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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL


MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM HISTÓRIA E LETRAS

JOSÉ ROMÁRIO OLIVEIRA DA SILVA

O TEATRO DO OPRIMIDO EM CENA NA CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DE


ALUNOS DO ENSINO MÉDIO SOB A PERSPECTIVA INTERSECCIONAL:
SEXUALIDADE, GÊNERO E RAÇA

QUIXADÁ – CEARÁ
2020
JOSÉ ROMÁRIO OLIVEIRA DA SILVA

O TEATRO DO OPRIMIDO EM CENA NA CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DE ALUNOS


DO ENSINO MÉDIO SOB A PERSPECTIVA INTERSECCIONAL: SEXUALIDADE,
GÊNERO E RAÇA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado


Acadêmico Interdisciplinar em História e
Letras, da Faculdade de Educação, Ciências e
Letras do Sertão Central da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em História e
Letras. Área de concentração: Cultura,
Memória, Ensino e Linguagens.

Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Valdênia da


Silva.

QUIXADÁ – CEARÁ
2020
Às minorias sociais, que lutam diariamente
contra as opressões e injustiças neste país,
neste mundo.
AGRADECIMENTOS

Aos participantes e colaboradores(as) deste estudo: minha amada turma de teatro, que se
formou a partir desta pesquisa, agradeço a cada um(a) por caminhar junto comigo nesta
estrada do conhecimento sobre teatro, minorias sociais e sobre si.
À Sâmila Sales e Pedro Nogueira, Coordenadora e Diretor da Escola Gonzaga Mota, pela
parceria e acolhimento, proporcionando o espaço da escola para as oficinas.
Ao diretor da FECLESC, Luiz Oswaldo, por conceder os auditórios para ensaios e oficinas.
À Elen Andrade, Isaac Apolônio e Alice Queiroz, por contribuírem em uma das oficinas.
Aos Professores(as) e Coordenadores do MIHL, que compartilharam seus conhecimentos,
ajudando no crescimento acadêmico de cada um de nós da turma III.
À secretária do MIHL, Vanderlene, por estar disponível sempre que precisei de sua ajuda.
Aos colegas e amigos da minha querida turma III do MIHL, que se tornou uma turma
companheira e encontro em cada um(a) deles(as) uma amigo, uma amiga com quem sei que
posso contar. Em especial aos meus melhores, Luiz Isaac, a quem tive a honra de conhecer e
logo me aproximar, e Leonardo Nunes, que é um amigo de longas datas.
Às amigas queridas Alice Queiroz e Lena Lázaro, por estarem presentes em todos os
momentos, compartilhando sonhos.
Aos meus amigos do Cariri, Regilâni Ângelo, Helom Adriel, Felipe Tavares, Felipe Oliveira e
Elvis Nazário, pelas conversas, pelo apoio e pela amizade que permanece mesmo com a
distância. A Nivardo Carvalho, meu ―segundo pai‖, pelo apoio de sempre.
À minha família, em especial à minha mãe, Elizabete, com quem posso contar para tudo, e ao
meu companheiro, Narcélio Aires, que compartilha seus momentos com os meus.
À minha querida orientadora e amiga, Prof.ª Dra. Maria Valdênia, por estar junto a cada etapa
de elaboração e de escrita desse trabalho, por suas orientações e amizade.
Ao Prof. Dr. Carlos Eduardo Bezerra e à Prof.ª Dra. Jaquelânia Aristides Pereira, por
comporem minha banca de qualificação e defesa, por todas as contribuições, soluções e
sujestões de leituras.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), por proporcionar
apoio financeiro, o qual ajudou no desenvolvimento desta pesquisa.
A todas e a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.
Obrigado!
―Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que
sinceridade falo. Sou variamente outro do que
um eu que não sei se existe (se é esses
outros)‖.
(Fernando Pessoa)
RESUMO

