Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
QUIXADÁ – CEARÁ
2020
JOSÉ ROMÁRIO OLIVEIRA DA SILVA
QUIXADÁ – CEARÁ
2020
Às minorias sociais, que lutam diariamente
contra as opressões e injustiças neste país,
neste mundo.
AGRADECIMENTOS
Aos participantes e colaboradores(as) deste estudo: minha amada turma de teatro, que se
formou a partir desta pesquisa, agradeço a cada um(a) por caminhar junto comigo nesta
estrada do conhecimento sobre teatro, minorias sociais e sobre si.
À Sâmila Sales e Pedro Nogueira, Coordenadora e Diretor da Escola Gonzaga Mota, pela
parceria e acolhimento, proporcionando o espaço da escola para as oficinas.
Ao diretor da FECLESC, Luiz Oswaldo, por conceder os auditórios para ensaios e oficinas.
À Elen Andrade, Isaac Apolônio e Alice Queiroz, por contribuírem em uma das oficinas.
Aos Professores(as) e Coordenadores do MIHL, que compartilharam seus conhecimentos,
ajudando no crescimento acadêmico de cada um de nós da turma III.
À secretária do MIHL, Vanderlene, por estar disponível sempre que precisei de sua ajuda.
Aos colegas e amigos da minha querida turma III do MIHL, que se tornou uma turma
companheira e encontro em cada um(a) deles(as) uma amigo, uma amiga com quem sei que
posso contar. Em especial aos meus melhores, Luiz Isaac, a quem tive a honra de conhecer e
logo me aproximar, e Leonardo Nunes, que é um amigo de longas datas.
Às amigas queridas Alice Queiroz e Lena Lázaro, por estarem presentes em todos os
momentos, compartilhando sonhos.
Aos meus amigos do Cariri, Regilâni Ângelo, Helom Adriel, Felipe Tavares, Felipe Oliveira e
Elvis Nazário, pelas conversas, pelo apoio e pela amizade que permanece mesmo com a
distância. A Nivardo Carvalho, meu ―segundo pai‖, pelo apoio de sempre.
À minha família, em especial à minha mãe, Elizabete, com quem posso contar para tudo, e ao
meu companheiro, Narcélio Aires, que compartilha seus momentos com os meus.
À minha querida orientadora e amiga, Prof.ª Dra. Maria Valdênia, por estar junto a cada etapa
de elaboração e de escrita desse trabalho, por suas orientações e amizade.
Ao Prof. Dr. Carlos Eduardo Bezerra e à Prof.ª Dra. Jaquelânia Aristides Pereira, por
comporem minha banca de qualificação e defesa, por todas as contribuições, soluções e
sujestões de leituras.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), por proporcionar
apoio financeiro, o qual ajudou no desenvolvimento desta pesquisa.
A todas e a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.
Obrigado!
―Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que
sinceridade falo. Sou variamente outro do que
um eu que não sei se existe (se é esses
outros)‖.
(Fernando Pessoa)
RESUMO
A dissertação versa sobre uma pesquisa-ação realizada com estudantes de ensino médio da
Escola Gonzaga Mota, na cidade de Quixadá-CE. A partir de proposta metodológica criada
com base em joguexercícios do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal (2011), discutiu-se
sobre construção de identidades sociais de sexualidade, gênero e raça, trabalhadas sob a
perspectiva interseccional, objetivando uma conscientização em relação a preconceitos contra
essas minorias sociais em sala de aula e ainda a autoconscientização sobre as identidades
sociais de cada participante. Trata-se de um estudo qualitativo, com caráter exploratório e
orientação analítico-descritiva, de um grupo criado mediante inscrições assinadas e assentidas
por estudantes e seus pais, para participação da pesquisa em formato de oficinas, iniciada após
prévia aprovação do Conselho de Ética em Pesquisa – CEP. Como ferramenta de coleta de
dados, usou-se a entrevista semiestruturada com questões previamente estabelecidas e as falas
dos estudantes, gravadas durante as oficinas. Para a análise do material coletado, utilizou-se a
abordagem de Análise de Discurso Crítica, de perspectiva fairclouguiana (2001) e também os
modos de operações gerais da ideologia e estratégias de construção simbólicas de J. B.
Thompson (2002). Estruturalmente, o trabalho divide-se em três capítulos iniciais teóricos,
um metodológico-descritivo e um analítico. No primeiro capítulo, abordou-se as minorias
sociais no ambiente escolar e a teoria da interseccionalidade; no segundo, os segmentos de
sexualidade, gênero e raça e os seus processos identitários; no terceiro, o Teatro do Oprimido
e seu idealizador; no quarto, relatou-se o percurso metodológico da pesquisa e, no último
capítulo, apresentou-se a análise dos dados coletados. Constatou-se, com os resultados da
pesquisa, uma conscientização social dos participantes acerca dos conteúdos abordados, como
também uma compreensão autoidentitária, em que os estudantes puderam se autoafirmar
quanto sua sexualidade, gênero e raça, observados na produção escrita, performática e nas
falas dos integrantes. Comprovou-se, ainda, que o método do Teatro do Oprimido utilizado
foi eficaz em sua aplicação, possibilitando uma formação artística.
The dissertation concerns the action-research done with high school students from the school
Gonzaga Mota, in the city of Quixadá – CE. From the methodological purpose created based
on game-exercises from the Theatre of the Oppressed, by Augusto Boal (2011), it was
discussed about the construction of sexual, gender and racial social identities, worked from
the intersectional perspective, aiming awareness in relation to the prejudice against the social
minorities in the classroom and also the self-awareness about the social identities of each
participant. It is a qualitative study with an exploratory feature and descriptive analytic
orientation, of a group created by signed registrations and consented by the students and their
parents, to participate in the research brought as workshops, initiated after prior approval of
the Conselho Nacional de Ética em Pesquisa – CEP (National Ethics Research Committee).
As a tool to collect data it was used a semi-structured interview with questions established
previously and the students’ speeches were recorded during the workshops. To analyze the
collected material, it was used the Critical Discourse Analyses approach, from the
Fairclough’s (2001) perspective and also the general operation modes of the ideology and
strategies of symbolic construction by Thompson (2002). Structurally, the work is divided in
three initial theoretical chapters, one methodological-descriptive and one analytic. In the first
chapter, the social minorities were approached in the school environment and the theory of
intersectionality; in the second, the segments of sexuality, gender and race and the identity
processes; in the third, the Theatre of the Oppressed and its creator; in the fourth it was
reported the methodological route of the research and, in the last chapter, it was presented an
analysis of the collected data. It was found, with the results of the research, a social awareness
of the participants about the approached contents, and also a self-identity comprehension, in
which the students could self-affirm regarding their sexuality, gender and race, observed in
the written production, performance and the members’ speech. It was also proved that the
method of the Theater of the Oppressed used was efficient in its application, making possible
an artistic training.
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15
6.3 “O que aprendi com as oficinas”: uma análise dos processos identitários ..... 127
6.3.1 ―É que é a primeira coisa que vem à nossa mente‖ ................................................. 132
7 CONCLUSÃO....................................................................................................... 148
1 INTRODUÇÃO
Ciente, então, deste teatro, veio à mente propostas de intervenção a partir desta
estética na escola Gonzaga Mota. Tal intervenção parte do teatro, pois esse gênero, por sua
ação prática, está mais próximo das inter-relações humanas, indo ao encontro dos objetivos
pretendidos desta pesquisa.
Gardin (1995, p. 127) afirma que ―quando se pensa na ação direta sobre a massa,
quando se pensa num trabalho didático de conscientização política e quando se pensa em
experimentar as relações humanas diante das mais diversas situações, o Teatro é, sem dúvida,
o campo ideal‖. Assim, a proposta de intervenção, por meio do gênero teatral, parte do
trabalho de conscientização política de identidades, direcionada às minorias sociais. A
proposta partiu da elaboração de oficinas, que foram aplicadas na escola já citada. Essas
oficinas visaram à formação e consciência cidadã e a desconstrução de preconceitos
internalizados pelos estudantes. Especificamente, o trabalho prático se deu em torno de três
categorias identitárias de análise, a saber: Sexualidade, de Gênero e de Raça, sob uma
perspectiva interseccional.
Concordamos com E. P. Thompson (2002) quando advoga que, para haver uma
cultura igualitária comum, tem que permanecer e ser ampliado o diálogo e a união entre
educação e experiência: ―As conquistas das últimas décadas (pois não duvidamos de que
foram conquistas) tenderão apenas a ir em direção a uma cultura igualitária comum se o
intercâmbio dialético entre a educação e a experiência for mantido e ampliado‖ (p. 44). Não é
difícil pensar em uma educação que envolva a experiência, afinal, aprendemos porque agimos
no mundo, às vezes erramos e outras acertamos, adquirindo, assim, experiências pessoais, a
partir das culturas com as quais mantemos contato.
Ao discorrer sobre cultura, Raymond Williams (2015) afirma que ela é ordinária,
quer dizer, que faz parte da ordem do dia. Portanto, a cultura é algo comum e, assim, todos
são dotados de cultura, independente se trata de uma cultura erudita ou popular. Desta
maneira, o trabalho se dá em torno da cultura que esses alunos carregam em si, dialogando
com outras culturas.
Estas ações encontram, na educação, espaço fértil para se concretizarem, como
apontam as pesquisas na área, que, em sua maioria, são de grande relevância para a
população, à medida que desnudam os problemas estruturais e conjunturais por quais passam
a educação, procurando propor melhorias para tentar amenizar os seus problemas. A exemplo
disso, podemos encontrar no site oficial da Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura – UNESCO – pesquisas e avaliações na área de educação no Brasil
(UNESCO 2016, 2006, 2019).
18
Em todo seu percurso histórico, a educação brasileira possuiu suas falhas com a
população menos abastada financeiramente; de acordo com Ferreira (2010, p. 13), ―ela
sempre foi, a um só tempo, elitista e excludente‖. Aos menos favorecidos financeiramente,
sempre foi dificultado o direito a uma educação de qualidade. Como reitera Ferreira, a
educação brasileira ―manteve-se em perfeita sintonia com o processo de desenvolvimento
econômico autoritário e concentrador de renda, historicamente, imposto à sociedade
brasileira‖ (2010, p. 13). Essa relação de desigualdade sempre interfere em como são
distribuídas as camadas sociais e as relações de domínio e poder de uma classe social sobre a
outra.
A partir dos anos de 2002, porém, com eleição do então Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva, o acesso à educação foi ampliado, proporcionando oportunidades
para muitas minorias sociais. Políticas públicas foram efetivadas e proporcionaram esse
melhoramento. Programas como ―Bolsa Família‖, ―ProJovem‖, ―Primeiro Emprego‖ e
―ProUni‖, são exemplos de incentivos do governo que visaram alcançar os mais pobres e
promover a redução da desigualdade social na educação (OLIVEIRA, 2009).
Na contramão desse começo de progresso, desde o Golpe de Estado de 2016
(OLIVEIRA, 2016), que decretou o impeachment da então Presidenta Dilma Rousseff, e a
sucessão da posse do Vice-presidente Michel Temer, a educação brasileira começou a ser
atacada com políticas como ―Reforma do ensino médio‖ e o debate da ―escola sem partido‖,
bem como os cortes de financiamentos na educação, que vinham acontecendo desde o
governo Dilma, mas que foram ampliados depois dele (SAVIANI, 2018).
Com a eleição do Presidente Jair Bolsonaro em 2019, o ataque à educação tem
sido feito de maneira explícita, a nível do discurso, pois o presidente se coloca contra os
professores em suas falas e, ao nível jurídico, quando o atual governo vem retrocedendo em
muitos aspectos positivos na educação, visando à retirada de direitos das minorias, para tentar
manter a hegemonia sobre a população mais pobre. O Decreto de Lei nº 9.741 de 29 de março
de 2019 é um exemplo nítido disso. Este decreto contingenciou R$ 29,582 bilhões do
Orçamento Federal de 2019 (BRASIL, 2019). Outro exemplo de ataque à educação foi o corte
no orçamento para o pagamento de bolsas da pós-graduação oferecida pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES em 2019. Observa-se, a partir desses
exemplos, que a educação brasileira sofre grandes riscos.
A educação é um caminho contra a desigualdade social. A partir dela, os sujeitos
são direcionados a lugares que permitem alçar voos em novos horizontes; a tomada de
consciência pela educação é essencial nesse processo. Todavia, mesmo em um aparente
19
Neste sentido, a escola ainda não conseguiu ser lugar de libertação, pois, como
coloca Althusser (1980), ela é um dos aparelhos ideológicos do Estado (AIE), um modo de
controle social. De acordo com o autor citado, os AIE são uma força autoritária e funcionam
de acordo com a ideologia dominante que, junto com os segmentos de repressão, carregam em
si uma carga arbitrária.
A escola tornar-se-á libertadora quando se livrar das amarras de um sistema
opressivo, de moldes econômicos neoliberalistas, com bases no sistema capitalista, que visa o
lucro financeiro acima da humanidade e da aprendizagem, que privatiza a educação e mantém
o foco unicamente no mercado de trabalho, limitando a capacidade crítica do estudante,
intencionando uma educação tecnicista. O sistema capitalista sustenta uma opressão ditada
pelo poder do dinheiro na sociedade. Este tipo de sistema econômico apenas favorece os que
detêm o poder financeiro, excluindo sempre os menos abastados, limitando suas
oportunidades enquanto minorias sociais.
Paulo Freire (2018) atenta para o fato de que, para uma educação ser libertadora,
esta não pode estar aliada à opressão, pelo contrário, ela deve ser revolucionária, destacando a
ação prática do oprimido para sua libertação. Para isso, ele não deve assumir o lugar do
opressor, mas fazer com que esse lugar não mais exista.
No entanto, inúmeros fatores interferem para uma manutenção das opressões,
como é o caso da violência. O fator violência na escola é um grave problema. Charlot (2002)
conceitua três modos de violência na esfera escolar: a primeira é a violência na escola, esta
―se produz dentro do espaço escolar, sem estar ligada à natureza e às atividades da instituição
escolar‖ (CHARLOT, 2002, p. 434). Neste contexto, a escola se configura apenas como um
espaço onde ocorreu a violência, podendo esta ter acontecido em outro lugar qualquer e que,
por alguma circunstância, como agressão de estudantes por inimizades, ocorreu naquele
espaço. O segundo modo é a violência à escola, que ―está ligada à natureza e às atividades da
instituição escolar: quando os alunos provocam incêndios, batem nos professores ou os
insultam, eles se entregam a violências que visam diretamente à instituição e aqueles que a
representam‖ (CHARLOT, 2002, p. 434).
24
Desta forma, este processo de exclusão gerido pela escola faz com que alguns
estudantes não reconheçam a importância da educação. Em suas vivências práticas, estudantes
de escolas periféricas enfrentam inúmeras dificuldades que atrapalham seu desenvolvimento
escolar, como problemas familiares, financeiros, além do fato de muitos alunos viverem em
zona de risco por causa do tráfico de drogas, por exemplo (ABRAMOVAY, 2002). Desta
forma, esses jovens se munem de violências, pois são por ela afetados, tornando-se agressores
e vítimas ao mesmo tempo:
Se os jovens são os principais autores (mas não os únicos) das violências escolares,
eles são também as principais vítimas dessa violência. O problema da violência na
escola é ainda, e até mesmo, em termos estatísticos, o dos alunos vítimas de
violência. Mas esta questão tornou-se mais difícil pelo fato de que os alunos autores
e os alunos vítimas se assemelham com bastante frequência, do ponto de vista
estatístico. São jovens fragilizados de um ou de outro ponto de vista, ou de vários
pontos de vista cumulados: [...] alunos com dificuldades familiares, sociais e
escolares (isto é, alunos matriculados nas habilitações, nos estabelecimentos, nos
departamentos ou classes mais desvalorizados). Não esqueçamos também as
violências sociais, cujas vítimas mais frequentes são os jovens: desemprego,
acidentes nas estradas, droga, agressões sexuais, etc (CHARLOT, 2002, p. 435).
Esses jovens, em contato com o meio onde vivem, são vítimas de preconceitos
(sejam racial, de gênero, de classe, de sexualidade), internalizando-os como normal. Como já
salientamos, a escola é o lugar onde esses preconceitos deviam ser desconstruídos, entretanto,
não é o que vem acontecendo de modo geral. Observa-se a reprodução e a manutenção de um
status quo onde as minorias sociais vivem à margem da sociedade, como subalternos
25
formados pelo sistema social. Nas salas de aula, inúmeros casos de violências físicas,
psicológicas e simbólicas contra minorias sociais são praticados.
Louro (1997, p. 43) observa que no ―interior das redes de poder, pelas trocas e
jogos que constituem o seu exercício, são instituídas e nomeadas as diferenças e
desigualdades‖, e reitera: ―a diferença não é natural, mas sim naturalizada. A diferença é
produzida através de processos discursivos e culturais. A diferença é ensinada‖ (LOURO,
2008, p. 21). Desta forma, os discursos estão diretamente ligados nessa construção que se faz
da diferença. De acordo com Butler, os discursos habitam e se acomodam nos corpos, ou
melhor dizendo: os corpos são discursos. Deste modo, cada corpo é um discurso que assume
lugar na sociedade, que pode incomodar a esfera dominante, como é o caso dos corpos que se
fazem fora de um padrão heteronormativo, como o corpo da pessoa transexual ou do homem
gay afeminado (PRINS; MEIJER, 2002).
A partir dessas diferenças discursivas/corporais e culturais, o preconceito se
instala e criam-se, através da heteronormatividade, essas redes de dominação sobre o outro.
Um dos principais locais onde os preconceitos são reproduzidos e ensinados é na escola.
Como aponta Felipe (2007),
Dessa forma, a escola pode ser um local traumático para as minorias sociais.
Quando usamos a expressão ―minoria‖, não nos referimos à quantidade numérica, ―mas sim a
uma atribuição valorativa que é imputada a um determinado grupo a partir da ótica
dominante‖ (LOURO, 2008, p. 21). Assim sendo, as minorias não se referem à inferioridade
numérica, mas às maiorias que são silenciadas e, quando se politizam, transformam sua
condição em orgulho – gay, étnico-racial, de gênero.
Spivak (2010), ao se referir às minorias sociais, utiliza o termo ―subalterno‖ com
sentido de proletariado. Segundo a autora, o termo subalterno se refere às ―camadas mais
baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da
representação política e legal‖ (SPIVAK, 2010, p. 12). Para ela, dentro da conjuntura
26
histórico-social, o subalterno não pode falar, pois tem sua voz suprimida pelo intelectual que
tenta representá-lo, e que, falando pelo outro, o mantém silenciado, sem que possa ser ouvido;
isso perpetua uma estrutura de poder e opressão. Para Spivak (2010), o papel do intelectual
não é falar pelo subalterno, mas criar espaços para que ele possa ocupar.
