, produções criadas como
resultado de oficinas que o grupo oferece aos vizinhos. Este é o caso de
Sudestada (2002), espetáculo criado a partir da oficina de circo e Los
Niegros de Siempre (2000), “produto das oficinas de percussão, dança
popular e bonecos” (GRUPO CATALINAS SUR).34Outros espetáculos
33
Informação transmitida por Adrea Savemini durante o I Seminário
Internacional de Teatro na Comunidade, no ano de 2013 na cidade de
Florianópolis.
34
No original: producto de los talleres de percusión, baile popular,
tìteres. Disponìvel em
http://www.catalinasur.com.ar/index.php?option=com_content&view=ar
ticle&id=24&Itemid=32&lang=es acessado em: 08/01/2014
31

fazem parte de projetos independentes ao grupo de Teatro de Vizinhos,


sendo estes o grupo de teatro de bonecos Catalinas Sur e a Orquesta
Atìpica Catalinas Sur, dos quais tratarei mais adiante.

1.3.1.1 Bonecos em cena: uma estética da


convivência.

Para o grupo Catalinas Sur, os bonecos são uma importante


ferramenta de trabalho, pois, desde a confecção até a manipulação no
espetáculo, encontram sentido em um projeto que busca integrar uma
parcela heterogênea dos vizinhos, lidando com as dificuldades de cada
um e aproveitando os conhecimentos que estes já trazem consigo
(SCHER, 2010a). Dizendo em outras palavras, a confecção dos bonecos,
permite que os integrantes do grupo se aproveitem de seus
conhecimentos prévios, como por exemplo, a costura ou a pintura, e
algum vizinho que pode não se sentir cômodo em entrar em cena como
ator, pode encontrar na manipulação do boneco uma forma de participar
do espetáculo.
Por se tratar de uma linguagem que se tornou caracterìstica ao
bairro de La Boca, pois como já vimos diversos artistas vinculados a
esta linguagem ali fixaram residência. Ao utilizar bonecos como
elemento significativo de suas experiências, os integrantes do grupo
Catalinas Sur entendem estar homenageando uma importante tradição
do bairro ao qual estão vinculados (GRUPO CATALINAS SUR).35
A utilização de bonecos em cena, junto com atores “de carne e
osso”, pode servir para homenagear ou parodiar determinado
personagem histórico, simbolizar ou sintetizar alguma informação que
se queira abordar, ou ainda, como recurso da encenação.

35
Disponìvel em:
http://www.catalinasur.com.ar/index.phpoption=com_content&view=arti
cle&id=1%3Alos-comienzos&catid=1%3Ael-grupo-
&Itemid=4&lang=es Acessado em 01/03/2013
32

Neste sentido, para Scher (2010), o boneco cumpre uma função


de apliar os recursos cênicos do ator-vizinho e assim contribuir para o
espetáculo.

Figura 5Espetáculo El Fulgor Argentino.


Fonte: Grupo Catalinas Sur
A imagem acima demonstra um pouco do valor simbólico que o
boneco traz aos espetáculos do grupo Catalinas Sur. Neste caso, dois
bonecos estão presos ao corpo de um ator-vizinho, reproduzindo seus
movimentos, estando os três (dois bonecos e um ator) caracterizados
como soldados do perìodo do regime militar. Diversas leituras podem
ser feitas, dependendo, em parte, da subjetividade de cada espectador.
Uma das leituras possìveis é que os dois bonecos são marionetes do
regime militar, que seguem sem questionamentos os comandos
recebidos.
Outras pessoas podem ter leituras distintas da minha, mas o
importante aqui é a utilização, por parte do grupo Catalinas Sur, do
valor simbólico que os bonecos trazem para os espetáculos.
Desde 2008, o grupo Catalinas Sur desenvolve um projeto
especìfico apenas de bonecos. O grupo de Teatro de Tìteres Catalinas
Sur já realizou três espetáculos,36 além de organizar a cada dois anos o
Festivel de Titeres al Sur, que em 2013 já vai para sua quinta edição.

36
Os espetáculos realizados pelo grupo de Tìteres Catalinas Sur foram La
niña de la noche (1999), O sos o no sos (2005) e El Ratón del Invierno
(2011).
33

1.4 FINANCIAMENTO E ORGANIZAÇÃO

Para financiar as atividades durante os primeiros anos, o grupo


Catalinas Sur desenvolveu diversas estratégias, como as já citadas festas
teatrais, nas quais se vendiam os choripans e comidas. Com a
apresentação dos espetáculos, além da venda de comidas, o grupo
passava o “chapéu” entre os espectadores. Vale ressaltar que até 1993 o
grupo não contou com nenhum apoio estatal, produzindo seus
espetáculos apenas com os recursos gerados por seus integrantes.
Em 2008, durante IV Trovata de Teatre e Educació de
Barcelona, Adhemar Bianchi identificou que, pelo fato do grupo
Catalinas Sur realizar seus espetáculos com dezenas ou mais de uma
centena de atores-vizinhos, o grupo conseguia uma grande contribuição
dos espectadores ao passar o “chapéu”. Isto porque, para o diretor do
Catalinas, um grupo numeroso pode envolver os espectadores,
aproximar-se rapidamente destes, conseguindo assim, uma interação
lúdica individualizada e através desta interação, aumentar a quantia
recebida pelo grupo. Por isto, o dinheiro advindo através das
apresentações em praças foi muito significativo para a estruturação
financeira do grupo durante os primeiros anos.
Se inicialmente contava-se com o dinheiro oriundo do “chapéu”
e da venda de choripans na praça, atualmente o grupo conta com o
dinheiro proveniente da venda de ingressos na bilheteria e de comidas e
bebidas na lanchonete do galpão.
Uma contribuição mensal também é aportada pelos integrantes
do grupo Catalinas Sur, o que permite ao projeto contar com uma renda
fixa. Em 2001 a cota mensal era de cinco pesos (BIANCHI, 2001) e em
2013 de aproximadamente 20.37 Mesmo sendo um valor quase
simbólico, a contribuição dos integrantes do grupo para o projeto se
torna significativa se levarmos em conta a quantidade de pessoas que
dele fazem parte, atualmente aproximadamente 300 pessoas integram o
grupo Catalinas Sur (PROAÑO GOMEZ, 2013).
Outro projeto importante para a manutenção do grupo são os
amigos utópicos, pessoas que doam dinheiro mensalmente através do

37
Informação obtida durante pesquisa de campo em Buenos Aires.
34

cartão de crédito e podem assistir gratuitamente a todos os espetáculos.


Cerca de 1000 amigos utópicos contribuem com o grupo Catalinas Sur.
A renda da bilheteria e da lanchonete, o aporte mensal dos
integrantes e o dinheiro recebido dos amigos utópicos formam parte do
projeto de autogestão desenvolvido pelo grupo, fazendo com que grande
parte dos aportes financeiros seja conseguida através das ações de seus
membros.
No ano de 1993, ou seja, após dez anos de existência, o grupo
Catalinas Sur firma seu primeiro convênio com o Estado, através da
Direccion Cultural de la Secretaria de la Ciudad de Buenos Aires. A
partir deste momento, passa a buscar apoio financeiro das mais distintas
origens, públicos e privados, mas sempre mantendo a autonomia de
decidir sobre todas as ações do grupo. Em sua página de Internet, existe
uma lista destes apoios que vão desde a já citada Direccion Cultural de
la Secretaria de la Ciudad até o clube de futebol Boca Juniors
(CATALINAS SUR).38
Mesmo contando com apoio de entidades públicas e privadas,
segundo Adhemar Bianchi, a principal fonte de renda segue sendo a
proveniente das ações do próprio grupo, representando estas mais ou
menos 60% de sua receita.39
Outro elemento significativo para a manutenção do grupo
Catalinas Sur e do galpão de Catalinas e que faz parte do projeto de
autogestão desenvolvido pelo grupo, é a capacidade de mobilização dos
vizinhos, pois são eles mesmos quem produzem seus figurinos, bonecos,
adereços etc, fazendo com que o capital manejado pelo grupo não seja
apenas financeiro, mas também, e talvez principalmente, humano.
Atualmente no galpão se desenvolvem outros dois projetos
independentes ao grupo de Teatro de Vizinhos, a Orquestra Atìpica e o
grupo de teatro de tittereres Catalinas Sur.40
38
Lista de apoiadores do grupo Catalinas Sur disponìvel em
http://www.catalinasur.com.ar/index.php?option=com_content&view=ar
ticle&id=10&Itemid=14&lang=es acessado em 10/07/2013
39
Informação transmitida por Banchi durante o 5 encontro de teatro
Jovem em São Paulo.
40
O grupo de teatro de Titteres Catalinas Sur já foi apresentado no
subcapìtulo anterior.
35

A Orquestra Atípica Catalinas Sur, “composta por músicos e


não tão músicos assim” (GRUPO CATALINAS SUR),41 iniciou suas
atividades em 2008, através do interesse dos coordenadores da área
musical do grupo Catalinas Sur em desenvolver um projeto especìfico
de música e canto comunitário. Seu espetáculo Quien és el Jefe já foi
apresentado em diversos locais da cidade de Buenos Aires além do
galpão de Catalinas.
Todos os projetos que se desenvolvem dentro do galpão de
Catalinas, o Grupo de Titeres Catalinas Sur, A Orquesta Atìpica
Catalinas Sur e o grupo de Teatro Comunitário, são amadores, sendo que
seus integrantes não recebem contrapartida financeira pela participação
nos espetáculos ou pelo tempo dedicado a eles. Por outro lado, a equipe
de coordenação e os professores envolvidos recebem um salário, o que
lhes permite dedicar um tempo maior aos projetos. Atualmente, a equipe
de coordenadores do grupo Catalinas Sur é composta em grande parte
por pessoas formadas no interior do próprio grupo (BIANCHI, 2013),
como é o caso de Gilda Arteta, que desde a infância é integrante do
grupo Catalinas Sur e que atualmente é a coordenadora musical do
grupo de teatro e da Orquestra Atìpica Catalinas Sur, e Ximena Bianchi,
diretora do grupo de Títeres Catalinas Sur e co-diretora, junto com
Adhemar Bianchi, do último espetáculo do grupo de teatro, Carpa
Quemada: El Circo del Centenário.
Foi através da ação comunitária dos vizinhos, da organização
financeira e da dedicação constante dos coordenadores, apenas possìvel,
a partir do entendimento de que estes deveriam ser remunerados, que o
grupo Catalinas Sur conseguiu possuir como sede o Galpão de
Catalinas, na qual se encontra uma sala de espetáculos bem equipada,
camarins, espaço para a construção de cenários, adereços e figurinos e
que em 2013 estava expandindo suas instalações para um quarto andar.
Em seus trinta anos de existência, o grupo Catalinas Sur
ganhou diversos prêmios, reconhecimento nacional e internacional,

41
Disponìvel em:
http://www.catalinasur.com.ar/index.phpoption=com_content&view=arti
cle&id=1%3Alos-comienzos&catid=1%3Ael-grupo-
&Itemid=4&lang=es Acessado em 01/03/2013
36

tornou-se uma referência teatral tanto na Argentina como em outras


partes do mundo, mas segue sendo um grupo de vizinhos que se junta
com outros vizinhos para promover uma celebração teatral no complexo
de edifìcios Catalinas Sur e no bairro de La Boca del Riachuelo.

1.5 ADHEMAR BIANCHI

Para compreender a história do Grupo Catalinas Sur, suas


opções técnicas, estéticas e organizativas é importante conhecer a
relação destas com as experiências de seu diretor, Adhemar Bianchi, que
são anteriores ao grupo Catalinas Sur.
Adhemar Bianchi é nascido no Uruguai em 1945, tendo iniciado
sua carreira teatral em seu paìs de origem. Teve contato com o teatro
desde a infância, por influência de sua mãe que era atriz. Na
adolescência inicia seus estudos artìsticos como pintor, na Escola de
Belas Artes, e posteriormente no teatro, Escola de Arte Dramática e
Teatro Circular de Montevidéu (BIANCHI, 2012).
A formação clássica que recebeu, Bianchi aponta como fonte de
muitas de suas realizações posteriores, por que:

O Século de Ouro Espanhol, a época Elisabetana


ou o primeiro Molière, para citar alguns clássicos,
formavam parte de um teatro de celebração, de
praça, de festa, dos currais, que possuem muita
semelhança com o que fiz depois com o Teatro
Comunitário (BIANCHI, 2010, pg. 76).42

Para verificarmos a influência desta formação que Bianchi


recebeu no Uruguai sobre o grupo Catalinas Sur, basta lembrarmos que
os primeiros espetáculos do grupo remetiam justamente ao Século de

42
No original: el Siglo de Oro Español, la época isabelina o el
primer Molière, por nombrar algunos clásicos, formaban parte de un
teatro de celebración, de plaza, de fiesta, de los corrales, que tiene
mucha similitud en sus formas con lo que después hice en el Teatro
Comunitario (BIANCHI, 2010, pg. 76).
37

Ouro Espanhol e ao Teatro Elisabetano.


Em 1965 ingressa no Grupo 65,43 onde trabalha como
carregador de luzes, cenógrafo, assistente de direção e ator (SCHER,
2010a), é nessa experiência que começa a se formar alguns dos
conceitos que posteriormente seriam desenvolvidos com o grupo
Catalinas Sur:

Com o Grupo 65 me lembro muito de Medoro, de


Lope de Rueda, precursor do Século de Ouro, que
como se sabe era influenciado pelos italianos e a
Commedia dell'arte. Saìamos em excursão por
todo o Uruguai e fazìamos todo um passeio a
cavalo pelos vilarejos para promover o espetáculo,
era como entradas de murgas,44 depois no teatro
serviam vinho, comida e estas coisas que fazem
parte do meu conceito estético atual do teatro
como celebração (BIANCHI, 2011).45

Como já vimos, a utilização da gastronomia com o evento


teatral esteve presente no grupo Catalinas Sur desde o inìcio nas festas

43
O grupo 65 foi formado no Uruguai por alunos ingressantes da Escuela
Municipal de Arte Dramático, tendo sido dirigido por José (Pepe) Struch
(SCHER, 2010a).
44
A murga é uma manifestação popular carnavalesca, que geralmente é
organizada entre moradores de um mesmo bairro e que desfilam
utilizando-se do canto, da música e de figurinos (Martìn, 1997). Mais
adiante, apresentarei maiores detalhes sobre a murga.
45
No original: Con el Grupo 65 recuerdo mucho Medoro, de Lope
de Rueda, precursor del siglo de oro, que como se sabe era influenciado
por los italianos y la comedia del arte. Salíamos de gira por todo
Uruguay y hacíamos todo un paseo por los pueblos a caballo para
promocionar el espectáculo, eran como entradas de murgas, luego en el
teatro se servían vinos, comida y esas cosas que hacen parte de mi
concepto estético actual del teatro como celebración (BIANCHI, 2011).
Documento disponìvel em http://www.matacandelas.com/Entrevista-a-
Adhemar-Bianchi-Por-Cristobal-Pelaez.html, acessado em 10/05/2013.
38

catalinenses, e se mantém até os dias atuais, pois na porta do galpão de


Catalinas, antes dos espetáculo prepara-se os tradicionais choripans e na
cantina do galpão existe uma variada oferta de comidas e bebidas.
Outra caracterìstica que seria posteriormente desenvolvida no
grupo Catalinas Sur e que também ocorreu durante a apresentação de
Medoro com o grupo 65 é a utilização da praça como local de ensaio:

Fazìamos Medoro, de Lope Rueda, a história de


uma companhia de cômicos de la legua. que
chegava a um vilarejo e montava tudo. Antes da
peça cantávamos, ensaiávamos, tudo diante do
público. (BIANCHI, 2010 pg. 75-76).46

Das experiências de Bianchi no Uruguai, uma se deu em 1982,


e se tornou fundamental para a criação do grupo Catalinas Sur:
Adhemar Bianchi foi convidado pela Associação dos Funcionários
Bancários do Uruguai para auxiliar na organização dos jogos realizados
por esta entidade. Estes jogos contavam, entre outras atividades, com
uma apresentação teatral:
Foi então que eu me dei conta da sabedoria que as
pessoas tinham, uma sabedoria que se pode
aproveitar para construir uma poética e criar um
espetáculo muito interessante. Foi pelo aprendido
naquela oportunidade que, quando aqui me
pediram para dar aula, disse não ao
“oficineirismo”, e propus, em troca, fazer uma
experiência criativa, de jogos, para montar
coletivamente um espetáculo e realizá-lo na praça
47
(BIANCHI, 2010, p. 76).

46
No original: No espectáculo Hacíamos Medoro, de Lope de Rueda,
la historia de una compañía de cómicos de la legua que llegaba a un
pueblo y armaba todo. Antes de la obra cantábamos, ensayábamos, todo
delante del público (BIANCHI, 2010 pg. 75-76).
47
No original: Fue entonces cuando me di cuenta del saber que tenía
la gente, un saber que se puede aprovechar para construir con él una
poética y crear un espectáculo muy interesante. Es por lo aprendido en
aquella oportunidad que, cuando acá me pidieron dar clases, dije no al
tallerismo, y propuse, en cambio, hacer una experiencia creativa, de
39

De volta à Argentina, para onde havia imigrado em 1974, ao ser


convidado pela associação de pais da escola número 8 Carlos Della
Penna, para ministrar aula de teatro, baseou-se em sua experiência no
Uruguai e sugeriu que se iniciasse um projeto com os vizinhos dos
bairros de La Boca del Riachuelo e Catalinas Sur.

juegos, para armar colectivamente un espectáculo y darlo en la plaza


(BIANCHI, 2010, p. 76).
40
41

CAPÍTULO 2 CIRCUITO CULTURAL BARRACAS

Este segundo capìtulo está dedicado as experiências do Circuito


Cultural Barracas, segundo projeto vinculado ao Teatro de Vizinhos a
se formar, para isto, inicia-se com o contexto em que o grupo Los
Calandracas se formou e a influência do Circo Criollo nas suas
experiências, posteriormente, é apresentada a iniciativa dos integrantes
do grupo em formar um projeto teatral comunitário e as experiências
que foram realizadas após o inìcio de suas atividades. A parte final deste
capìtulo é utilizada para apresentar a parceria empreendida entre
Adhemar Bianchi e Ricardo Talento.

2.1 ATORES-PALHAÇOS NO TEATRO DE VIZINHOS

Foi através da iniciativa dos integrantes do grupo Los


Calandracas que se formou o Circuito Cultural Barracas, segundo
projeto vinculado ao Teatro de Vizinhos. O grupo Los Calandracas foi
formado em 1987, tendo como influência as técnicas que seus
integrantes consideravam como pertencentes à arte popular, por isto, o
grupo assumiu como principal referência o Circo Criollo. Para Bidegain
(2007a), dada a forte vinculação que estes artistas possuem com o Circo,
eles podem ser chamados de “atores-palhaços” (BIDEGAIN. 2007a, P.
106).
O Circo Criollo é considerado como o precursor do teatro
nacional argentino, tanto na dramaturgia como na representação dos
atores. Durante o século XIX, as companhias circenses passaram a
dividir suas apresentações em duas partes, sendo que a primeira era
dedicada à apresentação de provas e destrezas, e a segunda a uma cena
pantomìmica (CARREIRA, 1994). Este modelo de apresentação ganhou
nova dimensão em 1886, quando José de Podestá, o palhaço Pepino 88,
transformou um número até então pantomìmico em drama de dois atos
(SEIBEL, 1993).
Isto ocorreu na adaptação do livreto Juan Moreira para a cena.
42

O espetáculo versava sobre a vida do gaúcho, personagem sìmbolo da


literatura popular da época, que representava o sentimento nacionalista
que se desenvolvia na Argentina neste perìodo. O gaúcho, acompanhado
apenas por seu cavalo, “apesar de ser bandido, é vitima das figuras do
poder” (CARREIRA, 2006, p. 33), conseguindo a empatia dos
espectadores através de suas aventuras.
Ao trazer diálogos a um número até então pantomìmico, José de
Podestá deu inìcio a uma nova forma de interpretação, que se tornou
sìmbolo do teatro nacional argentino, trazendo uma interpretação mais
natural à representação circense, tal qual aponta Carreira, ao afirmar que
“O valor da interpretação mais natural, fundada no jogo do improviso
próprio da tradição circense, foi um elemento chave para tornar esse
espetáculo o marco de uma época” (CARREIRA, 2006, p. 33).
Desta maneira, a partir do espetáculo Juan Moreira, fundou-se
uma interpretação que é conhecida como tipicamente Rioplatense, onde
as caracterìsticas do artista popular, nascido no circo, foram postas em
diálogo com a representação naturalista, que ganhava destaque na época,
principalmente na Europa, com Zola48 e Antoine49 (SEIBEL, 2008).
Mesmo que a importância do Circo Criollo seja defendida por
pesquisadores como, Carreira (1994), (1996); Pellitieri (2001); Seibel
(1993), (2008), a sua valorização não ocorria durante grande parte do
século XX, como aponta Pelletieri ao afirmar que: “O ator nacional é o
ator dos gêneros populares […] São interpretes que em seu momento a
critica conhecia pelo nome de “artistas menores” (PELLETIERI,
2001,p.15).50
A matriz do Circo Criollo constitui um referente para o gênero
cômico ao lono do século XX. No perìodo democrático dos anos 80,

48
Emìlio Zola é considerado com precursor do naturalismo na literatura,
tendo influenciado todo o movimento naturalista em diversas linguagens
artìsticas.
49
André Antaine é considerado como precursor do naturalismo no teatro,
tendo sido influenciado por Emilio Zola.
50
No original: El actor nacional es el actor de los generos populares
[…]. Son interpretes a los que en su momento la critica conocia com el
nombre de ―artistas menores‖ (PELLETIERI, 2001,p.15).
43

vários foram os grupos que utilizaram a referência a estes modelos como


forma de reivindicar uma retomada da tradição nacional.

2.1.1 Los Calandracas.

É justamente sobre a desvalorização do artista popular formado


no circo, que o nome do grupo Los Calandracas faz referência
(Bidegain, 2007a). Calandraca é uma sopa que os marinheiros
preparavam quando a alimentação do barco ficava escassa (MAYO,
2006, p. 95),51 sendo por isto algo de pouco valor, tal qual a arte
popular, que na opinião dos integrantes do grupo Los Calandracas, é
considerada como sendo de pouco valor para setores da sociedade
(BIDEGAIN, 2007a).
O primeiro espetáculo do grupo, Allegro, Manón Troppo,52 foi
apresentado no parque Lezama,53 em 1988 com direção de Ricardo
Talento. Em 1989, Los Calandracas passam a desenvolver o que
denominam de Teatro Para Armar. Junto com a professora Andrea
Maurizi, o grupo passa a dialogar com as técnicas do teatro fórum de
Augusto Boal, sem deixar de manter uma das suas principais
caracterìsticas, que é a vinculação com a arte dos palhaços.54

51
Mayo (2006) faz outra interpretação para a motivação do nome
adotado pelo grupo Los Calandracas, de que ao se alimentar da sopa
Calandraca, os marinheiros teriam a esperança de chegar a um porto em
segurança, e os integrantes do grupo Los Calandracas teriam a esperança
de chegar a um público que não era alcançado por outras modalidades
teatrais, por isto a adoção do nome Los Calandracas.
52
Este espetáculo foi baseado em um conto de Elsa Boneman
(Bidegain, 2007a,p.156), Allegro Manón Troppo significa em Italiano
Alegre Mas Não Muito, mas a grafia utilizada não está correta, sendo o
correto Allegro, Ma Non Troppo.
53
O parque Lezama esta localizado na cidade de Buenos Aires entre
os bairros de La Boca del Riachuelo, Barracas e San Telmo.
54
Augusto Boal é criador do teatro do oprimido, que entre outras
44

Figura 6 Gurpo Los Calandracas: Fonte Grupo Los Calandracas

a figura do palhaço permite estabelecer códigos de


cumplicidade e uma atitude critica diante do
conflito que se apresenta, facilitando a reflexão e
o surgimento de propostas. Através do humor, é
possìvel revisar situações, destacar aspectos e
reconhecer caracterìsticas com as quais é possìvel
uma maior aproximação ao tema (LOS
CALANDRACAS, 2008, p. 11).55

O Teatro Para Armar foi criado inicialmente para fazer parte do


programa de Atividades Alternativas da Secretária de Salud de Buenos
Aires. Segundo Ricardo Talento, o projeto surgiu com o objetivo de
dialogar com os profissionais de saúde sobre a violência praticada contra
os pacientes, e ao mesmo tempo, sobre o sentimento de violentados que

técnicas desenvolve o teatro fórum, que busa retirar a passividade do


espectador, e para isto, o público é convidado para opinar sobre a
encenação e pode tomar o lugar do ator.
55
No original: la figura del payaso permite establecer códigos de
complicidad y una actitud crítica frente al conflicto que se presenta
facilitando la reflexión y el surgimiento de propuestas. A través del
humor, es posible revisar situaciones, subrayar aspectos y reconocer
características con las que es posible un acercamiento al tema (LOS
CALANDRACAS, 2008, p. 11).
45

os próprios profissionais de saúde traziam consigo (TALENTO, 2013a).


Após esta primeira experiência, o grupo Los Calandracas segue
praticando o Teatro para Armar, mas sem uma vinculação direta com a
Secretaria de Salud, já tendo sido abordados pelo grupo diversos temas,
como por exemplo: o vìcio em drogas, a contaminação pelo virus HIV,
tabagismo, barreiras arquitetônicas, violência na escola etc (LOS
CALANDRACAS).56
Segundo Bidegain (2007a), o teatro para armar consiste na
elaboração de cenas que tratam do tema a ser abordado pelo grupo.
Como a solução proposta ao conflito apresentado tende a não satisfazer
o público, este é convidado a opinar e a sugerir outras soluções, que são
improvisadas pelos atores. A interferência do espectador pode chegar a
este assumir o papel de um dos atores, e realizar a solução do conflito
sem sua intermediação, passando desta maneira de espectador à espect-
ator (BOAL, 2001).

2.2 MOVIMENTO DE TEATRO DE RUA NA PÓS-


DITADURA (1983-1989)

Los Calandracas fizeram parte, tal qual o grupo Catalinas Sur,


do movimento de teatro de rua que se desenvolveu na Argentina no
perìodo conhecido como pós-ditadura (1983-1989), mas diferente do
Catalinas, Los Calandracas não era um grupo composto por vizinhos,
mas de atores profissionais que escolheram o espaço público para “ir
onde o povo está” (CARREIRA, 2003).
André Carreira demonstra que no perìodo da pós-ditadura
argentina, a cidade de Buenos Aires presenciou um “boom” do teatro de
rua. Enquanto o governo militar esteve no poder (1976-1983), o teatro
de rua praticamente desapareceu em Buenos Aires, pois a necessidade
de autorização do governo para que as pessoas pudessem se reunir em
via pública, inviabilizou esta prática que era tradicional na cidade

56
Lista dos temas já abordados pelo grupo disponìvel em
http://www.teatroparaarmar.com.ar/ acessado em 30/11/2013.
46

(CARREIRA, 1994).57
Com o enfraquecimento da Ditadura durante o ano de 1983 e o
retorno à democracia em dezembro deste mesmo ano, as ruas, praças,
parques, entre outros espaços públicos de uso comunitário, foram os
lugares escolhidos por muitos artistas para utilizar o teatro como
instrumento de reconstrução das relações sociais e para denunciar os
abusos causados pela ditadura. (CARREIRA, 1994); (BIDEGAIN,
2007a).
Em 1988, Los Calandracas, Catalinas Sur e outros grupos
formaram o Mo.Te.Po. (Movimento de Teatro Popular), que buscava
desenvolver a troca de experiências e a realização de ações conjuntas. O
Mo.Te.Po. publicou três exemplares da revista Picadeiro e os grupos La
Runfla, Diablomundo, Catalinas Sur e Los Calandracas, pertencentes
ao movimento, fizeram juntos em 1995 os espetáculos Le Robaron el
Río a Buenos Aires e Utópicos y Mal Entretenidos, ao último espetáculo
se somaram os grupos Escena Subterránea e Mixtratos (LA
RUNFLA).58
Para Carreira, a grande mobilização dos grupos de teatro de rua
durante os primeiros anos de democracia não manteve a mesma
intensidade durante os anos 90.

No começo dos anos 90, pode-se afirmar que na


cidade de Buenos Aires não existe um movimento
de teatro de rua, mas trabalhos dispersos e
tentativas de recuperar a vitalidade que teve o
teatro de rua durante os primeiros anos de
59
democracia (CARREIRA, 1994, p.112).

57
Carreira identifica como exceção o grupo Agrupación para um
teatro rioplatense, que manteve suas apresentações, para isto fazia o
pedido de autorização ao governo através de comerciantes com quem
mantinham acordos.
58
Disponìvel em http://www.grupolarunfla.com.ar acessado em
14/05/2013. Bidegain (2006) e Scher (2010) apresentam datas diferentes
para os espetáculos, por isto opto em seguir a indicação do grupo La
Runfla que participou dos espetáculos.
59
No original:Al comenzar los años 90, se puede afirmar que en la
ciudad de Buenos Aires no existe un movimiento de teatro callejero, sino
47

Se por um lado, tal qual aponta Carreira, o movimento de teatro


de rua que se desenvolveu durante os anos 80 não manteve a mesma
efervescência na década seguinte, a partir do final da década de 90 e
inìcio dos anos 2000, passou a se desenvolver o movimento de Teatro
Comunitário, que segundo Proaño Gomez (2013), é o principal
movimento teatral que se desenvolveu na Argentina na última década.

2.3 CIRCUITO CULTURAL BARRACAS

Em 1996, Los Calandracas decidem empreender um projeto


artìstico comunitário ao qual batizam de Circuito Cultural Barracas.
Para isto, o grupo se inspira e conta com o apoio do grupo Catalinas
Sur,do bairro de La Boca del Riachuelo. O bairro de Barracas é
escolhido para realizar o projeto, por que muitos dos componentes do
grupo Los Calandracas ali residiam (SCHER, 2010a, p. 156).
O Circuito Cultural Barracas é composto por quatro grupos
independentes, mas que estão em constante diálogo e que desenvolvem
projetos conjuntos, são eles: Los Descontrolados de Barracas, grupo de
murga; Circuito en Banda, grupo musical comunitário; El Teatral
Barracas, grupo de Teatro de Vizinhos e Los Calandracas.60 Com
exceção do último, os grupos que compõe o Circuito Cultural Barracas
são compostos por vizinhos, e não se exige experiência prévia para que
neles se ingresse.
Sobre a escolha do nome “Circuito” para o projeto, Ricardo
Talento explica:

Escolhemos Circuito por que querìamos

trabajos dispersos e intentos de recuperar la vitalidad que tuvo el teatro


callejero en los primeros años de la democracia (CARREIRA, 1994,
p.112).
60
Estes grupos estão identificados pela página de internet mantida
pelo grupo como parte do Circuito Cultural Barracas. Disponìvel em:
www.ccb.com.ar acessado em 02/04/2013
48

fazer algo que tivesse a ver com a circulação no


bairro. Sentìamos que Barracas estava em cachos.
[…]. Barracas é um bairro com distintas histórias.
Muito, mas muito fragmentado. Nossa ideia era e
ainda é unir essas partes. (TALENTO apud
SCHER, 2010a, p.155).61

Durante a Ditadura, como parte do projeto de reorganização


urbana empreendida pelo intendente Cacciatore, o bairro de Barracas
foi dividido pela construção de uma rodovia, o que trouxe uma
fragmentação não apenas geográfica, mas também cultural ao bairro.
Ricardo Talento analisa o impacto que esta divisão teve sobre os
vizinhos:

Barracas teve um acontecimento traumático, este


foi a construção de uma rodovia que o dividiu ao
meio, o partiu em dois. Ainda existe gente que me
pergunta se eu vou “para o outro lado”, se vou “ao
fundo”, se cruzo por baixo da rodovia
(TALENTO, 2005).62

Sendo assim, o objetivo do grupo Los Calandracas ao


batizarem seu projeto comunitário de “Circuito”, foi fomentar a
circulação no “dividido” bairro de Barracas (SCHER, 2010a).
Inicialmente, o espaço encontrado foi um pequeno galpão, que
anos antes havia sido uma fiambreria63importante no bairro de Barracas
(TALENTO, 2005). Segundo Talento, a escolha de uma fiambreria não

61
No original: Le pusimos Circuito porque queríamos hacer algo que
tuviera que ver con la circulación por el barrio. Sentíamos que
Barracas estaba en cachos. [...] Barracas es un barrio con distintas
historias. Muy pero muy fragmentado. Nuestra idea era y es unir esas
partes
62
No original: Barracas tuvo un hecho traumático, que fue que una
autopista lo dividió al medio, lo partió en dos. Todavía hay gente que
me pregunta si yo voy ―al otro lado‖, si voy ―al fondo‖, si cruzo por
debajo de la autopista(TALENTO apud SCHER, 2010a, p.155)
63
Frianberia é uma loja que geralmente vende queijos e embutidos.
49

foi por acaso, pois a visibilidade que este comércio trazia para as
atividades do projeto recém-iniciado, garantia que os vizinhos
soubessem o que estavam ocorrendo em seu interior.