A dissertação versa sobre uma pesquisa-ação realizada com estudantes de ensino médio da
Escola Gonzaga Mota, na cidade de Quixadá-CE. A partir de proposta metodológica criada
com base em joguexercícios do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal (2011), discutiu-se
sobre construção de identidades sociais de sexualidade, gênero e raça, trabalhadas sob a
perspectiva interseccional, objetivando uma conscientização em relação a preconceitos contra
essas minorias sociais em sala de aula e ainda a autoconscientização sobre as identidades
sociais de cada participante. Trata-se de um estudo qualitativo, com caráter exploratório e
orientação analítico-descritiva, de um grupo criado mediante inscrições assinadas e assentidas
por estudantes e seus pais, para participação da pesquisa em formato de oficinas, iniciada após
prévia aprovação do Conselho de Ética em Pesquisa – CEP. Como ferramenta de coleta de
dados, usou-se a entrevista semiestruturada com questões previamente estabelecidas e as falas
dos estudantes, gravadas durante as oficinas. Para a análise do material coletado, utilizou-se a
abordagem de Análise de Discurso Crítica, de perspectiva fairclouguiana (2001) e também os
modos de operações gerais da ideologia e estratégias de construção simbólicas de J. B.
Thompson (2002). Estruturalmente, o trabalho divide-se em três capítulos iniciais teóricos,
um metodológico-descritivo e um analítico. No primeiro capítulo, abordou-se as minorias
sociais no ambiente escolar e a teoria da interseccionalidade; no segundo, os segmentos de
sexualidade, gênero e raça e os seus processos identitários; no terceiro, o Teatro do Oprimido
e seu idealizador; no quarto, relatou-se o percurso metodológico da pesquisa e, no último
capítulo, apresentou-se a análise dos dados coletados. Constatou-se, com os resultados da
pesquisa, uma conscientização social dos participantes acerca dos conteúdos abordados, como
também uma compreensão autoidentitária, em que os estudantes puderam se autoafirmar
quanto sua sexualidade, gênero e raça, observados na produção escrita, performática e nas
falas dos integrantes. Comprovou-se, ainda, que o método do Teatro do Oprimido utilizado
foi eficaz em sua aplicação, possibilitando uma formação artística.

Palavras-chave: Teatro do Oprimido. Escola. Interseccionalidade. Análise de Discurso


Crítica.
ABSTRACT

The dissertation concerns the action-research done with high school students from the school
Gonzaga Mota, in the city of Quixadá – CE. From the methodological purpose created based
on game-exercises from the Theatre of the Oppressed, by Augusto Boal (2011), it was
discussed about the construction of sexual, gender and racial social identities, worked from
the intersectional perspective, aiming awareness in relation to the prejudice against the social
minorities in the classroom and also the self-awareness about the social identities of each
participant. It is a qualitative study with an exploratory feature and descriptive analytic
orientation, of a group created by signed registrations and consented by the students and their
parents, to participate in the research brought as workshops, initiated after prior approval of
the Conselho Nacional de Ética em Pesquisa – CEP (National Ethics Research Committee).
As a tool to collect data it was used a semi-structured interview with questions established
previously and the students’ speeches were recorded during the workshops. To analyze the
collected material, it was used the Critical Discourse Analyses approach, from the
Fairclough’s (2001) perspective and also the general operation modes of the ideology and
strategies of symbolic construction by Thompson (2002). Structurally, the work is divided in
three initial theoretical chapters, one methodological-descriptive and one analytic. In the first
chapter, the social minorities were approached in the school environment and the theory of
intersectionality; in the second, the segments of sexuality, gender and race and the identity
processes; in the third, the Theatre of the Oppressed and its creator; in the fourth it was
reported the methodological route of the research and, in the last chapter, it was presented an
analysis of the collected data. It was found, with the results of the research, a social awareness
of the participants about the approached contents, and also a self-identity comprehension, in
which the students could self-affirm regarding their sexuality, gender and race, observed in
the written production, performance and the members’ speech. It was also proved that the
method of the Theater of the Oppressed used was efficient in its application, making possible
an artistic training.