De acordo com Ribeiro (2019), todo mundo tem lugar de fala. Em relação a isso a
autora aponta um equívoco recorrente, que é a confusão entre lugar de fala e
representatividade:
Uma travesti negra pode não se sentir representada por um homem branco cis, mas
esse homem branco cis pode teorizar sobre a realidade das pessoas trans e travestis a
partir do lugar que ele ocupa. Acreditamos que não possa haver essa
desresponsabilização do sujeito do poder. A travesti negra fala a partir de sua
localização social, assim como o homem branco cis. Se existem poucas travestis
negras em espaços de privilégio, é legítimo que exista uma luta para que elas de fato
possam ter escolhas numa sociedade que as confina um determinado lugar; logo, é
justa a luta por representação, apesar dos seus limites. Porém, falar a partir de
lugares é romper com essa lógica de que somente os subalternos falem de suas
localizações, fazendo com que aqueles inseridos na norma hegemônica nem sequer
se pensem (RIBEIRO, 2019, p. 82-83).
Portanto, o lugar de fala diz respeito à posição do sujeito que enuncia, que pode
falar a partir de suas experiências ou não, e a representatividade tem relação direta com o
sujeito que participa ou pertence a esse lugar/identidade. Não se trata necessariamente de
experiência individual,
mas das condições sociais que permitem ou não que esses grupos acessem lugares
de cidadania. Seria, principalmente, um debate estrutural. Não se trataria de afirmar
as experiências individuais, mas de entender como o lugar social que certos grupos
ocupam restringem oportunidades (RIBEIRO, 2019, p. 86).
sociais (sexo/gênero, classe, raça, etnicidade, idade, deficiência e orientação sexual) são
isoladas e hierarquizadas. Sua análise se dá a partir da produção e reprodução das
desigualdades sociais, portanto, seu enfoque vai além de um simples reconhecimento da
pluralidade dos sistemas de opressão que operam a partir dessas categorias citadas.
Conforme Crenshaw (2004), o desafio da intersecionalidade diz respeito a como
são tratadas as categorias vítimas de preconceito. Estas devem ser encaradas tanto de maneira
igual, como diferente, isto é: ao serem vítimas de preconceito racial, homens e mulheres
devem ser protegidos judicialmente contra essa discriminação da mesma maneira, e devem ser
tratados de maneira diferente quando a mulher sofre discriminação de gênero/racial, pois aí
está marcada uma diferença. Assim como as mulheres negras experimentam discriminação de
raça e gênero, diferente das mulheres brancas que enfrentam só a de gênero.
De acordo com Crenshaw (2004, p. 10), ―a intersecionalidade sugere que, na
verdade, nem sempre lidamos com grupos distintos de pessoas e sim com grupos
sobrepostos‖. Para ilustração, a pesquisadora propõe pensar ruas que se cruzam, esses
cruzamentos seriam os eixos das discriminações: em seu estudo interseccional de gênero,
classe e raça uma rua seria o racismo, outra seria a discriminação de gênero, outra de
discriminação social, dentre outras possíveis. Como podemos observar na ilustração a seguir:
O local de privilégio das análises, segundo essa visão, parte de uma formação de
conhecimento ocidental/euro-americana. A categoria ―nação‖ é ressaltada como a menos
analisada e reconhecida entre as categorias interseccionais. Tem-se os Estados Unidos como o
local dominante onde o estudo da interseccionalidade acontece para a investigação feminista,
em que se ensina a diferença. Enquanto nos Estados Unidos a interseccionalidade veio de
conjuntos específicos de movimentos sociais, na Europa o interesse interseccional não vem de
movimentos sociais, mas é usado de forma ampla (PUAR, 2013).
Uma última crítica feita por Puar diz respeito aos sujeitos que são
interseccionados, os quais são ressaltadas as suas diferenças, segundo a autora, ―a ‗diferença‘
produz novos sujeitos de investigação que, assim, multiplicam infinitamente a exclusão para
promover a inclusão. A diferença agora precede e define identidade‖ (PUAR, 2013, p. 352).
No entanto, ao fazer esta crítica, a pesquisadora não leva em conta que este complexo
processo de identidade se faz justamente a partir das diferenças e os processos de inclusão e
exclusão sociais não são criados pela interseccionalidade, mas no seio da sociedade.
Em linhas parecidas de pensamento, outra pesquisadora que faz a crítica à
interseccionalidade de Crenshaw é Danièle Kergoat. Segundo esta autora, os estudos
feministas da interseccionalidade, ao intercruzar gênero, raça e classe, dão prioridade a duas
dessas categorias: gênero e raça, deixando o segmento classe social muitas vezes como ―uma
citação obrigatória‖ (KERGOAT, 2010, p. 86). Outra crítica se deve à noção ―geométrica‖ de
intersecção, dizendo de outro modo, as múltiplas categorias que são criadas por meio da
diferença. Segundo a autora,
Desta forma, a crítica é feita à divisão das categorias de sujeitos que se imbricam,
mas não o fazem de uma forma substanciada. Segundo essa visão, ao dividir as categorias, as
relações sociais não são analisadas em toda sua totalidade e dinâmica, parecendo colocar as
relações em posições fixas.
A autora continua sua crítica no livro Se battre, disent-elles (2012), pelos pontos,
traduzidos por Hirata:
33
Aos três pontos de crítica que coloca a autora, o primeiro seria a respeito da
fragmentação das práticas sociais ao dar entrada a várias categorias de análise, podendo
fragmentar as práticas sociais. No entanto, essa crítica vai de encontro à sua crítica anterior, a
de dar maior visibilidade à categoria mulher negra. O segundo ponto diz respeito a quais
categorias seriam ou não relações sociais, porém não deixa claro quais seriam de fato. O
ultimo ponto que a autora argumenta é sobre a interseccionalidade trabalhar com categorias e
não com relações sociais, priorizando algumas categorias em relação a outras.
Kergoat então propõe uma tese segundo a qual as relações sociais são
consubstanciais:
elas formam um nó que não pode ser desatado no nível das praticas sociais, mas
apenas na perspectiva da analise sociológica; e as relações sociais são coextensivas:
ao se desenvolverem, as relações sociais de classe, gênero e ‗raça‘ se reproduzem e
se co-produzem mutuamente‖ (KERGOAT, 2010, p. 93).
Segundo a estudiosa, essa teoria não significa que tudo está ligado a tudo, mas que
as relações sociais estão interligadas de forma mais fluida, sem tanta fragmentação. Assim,
essas relações se produzem mutualmente (KERGOAT, 2010).
Basta pensar no exemplo do homem gay afeminado, em que o preconceito decorre
também e principalmente da marca do feminino encontrado nele. Assim, muitos discursos se
formam em torno de uma aceitação ao homossexual com traços masculinos e ao repúdio ao
afeminado. Vemos que nesse exemplo, a categoria gênero está consubstanciada à sexualidade.
No entanto, como veremos no capítulo seguinte, é importante observar que as categorias
citadas são construídas.
Com relação ao termo consubstancialidade, explica Kergoat, é emprestado da
teologia e usado em seu sentido mais comum: ―unidade de substância‖. Ao falar em
consusbstancialidade, ―sugere que a diferenciação dos tipos de relações sociais é uma
operação por vezes necessária à sociologia, mas que é analítica e não pode ser aplicada
34
inadvertidamente à analise das praticas sociais concretas‖ (KERGOAT, 2010, p. 93). Todavia,
o significado de substância ao estudo do sujeito pós-moderno é defasado, visto que este
sujeito é fragmentado.
Segundo a teoria de Kergoat, ao colocar, por exemplo, gênero, classe ou raça em
suas relações sociais, nenhuma dessas tem prioridade sobre as outras, como por exemplo,
quando mulheres trabalhadoras, negras e brancas, fazendo reivindicações juntas e não
separadas, o combate a super-exploração tem alcance universal para todos os direitos
reivindicados (KERGOAT, 2010). Porém, visto dessa forma, as diferenças sociais não seriam
combatidas em sua totalidade, pois algumas questões como a raça, por exemplo, seriam
negligenciadas.
Segundo Kergoat, as relações raça, gênero e classe são relações de produção e,
portanto, existem relações de exploração, dominação e opressão, assim, é indispensável
analisar as formas de apropriação do trabalho de um grupo por outro. Uma segunda questão
que é colocada é que o caráter dinâmico das relações sociais é central para a análise e deve ser
historicizado, mas essa historização não pode ser feita privilegiando uma relação social em
detrimento de outra (KERGOAT, 2010).
Como exemplo de análise de consubstancialidade, Kergoat acredita que o care
(teoria do cuidado) mostra essa análise consubstancial no cruzamento das relações sociais de
classe, sexo e raça (HIRATA, 2017), que se coproduzem mutuamente pelos corpos sociais
que fazem o trabalho de cuidador(a), que geralmente é uma mulher, negra, pobre, às vezes,
fora de seu país.
De acordo com Hirata, ―a controvérsia central quanto às categorias de
interseccionalidade e consubstancialidade se refere à [...] ‗interseccionalidade de geometria
variável‘‖ (HIRATA, 2017, p. 56). Para Kergoat, são as categorias gênero, classe e raça que
são fundamentais e se imbricam e são transversais, para outros pode-se incluir outras
categorias além dessas de relações sociais, como sexualidade, religião etc, sendo, assim,
geometria variável (HIRATA, 2017).
Por sua vez, alguns estudiosos, como aponta Puar (2013): (Donna Haraway,
Elizabeth Grosz, Elizabeth Wilson, Karan Barad, Patricia Clough, Dianne Currier, Vicky
Kirby, Miriam Fraser e Luciana Parisi), influenciados pelo pensamento deleuziano, preferem
o termo agenciamento à interseccionalidade. Como observa a autora, esses estudiosos:
têm se voltado para a matéria corpórea, alegando que a sua liminaridade não é
passível de ser capturada pelo posicionamento interseccional do sujeito. Esses
estudiosos preferem a noção de que os corpos são agenciamentos instáveis que não
35
(1) estabelecer relações entre identidade individual e identidade coletiva; (2) manter o
foco nas estruturas sociais; (3) teorizar a partir da base (em de um modelo top-down)
casos de violência contra mulheres de cor como um conjunto de experiências com
conexões estruturais, políticas e representativas; (4) lembrar leitoras que o propósito
dos estudos interseccionais é contribuir com iniciativas de justiça social. Crenshaw é
clara está claramente defendendo a interseccionalidade como uma construção de
justiça social, e não como uma teoria da verdade desvinculada das preocupações de
justiça social. No entanto, esse aspecto do trabalho de Crenshaw tem sido cada vez
mais negligenciado (COLLINS, 2017, p. 12).
inclusão de outras categorias de análise, como a sexualidade, por exemplo. ―Na academia
norte-americana, os ganhos dos estudos de raça / classe / gênero e interseccionalidade têm
sido substanciais‖ (COLLINS, 2017, p. 13).
A intersecionalidade oferece uma oportunidade de fazermos com que todas as
nossas políticas e práticas sejam, efetivamente, inclusivas e produtivas. Por isso, utilizamos a
teoria da interseccionalidade neste trabalho, pois, ao fazermos, na prática, possibilita-nos a
análise de maneira crítica de como as relações sociais interferem e sustentam as relações de
poder e opressão, que materializam e concretizam as injustiças sociais contra as minorias que
abordamos, em todos os seus aspectos de análise, para, a partir disto, propor soluções dentro
do universo pesquisado.
Traçadas as teorias sobre as quais alicerçamos as categorias por nós pesquisadas,
podemos então abordar os grupos interseccionais de análise. No próximo capítulo,
estudaremos os segmentos: Sexualidade, Gênero e Raça.
39
este ou aquele ―modelito‖ ligado aos papéis sexuais, a escola está transmitindo
valores, mais ou menos rígidos, de acordo com a sua cultura e as crenças dos seus
profissionais (SAPUCAHY et al., 2014, p. 2).
Mas não é apenas na adolescência que os mitos e tabus ligados à sexualidade são
construídos, estes também atingem pessoas com idade mais avançadas (ROZENDO, 2015).
São estereótipos ligados à atração física ou que são incapazes de sentir estímulo sexual, são
exemplos de pensamentos que perpassam o imaginário social. ―Tais mitos induzem os mais
velhos a assumirem uma atitude pessimista na esfera da sexualidade‖ (ROZENDO, 2015, p.
98).
A esses tabus é atribuída uma característica de preconceito, pois acreditam
erroneamente que sexualidade se refere apenas a sexo; porém isso vai muito além dessa
questão, como já mencionado, vários fatores estão por trás da construção das sexualidades
que, inclusive, as tornam complexas.
Em relação ao sexo biológico, de modo geral, seu conceito foi construído ligado
historicamente a características fisiológicas secundárias que distinguem ―machos‖ e ―fêmeas‖
da espécie humana. Deste modo, referindo-se a informações cromossômicas e também a
órgãos genitais em suas características físicas. Note-se que esta definição se apoia num
binarismo e política de poder. Desta forma, excludentes a categorias como transexuais ou
pessoas que nascem com características físicas de ambos os sexos, denominadas de intersexos
(SÃO PAULO, 2014).
Já o termo gênero, ao ser criado dentro das ciências sociais e humanas, foi, por
muito tempo, usado para contrapor a dimensão biológica do sexo da dimensão social.
Segundo esta definição, enquanto sexo é biológico, gênero é social – constrói-se nas relações
de poder entre homens e mulheres. Todavia, Butler (2003) contesta o caráter imutável do
sexo, afirmando que o mesmo é tão construído quanto o gênero e, de certo modo, ligados
nesse processo construtivo social. Têm-se, dessa forma e de certo modo, não uma
contraposição dos termos, mas sim um complemento para a compreensão de como os mesmos
são construídos socialmente.
Sobre a identidade de gênero, ela se refere a experiências pessoais internas do
gênero de cada sujeito, situadas no âmbito do pertencimento e do autoconhecimento sensível.
Essa identidade pode ou não corresponder ao sexo designado ao nascimento; quando
corresponde, atribui-se a nomenclatura cisgênero, e quando não corresponde, denomina-se
transgênero. Identidade de gênero, portanto, é como um sujeito se percebe enquanto gênero
pertencente; seja masculino, feminino ou a combinação dos dois, isto independente do sexo
41
Assim, esta sociologia da sexualidade, colocada pelo autor, como todo fenômeno
social, passa por uma complexidade muito mais prática do que analítica, pois se concretiza
nas vivências que foram construídas e sustentadas por um sistema opressivo.
Ao abordar a temática da natureza da sexualidade humana com relação ao corpo,
Foucault argumenta que ela não é um fator da carne, do biológico, mas, a partir das
experiências desse corpo que é biológico, moldam-se os comportamentos e ações sociais, que
são também históricas.
As relações que são postas nas explicações que colidem em uma dualidade
natureza/social são complexas. O olhar sobre a natureza começa a ser mudado por meio de
pesquisas como de Alexander Von Humboldt (1764-1858), que estudou os aspectos naturais,
acreditando que a pintura da paisagem é linguagem e pesquisa científica, assim, concebendo a
natureza como rede ou teia que tudo interliga, uma unidade viva e organizada, acreditando
que os elementos da natureza são conectados. Com essas ideias, é desenvolvida, então, a
noção de espacialidade. A partir deste período histórico, o olhar para a estética deixa de ser
metafórico e passa a ser linguagem artística. Dano causado pela humanidade que explora e
perturba a ordem da natureza, causa e efeito, a exemplo, o aquecimento global. As forças
econômicas e as mudanças climáticas são parte de um mesmo sistema (WULF, 2016).
Somos parte da natureza, vivemos e sobrevivemos nela e por meio dela, por seus
recursos, tanto naturais quanto os que por nós são manipulados, criados, inventados,
reinventados. Ser parte da natureza não significa ser fixo ou imutável, como um leão que tem
sua vida praticamente traçada dentro da selva: nasce, cresce sobre os cuidados da mãe,
aprende a caçar outros animais para se alimentar e sobreviver a partir de seus instintos,
procria e, entre outras coisas, morre. Ao contrário do animal usado como exemplo, o ser
humano ao estar no mundo, sendo parte dele, modifica-o. Podendo até mesmo modificar a
vida do animal citado, colocando-o em uma jaula ou destruindo seu habitat natural.
O ser humano é o animal capaz de mudar sua própria vida e a vida de outros
animais a partir do seu raciocínio lógico (ou ilógico, na maioria das vezes), agindo sobre a
natureza e sobre ele mesmo, desde aspectos físicos a psicológicos e emocionais. Com relação
a este último aspecto, as relações interpessoais de teor sexual são fatores muito importantes na
vida do ser humano, que, inclusive, são geradores de mito, tabus e debates sobre existência.
43
No mundo dos animais irracionais, as relações sexuais são vivenciadas tanto como
forma de procriação quanto forma de prazer, inclusive já é comprovado que existem relações
homossexuais/bissexuais em muitas espécies de animais (BAGEMIHL, 1999). Essas relações
direcionadas a sexo e sexualidade também se dão na espécie humana, mas, diferentemente dos
animais irracionais que não criam tensões de poder, medo e morte, o ser humano
(des)raciocina e cria os preconceitos sobre seu corpo e suas relações sexuais, com relações
anteriormente citadas.
As relações sociais ligadas ao sexo são sempre conflituosas. De acordo com
Laqueur (2001), a visão da diferença sexual foi marcada pela linguagem, a genitália
masculina foi elevada a um lugar de importância e pesquisa a qual era supervalorizada em
detrimento da genitália feminina. Segundo o autor, a vagina era vista como um pênis interno,
vemos, assim, que o falo é centralizado. Como explica Laqueur (2001), a noção de sexo,
assim como a sociedade conhece hoje, foi inventado no século XVIII. Os órgãos sexuais, que
antes eram associados, passaram a ser distinguidos linguisticamente como ovários e
testículos; passou-se a dar nomes aqueles órgãos que não tinham nome, a exemplo da vagina:
Neste período, final do século XVII e ao longo do século XVIII, observa Laqueur
(2001), a ciência passou a considerar as categorias "masculina" e "feminina" como sexos
biológicos opostos e incomensuráveis. Isso se desenvolveu em circunstâncias políticas,
moldadas de acordo com o poder de criar e manter uma realidade social em que o homem
vivia. Portanto, aponta Laqueur (2001), os dois sexos modernos, como conhecemos, foram
inventados por duas formas: a primeira epistemológica, de uma teoria de conhecimento e
44
avanço do conhecimento científico, e a segunda, política. Esta última pode ser considerada a
forma principal dessa invenção:
As origens das nossas atitudes modernas em relação ao sexo estão nas grandes
mudanças que varreram a sociedade ocidental no fim do século XVII e em todo o
XVIII — o colapso da autoridade religiosa, o irromper do Iluminismo, o surgimento
em grande escala de vozes femininas na vida pública. / A derradeira causa principal
foi a transformação do universo da comunicação. A partir do fim do século XVII,
desenvolveram-se novas atitudes em relação à privacidade e publicidade, novos
meios de formar a opinião pública, e uma nova franqueza sobre questões sexuais. /
Algumas destas tendências [...] estavam intimamente mescladas à crescente
complexidade da vida urbana, ao avanço de novos modos de pensar, e ao colapso do
policiamento sexual. Mas a revolução midiática do Iluminismo foi tão central para a
mudança dos modos de vida e pensamento que [...] Sem ela, não teria havido
revolução sexual alguma (DABHOIWALA, 2013, p. 227).
As pesquisas atuais voltadas para o sexo e sexualidade estão cada vez mais
recorrentes, devido à liberdade sexual e o conhecimento do corpo. Além disso, a categoria de
poder e hegemonia colaboram para sustentar uma teoria do sexual.