Alugamos uma das mais velhas e emblemáticas


fiambrerias do bairro, a fiambreria do Araujo, e ali
começamos a trabalhar com as pessoas. Não é
casual a escolha da fiambreria, porque estas
persianas abertas, em que o bairro passa e vê o
que está se fazendo, no que se está trabalhando,
tem a ver com o público. É algo que a
comunidade visualiza, e então não são “uns
malucos que fazem teatro” e “estão ali dentro”
(TALENTO, 2005).64

Ao abrir as portas do Circuito, os integrantes do grupo Los


Calandracas começaram a oferecer diversas oficinas à comunidade. O
primeiro objetivo foi construir junto com os vizinhos um grupo de
murga. Los Descontrolados de Barracas fez sua primeira apresentação
em dezembro de 1996, e adotou as cores azul, amarelo e laranja como
sìmbolo.65

64
No original: Alquilamos una de las más viejas y emblemáticas
fiambrerías del barrio, la fiambrería de Araujo, y ahí empezamos a
trabajar con la gente. No es casual esto de la fiambrería, porque estas
persianas abiertas, donde el barrio pasa y ve lo que se está haciendo, lo
que se está trabajando, tienen que ver con lo público. Es algo que la
comunidad visualiza, y entonces no son ―unos extraños que hacen
teatro‖ y ―están ahí adentro (TALENTO, 2005).
65
Documento virtual disponìvel em http://ccBarracas.com.ar/el-
circuito/nuestra-historia/ acessado em 07/05/2013
50

Figura 7 Los Descontrolados de Barracas. Fonte: Circuito Cultural


Barracas

Em 1998, Los Descontrolados de Barracas realizam o


espetáculo murgueroPrimer Mundo en Camisetas, no qual abordam,
segundo a opinião dos integrantes do grupo, a ilusão causada pelo
sistema neoliberal, em que uma parcela da população argentina passou a
acreditar que o consumismo desencadeado pelas medidas neoliberais,
adotadas pelo governo Menem, transformou o paìs em primeiro mundo
(TALENTO, 2013b).
Durante quase toda a década de 90, a Argentina era governada
por Carlos Menem (1989-1999), que adotou o processo de
desenvolvimento neoliberal do chamado consenso de Washington,66
privatizando grande parte das empresas públicas, abrindo o mercado
para as importações e aumentando a dìvida externa do paìs através de
empréstimos internacionais. Foi instituìda a paridade cambial, onde um
peso argentino valia um dólar americano (POGLIAGHI et al, 2006).

66
O consenso de Washington foi o entendimento desenvolvido a partir da
analise de John Williamson sobre a necessidade dos paìses em
desenvolvimento de adotarem medidas de controle de gastos públicos,
diminuição da estrutura do Estado, liberação para o comércio
internacional, entre outras medidas. (PEREIRA, 1991, p. 1-2)
51

Se inicialmente estas medidas permitiram a recuperação da


economia Argentina e o controle da superinflação que assolava o paìs,
em pouco tempo, causaram o aumento da taxa de desemprego de 6%,
em 1993, para 18% em 1995, somando-se a este percentual 11% de
subemprego (POGLIAGHI et al, 2006).
Segundo Ricardo Talento, durante a década de 90, desenvolveu-
se em uma parcela da sociedade argentina a ilusão de que o paìs
ingressara no primeiro mundo (TALENTO, 2013b). A partir de uma
maior oferta de crédito, desencadeou-se uma onda consumista em
setores da sociedade, o que por sua vez fez com que aumentasse o
individualismo das pessoas em relação aos seus semelhantes, fazendo
com que a palavra de ordem deste perìodo fosse “salve-se quem puder”
(ROSENBERG, 2009, p. 11).

Durante os anos 90 havia muito poucas


manifestações coletivas, havia uma parte da
sociedade que estava satisfeita com o tipo de
cambio, o dólar a um peso, e pensava que não
necessitava de seus semelhantes (TALENTO apud
ROSENBERG, 2009, p. 11).67

É neste contexto, no qual por um lado ocorria o


empobrecimento de uma parcela significativa da população e por outro
se desenvolvia o aumento do individualismo, que os integrantes do
grupo Los Calandracas decidem empreender um projeto que tem como
objetivo integrar aos vizinhos do bairro.
Ao escolher iniciar as atividades do Circuito Cultural Barracas
a partir de um grupo de murga, os integrantes do grupo Los Calandracas
buscaram se aproximar dos vizinhos, utilizando para isto uma
manifestação popular que já não era praticada no bairro, pois como
aponta Corina Buzquiazo “A sensação era que alguma vez havia tido
murga no bairro, mas que não existia mais” (BUZQUIAZO apud

67
No original: En los 90‘ habia muy pocas manifestaciones colectivas,
habia una parte de la sociedad que estaba satisfecha con el tipo de
cambio, el dolar a un peso, y pensaba que no necesitaba de sus
semejantes (TALENTO apud ROSENBERG, 2009, p. 11).
52

SCHER, p. 156).68
Outro projeto muito importante para a consolidação do Circuito
no bairro de Barracas foi o encontro de palhaços, que passou a ser
realizado nos primeiros sábados de cada mês, de 1997 até 2004. O
chalupazo,69 como foi batizado, fez parte das primeiras atividades do
Circuito e contou com a participação de diversos artistas circenses
(palhaços, malabaristas etc) que desenvolviam suas atividades em outras
localidades e que aproveitaram a oportunidade para se apresentar para os
vizinhos de Barracas e para trocar experiências com outros artistas
ligados ao gênero.
Este encontro fez parte da oficina de palhaço oferecida no
Circuito que resultou além do Chalupazo no grupo Los Payasos del
Circuito.70
Desde o começo das atividades do Circuito Cultural Barracas,
os integrantes do grupo Los Calandracas se utilizaram de festas teatrais,
que tinham como objetivo mobilizar os vizinhos em torno do projeto, e
para tal, incluìam atividades de murga e circo, linguagens com as quais
Los Calandracas haviam dialogado desde sua formação em 1987:

As festas no Passeio Bardi surgem da necessidade


de compartilhar com outros vizinhos nas tardes
domingueiras de Barracas. No primeiro domingo
de cada mês nos juntávamos associados ao Ateneo
Cultural de Barracas, e com a colaboração de
outros artistas (músicos, gente de circo,
bonequeiros) para realizar esta festa, onde sempre

68
No original: La sensación era que habia murga alguna vez en el
barrio, pero que ya no estaba más (BUZQUIAZO apud SCHER, p.
156).
69
Chapeluzo é o sapato desproporcional utilizado por alguns palhaços.
70
A pagina de internet do Circuito CulturalBarracas não identifica o
grupo Los Payasos del Circuito como estando em atividade como faz
com Los Calandracas, El Teatral, Circuito en Banda e Los
Descontrolados de Barracas . Em pesquisa encontrei informações sobre
este grupo até 2004, ano em que o encontro Chapeluzo deixou de ser
realizado, o que me faz supor que o ele terminou junto com o encontro.
53

estavam presentes a murga, o teatro e os palhaços.


Em um clima de muito afeto, onde nunca faltava a
comida e o mate, fomos dando os primeiros
passos nesta tarefa artìstico-
comunitário.(CIRCUITO CULTURAL
BARRACAS).71

A capacidade de mobilização dos vizinhos alcançada pelo


Circuito Cultural Barracas fez com que seus integrantes alugassem um
galpão maior, em 1998, onde se encontra a sede do Circuito até os dias
atuais (Talento, 2013b). O novo galpão foi presenteado pela equipe de
muralistas do grupo Catalinas Sur com a decoração da fachada
(TALENTO, 2010).

71
No original: Las fiestas en el Paseo Bardi surgen de la necesidad
de compartir con otros vecinos las tardes domingueras de Barracas. El
primer domingo de cada mes nos juntábamos asociados al Ateneo
Cultural Barracas, y con la colaboración de otros artistas (músicos,
gente de circo, titiriteros) a realizar ésta fiesta, donde siempre estaban
presentes la murga, el teatro y los payasos. En un clima de mucho
afecto, donde nunca faltaba la comida y el mate, fuimos dando los
primeros pasos en esta tarea artística-comunitaria (CIRCUITO
CULTURAL BARRACAS).Disponìvel em http://ccBarracas.com.ar/el-
teatral/ acessado em 07/05/2013.
54

Figura 8 Fachada Circuito Cultural Barracas. Fonte: Circuito


Cultural Barracas

O grupo mais novo a se desenvolver no interior do Circuito


Cultural Barracas é o Circuito en Banda, que iniciou suas atividades em
2008 (SCHER, 2010a). O Circuito en Banda é composto por vizinhos de
diversas gerações que se reúnem em torno de um projeto musical.
Dentro dele se busca desenvolver a transmissão de conhecimentos entre
os integrantes, de forma que, quem sabe mais, ensina a quem sabe
menos (CIRCUITO CULTURAL BARRACAS).72
Diversas são as estratégias adotadas pelos vizinhos para manter
o Circuito Cultural Barracas, muitas das quais são semelhantes às que
são utilizadas pelo grupo Catalinas Sur. Neste sentido, o Circuito conta,
tal qual o grupo Catalinas Sur, com a contribuição mensal dos
integrantes do projeto, o que é chamado por ambos como cuota
mensual. O circuito também recebe a contribuição dos Amigos del
Circuito, proposta semelhante aos Amigos Utópicos, no qual pessoas
interessadas em apoiar os projetos contribuem financeiramente através

72
Disponìvel em http://ccBarracas.com.ar/circuito-en-banda/
acessado em 07/05/2013
55

do cartão de crédito, tendo em troca o direito assistir as apresentações


gratuitamente. Outra fonte de renda importante para o Circuito Cultural
Barracas são os ingressos pagos pelos espectadores na bilheteria do
galpão. A renda gerada pelos próprios integrantes caracteriza o Circuito
como um projeto autogerido, pois mesmo que outros apoios deixassem
de existir, o projeto não pararia de funcionar.
Mesmo sendo um projeto autogerido, o Circuito Cultural
Barracas conta com o apoio de entidades públicas e privadas, entre elas
está El Ministério de Cultural del Gobierno de la Ciudad Auntonoma de
Buenos Aires, El Intituto Nacional del Teatro e a Fundación Avina
(CIRCUITO CULTURAL BARRACAS).73

2.3.1 El Teatral Barracas.

Em 1999, El Teatral Barracas, grupo de Teatro de Vizinhos do


Circuito Cultural Barracas estreou seu primeiro espetáculo, Los Chicos
del Cordel. O espetáculo é dirigido por Ricardo Talento e foi resultado
das indagações dos vizinhos sobre o processo de exclusão social que se
desenvolvia na Argentina ao final dos anos 90. Eles passaram a observar
no bairro um aumento na quantidade de recolhedores de materiais
recicláveis, de meninos abandonados e de famìlias que se alimentavam a
partir do lixo (TALENTO, 2013b).
Segundo Talento, no espetáculo se fala “dos meninos
abandonados, dos meninos que nascem em um lugar e não tem lugar, ou
seja, que a sociedade não está preparada para aceitá-los” (TALENTO,
2002).74Los Chicos del Cordel é um espetáculo de rua e itinerante,
criado a partir das improvisações dos vizinhos, que percorre 12

73
Lista de apoiadores do Circuito Cultural Barracas. Disponìvel: em
http://ccBarracas.com.ar/el-circuito/#.Ur8JWtF3vIU Acessado em:
12/05/2013
74
No original de los chicos abandonados, de los chicos que nacen
en un lugar y no tienen lugar, o sea, que la sociedad no está preparada
para aceptarlos; Disponìvel em
http://www.tyhturismo.com/email/talento.htm, acessado em 08/05/2013.
56

quarteirões utilizando a arquitetura deteriorada de Barracas como


cenário (BIDEGAIN, 2007a).
O segundo espetáculo realizado pelo grupo El Teatral Barracas
é O Casamiento de Anita y Mirko, com direção de Corina Buzquizo.75
Sendo as festas populares um dos instrumentos utilizados pelo Circuito
Cultural Barracas, com objetivos diversos, (mobilizar os vizinhos,
promover um encontro teatral celebrativo etc), em O Casamiento de
Anita Y Mirko a festa popular se torna o próprio espetáculo. Uma vez
que este representa uma festa onde os espectadores são tidos como
convidados do noivo ou da noiva, e como tal, são convidados a se sentar
em mesas reservadas aos convidados e a comer os quitutes e o bolo do
casamento (BIDEGAIN, 2007a).

Figura 9 El Casamiento de Anita y Mirko. El Teatral Barracas.


Fonte: Circuito Cultural Barracas

O espetáculo foi criado durante o ano de 2001, ano em que a


Argentina atravessava uma grave crise econômica e polìtica, resultado
das medidas neoliberais dos anos 90 e do empobrecimento de uma
parcela significativa da população argentina. Devido à crise econômica
que o paìs atravessava, os integrantes do grupo El Teatral Barracas

75
Corina Buzquiazo é fundadora do Circuito Cultural Barracas e do
grupo Los Calandracas.
57

decidiram convidar as pessoas através do espetáculo teatral a “se reunir,


sair para conversar, se divertir, compartilhar o bolo do casamento e
dançar.” (BIDAGAIN, 2007a, p. 133).76
O grupo El Teatral Barracas realiza seus espetáculos a partir
das indagações e do resgate da memória coletiva dos vizinhos. Em Los
Chicos del Cordel e El Casamiento de Anita y Mirko, o grupo demonstra
estar atento aos acontecimentos que estão se desenvolvendo na
sociedade argentina no momento da criação dos espetáculos, pois o
primeiro aborda a exclusão social que se desenvolvia na Argentina
durante os anos 90 e o segundo é a tentativa do grupo em oferecer uma
resposta a uma grave crise polìtica em que o paìs está mergulhado.
Mesmo tendo como motivação acontecimentos contemporâneos à
construção dos espetáculos, ambos se utilizam de uma perspectiva local
para os temas, sendo que é a memória coletiva, aportada pelos vizinhos,
o que dá sustentação às encenações (BIDEGAIN, 2007a).
Já no terceiro espetáculo de 2004, Zurcido a Mano (Costurado a
Mão), o grupo El Teatral Barracas assume uma perspectiva mais
historicista, retratando momentos significativos para o bairro de
Barracas e suas consequências para os vizinhos, um destes momentos é
o processo de desindustrialização que o bairro sofreu durante o século
XX, o que fez com que:

[…] quem anda por Barracas encontra fábricas


fechadas porque, como cantam em coro na canção
“Nos fizeram acreditar”, aos barranquenses
fizeram acreditar, que as fábricas eram velhas e
obsoletas […]. O resultado de todo este macabro
plano terminou com o fechamento da General
Motors, da fábrica de tecidos Piccaluga […] e
assim, as operárias e os trabalhadores se tornaram
catadores de papel que hoje sofrem a indignidade
de recolher os restos do trabalho de outros
(BIDEGAIN, 2007b).77

76
No original: reunirse, salir a conversar, divertirse, compartir la torta
de casamento y bailars (BIDAGAIN, 2007a, p. 133).

77
No original: quien recorre Barracas encuentra fábricas cerradas
58

Outro momento importante retratado pelo grupo neste


espetáculo é a já citada construção da rodovia, o que obrigou a diversos
vizinhos a abandonarem o bairro e o dividiu em dois (BIDEGAIN,
2007b).
No ano de 2007 foi montado El Loquero de Dona Cornélia, o
espetáculo retrata a pensão de Dona Cornélla, onde são hospedados os
loucos de Barracas, que segundo Talento (2013b), é um bairro famoso
por abriga-los. Em El Loquero de Dona Cornélia, “Os considerados
loucos pelo resto do bairro” (DUBATTI, 2011)78 propõe uma nova
fundação para à pátria, refazendo desde o bairro de Barracas a
Revolução de Maio, que marca o inìcio do processo de independência da
Argentina em relação à monarquia espanhola, mas em abril “que faz
melhor tempo” (EBERT, 2012).79
Mesmo o Circuito Cultural Barracas sendo composto por
outros três grupos independentes, Los Descontrolados de Barracas,
grupo de murga, El Circuito en Banda, grupo musical, Los Calandracas,
grupo de teatro profissional, em El Teatral Barracas estes grupos se
juntam param criarem os espetáculos (ANTIEGO, 2010). As linguagens
trabalhadas pelos grupos que formam o Circuito influenciam a estética
dos espetáculos teatrais, pois eles mesclam a murga, o palhaço, a música
e o canto comunitário.

2.4 RICARDO TALENTO.

porque, como cantan coralmente en la canción ―Nos hicieron creer‖, a


los barraquenses les hicieron creer, que las fábricas eran viejas y
obsoletas […]. El resultado de todo este macabro plan terminó con el
cierre de General Motors, la fábrica de tejidos Piccaluga, [...] , y así,
las operarias de fábrica y los obreros se convirtieron en los cartoneros
que hoy sufren la indignidad de recoger los despojos del trabajo de
otros (BIDEGAIN, 2007b).
78
No original: Los considerados locos por el resto del barrio (DUBATTI,
2011).
79
No original: Por que hace mejor tiempo (EBERT, 2012).
59

Os movimentos teatrais pelos quais Ricardo Talento transitou ao


longo de sua experiência trouxeram contribuições para o Circuito
Cultural Barracas, seja através da incorporação de elementos destes
movimentos, seja pela negação de algumas das caracterìsticas por eles
assumidas.
Aos dezessete anos, em Junìn, Ricardo Talento faz sua estreia
como participante de uma obra teatral, por “casualidade” (TALENTO,
2010, p. 80), explica o diretor, pois é convidado a entrar em cena com
sua bicicleta para esbarrar no protagonista. O grupo era formado por
vizinhos da cidade e contava com a assessoria Pedro Ausquini e
Alejandra Boero, artistas vinculados ao teatro independente80 durante os
anos 60 (TALENTO, 2010).
Sobre esta experiência Talento comenta: “Descobri que esse
mundo me encantava. Passei parte da minha adolescência imerso neste
lugar. Vivia dentro desse teatro, com os vizinhos, fazendo espetáculos.
Aprendìamos iluminação, cenografia, atuação” (TALENTO, 2010, p.
80).81
Durante os anos 70, Ricardo Talento se muda para Buenos
Aires, onde passa a desenvolver diversas atividades teatrais até o golpe
militar de 1976. De 1972 à 1976 fez parte do grupo Cumpa, do qual
também participavam Mauricio Kartun82 e Cecìlia Boal, esposa de

80
O teatro independiente é um importante movimento teatral argentino
que se iniciou em 1930 com o teatro del publo dirigido por Leonidas
Bartello. Durante os anos 50 e 60 este movimento voltou a ganhar força
com Pedro Auquini e Alejandra Boero, que fundaram o teatro nuevo.
Segundo Fulkelman, este movimento buscou manter a independência a
“três grandes inimigos, o ator central da companhia, o empresário
comercial e o Estado” No original: tres grandes enemigos: el actor
cabeza de compañìa, el empresario comercial, el Estado”
(FULKELMAN,2013, p. 01).
81
No original: Descubrí que ese mundo me gustaba. Pasé parte de mi
adolescencia inmerso en ese lugar. Vivía adentro de ese teatro, con los
vecinos, haciendo obras. Aprendíamos iluminación, escenografía,
actuación (TALENTO, 2010, p. 80).
82
\Mauricio Kartun é um importante dramaturgo e diretor de teatro
60

Augusto Boal. O grupo Cumpa se vinculou ao Centro de Cultura


Nacional José Podestá, organização politica composta em grande parte
por artistas teatrais e músicos.
O Centro de Cultura José Podestá esteve ligado ao peronismo 83
durante os anos 70, segundo Verzero (2008), o objetivo principal desta
organização foi a agitação e propaganda em prol da composição
partidária que tinha como candidato a presidente Hector J. Campora84 e
que significa o retorno do peronìsmo ao poder na Argentina. Mesmo
possuindo uma forte ligação polìtica-partidária, dentro de La Podestá,
como ficou conhecido o Centro de Cultura José de Podestá,
desenvolvia-se um fecundo debate sobre a função da cultura na
sociedade. Sobre a influência deste perìodo em suas práticas teatrais
atuais, Ricardo Talento comenta:

Naquele momento o grupo Cumpa fazia parte de


uma organização que se chamava José Podestá, na
qual estavam Juan Carlos Gené, Marilina Ross,
Emilio Alfaro, el negro Carlos Carella. Foi muito
interessante, por que se estabeleceram pautas para
a cultura que são as que estamos utilizando agora
(TALENTO, 2010 p. 82).85
:

argentino.
83
O perionismo na Argentina é um movimento polìtico ligado a Juan
Carlos Perón, que governou a Argentina em três oportunidades, de 1946-
1952; 1952-1958 e 1972-1974.
84
Hector J. Campora foi eleito presidente da Argentina representando o
Peronìsmo em 1973, uma vez que Juan Domingo Perón esta exilado e
não podia concorrer as eleições.
85
No original: En aquel momento el grupo Cumpa formaba parte de una
agrupación que se llamaba José Podestá, en la que estaban Juan Carlos
Gené, Marilina Ross, Emilio Alfaro, el negro Carlos Carella. Fue muy
interesante, porque en ese marco se establecieron pautas sobre lo
cultural que son las que estamos utilizando ahora (TALENTO, 2010 p.
82).
61

Participando do grupo Cumpa e do Centro Cultural José


Podestá, Ricardo Talento construiu algumas das bases que seriam
aplicadas posteriormente no Circuito Cultural Barracas, como
entendimento de que o artista engajado não deva levar cultura para uma
comunidade inculta, mas, estar, por sua vez, disposto a valorizar a
cultura da comunidade e a construir o trabalho em conjunto (TALENTO,
2010).
É também durante os anos 70 que Ricardo Talento tem contato
com o diretor brasileiro Augusto Boal, entre outros motivos, porque
Cecìlia Boal, esposa de Augusto Boal, fazia parte do grupo Cumpa. Foi
a partir deste contato que Ricardo Talento elaborou as técnicas de teatro
para armar, contando com o auxilio de outras pessoas que estiveram
próximas a Boal durante seu exilio na Argentina, como Mauricio Cartun,
que dirigia o grupo Cumpa (TALENTO, 2013b).
Devido ao inìcio da ditadura militar em 76, Ricardo Talento
abandona a prática teatral, retomando-a no perìodo de pós-ditadura com
o grupo Los Calandracas, que juntos formam o Circuito Cultural
Barracas, segundo projeto vinculado ao Teatro de Vizinhos.
O diretor faz uma breve retrospectiva destas experiências e
aponta que em sua opinião, todos estes movimentos pelos quais passou
formam uma continuidade:

Eu faço teatro ha quarenta e dois anos. Comecei


quando o Teatro Independente era uma
manifestação muito forte socialmente, nos anos
60. Depois fiz, nos anos setenta, teatro polìtico.
Tive que calar a boca, não me exilei, mas fui
exilado internamente porque nosso grupo se
exilou [...]. E depois, na democracia começamos a
fazer teatro de rua com o grupo Los Calandracas
e depois, com o grupo Los Calandracas, vamos ao
projeto do Circuito Cultural Barracas. Ou seja, se
você olha toda minha “trajetória”, existe uma
unidade, de como comecei e o que estou fazendo
agora. (TALENTO, 2010).86

86
No original: Yo hace cuarenta y dos años que hago teatro. Yo empecé
cuando todo el teatro independiente era una movida muy fuerte a nivel
social, en los años 60. Después hice, en los años setenta, teatro político.
62

Em parte, a continuidade apontada por Ricardo Talento


demonstra a evolução que as práticas teatrais vinculadas à comunidade
sofreram ao longo dos anos, principalmente durante o século XX,
passando do entendimento de que o teatro deveria servir de ferramenta
para trazer cultura ao povo, supostamente inculto, para serem “decididos
pelas pessoas que participam dos projetos teatrais” (NOGUEIRA, 2007,
p. 06).

2.5 ADHEMAR BIANCHI E RICARDO TALENTO:


EL FULGOR DA PARCERIA.

Adhemar Bianchi e Ricardo Talento promovem há muitos uma


fecunda parceria, o que possibilitou a disseminação do Teatro de
Vizinhos por grande parte do território argentino e por outros paìses. A
direção do espetáculo El Fulgor Argentino, criado pelo grupo Catalinas
Sur, em 1998, e co-dirigido pelos dois diretores, é um dos sìmbolos
desta parceria.
Mas, o encontro entre Ricardo Talento e Adhemar Bianchi se
deu muitos anos antes, em 1987, no parque Lezama, onde tanto o grupo
Los Calandracas quanto o grupo Catalinas Sur desenvolviam atividades
(BIANCHI, 2007).
Como já dito, ambos os grupos fizeram parte durante as décadas
de 80 e 90 do movimento de teatro de rua que se desenvolveu na
Argentina no perìodo de pós-ditadura, e do MoTePo (Movimiento de
Teatro Popular), tendo criado juntos dois espetáculo, Le Robaran El Rio
a Buenos Aires e Utopicos y Mal Entretenidos.
No ano de 1996, os integrantes do grupo Los Calandracas

Tuve que callarme la boca; no me exilié, pero fui exiliado internamente


porque nuestro grupo se exilió… Hay toda una continuidad. Y luego, en
la democracia, comenzamos a hacer teatro callejero con el grupo Los
Calandracas y luego, con el Grupo Los Calandracas, vamos a este
proyecto del Circuito Cultural Barracas. O sea, si vos tomás toda mi
―trayectoria‖, hay una unidad, de cómo comencé y qué estoy haciendo
ahora (TALENTO, 2010).
63

contaram com o apoio do grupo Catalinas Sur para iniciar seu projeto
comunitário e em 1998, Ricardo Talento e Adhemar Bianchi dirigem
juntos o espetáculo El Fulgor Argentino, do grupo Catalinas Sur. Este
espetáculo se tornou uma referência do teatro apresentado na cidade de
Buenos Aires, mantendo-se em cartaz em constantes remontagens até os
dias atuais.
A mais recente parceria entre Bianchi e Talento se dá no novo
espetáculo do grupo Catalinas Sur, Carpa Quemada, El Circo del
Centenário, estreada em maio de 2013. Este espetáculo é dirigido por
Adhemar Bianchi e Ximena Bianchi e conta com a colaboração na
construção dramatúrgica e na composição das músicas de Ricardo
Talento (CATALINAS SUR).87
O grupo Catalinas Sur e o Circuito CulturalBarracas são
projetos semelhantes em muitos aspectos. Além de possuìrem estratégias
de financiamento parecidas, já apontadas neste estudo, os projetos
pioneiros do Teatro de Vizinhos compartem outras caracterìsticas. Para
citar algumas, ambos contam com grupos musicais independentes do
grupo de teatro, A Orquestra Atípica Catalinas Sur e o Circuito em
Banda. Tanto o grupo Catalinas Sur como o Circuito Cultural Barracas
se utilizam, desde o inìcio de suas atividades, de festas, nas quais se
mesclam a músicas e gastronomia, para popularizar o grupo e celebrar o
encontro dos vizinhos. Por fim, ambos têm como fundamental a relação
com os bairros aos quais estão vinculados e a mobilização dos vizinhos
para que estes participem do projeto.
Por outro lado, em outros aspectos são projetos diferentes, o que
pode ser notado desde a formação de ambos, pois o Catalinas foi
formado a partir de uma Associação de Pais enquanto o Circuito através
do interesse dos integrantes do grupo Los Calandracas em iniciar um
projeto comunitário. Por si só, o aporte trazido pelos vizinhos dos
bairros, aos quais estão vinculados, trazem consigo a especificidade de
cada uma das propostas, pois as caracterìsticas culturais de cada
território são diferentes.

87
Disponìvel em:
www.catalinasur.com.ar/index.phpoption=com_content&view=105%Ac
arpaquemada-2013&catid=253espectaculos&Itemid=45&lang=es
acessado em 05/01/2014.
64

Ao ocupar o espaço público para realizar suas obras, o grupo


Catalinas Sur utilizou-se do que Adhemar Bianchi considera como
“teatro de praça”, do velho teatro renascentista, medieval. Já o grupo El
Teatral Barracas, grupo de Teatro de Vizinhos do Circuito Cultural
Barracas, ao realizar o espetáculo Los Chicos del Cordel, realizou uma
obra de rua e itinerante, que se utilizava principalmente da arquitetura
deteriorada do bairro de Barracas como cenário.
O que ocorre, é que o grupo Catalinas Sur e o Circuito Cultural
Barracas são projetos irmãos, sendo que as experiências do Catalinas
influenciam ao Circuito, e as experiências do Circuito também
influenciam o Catalinas,existindo assim entre eles uma influência mútua
e um diálogo constante, o que não impede que os projetos sejam
diferentes.
É importante constatar que a parceria de Adhemar Bianchi e
Ricardo Talento está baseada na soma de habilidades e na negação da
competição entre os agentes envolvidos. Em entrevista com ambos,
estes disseram que algumas pessoas demonstram espanto ou
incredulidade ao observarem que dois diretores de teatro, com
praticamente a mesma idade, que fazem um teatro conceitualmente
semelhante em bairros vizinhos, podem não competir entre si, mas ao
contrário, trabalham em parceria, aproveitando as habilidades de cada
um.88 Talvez por isto o trabalho em conjunto se tornou uma das
ferramentas mais importantes do Teatro de Vizinhos, sem impedir, com
isto, que cada projeto seja único e que possua especificidades próprias.

88
Esta observação me foi feita durante conversa com Adhemar
Bianchi e Ricardo Talento em 23/02/2013. Esta entrevista não foi
gravada.
65

Figura 10 Ricardo Talento, Zeca Nosé e Adhemar Bianchi.


Fonte: Arquivo Pessoal do autor.

Durante o inìcio dos anos 2000, Adhemar Bianchi e Ricardo


Talento realizaram diversos projetos com o intuito de auxiliar a
formação de novos grupos de Teatro de Vizinhos. O que, aliado à
inciativa de diversas pessoas interessadas em formar parte de grupos de
Teatro Comunitário e o contexto polìtico e social que a Argentina
atravessava neste perìodo, resultou na disseminação desta prática, como
veremos a seguir.
66
67

CAPÍTULO 3 A DISSEMINAÇÃO DO TEATRO


DE VIZINHOS.

Este capìtulo tem por objetivo apresentar como se deu a


disseminação do Teatro de Vizinhos na Argentina e em outros
paìses.Inicialmente faço referência à formação de dois grupos na
provìncia de Misiones - Argentina, por influência do grupo Catalinas
Sur, posteriormente o momento polìtico e social que o paìs atravessava
durante o inìcio dos anos 2000, e a importância dos entusiasmadores,
Adhemar Bianchi e Ricardo Talento, para a formação de grupos de
Teatro Comunitário.

3.1 GRUPOS DA PROVÍNCIA DE MISIONES

A partir de 1999, diversos grupos de Teatro de Vizinhos


passaram a se formar. A primeira iniciativa de fomentar o surgimento de
1um novo grupo partiu dos integrantes do Catalinas Sur, que convidados
pelo integrantes do grupo de teatro de bonecos Kossa Nostra, levou seu
espetáculo Venimos de Muy Lejos para ser apresentado na cidade de
Posadas, Provìncia de Misiones, e organizou uma oficina para as
pessoas que tivessem interesse em contar suas histórias através do
teatro, tal qual o grupo Catalinas Sur.
Desta iniciativa foi formado o grupo Murga de La Estación, que
teve seu primeiro espetáculo, Misiones, Tierra Prometida (Missiones,
Terra Prometida), assessorado por Adhemar Bianchi e contou com a
colaboração de diversos membros do grupo Catalinas Sur que deram
apoio técnico para o novo grupo (SCHER, 2010a, p. 163). Murga de La
Estación é o terceiro grupo a assumir o Teatro de Vizinhos como prática.
Uma estratégia parecida foi realizada para que surgisse o quarto
grupo de Teatro de Vizinhos, em 2000, mas, ao invés de Venimos de
Muy Lejos, foi apresentado, na cidade de Oberá, Provincia de Misiones,
o espetáculo Misiones, Tierra Prometida, do então recém-formado
68

grupo Murga de La Estación. Ao término do espetáculo, Adhemar


Bianchi (Catalinas Sur), Liliana Daviña (Murga de La Estación), entre
outros, incentivaram os vizinhos de Oberá a montarem seu próprio
grupo (SCHER, 2010a, p. 172). Assim nasceu o grupo Murga del
Monte.