Keywords: Theatre of the Opressed. School. Intersectionality. Critical Discourse Analyses.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Modelo interseccional de Crenshaw............................................................. 30


Figura 2 – Árvore do TO.................................................................................................. 82

Foto 1 – Hipnotismo colombiano................................................................................ 104


Foto 2 – Caminhada corpo e gênero........................................................................... 106
Foto 3 – Telefone-sem-fio corporal............................................................................. 108
Foto 4 – Produção escrita............................................................................................ 109
Foto 5 – Performances................................................................................................. 110
Foto 6 – Palestra Coletivo Severinas.......................................................................... 112
Foto 7 – Apresentação no Jardim Ecológico GM..................................................... 113
Foto 8 – Palestra Coletivo da Juventude Negra........................................................ 115
Foto 9 – Anda, Para, Justifica..................................................................................... 116
Foto 10 – Jogo do espelho.............................................................................................. 119
Foto 11 – O desmaio de Frajus..................................................................................... 121
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Autoavaliação 1................................................................................................. 143


Tabela 2 – Autoavaliação 2................................................................................................. 144
Tabela 3 – Autoabaliação 3................................................................................................. 144
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC Análise de Discurso Crítica


ADTO Análise do Discurso Textualmente Orientada
ATOBÁ Movimento de Emancipação Homossexual
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEP Conselho de Ética da Pesquisa
CFP Conselho Federal de Psicologia
CONEP Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
CTO Centro de Teatro do Oprimido
FECLESC Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central
GHOTA Grupo Homossexual de Teatro do Oprimido
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LGBT+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Transgêneros
LGBTQIAP+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Transgêneros, Queer,
Intersexuais, Assexuais e Pansexuais
PATRI PATRIOTA
PDC Projeto de Decreto Legislativo da Câmara
PSC Partido Socialista Cristão
PSD Partido Social Democrático
PSL Partido Social Liberal
PT Partido dos Trabalhadores
SIM Sistema de Informação sobre Mortalidade
SINAN Sistema de Informação de Agravo de Notificação
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TEM Teatro Experimental do Negro
TO Teatro do Oprimido
UECE Universidade Estadual do Ceará
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15

2 MINORIAS SOCIAIS NA ESCOLA: PONTO DE INTERSECÇÃO.............. 21

2.1 As minorias sociais e o ambiente escolar ............................................................. 21

2.2 Interseccionalidade, consubstancialidade e agenciamento, alguns


apontamentos.. ....................................................................................................... .28

3 PERCORRENDO IDENTIDADES DE SEXUALIDADES, GÊNEROS E


RAÇAS .................................................................................................................... 39

3.1 Sexualidade e gênero: construção, reconstrução, continuum ............................ 39

3.1.1 Contextualizando sexo e sexualidade ....................................................................... 41

3.1.2 Gênero ...................................................................................................................... 53

3.2 Questões de raça ..................................................................................................... 61

4 TEATRO E ESTÉTICA DO OPRIMIDO: UM TEATRO SOCIAL E


POLÍTICO.............................................................................................................. 70

4.1 Conceitualizando o teatro ...................................................................................... 70

4.1.1 O gênero teatro: breve contextualização .................................................................. 72

4.2 Augusto Boal e a arte de resistência...................................................................... 74

4.3 A Estética do Oprimido.......................................................................................... 77

4.4 O Teatro do Oprimido ........................................................................................... 85

4.5 Teatro, escola e educação ....................................................................................... 91

5 PROCEDIMENTOS PRÁTICOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ....... 96

5.1 Percursos metodológicos ........................................................................................ 96

5.1.1 Caracterização da pesquisa ....................................................................................... 96

5.1.2 O publico alvo, inscrições e termos .......................................................................... 98

5.1.3 A escola .................................................................................................................... 99

5.2 Descrição das oficinas........................................................................................... 100

5.2.1 Oficina 1 ................................................................................................................. 100


5.2.2 Oficina 2 ................................................................................................................. 104

5.2.3 Oficina 3................................................................................................................. 107

5.2.4 Oficina 4................................................................................................................. 108

5.2.5 Oficina 5 ................................................................................................................. 109

5.2.6 Oficina 6 ................................................................................................................. 110

5.2.7 Oficina 7 ................................................................................................................. 112

5.2.8 Oficina 8 ................................................................................................................. 113

5.2.9 Oficina 9 ................................................................................................................. 115

5.2.10 Oficina 10 ............................................................................................................... 117

5.2.11 Oficina 11 ............................................................................................................... 119

6 IDENTIDADE E DISCURSO: ANÁLISE DE UMA JORNADA ................... 122

6.1 Breves considerações sobre a Análise de Discurso Crítica. .............................. 122

6.2 Breves considerações sobre identidades............................................................. 125

6.3 “O que aprendi com as oficinas”: uma análise dos processos identitários ..... 127