De acordo com Preciado (2014), o sexo não é um fator biológico e sua prática não
é um impulso natural, mas
45
Há uma produção coletiva na qual são inscritos os corpos que parte da ideia de
como devem se comportar socialmente; os corpos aceitáveis neste sistema criado é o corpo
heterossexual, que é um dispositivo social que produz masculinidade e feminilidade,
dividindo os corpos e dando poder, especialmente, ao corpo masculino; a esses gêneros são
atribuídos papéis e práticas sociais, que permitem uma exploração de um corpo sobre outro
(PRECIADO, 2014).
De acordo com Rich (2010), a heterossexualidade é uma instituição política que
retira o poder das mulheres, justamente por essa divisão dos papéis sociais que foram criados
para manter um domínio do homem sobre a mulher. Quando os homens negam a sexualidade
das mulheres ou as forçam a praticá-la, quando se acham donos delas, privando-as do trabalho
ou mesmo explorando-o, controlando sua produção ao usá-las como objetos de transações
masculinas. São alguns exemplos de como o poder masculino é manifestado e mantido
(RICH, 2010, p. 23). Ainda Nesse contexto, coloca Rich,
Ainda por meio desse jogo de poder social, existe o termo Heteronormatividade,
cunhado por Michael Warner, segundo o qual, o termo regula e normatiza um modelo de
ordem sexual a ser seguido por todos, heterossexuais, homossexuais, adequando-se ao modelo
exigido pela heterossexualidade. Com isso, a heteronormatividade é um modelo político que
organiza parâmetros de vidas das pessoas, de forma negativa. Na heteronormatividade, os
sujeitos são obrigados a se adequar dentro de padrões sexuais de comportamentos, a exemplo
de um homossexual que é aceitável por se comportar como um ―macho‖, sem demonstrar
comportamentos afeminados, ou uma lésbica que é aceitável se seu comportamento for
feminino, caso contrário, são vítimas de preconceitos.
Esta medida de uma aceitação de padronização de corpos é um artifício de
controle e poder exercido sobre eles. É, portanto, questão política, à medida que os corpos são
usados para representar os sujeitos e suas ações na sociedade, inclusive quando os sujeitos não
aceitam as imposições sobre seus corpos, lutando política e socialmente contra as imposições
normativas.
Como forma de crítica aos padrões construídos pela sexualidade, Preciado (2014)
apresenta o termo contrassexualidade:
A contrassexualidade é também uma teoria do corpo que se situa fora das oposições
homem/mulher, masculino/feminino, heterossexualidade/homossexualidade. Ela
define a sexualidade como tecnologia, e considera que os diferentes elementos do
sistema sexo/gênero denominados "homem", "mulher", "homossexual",
"heterossexual", "transexual", bem como suas práticas e identidades sexuais, não
passam de máquinas, produtos, instrumentos, aparelhos, truques, próteses, redes,
aplicações, programas, conexões, fluxos de energia e de informação, interrupções e
interruptores, chaves, equipamentos, formatas, acidentes, detritos, mecanismos,
usos, desvios... (PRECIADO, 2014, p. 22).
Todas essas tecnologias modelam nossos corpos e interferem nas relações sociais
e interpessoais, na criação de corpos possíveis, como cirurgias de mudança de sexo; também
por possibilidades de relacionamentos entre humanos e entre máquinas e humanos, ou
mesmo, relacionamentos entre humanos por meio de máquinas.
Foucault (1988) ressalta o aspecto histórico sobre corpo e sexualidade. Os
conhecimentos que se criam sobre os corpos e como eles devem se comportar são sustentados
por uma relação de poder. Em contraposição a isso, surgem as atitudes de resistência, lutas
contra as formas de opressão que lhes são impostas sobre seus corpos. Portanto, como coloca
o autor, a seguir, a sexualidade se constrói no decorrer do tempo histórico:
Como aponta Louro (1997, p. 43): ―no interior das redes de poder, pelas trocas e
jogos que constituem o seu exercício, são instituídas e nomeadas as diferenças e
desigualdades‖. Nesta linha entre diferenças e desigualdades, muitas vezes, fala-se em
igualdade para todos, de modo que o principio da igualdade é dar às pessoas as mesmas
oportunidades. Contudo, como somos sujeitos diferentes uns dos outros em vários aspectos,
não se pode falar numa busca por igualdade, mas sim por equidade. A equidade é a adaptação
de regras nas leis, em situações sociais concretas, a fim de torná-las mais justas, ou seja, é
uma busca para adaptar as oportunidades. Dessa forma, por exemplo, se pensarmos em um
cadeirante, este deve ser tratado com igualdade em relação a um não cadeirante, porém devem
ser criados mecanismos que diminuam a dificuldade física, por exemplo, a partir de leis que
48
―transviado‖, ou mesmo ―Bixa‖, ―baitola‖. Este termo abarca todas essas nomenclaturas
identitárias, abordadas acima, que não seguem o padrão da heteronormatividade ou binarismo
de gênero (MARTINS, 2009).
A palavra queer, inicialmente pejorativa, passou por um processo de
ressignificação/desconstrução, quando, ao longo dos anos 1990, teóricos se debruçam sobre o
termo das pesquisas queer. Como explica Louro,
Queer pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro,
extraordinário. Mas a expressão também se constitui na forma pejorativa com que
são designados homens e mulheres homossexuais. Um insulto que tem, para usar o
argumento de Judith Butler (1999), a força de uma invocação sempre repetida, um
insulto que ecoa e reitera os gritos de muitos grupos homófobos, ao longo do tempo,
e que, por isso, adquire força, conferindo um lugar discriminado e abjeto àqueles a
quem é dirigido. Esse termo, com toda sua carga de estranheza e de deboche, é
assumido por uma vertente dos movimentos homossexuais precisamente para
caracterizar sua perspectiva de oposição e de contestação. Para esse grupo, queer
significa colocar-se contra a normalização - venha ela de onde vier. Seu alvo mais
imediato de oposição é, certamente, a heteronormatividade compulsória da
sociedade; mas não escaparia de sua crítica à normalização e à estabilidade
propostas pela política de identidade do movimento homossexual dominante. Queer
representa claramente a diferença que não quer ser assimilada ou tolerada, e,
portanto, sua forma de ação é muito mais transgressiva e perturbadora (LOURO,
2004, p. 38-39).
não é o mesmo dizer na América Latina teoria bicha e dizer teoria queer, que por
fim esse enunciado de fonética mais esnobe ajuda a que não exista suspeita a que se
ensine essa sabedoria em instituições e universidades, sem provocar tensões e
repercussões ao estigmatizar esse tipo de saber como bastardos (PERRA, 2014, p.
6).
Quando pronunciada no Brasil, observa Pelúcio (2014), a palavra queer soa como
agradável. Devido sua repercussão e propagação nos ambientes acadêmicos, a palavra perde
seu sentido de incômodo. Enquanto nos Estados Unidos a palavra causa desconforto quando
pronunciada em determinados locais de embate, no Brasil a palavra perde o caráter de termo
subversivo e passa a ser visto como elitizado pela academia.
Baseada nesta crítica, Pelúcio (2014) ao invés de falar, na América Latina, de uma
teoria queer, adota o termo Teoria Cu:
Assumir que falamos a partir das margens, das beiras pouco assépticas, dos orifícios
e dos interditos fica muito mais constrangedor quando, ao invés de usarmos o
polidamente sonoro queer, nos assumimos como teóricas e teóricos cu. / Falar em
uma teoria cu é acima de tudo um exercício antropofágico, de se nutrir dessas
contribuições tão impressionantes de pensadoras e pensadores do chamado norte, de
pensar com elas, mas também de localizar nosso lugar nessa ―tradição‖, porque
acredito que estamos sim contribuindo para gestar esse conjunto farto de
conhecimentos sobre corpos, sexualidades, desejos, biopolíticas e geopolíticas
também (PELÚCIO, 2014, p. 4).
dominante, que transforma diferença em desigualdade; afinal, ―as adesões teóricas são
também locais políticos capazes de instrumentalizar-nos para o bom combate‖ (PELUCIO,
2014, p. 41).
No contexto escolar e também fora dele, todas essas categorias/nomenclaturas
citadas são excluídas socialmente e tratadas com preconceito pelos que defendem uma
tradição heteronormativa e, assim, sofrem todo tipo de discriminação, mortes e tomadas de
direitos apenas por não representarem um padrão conforme aqueles que detêm o poder social.
Como já mencionado, essas minorias vêm emergindo e sua voz reverberando na
sociedade, causando medo e fúria aos conservadores, que desejam manter o status de grupo
dominante, lutando, de várias formas, inclusive judicialmente, para retirar direitos destas
minorias, como é o caso de alguns políticos, que apresentam projetos de lei contra os LGBT+.
Um exemplo a ser dado é o caso do PDC 639/2017 (Projeto de Decreto
Legislativo da Câmara), apresentado no dia 27 de abril de 2017 (GALLI, 2017), pelo então
Deputado Federal Victório Galli, na época filiado ao PSC/MT, atualmente é filiado ao PSL.
Em sua ementa, o projeto propõe sustar a Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, do
Conselho Nacional de Justiça, que ―dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil,
ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo‖ (BRASIL,
2013). Atualmente o projeto está anexado ao PDC 871/2013, do então Deputado Aroldo de
Oliveira PSD/RJ, que hoje ocupa o cargo de Senador pelo PATRI, Sua ementa é a mesma da
PDC 639/2017. Atualmente os dois projetos citados encontram-se arquivados.
Percebemos, com isso, que os ataques contra os direitos dos LGBT‘s são
renovados de período em período. Ora, o texto de 2013, que visava sustar o projeto que
permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, é novamente proposto em outro
projeto, anos posteriores. Ou seja, o objetivo desses conservadores é sempre tentar retirar os
direitos conquistados pela população LGBT+.
Outro projeto que ataca os LGBT‘s é o PDC 539/2016 (SILVA, 2016), que visa
sustar ―os efeitos da Resolução nº 01, de 22 de março de 1999, editada pelo Conselho Federal
de Psicologia – CFP‖ (BRASIL, 1999). A resolução do CFP estabelece normas de atuação
para os psicólogos referente à questão da orientação sexual, considerando que a
homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio, nem perversão e proíbe o psicólogo
de aplicar tratamento contra uma ―cura‖ da homossexualidade. Esta prática era recorrente
antes da resolução ser implementada, causando graves problemas psicológicos e físicos em
quem era submetido a tal ato desumano.
52
O PDC 539/2016, que autoriza o tratamento da chamada ―cura gay‖, nos mostra o
quanto preconceituosos são alguns desses políticos em atuação, políticos esses que são pagos
para pensar melhorias para toda a população, mas, ao contrário, agem com total ignorância e
preconceito.
Este tipo de retrocesso proposto por certos políticos reverbera na sociedade,
incentivando mais ainda o preconceito. Com isso, a população, já preconceituosa, sente-se no
direito de continuar desrespeitando os LGBT‘s, e muitas formas de violências contra a citada
população são registradas: o Disque Direitos Humanos protocolou, em 2013, 1.695 denúncias
de 3.398 violações contra a população LGBT, os negros totalizaram 39, 9% das vítimas,
brancos 27,5%, amarelos e indígenas 0.6%; 32% das vítimas não informaram sua orientação
racial (BRASIL, 2016). Cabe deixar claro que muitas das violências sofridas não são
registradas pelas vítimas, assim, esses dados não representam o número real da opressão
contra as minorias em nosso país.
Outra pesquisa mais recente, realizada pelo Ministério dos Direitos Humanos, nos
mostra que a situação ainda permanece grave. De acordo com o relatório da violência
LGBTóbica no Brasil:
3. 1. 2 Gênero
Uma das frases mais famosas e citadas em rodas de conversas sobre gênero, e
especialmente nos nos ambientes acadêmicos, abre o livro O segundo sexo, de Simone de
Beauvoir (1967, p. 9): ―Ninguém nasce mulher, torna-se mulher‖. Este tornar-se está no ato
54
Assim, essas relações são legitimadas na e pela cultura por meio da força e
opressão, não só força e opressão físicas, mas também psicológicas. Além disso, não se deve
cair num binarismo de gênero, pois, como vimos na seção anterior, os gêneros podem ser
mais do que masculino e feminino. Sobre essa questão, Butler (2003), teoriza:
Se o gênero são os significados culturais assumidos pelo corpo sexuado, não se pode
dizer que ele decorra, de um sexo desta ou daquela maneira. Levada a seu limite
lógico, a distinção sexo/gênero sugere uma descontinuidade radical entre corpos
sexuados e gêneros culturalmente construídos. Supondo por um momento a
estabilidade do sexo binário, não decorre daí que a construção de ―homens‖ aplique-
se exclusivamente a corpos masculinos, ou que o termo ―mulheres‖ interprete
somente corpos femininos. Além disso, mesmo que os sexos pareçam não
problematicamente binários em sua morfologia e constituição (ao que será
questionado), não há razão para supor que os gêneros também devam permanecer
em número de dois (BUTLER, 2003, p. 24).
55
De fato, a padronização acarreta uma forma de domínio, que por sua vez deságua
novamente em uma questão de poder. A liberdade neste processo de construção de gênero é
fundamental e deve partir das experiências pessoais. Logicamente, essas experiências só são
possíveis pelo contato social, mas este não limita a capacidade da autoconstrução e
autoconhecimento, até porque, fora de uma situação ditatória, o sujeito tem contato com
diferentes formas de aprendizados, podendo construir seus significados a partir das diferenças
desses, de forma crítica.
Assim, a questão do gênero é também relacionada à identidade do sujeito. Sobre
isso, Butler (2003) apresenta em confronto duas concepções como forma de compreender o
gênero, uma humanista e outra social; enquanto a concepção humanística conceberia ―o
gênero como um atributo da pessoa, caracterizada essencialmente como uma substância ou
um ―núcleo‖ de gênero preestabelecido, denominado pessoa, denota uma capacidade
universal de razão, moral, deliberação moral ou linguagem‖ (BUTLER, 2003, p. 29); na
segunda, ―a concepção universal da pessoa é deslocada pelas posições históricas ou
antropológicas que compreendem o gênero como uma relação entre sujeitos socialmente
constituídos, em contextos especificáveis‖ (BUTLER, 2003, p. 29).
Desta forma, observa Butler (2003), esta concepção social sugere que o que a
pessoa é (e o que o gênero é) refere-se às relações construídas. ―Como fenômeno inconstante
e contextual, o gênero não denota um ser substantivo, mas um ponto relativo de convergência
entre conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente convergentes‖ (BUTLER,
2003, p. 29).
57
(BOURDIEU, 2012, p. 82). É criado um estereótipo de mulher, do qual se espera que seja
feminina, sorridente, discreta, submissa, entre outros adjetivos que buscam subordiná-la.
Felizmente, graças às mudanças sociais proporcionadas, sobretudo por trabalhos
críticos como os do movimento feminista, a dominação masculina não se impõe mais como
algo indiscutível, pelo contrário, cada vez mais esta temática é discutida, visando mudar as
ações dessa carga tóxica que é prejudicial para mulheres e homens também.
Essas mudanças foram possíveis devido aos esforços da luta das mulheres. Como
pontua Federici (2004), as mudanças históricas que se fizeram no século XIX,
com cerca de 13 assassinatos por dia. Ao todo, 4.936 mulheres foram mortas, o
maior número registrado desde 2007‖ (IPEA 2019, p 35). A pesquisa também
mostra a questão da desigualdade racial: a taxa de homicídio de mulheres não negras
teve um crescimento, entre 2007 a 2017, de 4,5%, ao passo que o de mulheres
negras cresceu 29,9% (IPEA, 2019).
Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher,
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do
Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em
situação de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2006).
Apesar da lei ser bastante afirmativa e proteger muitas mulheres, ainda é falha.
Isto porque o sistema não está totalmente preparado para atender às vítimas de violência
física. São casos e mais casos de mulheres que denunciam seus maridos e estes continuam
praticando seus crimes; se são presos, não ficam muito tempo, pois a ―justiça‖ libera os
61
Como já abordamos, a identidade não é algo inato, ela é construída através das
relações interpessoais entre os vários grupos sociais. Através das práticas sociais, culturais,
linguísticas, das tradições populares, alimentares, dos festivais, tudo isso e muito mais
balizam nossa condição humana, que nos marcam enquanto sujeitos sociais. Portanto, as
identidades envolvem os aspectos culturais, sociopolíticos e históricos de cada sociedade.
Neste contexto, o termo raça também nasce de um processo identitário.
De acordo com Almeida (2018), o termo raça não é fixo, mas seu sentido está
inexoravelmente ligado às condições históricas em que é utilizado, como explica o autor:
―Por trás da raça sempre há contingência, conflito, poder e decisão, de tal sorte que se trata de
um conceito relacional e histórico. Assim, a história da raça ou das raças é a história da
62
como mecanismo estrutural que garante a exclusão seletiva dos grupos racialmente
subordinados - negr@s, indígenas, cigan@s, para citar a realidade latino-americana
e brasileira da diáspora africana - atuando como alavanca importante da exclusão
diferenciada de diferentes sujeit@s nestes grupos. Trata-se da forma estratégica
como o racismo garante a apropriação dos resultados positivos da produção de
riquezas pelos segmentos raciais privilegiados na sociedade, ao mesmo tempo em
que ajuda a manter a fragmentação da distribuição destes resultados no seu interior. /
O racismo institucional ou sistêmico opera de forma a induzir, manter e condicionar
a organização e a ação do Estado, suas instituições e políticas públicas – atuando
também nas instituições privadas, produzindo e reproduzindo a hierarquia racial
(WERNECK, 2013, p. 17).
negros na rua apenas pela cor de sua pele, ou quando uma mulher branca atravessa a rua,
quando em sua direção caminha um negro na mesma calçada (MOREIRA, 2019).
Outro conceito que vale destacar é o colorismo, discriminação que ocorre baseada
na cor da pele, também chamado de pigmentrocracia, quanto mais escura a tonalidade da pele,
mais chances tem esse sujeito de sofrer exclusão social. Como observa Silva et al. (2017), o
colorismo é mais um aspecto da discriminação racial, classificando mais uma vez os
indivíduos pela cor de sua pele. Este tipo de discriminação se dá independentemente da
origem racial da pessoa, enfatizando os traços físicos do sujeito, como cabelo crespo, nariz
largo, que são associados à origem africana. As pessoas de origem negra com tonalidade de
pele mais clara são privilegiadas por esse processo de colorismo, pois são ―toleradas‖ nos
ambientes de pessoas brancas, mesmo não desfrutando dos mesmos privilégios.
subjetiva, nos detalhes, nem por isso menos perigosa, criando-se, em torno dessa questão, o
mito de que, no Brasil, as raças se toleram mutuamente, uma vez que se trata de uma mistura,
e, dessa forma, tem-se o mito da ―democracia racial‖. Sobre isso, explica Gomes (2005):
O mito da democracia racial pode ser compreendido [...] como uma corrente
ideológica que pretende negar a desigualdade racial entre brancos e negros no Brasil
como fruto do racismo, afirmando que existem entre esses dois grupos raciais uma
situação de igualdade de oportunidade e de tratamento. Esse mito pretende, de um
lado, negar a discriminação racial entre os negros no Brasil e, de outro lado,
perpetuar estereótipos, preconceitos e discriminações construído sobre esse grupo
racial (GOMES, 2005, p. 7).