3.2 CRISE DE 2001.

No ano de 2002, formaram-se muitos grupos de Teatro de


Vizinhos na Argentina.Isto não se deu por acaso, pelo contrário, foi o
resultado de diversos fatores que possibilitaram o surgimento destes
grupos. Inicialmente, a Argentina atravessava uma grave crise
econômica e social neste perìodo. Após dez anos de governo Calos
Menem, que adotou para o paìs diversas medidas neoliberais do
chamado consenso Washington.Os ìndices de desemprego triplicaram, e
a Argentina vivenciou um grande aumento na exclusão social e na
diminuição da qualidade de vida de grande parte de sua população.
Em 1999, foi eleito presidente Fernando De La Rua com o
compromisso de minimizar a crise econômica e dar legitimidade ao
poder público desacreditado pela população. Mas dada a ineficiência das
ações adotadas pelo novo governo e o retorno após algum tempo de
Roberto Cavalo ao ministério da economia, justamente o ministro que
havia implantado o projeto neoliberal e a paridade cambial durante o
governo de Carlos Menem, o governo de De La Rua passa a sofrer
rejeição popular (ROSSI, 2005).
O anúncio, feito em dezembro de 2001, impedindo a população
de fazer retiradas bancarias superiores a 250 pesos por semana, o que
ficou conhecido como curralito89fez explodir a insatisfação popular.
Protestos contrários ao governo foram realizados em todo o paìs e
muitos cidadãos passaram a saquear lojas e supermercados.

89
A tradução de Curralito seria curralzinho, este termo foi utilizado
para se referir ao impedimento das pessoas em realizar saques bancários
superiores a 250 pesos por semana, ou seja, o dinheiro ficou preso no
curralito.
69

Para enfrentar os protestos e saques, o presidente Fernando de


La Rua decretou em 19/12/2001 Estado de Sìtio em todo o paìs, o que
não impediu que seguissem os protestos e os panelaços.90 Em Buenos
Aires estes protestos se concentram na Plaza de Mayo, onde se localiza
a Casa Rosada, sede do governo argentino.
A repressão aos protestos no dia 20 de dezembro de 2001
deixou 30 mortos em todo o paìs e culminou com a renúncia do
presidente, que fugiu da Casa Rosada de helicóptero para evitar os
manifestantes. Outros três presidentes assumiram o cargo em poucos
dias.91
É neste processo de perda de legitimidade dos representantes do
povo e do poder público instituìdo, que diversas organizações sociais
ganham importância, pois um grande contingente de pessoas passou a
ter a necessidade de buscar meios alternativos de organização.
Já em 1995, começa a surgir a mobilização da sociedade civil
argentina para enfrentar a dificuldade econômica que gerou o
empobrecimento de uma parcela significativa da população. Neste
perìodo são formados os clubes de troca:

Os valores de cooperação e de intercâmbio


recìproco e solidário que mantinham as redes de
troca faziam surgir uma verdadeira contracultura
frente ao individualismo e à competição
valorizados pelo neoliberalismo que prevaleciam
nos anos 90. (POGLIAGHI,et al, 2006, p.

90 Tornou-se sìmbolo deste perìodo os protestos onde as pessoas


saiam à rua batendo em panelas, o que se tornou conhecido como
caccioriadas, aqui traduzido por mim como panelaços (ROSSI, 2005).
91
Durante o mês de dezembro de 2001, após a renúncia do
presidente Fernando de La Rua, assumiram a presidência da Argentina:
Ramon Puerta entre os dias 21 e 23 de dezembro, por ser o presidente do
senado. Adolfo Rodriguez Saá foi nomeado como presidente interino no
dia 23 de dezembro e no dia 28 do mesmo mês renunciou, Ramón
Puerta, não aceita assumir novamente a presidência, sendo empossado
assim Eduardo Camaño, presidente de La Camara de los Diputados
(ROSSI, 2005).
70

333).92

Ao final dos anos 90, começam a surgir diversas outras formas


de organização e de ação popular, entre elas os piquetes de protesto dos
desempregados93, a recuperação por parte dos empregados das empresas
abandonadas por seus proprietários,94 as assembleias de bairro,95 entre
outros. A quantidade de movimentos sociais que surgiram neste perìodo
levaram Svampa a afirmar que a Argentina “se transformou em um
inovador laboratório de movimentos sociais” (SVAMPA apud
BIDEGAIN, 2007a, p. 49).96
Foi neste momento de grande mobilização da sociedade
argentina, no qual se desenvolveram diversos formatos de organização
social, que o Teatro de Vizinhos se disseminou por diversos bairros da
cidade de Buenos Aires. Mas o momento de crise que o paìs atravessava
não foi o único responsável pela disseminação da proposta iniciada pelo
grupo Catalinas Sur e pelo Circuito Cultural Barracas, como veremos a
seguir.

92
No original: Los valores de cooperacion y de intercambio recípocro y
solidario que sostenían las redes de trueque inscribían una verdadera
contracultura frente al individualismo y la competencia valorizados por
el neoliberalismo prevalecientes en los noventa (POGLIAGHI,et al,
2006, p. 333).
93
Os piquetes de protesto ficaram conhecidos neste perìodo, no qual as
pessoas insatisfeitas fechavam as ruas para protestar (ROSSI, 2005).
94
Diversas fábricas foram abandonadas neste perìodo por seus
proprietários, sendo ocupadas por seus funcinários, que muitas vezes,
seguiram produzindo (ROSSI, 2005).
95
Em diversos bairros foram organizados assembléias entre os vizinhos
para buscar soluções para a crise que a Argentina atravessava (ROSSI,
2005).
96
No original: se transformó en un novedoso laboratorio de
movimientos sociales (SVAMPA apud BIDEGAIN, 2007a, p. 49).
71

3.2.1 2002 - A formação de novos grupos de Teatro


de Vizinhos na cidade de Buenos Aires.

Além da mobilização social que ocorreu em diversos segmentos


da sociedade argentina, dois outros fatores são identificados por Scher
(2010a) como importantes para a disseminação do Teatro de Vizinhos na
cidade de Buenos Aires no ano de 2002. O primeiro é a iniciativa de
Adhemar Bianchi e Ricardo Talento de auxiliar o surgimento de novos
grupos e de expandir sua proposta de Teatro Comunitário a outros
bairros da cidade.
Os diretores tinham por objetivo que na cidade de Buenos Aires
fossem formados dez grupos de Teatro de Vizinhos (SCHER, 2010a), e
para isto, desenvolveram diversas estratégias de mobilização e
assessoramento que foram postos em prática no ano de 2002.
Bidegain (2007a) comenta sobre a importância dos grupos
pioneiros neste processo de disseminação que ocorreu naquele ano:

Da vocação e da vontade dos grupos de Teatro


Comunitário Catalinas Sur e do Circuito Cultural
Barracas de incentivar, retransmitir e apoiar a
formação de outros grupos da mesma natureza, no
ano de 2002, organizaram-se novos grupos de
vizinhos de distintos bairros reunidos com o
objetivo comum de contar suas histórias
individuais e, a partirdelas, a situação geral e a de
seu lugar de pertencimento (BIDEGAIN, 2007a,
p. 22).97

97
No original: De la vocación y la voluntad de los grupos de Teatro
Comunitário Catalinas Sur y el Circuito Cultural Barracas de
incentivar, retransmitir y apoyar la formación de otros grupos de la
misma naturaleza, en el año 2002, se conformaran nuevos grupos con
vecinos de distintos barrios reunidos en el objetivo común de contar sus
historias individuales y, desde ellas, la situación general y la de su lugar
de pertenencia (BIDEGAIN, 2007a, p. 22).
72

Outro fator importante apontado por Scher (2010) foi o


interesse e inciativa de diversas pessoas em participar, organizar e
coordenar os grupos que surgiriam. Para Scher (2010a), estes três
aspectos permitiram a disseminação do Teatro de Vizinhos naquele ano,
pois: “Esta intenção de expansão [de Ricardo Talento e Adhemar
Bianchi] e o desejo de muitas pessoas que estavam espalhadas,
encontram um momento histórico para tornar possìvel esses sonhos”
(SCHER, 2010a, p. 177).98
Para que se formassem grupos naquele ano, Adhemar Bianchi e
Ricardo Talento se utilizaram da estratégia que vimos na criação dos
grupos da Provincia de Misiones. A partir do projeto Carpa Cultural
Itinerante, do Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires, que visava levar
espetáculos teatrais a diversos bairros da cidade, o grupo Catalinas Sur
apresentou o espetáculo Venimos de Muy Lejos. Após a apresentação,
Bianchi e Talento incentivavam os espectadores a montarem seus
próprios grupos de Teatro de Vizinhos. Bianchi comenta sobre a
utilização desta estratégia:

Uma forma que temos para fomentar [o


surgimento de um novo grupo] é fazer uma
apresentação em algum bairro que nos solicite,
vamos fazendo, e quando termina a obra saio e
digo: isto foi feito pelos vizinhos de La Boca com
nossa história, nossa identidade, e acreditamos
que isto pode ser feito como vocês veem; as
pessoas que estão aqui são vizinhos igual a vocês
(BIANCHI, 2012).99

98
No original: ‖ Esa intención de expansión [de Ricardo
Talento e Adhemar Bianchi] y ese deseo de mucha gente que estaba
desperdigada, encuentran un momento histórico propicio para volver
posibles esos soños‖ (SCHER, 2010a, p. 177).
99
No original: Una forma que tenemos de convocatoria es hacer una
función en el barrio que nos lo pida, seguimos haciéndolo, y cuando
termina la obra salgo y digo: esto lo hemos hecho vecinos de La Boca
con nuestra historia, nuestra identidad, y creemos que esto se puede
hacer como ustedes ven; la gente que hay acá son vecinos igual que
ustedes (BIANCHI, 2012).
73

Após esta primeira conversa realizada ao término do espetáculo,


um encontro era marcado com os interessados. Para não frustrar as
pessoas que se entusiasmavam, Bianchi e Talento contataram
previamente professores de teatro que trabalhavam em centros culturais
dentro do Programa Cultural en Barrios, e que já atuassem na região
onde se objetivava organizar um grupo de Teatro de Vizinhos, para que
coordenassem os novos grupos.
Da estratégia que utilizava o espetáculo Venimos de Muy Lejos
na Carpa Cultural Itinerante, foram formados no ano de 2002 os grupos
Los Pompapetriyasos100 e Res o no Res101 (SCHER, 2010a).
O grupo Los Pompapetriyasos foi coordenado inicialmente
Gabriel Galìndez102 e Augustina Ruiz, sendo que Augustina segue sendo
a diretora do grupo até os dias atuais. Ambos foram contatados por
Adhemar Bianchi e Ricardo Talento, pois eram professores de teatro do
Centro Cultural Homero Manzi, que está localizado no bairro de
Pompeya, ao lado de Parque Patricios, bairro no qual se buscaria criar
um grupo de Teatro de Vizinhos (SCHER, 2010a).
Após um primeiro encontro, no qual Talento e Bianchi
sugeriram que os professores Gabriel e Augustina assumissem a
coordenação do grupo a ser formado, ficou combinado que todos se
encontrariam no dia da apresentação de Venimos de Muy Lejos, que
ocorreria no parque Patricios, parque que dá nome ao bairro de Parque
Patricios. .
A experiência vivenciada por Augustina neste dia é narrada por
Scher (2010a).

O dia chegou. Apenas alguns passos dados no


parque, as pernas de Augustina tremeram. Que
faziam essas 3000 pessoas ali? Por acaso se

100
O grupo Los Pompapetriyasos se localizam no bairro de Parque
Patricios, na cidade de Buenos Aires.
101
O grupo Res o no Res se localiza no bairro de Mataderos, na cidade
de Buenos Aires.
102
Gabriel Galindez dirige atualmente o grupo de Teatro de Vizinhos de
Pompeya, formado em 2003 (SCHER, 2010a).
74

tratava de um show? – Me falaram de fazer teatro


[,,,] Olhou ao público, vizinhos das mais variadas
idades, muitos dos quais tinham nas mão um nada
modesto choripán. (SCHER, 2010a, p. 188).103

O grupo Los Pompapetriyasos iniciou suas atividades no dia 23


de abril de 2002, tendo sido formado inicialmente por aproximadamente
60 vizinhos que se entusiasmaram a partir da apresentação do grupo
Catalinas Sur.
O grupo Rés o no Rés, do bairro de Mataderos, também se
formou a partir da do espetáculo Venimos de Muy Lejos, apresentado
dentro do projeto Carpa Cultural Itinerante. Este grupo foi dirigido
inicialmente por Enrique Papatino, que era professor de teatro do Centro
Cultural Macedonio Fernández, localizado no bairro de Mataderos e que
havia sido previamente contatado por Bianchi e Talento (RÉS O NO
RÉS).
Sobre a formação do grupo Res o no Res, descreve Sher:

Naquela oportunidade, assim que terminou a


apresentação, Adhemar Bianchi, diretor do grupo
Catalinas, fez a convocatória entre o público e
convidou aos vizinhos a formarem um grupo de
Teatro Comunitário em Mataderos. No dia 23 de
março de 2002, ainda atordoados pelos
acontecimentos de dezembro de 2001 e
necessitando se mobilizar, os futuros integrantes
de Res o no Res se reuniram no poliesportivo do
clube Nuevo Chicago. Estavam lá Ricardo Talento
e Adhemar Bianchi, integrantes do Programa de
Cultura en Barrios, do GCBA [Gobierno de la
Ciudade de Buenos Aires] e Enrique Papatino,
que era professor de teatro do Centro Cultural

103
No original: El dia llegó. Apenas dados unos pasos en el parque, las
rodillas de Agustina temblaron. ¿Qué hacian essas 3.000 personas allí?
¿Es que acaso se trataba de un recital? ―Me hablaron de hacer teatro‖
[…] Miró al público, Vecinos de las más variadas edades, muchos de los
cuales sostenían entre sus manos un nada despreciable choripán
(SCHER, 2010a, p. 188).
75

Macedonio Fernández, também de Mataderos


(SCHER, 2010a, p 195).104

No ano de 2002, a formação de novos grupos de Teatro de


Vizinhos na cidade de Buenos Aires, não se restringiu a apresentação do
espetáculo Venimos de Muy Lejos e o posterior incentivo aos vizinhos
formarem seus grupos. Outras dinâmicas ocorreram:
O grupo Alma Mate de Flores, do bairro de Flores, foi formado
a partir da iniciativa de Ana Laura Kleiner e Alejandro Schaab. Uma
nota no jornal Página 12, publicada por Adhemar Bianchi e Ricardo
Talento despertou o interesse em Ana Laura em se integrar em um dos
grupos de Teatro de Vizinhos que estavam se formando naquele ano, por
isto, telefonou ao Circuito Cultural Barracas, e conversou com Ricardo
Talento. Após esta conversa, a diretora estava convencida em organizar
um grupo de Teatro de Vizinhos no bairro de Flores.

Durante a conversa, em alguns momentos pensei


que Talento delirava. Mas me recordo que ele me
disse algo que foi o que me levou a tomar a
decisão – Se este é o sonho de vocês, é o
momento histórico para realizá-lo. (KLEINER
apud SCHER, 2010, p. 202)105

104
No original:En aquella oportunidad, luego de terminada la función,
Adhemar Bianchi, director del grupo Catalinas, hizo la convocatoria
entre el público e invitó a los vecinos a formar un grupo de Teatro
Comunitario en Mataderos. El 23 de marzo de 2002, todavía sacudidos
por los sucesos de diciembre de 2001 y necesitados de participación,
los futuros integrantes de Res o no Res se reunieron en el polideportivo
del club Nuevo Chicago. Estaban allí Ricardo Talento y Adhemar
Bianchi, gente del Programa de Cultura en Barrios, del GCBA y
Enrique Papatino, que era profesor de teatro en el Centro Cultural
Macedonio Fernández, también de Mataderos (SCHER, 2010a, p 195).

105
No original: Durante la conversación, por momentos pensé que Talento
deliraba, pero me acuerdo que me dijo algo que fue lo que me llevó a
tomar la decisión: Se este es el sueño de ustedes, es el momento
76

Com o apoio de diversas organizações sociais do bairro


contatados por Ana Laura, como a comissão de cultura comunitária e a
Murga Arrebatalagrimas, o grupo Alma Mate de Flores iniciou suas
atividades contando com a assessoria de Adhemar Bianchi e Ricardo
Talento, que estiveram presentes no primeiro encontro dos vizinhos para
auxiliar na formação do grupo, que segue sendo dirigido por Ana Laura
Kleiner até os dias atuais (SCHER, 2010a).
O grupo Los Villurqueros foi formado através da iniciativa de
Lilana Vasquez, que segundo Scher (2010a) já conhecia as experiências
do grupo Catalinas Sur e do Circuito Cultural Barracas e tinha o
interesse em formar um projeto com estas caracterìsticas. A primeira
tentativa de Lilana foi a de transformar o grupo de teatro independente,
do qual participava, em um grupo de Teatro Comunitário. Sobre este
intento, comenta Liliana “Muitos dos integrantes eram ótimos atores,
mas para a maioria não se enquadrava na proposta comunitária”
(VELASQUEZ apud SCHER, 2010, p. 207).106
Uma segunda tentativa de Liliana foi a de formar um grupo a
partir de uma assembleia popular que havia se formado no bairro de
Villa Urquiza, o que também não foi bem sucedido, pois.
Alguns tipos da assembleia queriam outra coisa:
pretendiam que o grupo não fosse coordenado por
pessoas de teatro, mas por um partido polìtico. Eu
lhes expliquei que se podia criar um grupo no
interior da assembleia, mas sem se converter em
uma extensão desta, por que o teatro necessita de
liberdade absoluta de criação, caso contrário surge
uma subserviência que não permite. Mas eles não
entenderam e não pude ser (VASQUEZ apud
SCHER, 2010, p. 208).107

histórico para concretarlo (KLEINER apud SCHER, 2010, p. 202).


106
No original: Muchos de los integrantes eran valiosos como actores,
pero a la mayoria no le cuadraba la propuesta comunitária
(VELASQUEZ apud SCHER, 2010, p. 207).
107
No original: Algunos personajes de la asamblea querían otra cosa:
pretendían que el grupo no fuera coordinado por gente de teatro, sino
de un partido político. Yo les expliqué que se podía crear el grupo en el
77

Após estas duas investidas, surgiu a oportunidade que se


concretizou. O grupo de cultura da assembleia se tornou um grupo de
cultura independente da mesma, foi então que se iniciou o processo de
formação do grupo de Teatro de Vizinhos de Villa Urquisa, Los
Villuqueros, que para se formar contou com a colaboração de Córdoba
Mariela Pacheco e Ana Radusky, que fizeram parte do movimento de
teatro de rua da pós-ditadura com o grupo El Encuentro e do MOTEPO
junto com os grupos Catalinas Sur e Los Calandracas (SCHER,
2010a).
Sobre a influência do Circuito Cultural Barracas e do grupo
Catalinas Sur nas experiências do grupo Los Villurgueros, comenta
Liliana Vasquez:

Poderìamos dizer que nos parecemos ou que ao


menos temos a intenção de fazer o mesmo tipo de
teatro de participação, que gere movimento dentro
da comunidade, que seja realizado com e por ela,
transformando a inércia em mobilização e festa
[...]. Adhemar Bianchi e Ricardo Talento, do
grupo Barracas, são nossas referências
(VASQUEZ, 2008).108

Edith Scher, jornalista e crìtica teatral, foi a responsável pela


criação do grupo Matemurga, sendo sua diretora desde a formação até
os dias atuais. O contato de Edith com o grupo Catalinas Sur e o
Circuito Cultural Barracas já ocorria ha vários anos, isto por conta do

marco de la asamblea, sin convertirse, por ello, en un apéndice de esta,


porque el teatro requiere libertad absoluta de creación, de lo contrario
aparece en él un sometimiento que no sirve. Pero no lo entendieron y no
pudo ser (VASQUEZ apud SCHER, 2010, p. 208).
108
No original: Podriamos decir que nos parecemos o que al menos tenemos
la intención de hacer el mismo tipo de teatro de participación, que
genere movimiento dentro de la comunidad, que sea realizado con y por
ella, transformando la inercia en movilización y fiesta. [...]. Adhemar
Bianchi y Ricardo Talento, del grupo Barracas, son nuestros referentes
(VASQUEZ, 2008).
78

trabalho de jornalista que Edith realizava, pois segundo a diretora, ela já


havia assistido diversas obras dos mesmos e entrevistado seus diretores
(SCHER, 2010a).
O grupo Matemurga foi formado a partir do programa de rádio
apresentado por Osmar Lopes, no qual Edith lançou um convite aos
ouvintes para montar um grupo de Murga que seria ensaiado em um
centro cultural que se localizava entre os bairros de Entre Rios e San
Juan.
Motivado por Adhemar Bianchi, o projeto que se destinava a
montagem de um grupo de Murga se transformou num grupo de Teatro
de Vizinhos, tal qual conta Edith Scher:

Sem dúvida, minhas inúmeras conversas com


Bianchi, a quem reconheço como um grande
amigo e professor, foram libertando em mim a
audácia para encarar o que, sem saber, sempre
tinha sonhado: um grupo de Teatro Comunitário
(SCHER, 2010a p. 214).109

Mesmo tendo sido anunciado como um grupo de murga, o


grupo Matemurga já foi formado como sendo um grupo de Teatro de
Vizinhos, e Edith Scher se tornou além de diretora do grupo, uma
importante pesquisadora deste fenômeno teatral.
O grupo El Épico de La Floresta foi formado após a
participação de Orlando Santos, professor de teatro na escola do bairro
Floresta, no curso ministrado por Adhemar Bianchi e Ricardo Talento no
galpão do grupo Catalinas Sur, e que tinha como objetivo formar
diretores de grupos de Teatro de Vizinhos. Após o curso, Orlando propôs
a seus alunos que montassem um grupo com estas caracterìsticas. Sobre
esta experiência, relata Orlando:

109
No original:Sin embargo, mis innumerables charlas con Bianchi, a quien
reconozco como un gran amigo y maestro, fueron desatando en mí la
audacia para encarar lo que, sin saberlo, siempre había soñado: un
grupo de Teatro Comunitario (SCHER, 2010a p. 214).
79

Eu, que já tinha muita vontade, telefonei para


Ricardo e perguntei se o curso tinha vagas. Ele me
disse para que fosse. Fiz o curso e, uma vez que
terminei, propus aos meus alunos do centro
cultural em montar um grupo de Teatro
Comunitário, sair da esfera institucional e
começar a trabalhar no espaço público. Assim, em
21 de setembro, que era sábado, decidimos ir para
a praça e levar roupa velha para jogar com o
figurino. Era tal o entusiasmo que uma das
integrantes trouxe um acordeom, mesmo não
sabendo tocar (SANTOS apud SCHER, 2010 p.
227).110

Diversas foram as dinâmicas para que ocorresse o surgimento


de grupos de Teatro de Vizinhos no ano de 2002. O que existe de
comum nelas é o momento de mobilização que se desenvolvia na
Argentina, o interesse de diversas pessoas em iniciar e coordenar um
grupo de Teatro de Vizinhos e a presença de Adhemar Bianchi e Ricardo
Talento que, de formas diversas, motivaram, auxiliaram ou inspiraram
diversas pessoas, o que possibilitou que novos grupos surgissem.
No ano de 2003, no qual a Argentina ainda vivenciava as
dificuldades geradas pela crise econômica e social, grupos de Teatro de
Vizinhos seguiram se formando, alcançando neste ano outras regiões do
paìs. Um marco importante deste segundo ano de disseminação foi o
curso oferecido por Adhemar Bianchi, Ricardo Talento, Alfredo Iriarte e
Cristina Guione no Museo de Arte y Memória da cidade de La Plata.
A partir desta oficina se formaram, ainda em 2003, os grupos

110
No original: Yo, que ya venía con ganas, lo llamé a Ricardo y le pregunté
si el cupo estaba cubierto. Me dijo que me acercara. Hice el curso y,
una vez que lo terminé, les propuse a mis alumnos del centro cultural
armar un grupo de Teatro Comunitario, salir del marco institucional y
comenzar a trabajar en el espacio público. Así, un 21 de septiembre, que
caído sábado, decidimos ir a la plaza y llevar ropa vieja para jugar con
el vestuario. Era tal el entusasmo, que incluso una de las integrantes
trajo un acordeón, aunque no lo sabía tocar (SANTOS apud SCHER,
2010 p. 227).
80

Los Dardos de la Rocha e Los Okupas de Áden, ambos na cidade de La


Plata, e Patricios Unidos de Pié, na cidade de Patricios, provìncia de 9
de Julio (SCHER, 2010a).
Fica evidente, mesmo a partir desta apresentação sintética dos
grupos criados, a influência, através da motivação e da transmissão de
conhecimentos dos pioneiros e principais fomentadores do Teatro de
Vizinhos, Adhemar Bianchi e Ricardo Talento. Por iniciativa direta ou
pelo que Rosemberg chama de “apadrinhamento” (ROSENBERG, 2009.
p. 16), a formação de grupos de Teatro de Vizinhos, principalmente a
partir do ano de 1999, foi em grande parte, resultado das iniciativas e do
interesse de diversas pessoas em se aventurar em um projeto artìstico
comunitário. Desta forma os grupos que se formaram tornaram-se
independentes, livres para desenvolver suas atividades e para tomar suas
decisões. Segundo Adhemar Bianchi “uma das coisas é não colonizar, [e
sim], entusiasmar para que outros sigam tomando o lugar” (BIANCHI,
2012).111
Incentivar é ajudar um grupo para que não comece do zero, que
ele possua uma base para daì iniciar sua própria trajetória. Mas sem o
receio de perder sua identidade através da troca constante de
experiências com os outros grupos de Teatro de Vizinhos. Sendo a
riqueza da troca de experiências um dos principais elos que unem estes
grupos.

3.2.1.1 Novos entusiastas.

Com a disseminação do Teatro de Vizinhos, diversos


participantes dos novos grupos passaram a assumir junto com os
integrantes do grupo Catalinas Sur e do Circuito Cultural Barracas a
responsabilidade de estimular a formação de novos grupos ou auxiliar os
grupos já formados, transmitindo eles também suas experiências através
de oficinas e capacitações.
Edith Scher, diretora do grupo Matermurga, criado em 2002, é
um exemplo destes novos entusiastas. Podendo estar acompanhada ou

111
No original: Una de las cosas es no colonizar, mas entusiasmar para que
los otros vayan tomando el lugar (BIANCHI, 2012)
81

não pelos dois pioneiros, Adhemar Bianchi e Ricardo Talento, Scher já


ministrou diversas oficinas na Argentina e em outros paìses.112 Destas
oficinas surgiram ao menos dois novos grupos, Aguante Pescuezo e
Elenco Abierto, ambos em Quilmes.
Diversos são os registros que demonstram que integrantes dos
grupos ministram oficinas para novos grupos ou para capacitar grupos já
formados.113 Um exemplo de capacitação foi a oficina ministrada por
Guadalupe Lanusse e Cecilia Mariño, do grupo Boedo Antiguo, no ano
de 2009 na cidade de Salta. Esta oficina se chamava “aproximação ao
Teatro Comunitário”.114
Sobre esta experiência, o grupo de Teatro de VizinhosAlas, que
participou da oficina, comenta: “A abertura que elas tiveram ao contar
suas experiências com o Boedo Antiguo, esclarecendo os pormenores de
seu trabalho no grupo, alimentaram nossa vontade de crescer e seguir
insistindo com o teatro e com a cultura” (DIAZ, 2009).115
Outra dinâmica, que fomentou a disseminação do Teatro de
Vizinhos, foi a movimentação de pessoas que acumularam experiência
dentro de um dos grupos e que formaram grupos novos. Isto ocorreu

112
Esta afirmação esta embasada em diversos registros que encontrei
na internet sobre oficinas ministradas por Edith Scher, como exemplo
posso citar a oficina ministrada na Universidade de Buenos Aires junto
com Ricardo Talento em 2013. Disponìvel em
http://dramaticas.iuna.edu.ar/extension/cursos/1488-taller-teorico-
practico-de-teatro-comunitario. Também fui informado por Edith de que
ela estava se preparando para realizar uma oficina em Portugal no
primeiro semestre de 2013.
113
Encontrei registros de oficinas ministradas por Augustina Ruiz,
diretora do grupo Pompatryasos; Liliana Daviña, Murga del Monte;
Alejandra Arostegui, grupo Cruzavias, entre outros.
114
Disponìvel em: http://www.salta21.com/De-Boedo-Antiguo-a-
Salta-con-el.html, acessado em 07/04/2013
115
No original: La apertura que tuvieron la chicas al contar sus
experiencias con Boedo Antiguo, aclarando los pormenores de su
trabajo en el grupo alimentaron nuestras ganas de crecer y seguir
insistiendo con el teatro y con la cultura (DIAZ, 2009).
82

com algumas pessoas, entre elas: Alejandra Orestegui, que dirigiu o


grupo Patricios Unidos de Pié e atualmente dirige o grupo de
Cruzavias, ambos na provìncia de 9 de Julio. Andrea Salvemini, que por
mais de vinte anos foi diretora musical do grupo Catalinas Sur,
atualmente dirige o grupo de La Boca del Riachuelo, 3. 80 y Crece.
A atuação de novos (e antigos) entusiastas e a formação de
grupos por pessoas que acumularam experiência dentro do Teatro de
Vizinhos permitiu que se formasse uma base de trabalho que é
compartilhada por grande parte dos grupos envolvidos.

3.3 Rede Nacional de Teatro Comunitário.

A Rede Nacional de Teatro Comunitário foi criada na Argentina


em 2002, sendo composta inicialmente pelos grupos Catalinas Sur,
Circuito Cultural Barracas e Boedo Antiguo116, da cidade de Buenos
Aires e Murgade La Estación e Murga del Monte, ambos da Provincia
de Misiones (REDE NACIONAL DE TEATRO
COMUNITÁRIO).117Com a formação de novos grupos em 2002, estes
também se integraram à Rede Nacional. Atualmente ela é composta por
51 grupos, sendo 40 destes já realizaram ao menos 1 (um) espetáculo, e
por isto são considerados grupos formados; e 11 estão em formação,
pois ainda não realizaram seu primeiro espetáculo.118Estes grupos estão
espalhados por todo o território argentino como ilustra a imagem a
seguir.
116
O grupo Buoedo Antiguo surgiu em 2001 através da inciativa de
Hernam Peña, Damiana Puglia y Estanislao Sánchez. Este grupo não
teve sua formação inspirada nas experiências dos grupos Catalinas Sur e
Circuito Cultural Barracas, mas nas experiências de seus diretores na
Europa (SCHER 2010, p. 179).
117
Disponìvel em:
http://192.185.91.42/~teatro/index.php?option=com_content&view=arti
cle&id=2&Itemid=24Acessado em: 30/03/2013.
118
Relação dos grupos formados e em formação disponìvel no site
www.teatrocomunitario.com.ar. Acessado em 04/04/2013.
83

Figura 11 Localização dos grupos de Teatro Comunitário


da Argetnina. Fonte: Criação do autor utilizando Google
Mapas

O comprometimento da Rede Nacional de Teatro Comunitário


com a formação de novos grupos está expresso em sua página de
internet, ao afirmar que: “Os grupos novos se incorporarão à Rede uma
vez que tenham organizado e estreado sua primeira produção. Enquanto
isto, a Rede oferece ajuda para que isto se concretize” (RED
NACIONAL DE TEATRO COMUNIARIO).119
Para Bidegain (2007a), ao iniciar seu projeto de retransmissão
de experiências e organizaçãoda Rede Nacional de Teatro Comunitário,
Adhemar Bianchi e Ricardo Talento se utilizaram da experiência
adquirida durante o movimento de Teatro de Rua na pós-ditadura, e da
participação dos grupos Catalinas Sur e Los Calandracas no MOTEPO,
pois nesta organização, semelhante ao que foi desenvolvido
posteriormente com o Teatro de Vizinhos, os grupos se encontravam

119
No original: Los grupos nuevos se incorporarán a la Red una vez que
se hayan organizado y hayan estrenado su primera producción.
Mientras tanto la Red ofrece ayuda para que esto se concrete.
Disponível em: www.teatrocomunitario.com.ar, acessado em
03/04/2013. .
84

para “explorar distintas experiências de arte solidária e transformadora


da sociedade através de festivais, encontros e cooperação mutua
(BIDEGAIN, 2007a, p. 27).120
Desta forma, entre as atividades desenvolvidas pela Rede, estão
os Encontros Nacionais de Teatro Comunitário, nos quais os grupos de
todo o paìs se unem, apresentam obras e compartilham experiências.
Adhemar Bianchi identifica que os Encontros Nacionais de
Teatro Comunitário são benéficos aos grupos que participam, pois a
partir deles ocorre a troca de conhecimentos. Existe a possibilidade de
ver como determinado grupo resolveu uma dificuldade, servem também
para que os vizinhos que integram os projetos em diversas regiões,
muitas vezes afastadas umas das outras, percebam que fazem parte de
um grande movimento que ocorre em todo o paìs (IV ENCUENTRO
DE TEATRO COMUNITARIO).121
Além da troca de experiências, os Encontros Nacionais também
trazem benefìcios ao grupo/grupos122 que sediam o evento e a seus
locais de pertencimento. O primeiro e o segundo encontro, que
ocorreram na cidade de Patricios, sede do grupo Patricios Unidos de
Pie, levaram respectivamente 330 e 700 pessoas, entre atores vizinhos e
espectadores, a um povoado de aproximadamente 600 moradores
(RAMOS; SANZ, 2009) . Esta movimentação ajudou a ingressar
dinheiro na economia da cidade, além publicitar o grupo de Patricios,
que se tornou um dos mais conhecidos da Argentina.