6.3.1 ―É que é a primeira coisa que vem à nossa mente‖ ................................................. 132

6.3.2 ―A gente mudou muito no decorrer da oficina‖ ...................................................... 137

6.3.3 ―Eu tô me encontrando ainda‖: tabelas de autoavaliação ........................................ 143

7 CONCLUSÃO....................................................................................................... 148

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 151

APÊNDICES ......................................................................................................... 162

APÊNDICE A – ESQUETE TEATRAL ............................................................ 163

APÊNDICE B – INSTRUMENTAL DE PESQUISA / ENTREVISTA .......... 169

APÊNDICE C – FICHA DADOS PESSOAIS E AUTODECLARAÇÃO ...... 170

APÊNDICE D – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E


ESCLARECIDO (TCLE) .................................................................................... 171

APÊNDICE E – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E


ESCLARECIDO (TCLE) .................................................................................... 173
APÊNDICE F – FOLHA DE ROSTO PARA PESQUISA ENVOLVENDO
SERES HUMANOS ............................................................................................. 174

APÊNDICE G – TERMO DE ANUÊNCIA ....................................................... 176

ANEXOS ............................................................................................................... 178

ANEXO A – PRODUÇÃO ESCRITA YUKI .................................................... 179

ANEXO B – PRODUÇÃO ESCRITA CASSANDRA ...................................... 180

ANEXO C – PRODUÇÃO ESCRITA CASSANDRA ...................................... 181

ANEXO D – PRODUÇÃO ESCRITA ANGEL ................................................ 182

ANEXO E – PRODUÇÃO ESCRITA ANGEL ................................................ 183

ANEXO F – PRODUÇÃO ESCRITA ANGEL................................................. 184

ANEXO G – PRODUÇÃO ESCRITA JOANA ................................................ 185

ANEXO H – PRODUÇÃO ESCRITA CHRISTIAN ....................................... 186

ANEXO I – PRODUÇÃO ESCRITA CHRISTIAN ......................................... 187

ANEXO J – PRODUÇÃO ESCRITA KULLER .............................................. 188

ANEXO K – DESENHO CASSANDRA ............................................................ 189

ANEXO L – PARTITURA DUBA ..................................................................... 190

ANEXO M – PARTITURA BANAHA .............................................................. 191

ANEXO N – POEMA O PÁSSARO CATIVO.................................................. 192


15

1 INTRODUÇÃO

Dentre as motivações possíveis que nos levam a escolher um objeto de pesquisa e


sua aplicação, este trabalho foi pensado a partir da prática educativa identitária e a
identificação com o teatro. A possibilidade da interação entre pessoas refletindo sobre suas
possibilidades de identidades, de tentar conhecer-se a si mesmas, torna-se relevante em todas
as esferas em que o sujeito se insere enquanto ser social. O autoconhecimento é, pois, uma
forma de resistência contra um sistema social que oprime, dentre outras questões, pela falta de
conhecimento que o outro possui.
A partir dessa possibilidade prática, como aplicação metodológica, trabalhamos
com o Teatro do Oprimido (TO), de Augusto Boal, junto a um grupo de alunos do Ensino
Médio de uma escola pública no município de Quixadá-CE. Como metodologia, elaboramos
oficinas do TO, com foco nas minorias sociais que abarcam as temáticas de Sexualidade,
Gênero e Raça, discutidas no âmbito escolar e de caráter identitário, sob a perspectiva
interseccional.
A Escola Estadual de Ensino Médio Gov. Luiz Gonzaga da Fonseca Mota
localiza-se no Bairro São João, da referida cidade. Estudei na escola Gonzaga Mota durante
toda minha educação básica, ensino fundamental e médio e, ao visitá-la, vejo que muita coisa
mudou, não só o espaço físico, mas os estudantes são diferentes, em alguns aspectos. Com o
mundo cada vez mais globalizado e com a maior facilidade de acesso à internet, as
informações chegam mais rápido a esses e a essas jovens estudantes.
Além das informações verídicas, eles também consomem as fake news (falsas
notícias), sem contar que, constantemente, estão em contato, consumindo e reproduzindo a
―pós-verdade‖, em que as opiniões pessoais tornam-se mais importantes do que os fatos.
Outras questões também são observadas, como o desrespeito de alguns estudantes a
professores e a dificuldade de aprendizagem de alguns; assim como existem muitos
preconceitos internalizados na maioria desses jovens, mas não só neles, alguns professores
carregam, em suas ideias e práticas, preconceitos contra identidades das minorias sociais.
Ao olhar para trás, vejo-me em muitos desses adolescentes que, de alguma forma,
reproduzem algum tipo de preconceito, seja de gênero, de sexualidade ou mesmo de
aparência; aprendemos esses preconceitos, internalizamos como normal, por circularem na
sociedade de forma comum, aceitável; aprendi pela vivência com outras pessoas, que também
aprenderam com outras; o preconceito como atitude não é inato, ele é aprendido socialmente.
16