A esta lei é incluído, pela lei 11.645/08, e por ela alterada, com a entrada do grupo
étnico-indígena: ―Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e
indígena‖ (BRASIL, 2018), com inclusão dos diversos aspectos históricos e culturais
característicos da população brasileira a partir desses dois grupos étnicos, bem como as
questões políticas e econômicas que os envolvem.
Estas leis são exemplos de ações afirmativas. De acordo com Gomes (2003),
a Lei 8112/90 (Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União)
estabelece em seu art. 5º, § 2º que ―às pessoas portadoras de deficiência é
assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de
cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras;
para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no
concurso‖ (GOMES, 2003, p. 19).
Entre outros conceitos, o teatro pode ser definido como ―a arte da representação‖
(MOISÉS, 2007, p. 122). Enquanto gênero, é marcado pelo caráter híbrido, próprio de sua
natureza. Seu surgimento, anterior mesmo à arte literária, fundia práticas mágicas e religiosas,
unindo em um só lugar: a dança, o canto, a música, o circo, entre outros gêneros situados
nesse mundo representativo. Assim sendo, neste contexto, o teatro estaria situado no campo
das artes do espetáculo.
Desde o seu surgimento, a palavra ‗teatro‘ possui uma dupla significação,
podendo ser tanto a casa de espetáculo onde peças são apresentadas, como também o próprio
espetáculo em si. Já a palavra ‗drama‘ trata do texto teatral antes mesmo de sua representação,
podendo ser, em seu conteúdo, peças em que o trágico se mistura ao cômico, referindo-se,
portanto, ao texto literário (MOISÉS, 2007).
Corroborando com as definições de teatro dadas aqui, o Dicionário de Teatro, de
Ubiratan Teixeira (2005) nos dá as seguintes definições:
todos os níveis, colocar em situação de experiência o próprio homem e seu modo de perceber
e conceber o universo‖ (GARDIN, 1995, p. 75). Este teatro mais social é uma forma artística
que, por suas características de aplicação, desafia o sujeito à autoanálise, levando-o a pensar
sobre as práticas dos sujeitos na sociedade, visto que esta arte se dá a partir das vivências e,
por estas, é possível criar com base nas histórias ―reais" ou verossímeis, como aponta Gardin
(1995),
Em uma análise mais específica dos elementos que compõem o texto dramático, é
possível notar um emaranhado de gêneros entrelaçados formando a obra artística. É marcado
por um hibridismo que o faz ser mais próximo das relações humanas, por sua ação pelas
experiências, próximas das estruturas universais dos sujeitos sociais.
No século XIX, o teatro estava a serviço da burguesia, chegando a perder seu
sentido inicial: ―que era o de espetáculo popular e educativo, para se tornar um minarete de
paixões pessoais, uma simples magnésia para as dispepsias mentais dos burgueses bem
jantados. Daí a sua decadência enorme em todo o século XIX‖ (MAGALDI, 2004, p. 61).
Sobrepondo, assim, uma produção mais individualista, com uma exaltação aos sentimentos
burgueses e uma exclusão do popular.
No século XX, entretanto, o teatro de caráter mais social vai ressurgindo
notavelmente com escritores como o alemão Bertold Brecht (1898-1956), o russo Vladimir
Maiakovski (1893-1930) e o brasileiro Oswald de Andrade (1890- 1954), para citar alguns.
Na década de 1960, o dramaturgo Augusto Boal começa a esboçar seus trabalhos,
que vão corroborar com o teatro social e político, aprimorando, através dos anos, com sua
prática e experiência, um teatro para os oprimidos socialmente, principalmente, feito por
estes, com a inserção de atores e não atores, com a inclusão da plateia, participativa e atuante.
Para Boal:
brasileira pode-se citar: Renata Pallottini (1931), Hilda Hilst (1930-2004), Leilah Assunção
(1943), Consuelo de Castro (1946-2016), Maria Adelaide Amaral (1942), Maria Clara
Machado (1921-2001) (CEBULSKI, 2012).
extrajudicial. Também entram nessa lista mortes de indivíduos em confronto com o poder
público, e ainda suicídios causados em decorrência de prisões e torturas (DIAS et al., 2014).
A arte, com seu poder político, foi de grande importância na luta contra a
repressão causada pela ditadura, como os festivais de música e de teatro, que denunciavam e
lutavam contra o sistema opressivo, e o TO contribuiu nesta luta, na forma de resistência
política.
Continuando a falar de Augusto Boal, dentre seus inúmeros prêmios e títulos,
destacam-se o Officier de l'Ordre des Arts et des Lettres em 1981, e a Medalha Pablo Picasso,
atribuída pela Unesco em 1994. Em 2008, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, por causa de
seu trabalho com o Teatro do Oprimido e, em março de 2009, foi nomeado embaixador
mundial do teatro pela UNESCO.
Em 02 de maio de 2009, Boal veio a falecer no Rio de Janeiro, por insuficiência
respiratória, deixando como legado um dos maiores métodos teatrais da contemporaneidade,
usado em inúmeros países por todo o mundo, ajudando minorias sociais a tentar buscar
maneiras de se libertar socialmente do lugar de subalterno, por meio do teatro e da política, ou
melhor, do teatro com política, que é o teatro do oprimido.
Entre suas obras publicadas, encontram-se, entre alguns gêneros, peças teatrais,
romances e crítica teatral, tais como Revolução na América do Sul (1960); Arena Contra
Tiradentes (1967); Categorias de Teatro Popular (1971); Torquemada (1972); Crônicas de
Nuestra América (1973); Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas (1975); Técnicas
Latino-Americanas de teatro popular uma revolução copernicana ao contrário (1975); A
Tempestade / Mulheres de Atenas (1977); Jane Spitfire (1977); Murro em ponta de faca
(1978); Tokio (1984); Paju (1985); Jogos para atores e não-atores (1998); O arco-íris do
desejo: método Boal de teatro e terapia (1996); Taiwan (2000); A deliciosa e sangrenta
aventura latina de Jane Spitfire, espiã e mulher sensual (2003); A estética do oprimido
(2009); dentre outas obras.
Aclamado pela imprensa internacional, sobre ele, escreve o Jornal inglês The
Guardian: ―Augusto Boal reinventou o Teatro Político e é uma figura internacional tão
importante quanto Brecht ou Stanislawsky‖; Para o Time Out: ―Boal é um dos maiores
pesquisadores do teatro. (...) Outros pensavam que tinham as boas respostas. Boal fez as boas
perguntas‖; Para Richard Schechner, diretor de The Drama Review, ―Boal conseguiu fazer
aquilo com que Brecht apenas sonhou e escreveu: um teatro alegre e instrutivo. Uma forma de
terapia social. Mais do que qualquer outro homem de teatro vivo, Boal está tendo um enorme
impacto mundial‖ (BOAL, 2003).
77
Apesar de bem avaliado pela crítica, Barbosa e Ferreira (2017) observam que as
práticas do Teatro do Oprimido têm apresentado fragilidade que se distanciam dos objetivos
transmitidos por Boal. Os autores analisam cinco categorias sobre as quais problematizam a
crítica em torno das tensões do TO na atualidade.
A primeira crítica se faz à mercantilização do TO, em que algumas empresas
utilizam os métodos para selecionar funcionários, por exemplo. A segunda crítica diz respeito
à tecnicização, que reduz este teatro a um conjunto de exercícios usado para capacitação
profissional. A terceira é a instrumentalização deste teatro, que o coloca como um livro de
receitas de técnicas. A quarta é a individualização, que busca a competência do indivíduo. A
quinta crítica é sobe a fetichização deste teatro, que algumas pessoas pensam ser a solução
para todos os males.
Todas essas formas de utilização do TO apontadas acima não condizem com o
teatro idealizado por Boal. Em primeiro lugar, o TO é um método usado por e para oprimidos
socialmente e perde sua característica quando é utilizado por empresas que visam lucro e que
é uma das formas de opressão. Em segundo lugar, o TO é para todos aqueles que precisam e
não para atores detentores de técnicas, pois, para Boal, todos são teatro. Com relação aos
exercícios e jogos, estes não são imutáveis ou regras, mas, de acordo com Boal, devem se
adequar ao seu tempo e público, por isso o autor sempre reinventava exercícios e jogos. Com
relação à fetichização, Boal nunca colocou o TO como um salvador social, mas sim enquanto
método testável e adaptável. Portanto, todos esses modos não estão de acordo com o que o TO
realmente significa.
No próximo tópico, discutiremos o teatro do oprimido e sua estética, sua
trajetória, suas características.
Ao propor uma estética para o seu teatro ou para o seu método teatral (a Estética
do Oprimido), Boal faz primeiramente uma crítica a um falso e ideologizado conceito de
estética dominante, que se sustenta no interior de um sistema neoliberal, que em si incita à
competição danosa, como é o objetivo deste sistema citado (BOAL, 2009). Assim, estando
sob o benefício do privilégio, as classes dominantes criam táticas para manter o monopólio do
poder sobre as classes dominadas. Este controle e domínio também são mantidos por meio da
estética, como pontua Boal,
78
As ideias dominantes em uma sociedade são as ideias das classes dominantes, certo,
mas, por onde penetram essas ideias? Pelos soberanos canais estéticos da Palavra, da
Imagem e do Som, latifúndios dos opressores! É também nestes domínios que
devemos travar as lutas sociais e políticas em busca de sociedades sem opressores e
sem oprimidos. Um novo mundo é possível: há que inventá-lo! (BOAL, 2009, p.
15).
[...] rica e complexa, quando sentida como tal como é. Sendo provocada pelo objeto
(coisa), pode causar diversidade de percepções em diferentes sujeitos, ou no mesmo
sujeito em diferentes momentos. Pelas múltiplas possibilidades que oferece de ser
traduzida em palavras, pode causar confusão. O que causa confusão, porém, são as
palavras que a traduzem, não ela. Palavras são Pensamento Simbólico, e os símbolos
necessitam interlocutores concordes (BOAL, 2009, p 26).
Boal também discorda quando Baumgarten utiliza a palavra inferior para designar
o Conhecimento Sensível, pois este, segundo Boal, não se trata de arquivo morto,
―mero registro de informações sensoriais, mas sim o dinâmico orquestrador das novas
informações com as já recebidas e hierarquizadas, com as carências e desejos do sujeito – isto
é Pensamento –, é a sua conversão em atos‖ (BOAL, 2009, p 26). Ora, o sensível impulsiona
79
a vida tanto quanto a matéria corporal, pois, de todo modo, as sensações fazem parte do
corpo, e nele se materializam, ou vice-versa.
Um outro falso conceito de estética vivenciado pela sociedade atual pontua uma
beleza universal, na qual impõe uma única forma ao belo, a exemplo de como deve ser um
corpo dentro dos padrões de beleza e moda, ou qual arte, como pintura ou texto, é realmente
belo enquanto estética ou não. No entanto, o belo não está em um padrão ditatorial, mas está
na experiência social entre o sujeito e o objeto com o qual se formam os significados, dado
que um mesmo objeto pode ser visto de formas distintas dependendo do sujeito que o
vivencia (JAUSS, 1994).
Em A Estética do Oprimido (2009), Boal discute duas teses principais:
Cada sujeito possui suas percepções ao olhar o mundo e seus objetos a partir de
suas vivências e experimentações. Para Boal, ―existem saberes que só o Pensamento
Simbólico pode nos dar; outros, só o Sensível é capaz de iluminar. Não podemos prescindir
de nenhum dos dois‖ (BOAL, 2009, p. 22).
A arte e a cultura habitam os campos do sensível e do simbólico e são grandes
forças na luta da libertação dos oprimidos. Através delas, o campo de conhecimento do sujeito
se amplia e sua capacidade de conhecer é aprofundada. Uma real democracia só é possível, de
acordo com Boal, quando todos os cidadãos puderem se tornar conscientes da realidade em
que vivem e tornarem-se conhecedores das formas de transformá-las. Não basta o sujeito
saber que está sendo oprimido, é necessário saber uma forma de se desamarrar dessa opressão
e fazer acontecer: ―só com cidadãos que, por todos os meios simbólicos (palavras) e sensíveis
(som e imagem), se tornam conscientes da realidade em que vivem e das formas possíveis de
transformá-la‖ (BOAL, 2009, p. 16).
Para Boal, a estética é a ciência da comunicação sensorial e da sensibilidade, não
a ciência do belo. É, pois, a organização do sensível em meio ao caos da vivência cotidiana.
O belo é relativo, está no olhar do sujeito e no objeto para o qual ele olha; suas percepções
80
sobre o objeto são subjetivas, podendo ser diferentes para cada pessoa, o que uma enxerga
como belo, a outra não o vê com essa qualidade.
Sobre essa interação entre sujeito e objeto, o autor aponta e diferencia o lugar da
arte e estética: ―arte é o objeto material ou imaterial. Estética é a forma de produzi-lo e
percebê-lo. Arte está na coisa; Estética, no sujeito e em seu olhar‖ (BOAL, 2009, p. 22). A
estética não estaria, portanto, à mostra em uma prateleira, como um produto a ser vendido,
com uma forma única e superior, ditada por uma classe que a idealizaria como tal. Não há
uma só estética, universal, porque são muitas as culturas que dela se apossam e a definem, e
no interior das culturas há também inúmeras divisões no interior das sociedades, cada uma
com seus valores diferentes, impossibilitando, assim, um valor universal e eterno à estética e
ao belo.
A estética proposta por Boal tem papel organizacional, como aponta o autor:
O TO é uma Árvore Estética: tem raízes, tronco, galhos e copas. Suas raízes estão
cravadas na fértil terra da Ética e da Solidariedade, que são sua seiva e fator
primeiro para a invenção de sociedades não opressivas. Nessa terra coexistem o
remanescente instinto predatório animal e o avanço humanístico. Na terra, vemos a
miséria do mundo; nas copas, o sol da manhã (BOAL, 1991, p. 185).
Figura 2 – Árvore do TO
Como podemos observar, a copa e o caule da árvore são formados pelos modelos
teatrais que seu idealizador foi experimentando. As raízes são palavra, som e imagem:
―como o Teatro é o encontro de todas as artes, a Estética do Oprimido existe no som, na
palavra e na imagem. É a seiva da sua árvore – árvore viva. Não existe TO sem Estética do
Oprimido – esta é a sua linguagem‖ (BOAL, 2009, p. 164). A base que sustenta e alimenta
essa árvore é a ética e a solidariedade e também os aspectos históricos, filosóficos,
econômicos e políticos em sua forma estética, que perpassam pela palavra, pelo som e pela
imagem, transitando pelos jogos.
Dessa forma, temos o seguinte processo prático estético: o início se dá no tronco
da árvore, com os jogos lúdicos, apoiados na base de seus aspectos sociais. Na sequência, o
teatro imagem, onde as formas de percepções não-verbais são estimuladas. Neste teatro, são
trabalhadas imagens concretas a partir de questões-problemas e sentimentos, buscando a
compreensão dos fatos representados nas imagens da figura corporal.
Dando prosseguimento à análise da árvore, têm-se cinco grandes copas: a primeira
delas é o teatro jornal. Nascido na década de 1970. Essa forma estética foi criada como
resposta à imprensa ideológica dominante. A técnica é usada para explicar as manipulações
utilizadas pelos meios de comunicação, ―as doze técnicas do Teatro Jornal (1970, Núcleo do
Teatro do Arena de São Paulo) permitem desmistificar essa falsa neutralidade transformando
83
A solução que a mulher propunha era que a senhora enganada pelo marido tivesse
uma conversa muito séria com ele e depois o perdoasse, e assim os atores atuaram no campo
do verbal, mas o que ela imaginava com ―conversa muito séria‖ consistia em agredir
fisicamente o marido. A partir daí, Boal começou a perceber que entre o campo das ideias e
da ação há uma diferença na operação realizada. Com isso, é destruída de vez a barreira entre
palco e plateia, que entra em cena, implementando o diálogo:
A Estética do Oprimido diz não ao conformismo, ela é esperança para aqueles que
não a têm. Ela é revolução na cultura, feita para e por um povo que se liberta dos seus
opressores, por meio da conscientização e ações concretas.
Essa estética pauta-se nos Direitos Humanos, buscando amparar os sujeitos
marginalizados socialmente. O TO ―é um ensaio para a transformação do real e não apenas
um fenômeno contemplativo, por mais transformadora que a contemplação já possa, em si
mesma, ser‖ (BOAL, 2009, p. 163), mas só a contemplação não basta para a mudança, é
preciso ação e a Estética do Oprimido é uma preparação para as atitudes revolucionárias.
No Teatro e Estética do oprimido, não bastam boas ideias que já existam, é
necessário inventá-las e justificá-las, pois, mesmo as situações sendo repetidas, o momento é
sempre novo e contextualizado. Nesta visão sobre ética e solidariedade, deve-se incluir todos
os segmentos oprimidos da sociedade. É importante, no âmbito deste teatro, a conscientização
histórica dos sujeitos que dele fazem parte, para uma autoavaliação do lugar em que
enunciam, pois, como escreve Boal,
outros, nem para si‖ (BOAL, 2009, p. 199). A meta principal do Teatro do Oprimido, de
acordo com seu criador, é:
O TO e sua Estética têm cumprido com sua meta, na medida em que suas raízes
têm se espalhado pelos continentes, atingindo e ajudando o público a que é destinado.
exercícios feitos nessa primeira fase eram os propostos por Stanislavski. O esquema utilizado
pelos atores e seus elementos básicos, de acordo com Boal, eram os seguintes:
O ecletismo que o gênero teatral carrega possibilita uma grande e variada forma
de fazer esta arte. No sistema coringa, Boal trabalhava com várias possibilidades: – colcha de
retalho – vários textos, interpretação coletiva: todos os atores interpretam todas as
personagens, ecletismo de gêneros e estilos, uso da música, entre outras possibilidades
(BOAL, 1982). Boal propunha o coringa próximo do espectador, que lhe explica,
aproximando-se dele. Neste período, ainda não havia, entretanto, a participação do espectador
na ação diretamente.
As cenas eram divididas independentes umas das outras, podendo utilizar estilos
separados se assim fosse necessário, como surrealismo, realismo, tragicomédia, ou qualquer
outro gênero ou estilo à disposição do ator e diretor, podendo ou não utilizá-los durante todo o
espetáculo (BOAL, 1982). O dramaturgo adverte que o perigo desse sistema é cair na total
anarquia e, para que isso não acontecesse, era necessário o momento denominado
‗Explicações‘: ―uma explicação é uma quebra na continuidade da ação dramática, escrita
sempre em prosa e dita pelo Coringa, em termos de conferência e que procura colocar a ação
segundo a perspectiva de quem a conta – no caso, a Arena e seus integrantes‖ (BOAL, 1991,
p. 118). No espetáculo musical Arena conta Zumbi, escrito em 1965, por Gianfrancesco
Guarnieri e Augusto Boal, os oito atores interpretavam todas as personagens, revezando-se, e
o coringa fazia a conexão entre as cenas, expondo pontos de vista a partir dos acontecimentos,
alterando a estrutura tradicional dramática até então vigente.
No sistema coringa, portanto, são usados quatro procedimentos: a desvinculação
ator/personagens, perspectiva narrativa unitária, ecletismo de gênero e estilo e uso da música.
