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Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC

Centro de Ciências Humanas e da Educação – FAED


Programa de Pós-Graduação em História – PPGH

Disciplina: História Oral, Memória e Tempo Presente


Docentes: Cristiane Bereta da Silva e Nashla Dahas
Discente: Dones C Janz Jr

DELACROIX, Christian. A história do tempo presente, uma história (realmente)


como as outras? Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 23, p. 39 ‐ 79,
jan./mar. 2018. Título Original: L’histoiredu temps présent, une histoire (vraiment)
comme les autres?

O texto é composto por uma série de questionamentos sobre a História


do Tempo Presente (HTP) e sobre seu fazer historiográfico. Em seu artigo,
Christian Delacroix1 mobilizou uma série de autores para responder ou mesmo
para trazer ainda mais questionamentos e provocações sobre as dificuldades em
se realizar uma HTP, por conta de sua legitimação a partir de um objeto de
estudo no campo da história, mesmo entendo que é uma prática já consolidada.
Essa busca pela legitimidade enfrenta críticas como a de Prost, para o qual seria
uma história como qualquer outra, uma mera tentativa de requalificar o estudo
do passado próximo.
Todavia, assevera o autor, pensar sobre a HTP na atualidade e sobre sua
singularidade permite a construção de uma história mais reflexiva, isto é, “mais
atenta a historicidade de sua epistemologia”. Ele justifica essa reflexão pela
busca em conhecer a natureza de nosso presente, dado já explorado por
Foucault e Hartog, no qual se relacionam o regime historiográfico e o regime de
historicidade...dado isso, a HTP seria o modo específico de se produzir
conhecimento histórico próprio do regime presentista?