Posteriormente, em minhas vivências sociais, passei por um processo de


desconstrução de alguns desses preconceitos, aliás, ainda passo, pois a desconstrução é um
processo contínuo e precisamos sempre ser críticos de nós mesmos, analisar cada prática, cada
discurso proferido, reconhecer que carregamos algum vestígio de preconceito em nós, para,
então, começarmos a nos livrar deles, e não é fácil. Preconceitos que estão em nós,
aprendidos, são dos mais variados; há discriminações que se perpetuam e se entranham na
sociedade de forma tal, que caracterizam uma espécie de tradição (como o pensamento
tradicional de algumas igrejas em relação à homossexualidade, por exemplo).
Há diversas tradições que se perpetuam de geração em geração e, muitas vezes,
ferem os direitos humanos. Falamos aqui dos preconceitos que podemos observar diariamente
em nossos lares, comunidade e escola. Felizmente, da mesma forma que podemos aprender o
preconceito, podemos aprender a nos livrar dele, aprender a respeitar a diversidade e os
direitos humanos e passar a nos reconhecer enquanto sujeitos sociais. É este pensamento que
move esta pesquisa.
A escola Gonzaga Mota localiza-se em uma área periférica de Quixadá e, como
tal, seus habitantes fazem parte de minorias sociais (negros, pobres, etc.). Presenciamos, no
âmbito escolar, o desrespeito a essas minorias: colegas que fazem piadas disfarçadas e
preconceituosas, e professores que, às vezes, fingem não ver essas atitudes, contribuindo para
que a discriminação se perpetue.
Pensando nesses fatos, procuramos possíveis soluções para interferir de uma
forma a dialogar com os alunos sobre essas questões, incentivando a pensarem nas práticas
preconceituosas na escola e lançar sobre elas um olhar mais crítico, assim também a pensarem
identidades e autoidentidades sociais.
O teatro sempre fez parte de minha trajetória escolar. No Ensino Fundamental e
Médio, participei de grupos teatrais e, na graduação, liderei um grupo de teatro na FECLESC,
o Grupo Tempo Vago, que foi muito atuante durante o período de greves. Foi então que
comecei a ter contato com o Teatro do Oprimido: uma metodologia teatral que reúne jogos,
exercícios e técnicas teatrais criadas, a partir dos anos 1960, pelo teatrólogo brasileiro
Augusto Boal, que desenvolveu esse teatro ao longo de suas experiências pela América Latina
e Europa, quando teve que se exilar do Brasil por causa da ditadura militar. O trabalho
desenvolvido por Boal objetivou contribuir para a formação social. Suas técnicas ainda hoje
são usadas como ferramenta de trabalho sociopolítico, ético e estético. É um trabalho
consagrado no Brasil e no mundo todo; existem projetos do Teatro do Oprimido sendo usados
em escolas, associações, zonas e países periféricos.
17