O coringa é um personagem onisciente, que pode alterar as cenas, se assim achar necessário,
para alertar à plateia para algo significativo, com uma função crítica, mas distanciada. Este
sistema era pensado de um modo permanente, dividido em sete partes: Dedicatória,
87
à opressão que sofre, ou melhor dizendo, saberá como lutar contra os que o oprimem,
passando por um processo de libertação.
O TO é um método que tem base filosófica, política e social, englobando as artes
do teatro, objetivando, a partir dele, alcançar o oprimido, para que ele possa agir, visando a
sua mudança na sociedade. Este sistema se origina, principalmente, por meio de três grandes
transgressões, conforme Boal,
1–Cai o muro entre o palco e a plateia: todos podem usar o poder da cena;
2–Cai o muro entre o espetáculo teatral e a vida real: aquele é uma etapa
propedêutica desta;
3–Cai o muro entre artistas e não-artistas: somos todos gente, somos humanos,
artistas de todas as artes, todos podemos pensar por meios sensíveis – arte e cultura
(BOAL, 2009, p. 185).
Desta forma, o espectador, antes um ser passivo, ocupando o lugar detrás do muro
imaginário, agora passa a ser sujeito ativo no processo artístico e social na construção desse
teatro, o que é real experiência e o que é espetáculo literário ficcional se misturam. O
espectador, ou ‗espect-ator‘, como propõe Boal, torna-se peça principal neste método. Todos
podem fazer teatro, todos podem ser artistas, até quem nunca teve a oportunidade de estudar
teatro. Para o autor, todo mundo é teatro, no sentido de ser protagonista de suas ações e de
agir em sociedade, e todo teatro é político, mesmo que não trate de temas políticos.
Cai a barreira, portanto, entre plateia e palco, ou melhor dizendo, entre espectador
e ator. E não é qualquer espectador, o Teatro do Oprimido prioriza o espectador do teatro
popular, não os ligados à classe dominante, pois ela já tem o seu lugar de privilégio. O
espectador que Boal aciona é o povo das classes trabalhadoras, o povo pobre, o camponês, o
favelado, a dona de casa, o pedreiro, o estudante pobre, o preso injustiçado por um sistema, o
oprimido. E este, passando a sujeito agente, torna-se um espect-ator, aquele que observa e
age.
Neste processo, o teatrólogo sistematiza em quatro etapas o plano geral da
transformação do espectador em ator:
Com um grau maior de ruptura entre ação dramática e ação real, a poética do
oprimido de Boal é libertária, propõe ao espectador ultrapassar a barreira entre ele e a
personagem. Na verdade, sai a personagem da ação e entra o espectador, que agora ator, atua
e pensa por si, ninguém mais age por ele, mas ele mesmo é dono da sua própria libertação,
deste modo, ensaia formas para a sua revolução e libertação, como observamos nas palavras
de Boal:
Esse teatro propõe, portanto, a libertação do oprimido por ele mesmo, por meio da
arte teatral e apoiado nas questões políticas, sociais, filosóficas e com foco nos direitos
humanos. Além de uma poética, este teatro é firmado em uma estética, como já debatido.
Este método também tem se adaptado às mudanças de realidades e contextos em
que esses oprimidos se encontram, atendendo a todos os segmentos sociais oprimidos; como
já mencionamos, a solidariedade parte do acolhimento a todos, sem exclusão. Desses
segmentos, especificamente, o público alvo deste trabalho são jovens estudantes, portanto,
está ligado à esfera Escola/Educação. Sobre ela, nos deteremos no próximo tópico, que
discute escola, educação e teatro.
91
Cada uma dessas áreas tem sua importância enquanto arte e o ideal seria que todos
os estudantes tivessem acesso ao estudo das artes em geral, na escola. O grande problema,
como já mencionado, é a impossibilidade de todas essas artes serem ministradas por um só
professor. Defendemos a integralidade dessas quatro artes citadas, não só como escolha
pedagógica do professor, mas o seu desmembramento em disciplinas independentes, assim,
poderíamos haver: arte do teatro, arte da música, etc.
Boal (1982) defende uma alfabetização teatral, ressaltando a sua importância nas
transformações sociais, a partir de um teatro político e como política. Entre estes, há uma
considerável diferença, enquanto o teatro político discute as questões sociais, o teatro como
política é a própria ação, como nas propostas do teatro fórum e teatro legislativo, por
exemplo.
Hans-Thies Lehmann (2007) acredita no teatro enquanto ação transformadora,
colocando-o num lugar de processo pedagógico:
Nesta visão, o teatro é pedagógico ao tratar das questões de uma educação social,
trazendo para o centro de seu estudo as questões humanas, que são debatidas e encenadas,
pensadas e recriadas, promovendo a conscientização e as ações práticas dos estudantes. Na
educação teatral, como todas as outras, é necessário esforço e dedicação, mas, enquanto arte,
possui a vantagem da fruição, como defende Boal:
subalternas da sociedade, mostrando-lhes seu valor enquanto sujeito que pode modificar, por
si mesmo, o seu quadro social de oprimido, libertando-se.
Ao abordar uma educação libertadora, Paulo Freire aponta que ela é também
problematizadora: ―[...] já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de
transmitir ‗conhecimentos‘ e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação
‗bancária‘‖ (FREIRE, 2018, p. 94), mas um ato cognoscente‖. É problematizadora na medida
em que participam também os educandos nesse processo de conhecimento, podendo inclusive
contestar um conhecimento dado ou dogmático; assim, uma educação libertadora se faz
também no autoconhecimento do educando e este enquanto agente do saber.
Uma das propostas do teatro de Boal é buscar um viés educativo e pedagógico,
sobre isso o autor explica:
Quando uma técnica teatral ou convenção de palco é vista como ritual e a razão para
sua inclusão na lista de habilidades de ator é perdida, então ela se torna inútil. Uma
barreira artificial é estabelecida quando as técnicas estão separadas da experiência
direta. Ninguém separa o arremesso de uma bola do jogo em si. / As técnicas não
são artifícios mecânicos – um saco de truques bem rotulados para serem retirados
pelo ator quando necessário. Quando a forma de uma arte se torna estática, essas
―técnicas‖ isoladas, que se presume continuam a forma, estão sendo envolvidas e
incorporadas rigidamente (SPOLIN, 2010, p. 12).
O primeiro passo para jogar é sentir liberdade pessoal. Antes de jogar, devemos
estar livres. É necessário ser parte do mundo que nos circunda e torná-lo real
tocando, vendo, sentindo o seu sabor, e o seu aroma – o que procuramos é o contato
direto com o ambiente. Ele deve ser investigado, questionado, aceito ou rejeitado. A
liberdade pessoal para fazer isso leva-nos a experimentar e adquirir autoconsciência
(auto-identidade) e auto-expressão. A sede de auto-identidade e auto-expressão,
enquanto básica para nós, é também necessária para a expressão teatral (SPOLIN,
2010, p. 6).
desenvolver diversas habilidades, por meio de formas verbais e não verbais, pelas imagens,
pela escrita, pelo discurso: ―São fontes de energia que ajudam os alunos a aprimorar
habilidades de concentração, resolução de problemas e interação em grupo‖ (SPOLIN, 2012,
p. 12).
Um ponto muito importante dos jogos e exercícios teatrais é a sua questão
político-social, como aponta Spolin (2012, p. 23), ―a maioria dos jogos é altamente social e
propõe um problema que deve ser solucionado – um ponto objetivo com qual cada indivíduo
se envolve e interage na busca de atingi-lo, muitas habilidades aprendidas por meio do jogo
são sociais‖. Nos joguerxercícios de Boal, é essencial que todas as atividades tenham cunho
social, visto que é a partir da prática de suas experiências, uma revivência, que as soluções são
buscadas.
No próximo capítulo, apresentaremos uma pesquisa-ação, realizada com alunos de
uma escola localizada na periferia de Quixadá, a partir de oficinas do Teatro do Oprimido.
Descreveremos o público, a escola e os contextos e abordagens utilizados.
96
entre outras abordadas nos capítulos iniciais. Para Gil (2002, p. 44), ―A pesquisa bibliográfica
é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos‖. A partir deste procedimento técnico, também foi possível a elaboração
metodológica prática, por meio dos estudos de Boal acerca dos jogos e exercícios teatrais, que
caracterizam a etapa seguinte.
A segunda etapa caracterizou-se como uma pesquisa-ação participante. Segundo
Thiollent (1998), a pesquisa-ação configura-se como uma pesquisa social participativa, em
que colaboram pesquisadores e participantes envolvidos na situação-problema, onde há
estreita associação com uma ação, de modo cooperativo ou participativo para resolução do
problema. Em pesquisas em educação, essa metodologia produz informação e conhecimento
de uso efetivo, também ao nível pedagógico (THIOLLENT, 2002).
A pesquisa-ação desenvolveu-se nas seguintes etapas: primeiro, uma fase
exploratória, com a ida à escola e reconhecimento dos alunos. Segundo, a fase da ação, que
trabalhamos com as oficinas do Teatro do Oprimido. Estas consistiram no corpus de análise
da pesquisa, pois, a partir delas, obtivemos o material necessário para o exame das falas dos
estudantes, favorecendo a percepção de mudanças e reconhecimentos identitários, junto com o
estudo do material teórico com os educandos para sua conscientização social.
As oficinas foram gravadas ora em áudio, ora em vídeo, por um telefone celular.
Essas gravações também serviram para análise de dados, a partir de debates focalizados, junto
com uma entrevista semiestruturada (apêndice B), gravada com o mesmo aparelho, guiada por
um roteiro de questões preestabelecidas, mas com flexibilidade para inclusão de novas
questões no decorrer das falas dos participantes, aplicada na fase final. Para o estudo das falas
dos participantes, utilizamos a Análise de Discurso Crítica (ADC), que ajuda a compreender,
a partir da prática discursiva, as posições de sujeitos sociais, procurando contribuir na
mudança social, com base nas descobertas de sua análise (FAIRCLOUGH, 2001).
Por meio dos seus discursos, os sujeitos constroem suas identidades, estruturam
suas relações de poder e separam suas classes; cada grupo possui e participa de um lugar em
que enuncia e estabelece sua diferença com o outro. Essas diferenças são postas e analisadas
pela análise do discurso, que busca identificar os motivos e intervir em uma mudança social,
visando uma melhoria para aqueles que estão ocupando um lugar marginalizado na sociedade.
No primeiro encontro com a turma, obtivemos os conhecimentos, a respeito das
temáticas que iriam ser abordadas nas oficinas, por meio de um Grupo Focal. Um Grupo
Focal se caracteriza por um grupo de tamanho reduzido, tendo como propósito obter
informações de caráter qualitativo, constituíndo uma técnica de obtenção de dados e
98
O público que fez parte da pesquisa foi composto por estudantes de ensino médio
da E.E.M. Gonzaga Mota, localizada no Bairro São João, na Cidade de Quixadá-CE. A faixa
etária desses estudantes variou entre 15 e 18 anos de idade, alunos do 1º ao 3º anos do ensino
médio. O perfil geral desses sujeitos da pesquisa (tais como gênero, raça, etc.) será traçado no
capítulo seguinte, que aborda uma análise identitária.
Em julho de 2018, apresentamos a proposta das oficinas de TO, por escrito, para
os diretores e coordenadores, que deram apoio, aceitando a parceria. Em agosto de 2018,
começamos a elaborar os termos para serem enviados para a Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa (CONEP), exigida para esse tipo de pesquisa.
99
5.1.3 A escola
5.2.1 Oficina 1
1. Sexualidade;
2. Gênero;
3. Raça.
O que vocês esperam das oficinas?
3º momento – Joguexercício Caminhadas
Hipnotismo colombiano
4º momento – Relaxamento Exercício de relaxamento do corpo e
respiração.
5º momento – Atividade para casa Trazer exemplos de cenas do cotidiano escolar
que chamam a atenção dos alunos, cenas
reais, sobre preconceitos.
sobre Teatro? E o Teatro do Oprimido? O que vocês entendem sobre: Sexualidade; Gênero;
Raça. O que vocês esperam das oficinas?
A partir das perguntas direcionadas ao grupo focal, pudemos perceber a bagagem
de conhecimentos dos alunos sobre os temas abordados, observando que apenas um dos
participantes tinha vivenciado uma experiência com teatro, enquanto para os demais, este era
o primeiro contato. Soubemos que outro participante, por meio de vídeos na internet, possuía
um conhecimento prévio sobre sexualidade.
A maioria dos estudantes via o teatro como uma arte de extrapolação de
sentimentos, enxergando-o ligado às práticas sociais, mas nenhum deles ouviu falar antes do
TO. Dentre o esperado com as oficinas, os estudantes citaram perder a timidez, criar novas
amizades, entender mais sobre o teatro e sua história e conhecer um pouco mais sobre si
mesmos também.
Terminada a atividade, fomos para a pausa do lanche. Em todos os encontros,
proporcionamos um lanche para os participantes. Depois desse intervalo, fizemos o jogo de
caminhadas e algumas variantes:
Entre nossos exercícios diários, a maneira de andar torna-se mecanizada. Temos
um modo de andar que nos é cômodo e, quando saímos desse modo e exploramos outros,
sentimos um estranhamento. O objetivo desse jogo foi tomar consciência do corpo e sua
extensão, que é o social. Nesta série, ocupamos os espaços vazios que são desocupados
pelos outros e cada participante caminhou olhando um para o outro, compartilhando a
caminhada.
Os estudantes caminham pelo espaço estabelecido e ocupam os espaços vazios,
depois de um curto tempo, praticam alguns comandos durante a caminhada: ocupam os
espaços vazios; não andam em círculo; variação de andar rápido, lento e correndo, com os
seguintes comandos: quando eu bater uma palma: correr, duas palmas: parar, três palmas:
andar lentamente (câmera lenta). Variação: uma palma: pulinhos, estalar os dedos: imitar
um animal, assobio: correr. Variação: imitando animais: elefante, canário, lagarta.
Alguns pontos importantes desse jogo devem ser mencionados. Primeiro, a
importância de não andar em círculo, os estudantes devem ser incentivados a um objetivo:
avistar o espaço vazio e o ocupar, sem mecanizar sua caminhada em um círculo. A variação
da velocidade da caminhada proporciona certa percepção corporal. Ao andar em câmera
lenta, o estudante é levado a esticar bem seu corpo, ativando certos músculos a cada
estrutura muscular que se organiza.
103
Fonte: autor.
5.2.2 Oficina 2
Após este momento, passamos para outra parte teórica. Em círculo e sentados no
pátio, explanamos o básico sobre teoria musical: apresentamos as notas musicais, algumas
informações sobre partitura e explicamos um pouco sobre o pentagrama e as alturas das notas.
Logo depois, passamos para a prática musical, utilizando a música tradicional ―Banaha‖
(autoria desconhecida) (Anexo 2). Ensinamos a música, inicialmente tocando flauta e depois
cantando a letra e, após o intervalo, fizemos uma introdução sobre a Estética do Oprimido e
sobre o Teatro do oprimido. Em seguida, partimos para mais uma atividade prática, o
Mosquito africano:
Em pé e em círculo, orientamos que os jogadores imaginassem que sobre a
106
cabeça de alguns deles pousou um mosquito e os participantes que estão do lado esquerdo e
direito deveriam matar o mosquito com uma palma, ao mesmo tempo, em que o outro
participante abaixa para não ser atingido. Neste momento, o mosquito foge para a cabeça do
participante do lado esquerdo, que procede da mesma forma, assim, o mosquito passa de
cabeça em cabeça, as palmas produzem um ritmo. Este exercício trabalha a sintonia do
grupo, a sincronia e o aquecimento.
A atividade seguinte foi com o teatro imagem, na análise da foto com os corpos:
Nesta atividade, uma dupla de estudantes deram as mãos como num
cumprimento e paralisaram a imagem. Depois, os outros estudantes analisaram a postura da
dupla, incentivados com perguntas como: quem são as personagens na imagem? Algum
deles aparenta ser opressor ou oprimido?
Entre as leituras possíveis, os estudantes, ao analisar corpo e feições físicas,
observaram que poderia ser uma despedida ou um contrato entre empregado e patrão, assim
como o patrão representava o opressor, pelo olhar, por exemplo. Esta atividade incentivou
os estudantes a um olhar crítico sobre os corpos, identificados a partir da leitura corporal.
Depois deste exercício, o limite de tempo proposto já estava excedido, então não
deu tempo de recolher a atividade de casa, que ficou para a oficina seguinte.
Fonte: autor.
107
5.2.3 Oficina 3
Fonte: autor.
5.2.4 Oficina 4
sequência, cada um pegou um papel (se alguém pegasse seu próprio texto, deveria trocar por
outro), então, cada um performatizou o texto do outro que tinham em mãos.
Pedimos que analisassem os tons de cada texto, explicando sobre os tons dos
textos, tais como triste, alegre etc., podendo ser interpretados de várias maneiras; informando,
ainda, que poderiam, em uma primeira etapa, usar som e imagem do corpo, sem o uso de
palavras, e, na segunda, incluindo as palavras do texto.
Após a interpretação, os participantes apontaram quem eles acharam que produziu
o texto interpretado e por que, a partir das características do texto que o aproximavam de seu
autor. Por último, cada participante interpretou seu próprio texto. Esta atividade incentivou a
produção escrita, como também trabalhou com aspectos identitários, levando os estudantes a
uma autoanálise e à análise do outro.
Fonte: autor.
5.2.5 Oficina 5
Foto 5 – Performances
Fonte: autor.
5.2.6 Oficina 6
que não é feminismo e os mitos em volta dele; o feminismo como movimento social e como
teoria, trazendo, também, uma pesquisa sobre dados de violência contra a mulher, além da
menção aos aspectos culturais do machismo e como este ocorre na sociedade.
Posteriormente, fomos para a prática do primeiro joguexercício, o exercício
caminhada corpo e gênero. Na sequência, passamos para outra atividade, o joguexercício da
Máquina de ritmos:
Um dos participantes ocupou o centro da sala, imaginando que é uma peça de
uma máquina. A partir disso criou um som e movimento contínuos sobre o que imagina
representar a máquina. Esta máquina é temática, então, sob meu comando, inicialmente os
jogadores criaram uma máquina feminina: o participante começou o movimento e o som
com seu corpo, que representou uma peça dessa máquina, então, outro participante foi até o
centro e completou a máquina temática, como uma peça complementar, na sequência, foi
um participante de cada vez até que a máquina se completou e, então, trabalhamos variações
de velocidade, de rápida à lenta. Fizemos também a variação temática da máquina, depois
da máquina feminina, propusemos a máquina masculina, máquina do amor e máquina do
ódio. Na primeira máquina, os participantes representaram um salão de beleza; na segunda,
uma moto sendo guiada.
Este joguexercício operou com questões de união do grupo, pois propôs o
trabalho em equipe, em que todos formaram um. Também, a partir das temáticas, levou os
estudantes a pensarem em estruturas sociais as quais são fundadas certas categorias, como
pensaram em uma máquina feminina e diferenciaram de uma masculina e como e por que
esse padrão é construído.
Depois dos exercícios, propomos conversar sobre sua prática. Após esse momento
de diálogo, passamos a estudar e praticar uma nova música: tradicional ―Duba‖ (autoria
desconhecida). Fizemos, então, aquecimento da voz e exercícios de respiração.