120
No original: explorar distintas experiências de arte solidaria y
transformadora de la sociedad por médio de festivales, encuentros y
mutua cooperacion” (BIDEGAIN, 2007a, p. 27).
121
Informações colhidas no vìdeo documentário sobre o IV encontro
nacional de Teatro Comunitário. Disponìvel em
http://www.youtube.com/watch?v=LMBdVkuTtE4. Transcrição feita
pelo autor.
122
Diversos formatos já foram utilizados para se realizar os Encontros
Nacionais de Teatro Comunitário, entre eles, a escolha de apenas um
grupo como anfitrião do evento, como no caso do I e II Encontro que se
realizou na cidade de Patricios, em outros, dois ou mais grupos de uma
mesma cidade foram os anfitriões, como no caso do VII Encontro,
realizado na cidade de Buenos Aires.
85

Segundo a Rede Nacional, o IX Encontro Nacional de Teatro


Comunitário, que foi realizado em Partido123 de Rivadavia, Provincia de
Buenos Aires, contou com a participação de 1200 vizinhos-atores e
ingressou na economia de Partido Rivadávia 500.000 pesos argentinos
(Red Nacional de Teatro Comunitário).124
Mas a Rede Nacional de Teatro Comunitário não se restringe a
realizar encontros, ela se torna um espaço de ação conjunta, apoio
mútuo e de comunicação entre os grupos envolvidos, pois ela:

[…] conecta, entrelaça e contém todos os grupos


de Teatro Comunitário, com a finalidade de trocar
experiências e informações, compartilhar e
debater problemáticas comuns e realizar ações de
forma conjunta para difundir e fortalecer o
crescimento de todos (REDE NACIONAL DE
TEATRO COMUNITÁRIO).125

Um exemplo de ação conjunta desenvolvida pela Rede Nacional


de Teatro Comunitário é o seu recente engajamento para que o poder
público adotasse os Pontos de Cultura como polìtica cultural na
Argentina.
Pontos de cultura é um projeto de apoio financeiro
desenvolvido na gestão do presidente Lula, com o intuito de apoiar
projetos culturais populares. Segundo Nogueira e Velloso (2010), os
pontos de cultura buscam apoiar projetos já em andamento, facilitando
através de uma ação desburocratizada que comunidades populares

123
Na província de Buenos Aires, as subdivisões administrativas são
chamadas de partido, sendo esta a única província do país a adotar esta
denominação. Disponível em: http://www.enbuenosaires.com.ar/buenos-
aires-informacion-es_AR.html acessado em 04/03/2014.
124
Dsponìvel em:
http://www.teatrocomunitario.com.ar/index.php?option=com_content&v
iew=category&layout=blog&id=28&Itemid=99 acessado em
19/06/2013
125
Disponìvel em: www.teatrocomunitario.com.ar. Acessado em
05/04/2013
86

tenham acesso ao projeto. Os Pontos de Cultural foram criados tendo


como perspectiva que “são as pessoas que fazem cultura e não o Estado.
A este cabe potencializar e conectar as iniciativas da sociedade”
(NOGUEIRA; VELLOSO, 2010, P. 158).
O MERCOSUL (Mercado Comum ao Sul) sugeriu aos paìses
membros126 que estes adotassem os Pontos de Cultura como parte de
suas polìticas culturais. Em 2010, a Rede Nacional de Teatro
Comunitário junto com outras organizações artìsticas, se engajou na luta
para que os pontos de cultura fossem implantados na Argentina:

A Rede Nacional de Teatro Comunitário considera


os pontos de cultura como um acontecimento
fundamental para seu desenvolvimento e
sustentabilidade; por isto desde sua atuação
territorial vai trabalhar para que eles se
transformem o mais cedo possìvel em lei naciona
(REDE NACIONA DE TEATRO
COMUNITÁRIO).127

Para conseguir tal feito, organizações artìsticas interessadas


promoveram reuniões e debates para pressionar o Congreso de La
Nacion a aprovar os Pontos de Cultura como polìtica de Estado, além de
realizar uma grande manifestação que contou com a participação de
aproximadamente 600 pessoas, que conseguiram que uma comissão
composta por diversos coletivos fosse recebida pelos congressistas
(FUNDACIÓN SES, 2010). Em 2011, foi aprovado o projeto de Pontos
de Cultura na Argentina, sendo que atualmente 237 iniciativas recebem

126
O MERCOSUL era composto no momento da proposta por Brasil,
Argentina, Uruguai e Paraguai, atualmente também faz parte desta
organização a Venezuela.
127
No original: La Red Nacional de Teatro Comunitario toma los
Puntos de Cultura como un hecho fundamental para su desarrollo y
sustentabilidad; por eso desde su accionar territorial va a trabajar para
que éstos se conviertan lo antes posible en ley nacional.Disponìvel
em:http://www.teatrocomunitario.com.ar/index.phpoption=com_content
&view=article&id=5%3Apuntos-de-cultura&Itemid=96 acessado em
04/07/2013.
87

apoio para manter suas atividades.128


Mesmo se mobilizando nacionalmente, como nos casos dos
encontros nacionais e na busca da criação dos Pontos de Cultura, a Rede
Nacional de Teatro Comunitário não existe fisicamente, não possui sede
ou estrutura fixa além da página de internet mantida por ela. Segundo
Busquiazo (2013), a Rede Nacional está nos participantes, no
assessoramento dos grupos mais experientes e estruturados aos grupos
mais novos. Ela existe através do constante contato mantido entre os
grupos, seja pessoalmente, por telefone, e-mail ou qualquer outra forma
de comunicação.
Pude presenciar uma reunião na qual Ricardo Talento e
Adhemar Bianchi se encontraram com membros do grupo Los Dardos
da Rocha, de La Plata. Nesta oportunidade, os membros de Los Dardos
da Rocha pediam conselhos sobre como proceder em relação a diversas
necessidades: desde formas de concorrer a editais, com o intuito de
contar com financiamento público, até em como conseguir autorização
do exército argentino para utilizar uma área militar para seu próximo
espetáculo.
Alguns dias antes, entrevistei Ricardo Talento e Edith Scher
após uma reunião de ambos. Edith Sher me relatou que nesta reunião
Talento lhe aconselhava sobre a encenação do grupo Matermurga, que
ela dirige na cidade de Buenos Aires.
Neste sentido, os encontros informais também fazem parte das
atividades desenvolvidas pela Rede Nacional de Teatro Comunitário. O
mesmo ocorre com as oficinas e capacitações que são oferecidas em
diversos locais da Argentina e em outros paìses. Por mais que muitas
destas ações sejam resultado da iniciativa deste ou daquele membro,
muitas são identificadas como sendo da Rede Nacional de Teatro
Comunitário.

O mais interessante de nossa Rede é que ela está


além do formal, estamos em diálogo; nos
chamamos pelo telefone ou e-mail, para sentirmos
que todos temos a necessidade de que os grupos
cresçam, que não se sintam sozinhos, que contem
com os grupos irmãos para ajudá-los se enfrentam

128
Fonte: http://puntosdecultura.cultura.gob.ar/
88

problemas e para compartir seus êxitos


(BUSQUIAZO, 2013).129

A constante troca de experiências entre os grupos que compõem


a Rede fez com que se modificasse a dinâmica de encontros descrita por
Bidegain em 2007. Se inicialmente, tal qual afirma a pesquisadora, a
Rede Nacional de Teatro Comunitário realizava reuniões mensais entre
os diretores dos grupos de todo o paìs, ou de um representante destes
(BIDEGAIN, 2007a, p. 28), atualmente ela fomenta a construção de
redes regionais e de encontro bilaterais para o apoio mútuo entre os
grupos.
Segundo Corina Busquiazo (2013), em 2012 ocorreram dois
encontros nacionais entre os diretores dos grupos de Teatro de Vizinhos.
Sendo assim, atualmente os encontros dos diretores da Rede Nacional se
tornou um espaço onde se discutem temas que são abordados
inicialmente a nìvel local e ou regional.
Os encontros entre os diretores dos grupos de Teatro de
Vizinhos são descritos pela página de internet mantida pela Rede
Nacional como sendo “de igual para igual. Gera uma ordem e um
reconhecimento natural da autoridade, que estão dados pela experiência
e pelo conhecimento, ambos legitimados pelos trabalhos realizados”
(REDE NACIONAL DE TEATRO COMUNITÁRIO).130
Como vimos, a maioria dos grupos de Teatro de Vizinhos,
surgidos até 2002, foram influenciados pelos dois projetos pioneiros, e

129
No original: Lo más interesante de nuestra red es que más allá de lo
formal, estamos comunicados, nos llamamos por teléfono, o mails para
realmente sentir que tenemos todos la necesidad de que los grupos
crezcan, no se sientan sólos, cuenten con grupos hermanos para
ayudarlos si tienen problemas y para compartir los logros
(BUSQUIAZO, 2013).

130
No original: reconhecimentode igual a igual. Genera un orden y un
reconocimiento natural de la autoridade, que están dados por la
experiência y el saber, ambos legitimados por el hacer” (RED
NACIONAL DE TEATRO COMUNITÁRIO)Disponivel em
www.teatrocomunitario.com.ar acessado em 6/04/2013
89

os que surgiram posteriormente, em sua maioria, receberam o apoio dos


grupos em atividade (SCHER, 2010).131 Esta dinâmica permitiu que se
formasse uma base comum, e a prática de apoio mútuo. Por se
considerarem “grupos irmãos”, o compartilhamento de experiências e de
suporte técnico e material se tornou uma das forças dos grupos
vinculados ao Teatro de Vizinhos.
Para se ingressar na Rede Nacional deve-se inicialmente ter o
interesse em interagir com os outros grupos que a compõe, e seguir
algumas orientações:

Para que um grupo de Teatro Comunitário integre


a Rede, é desejável que conte com
aproximadamente 20 integrantes, sempre com
vocação de serem mais. A condição é que se trate
de um grupo aberto, com caracterìsticas de
inclusão permanente, permitindo a rotação natural
de seus integrantes. A experiência ao longo dos
anos demonstra que isto garante a dinâmica
coletiva (REDE NACIONAL DE TEATRO
COMUNITARIO).132

Desta forma, os grupos de Teatro de Vizinhos tendem a ser


numerosos por que se busca criar nos espetáculos uma voz coletiva,
plural, comunitária que se realizada por um número pequeno de pessoas
não teria a mesma intensidade. (SCHER, 2010a). Eles devem estar
constantemente abertos a agregar novos integrantes, pois se parte do

131
Esta afirmação pode ser verificada em SCHER (2010) que descreve a
formação de todos os grupos surgidos até 2010.
132
. No original: Para que un grupo de Teatro Comunitario integre la
Red, es deseable que cuente con una cantidad aproximada de 20
integrantes, siempre con vocación de ser más. La condición es que se
trate de un grupo abierto, con características de inclusión permanente,
permitiendo la rotación natural de sus integrantes. La experiencia a lo
largo de los años demuestra que esto garantiza la dinámica colectiva
(REDE NACIONAL DE TEATRO COMUNITARIO). Disponível em:
http://192.185.91.42/~teatro/index.php?option=com_content&view=arti
cle&id=2&Itemid=24 Acessado em: 12/05/2013
90

entendimento que um projeto comunitário, no qual os vizinhos são


convidados a participar.Deva-se incluir ao invés de excluir (BIDEGAIN,
2011). Estas e outras caracterìsticas serão analisadas posteriormente,
mas torna-se interessante observar a convicção, exposta na página de
internet da Rede Nacional, de que os grupos de Teatro de Vizinhos
devam apresentar as caracterìsticas acima mencionadas, e que isto é
resultado do entendimento construìdo através das experiências dos
grupos.

3.4 O Teatro de Vizinhos fora da Argentina.

Atualmente o Teatro de Vizinhos já ultrapassou as fronteiras da


Argentina, tendo grupos que se inspiraram nesta prática na Itália,
Espanha e Uruguai. Diversas foram as experiências de membros do
Teatro de Vizinhos fora da Argentina.133 Algumas destas resultaram em
grupos que já não estão em atividade, por isto vou analisar apenas os
grupos em atividade no primeiro semestre de 2013.134
O grupo de Teatro de Vizinhos mais antigo em atividade fora da
Argentina é o Grupo de Pontelagoscuro, de Ferrara - Itália. Ele foi
criado através da inciativa dos integrantes do Grupo Nucleo, em 2006.
O grupo Nucleo foi formado na Argentina em 1974. Após uma
temporada na Europa, o grupo retorna a seu paìs de origem, mas, devido
à ditadura militar que havia se instaurado na Argentina, seus integrantes
decidem imigrar em definitivo para Itália no ano de 1978
(HERRENDORF, 2007).
Ao transformar um antigo cinema da cidade de Ferrara em um
teatro, os integrantes do grupo Nucleo decidiram formar um grupo de

133
Posso citar as oficinas de Bianchi em Washington e em Barcelona.
Também as experiências de Monia Lacoste em diversas cidades da
Espanha. Destas experiências, até onde pude averiguar, nenhum grupo
segue em atividade em 2013.
134
Grande parte das informações sobre os grupos de Teatro de Vizinhos
fora da Argentina foram obtidas através de entrivstas por mim
realizadas.
91

Teatro de Vizinhos, para contar a história do bairro, isto ocorreu no ano


de 2006 (NUCLEO).135
Para mobilizaros vizinhos do bairro, foi utilizada a pintura da
fachada do teatro Julio Cortazar, antigo cinema Astra, como elemento
aglutinador. Assim os vizinhos foram convidados a opinar sobre quais
personagens do bairro deveriam ser representados no mural. Para tal,
deveriam levar fotos antigas que pudessem servir de inspiração para a
pintura (TASSINARI, 2006).
Os muralistas Osmar Gasparini e Ana Serrata, ambos do grupo
Catalinas Sur, viajaram da Argentina para a Itália para coordenar a
pintura do mural (SCHER 2010), que foi realizada de forma comunitária
e mobilizou os vizinhos em torno do projeto. Adhemar Bianchi atuou
desde os primeiros ensaios como consultor do grupo (TASSINARI,
2006).
O Teatro de Vizinhos no Uruguai se deu com a formação do
grupo Los Tejanos, no bairro de Tejas, Montevidéu. O grupo foi formado
2007 através da iniciativa do diretor Enrique Permuy, que contou com o
apoio da Prefeitura de Montevidéu, através do projeto Esquinas da
Cultura,136e de Adhemar Bianchi. Los Tejanos já realizaram dois
espetáculos, o primeiro Tejanos, que conta a história do bairro desde sua
formação e uma releitura do El Herreiro y la Muerte, de Jorge Cury e
Mercedes Rein (LOS TEJANOS).137
Em 2012, Bianchi esteve envolvido com a tentativa de formar
novos grupos no Uruguai.Segundo o diretor, alguns projetos se mostram
promissores, mas no momento o único grupo estruturado no Uruguai
segue sendo Los Tejanos. (Bianchi, 2012).

135
Disponìvel em: http://www.teatronucleo.org/progetti/teatro-
comunitario/iprogetto-teatro-comunitario, acessado em 20/05/2013.
136
No original: Esquinas de la Cultura. Este projeto é desenvolvido
pela prefeitura de Montevidéu desde 2005 até os dias atuais e tem o
objetivo descentralizar as atividades culturais.
http://agenda.montevideo.gub.uy/proyecto/1901
137
Disponìvel em:
http//teatrocomunitariotejanos.webnode.es/nuestras-
precentaciones/, documento acessado em 15/05/2013.
92

Diversas experiências baseadas no Teatro de Vizinhos foram


desenvolvidas na Espanha,138 mas até onde este estudo conseguiu
apurar, existem dois grupos em atividade: O grupo do bairro de Tetuan,
em Madri e o grupo Aullidos de Otxar, que está localizado na cidade de
Bilbao.
O grupo de Tetuan foi inspirado por um projeto fotográfico que
buscou relatar as histórias do bairro de Tetuan, através de fotos antigas
dos moradores. Deste projeto foi editado o livro Historia e Historias de
Tetuán.139 A partir da edição do livro, surgiu a iniciativa das
integrantes140 da associação 4 Vientos de iniciar uma oficina de teatro
onde se pudessem dramatizar as histórias contadas no livro. Para isto foi
convidado o diretor de teatro Jorge Cassino.141
Jorge Cassino é argentino e imigrou a Espanha há muitos anos.
Ao ser convidado para dirigir o espetáculo, baseado no livro Historias y
Historias de Tetuan em 2010, entrou em contato com as experiências de
Teatro de Vizinhos e descobriu que Ricardo Talento, a quem conhecia de
Buenos Aires, estava envolvido neste movimento.
Desde então, passou a manter constante contato com Talento142,

138
Aqui me refiro às experiências de Monica Lacoste em diversas
cidades da Espanha e de Adhemar Bianchi em Barcelona da qual
participei.
139
Asociación Vecinal Cuatro Caminos-Tetuán. Histórias y historias
de Tetuan editorial ilustrada. Tetuán (Madrid, Distrito). Historia.
Asociación Vecinal Cuatro Caminos-Tetuán. 2009
140
O grupo de Teatro de Vizinhos de Tetuan foi composto inicialmente
exclusivamente por mulheres, em entrevista com o diretor do grupo, este
me relatou que atualmente dois homens se juntaram ao projeto.
141
Todas as informações descritas do grupo de Tetuan – Espanha foram
obtidas através de entrevista via internet realizada por mim a Jorge
Cassino no dia 22/05/2013. Esta entrevista não foi gravada, mas
transcrita no momento em que ocorria.
142
Em entrevista com Jorge Cassino em 22/05/2013, este me relatou
que dialoga com as experiências argentinas. Além do contato direto com
Ricardo Talento, Jorge Cassino se utiliza da bibliografia disponìvel
sobre o Teatro de Vizinhos.
93

contato este que foi acentuado com a visita de Ricardo Talento e Edith
Scher143 à Espanha em 2012, nesta oportunidade Ricardo Talento
ministrou uma oficina para os integrantes do grupo de Tetuan.144
O grupo Aulidos de Otxar desenvolve suas atividades no bairro
de Otxardaga, na cidade de Bilbao, Espanha. O grupo foi formado por
inciativa dos integrantes do grupo Simulacro Teatro. A diretora do grupo
Aullidos de Otxar é Arantxa Llure, que teve contato com o Teatro de
Vizinhos no ano de 2008, na Colômbia.145
Nesta oportunidade, o grupo Simulacro Teatro estava se
apresentando no paìs latino-americano, e a diretora Alejandra Arosteguy,
do grupo Cruzavias, Provìncia de 9 de Julio, Argentina, também se
encontrava na Colômbia, onde realizou uma palestra sobre o Teatro de
Vizinhos, na qual estava presente Arantxa.
Em 2010, aproveitando que o grupo ao qual pertence, Simulacro
Teatro, veio se apresentar na Argentina, Arantxa buscou conhecer
melhor as experiências do Teatro de Vizinhos que se desenvolviam no
paìs. Para isto foi conhecer diversos grupos, principalmente os que estão
localizados na provìncia de 9 de Júlio, Patricios Unidos de Pié, da
cidade de Patricios e Cruzavias, da cidade de Cruzavias.
O grupo Allidos de Otxar foi criado no ano de 2012, contando
com o apoio de Ricardo Talento e Edith Scher que estavam na Espanha e
estiveram com o grupo logo em seus primeiros encontros. Segundo
Arantxa, a sua principal referência de trabalho com os vizinhos de
Otxardaga são as experiências que conheceu na Argentina e as
instruções que recebeu de Talento e Scher.

143
Ricardo Talento e Edith Scher estiveram na Espanha em julho de
2012, entre outras atividades participaram do X Encuentro Internacional
de Teatro Social.
144
Este texto foi escrito tendo como base a entrevista realizada com
Jorge Cassino em 12/05/2013. Esta entrevista não foi gravada, mas
transcrita de forma não literal por mim enquanto ela ocorria.
145
Todas as informações contidas neste estudo sobre o grupo Allidos de
Otxar foram obtidas através de entrevista com sua diretora, Arantxa
Llure, via internet, no dia 16/05/2013, esta entrevista não foi gravada,
mas transcrita no momento que ocorria
94
95

CAPÍTULO 4 FUNDAMENTOS DE TRABALHO

Este capìtulo representa uma reflexão sobre as práticas dos


grupos vinculados ao Teatro de Vizinhos. Está dividido em três ìtens
fundamentais. Inicialmente abordo questões de terminologia, onde
procuro relacionar a prática teatral comunitária, de origem argentina,
com o teatro comunitário de outros locais. No segundo ìtem busco
refletir sobre os objetivos fundamentais destas práticas, analisando a
perspectiva transformadora desta modalidade teatral. No terceiro ìtem,
apresento os fundamentos metodológicos do Teatro de Vizinhos, com
destaque para sua territorialidade, memória e identidade.

4.1 O TEATRO NA COMUNIDADE E O TEATRO DE


VIZINHOS

A expressão adotada pelos grupos de Teatro de Vizinhos para


definir suas práticas é que este é um “teatro feito por vizinhos para
vizinhos, da comunidade para a comunidade” (SCHER, 2010a, p. 07).146
Nogueira (2007), Coutinho (2010) e Andrade (2013) apontam
uma grande variedade de nomenclaturas, utilizadas em diversos paìses,
para se referir a práticas teatrais que possuem na relação com a
comunidade um elemento essencial. Termos como Teatro Aplicado
(Taylor, 2003), Teatro na Comunidade (Van Erven, 2001), Teatro
Baseado na Comunidade (Cohen Cruz, 2005) demonstram esta
variedade.
Cada uma destas nomenclaturas possui interpretações próprias,
podendo ser mais abrangentes ou especìficas ao fazer referência a
experiências teatrais comunitárias. Mas, tal qual aponta Nogueira,
“assim como nomes diferentes podem significar a mesma coisa, nomes
iguais podem significar coisas diferentes” (NOGUEIRA, 2007, p.01).

146
No original: De vecinos para vecinos, de la comunidad para la
comuniad (SCHER, 2010a, p. 07)
96

Para justificar esta afirmação, Nogueira aponta que o termo Teatro


Comunitário, nos Estados Unidos, faz referência ao que no Brasil
conhecemos como teatro amador. E o que chamamos de Teatro
Comunitário, é chamado por eles, como teatro baseado na comunidade
(NOGUEIRA, 2007).
Já na Argentina, o termo Teatro Comunitário faz referência aos
grupos vinculados ao Teatro de Vizinhos. É comum encontrar os termos
Teatro de Vizinhos (SCHER, 2010a), Teatro Comunitário Argentino
(ROSENBERG, 2009) ou apenas Teatro Comunitário (BIDEGAIN,
2007a) para se referir a este movimento teatral.
O termo Teatro de Vizinhos vem da denominação de “vizinho”
para qualificar os participantes e os primeiros espectadores dos grupos,
sendo que estes últimos tendem a ser formados inicialmente pelo núcleo
familiar dos participantes e por outros vizinhos da localidade onde o
grupo está inserido (BIDEGAIN, 2007a).
A utilização da palavra “vizinho” traz a percepção da
participação de não atores nos espetáculos, ela serve ainda para apontar
a territorialidade como base do trabalho dos grupos.
A vinculação com o território pode ser identificada no nome de
vários dos grupos, como por exemplo: o grupo Catalinas Sur, que faz
referência ao complexo de edifìcios Catalinas Sur; o Circuito Cultural
Barracas, que faz referência ao bairro de Barracas; Los Villurqueros, de
Villa Urquiza; Patricios Unidos de Pie, à cidade de Patricios - Provìncia
de 9 de Julio, entre outros.
Este delineamento territorial não impede que vizinhos de outros
bairros ou regiões se aproximem e participem dos grupos. Mais do que
um limitador de quais pessoas podem participar, a vinculação com uma
localidade e a denominação de vizinho para os integrantes, oferecem um
contexto, que permite que o grupo construa uma identidade comunitária,
e que construa ligações com seu local de pertencimento.
Já o termo Teatro Comunitário, pode ser utilizado tanto para se
referir aos grupos que pretendo analisar ao longo deste estudo, como
também a outras experiências, que podem ser encontradas nos cinco
continentes do mundo, com abordagens das mais diversas, tal qual
aponta Van Erven ao defender que:

O Teatro Comunitário é um fenômeno do mundo


inteiro que se manifesta de várias maneiras
97

diferentes, proporcionando um largo leque de


estilos performáticos Essas manifestações têm em
comum, acredito eu, a ênfase em histórias locais
e/ou pessoais (em vez de textos pré-escritos) que
são primeiro processadas em improvisações e
depois transformadas em teatro coletivamente [...]
(VAN ERVEN, 2001, p. 2-3).147

Ao analisar experiências teatrais comunitárias, Van Erven


observa que o community theatre se caracteriza por sua ênfase em
histórias locais e/ou pessoais, em detrimento de textos prontos. Este
modelo de construção dramatúrgico permite que práticas teatrais
vinculem-se com as comunidades em que estão inseridas.
Já Scher utiliza outra definição para caracterizar o Teatro de
Vizinhos.
Teatro da comunidade para a comunidade, de
vizinhos para vizinhos. Disso estamos falando. De
um teatro que se define por seus integrantes [...] o
Teatro Comunitário [...] deve sua denominação às
pessoas que participam, que é, para dizer
claramente, uma parcela da comunidade,
integrada por sua ampla variedade de ofìcios,
profissões, idades, procedências, camadas sociais
etc, com toda a heterogeneidade que isto implica.
(SCHER, 2010a, p. 63).148

147
No original: Community Theatre is a worldwide phenomenon that
manifests itself in many different guises, yelding a broad range of
performance styles. It is united, I think, by its emphasis on local/ or
personal stories (rather than pre-writen scripts) that are first processed
through improvisation and then collectivelly [...](VAN ERVEN, 2001, p.
2-3)
148
No original: Teatro de la comunidad para la comunidad, de vecinos
para vecinos. De esohablamos. De un teatro que se define por quienes
lo integran. [...] El Teatro comunitario [...]debe su denominación a la
población que lo compone, que es, para decirlo claramente, una porción
de comunidad, integrada por su amplia variedad de oficios, profesiones,
edades, procedencias, extracciones sociales, etcétera, con toda la
heterogeneidad que ello implica SCHER, 2010a, p. 63).
98

Não são excludentes, mas complementárias as caracterìsticas


comuns apontadas por Van Erven e a definição utilizada por Scher. Os
grupos de Teatro de Vizinhos encontram no resgate da memória coletiva
e no fortalecimento da identidade comunitária um escopo norteador, e
isto se concretiza a partir do resgate de histórias locais e/ou pessoais.
Mas é na participação de uma parcela heterogênea da comunidade, no
qual se integram vizinhos de todas as idades, camadas sociais,
profissões etc, que o Teatro de Vizinhos encontra sua principal
definição.
Por ter na participação dos vizinhos sua principal
caracterização, o Teatro Filodramático é identificado por Bidegain
(2007a) como um dos antecedentes do Teatro de Vizinhos na Argentina.
Os grupos de Teatro Filodramático, foram experiências que se
desenvolveram por diversos bairros da cidade de Buenos Aires, durante
o final do século XIX e inìcio do século XX. Este modelo de
representação costumava se utilizar de obras escritas por um dos
membros do grupo ou de textos dramatúrgicos dos mais variados
gêneros.
Segundo Blanc, o Teatro Filodramático costuma ser definido
como “grupos de amadores que representavam obras de repertório
comum para um público de amigos e vizinhos, em um clube ou em
alguma associação” (BLANC, 2009, p. 107).149
Para Adhemar Bianchi, os grupos de Teatro Filodramático
podem ser considerados como um dos antecedentes do Teatro de
Vizinhos, isto porque, tal qual aponta Blanc, os grupos eram formados
por vizinhos e apresentavam seus espetáculos para seus vizinhos. Mas,
para Bianchi, os grupos de Teatro Filodramático possuìam como
caracterìstica a tentativa de reproduzir os espetáculos de “alta cultura”,
enquanto o Teatro de Vizinhos é definido pelo diretor como “teatro feito
por vizinhos para os vizinhos, com sua própria memória, sua própria
identidade e com vinculação territorial” (BIANCHI apud ZANZIO,
2010). Neste sentido a territorialidade, o resgate da memória coletiva e o
fortalecimento da identidade comunitária permitem que os grupos de

149
No original: los grupos de aficionados que representan obras de
repertorio común para un público de amigos y vecinos en el marco de
un club o una asociación cualquiera (BLANC, 2009, p. 107).
99

Teatro de Vizinhos desenvolvam produtos culturais próprios da


comunidade em que estão inseridos.

4.2 OBJETIVOS DO TEATRO DE VIZINHOS.

Os grupos de Teatro de Vizinhos possuem em suas práticas,


objetivos que transcendem a criação de um espetáculo teatral. A
premissa do Teatro de Vizinhos é que todas as pessoas são
potencialmente criativas, e basta que as condições adequadas sejam
disponibilizadas, para que a criatividade possa se desenvolver
(BIDEGAIN, 2007a).
O entendimento de que todo mundo pode fazer teatro - até
mesmo os atores - e de que o teatro pode ser feito em todos os lugares -
até mesmo dentro dos teatros (BOAL, 2001), já é por si só um objetivo
transformador, pois busca ampliar a prática do teatro a pessoas até então
destinadas a serem, se muito, espectadoras dos espetáculos teatrais.
Para Ricardo Talento, as pessoas se acostumaram a delegar aos
artistas a atribuição de serem criativos, seriam eles os eleitos que podem
desenvolver sua criatividade, direito este negado às outras pessoas que
não assumiram para si a função de ser artista. Neste sentido, segue
Talento “Poderia-se dizer que o artista é quase uma deformação do ser
humano criativo. Porque nesta sociedade – que mutila a criação –
designa-se quem se permite criar: aì se desenvolve o artista, cada vez
mais separado da comunidade” (TALENTO, 2005, p. 03).150
O Teatro de Vizinhos não nega a participação de artistas
profissionais, pois diversos dos componentes dos grupos são
profissionais do teatro ou de outras artes.151 A presença de artistas
150
No original: El artista podríamos decir que es casi una deformación
del ser humano creativo. Porque en esta sociedad —que mutila la
creación— está designado a quién se le permite crear: ahí se desarrolla
el artista, cada vez más separado de la comunidad.
151
Nos grupos de Teatro de Vizinhos, além da participação de diretores
teatrais, é comum a participação de profissionais de outras linguagens
artìsticas, como música, dança e artes plásticas.
100

profissionais pode ser constatada principalmente entre os coordenadores


e diretores da maioria dos grupos, mas, o Teatro de Vizinhos desenvolve
a desmistificação da figura do artista diante dos outros vizinhos. Ao
conhecimento técnico, aportado pelo primeiro, são acrescidos os
conhecimentos e as experiências do segundo. Por isto, ao utilizar os
conceitos de território, memória coletiva e identidade comunitária como
alicerces de seus projetos, tal qual afirma Bianchi (2010), o Teatro de
Vizinhos se põe em diálogo com uma localidade especìfica.
Desta forma, se levarmos em conta os valores da sociedade
capitalista, neoliberal, globalizada, caracterizados pelo individualismo,
consumismo e a homogeneidade cultural (SANTOS, 2001), a
democratização da linguagem teatral proposta pelo Teatro Comunitário é
transformadora em função do resgate do coletivo, da identidade
comunitária e da vinculação territorial que os grupos desenvolvem.
Mas, para os grupos de Teatro de Vizinhos, a prática teatral é
transformadora por si própria, ela não é um meio para outro fim
(TALENTO, 2013c). Scher destaca esta caracterìstica dizendo que “a
comunidade tem o direito a esta prática e o Teatro Comunitário promove
a transformação social pelo que provoca sua condição artìstica e não por
ser ferramenta para outra coisa mais importante que ele” (SCHER,
2010a p. 7).152
Neste sentido, a territorialidade, a memória e a identidade não
são os fins que os grupos buscam alcançar através da prática teatral, elas
são os meios que os grupos encontraram para se vincular a seus
territórios e para enriquecer suas práticas.

4.3 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS

Território, memória e identidade são matérias-primas,

152
No original: La comunidad tiene derecho a esta práctica y el Teatro
Comunitario genera transformación social por lo que provoca su
condición artística y no por ser un envase de otra cosa más importante
que él.
101

manejadas pelos grupos e transformadas em objetos poéticos. Estes três


elementos se relacionam e se complementam dentro das práticas do
Teatro de Vizinhos e permitem que este dialogue com realidades
especìficas.
Os lugares possuem memórias: existem muitas
coisas que ali aconteceram. Houve pessoas que
nasceram, viveram, estiveram em conflito e em
harmonia entre elas ou com o próprio lugar, e
morreram. As suas memórias penetram na
memória dos lugares e suas histórias constituem
uma matéria-prima privilegiada para os
trabalhadores comunitários acederem ao trabalho
com comunidade (KUPPERS apud ANDRADE,
2013, p. 62).