Ciente, então, deste teatro, veio à mente propostas de intervenção a partir desta
estética na escola Gonzaga Mota. Tal intervenção parte do teatro, pois esse gênero, por sua
ação prática, está mais próximo das inter-relações humanas, indo ao encontro dos objetivos
pretendidos desta pesquisa.
Gardin (1995, p. 127) afirma que ―quando se pensa na ação direta sobre a massa,
quando se pensa num trabalho didático de conscientização política e quando se pensa em
experimentar as relações humanas diante das mais diversas situações, o Teatro é, sem dúvida,
o campo ideal‖. Assim, a proposta de intervenção, por meio do gênero teatral, parte do
trabalho de conscientização política de identidades, direcionada às minorias sociais. A
proposta partiu da elaboração de oficinas, que foram aplicadas na escola já citada. Essas
oficinas visaram à formação e consciência cidadã e a desconstrução de preconceitos
internalizados pelos estudantes. Especificamente, o trabalho prático se deu em torno de três
categorias identitárias de análise, a saber: Sexualidade, de Gênero e de Raça, sob uma
perspectiva interseccional.
Concordamos com E. P. Thompson (2002) quando advoga que, para haver uma
cultura igualitária comum, tem que permanecer e ser ampliado o diálogo e a união entre
educação e experiência: ―As conquistas das últimas décadas (pois não duvidamos de que
foram conquistas) tenderão apenas a ir em direção a uma cultura igualitária comum se o
intercâmbio dialético entre a educação e a experiência for mantido e ampliado‖ (p. 44). Não é
difícil pensar em uma educação que envolva a experiência, afinal, aprendemos porque agimos
no mundo, às vezes erramos e outras acertamos, adquirindo, assim, experiências pessoais, a
partir das culturas com as quais mantemos contato.
Ao discorrer sobre cultura, Raymond Williams (2015) afirma que ela é ordinária,
quer dizer, que faz parte da ordem do dia. Portanto, a cultura é algo comum e, assim, todos
são dotados de cultura, independente se trata de uma cultura erudita ou popular. Desta
maneira, o trabalho se dá em torno da cultura que esses alunos carregam em si, dialogando
com outras culturas.
Estas ações encontram, na educação, espaço fértil para se concretizarem, como
apontam as pesquisas na área, que, em sua maioria, são de grande relevância para a
população, à medida que desnudam os problemas estruturais e conjunturais por quais passam
a educação, procurando propor melhorias para tentar amenizar os seus problemas. A exemplo
disso, podemos encontrar no site oficial da Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura – UNESCO – pesquisas e avaliações na área de educação no Brasil
(UNESCO 2016, 2006, 2019).
18

Em todo seu percurso histórico, a educação brasileira possuiu suas falhas com a
população menos abastada financeiramente; de acordo com Ferreira (2010, p. 13), ―ela
sempre foi, a um só tempo, elitista e excludente‖. Aos menos favorecidos financeiramente,
sempre foi dificultado o direito a uma educação de qualidade. Como reitera Ferreira, a
educação brasileira ―manteve-se em perfeita sintonia com o processo de desenvolvimento
econômico autoritário e concentrador de renda, historicamente, imposto à sociedade
brasileira‖ (2010, p. 13). Essa relação de desigualdade sempre interfere em como são
distribuídas as camadas sociais e as relações de domínio e poder de uma classe social sobre a
outra.
A partir dos anos de 2002, porém, com eleição do então Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva, o acesso à educação foi ampliado, proporcionando oportunidades
para muitas minorias sociais. Políticas públicas foram efetivadas e proporcionaram esse
melhoramento. Programas como ―Bolsa Família‖, ―ProJovem‖, ―Primeiro Emprego‖ e
―ProUni‖, são exemplos de incentivos do governo que visaram alcançar os mais pobres e
promover a redução da desigualdade social na educação (OLIVEIRA, 2009).
Na contramão desse começo de progresso, desde o Golpe de Estado de 2016
(OLIVEIRA, 2016), que decretou o impeachment da então Presidenta Dilma Rousseff, e a
sucessão da posse do Vice-presidente Michel Temer, a educação brasileira começou a ser
atacada com políticas como ―Reforma do ensino médio‖ e o debate da ―escola sem partido‖,
bem como os cortes de financiamentos na educação, que vinham acontecendo desde o
governo Dilma, mas que foram ampliados depois dele (SAVIANI, 2018).
Com a eleição do Presidente Jair Bolsonaro em 2019, o ataque à educação tem
sido feito de maneira explícita, a nível do discurso, pois o presidente se coloca contra os
professores em suas falas e, ao nível jurídico, quando o atual governo vem retrocedendo em
muitos aspectos positivos na educação, visando à retirada de direitos das minorias, para tentar
manter a hegemonia sobre a população mais pobre. O Decreto de Lei nº 9.741 de 29 de março
de 2019 é um exemplo nítido disso. Este decreto contingenciou R$ 29,582 bilhões do
Orçamento Federal de 2019 (BRASIL, 2019). Outro exemplo de ataque à educação foi o corte
no orçamento para o pagamento de bolsas da pós-graduação oferecida pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES em 2019. Observa-se, a partir desses
exemplos, que a educação brasileira sofre grandes riscos.
A educação é um caminho contra a desigualdade social. A partir dela, os sujeitos
são direcionados a lugares que permitem alçar voos em novos horizontes; a tomada de
consciência pela educação é essencial nesse processo. Todavia, mesmo em um aparente
19