112
Fonte: autor.
5.2.7 Oficina 7
Fonte: autor.
5.2.8 Oficina 8
Este exercício propôs, aos estudantes, pensarem nas suas condições corporais. A
gravidade nos mantém firmados na terra, a todo tempo, puxando-nos para ela, firmes e
enraizados. Este exercício também trabalhou a resistência corporal, uma vez que os
estudantes foram incentivados a pensar no esforço que é lutar contra a gravidade a partir do
cansaço que se instala quando ficamos por horas em pé ou quando caímos e nos
machucamos, entre outros exemplos.
Na primeira série, os participantes se apoiram em um de seus pés, com o outro pé
suspenso para a frente, até não aguentarem mais. Depois colocaram o pé para trás, sem que
o mesmo tocasse o chão, permanecendo por um tempo, fazendo, posteriormente, o mesmo
com o outro pé. A segunda série foi com o braço suspenso para a frente, permanecendo até
o seu limite, depois para trás, em seguida, com o outro braço. Terceira série com o tronco, e
quarta série com a cabeça.
A atividade seguinte foi o Vampiro de Estrasburgo:
Este joguexercício trabalhou a sensibilidade auditiva e a percepção do espaço.
Os participantes ficaram de olhos fechados, caminhando pelo espaço. Um deles
foi indicado para ser o vampiro, produzindo um som com a boca, ao mesmo tempo tentando
tocar o pescoço dos outros participantes, que fogem desse vampiro. O jogador que ia sendo
tocado pelo vampiro transformava-se instantaneamente também em vampiro, produzindo
seu som e, assim, tentando transformar os outros também. Quando um vampiro tocava o
pescoço de outro vampiro, esse era desvampirizado, produzindo um grito de alívio, para que
os outros entendessem que foi desvampirizado, recomeçando a fugir do vampiro.
Partimos para mais um joguexercício, o aperto de mãos:
Os jogadores, de olhos fechados, fizeram um círculo e deram as mãos,
incentivados a sentir as mãos dos colegas ao seu lado. Depois, conduzimos cada um para
um ponto da sala e, ainda de olhos fechados, procuraram as mãos que estavam segurando
anteriormente, mão esquerda e direita na posição inicial.
Este joguexercício trabalhou a sensibilidade do reconhecimento pelo toque e a
memorização de detalhes do corpo do outro. A questão de perceber o corpo do outro, de
perceber as pessoas que são corpos, mas também são mentes pensantes, e que esses estão
unidos.
115
Fonte: autor.
5.2.9 Oficina 9
Fonte: autor.
117
5.2.10 Oficina 10
perceberam que estão performando o tempo todo, até mesmo sem se dar conta disso.
Fonte: autor.
5.2.11 Oficina 11
Fonte: autor.
Este capítulo explora as falas dos sujeitos participantes desta pesquisa, nas
oficinas de TO, descritas no capítulo anterior, com base na concepção tridimensional do
discurso fairclouguiana (texto, prática discursiva, prática social) (FAIRCLOUGH, 2001). A
partir do texto obtido, analisamos os aspectos linguísticos do texto (vocabulário, gramática,
etc.). Na prática discursiva, os aspectos de interação do discurso, no processo de produção e
interpretação textual (produção, contexto, intertextualidade, etc.). Na prática social,
observamos questões de interesse na análise social (ideologia, hegemonia).
Por meio das oficinas, foi possível coletar um farto material discursivo a partir de
gravações em vídeos e áudios obtidos nas discussões teóricas e nos relatos das vivências dos
alunos, bem como nas entrevistas realizadas ao término das oficinas. Observamos o processo
de aprendizado dos estudantes a partir das discussões realizadas acerca de identidades de
sujeitos sociais, com enfoque em identidades de sexualidade, gênero e raça, ou seja, na
perspectiva interseccional. Para este intento, utilizamos o conceito de identidade do sujeito
pós-moderno (HALL, 2006) e a descoberta de si.
Utilizamos a abordagem da Análise de Discurso Crítica (ADC), de perspectiva
fairclouguiana (RAMALHO; RESENDE, 2006, 2011), (FAIRCLOUGH, 2001), pois ela
oferece valiosas contribuições no debate sobre as minorias sociais, uma vez que se preocupa
não só com a linguagem e seus usos, mas também com os problemas sociais que os envolvem
a partir das propriedades detalhadas dos textos, na avaliação entre mudança discursiva e
social.
Trata-se de uma proposta que, com amplo escopo de aplicação, constitui modelo
teórico-metodológico aberto ao tratamento de diversas práticas na vida social, capaz
de mapear relações entre os recursos linguísticos utilizados por atores sociais e
grupos de atores sociais e aspectos da rede de práticas em que a interação discursiva
se insere. Os conceitos centrais da disciplina são os de discurso e práticas sociais
(RESENDE, 2006, p. 11).
linguagem, que representam os sujeitos em sua ação discursiva, através da qual pensam
identidade, estabelecida socialmente pelo contato com o outro e com as variadas culturas
criadas. Dessa variedade cultural, a partir da qual os sujeitos são interpelados por vários
discursos, estes são negociados neste processo interativo, em que são representados pelos
sujeitos em sua posição discursiva e lugar de fala, criando as convicções dos conhecimentos
construídos pela própria sociedade, significando o mundo através das relações sociais
estabelecidas.
A prática discursiva contribui na constituição da sociedade, mostrando as
identidades sociais, as crenças, os sistemas de conhecimentos, as relações sociais e, ao mesmo
tempo, contribui para transformar esta mesma sociedade, visto que as posições dos sujeitos
estão sempre em constante negociação entre suas representações e convicções, pois a prática
social é composta por várias orientações, a saber: cultural, econômica, política ideológica,
estando o discurso implicado em todas elas.
Enquanto prática política, o discurso:
Os sujeitos sociais são marcados por momentos históricos e moldados nas suas
interrelações. Em momentos históricos diferentes, observamos diferentes modelos de sujeitos
com suas formas de pensamento, a exemplo das categorias de identidades de sujeitos citados
por Hall (2006): sujeito do iluminismo, sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. O
primeiro determinista e essencialista, o segundo interacionista e essencialista, e o último um
sujeito com identidades fragmentadas e plurais.
A identidade do sujeito pós-moderno, neste período atual em que vivemos, vem
sendo moldada com o avanço da globalização, da revolução da tecnologia da informação e
reestruturação do capitalismo, introduzindo uma sociedade em rede.
6.3 “O que aprendi com as oficinas”: uma análise dos processos identitários
1
Legitimação; Dissimulação; Unificação; Fragmentação; Reificação / Racionalização; Universalização;
Narrativização; Deslocamento; Eufemização; Tropo; Padronização; Simbolização da unidade; Diferenciação;
Expurgo do outro; Naturalização; Eternalização; Nominalização/Passivação (THOMPSON, 2002).
2
Análise dos textos, análise das práticas discursivas e análise das práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2001).
129
seriam debatidas e suas expectativas em relação às oficinas. Sobre este momento, registramos
a seguinte fala:
(1)
Eu espero liberdade para sermos quem nós realmente somos, a gente costuma
usar máscaras, é (...), a gente chega muito caladinho porque a gente queria falar
mais, mas a gente sempre tem aquele medo da pessoa sei lá olhar com você com
aquela cara de que a pessoa não tá falando o que eu queria ouvir. [...] A questão
do erro, de não errar eu acho que eu passei a minha vida toda praticamente até agora
me privando de participar, de me envolver em algumas coisas com medo de errar de
3
a pessoa dizer faz isso e eu errar (Angel).
A estudante inicia sua fala (1) expondo seu anseio de liberdade, na sentença
―sermos quem realmente somos‖, construindo duas identificações de sujeitos: o que se é e o
que se esconde. Nesta concepção, a estudante enxerga um sujeito essencial, considerando-o
estar detrás da máscara. Ela faz uma afirmação avaliativa a respeito do que considera sua
posição com o outro e sua forma de se posicionar com relação a esse outro. A avaliação é
―uma categoria em princípio identificacional, moldada por estilos, que diz respeito a
apreciações ou perspectivas do/a locutor/a, mais ou menos explícitas, sobre aspectos do
mundo, sobre o que considera bom ou ruim, ou o que deseja ou não, e assim por diante‖
(RAMALHO; RESENDE, 2011, p 119).
A partir de um conhecimento já adquirido sobre o que possivelmente poderíamos
abordar nas oficinas, a estudante tem uma ideia do que iríamos explanar, devido às temáticas
apresentadas e o gênero dramático. Na sentença destacada, a estudante usa uma posição de
sujeito, pois ―ser quem realmente é‖ remete a uma essência de sujeito, revelando pensar um
sujeito tal qual do iluminismo.
Na sentença ―a gente costuma usar máscaras‖, a estudante usa uma metáfora
conceitual, pela qual ―compreendemos aspectos de um conceito em termos de outro‖
(RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 146), no sentido de pensar mascarar personalidades ou
como um modo de esconder o sujeito que se autoidentifica.
Outro destaque é o modo que a participante introduz o olhar do outro sobre si com
uma negação, ―as frases negativas são frequentemente usadas com finalidades
polêmicas‖ (Fairclough 156), como na sentença: ―não tá falando o que eu queria ouvir‖,
temos uma pressuposição na qual a estudante julga saber o pensamento do outro sobre ela.
“Pressuposições são proposições que são tomadas pelo(a) produtor(a) do texto como já
estabelecidas ou 'dadas' (embora haja a questão sobre para quem elas são dadas) e há várias
3
Oficina 1, realizada no dia 9 de março de 2019.
130
(2)
Eu achei até mais divertido do que eu pensava que iria ser. Foi também muito mais
do que eu esperava para uma primeira aula, né?! Porque, geralmente, na primeira
aula a gente não aprende tanta coisa e como a gente já conhecia alguma das pessoas
(...) então a gente não teve tanta timidez quanto teria (...) com pessoas novas, mas
quem tem também, a gente pode ir quebrando isso com brincadeiras de bom
gosto, claro, com amizades que a gente traga que leve e conduza e sempre vai ser
bom e eu espero que isso continue para a gente poder aprender mais, poder
4
conversar mais também e sempre tenha acolhimento (Yuki).
(3)
Eu acho que nós todos, na verdade, não demonstramos abertamente, assim, às
outras pessoas quem somos. A gente não consegue demonstrar quem a gente é com
os outros. [...] Eu acho que é muito da pessoa, aquela questão de dizer (...) é difícil
falar da gente, porque há coisas que a gente nunca tocou em nós, há partes que a
gente nunca quis demonstrar, assim, pra gente mesmo, sabemos que é uma parte,
assim, delicada, assim, como nós mesmos não nos conhecemos, assim os outros
também não. (Angel). (oficina 3, dia 23 de março). [...] Tem pessoas que quer que
5
você mude algo, mas você mesmo não consegue porque é de você, é seu (Angel).
(4)
Eu acho que assim, o que você é, é o que você faz, o que você pensa, aquilo é o
que você é mesmo. [...] Eu prefiro que façam preconceito com eu do que com os
4
Oficina 1, realizada no dia 9 de março de 2019.
5
Oficina 6, realizada no dia 6 de abril de 2019.
131
outros, porque não é nem todo mundo que sabe lidar com preconceito, tem
6
gente que nem eu, gente que sabe (...) (Cassandra).
(5)
Teacher, eu poderia ter sido um terrorista. No 9º ano eu estava me descobrindo eu
já sabia que gostava de homem só que eu nunca pensei o porquê, eu sempre namorei
com garota eu sempre gostei de garoto aí depois (...) depois do 9º ano eu comecei a
ficar com um garoto, aí eu não me aceitava de jeito nenhum, aí eu comecei a
sofrer abuso fisicamente e com sequela aí eu fiquei com tanto ódio e eu fiquei com
vontade mesmo de matar; se eu tivesse uma arma, ainda pensei, sei lá, e fazer
7
uma tragédia, mas enfim, eu aprendi isso não é certo (Cassandra).
Na primeira fala (3), a aluna toca novamente na interrelação com o outro e como
se percebe em relação a esse outro, trazendo novamente uma noção de sujeito com essência,
quando diz ―não demonstramos abertamente às outras pessoas quem somos‖. Utilizando uma
unificação na sentença em ―nós todos‖. A Unificação
6
Oficina 6, realizada no dia 6 de abril de 2019.
7
Oficina 6, realizada no dia 6 de abril de 2019.
132
―tem gente que nem eu, gente que sabe‖, trazendo um eufemismo, no qual coloca um evento
triste como suportável. ―Na eufemização, ações, instituições ou relações sociais são
representadas de modo que desperte uma valorização positiva, ofuscando pontos de
instabilidade‖ (RAMALHO; RESENDE, 2006, p. 51).
Na fala seguinte de Cassandra (5), faz uma avaliação, na qual coloca que poderia
ter sido um ―terrorista‖ pelas condições por que passou. Em seu relato, o estudante descreve
sua descoberta de identidade sexual, colocando uma posição de sujeito e uma negação desse
sujeito, quando expõe que não se aceitava. Usa o discurso indireto livre com uma forma
intertextual de sua lembrança de pensamento passado e a conjunção adversativa ―mas‖ como
extensão, na qual ―uma oração expande o significado de outra introduzindo algo novo‖
(RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 122), como um elemento coesivo, que introduz uma
posição de sujeito na sequência: ―aprendi que isso não é certo‖.
(6)
Porque uma máquina feminina fica uma coisa muito difícil, por exemplo, ela usou
como se fosse um salão né?! Um cabelo essas coisas, mas, tipo assim, cada um
ficava sem saber o que fazer, não ficava fazendo aquilo. A masculina a gente já
8
pegou o ritmo uma moto (Yuki).
(7)
Não é também que a pessoa associa à masculina, é que a primeira coisa que vem à
nossa mente, é a sociedade, tipo, homem anda de carro, mulher não pode andar
de carro por questões financeiras, então, é tipo assim, já vem à nossa mente é
uma moto, você sempre vê muito em comum você vê uma garota em uma moto
assim (Biz), agora você percebe o rapaz numa Bros assim na moto bem mais...
9
(Angel).
8
Oficina 6, realizada no dia 13 de abril de 2019.
9
Oficina 6, realizada no dia 13 de abril de 2019.
133
o vocabulário que foi associado ao masculino foi ―moto‖, os estudantes relataram que moto
está associado à ideia de posse (bem material) e liberdade (poder ir onde quiser).
O segundo relato (7) é introduzido com uma negação e logo depois uma
contradição, quando diz que não é uma ―associação‖ que se faz ao pensar referência
masculina e feminina, mas que é a primeira coisa que vem à mente. Observa-se uma
reificação de naturalização, ―reificação, por meio do qual uma situação transitória é
representada como permanente, ocultando seu caráter sócio-histórico‖ (RAMALHO;
RESENDE, 2006, p. 51), e a situação é vista como natural pela sociedade. Observe-se que a
estudante não concorda com este modo hegemônico de dominação do homem sobre a mulher
e de objetos específicos para homem e para mulher, mas reproduz esse discurso e prática
(como vimos na máquina rítmica), pois é uma forma naturalizada na sociedade. Seu discurso
se apresenta como indireto livre, em que o pensamento da reificação do discurso do outro é
introduzida, trazendo a interdiscursividade intertextual.
A partir do joguexercício teatral, levamos os estudantes a pensarem questões de
gênero e como as diferenças são criadas a partir de uma hegemonia, de dominação masculina,
observada na sentença ―é a sociedade‖, referindo-se a como os sujeitos são moldados por ela.
Os relatos dos estudantes vão ao encontro das teorias debatidas nos capítulos teóricos deste
trabalho e estudadas pelos participantes durante as oficinas, as falas anteriores estavam
fundamentadas nas teorias sobre gênero. Percebemos, por algumas contradições expressadas
nessas falas, que o processo de aprendizado é vivenciado aos poucos e as desconstruções de
preconceitos vão se dando lentamente, com as vivências e estudos.
Na penúltima oficina, praticamos um joguexercício ligado ao teatro fórum, O
canto da sereia e, a partir dele, selecionamos alguns discursos sobre algumas opressões
vivenciadas pelos participantes:
(8)
Bom eu estava no ensino fundamental 2, no Municipal, no nono ano e lembro que
eu tava me descobrindo e eu não me aceitava que eu gostava de garotos e não de
garotas, eu era meio brincalhão e os meninos sempre estranhou, ficava falando
besteira tudo mais e eu era muito inocente, não tinha conhecimento, não sabia
me defender e nesse dia, dentro da sala, um aluno de outra sala chegou na minha
sala, eu não estava esperando e ele me bateu e eu chorei, só que a professora estava
perto e falou com os pais dele, então, eu pensei que não ia adiantar de nada,
então esqueci, pensava que era só uma agressão mas era o sentimento. [...] Agora
não teve impacto na minha vida, mas no momento que aconteceu tive depressão
10
(Cassandra).
10
Oficina 11, realizada no dia 1 de junho de 2019.
134
Neste relato (8), o estudante aciona uma construção de identificação ―eu tava me
descobrindo‖ enquanto homossexual. Destaca-se uma opressão de origem homofóbica
vivenciada pelo participante Cassandra. O segundo destaque à identificação que o sujeito faz
de quando era criança é de ―inocente‖, ―sem conhecimento‖ e ―que não sabia se defender‖.
Em outro destaque na fala ―pensei que não ia adiantar nada‖ temos uma reificação por
naturalização em que se coloca algo institucionalizado, que acontece com todos. Na
sequência ―então esqueci, pensava que era só uma agressão‖, temos uma dissimulação por
eufemização, quando tenta amenizar a carga negativa da agressão utilizando a palavra
―apenas‖. Na dissimulação, relações de dominação são ocultadas, negadas ou obscurecidas, e
a estratégia de construção simbólica da eufemização a descrição é feita com o valor positivo,
tentando disfarçar a carga negativa existente.
Na sentença ―agora não teve impacto na minha vida, mas no momento que
aconteceu, tive depressão‖, temos uma avaliação afetiva, que são ―afirmações com processos
mentais afetivos, que envolvem eventos psicológicos, como reflexões, sentimentos e
percepções‖ (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 120). Nesta fala, ao relembrar uma opressão,
o estudante relatou uma questão ligada à sexualidade, que foi ponto de discussão durante as
oficinas. Em seu relato, aponta momentos vividos que foram dolorosos e ao mesmo tempo
demonstra que o processo pelo qual passou o foi moldando enquanto o descobrimento da
identidade homossexual, quando fala ―eu não aceitava que eu gostava de garotos‖, e com o
tempo foi entendendo os motivos que o levava a gostar. Em seu relato, o estudante mostra que
conseguiu superar os momentos de depressão causados pela homofobia e aponta um
autoconhecimento.