4.3.1 Território.

Como já dito, existe uma tendência de que os grupos assumam


o nome do território ao qual estão inseridos. Complementarmente, a
própria denominação de “vizinhos”, para se referir aos membros dos
grupos é um primeiro indicativo da territorialidade.
Alguns grupos demonstram sua territorialidade, incorporando
em seus nomes elementos importantes da memória coletiva da
localidade. Este é o caso do grupo 3,80 y Cresce, do bairro de La Boca
del Riachuelo, Buenos Aires – Argentina.
O nome do grupo faz referência ao controle que os moradores
do bairro mantinham sobre o nìvel do rio no começo do século XX, pois
se ele passasse de 3 metros e 80 centìmetros, invadia os porões dos
conventillos, onde famìlias de imigrantes moravam (SALVEMINI,
2013). Por isto, se alguém gritasse“3,80 y cresce!”, ou seja, o rio está
com 3 metros e 80 e está subindo, significava que as pessoas que
moravam nos porões deveriam sair de sua moradia.
Desta maneira, a territorialidade indica inicialmente o
relacionamento do grupo com os vizinhos e com o território ao qual está
vinculado. Para Ricardo Talento, a vinculação com um território é o
principal aspecto a ser desenvolvido por um grupo de Teatro
102

Comunitário, sem o qual este grupo se torna um grupo de teatro


independente (TALENTO, 2013c). Sendo assim, para o coordenador do
Circuito Cultural Barracas a vinculação com determinado território
permite que este grupo se torne um grupo comunitário, pois a partir do
território se desenvolve um diálogo entre os vizinhos, através da
linguagem teatral, mediados pelos acontecimentos que ali sucederam.
Além de fazer referência ao relacionamento do grupo com um
território especìfico, a territorialidade do Teatro de Vizinhos também
está relacionada à tendência da maioria dos grupos de ocupar espaços
públicos, de uso comunitário, como praças, ruas e parques, para realizar
diversas atividades, como ensaios, apresentações, mobilizações e festas
comunitárias (BIDEGAIN, 2008).
Outros espaços simbólicos, mas menos usuais para práticas
teatrais, também se tornaram significativos para alguns grupos, como,
por exemplo, a ocupação de estações de trens desativadas, que os
grupos: Patricios Unidos de Pié, da cidade de Patricios; Los Okupas de
Adén, de La Plata e Murga de La Estación, de Posadas utilizam
(PROAÑO GOMEZ, 2013).

Figura 12Espetáculo Nuestros Recuerdos. Grupo Patricios


Unidos de Pié. Fonte: Grupo Patricios Unidos de Pié

Galpões, transformados em “praças fechadas” também são


comuns, alguns exemplos são os galpões do grupo Catalinas Sur e o
103

Circuito Cultural Barracas, ambos na cidade de Buenos Aires ou do


distante grupo Pontelagoscuro, em Ferrara – Itália.
Os grupos que se utilizam de galpões e estações de trens ou de
outros espaços interiores, como centros sociais, clubes etc, desenvolvem
geralmente a soma de espaços, ou seja, além de se utilizar o espaço
interior, são realizadas ações em espaços abertos (PROAÑO GOMEZ,
2013).
Assim, a territorialidade se manifesta a partir da utilização do
espaço como fomentador de relações sociais. Ao ocupar espaços
públicos de uso comunitário, o Teatro de Vizinhos recupera o território
como um local de vivência social. Esta postura se situa em oposição ao
individualismo (PROAÑO GOMEZ, 20013), ao bairro como dormitório
e à polìtica do medo, onde se apregoa que estar na rua é perigoso
(BIDEGAIN, 2007a). Neste sentido, Bidegain (2007a) e Proaño Gomez
(2013) concordam ao defender que o Teatro de Vizinhos propõe um
movimento diverso à tendência homogeneizante do sistema neoliberal e
do processo de globalização. O Teatro de Vizinhos seria, desta forma,
um contraponto a tendências que apontam para o surgimento de uma
aldeia global, onde as especificidades culturais de cada território estão
se esvaecendo para dar lugar a uma única cultura homogeneizada
(SANTOS, 2001).

4.3.2 Memória Coletiva

O resgate da memória coletiva é outro aspecto fundamental para


se compreender o Teatro de Vizinhos. Os grupos tendem a se utilizar de
histórias locais, recuperadas a partir do aporte dos vizinhos, para criar
seus espetáculos.
Para Adhemar Bianchi, os meios massivos de produção e
transmissão de cultura, desconhecem as histórias dos pequenos espaços
comunitários pois:
Desvalorizam recursos que historicamente
estiveram na mão das pessoas para reproduzir
pequenos e grandes traços de sua cultura. Com
isto, relegam a seus protagonistas um papel de
104

consumidores de produtos artìsticos, de


repetidores de mensagens e de formas de
expressão do emissor. A massificação de seu
alcance, a força de sua penetração e a
generalização dos temas que propõe deslocam da
memória individual, familiar ou comunitária
aqueles recursos da história coletiva que teve ou
tem a comunidade como protagonista. A história
da comunidade foi construìda a partir de
acontecimentos cotidianos, costumes, festividades
e de lutas, que dão sentido às histórias individuais:
aquelas que ao serem compartilhadas, provocam
identificação, unem mais do que dividem, em
torno a uma raiz ou a um projeto comum
(BIANCHI, 2005, p. 34).153

Se tomarmos como certa a interpretação de Bianchi sobre a


produção de produtos cultuais massificados, que deslocam da história
pessoal, familiar ou comunitária a formação da história coletiva, então, o
resgate da memória coletiva empreendida pelos grupos de Teatro de
Vizinhos também é um acontecimento transformador, pois é justamente
na busca de recuperar o espaço local como idealizador de projetos
culturais, que os grupos de Teatro de Vizinhos desenvolvem suas
práticas teatrais comunitárias.
Bianchi aponta três modelos de memórias: pessoal, familiar e

153
No oringial: desvalorizan recursos que historicamente han estado a la
mano de la gente para reproducir pequenos y grandes trazos de su
cultura. Com ello relegan a sus protagonistas a un papel de
consumidores de productos artísticos, de repetidores de mensajes y de
formas de expresion del emisor. La masividad de su alcance, la fuerza
de su penetracion y la genaralidad de los temas que proponen,
desplazam de la memoria individual, familiar o comunitaria, aquellos
rasgos de la historia colectiva que tuvo o tiene a la comunidad como
protagonista. Esta há sido contruida a partir de acontecimientos
cotidianos, costumbres, festejos y de luchas, que dan sentido a las
historias indiviuales: aquellas que, al compartirse, provocan
idetificacion, unen mas que dividen, em torno a una raiz u a un proyecto
comum (BIANCHI, 2005, p. 34).
105

comunitária, que formam três nìveis com os quais os grupos de Teatro


de Vizinhos tendem a recorrer para criar seus espetáculos.
A memória individual é uma faculdade neurobiológica
complexa que, “salvo alguns casos patológicos” (CANDAU, 2001, p.
19),154 todos os individuos possuem. Para o Teatro de Vizinhos, as
memórias individuais sobre os acontecimentos no território ao qual o
grupo está vinculado, que pode ter sido retida através da vivência direta
ou por que os vizinhos deles tomaram conhecimento, é geralmente o
ponto de partida dos espetáculos teatrais, o que permite ao grupo
reconstruir a história do território sobre o ponto de vista dos integrantes
do grupo.155
A memória familiar, como o próprio nome indica, faz referência
a recordações, conhecimentos, costumes etc, que conservamos de nossos
antepassados (CANDAU, 2001). Diversos registros da memória familiar
podem estar conservados materialmente, como em fotos, cartas, objetos
etc.
Um exemplo da utilização da memória familiar pelo Teatro de
Vizinhos pode ser apontado no espetáculo Venimos de Muy Lejos, do
grupo Catalinas Sur. Este espetáculo conta a história da chegada dos
imigrantes europeus ao bairro de La Boca del Riachuelo. Ele foi
construìdo a partir das recordações aportadas pelos integrantes dos
grupos de seus próprios antepassados, muitos dos quais foram
imigrantes do inìcio do final do século XIX e inìcio do século XX.
Sobre esta experiência, relata Cristina Pavarano:

Eu por exemplo, represento na peça a história de


minha bisavó “Tana”, Clementina Postadoni de

154
No original: exceptuandos ciertos casos patológicos (CANDAU, 2001, p.
19).
155
Existem diversas interpretações que podem ser utilizadas ao fazer
referência a memória individual, Candau (2008) aponta diversas destas
memórias, algumas não podem ser recordadas, pois estão inscritas em
nosso corpo. Não sendo este o objetivo deste estudo, opto em uma
apresntação da memória como recordação de acontecimentos passados e
que possam servir de base para as experiências teatrais. Para saber mais
ver ( CANDAU, 2008).
106

Bozzani, cujo marido veio para a Argentina para


abrir caminho, e um dia deixou de escrever, vá
saber por que motivos. Clementina tomou então
uma decisão aventureira: vendeu tudo, e com suas
cinco filhas iniciou a longa viagem que,
felizmente, acabou com o reencontro. Na famìlia
este acontecimento se tornou uma lenda
(PAVARANO apud MAYO, 2006, p.87).156

O resgate da memória individual ou familiar somente ganha


sentido no Teatro de Vizinhos quando este auxilia os grupos a acessar ou
reconstruir a memória coletiva do território, como no caso acima
apresentado, no qual a história familiar, aportada por Cristina Pavarano,
se integra na reconstrução da chegada dos imigrantes, a partir da
perspectiva dos integrantes do grupo.
Ricardo Talento destaca a importância da territorialidade ao se
buscar resgatar a memória coletiva. A maioria dos grupos utiliza como
tema acontecimentos significativos para o território ao qual estão
vinculados, caso o tema abordado seja também significativo a um
território mais amplo do que a comunidade, este é tratado a partir de
uma perspectiva local (TALENTO, 2013b).
O espetáculo Lo Que La Peste Nos Dejó, do grupo Los
Pompapetriyasos, de Parque Patricios – Buenos Aires, é um bom
exemplo da perspectiva local adotada pelos grupos de Teatro de
Vizinhos. Los Pompapetriyasos decidiram abordar em seu espetáculo a
epidemia de febre amarela que se abateu sobre Buenos Aires em 1871,
sendo este um tema que remete a um acontecimento importante tanto
para a cidade de Buenos Aires, como para todo o paìs. No bairro de
Parque Patricos, estava localizado o Cemitério del Sur, onde muitos dos
mortos pela epidemia foram enterrados, após este acontecimento, o

156
No original: yo por ejemplo, represento en el escenario la historia de
mi bisabuela ―tana‖, Clementina Postadoni de Bozzani, cuyo marido
vino a la Argentina para abrirse camino, y un dia dejó de escribirle
vaya a saber por qué motivos. Clementina tomó entonces una decion
aventurada: vendió todo, y con sus cinco hijas inició el largo viaje que,
felizmente, concluyó com el reencuentro. En la famíla el hecho se hizo
leyenda (PAVARANO apud FERNANDEZ, 2006, p.87).
107

cemitério foi lacrado pelas autoridades com o objetivo de conter a


epidemia. Posteriormente, a área que abrigava o cemitério foi
transformada no parque Amegino, onde atualmente o grupo Los
Pompapetriyasos realiza sua obra (RUIZ, 2012).

Figura 13 Epetáculo Lo Que La Peste Nos Dejó. Grupo Los


Pompapetriyasos. Fonte: Grupo Los Pompapetriyasos

Além da perspectiva local adotada pelo grupo ao se utilizar


como tema da epidemia de febre amarela, outro aspecto importante a ser
analisado é que, neste caso, o território ganha uma outra perspectiva,
pois o espetáculo é realizado no mesmo local onde anteriormente estava
o cemitério. Esta se torna outra caracterìstica do Teatro de Vizinhos, e
demonstra a relação entre território e memória coletiva que os grupos
tendem a desenvolver, pois como aponta Falzari:

não é qualquer espaço público, mas [aquele] do


território ao qual o grupo de Teatro Comunitário
pertence. Uma das fortalezas da obra é que o que
se transmite tem estreita relação com o lugar onde
se realiza, cobrando o espaço uma importância
crucial na hora de pensar a dramaturgia
108

(FALZARI, 2011).157

Desta maneira, a memória coletiva resgatada e transformada em


espetáculo teatral está ligada à territorialidade dos grupos, podendo-se
dizer que é uma memória coletiva territorializada, pois é a história
transcorrida no território que aporta um elemento comum a ser
investigado pelos grupos de Teatro de Vizinhos. O resgate da memória
coletiva é um empoderamento aos vizinhos de sua própria história, pois,
“a história se narra [...] desde a experiência vivida daqueles que a viram
transcorrer, é uma história diferente que lhes pertence e proporciona
uma genealogia distinta” (PROAÑO GOMEZ, 2013, p. 41).
Ainda segundo Proaño Gomez (2013), a tendência historicista
desenvolvida pelos grupos de Teatro de Vizinhos pode ser entendida
como estando em oposição ao esquecimento. O esquecimento dos
governantes em relação a territórios marginalizados; das decisões
centralizadas e de seus impactos em territórios especìficos; o
esquecimento das histórias e acontecimentos que foram significativos
para a constituição cultural da comunidade e que não estão presentes na
história oficial.
Mas o Teatro de Vizinhos não desenvolve o resgate da memória
coletiva apenas para se vincular ao território e construir uma nova
versão da história oficial. Como bem define Andrade (2013), realiza-se
um processo dialético entre passado, presente e futuro, durante os
espetáculos, onde o passado permite que melhor se compreenda o
presente, e juntos, os vizinhos, podem ambicionar tempos melhores.
Neste sentido, a descrição dos objetivos do espetáculo Lo Que La Peste
Nos Dejó feita por Augustina Ruiz, diretora do grupo Los
Pompapetriyasos é esclarecedora:

A ideia é pensar por que o Sul é o


território do medo e do perigo na cidade de

157
No original: no es cualquier espacio publico, sino el del territorio al que
pertenence el grupo de Teatro Comunitário. Una de las fortalezas de las
obras est[a en que lo que se transmite tiene una estrecha relación
respecto del lugar en donde se hace, cobrando sentido el espacio una
importancia crucial a la hora de pensar la dramaturgia (FALZARI,
2011).
109

Buenos Aires. Trabalhamos sobre o Parque


Meghino e, desde a arte, chegamos à hipótese
de que a febre amarela deixou uma marca e
dividiu a cidade em duas, deixando um
fantasma ao Sul (RUIZ, 2012).158

Memória e território são dois aspectos fundamentais para se


compreender as práticas do Teatro de Vizinhos, estes dois elementos
possibilitam um terceiro elemento basilar desta prática, que é o
fortalecimento da identidade comunitária.

4.3.3 Identidade comunitária.

O fortalecimento da identidade comunitária é outro aspecto


importante para os grupos de Teatro de Vizinhos. Para Jock Young, é
“precisamente quando a comunidade entra em colapso, [que] a
identidade é inventada” (YOUNG apud BAUMAN, p. 20). Não sendo o
objetivo do Teatro de Vizinhos reconstruir uma comunidade dentro dos
parâmetros estabelecidos por Bauman (2003) para caracterizar as
comunidades antigas, onde seus membros possuem um “entendimento
compartilhado” que serve como um acordo prévio e inquestionável, ou,
como define Bauman, um entendimento que “não precisa ser procurado,
e muito menos construìdo: este entendimento já está lá, completo e
pronto para ser usado” (BAUMAN, 2003 p. 15). Sendo assim, torna-se
mais próximo dos objetivos dos grupos, a intenção de reconstruir os
laços sociais a partir do fortalecimento da identidade comunitária, do
que na reconstrução de um modelo de comunidade fechada, que para
Bauman não pode ser alcançado.
Hall (2005) sugere a compreensão do conceito de identidade a

158
No original: La idea es pensar porqué el Sur es el territorio del miedo
y del peligro en la Ciudad de Buenos Aires. Trabajamos sobre el Parque
Meghino y, desde el arte, llegamos a la hipotesis de que la fiebre
amarilla dejó una huella yu dividió la ciudad en dos, dejando un
fantasma en el Sur (RUIZ, 2012).
110

partir da identificação do sujeito com sistemas sociais:

À medida que em que os sistemas de significação


e representação cultural se multiplicam, somos
confrontados por uma multiplicidade
desconcertante e cambiante de identidades
possìveis, com cada uma das quais poderìamos
nos idenficar – ao menos temporariamente
(HALL, 2005 p. 13).

É na busca de gerar a identificação dos vizinhos em torno a um


território especìfico, respeitando suas caracterìsticas culturais,
resgatando as histórias do lugar e valorizando os conhecimentos de seus
moradores, que as práticas do Teatro de Vizinhos buscam se
desenvolver. Neste sentido, o interesse dos grupos em criar/fortalecer a
identidade comunitária pode ser entendido como um objetivo
transformador, pois, além de reivindicar o direito às diferenças culturais
de um território a outro, o que Proaño Gomez (2013) chama de
“genealogia distinta” ela sugere um empoderamento dos vizinhos do
desenvolvimento de sua própria identidade comunitária, pois como
explica Ricardo Talento:

Uma pessoa não pode querer fazer de um bairro


um museu. Mas pode seguir aportando à
identidade. Eu que viajo muito vejo como no
interior do paìs acontece o mesmo, todo mundo
sente que está perdendo a identidade e acredito
que uma das razões por que isto está acontecendo
é por que aceitamos mansamente propostas de
identidade que não nos correspondem, através dos
meios de comunicação.O tema é como conservar,
as particularidades (TALENTO, 2011, p. 203).159

159
No original: Uno tampoco puede hacer de un bairro un museo.
Mientras tanto uno puede seguir aportando a la identid. You que viajo
mcho veo que em el interior del pais pasa lo mismo, todo el mundo
siente que está perdiendo la identiadad y creo que una de las razones
por la que está sucediendo es porque aceptamos mansamente
propuestas de identidad que no nos corresponden a través de los medios
de comunicación el tema es como conservar la particularidades
111

O Teatro de Vizinhos não busca preservar uma identidade


comunitária imutável, que deva ser preservada como se estivesse em um
museu, mas, por sua vez, busca fazer com que os vizinhos sejam agentes
ativos das transformações que a identidade comunitária tende a sofrer,
questionando eles próprios os valores culturais que entendem fazer parte
de seus territórios e preservando as particularidades que acreditam que
devam ser preservadas.
Território, Memória e Identidade são três elementos que se
relacionam e se complementam dentro da prática do Teatro de Vizinhos.
Os grupos tendem a resgatar histórias e acontecimentos significativos da
memória coletiva, desenvolvendo assim seu aspecto territorial, uma vez
que este resgate expõe elementos culturais do território, se busca a
construção ou fortalecimento da identidade comunitária, que por sua
vez, contribui para a preservação da memória coletiva.
Um bom exemplo desta dinâmica está no grupo Patricios
Unidos de Pié, da cidade de Patricios, Provìncia de 9 de Julio. O
povoado de Patricios foi fundado em 1908 por conta da construção da
estação ferroviária “Patricios”.160
Em 1977, o governo militar argentino decidiu fechar a estação
de patrìcios, e um povoado que chegou a contar com 6.000 moradores,
entre funcionários da empresa férrea e um grande número de pessoas
com atividade econômica vinculada à estação ferroviária, viu grande
parte de seus habitantes migrarem, transferidos pela empresa ferroviária
a outras cidades ou em busca da subsistência, tornando-se um o povoado
“fantasma” com apenas 600 habitantes (ROSENBERG, 2009).
No ano de 2003, formou-se o grupo de Teatro de Vizinhos
Patricios Unidos de Pié. Isto ocorreu através da participação de
Alejandra Orostegui e Mabel Hayes na oficina minstrada por Adhemar
Bianchi e Ricardo Talento no Museo de La Memoria, e o posterior
convite aos diretores de Buenos Aires a visitar o povoado (BIDEGAIN,
2007a).

(TALENTO, 2011, p. 203).


160
Fonte: http://www.9dejulio.gov.ar/patricios.php acessado em 22 10
2013.
112

O primeiro espetáculo do grupo, Nuestros Recuerdos, foi


realizado na estação de trens desativada no povoado de Patricios, e conta
a história de Juan, maquinista obrigado a migrar a outra cidade,
deixando Ana no povoado com a promessa de voltar e se casar com ela
(BIDEGAIN, 2007a). Ana, resignada a esperar por Juan, resiste às
investidas amorosas de outro personagem, simbolizando assim a
resistência dos habitantes que se recusam contra todos os
acontecimentos a abandonar o povoado. (ROSENBERG, 2009)
O espetáculo é baseado nas recordações dos moradores de
Patricios, que presenciaram diversas “Anas” e “Juans” se separando por
conta do fechamento da estação de trens. Mas a recuperação da memória
dos habitantes não se resume à recordação nostálgica dos anos em que o
povoado se encontrava em desenvolvimento, ela vai além da
recuperação da memória de um acontecimento que tantos malefìcios
trouxeram a Patricios.
No caso de Patricios, a territorialidade, o resgate da memória
coletiva e da identidade comunitária, tornam-se elementos de ligação
entre os moradores, permitindo que estes possam compreender o
presente do povoado através da memória e articular um futuro melhor.
A partir do grupo de Teatro de Vizinhos, os moradores de
Patricios passaram a desenvolver diversos projetos com o objetivo de
revitalizar o povoado. Foi a partir do grupo de teatro que se revitalizou a
estação de trens abandonada e se desenvolveu o projeto D & D (Dormir
e Desayunar), onde os visitantes do povoado são hospedados em
algumas das casas dos moradores, com direito ao café da manhã,
melhorando a economia da cidade (RAMOS; SANS, 2009).
Esta dinâmica é apontada pela periodista Ines Hayes:

Patricios Unidos de Pie trabalha através da arte


para a recuperação da memória, a retransmissão
de experiências, a convivência de diferentes
gerações, o desejo de mudar a ordem das coisas
existentes, a busca constante da identidade e a
comunicação (HAYES apud BIDEGAIN, 2007a,
161
p. 176-177).

161
No original: trabaja a través del arte por la recuperación de la
memoria, la retransmisión de experiencias, la convivencia de
generaciones distintas, el deseo de cambiar el orden de cosas existentes,
113

Mesmo Patrìcios sendo um caso emblemático do Teatro de


Vizinhos, no qual um povoado conseguiu iniciar um processo de
revitalização a partir de um projeto teatral, os grupos de Teatro de
Vizinhos tendem a trazer diversos benefìcios para a localidade em que
estão inseridos, entre eles, revitalizar espaços públicos abandonados ou
deteriorados e a promover o convìvio social entre as pessoas.
Ao participar do Fórum Mundial Social em 2005, onde o tema
era “Outro Mundo é Possìvel”, Ricardo Talento propôs como tema de
sua palestra, “Outro Mundo é Possìvel... se formos capazes de imaginá-
lo (TALENTO, 2005)”. O Teatro de Vizinhos conclama, através de suas
práticas e dos 51 grupos na Argentina e quatro em outros paìses, que um
grande contingente de pessoaspossa imaginar, a partir de suas memórias,
suas identidades e seus territórios, uma utopia em que outro mundo seja
possìvel e, talvez, melhor.

la búsqueda constante de la identidad y la comunicación (HAYES apud


BIDEGAIN, 2007a, p. 176-177).
114
115

CAPITULO 5 - DIÁLOGOS POSSÍVEIS COM O


TEATRO DE VIZINHOS PARA A CRIAÇÀO DE UM
GRUPO DE TEATRO COMUNITÁRIO.

A partir dos conhecimentos adquiridos, este capìtulo final tem


por objetivo sistematizar contribuições do Teatro de Vizinhos, de forma
a subsidiar outros praticantes que se interessem pelo Teatro
Comunitário. Para isto, busco responder as perguntas: que elementos
estão na base da metodologia de trabalho do teatro de vizinhos? Não se
trata de identificar ou propor um método para ser seguido como uma
cartilha, mas identificar elementos práticos que possam contribuir para
outros profissionais interessados no Teatro Comunitário.
Como já dito, as abordagens metodológicas compartilhadas
pelos grupos de Teatro de Vizinhos são suficientemente flexìveis, de
forma a permitir que os grupos que delas se utilizam possam contar com
uma base, criada a partir de experiências práticas bem sucedidas, para
poderem delas se apropriar na criação de seus projetos teatrais
comunitários únicos.
Por se tratar de um fenômeno do qual 55 grupos foram
identificados como vinculados, também se tornaria inverossìmil a
afirmação de que os grupos se utilizam dos elementos aqui apontados.
O que se busca sistematizar são os procedimentos organizativos,
propostas estéticas e estratégias de trabalho que tiveram como origem
as experiências do grupo Catalinas Sur e do Circuito Cultural Barracas
e que foram compartilhadas por outros grupos.

5.1 ESTRATÉGIAS DE CONVOCATÓRIAS - A


MOBILIZAÇÃO DA COMUNIDADE.

Convocatória é o termo utilizado pelos grupos de Teatro de


Vizinhos para se referir à mobilização das pessoas em torno do projeto
teatral comunitário. Sendo assim, ela pode ser realizada com o objetivo
de: atrair os vizinhos para participarem do grupo, trazer espectadores,
116

mobilizar em prol de uma festa, encontro, curso etc.


Segundo Proaño Gomez (2008), um dos principais motivos para
que o Teatro de Vizinhos tenha alcançado a quantidade de grupos que se
encontram em atividade atualmente, está na “sua capacidade de
convocatória” (PROAÑO GOMEZ, 2010).
Os grupos de Teatro de Vizinhos são numerosos, sendo
desejável que contenham ao menos 20 integrantes. Por isto, as primeiras
estratégias de mobilização empregadas tendem a ter como objetivo atrair
os vizinhos para que estes se integrem ao grupo.
Para Adhemar Bianchi (2013), a territorialidade, a memória e a
identidade exploradas pelos grupos são elementos que auxiliam na
mobilização, facilitando-a, pois se está convidando aos vizinhos a
falarem sobre algo coletivo, comunitário:

Uma pessoa não pode convocar porque - Há,


tenho uma ideia! - Não é assim.Alguém é
convocado em função de se sentir chamado por
algo. Porque em geral falamos da memória e do
espaço público no Teatro Comunitário? Porque se
convoca para buscar a identidade e a memória do
grupo em um território.Então a convocatória tem
já por si mesma um interesse das pessoas, se aqui
você convoca para fazer uma leitura de poesias,
virão cinco, dez, vinte pessoas - não importa - que
tenham interesse, mas quando você convoca para
pensar em fazer no espaço público algo que tenha
a ver com o coletivo, você já tem uma parte da
convocatória facilitada (BIANCHI, 2013).162

162
No original: Uno no puede convocar porque - ha yo tengo una idea! -No
es así. Uno convoca en función de la gente que va se sentir convocado por
algo, o Teatro Comunitario en general, porque hablamos de la memoria y
de espacio público, a que convoca, a buscar la identidad y la memoria del
grupo en un territorio, entonces, la convocatoria tiene ya e por si un
interese a la gente, si yo convoca acá para hacer una lectura de poesía
vendrá cinco, diez, veinte personas - no importa – que tengan el interés.
Pero cuando vos lo convoca para pensar en hacer en lo espacio público
algo que tenga a ver con el nosotros ya tiene una parte ganada (BIANCHI,
2013).
117

De forma distinta, Ricardo Talento também destaca a


importância do território, memória e identidade para a mobilização em
torno de um projeto teatral comunitário:

Sempre digo que se convoca para se juntar, contar


histórias, depois se começa a jogar com estas
histórias e a trazer outros elementos. No começo,
quando se faz uma convocatória, se inicia
trazendo elementos, fotos, o rádio velho de sua
mãe, um elemento em uma caixa. Os objetos
contam tanto que começa a surgir um elemento
corporal e se começa a jogar, e se começa a
atuar... Mas tem principalmente a ver com a
identidade e com o território, mesmo que depois
se fale da identidade, mesmo que depois se conte
a história do lugar, a questão é fazer com que as
pessoas se sintam como pertencentes a um
território comum (TALENTO, 2013c).

Os grupos de Teatro de Vizinhos não buscam mobilizar para que


os vizinhos reproduzam discursos alheios, ou para ter seus
conhecimentos subestimados por este ou aquele interesse de
determinado diretor ou coordenador. Mobiliza-se para que, a partir do
território compartilhado, da memória não esquecida e da identidade
valorizada, se possa construir em conjunto uma obra teatral. Desta
maneira, os diretores pioneiros entendem que o território, a memória, e a
identidade que a maioria dos grupos desenvolve são por si mesmos
elementos mobilizadores dos vizinhos em torno do grupo de Teatro
Comunitário.

5.1.1 Ensaios no espaço público.

Uma das principais caracterìsticas dos grupos de Teatro de


Vizinhos é a adoção de um espaço público, significativo para a
118

comunidade, para realizar seus ensaios e apresentações. Vale recordar


que os dois grupos pioneiros fizeram parte, de formas distintas, do
movimento de teatro de rua que se desenvolveu na Argentina no perìodo
de pós-ditadura, e que o grupo Catalinas Sur adotou a praça Ilhas
Malvinas como sede, durante vários anos.
Em 2008, durante a IV Trovata de Teatre i Educació de
Barcelona, Adhemar Bianchi e Monica Lacoste analisaram a
importância da adoção de um espaço público, para realizar as atividades
de um grupo de Teatro Comunitário. Segundo os fundadores do grupo
Catalinas Sur, quando um grupo opta por estar permanentemente em um
espaço fechado, muitos dos vizinhos do bairro não tomam conhecimento
da existência do projeto, ou entendem estar se formando um grupo de
artistas, que são privilegiados (ou estranhos) por poderem desenvolver
uma atividade artìstica. Por sua vez, ao escolher um espaço público, no
qual todas as atividades do grupo podem ser assistidas pelos vizinhos,
“mostrando que estar na praça, jogando, é divertido” (BIANCHI, 2013),
facilita com que outros vizinhos se incorporem ao projeto.
No simulacro de Barcelona, foi escolhido o bairro de Cornella
para se desenvolver a parte prática da oficina. Durante as primeiras
conversas com os vizinhos do bairro, pertencentes principalmente a uma
associação de terceira idade previamente contatada pelo evento, foi
averiguado que grande parte da população do bairro era composta de
pessoas migrantes da região espanhola de Andaluzia (sendo que quase
todos os integrantes da associação eram andaluzes), e que, no bairro,
estavam se estabelecendo muitos imigrantes como vizinhos, com uma
grande incidência de marroquinos.
Ao irmos para a praça, com aproximadamente duas dezenas de
pessoas, entre inscritos na oficina e membros da associação de terceira
idade, o grupo rapidamente aumentou. As pessoas que paravam para
assistir os jogos teatrais, propostos por Bianchi e Lacoste, eram
convidadas a participar e muitas se incorporaram ao grupo. Nos dias
subsequentes, muitas das pessoas que haviam se incorporado voltaram a
participar, outras não. Quando se iniciou um processo de construção de
cenas, que versavam sobre o processo de migração/imigração no bairro
de Cornella, os “espectadores dos ensaios” eram constantemente
convidados pelos coordenadores da oficina a opinarem e a colaborarem
com a construção das cenas, e muitas vezes a se incorporarem a elas.
Esta dinâmica, permitiu que vizinhos marroquinos e adaluzes se
119

relacionassem, o que segundo os participantes não era comum que


ocorresse. Bidegain (2011) aponta que a incorporação de novos
integrantes a partir dos ensaios realizados no espaço público
comunitário, é uma das estratégias dos grupos de Teatro de Vizinhos
para que estes possuam elencos numerosos:

[…] onde o grupo se reúne e ensaia é sempre um


espaço público. Este espaço comum lhes resulta
próprio para os grupos de Teatro Comunitário,
tendo em vista que o conhecem e podem trabalhar
em situações reais e por conseguinte, incluir mais
integrantes: surge daì a atitude inclusiva dos
grupos com enorme quantidade de integrantes
(BIDEGAIN, 2011, p. 08).163

O grupo La Murga de La Estación, da provìncia de


Misiones, comenta sobre o processo de ensaiar ao ar livre:

Em caóticos ensaios ao ar livre foram organizadas


as cenas e se finalizaram os detalhes da encenação
de “Misiones Tierra Prometida‖ diante da
curiosidade sorridente de pessoas que não se
animavam a cruzar a área de fronteira que une o
espectador com o ator (CAZZANIGA,
2005,p.05).164

Em seguida, autor complementa na nota de rodapé, “vários

163
No original: donde el grupo se reúne y ensaya, siempre es un espacio
público. Este espacio común les resulta proprio a las agrupaciones de
Teatro Comunitario dado que lo conocen y pueden trabajar en ellos en
situaciones reales y, por consiguiente, incluir a más integrantes: de ahí
la actitud inclusiva de grupos de enorme cantidad de componentes
(BIDEGAIN, 2011, p. 08).
164
No original: En caóticos ensayos al aire libre se puso orden a las
escenas y ultimaron los detalles de la puesta de ―Misiones Tierra
Prometida‖ ante la curiosidad sonriente de personas que no se
animaban a cruzar el área de frontera que une al espectador con el
actor (CAZZANIGA, 2005,p.05).
120

deles foram se incorporando ao elenco desta produção ou das obras


realizadas depois por La Murga de La Estación (CAZZANIGA, 2005, p.
08).165
A maioria dos grupos de Teatro de Vizinhos adotaram um
espaço público, significativo para a comunidade como sede de seus
encontros, este é o caso dos grupos de Buenos Aires Los
Pompapetriyasos, de parque Patricios, que atualmente se reúne no
parque Ameguino, e Alma Mate de Flores, que desenvolve suas
atividades na praça dos Periodistas, no bairro de Flores, ambos na
cidade de Buenos Aires (SCHER, 2010a).
Desta forma, uma das estratégias de mobilização que os grupos
de Teatro de Vizinhos desenvolveram é a ocupação de um espaço que dê
visibilidade às atividades, o que permite ao grupo estar incorporando
constantemente novos integrantes e expondo suas experiências teatrais a
todo tipo de interferência da comunidade.
Ao se transferir da praça Ilhas Malvinas para o galpão de
Catalinas, o grupo Catalinas Sur deixou, ao menos ao longo de seus
ensaios, de agregar novos integrantes. Esta mudança é apontada por Luìs
Camìm, vizinho do bairro de La Boca e integrante do grupo:

O fato de estarmos na praça, nos


colocava mais em contato com o bairro do que
estando no galpão. Nós perdemos isto, em outros
aspectos ganhamos vinte outras coisas mas isto,
perdemos. Agora não possuìmos mais esta história
de que nos colocávamos a ensaiar aqui e de
repente aparecia alguém a olhar o ensaio, depois
vinha em dois ou três ensaios, e de repente o
incorporávamos. Existia todo um processo na
praça que não era só o fìsico, era o acontecimento
de estarmos fazendo as coisas em um lugar
público (HISTORIA DE UNA UTOPIA, 1999).166

165
No original: vários de ellos se fueron incorporando al elenco de esta
produccion o de obras realizadas luego por La murga de La Estación‖
(CAZZANIGA, 2005, p.08)
166
No original: El hecho de haber estado en la plaza, nos ponia más en
contacto con el barrio que estar en el galpon, o sea, hemos perdido eso.
Bueno, hemos ganado veinte outras cosas pero eso lo hemos ´perdido.
121

Existe uma grande diferença entre a necessidade de agregar


novos integrantes em um grupo que está iniciando suas atividades e um
grupo que possui 30 anos de atividade comunitária, mesmo assim, a
diferença entre estar na praça, transformando o ensaio em um evento de
mobilização dos vizinhos, ou no galpão, não passou despercebida ao
grupo Catalinas Sur, estando em desvantagem o segundo em relação ao
primeiro neste aspecto.