progresso, anteriormente citado, os problemas estruturais na educação nunca deixaram de


existir. A escola, em sua razão existencial, é o lugar social onde os aprendizados devem ser
compartilhados e também ampliados os conhecimentos, uma vez que a educação da criança
começa em sua casa, e a partir das vivências dela com sua família e demais grupos sociais,
constroem suas ideologias, assim, compartilhando, no espaço escolar, também, os
preconceitos que aprendem. Não havendo uma reeducação e desconstrução desses
preconceitos, a escola permanece em falta com a educação.
São inúmeras as discriminações existentes no âmbito da sala de aula; observa-se a
manutenção de racismos, lgbtfobia, discriminação de gênero, de deficiência física ou de classe
social, no nível do discurso ou mesmo psicológico, sustentando uma relação de opressores e
oprimidos. Desta forma, um dos desafios da educação brasileira é a busca por uma
reestruturação na base escolar, em que nela haja uma humanização de seus educandos,
visando à desconstrução dos preconceitos internalizados pelos estudantes, tornando, desta
forma, o espaço escolar mais humanizado.
A partir do exposto, esta pesquisa aborda possibilidades de diálogos acerca de
identidades de Sexualidades, Gênero e Raça interseccionadas, no campo educacional, por
meio do teatro, a partir de jogos e exercícios do TO. A dissertação está dividida em cinco
capítulos, os três primeiros de caráter teórico; o quarto aborda as questões práticas
metodológicas da pesquisa e o último propõe a análise desta prática.
O primeiro capítulo, Minorias sociais na escola: ponto de intersecção, aborda a
escola e os problemas educacionais que perpassam esta instituição, bem como alguns de seus
aspectos históricos e sociais, discutindo, ainda, a teoria da interseccionalidade, sua definição,
modo de atuação e criticas acerca dela, expondo os motivos pelos quais tal categoria foi eleita
como base analítica deste trabalho.
No segundo capítulo, Percorrendo Identidades de Sexualidades, Gênero e Raça,
apresentamos discussões acerca de questões relacionadas às sexualidades, gêneros e raças,
dentro da escola e fora delas. Neste capítulo, abordamos histórica e teoricamente as categorias
sociais citadas, dividindo a discussão de cada minoria para falar sobre as especificidades de
cada uma e, ao mesmo tempo, debatendo de modo interseccional as opressões pelas quais
passam essas categorias.
No capítulo 3, Teatro e Estética do Oprimido: um Teatro social e político,
apresentamos o TO enquanto sua história, idealização e suas possibilidades de metodologia,
abordando, também, seu idealizador, Augusto Boal, enquanto sujeito nesta práxis, e ainda
relacionamos este teatro com a educação escolar.
20

No capítulo 4, Procedimentos Prático Metodológicos da Pesquisa, descrevemos


como ocorreu o processo prático da pesquisa, desde a elaboração do grupo de teatro e as
inscrições dos integrantes, até às práticas das oficinas com os jogos e os exercícios teatrais.
O quinto e último capítulo, Identidade e Discurso: Análise de Uma Jornada,
apresenta uma análise dos discursos dos estudantes, coletados a partir dos diálogos durante as
oficinas e da entrevista ao final do curso, usando como método de exame a Análise de
Discurso Crítica – ADC e os modos de operações gerais da ideologia e estratégias de
construção simbólicas de J. B. Thompson (2002).
21