1 Christian Delacroix, historiador francês originário de família operária, iniciou sua militância
política na esquerda, desde muito jovem, e foi fortemente marcado pelos acontecimentos de
maio de 1968. Formado em filosofia na Sorbonne, direcionou seus estudos para a área de
História quando foi aprovado para a École Normale Supérieure de Saint-Cloud. Em 1977 foi
aprovado no exame de Agrégation, e a seguir trabalhou mais de 20 anos como professor
secundário. Em 2000 candidatou-se a um posto no IUFM (Instituto de Formação de Mestres) em
Créteil. Junto aos colegas François Dosse e Patrick Garcia vinculou-se ao Instituto de História
do Tempo Presente (IHTP), onde participou de vários seminários voltados à epistemologia dos
estudos sobre o tempo presente. Publicou inúmeros trabalhos no campo da teoria e da
historiografia (FERREIRA, ET AL, 2012).
O texto segue com a proposta de explicitar o caminho de singularização
da HTP, iniciando como uma metodologia histórica para chegar a ontologia
(gesto de interrogar-se sobre a atualidade, identificando nela a existência de
dispositivos de subjetivação, possibilitando a emergência de novos modos de
relação do sujeito consigo e com os outros.) do presente. Inicia esse caminho
apresentando o processo de institucionalização da HTP encetada em 1978 na
França, com íntima relação aos estudos recentes sobre a 2º GM e seus
desdobramentos em diversos países, fenômeno atrelado a “mundialização da
memória” identificada por Rousso, bem como, as demandas de reconhecimento
sobre os passados que não passam.
Enumerando diversos casos de institucionalização da HTP em diferentes
países, Delacroix conclui que eles são, em grande maioria, frutos de demandas
sociais por reparação e justiça relativos a passados traumáticos, rotuladas por
ele como “reivindicações memoriais”.
As lutas pela legitimação da HTP, no caso da França levaram a
argumentos hoje bem sedimentados:
- o recuo metodológico é aquele que nos ampara, independentemente da
distância temporal;
- falta de acesso a alguns arquivos é compensado pela abundância de
fontes orais;
- a “ignorância do dia seguinte” serve para darmos mais atenção as
diferentes possibilidades dos processos históricos;
Porém, para o autor, algumas questões ainda demandam debates: “a da
definição do objeto, a das relações entre história e memória e a da relação da
HTP com as demandas sociais que tensionam a sua função de conhecimento e
a sua função social”.
Delacroix aponta que a definição da HTP por meio do objeto se tornou
clássica, como a 2 GM, que marcaria a última catástrofe de uma sociedade.
Contrapõe, no entanto que essa opção acaba por dar uma conotação fria ao
momento imediatamente anterior, que pertenceria ao domínio da história
contemporânea clássica?
Como alternativa a esse procedimento, historiadores optaram por
adicionar a essa compreensão o fato de existirem testemunhas vivas. Tal
escolha focaliza a singularidade da HTP no uso de arquivos orais e no conceito
de arquivo provocado.
O autor explica que apesar da possibilidade de capitalizar como o
crescimento da História Oral, na França, onde não houve verdadeira
institucionalização desse campo, o debate sobre a HTP esteve intimamente
relacionado a HO. Alguns historiadores acusam o testemunho de deformar a
história da 1ª GM, por exemplo, ao estarem permeados de tons pacifistas dos
tempos atuais. Sobre esse aspecto, Delacroix alerta para o problema
epistemológico da desqualificação da subjetividade, situação que o faz
perguntar: seria aceitável a recusa do testemunho para o conhecimento
histórico?
Para responder ao questionamento, o autor mobiliza a relação entre
memória e história. Inicialmente ele descreve a “maré memorial” como resposta
ao presentismo ao mesmo tempo em que é sintoma dele. Tal contexto se explica
pela fragilização das histórias nacionais, fato que deu espaço a diferentes
histórias. Ao perder a versão verdadeira sobre o passado, a história é
assombrada pela “sombra dos grandes crimes”, com o perigo de se usar termos
jurídicos contemporâneos para uma “moralização do passado”, o que consiste
em um grave anacronismo. O uso recorrente do dever de memória como
ferramenta de ação política seria um sinal da crise do tempo própria do
presentismo.
Partindo do trabalho de Ricouer, o autor apresenta a reflexão na qual a
história não apresenta o fenômeno do “reconhecimento” (eu estava lá) e a
introdução feita pelo mesmo das relações entre julgamento moral e julgamento
histórico que diz respeito sobretudo a HTP, segundo Delacroix. A partir dessa
reflexão o autor nos coloca a pensar: a imbricação entre o científico e o ético não
daria singularidade a HTP, a medida que polêmicas e debates memoriais são
constantes nessa modalidade?
Ricouer propõe o “trabalho de memória”, o qual permitiria um trabalho
crítico e afastado do passado, ao invés do “dever de memória”. Alega que, com
isso, evita-se o uso da memória de forma a prejudicar a crítica histórica (abuso
de memória). Diferente da oposição diametral proposta por Nora, Delacroix
entende o valor matricial da memória para a história, como Ricouer.
Invocando Prost e Loriga, o texto lembra que a crise do testemunho não
é tolerável pois a “cortaria do seu único enraizamento vivo no real histórico”, algo
latente na HTP. Delacroix finaliza esse tópico reafirmando a memória como
matriz histórica e que a HTP é uma prática da história que une, “os componentes
do “enigma” da representação historiográfica do passado: a sua matriz
testemunhal, a sua função de aumento do significado para o real representado
em relação ao testemunho e seus usos no espaço público”.
Outra linha que deve ser debatida acerca da singularidade da HTP,
segundo o autor, diz respeito a sua relação com a demanda social que, segundo
críticos, tiraria a liberdade e a crítica do historiador. Não à toa, Bedarida e Rousso
vão fazer questão de afastar a HTP das pressões das demandas sociais,
explicando que a história é, antes de tudo, um compromisso com o
conhecimento. Mesmo estando atenta às demandas sociais, o historiador do
tempo presente possui um dever de verdade, que o distancia da influência das
mesmas em seus resultados de pesquisa.
A HTP, segundo autores como Bedarida e Rousso, está entrelaçada a um
novo regime de historicidade, no qual o porvir é incerto e o presente efêmero é
intensamente vivido. O presentismo, dessa forma, está atrelado como critério
último de singularidade da HTP.
Para finalizar, o autor traz a noção de contemporaneidade como
possibilidade de singularização da HTP. “A contemporaneidade do historiador do
tempo presente é, de certo modo, uma contemporaneidade em segundo grau, o
presente é para ele um presente redobrado, o da escrita e o do seu objeto”. A
partir da noção do presentismo, o presente deixa de ser um resultado dos
acontecimentos lineares e homogêneos para ser uma pluralidade de tempos
copresentes, o que permite o estudo de possibilidades do passado que não
vieram à tona, mas que existem e fazem parte do real histórico vivido. Nesse
sentido, a contemporaneidade marcaria o copresente do historiador com seu
objeto. Com relação a HTP, contudo, “verifica‐se uma espécie de exacerbação
da presentificação do passado, uma vez que esse passado é próximo e vivo,
compreensível no mesmo universo mental do historiador”.
Sendo assim, Delacroix assevera que a HTP, ao se debater nesse
presente de multiplicidades temporais, é experimentada de forma mais intensa
que outra história. A instabilidade, o confronto e a convivência entre atores e
historiadores e o inacabamento do objeto colocam tais situações à prova de suas
pesquisas empíricas.
REFERÊNCIAS

FERREIRA, Marieta de Moraes; RIOM, Charlotte; FRANCO, Renato Júnio.


Christian Delacroix. Rev. Bras. Hist., São Paulo, v. 32, n. 64, p. 327-339, Dez.
2012.

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