Depois de apresentar sua cena, observamos o relato da participante Angel:
(9)
Eu tô achando que eu fiz foi uma briga, o meu pai está com a minha mãe, tipo, ela
bebia, é uma outra cena, eles estavam no quintal de casa pedindo para botar uma
música, na hora que ela foi mudar, ele já chegou espancando ela. Ela caiu embaixo
da mesa começou a sangrar no canto da boca e ele começou a bater, entrou pela
cozinha, saiu derrubando e quebrando prato e dá nela, eu era muito nova, muito
pequena, eu fiquei no canto da parede olhando tudo, meu padrinho chegou não
chore, compadre para com isso, você vai matar a sua mulher, olha sua esposa, sua
filha aí, só acabou depois que ele apagou, do nada, e dormiu, aí minha mãe ficou
horas e horas. Você tá lá na calçada, sem dormir esperando aquela... aquele
acontecimento tinha acabado de acontecer, baixar mais a cabeça dela entendeu
porque isso tudo... Teve um dia também que ele enfiou a mão dele e o dedo veio
até a garganta dela, foi para o hospital e disse que foi uma queda de bicicleta,
que tinha entrado na boca dela e isso prejudicou muito ela, ficou com danos na
cabeça, criou um cisto e a perna dela porque ficava uma grandona e outra baixa
135
porque cresceu osso da bacia e enorme e ela gritava com muita dor tem sim...
11
(Angel).
A estudante usa o discurso indireto livre (9), a partir do vocábulo ―está‖, para
evocar detalhes do passado que aconteceram, relatos de agressão que o seu pai praticava
contra a sua mãe, e também na fala de destaque do seu padrinho. No outro destaque da fala,
observamos uma dissimulação por ofuscação da verdade quando há um deslocamento da
verdade, quando inventa que a agressão foi uma queda de bicicleta. Observamos uma
sujeição pela qual passou a sua mãe. Situações como essas na sociedade costumam ser
tratadas como reificação de naturalização e dissimuladas como, por exemplo, no tropo
―briga de marido e mulher, ninguém mete a colher‖. Nas oficinas, combatemos fortemente
tipos de frases como essas, trabalhando a criticidade discursiva.
Mais uma vez observamos um relato em que as tensões do gênero são mostradas,
a estudante relata um caso muito corriqueiro na sociedade, mas que é crime que poderia ser
enquadrado por Lei (Lei Maria da Penha), mas, que neste caso, o sujeito oprimido (mulher,
mãe) é silenciado por fatores hegemônicos masculinos.
O próximo relato selecionado é da estudante Joana, abordando a auto-opressão:
(10)
Eu passei por uma depressão, eu sempre tive um probleminha que eu sempre fui
meu opressor, eu sempre joguei muito com relação ao meu corpo, então a maior
lembrança que eu tenho mais recente, ultimamente eu não tenho muito, tipo, claro
que tem vezes que eu me pego pensando nisso, até porque as pessoas comentam,
né, e daí a gente pensa um pouco e vai reparar, mas normalmente eu nem ligo
mais. [...] Sim, as outras pessoas falavam, as pessoas falavam, mas normalmente
elas falavam bem, mas eu fazer isso porque saber se eu não fizesse alguém
falava negativamente, então eu tinha esse medo e aí eu fazia para não passasse
por isso, mas eu fazendo isso eu me sentia pior, só que eu não acho que eu tô, sei lá,
12
melhor sei lá (Joana).
Nesta fala (10), a estudante faz uma avaliação afetiva e uma pressuposição,
observando que as pessoas comentam e, ao mesmo tempo, apresenta uma contradição
quando coloca que as pessoas falavam coisas positivas, a conjunção adversativa ―mas‖
aparece numa nova contradição de pensamento, pois em seu entendimento para não sofrer
pelo outro, era necessário sofrer por si mesma. A identificação da estudante constrói-se,
nesse caso, como auto-opressora: ―eu sempre fui meu opressor‖ e, com relação ao outro, faz a
construção de um inimigo.
11
Oficina 11, realizada no dia 1 de junho de 2019.
12
Oficina 11, realizada no dia 1 de junho de 2019.
136
(11)
Foi uma experiência muito boa, porque, tipo assim, você vê o problema do
oprimido e você vê também uma solução de como você faria diferente do que
você fez, então aí você vê se é essa maneira que você reagiu é certa, aí você
aprende alguma coisa é só isso mesmo, mas foi uma experiência bem legal, eu
gostei, foi fácil, foi facílimo. Senti vergonha de atuar. [...] Quando ele me bateu
não doeu, mas senti vergonha de mostrar para vocês. Eu tava com vergonha de
mostrar para vocês o que aconteceu comigo, porque para mim foi uma coisa
vergonhosa, eu acho que aconteceu porque não era para ter acontecido, eu sou um
ser humano como ele, então nunca esperei isso acontecer. Eu só tava com vergonha
13
de mostrar o que houve para você, pesado (Cassandra).
13
Oficina 11, realizada no dia 1 de junho de 2019.
137
(12)
Sim, aprendi sobre a história em si do teatro sobre especificações do teatro e da
gente em si, que a gente mudou muito no decorrer da oficina e também as
pessoas que a gente pensava que não ia se aproximar tanto e a gente se aproximou
muito, foi um grupo muito bom. [...] Foi assim um banquete de conhecimento, por
que a gente tinha um conhecimento, mas era mais leigo, aquela coisa mais por
cima, aí eles foram se aprofundando, mostrando pra gente, aí a história e tudo,
sempre foi dando mais informações pra gente, sempre muito bom. [...] Eu acho que
de modo geral eu posso dizer que foi uma das melhores experiências que eu já
tive, que eu fiz assim por conta própria, que eu quis fazer e que foi mais do que eu
esperava, superou muito as expectativas e foi muito bom ate pelas amizades pelas
pessoas que a gente conheceu, pelas barreiras que a gente quebrou principalmente de
falar em público, ajudou em tudo, em se relacionar, compreender você,
compreender seu sentimento, compreender tudo e deixar você de um modo,
assim, um pouco mais crítico, em relação à sociedade sobre ter mais atenção essas
coisas e simplesmente foi maravilhoso todo o período que a gente passou nas
14
oficinas (Yuki).
14
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
138
participante alega que foi uma de suas melhores experiências, colocando o projeto em grande
escala de importância. No destaque seguinte, observamos uma avaliação de sujeito de
compreensão, identificado como sujeito crítico, que a partir das vivências e debates nas
oficinas, compreendeu mais sobre si, num processo autoidentitário.
A próxima fala é da aluna Joana:
(13)
Eu achei interessante a parte que você ressaltou de que o teatro ia falar mais da
questão das raças, da sexualidade e também da questão do preconceito, isso foi
o que me chamou mais atenção. Por ser teatro em si já tinha chamado minha
atenção porque eu gosto de teatro, mas o complemento disso aí que eu decidi que eu
queria vir. [...] Com certeza. Principalmente nas palestras né que a gente aprende a
como lidar com as pessoas é... questão do preconceito que a gente aprende que
todos nós temos o preconceito que a gente muitas vezes diz que não, né?! Que
não tem preconceito nenhum, mas que a gente tem esse preconceito e a gente tem
que quebrar esse preconceito que foi uma coisa que eu aprendi que eu não sabia
disso e entre muitas outras coisas. Mais as experiências com os meninos também.
[...] Aqui eu consegui me abrir mais sobre a minha sexualidade, porque mesmo
que eu já tendo consciência de que eu era, mas eu não me abria tanto. Aqui eu já
consegui me abrir mais, sei lá, falar pras pessoas, eu tinha muito receio de falar pras
pessoas que eu era, que eu era lésbica e agora eu não tenho mais esse receio e
15
também questão de socialização, essas coisas nesse sentido (Joana).
Ao ser indagada por que se interessou pelo projeto, a estudante relata (13) que foi
devido à temática quando o projeto foi apresentado, temos então uma pressuposição que fez
com que ela se interessasse para se inscrever nas oficinas. Todos os participantes se
mostraram interessados também nos debates teóricos sobre as categorias sociais abordadas,
enxergando-se e identificando-se com elas, e mesmo aprendendo o respeito às diferenças,
quando, não se identificando com algumas das minorias, buscava entender mais sobre elas
para compreender o lugar de fala e de luta de cada um, para somar na luta.
Em outro destaque, observamos que a estudante faz afirmação do aprendizado a
partir do conhecimento do outro, quando afirma que aprende a lidar com esse outro, há
também um reconhecimento de que todos nós temos tipos de preconceitos imbuídos, seguido
do marcador interlocutivo de concordância ―né‖, totalizando o sentido, trazendo uma
simbolização da unidade. O uso do aditivo ―mais‖ marcando o aumento de conhecimento e
mostrando que o saber foi cumulativo.
O uso do adverbio de lugar ―aqui‖ marca o local do aprendizado (aprendeu a
partir das oficinas), seguido pela afirmação que aprendeu sobre sua sexualidade, marcada
pela partícula ―mais‖, que revela um maior aprofundamento no assunto; a aluna já se afirmava
lésbica, aprendendo mais sobre teorias de estudos LGBT+ depois das oficinas. Temos uma
15
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
139
(14)
Aprendi, assim, a pensar mais no problema, aprendi como resolver de uma
forma melhor, aprendi um pouco mais de concentração nas coisas, objetivo, e é
isso. [...] Aprendi porque, assim, aprendi que essas minorias são muito
desvalorizadas entre a sociedade e que o teatro é uma forma de mostrar, de tentar
resolver esse problema na sociedade. A gente quer dar uma visão mostrar uma
visão diferente do que as pessoas veem e eu aprendi que a minoria tem que ser
mais valorizada e que quando veio aquelas apresentações aquelas mulheres vieram
aqui eu aprendi mais ainda o que é que eu sou. [...] Eu gostei muito porque eu
aprendi coisas novas, e coisas que eu não entendia que eu não sabia né que eu ainda
tinha dúvidas e assim o teatro ele está me ajudando bastante aprender a observar e
não só falar porque como diz o ditado sábio é aquele que escuta né, ou seja, está
sendo muito bom para minha vida eu estou deixando de estar mais em casa sem
fazer nada deixando de estar engordando deitado dormindo para estar aqui
16
aprendendo uma coisa nova e é isso (Cassandra).
é a combinação da voz de quem pronuncia um enunciado com outras vozes que lhe
são articuladas. Essas vozes podem ser articuladas não apenas em discurso direto,
quando se atualizam as palavras exatas do texto anterior, mas também em discurso
indireto, parafraseando, resumindo, ecoando (RAMALHO;RESENDE, 2011, p.
134).
16
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
140
(15)
O que eu gostei muito, assim, é que eu comecei a me expressar melhor com
teatro, ele me ensinou bastante coisa. A questão do meu corpo a questão da
minha mente também, o fato de eu ser mais social com as pessoas, ser mais
associável, me aproximar mais de todas as maneiras com elas. [...] Levei para o
meu pessoal também e ajudou a me compreender melhor, a questão da minha
cor, a minha sexualidade, tudo isso incluindo a mim assim. [...] Eu aprendi com
tudo isso a controlar mais as minhas emoções por que tinham coisas que a gente
ficava muito emocionada, tinha que tocar em assuntos bem delicados, é , da nossa
vida particular, enfim, eu vou levar também muito para minha vida pessoal aqui do
teatro, porque eu vou aprender a como lidar melhor com as pessoas, entender
melhor, tentar entendê-las da forma real que elas são, é isso que eu vou levar para
minha vida, eu vou levar ele é esse para minha vida (o teatro). Tá, eu não vou agir
como uma atriz com as pessoas, porque eu sou bem exagerado dá certo. Eu
gosto de aprender e eu gosto de pôr em prática eu sempre vou tentar testar as
pessoas não por um lado ruim sempre com o lado bom, Claro. Foi muito
importante, assim, eu gostei porque eu sempre tive um sonho de fazer teatro, mas
eu nunca imaginaria que surgisse uma oportunidade um convite, então eu
fiquei muito feliz porque apareceu, eu fiquei muito eufórica, assim, nossa eu vou
17
participar do teatro, então foi muito bom a experiência (Angel).
17
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
141
(16)
Aprendi sobre a minha identidade social, né? Aprendi demais, né, que é como eu
me identifico em relação à sociedade, né, de várias instâncias. Como eu me
identifico, né, na sociedade? Meu lugar na sociedade. Por eu ser Branco, meu
lugar na sociedade é, o que as pessoas acham, né, é que eu devo entrar na
faculdade, devo ser mais alto escalão, mas essa não é minha realidade. Eu tenho
que estudar para isso, eu tenho que... Minha realidade que eu me identifico como
pobre, porque toda minha família já vem dessa, dessa como é que eu posso dizer ?!
dessa classe social e essa é minha realidade. Porque no caso por eu ter a pele mais
clara eu tenho vários privilégios com relação ao social, né, com relação à
sociedade até nos locais onde eu mesmo vou o privilégio é claro. [...] Sem dúvida,
mudou totalmente, porque antes até eu mesmo gostava sempre de brincar só
que eu passei a ver que esse tipo de brincadeira é totalmente errada, a gente
18
pode brincar de outra forma (Christian).
18
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
142
(17)
Eu comecei para primeiro tirar um pouco da vergonha, da timidez que eu
tenho uma timidez grande e segundo chamou a muita atenção é que para algumas
pessoas é muito tabu, é um assunto que muitas pessoas ainda hoje, em pleno 2019 o
povo pega para a pessoa inicia com uma conversa aí a pessoa, tipo, ignora, pega,
cala e fica fechado, que para algumas pessoas ainda hoje em dia tem a cabeça
muito, mas muito fechada. Aí eu queria para aprender mais poder participar mais
desse assunto para abordar que era um assunto que eu me interessei bastante por
questão do preconceito que ainda sofrem. [...] Eu adorei bastante tudo é sobre a
questão que a gente tem que ter voz sim devemos lutar pelos nossos sonhos,
apesar de ter o medo de ter o ódio pregado sobre nós, nós devemos mostrar que
nós todos somos humanos nós todos choramos sofremos que a gente não é uma
aberração por ser de cor diferente por ser de raça diferente ou sexualidade
diferente ou gênero diferente, todos nós somos humanos pessoas, devemos ser
ouvido e escutada, pois todos nós queremos respeito então precisamos dar respeito a
19
todos, é por isso que eu decidi participar do Teatro do oprimido (Kuller).
19
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
143
novamente há uma unificação e depois a palavra ―então‖, usado como uma avaliação
condicional do respeito.
20
Observação 1: as identidades estão postas tal qual os participantes escreveram no questionário.
21
Observação 2: todos (as) participantes são Cisgênero.
144
Tabela 2 – Autoavaliação 2
Alunos Sexualidade Gênero Raça
Yuki Bissexual Feminino Negra –
Porém de pele mais clara
Kuller Homossexual Masculino Pardo
Christian Heterossexual Masculino Branco
Cassandra Homossexual e Drag Masculino Indígena
Queen
Angel Heterossexual Feminino Branca
Joana Homossexual (Lésbica) Feminino Indecisa
Fonte: autor
Tabela 3 – Autoavaliação 3
Alunos Sexualidade Gênero Raça
Yuki
Kuller Pansexual Masculino Negro
Christian
Cassandra
Angel
Joana Homossexual (Lésbica) Feminino Negra. NEGRA!
Fonte: autor
(18)
É a minha mãe é negra e o meu pai é branco e [...] quer dizer eu não sei, na
minha ficha tava pardo, mas eu não sei definir. Que eu tô em dúvida eu não tenho
certeza. Eu mudei porque eu vi essa informação recentemente e eu fiquei, tipo,
sem saber. [...] Bom e a parte do pai que é branca a maioria é racista...
22
(Kuller).
Para justificar a dúvida sobre sua autodenominação racial, Kuller inicia (18) com
uma afirmação de qual é a raça de seus pais, uma fragmentação de diferenciação,
colocando-se no meio termo, entre negro e branco. Afirma que em seu documento oficial de
certidão de nascimento consta como ―pardo‖, utilizando a conjunção adversativa ―mas‖
reafirmando sua dúvida sobre o que sua certidão de nascimento propõe.
O estudante fala que mudou a informação de autodeclaração racial na segunda vez
que preencheu o formulário, porque se deparou com a informação anterior, usando o
marcador de tempo ―recentemente‖ para localizar o ―quando‖ da mudança. Por último, nos é
dada uma informação relevante ―a parte do meu pai é branca, a maioria é racista‖, temos
novamente a fragmentação da parte da família de seu pai e de sua mãe, com uma
representação de atores sociais da família da parte do pai como ―racistas‖.
Depois de sua explanação, revisamos alguns dos conceitos trabalhados pela
convidada Helen Andrade, no dia da palestra voltada à raça, tais como a explicação do termo
pardo, entre outras questões. Por fim, o estudante voltou a se autodeclarar negro, lamentando
não ter participado do dia da palestra sobre raça e negritude.
Nesta referida palestra, em que foi debatido questões identitárias de raça, a
convidada indagou como os estudantes se definiam racialmente e como percebiam sua
identidade social a partir do seu lugar de habitação. Com relação ao lugar onde moram, os
estudantes, em peso, relataram que não acreditavam que o lugar onde moravam era periférico.
Depois de debatermos sobre o que seria esse periférico e como se caracteriza o bairro São
João, os estudantes concordaram que sim, é um bairro periférico. Com esse diálogo,
percebemos uma relação de dissimulação por deslocamento, em que aconteceu ofuscação da
realidade vivida, com uma recontextualização de termos, deslocando conotações positivas e
negativas.
A questão da construção identitária fica nítida até mesmo quando pedimos que
cada participante escolhesse um nome fictício para uso nesta pesquisa. Os nomes escolhidos
estão relacionados a culturas que são por eles consumidas. Yuki é fã da cultura japonesa,
consumidora de animes e K-pop; Kuller, Angel e Christian mostram-se mais consumidores de
22
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
146
uma cultura norteamericanizada; Joana passa por um processo de se descobrir negra, usando
um nome usual no Brasil e Cassandra é uma Drag Queen construída como Cigana.
A seguir, selecionamos a fala da entrevistada Joana, sobre sua autoidentificação
racial:
(19)
Eu tô me encontrando ainda. Minha mãe colocou que eu era amarela, então eu
23
falei „Ah então tá bom!‟ Eu fico me perguntando o que é que eu sou (Joana).
(20)
Joana – me surgiu essa dúvida maior quando a menina veio dar a palestra, porque
eu fiquei pensando “será que eu sou negra?” e daí eu fiquei com aquela dúvida
maior, porque a minha avó paterna ela é branca, ela é branca dos olhos claros, mas
em compensação o meu avô ele já tem a pele bem escura de pele e ele é negro, então
ai eu fiquei, eu fiquei assim ó, confusa (risos) ... pausa... ai e agora o que é que eu
vou escolher? (risos) num é nem isso né?! E eu tenho medo de colocar que eu sou
negra, eu tenho esse medo, será que eu sou, será que num vão me julgar,
entendeu?! (pausa)... Por isso que eu nunca coloco, tipo eu já coloquei que eu sou
tudo mesmo sem saber, mas eu acho que como eu sei, eu tenho um certo receio,
num sei o que é que acontece comigo (risos). [...] Porque é assim eu acho que é
algo que eu me identifico, porém é algo que eu tenho medo por conta do que os
outros falam né? Porque eu não acho que ninguém vai olhar pra mim e dizer
24
que sou negra então eu tenho muito medo disso (Joana).
23
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
24
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
147
que ninguém vai olhar pra mim e dizer que sou negra‖. Assim, generaliza ao pensar que
todos a enxergam dessa determinada maneira, descrevendo esses atores sociais como
antagonistas.