5.1.2 O galpão como estratégia de mobilização.

Alguns grupos de Teatro de Vizinhos já foram formados tendo


como sede um galpão. Estes são os casos do Circuito Cultural Barracas
e do grupo de Pontelagoscuro na Itália (SCHER, 2010a). Outros,
adotaram um galpão após algum tempo de atividade, a exemplo do
grupo Catalinas Sur, isto ocorreu com os Murga de La Estación e
Murga del Monte, ambos da provìncia de Posadas.
Nestes casos, os grupos que possuem um galpão tendem a
utilizar a transformação do espaço fechado em sede, numa atividade de
mobilização comunitária. Esta dinâmica é descrita por Antonio
Tassinare, diretor do grupo de Teatro de Vizinhos de Pontelagoscuro, em
Ferrara:

Usamos a prática que geralmente se usa na


Argentina, Buenos Aires. Esta consiste em
envolver as pessoas da comunidade. Para isto, foi
organizada uma grande assembleia na qual foram
convidadas todas as associações do bairro, todo os
vizinhos e todos que tivessem interesse, para
recolher materiais, anedotas, histórias para decidir

Ahora no somos mas esa historia de que nos poniamos a ensayar acá y
de golpe aparecia alguien a mirar el ensayo, y que vos lo veias en dos o
tres ensayos, y de golpe después lo incorporábamos. O sea, habia todo
un proceso en la plaza que no era solo lo físico, era el hecho de hacer
las cosas en un lugar público (HISTORIA DE UNA UTOPIA, 1999).
122

como fazer o mural. Para não transformar o mural


em algo que vem de cima, mas em um produto,
resultado do trabalho de todos (TEATRO E
TRANSFORMAZIONE SOCIALE, 2007).167

Como já dito, a pintura do galpão do grupo de Pontelagoscuro,


Itália, foi coordenada pelos muralistas do grupo Catalinas Sur. Omar
Gasparini e Ana Serrana. Como indica Antonio Tassinari, os grupos que
possuem um galpão como sede buscam mobilizar os vizinhos para que
estes participem da elaboração e construção das fachadas e espaços
interiores. Buscando retratar nos galpões uma parte da memória do
bairro e demonstrar assim a territorialidade do grupo e sua identidade
comunitária.

167
No original: hanno usato la pratica che usano normalmente in
Argentina, Buenos aires cioé di coinvolgere la gente che vive nel
territorio. Quindi é stato organizzato una grande assemblea dove si é
invitato tutte le associazioni, tutti i cittadini e tutti quelli che volevano,
a partecipare per raccogliere materiale, racconti, storie su come fare
questo murales. Per rendere questo murales non una cosa che veniva
dall´alto, ma una cosa partecipata (TEATRO E TRANSFORMAZIONE
SOCIALE, 2007).
123

Figura 14 Teatro Julio Cortazar. Fonte: Grupo Nucleo

Outro exemplo interessante é do grupo Matermurga, na cidade


de Buenos Aires. Mesmo não possuindo um galpão, e tendo dividida
suas atividades entre a praça 24 de Setembro e um espaço alugado, no
qual os integrantes do grupo constroem seus cenários, figurinos,
adereços etc e ensaiam em dias de mau tempo, o grupo Matemurga
organizou a pintura de um dos muros da escola Andrés Ferreyra, no
bairro de Vila Crespo, ao qual está vinculado (SCHER, 2010b).
Sobre a investigação para a criação do mural, Scher (2010b)
relata:

A investigação levou meses. Livros,


testemunhos orais, lembranças de alguns
filhos de relatos que lhes contavam seus pais,
fotografias, letras de tango entre outros,
formaram a matéria prima. Com tudo isto se
construiu o mundo que querìamos contar.
Alguns companheiros desenharam, outros
trouxeram dados. A equipe de plástica de
Matemurga começou a dar forma ao material,
até que um de seus integrantes, Jorge
Vellarga, fez o primeiro esboço (SCHER,
124

2010b).168

Uma semana antes do dia marcado, os integrantes do grupo


pintaram o muro de branco e fizeram um esboço do desenho a ser
terminado posteriormente com a ajuda de todos. Segundo Scher
(2010b), este momento despertou a curiosidade de muitos vizinhos, que
passaram a perguntar o que estava ocorrendo. Ao explicar seus
objetivos, ouviram comentários de uma senhora “cética [...] Pelo que vai
durar” (SCHER, 2010b)169 outra pessoa também demonstrou
desconfiança. “Há! Tomara que ninguém estrague” (SCHER, 2010b)170.
O relato que se segue é por si esclarecedor da capacidade de
mobilização que a pintura de um mural pode alcançar, isto quando
realizada de forma comunitária e com o objetivo de integrar os vizinhos:

O dia 25 de outubro amanheceu fresco, mas


ensolarado. Estava tudo pronto: desde a plástica
até o comestìvel [...]. Avançou a manhã e alguns
começaram a animar-se. Muitos que passaram por
um tempo ficaram todo o dia. Outros estiveram
por um tempinho e voltaram animados pela tarde.
A parede tomava cor, se transformava, e com ela,
a gente. Tinham crianças lambuzadas, adultos que
se aproximaram da mesa de pinturas, e com total
desenvoltura, pediam o cinza ou o bege 4,
cachorros esperavam pacientes que seus donos
terminassem de dar pinceladas, ciclistas paravam
para observar e opinar. Alguns passavam com o
pão na mão, outros paravam no caminho da casa

168
No original: La investigación llevó meses. Libros, testimonios orales,
recuerdos de algunos hijos, de relatos que les contaban sus padres,
fotografías, letras de tango y más constituyeron la materia prima. Con
todo eso se armó el mundo que queríamos contar. Algunos compañeros
dibujaron, otros aportaron datos. El equipo de plástica de Matemurga
comenzó a darle forma al material, hasta que uno de sus integrantes,
Jorge Vallerga, hizo el primer boceto (SCHER, 2010b).
169
No original: cética [...] Por Lo que vá a durar (SCHER, 2010b).
170
No original: Ay! Ojalá nadie lo arruíne (SCHER, 2010b).
125

da sogra. A verdade é que a esquina estava cada


vez mais cheia. Até a vizinha cética, essa que não
apostava dois pilas quando nos viu começar a
desenhar, estava com o pincel na mão, absorvida
pela atividade. Pintamos e pintamos. Fomos
felizes. Nesse dia fomos felizes.
Aproximadamente às seis e meia começamos a
terminar. Um aplauso estrondoso nos surpreendeu
e nos comoveu. Começamos todos a aplaudir.
Éramos muitos os que aplaudimos. O mural estava
ali. Lindo, belìssimo, nosso. Com um pouco de
cada um. Com a história do bairro e com os
sonhos. Escureceu lentamente. Todos os que no
dia 25 de outubro de 2009 estivemos na esquina
da rua Luis Viale com Rojas soubemos que nesse
dia algo tinha mudado (SCHER, 2010b)171.

171
No original: El 25 de octubre amaneció fresco pero soleado. Estaba
todo listo: desde lo plástico a lo comestible. […] Avanzó la mañana y
algunos comenzaban animarse. […] Muchos que pasaban por un rato se
quedaron todo el dia. Otros estuvieron un rato y volvieron,
entusiasmados, a la tarde. La pared tomaba color, se transformaba. Y
com ella, nosotros. Habían niños enchastrados, adultos que se
acercaban a la mesa de pinturas y, con total soltura, pedían el gris claro
o el beige 4, puerros esperaban pacientes que sus dueños terminaran de
dar pinceladas, ciclistas que se detenían a observar y opinar. Algunos se
cruzaban con la bolsa de pan en la mano, otros se detenían camino a la
casa de la suegra. Lo cierto es que la esquina estaba cada vez mas
llena. Hasta la vecina escéptica, esa que no apostaba dos mangos
cuando nos vio empezar a dibujar, estaba con un pincel en la mano
absorta en la tarea. Pintamos y pintamos. Fuimos felices. Esse dia
fuimos felices. Alredor de las seis y meia empezamos a cerrar. Um
aplauso estruendoso no sorprendió y nos conmovió. Todos empezamos a
aplaudir. Éramos muchos los que aplaudíamos. El mural estaba ali.
Lindo, belíssimo, nuestro. Com um poco de cada uno. Com la história
del barrio y con lo sueños. Oscureció lentamente. Todos los que el 25 de
octubre de 2009 estivimos em la esquina de Luis Viale y Rojas supimos
que esse día algo habia cambiado (SCHER, 2010b).
126

5.1.3 A obra teatral mobiliza.

Diversas estratégias de mobilização são empregadas pelos


grupos de Teatro de Vizinhos, muitas das quais, não se diferem de outros
tipos de divulgação comunitária. Por exemplo, a primeira estratégia de
mobilização do grupo Matermurga, de Buenos Aires, se deu a partir de
um anúncio de rádio. O grupo Los Okupas de Adén, de La Plata, se
utilizaram, além de anúncios em rádios, de folhetos e de convites “porta
a porta”.Folhetos distribuìdos pelo bairro também foram a estratégia
inicial do grupo Boedo Antiguo, da cidade de Buenos Aires (SCHER,
2010a).
Mesmo fazendo uso de meios de divulgação, como anúncios em
rádios, folhetos, cartazes, as mais importantes estratégias que são
realizadas pelos grupos de Teatro de Vizinhos ocorrem a partir de suas
ações (BIANCHI, 2013), ou seja, a maioria destes grupos busca, a partir
de suas práticas, motivar para que outros vizinhos participem dos
projetos.
Ao se utilizar do espetáculo Venimos de Muy Lejos para
fomentar o surgimento de novos grupos, Adhemar Bianchi e Ricardo
Talento se utilizavam de um trabalho do grupo Catalinas Sur, resultado
da ação dos vizinhos de La Boca del Riachuelo, para motivar os
vizinhos de outros bairros a montarem seus próprios grupos. O convite
que Bianchi fazia ao término do espetáculo demonstra a importância
desta estratégia para a disseminação do Teatro de Vizinhos: “isto foi
feito pelos vizinhos de La Boca com nossa história, nossa identidade, e
acreditamos que isto possa ser feito como vocês veem; as pessoas que
estão aqui são vizinhos iguais a vocês” (BIANCHI, 2012, p. 4).
São os vizinhos que realizam os espetáculos e estes não
assumem o estereótipo de artistas privilegiados por poderem
desenvolver sua criatividade. O que os diferenciaria dos outros vizinhos,
ao estar em uma praça, parque, galpão etc se apresentando?Abre-se
então a possibilidade de que os vizinhos-espectadores possam acreditar
que eles também podem participar de uma obra teatral, igual aos
vizinhos-atores que estão se apresentando (SCHER; TALENTO, 2013).
Bidegain (2007a) aponta esta dinâmica ao dizer que “a essencia
do convìvio, da troca recìproca entre vziinho-ator e vizinho-espectador
127

se concreta, muitas vezes, em que aqueles que inicialmente foram


espectadores de uma peça, passam a formar parte do grupo”
(BIDEGAIN, 2007a, p. 60).172
Adhemar Bianchi comenta sobre a importância de se mobilizar
através de uma obra teatral, que, segundo o diretor, pode ser usada
mesmo ainda estando em andamento:

Não se pode convocar apenas com dois


“cartazinhos” na rua, ou pelo jornal. Não, deve-se
convocar trabalhando no espaço público. Se você
começa com cinco, com oito, com dez jogando no
espaço público, mostrando que isto é divertido...
por isto os grupos de Teatro Comunitário, muitas
vezes, apresentam pedaços do trabalho que se
iniciou e que vai durar cinco seis meses.
Apresentam uma cena que tem a ver com o bairro,
que tem a ver com as pessoas, assim as pessoas se
interessam, e isto convoca. (BIANCHI, 2013).173

Muitos grupos, tal qual afirma Bianchi, utilizam-se da


apresentação de fragmentos de uma obra em construção, com o objetivo
de mobilizar mais vizinhos a que estes integrem os grupos (SCHER,
2010a). Desta forma, a obra teatral (completa ou em construção) se
tornou uma importante ferramenta de mobilização para os grupos de
Teatro de Vizinhos.

172
No original: la esencia del convivio, del intercambio de ida y vuelta entre
vecino-actor y vecino-espectador se concretiza, muchas veces, en los
que fueran espectadores en una obra en principio luego pasan a formar
parte del grupo” (BIDEGAIN, 2007a, p. 60).
173
No original: Vos no podéis convocar solamente con dos cartelitos en la
calle, o por diario no, tiene que convocar trabajando en el espacio público,
si vos espesas con cinco con ocho o con dez jugando no espacio público,
mostrando que esto é divertido, por esto los grupos de Teatro Comunitario
muchas veces presenta un pedazo del trabajo porque este pedazo del
trabajo que empezó e que va durar cinco seis meses, presenta una escena
que tiene a ver con el barrio que tiene que ver con la gente, la gente se
interesa. E isto convoca (BIANCHI, 2013).
128

5.1.4 Músicas de mobilização.

Outra estratégia importante para a mobilização e que se tornou


comum a grande parte dos grupos envolvidos, é a criação de músicas, a
serem entoadas em espaços públicos significativos para a comunidade,
com o objetivo de convidar os vizinhos para que estes venham a
interagir com o grupo de teatro.
Segundo Ricardo Talento (2013c), muitos grupos de Teatro
Comunitário, iniciam suas atividades criando uma canção e saindo ao
espaço público para mobilizar os vizinhos.
O grupo Catalinas Sur se utilizou de uma música de moblização
desde inìcio de suas atividades, quando os primeiros integrantes do
grupo saìram à rua, dentro de um contexto de retorno à democracia, para
convocar os vizinhos para que estes retomassem o espaço público
(MARTINE, 2013):
!Ay, vecino! Vengase a hacer
teatro en la plaza.
No vaya a quedarse solo
viendo tele en su casa.
No vaya a quedarse solo:
vengase para la plaza (SCHER, 2010a p.
63).

Esta era a canção do grupo que tinha por objetivo mobilizar aos
vizinhos de La Boca e Catalinas. Estratégia semelhante foi adotada pelo
grupo de Teatro Comunitário de Pompeya, de nome homônimo ao bairro
ao qual está vinculado, na cidade de Buenos Aires.

En nueva Pompeya
Cumplimos 10 años
Haciendo teatro,
Teatro comunitário
Hoy te llo avistamos
Vem acompañanos
Queremos que te sumes
Vení te convocamos (POMPEYA, 2013).
129

A canção foi criada como comemoração dos dez anos de


formação do grupo de Teatro Comunitário de Pompeya, sendo chamada
pelo grupo como Jingle de Convocatória (POMPEYA, 2013). Também o
grupo Matemurga preparou uma canção de mobilização da comunidade:

Matemurga es un asunto
Digno de oír y mirar
Villa Crespo, vea, palpe
¡Metase… le va a gustar!
[…]
Si la tele ya le aburre
Si no hay nada pa‘a mirar
No lo dude amigo, amiga
Vengasé a matematear (MATEMURGA,
2010).

Antônio Tassinari, diretor do grupo de Pontelagoscuro, comenta


sobre a utilização da canção como elemento de mobilização dos
vizinhos como uma das primeiras atividades do grupo italiano:
Assim escrevemos uma canção, a
primeira canção, que depois foi a canção com
a qual se inicia o espetáculo ―Il Paese che
Non C‗e‖ que conta a história do povoado e
convida as pessoas a virem fazer teatro, para
contar... e lentamente as pessoas começaram
a se aproximar (TEATRO E
TRANSFORMAZIONE SOCIALE,
2007).174
A canção que serviu de estratégia de mobilização para os
vizinhos de Pontelagoscuro, e que posteriormente se tornou a canção de
abertura do espetáculo Il Paese que non C‘é (A Cidade que não Existe):

174
No original: cosí abbiamo scritto una canzone, la prima canzone, che
poi é la canzone con cui inizia lo spettacolo ―Il Paese che Non C´é‖,
che racconta del paese e invita la gente a venire fare teatro per
raccontare... e piano piano la gente ha cominciato ad arrivare (TEATRO E
TRANSFORMAZIONE SOCIALE, 2007).
130

Vieni, andiamo a far teatro


vieni a far teatro pure te
a tener viva la storia e la memoria
del paese che non c‘è.
Vieni andiamo a far teatro
vieni a far teatro pure te
a tener viva la storia e la memoria
del Paese che ora c‘è! (MASINI, 2009).

Pode-se perceber, nas canções acima apresentadas, que existe


em comum o constante convite para que os vizinhos se aproximem e
participem dos grupos, buscando cumprir, assim, sua função de
mobilizar os vizinhos para que estes integrem o grupo. Mas elas também
servem para mobilizar os vizinhos para que estes presenciem a
apresentação teatral que se desenvolverá, buscando mobilizar os
vizinhos-espectadores.
Durante o simulacro de Adhemar Bianchi e Monica Lacoste, no
bairro de Cornella, em Barcelona, uma canção também foi utilizada com
o intuito de mobilizar os vizinhos. Neste caso, entretanto, os
coordenadores da oficina propuseram uma canção que era utilizada pelo
grupo Catalinas Sur e que poderia se adaptar a outras localidades:

En Cornella sale el sol


Cuando es Lunes quien canta soy yo
No tiene nada más lindo que soltar la
voz
Cantar entre Amigos con el corazón175

A estratégia de se utilizar uma música de mobilização, que no


caso de Cornella era repetida diversas vezes, fazendo parte do
aquecimento vocal que os coordenadores propunham aos vizinhos,
mostra-se eficaz. Mesmo as pessoas que estavam assistindo e não se
aventuravam a participar diretamente, passavam a cantar a música. A
altura do som, que dezenas de pessoas produziam cantando juntas,
facilitava para que as pessoas que estavam na proximidade tomassem
conhecimento da atividade que se desenvolvia na praça, e aumentava a

175
O nome da localidade e o dia da semana podem ser modificados nesta
música, podendo assim ser utilizada em contextos diferentes.
131

possibilidade de integrarmos mais vizinhos.

5.1.5 Festas teatrais: a mobilização pelo


gastronomia.

Os dois grupos pioneiros do Teatro de Vizinhos desenvolveram,


no inìcio de suas experiências, festas comunitárias com o objetivo de
integrar os vizinhos. Esta se tornou uma caracterìstica comum a muitos
dos grupos que se formaram posteriormente, pois diversos destes
adotaram a realização de festas em seus bairros de pertencimento como
parte de suas atividades.
Os grupos de Teatro de Vizinhos tendem a realizar festas em
datas que consideram importantes, como por exemplo, a data de
formação do grupo ou de comemorações tìpicas da comunidade, como
estratégia de arrecadar dinheiro, para atrair novos integrantes, promover
a convivência comunitária etc.
Neste sentido, os grupos possuem uma forte ligação com a
proposta de celebrar: celebrar o encontro entre vizinhos, a vida
comunitária, a atividade teatral, o resgate da memória, o fortalecimento
da identidade, seu território, a própria formação de um grupo de Teatro
de Vizinhos.
No bairro de Cornella, durante a IV Torvata de Teatre i
Educació, conseguimos integrar pessoas de diversas etnias,
Adhemar Bianchi comenta sobre a proposta de gerar uma
manifestação cultural, na qual a celebração tem uma função estrutural:

A celebração para mim é um ato de encontro e de


se criar em conjunto [...]. A estrutura de consumo
individual, te leva a ficar em casa, consumir a
partir da televisão – não, não, não! Sair! Vai para a
festa! Vem para a celebração! Por isto eu tenho
uma churrasqueira com choripans no teatro e se
toma vinho. Celebração! A celebração está
também relacionada com um paìs onde a morte, o
ódio e o terror nos juntam para celebrar que
podemos estar juntos, que podemos estar vivos e
132

resistir (BIANCHI, 2011).176

Os grupos de Teatro de Vizinhos tendem a gerar encontros em


que a festa e a celebração se tornam estratégia de mobilização, pois não
se convida aos vizinhos apenas para que participem de um grupo de
teatro ou para presenciarem uma apresentação teatral, mas para que
desenvolvam relações sociais comunitárias, celebrando-as, e sendo
assim, nestes encontros não falta alegria, música e a gastronomia
popular.
Borba (2005) analisa a importância da celebração para os
grupos de Teatro de Vizinhos:

É um ambiente que convida os participantes a se


relacionarem entre si a partir da comemoração:
sánduiches, choripán, bolos, pizzas, água,
refrigerante, vinho, entre outras coisas, estão
disponìveis e são consumidos pelas pessoas, que
independente de seu status social, fazem uma
grande fila para comprar. (BORBA, 2005).177

O autor está se referindo especificamente ao momento de


apresentação dos espetáculos, mas os grupos tendem a gerar um
ambiente festivo em grande parte de suas atividades. Neste sentido, a
gastronomia popular apontada por Borba, possui uma importante

176
No original: la celebración para mí es el acto de encuentro y del
crear en conjunto, […]. La estructura individual de consumo y de la
cuestión personal, es que darte en tu casa, consumí a partir del
televisor, no no no no! salí, andá a la fiesta, vení a la celebración, por
eso yo tengo una parrilla con choripanes en el teatro y se toma vino,
¡celebración!. La celebración tiene que ver con un país donde la
muerte, el odio y el terror nos juntan a celebrar el que podemos estar
juntos, que podemos estar vivos y resistir (BIANCHI, 2011).
177
No original: Es un ambiente que invita a los participantes a
relacionarse entre sí a partir de la conmemoración: sándwiches,
choripán, tartas, pizzas, agua, gaseosa, vino, entre otras cosas, están
disponibles y son consumidos por las personas, que independiente de
sus status sociales hacen una gran cola para comprar (BORBA, 2005).
133

função, com destaque para os choripáns, que são os mais citados


ingredientes das festas, ensaios e apresentações.
Ao perguntar a Andrea Salvemini, diretora do grupo 3,80 y
Cresce e ex-coordenadora musical do grupo Catalinas Sur, quais eram
os principais métodos de convocatória dos grupos de Teatro de Vizinhos,
esta me respondeu que, entre outros, está o cheiro do choripán, pois a
linguiça assando atraìa os vizinhos para que estes viessem à praça;
“como qualquer desenho animado que faz assim, e o cheiro te leva ao
choripán” (SALVEMINI, 2013),178 sintetiza a diretora.

5.2 ORGANIZAÇÃO

Além das estratégias de mobilização que são compartilhadas


por muitos grupos de Teatro de Vizinhos, diversos aspectos
organizativos também lhes são comuns. A organização dos grupos é uma
das principais ferramentas que garantem longividade e capacidade de
produção.
Os grupos de Teatro de Vizinhos possuem caracterìsticas
organizacionais bem definidas, principalmente no que se refere à
atribuição que alguns de seus integrantes assumem. Por isto, a maioria
dos grupos possui equipes de trabalho, que ficam responsáveis por
temas especìficos do projeto, como o gerenciamento, a capitação de
recursos, a maquiagem, figurino, a parte musical etc (BIDEGAIN,
2007a).Mercado (2013) identifica esta divisão organizativa no grupo
Matemurga, que é chamado pelo grupo de Comisiones de trabajo, que
são: Dramaturgia, Figurino, Plástica, Gestão e Recursos, Maquiagem,
Revista, Som Manutenção e Melhorias, Buffet e Iluminação
(MERCADO, 2013).179Já o grupo Desparramos, de La Plata, no ano de
2008 possuìa as seguintes comissões: Amigos Utópicos, Artìstica,

178
No original: como cualquier dibujito animado que haz así y el
olorzito te lleva al choripán (SALVEMINI, 2013).
179
No original: Dramaturgia, Vestuario, Plástica, Gestión y Recursos,
Maquillaje, Revista, Sonido, Mantenimiento y Meroras, Buffet e
Iluminación (MERCADO, 2013).
134

Assuntos Institucionais, Dramaturgia, Cenários e Adereços, Logìstica 1,


Logìstica 2, Maquiagem, Música, Imprensa e Comunicação, Recepção e
acompanhamento, Recursos e Figurinos(DESPARRAMOS, 2008).180
Os dois grupos pioneiros também se utilizam de comissões que
assumem a responsabilidade sobre aspectos especìficos do projeto,
muitas já mencionadas ao longo deste estudo, como a comissão de
recepção, de bonecos, figurinos etc. O que ocorre é que são os próprios
integrantes que assumem todas as funções para a viabilizar os projetos,
por isto, cada grupo identifica suas necessidades e busca os caminhos
para supri-las (BIDEGAIN, 2007a). Apesar das variações, a divisão em
equipes é um modelo organizativo comum a grande parte dos grupos.

5.2.1 Autogestão

Segundo a Rede Nacional de Teatro Comunitário, os grupos a


ela vinculados são autogestivos e autoconvocados, sendo estes dois
elementos caracterìsticos do movimento (REDE NACIONAL DE
TEATRO COMUNITÁRIO).181
O sentido de autogestão está historicamente associado ao
movimento anarquista, e compreende a decisão colegiada sobre os
assuntos pertinentes ao grupo, democracia direta e ausência de
hierarquia (BAKUNIN, 1980). Estas caracterìsticas são identificadas
como comuns aos grupos de Teatro de Vizinhos por Fermandez (2013)
ao constatar que:

180
No Original: Amigos Utópicos, Artística, Asuntos Institucionales,
Dramaturgia, Escenografia y Utilería, Logistica 1, Logistica 2, Maquilaje,
Música, Prensa y comunicación, Recepción y seguimiento, Recursos e
Vestuario (DESPARRAMOS, 2008).
181
Disponível em:
http://192.185.91.42/~teatro/index.php?option=com_content&view=article
&id=1&Itemid=23 Acessado em: 18/01/2014
135

O modus operanti dos grupos de Teatro


Comunitário é a divisão de tarefas através da
implementação de áreas como maquiagem,
figurino, imprensa, associação civil (caso possua),
música, entre outras. O trabalho dos grupo é
horizontal, de modo que tudo se debate durante as
assembléias (FERNADEZ, 2013).182

Neste sentido, os grupos de Teatro de Vizinhos são autogeridos,


pois seus integrantes possuem total controle sobre a elaboração e as
tomadas de decisão dos projetos aos quais estão vinculados, e o trabalho
dentro das comissões se dá de forma não hierarquizada.
A autogestão também está associada a mecanismos de
financiamento que grande parte dos grupos desenvolve, pois estes
tendem a gerar grande parte dos recursos necessários para a manutenção
do projeto. Para gerar estes recursos, tornou-se comum a adoção da cota
mensal dos integrantes, tal qual os projetos pioneiros, o que permite que
o grupo possua uma renda estável. Scher comenta sobre este modelo de
financiamento:

A maioria (não todos) se apoia na ideia da cota


mensal de cada integrante, um principio
autogestivo básico. Isto é: uma pequena
contribuição de cada um gera um valor com que
o grupo sempre conta (SCHER, 2010, p. 124).183

Além da cota mensal, outras estratégias de autofinanciamento


são apontadas por Scher (2010) como comuns à maioria dos grupos.
Estas estratégias também podem ser identificadas como tendo sido

182
No original: El modus operandi de los grupos de Teatro Comunitario es
la dividión de tareas por medio de la implementación de áreas como
maquillaje, vestuario, prensa, asociación civil (si la ububiere), música,
entre otras. El trabajo en los grupos es horizintal, de modeo que todo se
debate durante asambleas (FERNADEZ, 2013).
183
No original: La mayoría (no todos) se apoya en la idea de la cuota
mensual de cada integrante, un principio autogestivo básico. Esto es: un
pequeño aporte de cada uno genera una cantidad con la que el grupo
siempre conta (SCHER, 2010, p. 124).
136

utilizadas pelo grupo Catalinas Sur e pelo Circuito Cultural Barracas


desde o inìcio de suas atividades. Sendo assim, os grupos contam como
o dinheiro advindo dos espectadores, seja no “chapéu” ou na bilheteria
dos galpões, e a venda de comidas e bebidas antes e ao final dos
espetáculos e em festas comunitárias.
Um exemplo da utilização da venda de comidas e bebidas pode
ser observada na descrição desenvolvida por Borba (2012) sobre o
espetáculo Visita Guiada, do grupo Los Pompapetryasos:

Algumas horas antes do inìcio do espetáculo, os


membros do grupo ocupam um determinado lugar
no centro da praça e preparam o espaço para a
festa teatral. Eles armam barraca e tendas, expõem
fotos, e disponibilizam comida e bebida a preços
módicos (BORBA, 2012, p. 130).

Mesmo possuindo mecanismos de autofinanciamento, os grupos


de Teatro de Vizinhos tendem a buscar apoios, públicos e privados, para
manter seus projetos comunitários. Mas estes apoios, que podem ou não
ser conquistados, não podem condicionar o funcionamento do projeto.
Segundo Adhemar Bianchi, é importante que um grupo de
Teatro Comunitário busque auxìlio financeiro do Estado a partir de já
estar organizado e funcionando:

Parece-me que um dos temas que às vezes


circulam quando se pensa em subsìdios, é a
intenção que o Estado, ou quem quer que seja, nos
dê sem analisar o que a gente faz. Eu acredito que
deveria ser ao revés, quero dizer, não partir do „se
não me dão, não faço‟ ou „não faço por que não
me dão‟, mas „tendo em vista que fizemos isto,
isto e isto, que contribuìmos com isto e isto,
pedimos que nos deem(BIANCHI apud SCHER,
2010b, p, 124).184

184
No original: Me parece que uno de los temas que as veces gravitan
cuando se piensa en subsidios, es el planteo de que el Estado, o quien
sea, nos dé sin medir lo que nosotros hacemos. Y creo que deber ser al
137

Vale recordar que um grupo somente é considerado como


formado pela Rede Nacional de Teatro Comunitário após ter estreado
seu primeiro espetáculo. Quer dizer, parte-se de um princìpio
semelhante à obtenção de subsìdios, pois se entende que é a partir da
mobilização da comunidade e do gerenciamento que resultam na
montagem da primeira encenação, que um grupo de Teatro de Vizinhos
alcançou promover uma experiência comunitária autogerida.
Além das caracterìsticas de financiamento, a autogestão dos
grupos também está relacionada a outros aspectos organizativos, que
vão desde a construção de cenários, adereços, figurinos, e todo o
material necessário para a montagem teatral, até a organização das
comidas a serem vendidas e a limpeza do espaço onde ocorrerá a
apresentação. Neste sentido, a autogestão assume a caracterìstica do
trabalho comunitário que os grupos desenvolvem, no qual através da
ação dos vizinhos se consegue viabilizar o projeto (BIDEGAIN, 2007a).