Referente à sua identificação relacional, esta aparece dependente das relações
sociais desse outro. Por fim, depois do diálogo, a estudante se autodenominou negra,
enfatizando isso em sua escrita no formulário em letras garrafais.
Nestas últimas falas selecionadas, observamos questões relacionadas à categoria
raça, estudada com os participantes das oficinas, juntamente com os outros grupos
interseccionais trabalhados aqui. A construção de identidade dessa categoria foi trabalhada
com os estudantes de forma teórica, conforme material mostrado nos capítulos teóricos e
também por meio da prática do teatro.
O processo de construção de identidades é contínuo, a autoafirmação é feita,
depois desfeita e feita novamente. Isso passa pela questão do conhecimento do assunto, ou
seja, eu só sei quem sou em referência ao outro e os objetos que definimos e isso passa por
um processo histórico e social de vivências e conhecimentos.
A partir da análise das falas dos alunos, pudemos demonstrar o processo de
aprendizado pelo qual todos no grupo passaram, em contato com a teoria sobre identidade e
minorias sociais e da arte do teatro. Obtivemos um resultado positivo, posto que a realização
das oficinas se deu de maneira produtiva, participativa e coletiva, usando o teatro para o
debate de minorias sociais, de conhecimentos de identidades sociais e a prática desses sujeitos
no ambiente escolar, observando, a partir da criticidade sobre os temas abordados, as
estruturas sociais de poder que são sustentadas por uma hegemonia, e assim, cada participante
pode ser ponto de contra-hegemonia, na luta por direitos e autoconhecimento.
Tivemos um grupo unido e coeso, aberto ao aprendizado de novos conceitos, ao
autoconhecimento. Um grupo que não teve medo ou vergonha de tirar suas dúvidas sobre os
assuntos abordados e que, unidos pelo teatro, abraçaram o TO enquanto abordagem de
aprendizagem. Uma equipe que teve em comum a escola, o bairro e as intersecções de
sexualidade, gênero e raça. Nem todos faziam parte das mesmas categorias, mas fazendo parte
em pelo menos uma delas. Debatemos e ponderam o respeito às diferenças e igualdades, o
reconhecimento de privilégios que determinados sujeitos têm sobre outros e a busca por
entender as identidades, tudo isso por meio da arte do teatro, resultados conquistados com a
pesquisa.
148
7 CONCLUSÃO
Este trabalho foi fruto de uma pesquisa-ação, apoiada na arte do teatro e nas
discussões sobre minorias sociais; mais especificamente, com o Teatro do Oprimido, de
Augusto Boal. Como metodologia para o trabalho com as minorias sociais, fizemos um
recorte de três categorias, a saber: Sexualidade, Gênero e Raça, sob uma perspectiva
interseccional.
O objetivo principal da pesquisa foi propor uma atividade de intervenção junto a
estudantes de ensino médio de uma escola situada em um bairro periférico na cidade de
Quixadá-CE; Escola Gonzaga Mota, no Bairro São João. A intervenção ocorreu por meio de
oficinas de Teatro do Oprimido e a partir de reflexões acerca das categorias sexualidade,
gênero e raça, interseccionalizadas e situadas no âmbito escolar. A partir disso, propusemos
debates para desconstrução de preconceitos em sala de aula e de descoberta de identidades
sociais.
Para atingir tais objetivos, inicialmente, apoiamo-nos em materiais teóricos e
críticos acerca das minorias sociais apontadas, e também em estudos sobre educação e escola
nos contextos político e social. Apropriamo-nos ainda nas teorias do Teatro do Oprimido,
para a elaboração e execução da parte prática da pesquisa e, para a análise do processo,
utilizamos a Análise de Discurso Crítica, de perspectiva fairclouguiana.
A importância da pesquisa se mostrou de forma teórica, metodológica e prática.
Em primeiro lugar, o debate teórico sobre sexualidade, gênero e raça é tema muito caro em
nosso atual momento político, ou melhor, em toda a história de nosso país, criado sob mitos
fundantes, sustentado por um sistema patriarcal, racista, misógino e hipócrita em relação à
sexualidade, raça e gênero, entre outras categorias.
Em segundo lugar, o processo metodológico da pesquisa testou e aprovou um
teatro que já vem sendo utilizado tanto no Brasil, quanto em outros países, de forma adaptada
a cada situação e público social. Consideramos relevante a especificidade de cada grupo, em
que há atualização desse teatro em cada momento histórico, pois o modo de fazer teatro que
mostramos aqui não é o mesmo dos anos de 1960 ou 1990. As práticas teatrais se adequam às
vivências políticas e sociais de cada grupo, desta maneira, atualizando-se.
As perspectivas de estudo com o TO são várias e, nesse sentido, abordamos o TO
na escola, trazendo discussões importantes sobre este gênero. Observamos que, em geral, não
há uma valorização do gênero teatro nem de sua prática na escola. Com isso, buscamos
149
categorias aqui estudadas e os preconceitos que fui desconstruindo à medida que aprendia
sobre essas categorias.
Ainda me vejo nesses estudantes, pois depois de compartilhar conhecimentos e
teorias com eles, percebi mudança. Ao mesmo tempo que eu ensinava, aprendia com eles,
num processo de troca de conhecimento, fomentando acumulo de experiências que
proporcionou a mim e a eles uma nova percepção do ―EU‖, de uma identidade.
Este processo de conhecimento não acaba quando termina. O processo de
conhecimento deste grupo apenas começou, portanto, sigamos!
151
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 2. ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro,
1967.
BOAL, Augusto. 200 exercícios e jogos para o ator e não-ator com vontade de dizer algo
através do teatro. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
______. Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1991.
______. Jogos para atores e não-atores. 14. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
BOSI, Alfredo. Céu, inferno: ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo: Editora 34,
2003.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. 11. ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 jan. 2003. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 3 mar. 2018.
______. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir e prevenir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição
Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher,
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e
de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre
a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece
medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 ago. 2016. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 30
maio 2019.
______. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades
federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 ago. 2012. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm. Acesso em: 15
ago. 2018.
______. Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das
vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos
públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas,
das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 9 jun. 2014. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12990.htm. Acesso em:
12 ago. 2018.
______. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7
de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância
qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para
incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9
mar. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13104.htm. Acesso em: 31 maio 2019.
______. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3
de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de
adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13
jul. 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em: 22 jun. 2019.
______. Ministério de Educaçao e Cultura. LDB: Lei das diretrizes e bases da educação
nacional. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017. 58 p.
CEBULSKI, Márcia Cristina. Introdução à história do teatro: Dos gregos aos nossos dias.
Paraná: UNICENTRO, 2012.
COSTA, Lucas Piter Alves. A ADC faircloughiana: concepções e reflexões. Linguagem, São
Carlos, v. 1, n. 20, p. 1-5, jan./jun. 2012.
DIAS, José Carlos; CAVALCANTI FILHO, José Paulo; KEHL, Maria Rita; et al. Relatório:
Comissão Nacional da Verdade. [s.l.]: [s.n.], 2014. Disponível em:
https://repositorio.usp.br/item/002707634. Acesso em: 18 fev. 2019.
ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Biografia Augusto Boal. São
Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa4332/augusto-boal. Acesso em: 21 Jan. 2019.
EUROPE, Transgender. Already 100 reported murders of trans people in 2016 [Press release].
2016. In: QUEIROGA, Louise. Brasil segue no primeiro lugar no raning de assassinatos de
transexuais. O Globo, Rio de Janeiro, 16 nov. 2018. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/sociedade/brasil-segue-no-primeiro-lugar-do-ranking-de-
assassinatos-de-transexuais-23234780. Acesso em: 14 nov. 2018.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 66. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra,
2018.
GALLI, Victório. Projeto de Decreto Lagislativo 639 de 2017. Susta a Resolução nº 175, de
14 de maio de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, que "dispõe sobre a habilitação,
celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas
de mesmo sexo". Brasília: Câmara dos Deputados, 2017. Disponível em:
https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2132541.
Acesso em: 20 maio 2019.
GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo. (Orgs.). Métodos de pesquisa. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2009.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
GOMES, Maria Elasir S.; BARBOSA, Eduardo F. A técnica de grupos focais para obtenção
de dados qualitativos. Revista Educativa, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 1-7, jan. 1999.
GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais
no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Educação Anti-racista: caminhos abertos pela
Lei federal nº 10.639/03. Brasília, MEC, Secretaria de educação continuada e alfabetização e
diversidade, 2005. cap. 2, p. 39-62.
156
GOMES, Joaquim Barbosa. O debate constitucional sobre as ações afirmativas. In: SANTOS,
Renato Emerson dos; LOBATO, Fátima (Orgs.). Ações afirmativas: políticas públicas contra
as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. cap. 1, p. 15-58.
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.); HALL,
Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
12. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. cap. 2, p. 73-102.
JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São
Paulo: Ática, 1994.
JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos.
2. ed. Brasília; Publicação on-line, abr. 2012. Disponível em :
http://www.diversidadesexual.com.br/wp-content/uploads/2013/04/G%C3%8ANERO-
CONCEITOS-E-TERMOS.pdf. Acesso em: 13 nov. 2018.
LAQUEUR, Thomas Walter. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud.
Tradução de Vera Whately. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2007.
157
______. Um corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e teoría queer. Belo Horizonte:
Autentica, 2004.
MAGALHÃES, Izabel. Introdução: a análise de discurso crítica. Delta, São Paulo, v. 21, n.
especial, 2005.
MARTINS, Zilda et al. Do racismo epistêmico às cotas raciais: A demanda por abertura na
universidade. Revista ECO-Pós, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 122-146, 2018.
MESQUITA, Irlanda Brandão. O uso dos banheiros sociais pelos transgêneros, transexuais e
travestis. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL EM DIREITOS HUMANOS E
SOCIEDADE, 1., Espírito Santo, 2018. Anais do Seminário Internacional em Direitos
Humanos e Sociedade, Espirito Santo: UNESC, 2018. Disponível em:
http://periodicos.unesc.net/AnaisDirH/article/view/4654. Acesso em: 12 jan. 2019.
MOISÉS, Massaud. A Criação Literária Prosa II. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 2007.
OLIVEIRA, Arolde de. Câmara dos deputados. Projeto de Decreto Lagislativo 871 de
2013. Susta os efeitos da Resolução nº 175, de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, que
"dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável
em casamento, entre pessoas de mesmo sexo". Brasília: Câmara dos Deputados, 2013.
Disponível em:
158
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=578114&ord=1.
Acesso em: 13 fev. 2019.
OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. O golpe de 2016: breve ensaio de história imediata sobre
democracia e autoritarismo. Historiæ, Rio Grande, v. 7, n. 2, p. 191-232, jan. 2016.
PELÚCIO, Larissa. Traduções e torções ou o que se quer dizer quando dizemos queer no
Brasil?. Revista Periódicus, Salvador, v. 1, n. 1, p. 68-91, jan. 2014.
PERRA, Hija de. Interpretações imundas de como a teoria queer coloniza nosso contexto
sudacal, pobre de aspirações e terceiro-mundista, perturbando com novas construções de
gênero aos humanos encantados com a heteronorma. Revista Periódicus, Salvador, v. 1, n. 2,
p. 1-8, jan. 2014.
PUAR, Jasbir. ―Prefiro ser um ciborgue a ser uma deusa‖: interseccionalidade, agenciamento
e política afetiva. Meritum, revista de Direito da Universidade FUMEC, Belo Horizonte,
v. 8, n. 2, jul./dez. 2013.
RAJAGOPALAN, Kanavillil. Por uma linguística crítica. Línguas & Letras, Cascavel, v. 8,
n. 14, p. 13-20, jan. 2007.
RAZUK, José Eduardo Paraíso. Muito além do Teatro do Oprimido: Um panorama da obra
dramatúrgica de Augusto Boal. 2019. Trabalho de Pós-doutoramento. EACH – Escola de
Artes Cênicas e Humanidade; USP – Universidade de São Paulo: 2019.
RAMALHO, Viviane; RESENDE, Viviane de Melo. Análise de discurso crítica. São Paulo:
Contexto, 2006.
SANCTUM, Flavio; SARAPECK, Helen (Orgs.). Teatro do oprimido & outros babados: a
diversidade sexual em cena. Rio de Janeiro: Metanoia, 2015.
SILVA, Ana Célia da. A representação social do negro no livro didático: o que mudou?
Por que mudou?. Salvador: EDUFBA, 2011.
SILVA, Francisco Eurico da. Projeto de Decreto Lagislativo 539 de 2016. Susta os efeitos
da Resolução nº 01, de 22 de março de 1999, editada pelo Conselho Federal de Psicologia -
CFP. Brasília: Câmara dos Deputados, 2016. Disponível em:
https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2113432.
Acesso em: 21 maio 2019.
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz
Tadeu da (org.); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a
perspectiva dos estudos culturais. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. cap. 2, p. 72-102.
160
SPOLIN, Viola. Improvisação para o Teatro. Tradução e revisão Ingrid Dormien Koudela e
Eduardo José de Almeida Amos. São Paulo: Perspectiva, 2010.
SPOLIN, Viola. Jogos teatrais na sala de aula: um manual para o professor. Tradução e
revisão Ingrid Dormien Koudela e Eduardo José de Almeida Amos. São Paulo: Perspectiva,
2012.
THIOLLENT, Michel. Metodologia de Pesquisa-Ação. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2002.
WEEKS, Jeffrey. O corpo e a sexualidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva. In: LOURO,
Guacira Lopes. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2. ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2000. cap. 2, p. 35-82.
APÊNDICES
163
A FRAGMENTAÇÃO DE UM INSTANTE
PERSONAGENS:
- Narradora/policial – ANGEL
- Professor - CHRISTIAN
- Estudante 1 - KULLER
- Estudante negra – JOANA
- Estudante mulher – YUKI
- Estudante gay – CASSANDRA
1º ATO
CENA 1
Monólogo da narradora –
NARRADORA – Respeitável plateia (será que todos tão respeitáveis assim? – fala olhando
para o lado), sejam bem-vindas a este pequeno espaço de tempo teatritado (me permitam o
neologismo – fala olhando para o lado). Convido-vos a um diálogo com os olhos e também
com palavras, que será proporcionado por estas personagens fragmentadas. É necessário
completar a reticência. As personagens também são vocês, cada um em seus atos e cenas
plurais, criando significação a partir dos contextos do dia a dia, construindo e desconstruindo
conceitos, arrependimentos, gritos de eu avisei ou fui avisado, tênue julgado-julgador. Agora
prestem atenção: qual personagem você é hoje? Na real abstração das identidades, em que
papel você se coloca? Não respondam agora, pois no palco estão nascendo personagens...
Vamos começar!?
164
CORO –
2- Ais...
2- Laranjais / T- nióbio...
2- Laranjais / T- nióbio...
T- Laranjais...
Coro: Ais..
PARTITURA:
165
2º ATO
CENA 1 (Luz)
166
3º ATO
CENA 1
PROFESSOR – Vocês devem estar se perguntando quem sou eu. Sou o novo professor dessa
turma de sem luz. Professor não, comandante! Mas isso não é novidade nenhuma, creio que
vocês já viram nos noticiários a nossa nova metodologia de ensino em todas as escolas,
teremos uma educação mais rígida e agora nosso país terá ordem e progresso.
PROFESSOR – Calado! Eu não dei ordem para ninguém falar neste momento. Espere por
meu comando!
ESTUDANTE 1 – Mas...
PROFESSOR – Silêncio! Providência! (fala olhando para o policial, que coloca uma
mordaça no estudante e o arrasta para o final do palco).
PROFESSOR – Eu tenho alguns comunicados para dar. O primeiro é que não aceitaremos
mais negros nessa escola.
TODOS – Aceito!
ESTUDANTE NEGRA – ―Aceito‖, foi o que ouvi de todos os que estavam à minha volta. Só
observavam enquanto meus direitos, que foram conquistados com muita luta, iam se perdendo
aos poucos. Trancaram para mim a porta das escolas, dos empregos, da vida. Pintaram-me de
branca, parodiaram meu cabelo, atacaram minha ancestralidade. Como posso lutar sozinha?
O policial coloca uma mordaça na boca da estudante e a coloca junto com o outro
estudante no final do palco.
PROFESSOR – Que escarcéu! Mas vamos continuar, porque as notícias boas não podem se
conter: as mulheres são muito importantes na sociedade, elas procriam, mas aqui na escola
não terão mais voz, não poderão participar dos debates. Outra coisa, não aceitaremos gays ou
lésbicas nesta escola, se tem alguém aqui assim, rua! Vocês aceitam isso?
TODOS – Aceito!
PROFESSOR – Bem, então é isso. Resignação. Vocês aceitam? Vocês estão sozinhos!
ESTUDANTE GAY – Eu não estou só (pega na mão das outras estudantes) eu não aceito!
NARRADOR – É cíclico. A história é vivida e contada. É revivida por outras pessoas aquilo
que vai e vem. É descobrindo como se une que a vitória se mostra. Os vilões são derrotados, a
história é escrita e depois lá vem ela de novo com um enredo semelhante, mas tudo aqui está
fragmentado e o sentido quem dá é você espectador. Se não há sentido, então é porque ainda
estamos fragmentando o que já é fragmentado.
Se você me der licença, agora eu sou o espectador... TELA.
169
ROTEIRO ENTREVISTA:
1 – O que chamou sua atenção no convite/oportunidade para participar da pesquisa (Oficina
de Teatro do Oprimido)?
3 – As oficinas (pesquisa prática) foram como você esperava? Quais as suas expectativas
antes de participar das oficinas? E depois de participar, as expectativas foram atendidas?
4 – Depois de participar das oficinas e ter contato com estudos de identidade de raça, gênero e
sexualidade, você aprendeu algo sobre essas minorias sociais? E você aprendeu algo sobre sua
própria identidade social?
5 – Pedi que você analisasse as opressões contras as minorias sociais, as quais estudamos, que
acontecem em sala de aula, o que você percebeu? A partir disso, você passou a olhar com
maior criticidade para essas opressões em sala de aula?
7 – um dos objetivos do projeto é criar um grupo de teatro permanente na escola, com a turma
de nossa pesquisa. Você pretende continuar no grupo?
170
Nome:
Idade:
Série/turno:
Autodeclaração identidade de gênero (sexo
– masculino; feminino; transgênero etc...).
Autodeclaração de orientação sexual
(heterossexual; homossexual; bissexual;
assexual etc...
Autodeclaração de identidade racial
(cor/raça – negra; branca; indígena etc...
171
______________________________________
( ) aceito participar
_________________________________________
Assinatura do menor
Pesquisa em Seres Humanos da UECE que funciona na Av. Dr. Silas Munguba, 1700,
você poderá entrar em contato com esse Comitê o qual tem como objetivo assegurar a ética na
_________________________________________
Assinatura
O pesquisador me informou que o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em
Seres Humanos da UECE que funciona na Av. Dr. Silas Munguba, 1700, Campus do Itaperi,
Fortaleza-CE, telefone (85)3101-9890, email cep@uece.br. Se necessário, você poderá entrar
em contato com esse Comitê o qual tem como objetivo assegurar a ética na realização das
pesquisas com seres humanos.
ANEXOS
179
O PÁSSARO CATIVO
Olavo Bilac
Gosto mais do alimento que procuro na mata livre em que a voar me viste.
Tenho água fresca num recanto escuro.