5.2.2 Autoconvocação

Os grupos de Teatro de Vizinhos também identificam suas


práticas como autoconvocadas, sendo esta outra caracterìstica
importante de sua organização. Autoconvocação é um termo que se
tornou de uso comum na Argentina, principalmente após a crise de
2001.Neste perìodo, grande parte dos movimentos de resistência à crise
assumiu para si a denominação de autoconvocados para indicar um
movimento apartidário, sem conexões ou vìnculos com organizações
que pudessem ter algum interesse escuso, em relação à mobilização das
pessoas (MOYANO, 2008).
Para uma melhor compreensão do significado que a expressão
“autoconvocados” assumiu na Argentina em 2001, é esclarecedor o

revés, es decir, no partir del ‗si no me dan, no hago‘ o ‗no hago porque
no me dan‘, sino del ‗dado que ya hicioms esto, esto y esto, que
construimos esto y esto, pedimos que nos den‘(BIANCHI apud SCHER,
2010b, p, 124).
138

relato de um professor à pesquisadora Jacqueline Behrend, durante uma


manifestação no qual faz a seguinte analise: “A figura do autoconvocado
nasce um pouco buscando outra alternativa, não se acredita nos
sindicalistas, não se acredita nos polìticos e nasce a figura do
autoconvocado” (BEHREND, 2008 p. 05)185.
Mas o termo de autoconvocado não surgiu no perìodo da crise
argentina, ele já era utilizado, entre outros sentidos, para identificar
algumas práticas teatrais que não foram organizadas com fins
comerciais.
BAYARDO (1992) aponta esta caracterìstica para contrapor o
teatro ―off corrientes”186 ao ―teatro corrientes‖:

O teatro “off corrientes” surge em um contexto


histórico de aumento de formas atuação da
indústria cultural e de escasso apoio tanto público
como privado na produção artìstica. Ele permite a
criação de propostas que venhamdos próprios
atores para gerar possibilidades de trabalho em
teatro. A diferença do “off” que é um teatro
autoconvocado e produzido em forma de
cooperativa pelos atores são seus limitados
recursos próprios, o “outro” é um teatro
convocado e produzido de forma comercial, onde
os atores somente contribuem com os recursos
inerentes e possuem uma intervenção menor no
processo total da obra (BAYARDO, 1992, p.
32)187.

185
No original: La figura del autoconvocado nace como um poco buscando
outra alternativa, no se cree em los sindicalistas, no se cree em los
políticos y nace la figura del autoconvocado [...] Es uma lucha de la
gente, por la gente y para la gente (BEHREND, 2008 p. 05)
186
A calle Corrientes é o local onde se concentram diversos teatros na
cidade de Buenos Aires, ficando conhecido como sìmbolo do teatro
comercial na cidade.
187
No original: El teatro ―off corrientes‖ surge en un contexto histórico de
avance de formas de la actuación en la indústria cultural y de escassa
inversón tanto pública como privada em la producción artística. Ello da
pie a la gestacion de propuestas desde los mismos actores para generar
139

Assim, o teatro off corrientes é autoconvocado por não ter


como ponto inicial um projeto comercial, ou seja, ele não é organizado a
partir de interesses financeiros, o que o difere do teatro corrientes, que é
convocado para servir principalmente a fins comerciais.
No Teatro de Vizinhos, a utilização do termo autoconvocado
para caracterizar os grupos possui um significado semelhante ao adotado
por Bayardo (1992) para se referir ao teatro off corrientes, uma vez que
os grupos não estão subordinados ao Estado, partidos polìticos,
instituições religiosas, sindicatos ou qualquer outro modelo de
organização social que possa influenciar ou se beneficiar de suas
atividades. Os vizinhos não possuem interesse financeiro ou comercial
para integrar os grupos (BIDEGAIN, 2007a), por isto, quando o fazem,
é por interesse em desenvolver uma atividade artìstica e comunitária,
sendo assim autoconvocados.

5.2.3 Grupos abertos: a rotatividade dos vizinhos-


atores.

Outra caracterìstica dos grupos de Teatro de Vizinhos, que está


identificada pela Rede Nacional de Teatro Comunitário como inerente
ao movimento, é que os grupos a ela vinculados devem ser abertos,
acessìveis a todos aqueles que tenham o interesse de participar.
Não existe teste, ou qualquer tipo de seleção para que uma
pessoa ingresse em um dos grupos.Por conta disto, os grupos
desenvolveram mecanismos de incorporação distintos uns dos outros.
Os pioneiros, Catalinas Sur e Circuito Cultural Barracas utilizam-se de
um taller de integración, nos quais os novos integrantes têm a
oportunidade de conhecer o projeto e suas caracterìsticas.

fuentes de trabajo en el teatro. A diferencia del ―off‖ que es un teatro


autoconvocado y producido en forma de cooperativa por los actores son
sus limitados recursos proprios, el ‗otro‘ teatro es un teatro convocado y
producido en forma empresarial, donde los actores solo ponen sus
recursos inherentes y tienen una intervención menor en el proceso total
de la obra (BAYARDO, 1992, p. 32).
140

Quites (2012) participou de uma oficina de integração


desenvolvida pelo grupos Catalinas Sur, e relata a experiência:

No dia 9 de abril de 2012, participei do inìcio de


uma oficina chamada Taller de Integacion. Foi
ministrada por Nora Mouriño e Adhemar Bianchi.
A oficina se iniciou com uma conversa em roda,
na qual Adhemar Bianchi falou sobre o grupo, sua
história, o que o grupo era e o que não era [...]
(QUITES, 2012, p.16).

Outros grupos não possuem um sistema estabelecido como os


pioneiros, mas se tornou comum que aos novos integrantes sejam
transmitidos: a história do grupo, as caracterìsticas organizacionais e
todas as informações que se julguem pertinentes para uma pessoa que
não vivenciou diretamente estes acontecimentos possa ser integrada no
grupo (HERAN, 2007).
As dinâmicas dos grupos são organizadas tendo em conta não
apenas a constante integração, mas também o afastamento dos vizinhos,
o que indica uma aceitação de que nos grupos alguns cheguem, outros se
afastem, e que os que se afastaram podem retornar. Este entendimento
marca a rotatividade dos integrantes como uma dinâmica natural no
Teatro Comunitário. Bidegain (2008) comenta sobre a rotatividade dos
grupos:

Os grupos de Teatro Comunitário estão em


constante renovação, mudança e circulação. O
grupo se renova a partir dos integrantes que
entram e saem. Estes grupos desenvolvem
processos longos de preparação justamente pela
grande mobilidade de seus integrantes. Os
diretores dos grupos estão de acordo em que o
afastamento de um vizinho-ator não devem ser
vividos como traumáticos, porque ninguém vai ter
as portas fechadas se decide voltar, também
porque a energia que os integrantes novos trazem
dinamiza, oxigena e revitaliza o grupo
(BIDEGAIN, 2008, p. 36).188

188
No original: Los grupos de Teatro Comunitário están en permanente
141

A constante entrada e saìda dos integrantes somente podem ser


tidas como não traumática, tal qual aponta Bidegain, pela quantidade de
vizinhos que os grupos tendem a integrar em suas práticas. Segundo a
Rede Nacional de Teatro Comunitário um grupo deve contar com um
mìnimo de 20 integrantes. Bidegain (2008) indica que a maioria conta
com aproximadamente 80 e os grupos mais antigos com mais de uma
centena.
Um grupo menos numeroso dificilmente poderia aceitar como
normal a saìda de seus integrantes, sem comprometer o andamento do
trabalho. Neste aspecto, assume uma função organizativa uma proposta
estética presente em vários grupos, que será analisada em maiores
detalhes mais adiante, referente à rotatividade dos integrantes, que é a
utilização de personagens coletivos.
Os espetáculos dos grupos de Teatro de Vizinhos tendem a
utilizar em cena muitos personagens coletivos, em formato de coro ou
em bloco temático (os trabalhadores, os burgueses etc), o que possibilita
que a saìda de determinado vizinho não impeça uma apresentação, pois
um espetáculo pode ser apresentado por quarenta vizinhos ou trinta e
cinco, e também facilita a incorporação de um novo integrante, pois
geralmente estes iniciam no coro e não em um personagem individual
(BIDEGAIN, 2008).

5.2.4 O papel dos diretores/coordenadores.

Apesar do Teatro de Vizinhos estar fundamentado em bases


coletivas, existe nos grupos estudados, e nos encaminhamentos para se

renovación, cambio y circulación. El grupo se reconstituye a partir de


los integrantes que entran y salen. Estos grupos tienen procesos
extensos de preparación justamente por la intensa movilidad de sus
integrantes. Los directores de grupos acuerdan en que los alejamentos
de un vecino-actor no se deben vivir como traumáticos porque nadie se
va para tener luego las puertas cerradas si decide volver, además
porque la energía que aportan los integrantes nuevos dinamiza, oxigena
y revitaliza al grupo (BIDEGAIN, 2008, p. 36).
142

criar novos grupos, uma valorização do papel do diretor ou de equipe de


direção.
A função do diretor (ou equipe de direção) é fundamental para
os grupos, sendo que as pessoas que exercem esta função possuem
conhecimento e experiência teatral, a exemplo de Ricardo Talento e
Adhemar Bianchi. Scher (2010a) destaca a importância da figura do
diretor para os grupos: “Do meu ponto de vista, não existe Teatro
Comunitário que pretenda ser transformador sem um diretor, ou equipe
de direção, que tenha uma atuação de peso” (SCHER, 2010a, p. 107).189
Segundo Adhemar Bianchi, uma das principais dificuldades que o Teatro
de Vizinhos enfrenta é encontrar pessoas que possuam conhecimento
teatral dispostas a dirigir os novos grupos (BIANCHI, 2007).
Em diversos aspectos, o trabalho desenvolvido pelos diretores
dos grupos de Teatro de Vizinhos se assemelha ao trabalho desenvolvido
em outras modalidades teatrais. Isto pode ser observado na descrição
realizada por De Marinis (2005), ao apontar as três principais funções
que os diretores de teatro assumiram durante o século XX. São elas: 1.
Espectador profissional, 2. Professor de atores e 3. Lìder.
Ao se referir ao diretor como espectador profissional, De
Marinis se utiliza de uma conferência realizada por Grotowski, na qual o
diretor polaco faz a seguinte análise:

O diretor é alguém que ensina aos outros algo que


ele mesmo não sabe fazer. Mas é precisamente por
esta razão, que sabe: “Eu, isto, não sei fazer, mas
sou um espectador”, e neste caso,abre-se a
possibilidade de se tornar criativo. [...] porque
nisto existe uma técnica precisa e complexa. Só
que esta técnica não se pode receber de nenhuma
escola, aprende-se sozinho com o trabalho[...]190
um dos problemas essenciais do trabalho de
espectador, quero dizer, do diretor que observa, é
o de conseguir dirigir a atenção; a sua e a dos

189
No original: A mi modo de ver, no hay Teatro Comunitário que se
pretenda transformador sin um diretor, o equipo de dirección que tenga
una mirada de peso (SCHER, 2010a, p. 107).
190
Supressão de texto realizada por De Marinis.
143

outros espectadores que chegarão (GROTOWSKI


191
apud DE MARINIS, 2005, p. 151).

Para explicar a prática pedagógica que o diretor também


assumiu durante o século XX, De Marinis faz referência a toda a
tradição teatral surgida a partir de Stanislavski e a necessidade de
auxiliar o ator para que este desenvolva sua criatividade.

Outra contribuição importante dos estudos sobre a


direção dos últimos trinta anos, foi o de ter
abordado sua vertente pedagógica,
substancialmentenegligenciada ou, de qualquer
maneira, desvalorizadas até então. Como já
ampliamente se aceita, as experiências
pedagógicas dos grandes diretores, dos Pais
Fundadores do teatro contemporâneo, representam
a dimensão mais avançada e radical de seu
trabalho, a mais inovadora (DE MARINIS 2005,
p. 148).192

191
No original: El director es alguien que enseña a los otros algo que él
mismo no sabe hacer. Pero precisamente por ello, sí sabe: ―yo esto no
lo se hacer, pero soy un espectador‖, en este caso puede hacerse
creativo. Y se puede convertir incluso en un técnico, por que en ello hay
una técnica precisa y compleja. Sólo que esta técnica no se puede
recibir en ninguna escuela, se aprende sólo con el trabajo […] uno de
los problemas esenciales del oficio del espectador, es decir del director
que mira [es] el de tener la capacidad de dirigir la atención; la suya
propia y la de los otros espectadores que llegarán(GROTOWSKI apud
DE MARINIS, 2005, p. 151).
192
No original: Otra contribución importante de los estúdios sobre la
dirección de los últimos treinta años ha sido el de haber puesto en
cuestión su vertiente pedagógica, sustancialmente descuidada o, de
todos modos, infravalorada hasta entonces. Como ya se acepta
ampliamente, las experiencias pedagógicas de los grande directores, de
los Padres Fundadores del teatro contemporáneo, representan la
dimensión más avanzada y radical de su trabajo, la más innovadora
(DE MARINIS 2005, p. 148).
144

Por fim, o autor analisa a função de liderança que o diretor de


teatro deve exercer sobre o projeto:

[O] teatro nunca é feito somente com uma coleção


de espetáculos, e por conseguinte, a vida de um
grupo não se reduz somente ao trabalho artìstico,
mas é composto por muitas outras atividades e
sobre tudo, é realizado sobre a delicada e
complexa dinâmica das relações interpessoais que
necessitam um ponto de apoio e de referencia.
Sendo esta outra função fundamental do diretor
teatral [...] a função de chefe, de leader (DE
MARINIS, 2005, p. 151-152).193

As funções assumidas pelos diretores teatrais descritas por De


Marinis se enquadram nos grupos de Teatro de Vizinhos, o que pode ser
constatado na análise que Bidegain (2007a) faz sobre a função dos
diretores desta modalidade teatral comunitária.

Como é o diretor quem tem experiência no campo


teatral e possui a visão global do espetáculo que é
preparado, é ele quem está encarregado de
estabelecer diretrizes, condensar, organizar e
coordenar os materiais que surgiram no processo
de criação coletiva, de participar do processos de
cada um dos vizinhos-atores e trabalhar para a
comunidade, uma vez que lidera um projeto com
critério artìstico para uma nova organização social
(BIDEGAIN, 2007a, p. 40).194

193
No original: Un teatro nunca se hace solamente con una colección de
espectáculos y así, la vida de un grupo no se reduce nunca sólo al
trabajo artístico, sino que consiste en muchas otras actividades y sobre
todo se sostiene sobre la delicada y compleja dinámica de relaciones
interpersonales que necesitan un punto de apoyo y de referencia. Y ésta
es la otra función fundamental del director teatral,[…]: la función de
jefe, de leader (DE MARINIS, 2005, p. 151-152),
194
No original: Como el director es quien tiene experiencia en el campo
teatral y tiene la mirada global del espectáculo que se prepara, es el
encargado de establecer pautas, condensar, organizar y coordinar los
145

Desta forma, Bidegain observa que os diretores dos grupos de


Teatro de Vizinhos são aqueles que possuem a visão global dos
espetáculos (primeiro espectador), que participam do processo de
criação de cada vizinho-ator (diretor pedagogo ou professor de atores) e
aquele que lidera o projeto (lìder). Por outro lado, existem alguns
elementos especìficos do trabalho do diretor de Teatro Comunitário.
Segundo Bianchi (2013), a direção em um projeto de Teatro
Comunitário se diferencia de um projeto de teatro comercial, no qual o
produtor contrata o diretor, o diretor contrata os atores e se torna o chefe
do espetáculo. Já no Teatro de Vizinhos, os chefes seriam os
participantes, por isso, um diretor não possui uma autoridade a priori,
ele “deve conquistar tal autoridade” (BIANCHI, 2013).
Bidegain (2008) ressalta a importância que os diretores de
Teatro Comunitário saibam que estão trabalhando com vizinhos, e que
isto significa propor exercìcios teatrais que possam ser executados por
todos. Bianchi também comenta sobre esta caracterìstica ao apontar que

Você sabe o que é um aquecimento fìsico, mas


uma coisa é fazer com atores profissionais e
outra com vizinhos de todas as idades, por isto
precisa ter um jogo, uma forma lúdica e
divertida de fazê-lo, que corresponda à mesma
técnica (BIANCHI, 2013).195

Como os grupos são compostos por pessoas de todas as idades,


em alguns casos, não se pode excluir pessoas com deficiências ou
limitações. Desta forma, os diretores devem desenvolver dinâmicas que

materiales surgidos en el proceso de creación colectiva, participar de


los procesos de cada uno de los vecinos-actores y trabajar para la
comunidad, dado que lidera un proyecto con criterio artístico para una
nueva organización social (BIDEGAIN, 2007a, p. 40).
195
No original: Vos sabéis lo que es un calentamiento físico, más una cosa
es hacer con actores profesionales y con vecinos de todas las edades, por
esto tiene que tener un juego, una forma lúdica y divertida de hacerlo, que
corresponda a la misma técnica (BIANCHI, 2013).
146

permitam a participação de todos.


Dada a importancia da figura do diretor para os projetos, em
muitos casos, os diretores são remunerados pelos próprios grupos, o que
envolve uma polêmica no Teatro de Vizinhos. Nos pioneiros, Catalinas
Sur e Circuito Cultural Barracas, não são apenas os diretores que
recebem uma cotrapartida financeira pelo trabalho realizado, exite toda
uma equipe de coordenadores que são remunerados.
Para Ricardo Talento a remuneração dos coordenadores é um
dos aspectos mais difìceis para os grupos lidarem:

Os grupos não assumiram ainda, que se não se


paga o trabalho de alguns companheiros, tudo vai
empobrecer. [...] tem gente que acredita que os
coordenadores se enchem de dinheiro à custa do
trabalho dos vizinhos. Nos grupos de Teatro
Comunitário não estão livres dessas crenças
sociais (TALENTO apud SCHER, 2010, p.
123).196.

Esta é sem dúvida uma questão polêmica. Os argumentos em


favor da qualidade do trabalho são fortes, dificilmente se alcançariam
os mesmos resultados sem a dedicação dos diretores/coordenadores, que
para isto necessitam receber pelo trabalho prestado. Por outro lado, um
projeto comunitário, que envolve vizinhos que dedicam seu tempo de
forma voluntária ao projeto, pode criar uma relação desigual de quem
“é” e de quem “não é” remuerado.
Não existe consenso entre os grupos se existe a necessidade de
remunerar ou não os diretores/coordenadores para o desenvolvimento do
projeto. Este é o modelo organizacional adotado pelos grupos mais
estruturados como Catalinas Sur, Circuito Cultural Barracas,
Matemurga, Murga de La Estación, Murga del Monte, Patricios Unidos
de Pié, mas, tal qual apontado acima por Talento, este ainda é um tema

196
No original: Los grupos no han asumido, todavía, que si no se paga la
tarea de ciertos compañeros, se va a empobrecer todo. […]‘. hay gente
que cree que los coordinadores se llenan de dinero a costa del trabajo
de los vecinos. Los grupos de Teatro Comunitario no estamos librados
de esas creencias sociales (TALENTO apud SCHER, 2010, p. 123).
147

dificil para os grupos lidarem.

5.3 PROCESSOS DE CRIAÇÃO E ENCENAÇÃO.

Os processos de criação desenvolvidos pelos grupos de Teatro


de Vizinhos são diferentes uns dos outros, uma vez que cada grupo
constrói suas próprias dinâmicas, que variam conforme os participantes,
coordenadores e os objetivos de cada proposta cênica a ser realizada.
Entretanto algumas caracterìsticas comuns também podem ser
observadas. Destaco aqui os processos longos, a importância da
improvisação, a dinâmica de aporte coletivo, o diálogo com a murga e a
opção por personagens coeltivos e o canto comunitário.

5.3.1 Tempo de criação.

Segundo Bidegain (2007a), uma primeira caracterìstica


importante dos grupos, são os longos processos criativos que são
desenvolvidos. Para Ricardo Talento, os grupos se permitem demorar
meses ou mais de um ano para estrear uma obra. Isto porque o trabalho
com os vizinhos segue outro ritmo, em relação ao trabalho com atores
profissionais (TALENTO, 2013c).
Geralmente, os grupos ensaiam uma ou duas vezes por semana,
com a proximidade da estreia, o número de ensaios tende a aumentar,
mas os vizinhos não possuem disponibilidade de estar por meses
ensaiando todos os dias, este é um dos motivos para que os processos de
criação sejam extensos (BIANCHI, 2013).

Uma das coisas mais difìceis para um grupo é


lidar é a demanda externa. A demanda para um
grupo que começa a ser be sucedido, como o
nosso, é maior do que se pode fazer para um
grupo que começa a ser bem sucedido, como o
nosso, é maior do que o que se pode fazer, e não
148

estou falando da qualidade, estou falando do


tempo de dedicação. Por exemplo, neste
momento, nos pedem isto e aquilo, e não se pode,
por que os grupos vão a poder trabalhar duas
vezes por semana e apertando muito, quando
chega perto [da apresentação] três, quatro. E na
última semana você pode apertar, mas as pessoas
tem outras coisas para fazer (BIANCHI, 2013).

Outro motivo está na quantidade de integrantes que geralmente


fazem parte dos grupos, pois um processo de criação que conta com um
número menor de integrantes, principalmente se estes já possuem
experiência teatral, podem conseguir alcançar resultados mais rápidos
(TALENTO; BIANCHI, 2013).

No outro dia te falávamos do tempo que a gente


demora para montar um espetáculo. Nós [Talento
e Bianchi] te dizìamos que não o fazemos em dois
meses, mas em um ou dois anos. Bem, esta é a
grande riqueza e vantagem que possui o Teatro
Comunitário sobre outros tipos de teatro, esse
tempo que se permite para gerar algo (TALENTO,
2013c).197

Certamente que isto não é obrigatoriamente assim, pois é sabido


que alguns grupos profissionais podem levar anos para alcançar um
resultado, mas, no caso do Teatro de Vizinhos, a quantidade de pessoas
que participam do projeto, influencia o tempo de construção dos
espetáculos, pois supõe um maior número de contribuições e olhares
sobre a peça. Neste ponto pode-se dizer que reside uma diferença entre o
teatro comercial, que geralmente deve cumprir prazos para recuperar os
investimentos realizados, e o Teatro Comunitário, que pode definir o

197
No original: lo otro día hablábamos del tiempo que nosotros
tardábamos para armar los espectáculos, y nosotros le decíamos que no
lo hacemos en dos meses, mas en un año o dos años, bueno, esto es una
gran riqueza y ventaja que tiene el Teatro Comunitario sobre los otros
tipos de teatro, este tiempo que se permite de generar algo (TALENTO,
2013c).
149

tempo que julgar necessário para criar.

5.3.1 Aporte coletivo e qualidade artística.

A tendência majoritária encontrada no Teatro de Vizinhos, é que


seus espetáculos sejam criados a partir das indagações, sugestões,
histórias e improvisações dos integrantes. Por isto, um aspecto
fundamental é o processo de criação que os grupos desenvolvem.
Durante o simulacro de Barcelona, do qual participei, Adhemar
Bianchi apontou ser importante que se desenvolvam improvisações que
possam trazer contribuições aos espetáculos, através da soma de ideias,
e não na busca de quem faz a melhor sugestão. O objetivo com isto é
que todos se sintam a vontade para propor. Para exemplificar, Bianchi
usou a seguinte metáfora - se um propõe um cavalo, e outro propõe um
cachorro, deve-se colocar o cachorro em cima do cavalo, e se for
necessário, o cavalo em cima do cachorro.
Esta metáfora também sugere a importância que tem para os
grupos o processo de criação dos espetáculos.E estes devem tratar de
um tema que os vizinhos considerem como sendo de seus interesses, que
deve partir da prática grupal para se efetivar (BIDEGAIN, 2007a).
Para que o espetáculo retrate os interesses dos vizinhos, é
comum no processo de criação que os grupos se utilizem da
improvisação de cenas, geralmente propostas a partir das memórias
aportadas pelos vizinhos do tema que o grupo pretende abordar. Das
improvisações são extraidas grande parte da matéria prima que fará
parte da obra.

Em muitas ocasiões se trabalha a partir


de improvisações, para depois tirar a matéria
prima da futura obra. Quando dizemos “tirar” não
estamos falando em extrair somente ideias, mas
imagens, frases soltas que aparecem, um clima
que se conseguiu, etc (SCHER, 2010, p. 104).198

198
No original: En muchas ocasiones se trabaja a partir de
150

Neste sentido, a improvisação dos vizinhos se torna parte


constitutiva do espetáculo, mas não necessáriamente de forma literal,
pois como aponta Scher, da improvisação pode surgir uma idéia, uma
imagem, frase, um clima, mas sua utiliação faz com que o espetáculo
não seja resultado exclusivo das indagações de uma pessoa, mas de todo
o grupo, que como já vimos, tende a ser numeroso.
Por outro lado, ainda que grande parte dos espetáculos seja
criada a partir de propostas vindas dos vizinhos, tornou-se comum que
uma ou mais pessoas fiquem encarregadas de criar poeticamente, a
partir das propostas iniciais dos vizinhos.
Para Ricardo Talento e Edith Scher, a maioria dos grupos de
Teatro de Vizinhos utiliza, em seus processos de criação, o que os
diretores denominam de aporte coletivo, no qual os integrantes do grupo
sugerem, improvisam e trazem elementos à encenação. O processo,
entretanto, inclui contribuições de algumas pessas (que pode ser o
diretor, uma equipe de direção ou dramaturgia) que se responsabilizam
por sintetizar poeticamente estas informações e transformá-las em uma
peça teatral (SCHER; TALENTO, 2013).
A criação coletiva e o do aporte coletivo podem ser entendidos
como processos de criação diferentes. O primeiro seria a criação de uma
obra na qual todos os integrantes escrevem ou criam conjuntamente a
encenação, enquanto no segundo, mesmo mantendo caracterìsticas
coletivas, cabe a alguns integrantes a função de dar unidade poética ao
resultado do processo de criação. Neste sentido, comentam Talento e
Scher:

Talento: Eu falo muito de aporte coletivo ao invés


de criação coletiva, por que a criação coletiva, um
diz, quem escreveu? Criação coletiva! Eu sinto
que se está mentindo, ou se está ocultando. […]
Sempre tem que colocar que escreveu, mas que

imporvisaciones, para luego tomar de allí la materia prima de la futura


obra. Cuando decimos ―tomar‖ no hablamos de extraer ideas, solamente,
sino imágenes, frases sueltas que aprecen, un clima conseguido, etcétera
(SCHER, 2010, p. 104).
151

não escreveu sozinho, não escreveu em dois


meses e trouxe o texto, escreveu sintetizando os
aportes dos vizinhos, sintetizando... e a partir disto
foi escrevendo, mas alguém que sintetizou
poéticamente, isto que aportaram os vizinhos, por
isto eu sempre digo aporte coletivo, e digo quem
escreveu, tem que começar a dizer quem escreveu
ou se dá uma informação errada (TALENTO,
2013c).199
Edith Scher Sim sim, estou completamente de
acordo, no nosso grupo isto é uma questão [...],
para mim, o texto tem que dizer que tal, tal e tal
escreveram, e com o aporte de todos os vizinhos
(SCHER, 2013).200
Talento: Se dizemos fizemos todos, você está
mentindo, não está informando completamente,
como se chega a esta dramaturgia, é o grande
segredo, por que as vezes estamos conversando, e
algúem perunta como se chega a uma dramaturgia
que tem que ser para cinquenta, setenta vizinhos?
(TALENTO, 2013).201

199
No original: [Talento] Yo hablo mucho de aporte colectivo al envés de
creación colectiva, porque en la creación colectiva, uno diz, ¿quien
escribió?, ¡creación colectiva! Yo siento que uno esta mintiendo, o está
ocultando. […], siempre hay que poner quien lo escribió, más que no
escribió solo, pero no lo escribió en dos meses y trago la obra, se lo
escribió agregando los aportes de los vecinos, agregando. y a partir
dese lo fui escribiendo, pero alguien que sintetizo poéticamente, esto
que aportaran los vecinos, por esto siempre digo aporte colectivo, y lo
digo quien lo escribió, hay que empezar a decir esto o lo da una mala
información (TALENTO, 2013c).
200
No original: [Edith Scher] Si si, estoy completamente de acuerdo, y en mi
grupo esto es una cuestión, para mí lo texto tiene que decir tal y tal y tal
escribirán, y con el aporte de todos los vecinos (SCHER, 2013).
201
No original: [Talento] Si lo decimos lo hicimos todos, lo estás mintiendo,
no lo está informando completamente, como se llega a esta
dramaturgia, y por qué es la gran clave, por que as veces estamos a
charlar, y uno pregunta ¿cómo se llega a una dramaturgia que tiene que
ser para cincuenta, setenta vecinos (TALENTO, 2013c)?.
152

O processo que os diretores estão buscando descrever é que em


um espetáculo criado coletivamente, com dezenas ou mais de uma
centena de vizinhos que participam ativamente do processo de criação,
torna-se necessário que alguns integrantes assumam a responsabilidade
de realizar uma sìntese dos aportes para levá-los à cena. De que pode-se
desenvolver a dramaturgia do espetáculo, sem com isto perder as
contribuições dos integrantes. Que o olhar do diretor ou do dramaturgo
pode dar, unidade para a montagem de base coletiva.

5.3.2 A apropriação das tradições populares

Existem nos grupos um vinculo com diversas tradições


populares, como a arte do palhaço e o circo criollo, mas no Teatro de
Vizinhos, a contribuição da murga se destaca.Trata-se de uma
organização festiva que geralmente, durante as festas do carnaval para
desfilar pelas ruas. Na Argentina, ela passou a ocorrer no final do século
XIX e inìcio do século XX e perdura até os dias atuais. Nestas
manifestações se mesclam músicas, cantos e danças, e os participantes
costumam utilizar fantasias ou figurinos para se caracterizarem
(MARTìN, 1997).
Para Martìn (1997), a murga pode ser dividida em dois
momentos enquanto manifestação carnavalesca na Argentina. Em um
primeiro momento, elas eram formadas tendo como base a
nacionalidade dos participantes. Isto ocorria devido à grande imigração
que houve na Argentina. Em um segundo momento, este agrupamento
passou a ser de vizinhos ou moradores de um mesmo bairro, deixando
de ser caracterizado pela etnia dos participantes para assumir uma
conotação territorial.202
A murga influenciou diversas caracterìsticas dos espetáculos
dos grupos de Teatro de Vizinhos. Adhemar Bianchi comenta sobre a
importância da murga nos espetáculos do grupo Catalinas Sur, pois
segundo o diretor:

202
Algumas murgas ocorrem em outras datas festivas, mas estas não
representa a tendência principal.
153

Como grupo de teatro popular e da comunidade, a


murga é parte da nossa tradição, ou seja, nós não
nos apropriamos dela, pois ela já nos é própria.
Mais uma opção da rica tradição da arte popular.
No inìcio, chamamos de murga-teatro um dos
nossos espetáculos “Venymos de Muy Lejos”, a
utilização deste nome foi motivada pela nossa
intenção de “dessacralizar” a palavra teatro, que
geralmente para as pessoas comuns, parece como
algo que é para a elite intelectual e por isto não se
sentem convidados a assistir (BIANCHI, 2001, p.
123).203

Desta maneira, para Adhemar Bianchi, o diálogo com a murga


auxilia o grupo Catalinas Sur a realizar a dessacralização do fenômeno
teatral, e isto permite incluir uma parcela da população que, segundo o
diretor, não se sentem convidadas a interagir com o teatro.
A influência da murga não se restringe ao grupo Catalinas Sur,
muitos dos grupos que surgiram posteriormente, principalmente os que
estão na Argentina, encontraram nesta manifestação carnavalesca
elementos importantes para suas práticas. Neste sentido, torna-se
interessante observar que diversos grupos adotaram em seus nomes uma
referência direta a esta manifestação popular, isto pode ser observado
nos grupos Matemurga,Murga de La Estación, Murga del Monte, Murga
del Tomate entre outros.
Ricardo Talento aponta uma importante influência da murga na
forma dos espetáculos dos grupos de Teatro de Vizinhos:

203
No original: Como grupo de teatro popular y de la comunidad la murga
es parte de nuestra tradición, o sea que no nos la apropiamos sino que
nos es propia. Una opción más de la rica tradición del arte popular. En
un principio llamamos murga-Teatro a uno de nuestros espectáculos
"Venimos de muy lejos"; la utilización de este nombre se debió a nuestra
intención de "desacralizar"la palabra teatro que en general a la gente
común le suena como algo que es para una élite intelectual y por lo
tanto no se sienten invitados a asistir (BIANCHI, 2001, p. 123).
154

Ainda, desde o ponto de vista formal, no que diz


respeito à construção dos espetáculos, é frequente
nos grupos a canção de apresentação e de
encerramento, como existe nas murgas. A
diferença a diferença com estas, é que no
momento em que a murga realiza a crìtica (entre
as canções de apresentação e de encerramento), os
grupos de Teatro Comunitário apresentam a peça
(TALENTO apud FALZARI, 2011).204

Martin (1997) destaca esta caracterìstica nas murgas ao analisá-


las, apontando que estas possuem três momentos, a apresentação, o
encerramento, e entre a apresentação e o encerramento, a crìtica:

Uma que o grupo chegou no palco onde atua,


executam o número central da representação: as
canções. Que costumam ser três: a canção de
apresentação, a paródia ou canção de crìtica e a de
despedida, nesta ordem de sucessão temporal. As
canções de apresentação e de despedida
apresentam o grupo ao público, dizendo seu
nome, o bairro de onde vem, as intenções que
trazem, a boa intenção de alegrar e festejar o
carnaval (MARTIN, 1997 p. 38).205

204
No original: Además, desde el punto de vista formal en lo que se
refiere a la construcción de los espectáculos, es frecuente en los grupos
la canción de presentación y cierre, al igual que las murgas. A
diferencia de éstas, en el momento en que la murga realiza la crítica
(entre las canciones de presentación y cierre), los grupos de Teatro
Comunitario llevan a cabo la obra (TALENTO apud FALZARI, 2011).
205
No original Una vez arribada la agrupación al escenario en el que actua,
ejecutan el número central de la representación: las canciones. Estas
suelen ser tres: la canción de presentación, la parodia o canción de
crítica, y la de despedida, en ese orden de sucesión temporal. Las
canciones de presentación y de despedida ubican la agrupación al
público diciendo su nombre, el barrio del que provienen, las intenciones
que traen, los buenos deseos de alegrar y festejar el carnaval (MARTIN,
1997 p. 38).
155

Um exemplo de utilização da canção de apresentação pelo


Teatro de Vizinhos está no espetáculo La Caravana, do grupo
Matemurga, que se inicia com uma canção de apresentação chamada de
Pasen y Vean:

Pasen y vean esta feria de canciones


Como jirones, como huellas del ayer
Vayan juntando palitos y papeles
Armemos la fogata que la noche quiere
arder

Somos las voces que el siglo no ha matado


Perfume fresco que el tiempo no borró
Pasen y vean, enciendan la esperanza
La voluntad no alcanza, despierten la
canción (MATEMURGA, 2006)

Também se tornou caracterìstico ao Teatro de Vizinhos uma


canção no encerramento dos espetáculos, que geralmente é executada
por todo o numeroso elenco e serve de despedida dos vizinhos-atores
aos vizinhos-espectadores. Esta também é uma influência das murgas,
tal qual apontado por Ricardo Talento.
Fernandes (2010) comenta sobre este momento do espetáculo
ao presenciar uma apresentação, na qual integrantes de seis grupos
localizados em povoados de partido Rivadávia, provìncia de Buenos
Aires, se juntaram na cidade de San Mauricio para apresentar um
espetáculo em conjunto chamado Carne y Espiritu, que contava a
história de Rivadávia.
Desta experiência, relata Fernandes:

Quando os 200 vizinhos se juntam para a canção


final, os corações se levantam. Não importa de
onde você é, se é vizinho de Rivadavia ou não. A
emoção te chega da mesma forma,
inevitavelmente, através de uma imagem que
percorre os sentidos. As veias se enchem de um
sangue novo, que corre agora ao som de uma
156

utopia feita realidade (FERNANDES, 2010).206

As canções finais dos espetáculos tendem a gerar um momento


de celebração, na qual os integrantes festejam a obra, a memória, o
território e a identidade do grupo. Neste momento busca-se evidenciar
que este é um Teatro de Vizinhos, entre vizinhos e para os vizinhos de
todos os bairros, cidades e paìses. Isto pode ser observado em diversos
espetáculos dos grupos, como se pode verificar nos exemplos a seguir:

El Fulgor Argentino, do grupo Catalinas Sur:

Y por favor, que nadie diga / la utopía se murió.


Se para muestra/ basta un botón / aquí hay cien
utópicos hoy/ que por amor / brindamos nuestra
alma / en la función. Y si logramos conmover su
corazón / Nuestra utopía ya se cumplió. Por este
mundo que hemos soñado / sin injusticias y en
libertad. Porque pensamos / que aún es posible.
Por esto es que / estamos acá. Y a cantar, que
estamos vivosY esto hay que festejar. Somos la
historia que el futuro va a contar. Y mal o bien
nos recordarán. Con la memoria, la esperanza
Resistirá (ROSEMBERG, 2009, p. 91).

Los chicos del Cordel, El Teatral Barracas – Circuito Cultural


Barracas.
Así termina lo que no termina… / y como han
venido pronto se irán. Tendrán su barrio, no son
de enfrente, y nuestra historia / comprenderán.
Somos vecinos, somos actores… / y nuestro oficio
siempre es actuar. Es fantasía,/ es puro cuento,/ es

206
No original: Cuando los 200 vecinos se juntan para la canción final, los
corazones se levantan. No importa de donde sos, si sos vecino de
Rivadavia o no. La emoción te llega igual, inevitablemente, a través de
una imagen que recorre los sentidos. Las venas se llenan de una sangre
nueva, que late ahora al son de una utopía hecha realidad
(FERNANDES, 2010).
157

una historia / no vale na. Pero estamos


embarazados… Y nos negamos a no contar. No lo
recuerde, / ya lo sabemos / siempre supera la
realidad. Pero nascimos, somos de un barrio es
una historia, es un lugar. Estamos embarazados, y
nos negamos a no ―ser‖ más. Somos los chicos,
Somos los grandes. Somos abuelos de los que
vendrán. Estamos embarazados. Y nuestra
historia comprenderán… (ROSEMBERG, 2009,
p.117-118).

La Caravana, grupo Matemurga.

Es el eco de un aplauso/ que se apaga lentamente,


es tristeza en la barriada /cuando deja de cantar.
Retirada es beso lento / que se fuga con el alba, /
es lo efímero del tiempo / que se vuelve eternidad.
Retirada hace una ola / luego de besar la playa, y
retorna majestuosa / a fundirse con el mar. Esta
murga se retira, / por brillantes arrabales, / Por
lejana callecitas / de una perdida ciudad. A dónde
irá la feria de canciones, Adonde la fogata y los
tambores, A dónde viajarán los vagabundos, a
qué lugar remoto de este mundo. Tal vez un viento
evoque aquel perfume, Acaso alguien añore en
primavera, Las voces, las antorchas, los jirones,
que entonan su inmortal pasen y vean. Quién
puede detener la caravana, quien dijo que no hay
sueños compartidos. La murga nacerá cada
mañana. Los sueños están lejos, pero vivos. Se
van, se van los viejos trotamundos, Sus labios
encendidos de emociones. No hay tempo ni lugar
en esta tierra, que pueda doblegar nuestras
canciones. Carnaval, Carnaval, carnaval
(MATEMURGA, 2006).

Além desta influência na forma dos espetáculos, que tendem a


adotar as canções de abertura e encerramento, a presença da murga
também pode ser observada em outros aspectos desenvolvidos pelos
grupos de Teatro de Vizinhos. Tornou-se comum que os grupos
dialoguem com o tipo de picardia popularesca das murgas. Entre as
158

canções de apresentação e encerramento, é comum que as murgas


critiquem alguma atualidade, principalmente temas polìticos e sociais,
que são retratados através do humor e da ironia. Para isto se utiliza da
paródia, da caricatura, da sátira etc (MARTIN, 1997).
Muitos grupos de Teatro de Vizinhos também se utilizam do
tipo de humor murguero em seus espetáculos, retratando e criticando
através da ironia momentos da atualidade ou da história da comunidade.
Um exemplo é a inclusão de um grupo de murga como personagem
coletivo no espetáculo El Fulgor Argentino, do grupo Catalinas Sur. Em
uma de suas intervenções, os murgueros cantam: ―Dicen que l' jefe de e'
bomeberos, Su manguera va a rifar, Por que la tiene podrida, no sirve ni
p' regar‖ (ROSENBERG, 2009, p. 56). Nesta intervenção, dirigida ao
chefe dos bombeiros que compõe com outros personagens as
autoridades do bairro de La Boca que são criticados pela murga, pode-se
perceber a ironia que o diálogo com esta linguagem popular traz aos
espetáculos do grupo Catalinas Sur.
Para citar outro exemplo, o grupo Matemurga, no espetáculo La
Caravana faz uma referência ao coronel Victoriano Huertas207, a cena se
inicia com um diálogo entre dois personagens, Juancho e Ramón,
finalizando com uma canção executada pelo coro:
- oye Juancho
- si Ramón
- ¿ha visto a la cucaracha?
- ¿El maloliente, viejo, malandrìn,
rastrero, hipócrita, estrafalario, borracho, ridìculo
y malvado asquereoso general Victoriano
Huertas?
[…]
Canción de la Revolución Mexicana
La Cucaracha, la cucaracha / ya no
puede caminar / porque no tiene / porque le falta /
marihuana pa‟ fumar. Todo se ha puesto muy caro
/ con esta revolución / venden la leche por onzas /
y por gramos el cabrón. La Cucaracha, la
cucaracha / ya no puede caminar; porque no tiene
/ porque le falta / marihuana pa‟fumar
(MATEMURGA, 2006).
159

Torna-se necessário apontar que os espetáculos dos grupos de


Teatro de Vizinhos não estão restritos à comicidade, diversos são os
gêneros trabalhados, que vão desde a comédia até a tragédia e em alguns
casos, experiências que se aproximam da performance.208 De qualquer
forma, tornou-se um aspecto comum de muitos dos grupos de Teatro de
Vizinhos o diálogo com a murga que, como vimos, influenciou desde a
forma até o conteúdo dos espetáculos. Estas caractéristicas indicam uma
aproximação do Teatro de Vizinhos com uma estética popular, que faz
parte da cultura de grande parte da população daquele paìs.

5.3.2 A música e o canto no Teatro de Vizinhos.

Um dos elementos mais importantes que os grupos de Teatro de


Vizinhos compartem, talvez o mais significativo, está na utilização do
canto comunitário e da música como elementos essências das
encenações.
Bidegain (2007a) observa esta caracterìstica ao apontar que:

A música e o canto são partes constitutivas e


fundamentais de toda a expressão do Teatro
Comunitário [...]. No geral, em todo espetáculo de
Teatro Comunitário, existem partes proporcionais
de cenas atuadas e canções interpretadas
(BIDEGAIN, 2007a, p. 49).209

208
Aqui faço referência especìficamente ao grupo Los Villurqueros, de Villa
Urquiza, Buenos Aires, que desenvolveram uma proposta da qual
denominavam Postales villurqueros, no qual os integrantes do grupo se
fantasiavam e fasiam intervenções artisticas no bairro (SCHER, 2010).
209
No original: La musica y el canto son partes constitutivas y
fundamentales de toda la expresión de Teatro Comunitario […] En
general, en todo espectáculo de Teatro Comunitario, hay partes
proporcionales de escenas actuadas y canciones interpretadas
(BIDEGAIN, 2007a, p. 49).
160

O canto e a música tendem a ser importantes desde as primeiras


ações dos grupos pois, como já vimos, tornou-se comum a utilização de
métodos de mobilização, nos quais as duas linguagens são utilizadas
para atrair aos vizinhos para que estes participem dos grupos. O canto e
a música também são aspectos fundamentais do processo de criação dos
espetáculos, pois como aponta Bidegain na citação acima, as encenações
tendem a ser constituìdas por cenas faladas e cantadas.
Ainda segundo a autora, a cena musicada ganha atributos de
sintetizar algumas informações, que se realizada de outra forma,
ocuparia muito mais tempo do espetáculo. (BIDEGAIN, 2007a).
A mesma importância de sìntese das cenas musicadas, utilizadas
pelos grupos de Teatro de Vizinhos, é apontada por Scher (2010a), ao
constatar que:

A música é um elemento muito rico da


dramaturgia destes tipos de propostas, já que sua
inclusão dá a possibilidade de dizer muito com
pouco. A canção tem os atributos da linguagem
poética, condensa muitos sentidos em poucas
palavras, em suma, pode aglutinar muitas cenas
em apenas uma situação (SCHER, 2010, p. 95).210

Desta forma, os grupos de Teatro de Vizinhos encontraram na


utilização do canto e da música dois elementos essenciais de suas
experiências teatrais, utilizando-se do poder de sìntese que as duas
linguagens possibilitam. Pois, em um processo que envolve muitas
pessoas, e por isto, muitas contribuições, o texto musicado se torna
adequado para converter as ideias surgidas em uma cena teatral.
A música e o canto também permite a inclusão de muitas
pessoas sem experiência teatral ou musical. Neste sentido a utilização do
coro traz segurança aos vizinhos que demonstram dificuldade em se
utilizar destas linguagens, para isto “os afinados são distribuìdos

210
No original: La canción es un elemento muy rico en la dramaturgia de
estetipo de propuestas, ya que su inclusión da la posibilidad de decir mucho
con poco.La canción, en tanto tiene los atributos del lenguaje poético,
condensa muchossentidos en pocas palabras, puede coagular
muchashipotéticas escenas en una solasituación (SCHER, 2010a, p. 95).
161

estrategicamente para aportar sua segurança, para dá-la aos demais,


especialmente aos inseguros (que demonstram muita dificuldade para
cantar) até que aprendam a escutar e confiar” (SCHER, 2010a, p.96).
Andrea Salvemini (2013), também destaca a capacidade de
inclusão que o coro traz para o teatro de vizinhos:

O que é montar um coro, já está incluindo, e não


existem idades, não existem cores, não existe
nada, inclue! Tão pouco existe deficiencias, ou
seja, o canto estão todos, por que em um lugar que
ocorre o canto comunitário, que estão 300
pessoas, se estou eu, que sou cega e sou
deficiente, não faz a menor diferença, por que
somando a cinquenta trinta, trezentas, cem
pessoas, ninguém fixa se sou cega ou não, te dou
este exemplo porque eu tenho uma disfunção
visual e te digo por experiência própria. Mas
acontece isto, si você desavina um pouquinho
entre cinquenta, quem vai dizer, há, este desafino!
(SALVEMINI, 2013).211

Desta forma, os grupos de teatro de vizinhos encontraram na


utilização do coro e do canto comunitário elementos apropriados para
desenvolver seus espetáculos com vizinhos-atores, pois estas linguagens
permitem incluir uma grande variedade de pessoas, das mais diversas
idades, raças, camadas sociais. Estas linguagens também permitem, tal
qual apontado por Salvemini, a inclusão de pessoas com deficiência ou
qualquer tipo de dificuldade.
Dada a importância da música e do canto para o Teatro de

211
No original: Lo que es armar un coro, ya estas incluyendo, y no hay edades,
no hay colores, no hay nada, incluye! Tampoco hay discapacidades, o sea,
el canto están todos, porque en un lugar que ocurre el canto comunitario
que esta con 300 personas, se estoy yo, que soy ciega y soy discapacitada,
no te lo cuenta lo mas mínimo, porque estoy sumando a cincuenta, treinta,
trescientas, cien personas, nadie fija si yo soy ciega o no, te le doy un
ejemplo porque yo tengo un disfunción visual y te lo digo por experiencia
propia. Pero pasa esto, si vos desafina un poquito entre cincuenta, quien te
le va a decir, ha esto desafino (SALVEMINI, 2013).
162

Vizinhos, muitos dos grupos já gravaram CDs com as músicas que


fazem parte dos espetáculos. Este é o caso dos pioneiros Catalinas Sur e
Circuito Cultural Barracas, e dos grupos Murga de La Estación e
Matermurga entre outros, o que evidencia a utilização deste recurso por
grande parte (talvez todos) dos grupos de Teatro de Vizinhos.

5.3.3 A voz coletiva dos espetáculos.

A música e o canto em cena tendem a ser executados por


personagens coletivos, e não individuais. O que também se tornou uma
caracterìstica comum nos espetáculos dos grupos de Teatro de Vizinhos.
Isto não significa que os grupos não se utilizem de algumas cenas nas
quais apenas um ator vizinho cante uma canção, mas que grande parte
das intervenções musicais é realizada coletivamente.
Ao se fazer referência a personagens coletivos, nos remetemos
ao que para muitos é a origem do teatro ocidental, o teatro grego, e mais
precisamente, ao coro que compunha as encenações na antiga Grécia. O
coro é um elemento recorrente nos espetáculos dos grupos de Teatro de
Vizinhos, Adhemar Bianchi destaca esta caracterìstica ao afirmar que:

Todos os grupo possuem coro, como acontecia


com o teatro grego. Aì se contavam histórias e se
utilizava a canção para fixar conceitos. Quanto no
Teatro Comunitário falamos de historia e
memória, os elementos do nosotros são mais
importantes que os do yo. E neste ponto de vista,
surge onosostros, no coro (BIANCHI, 2009).212

Andrade (2013) realiza uma interessante analise das influências


do coro grego nas experiências dos grupos de Teatro de Vizinhos, pois
como apontado por Adhemar Bianchi, a sua utilização é um elemento

212
No original: Todos los grupos tienen coro, como pasaba en el teatro
griego. Ahì se contaban historias y se utilizaba la canción para fijar
conceptos. Cuando en el Teatro Comunitario hablamos de historia y
memoria, los elementos del nosotros son más importantes que los del yo.
Y el punto de vista del nosotros surge en el coro
163

comum ao movimento. Segundo a autora, tornou-se consenso entre os


estudiosos helenistas, atribuir as primeiras encenações teatrais da antiga
Grécia elementos basicamente corais, pois:

Quer se valide ou não a tese aristotélica, segundo


a qual a tragédia teria tido origem nos improvisos
dos lideres do coro, sabemos que no seu principio
predominava uma estrutura coral e que a partir de
Tépis passou a contar com mais um elemento: o
ator (ANDRADE, 2013 p. 38).

Gradualmente, com a aparição da personagem individual


descrita por Andrade, o coro foi perdendo espaço nas encenações gregas,
sendo relegado cada vez a uma participação menor. Scheidt (2010)
aponta que a profissionalização do teatro teria contribuìdo para a perda
de importância do coro para o teatro grego:

O que muitos consideram o “declìnio” da


importância do coro inicia-se com o crescente
profissionalismo do teatro, quando surge a
“sìndrome da fama”, ou seja, quando os atores que
representam os protagonistas tornavam-se
virtuosi, tomando para si as performances
musicais antes alocadas aos coros (SCHEIDT,
2010, p. 51).

O declìnio do coro no teatro grego também é descrito por


Andrade, que de forma diversa a Scheidt, aponta que a partir de um
maior aumento das personagens individuais, o teatro foi perdendo as
caracterìsticas coletivas de sua origem:

Cada vez mais separado da ação dramática, o coro


foi cada vez mais assumindo um papel mais
decorativo no espetáculo, ficando apenas
responsável pelos interlúdios lìricos entre cenas. A
partir deste momento. O palco passou a pertencer
aos atores profissionais e os espetáculos [...]
passaram a ter como objeto conflitos individuais,
perdendo-se a dimensão coletiva do teatro grego
que lhe emprestava grandiosidade (ANDRADE,
164

2013, p.71).

Se considerarmos como verdadeira as concepção adotada por


Scheidt e Andrade, de que em principio, o teatro grego possuìa
caracterìsticas basicamente corais, e que a partir da profissionalização da
prática teatral e do aumento das personagens individuais, o coro foi
sendo relegado a um papel secundário, até entrar em desuso, então,
temos no Teatro de Vizinhos justamente o retorno às caracterìsticas
coletivas da encenação anteriores ao declìnio que o formato de coral
padeceu. Como já apontado, os grupos de Teatro de Vizinhos buscam
que em seus espetáculos esteja presente, como elemento central, a voz
coletiva do grupo, sendo que isto se concretiza através da adoção do
coro que, tal qual apontado por Bianchi (2009), foi assumido por todos
os grupos de Teatro de Vizinhos.
Nas encenações dos grupos de Teatro de Vizinhos, o coro
assume diversas funções, inicialmente temos a abertura e o
encerramento dos espetáculos que como já analisado, por influência da
murga, tornou-se caracterìstico que seja realizado pelo coro. Também
ocorre que este intervenha nas cenas faladas para reforçar uma ideia ou
comentar algum acontecimento (BIDEGAIN, 2007a), mas uma
utilização recorrente é o coro assumir a função de personagem dos
espetáculos.
Em uma das poucas referências na Poética sobre a função do
coro, Aristóteles constata que “O coro também deve ser considerado
como um dos atores; deve fazer parte do todo, e da ação, à maneira de
Sófocles, e não à de Eurìpedes” (ARISTÓTELES, 2007, p. 68).
Neste sentido, o coro no Teatro de Vizinhos assume a função de
personagem, mas por se tratar de um elemento coletivo, estas
personagens assumem nomes genéricos que possibilitam identificar a
sua função plural (burgueses, trabalhadores, crianças, vizinhos etc). Por
isto, tornou-se comum que não exista apenas uma personagem
representada pelo coro, mas várias, que podem realizar diálogos
musicados entre sì, ou com personagens individuais, com réplica,
tréplica etc.

5.3.4 Qualidade artística


165

Um aspecto importante dos grupos de Teatro de Vizinhos está


na criação de espetáculos teatrais que presem pela qualidade artìstica,
não sendo este um aspecto secundário em relação a outros benefìcios
sociais que os grupos por ventura possam conseguir através de suas
práticas.
De Marinis (2005) faz uma interessante análise sobre a
importância da qualidade artìstica em práticas que denomina de “teatro
da carência e diversidade” para se referir a propostas que buscam, além
do feito artìstico, gerar outros benefìcios aos participantes, o que seria o
caso dos grupos de Teatro de Vizinhos.Neste sentido, constata o autor:

Tudo leva a pensar que, nestes casos, a utilidade


social (e, por tanto a eficácia sócio-pedagógico-
terapêutico) é diretamente proporcional a
qualidade artìstica, e, por conseguinte, a eficácia
estética, e dela depende (DE MARINES, 2005, p.
192).213

Adhemar Bianchi também aponta para a importância da


qualidade das obras para os grupos de Teatro de Vizinhos, pois segundo
o diretor do grupo Catalinas Sur:

Nós acreditamos que muitas vezes, desde uma boa


intenção ideológica se faz arte pobre para os
pobres, e se desculpa por que bem... é do bairro,
está bem [...]. A qualidade se consegue
principalmente com trabalho e não se criando
desculpas. Não devemos desculpar as pessoas que
trabalham com arte comunitária e com o povo, por
não serem profissionais ou por que não tenhamos
o dinheiro que tem os grande produtores de
espetáculos, não temos que criar desculpas com

213
No original: Todo hace suponer que, en estos casos, la utilidad social
(y, por lo tanto, la eficacia socio-pedagógico-terapéutico) es
directamente proporcional a la calidad artística, y, por consiguiente, a
la eficácia estética, y de ella depende (DE MARINES, 2005, p. 192).
166

respeito a qualidade. Geralmente, a energia e a


verdade que possuem os produtos saìdos das
pessoas são de uma qualidade melhor do que esta
pseudo qualidade técnica e fria que muitas vezes
tem os espetáculos profissionais (ARTE Y
TRANSFORMACIÓN SOCIAL, 2011).214

Considerando-se que se trata de um movimento do qual


participam 54 grupos, tornar-se-ia inverossìmil afirmar que todos os
grupos alcançaram o mesmo padrão de qualidade, mas a busca de não
criar uma arte pobre para os pobres, como bem define Bianchi, é um
elemento comum aos grupos de Teatro de Vizinhos.

5.3.5 Teatro pelos vizinhos.

As encenações dos grupos de Teatro de Vizinhos por princìpio


implica na presença dominante de atores que não são profissionais. As
consequências desta opção podem ser identificadas: primeiro torna-se
necessário verificar que os grupos não buscam tornar-se um
conservatório do teatro, tampouco buscam profissionalizar os vizinhos
na arte do ator. São vizinhos que fazem teatro, e é a partir desta

214
No original: Nosotros planteamos que muchas veces, desde una
buena intención ideológica se hace mucho arte pobre para los pobres, y
se perdona la vida porque bueno, es del barrio, está bien, […]Se logra
la cualidad, principalmente con trabajo y no le perdonando la vida, no
lo debemos perdonar la vida a la gente que trabajamos dentro del arte
comunitario con la gente, por no ser profesionales o porque no
tengamos el dinero que tiene los grandes productores de espectáculos,
no lo tenemos que perdonar la vida con respecto a la cualidad, e en la
general la energía y la verdad que tiene los productos salidos de la
gente son de una cualidad mejores do que esta pseudo cualidad técnica
y fria que muchas veces tienen los espectáculos profesionales (ARTE Y
TRANSFORMACIÓN SOCIAL) – Material audio visual, transcrição do
autor.
167

caracterìstica que os grupos desenvolvem suas experiências.


Ricardo Talento comenta sobre este aspecto:

Nós não pretendemos de nenhuma maneira


disputar com o mundo profissional, tampouco
confundir nenhum vizinho que acredite ser um
profissional, porque não está preparado para essa
função. Mas, quando alguma pessoa descobre que
sua profissão são asartes, o criativo, então se
insiste para que busque as escolas de formação,
porque o caminho vai ser outro e as necessidades
de formação também (TALENTO, 2012).215

Não tendo como objetivo profissionalizar os integrantes,


algumas caracterìsticas desenvolvidas pelos grupos se tornaram
ferramentas funcionais do trabalho com os vizinhos-atores. Este é o caso
da adoção do canto comunitário e do coro como elementos essenciais
das encenações.
A participação de vizinhos atores nos espetáculos também
influencia a própria composição das cenas, pois na maioria das vezes,
elas são criadas tendo em vista as caracterìsticas que os participantes já
trazem consigo, para aproveitar “la gracia de cada individuo”
(Bidegain, 2008, p. 35). Desta forma, não é apenas o vizinho que se
adapta à personagem, que a representa, também a personagem é
adaptada ao vizinho, por isto la gracia acaba por fazer parte da própria
encenação.

La gracia, na opinião de Adhemar Bianchi, residi


no interessante que cada vizinho traz consigo para
potencia-lo criativamente e que, muitas vezes, a
pessoa mesmo desconhece até que descobre
dentro dos processos de trabalho e a partir de aì

215
No orininalo: Nosotros no pretendemos para nada disputar el mundo
profesional ni confundir a ningún vecino que se crea profesional, porque
no está preparado para esa tarea. Más, cuando hay alguna persona que
dice que descubre que su carrera son las artes, lo creativo, uno ahí ya
insiste para que vayan a los institutos de formación, porque el camino
va a ser otro y las necesidades formativas también (TALENTO, 2012).
168

desenvolve sua confiança (BIDEGAIN, 2008,


p.35).216

Os grupos assumem o fato dos espetáculos serem realizados por


vizinhos, que fazem teatro, mas não estão sendo preparados para serem
atores profissionais, e por isto não acumulam técnicas de atuação, como
ocorre nas escolas de formação de atores (BIDEGAIN, 2008), desta
forma, potenciar as aptidões e talentos que as pessoas já trazem consigo
se torna parte constitutiva da experiência teatral desenvolvida. Para
Adhemar Bianchi (2013), Ricardo Talento é um grande especialista em
utilizar ―la gracia” dos vizinhos e traze-la a cena, e depois o diretor
questiona “se un vecino tiene la espalda rota, lo que hago a no ser pone-
la en cena” (BIANCHI, 2013).
Conhecer as especificidades do trabalho com vizinhos se tornou
uma importante ferramenta dos grupos para a criação de seus
espetáculos, fazendo parte da própria encenação que é criada, pois todos
possuem o direito de criar, de atores profissionais a vizinhos, crianças à
idosos, baixos, altos, gordos e magros e ao final, fugindo de todos os
estereótipos e hierarquias que nos fazem ser algo, não podeirámos
assumir a função de vizinhos?

216
No original: La gracia, en opinión de Adhemar Bianchi, radica en lo
interesante que cada vecino trae consigo para potenciarlo
creativamente y que, muchas veces, la persona mismo desconoce hasta
que lo descubre en estos procesos de trabajo y a partir de allí desarrolla
su confianza (BIDEGAIN, 2008, p.35).
169

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Teatro de Vizinhos é uma prática teatral, que desde a


formação do primeiro grupo, Catalinas Sur, buscou integar pessoas de
diversas idades, com ou sem experiência teatral, independente da classe
social, raça, tipo fìsico etc. Os vizinhos dos bairros de La Boca e
Catalinas foram os responsáveis pelo surgimento do grupo pioneiro e o
espaço público comunitário o local de nascimento desta forma de
manifestação cultural comunitária.
Por terem se inspirado, e contado com o apoio do grupo
Catalinas Sur, os integrantes do grupo Los Calandracas trouxeram uma
grande contribuição ao movimento teatral que se iniciava. Pois ao
utilizar algumas das estratégias adotadas pelo grupo de La Boca para
formar o Circuito Cultural Barracas, sem a preocupação de se
diferenciarem de seu grupo irmão, pelo contrario, assumindo ser um
projeto semelhante, dentro de suas diferenças, formou-se o que pode ser
considerado a base que posteriormente seria disponibilizado aos grupos
que surgiriam.
Os grupos que se formaram posterioremente, puderam contar
com os conhecimentos que se foramaram no interior do grupo Catalinas
Sur e do Circuito Cultural Barracas, já tendo consciência da diferença
de se adotar como sede um espaço fechado, no qual um grupo de
pessoas está apartado do restante da comunidade, ou de escolher um
espaço público, estando visìvel a todos os vizinhos. Já conheciam o
potencial de mobilização da gastronomia, da música e do canto. A
importância de buscar dar voz aos territórios silenciados, através de suas
memórias e identidades.
Se para o desenvolvimento do Teatro de Vizinhos, tornou-se
importante o fato dos diretores terem conhecimento teatral prévio,
também se tornou importante que estes contassem com conhecimentos
especìficos da prática teatral comunitária. Este é um dos motivos da
adoção do canto comunitário e da música pela maioria (provavelmente
todos) os grupos de Teatro de Vizinhos, que encontraram nestas
linguagens ferramentas para o trabalho com pessoas sem experiência
teatral.
Ao participar da oficina ministrada por Adhemar Bianchi e
Monica Lacoste em Barcelona, os ensinamentos transmitidos se
170

tornavam, a meus olhos, um manual para o trabalho teatral em


comunidades. Ao desenvolver minha pesquisa, e constatar que muitos
grupos, de formas diversas, dialogaram com as experiências do grupo
Catalinas Sur, e que Adhemar Bianchi e Ricardo Talento se engajaram
no objetivo de auxiliar a formação de novos grupos de Teatro
Comunitário, esta impressão errônea de alguma forma se mantinha
presente.
Adhemar Bianchi e Ricardo Talento não desenvolveram um
manual de como criar, organizar e realizar espetáculos teatrais
comunitários. O que os diretores fizeram foi disponibilizar seus
conhecimentos, construìdos a partir de experiências práticas bem
sucedidas, para que todos aqueles que tivessem o interesse de com elas
dialogar, pudessem fazê-lo.
A partir desta pesquisa pude identificar caracterìsticas comuns
no Teatro de Vizinhos. Mas não encontrei grupos engessados, que
seguem modelos rìgidos. Seus trabalhos são criados desde suas próprias
experiências, que são construìdas a partir de uma base comum
compartlhada, por isto eles exploram uma infinidade de possibilidades,
fazendo com que cada grupo seja único.
O Teatro de Vizinhos não é a única forma de realizar práticas
teatrais comunitárias, existem diversas experiências bem sucedidas no
campo do Teatro Comunitário que podem auxiliar a todos aqueles que
tenham o interesse em fazer teatro em suas comunidades. Neste sentido,
tenho a impressão que as experiências que se desenvolvem no Teatro
Comunitário ainda são pouco estudadas, o que dificulta o acesso à
informação e a troca de experiências.
Talvez este estudo deva responder a uma pergunta, quem são os
responsáveis pela disseminação do Teatro de Vizinhos? Para mim, não
são Adhemar Bianchi e Ricardo Talento, mas todos os vizinhos que
participam dos grupos, que aportam suas memorias e que constroem, a
cada ensaio e apresentação, uma utopia de que um mundo melhor é
possìvel, ao menos, entre nossos próprios vizinhos.
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http://www.periodicoelbarrio.com.ar/auxabril2008.aspurl=N109nota2.as
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VERZERO, Lorena. El teatro como herramienta de campaña electoral:


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ZANZIO, Jorge. Contra viento y olvido : Largometraje documental de


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