2 MINORIAS SOCIAIS NA ESCOLA: PONTO DE INTERSECÇÃO

2.1 As minorias sociais e o ambiente escolar

Lugar de aprendizado e sociabilidade, a escola é um dos principais ambientes


onde conhecimentos devem ser produzidos a partir da troca de saberes entre todos os seus
componentes. Alunos aprendem pela interação com o professor, mas não somente com ele,
também com os outros colegas e com outros funcionários nas atividades extraclasse. Não é só
o aluno que aprende; o professor também vai adquirindo experiências e conhecimentos com
essa troca de aprendizagem, assim, o ambiente escolar deve ser lugar de troca de saberes.
Para Freire (1996, p. 12), na prática educadora, o educando é sujeito da ação do
saber, sendo um ato construtivo, é necessária a interação com o outro. Segundo o autor,
ensinar não significa transferir o conhecimento de um indivíduo para outro, mas sim ―criar as
possibilidades para a sua produção ou a sua construção‖. Neste ato educativo, docência e
discência estão interligadas: ―quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender‖ (FREIRE, 1996, p. 12).
Tais saberes são adquiridos a partir das vivências pessoais e interpessoais de cada
sujeito. Ao estar no mundo, é essencial a sua interação nos mais diferentes ambientes e o
contato com as pessoas que neles estão. Consequentemente, vão adquirindo experiência com
este contato, com as culturas existentes, que formam os sujeitos e os posicionam em um local
histórico. Neste contexto, a escola deve representar um lugar que objetiva a educação do
sujeito na esfera social.
No entanto, o espaço escolar ainda se configura como um local seletivo, que
exclui alguns corpos sociais, através das relações de poder construídas, a exemplo de
exclusões por gênero e sexualidade, como na discussão do uso de banheiros por pessoas
transgêneras (MESQUITA, 2018).
Em tese, sua função social vai além do aprendizado de disciplinas técnicas,
devendo-se buscar o entendimento do funcionamento das práticas sociais e culturais. De
acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional – LDB, no § 2º do Título I, ―A
educação escolar deverá vincular-se ao mundo de trabalho e à prática social‖ (LDB, 2017, p.
8), isso reforça a ideia de escola como um ambiente de aprendizagem colaborativo. Com isso,
percebemos que alguns aspectos na educação brasileira tiveram um avanço significativo, em
relação ao tratamento que é dado ao educando e à postura do educador, visto que, até pouco
22

tempo, tínhamos um modelo tradicional de educação, denominado por Freire (2018) de


educação ―bancária‖:

Em lugar de comunicar-se, o educador faz ‗comunicados‘ e depósitos que os


educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí
a concepção ‗bancária‘ da educação, em que a única margem de ação que se oferece
aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los (FREIRE,
2018, p. 80).

Este modelo de educação considerava o professor como o único detentor e


transmissor do saber em sala de aula; os alunos, por sua vez, nada teriam a contribuir, sendo
meros receptores do conhecimento. Nesta visão ―bancária‖ de educação, ―o saber é uma
doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das
manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância [...]‖
(FREIRE, 2018, p. 81). Desta forma, limita o processo de aprendizagem de educandos e
também de educadores, pois não há uma socialização de ideias e sim uma imposição, que se
configura como uma opressão.
Esta postura não é eficaz no processo educativo, pelo contrário, ela é o avesso de
uma educação de qualidade. Hoje sabemos da importância do educando na construção de seu
próprio conhecimento, pois ele é dotado de um conhecimento prévio, adquirido com a família,
com os amigos, com as histórias que vê na tevê, nos filmes, nos desenhos animados e na
internet. Inclusive, nestes dias atuais, as crianças têm maior acesso à internet, aprendendo
cada vez mais cedo a gerir essa tecnologia.
Concordamos com Freire (2018) quando defende uma visão libertadora da
educação: ―numa visão libertadora, não mais ‗bancária‘ da educação, o seu conteúdo
programático já não involucra finalidades a serem impostas ao povo, mas, pelo contrário,
porque parte e nasce dele, em diálogo com os educadores, reflete seus anseios e esperanças‖
(FRAIRE, 2018, p. 143). Aqui, ressalta-se mais uma vez a importância do educando no
processo educativo, agindo em sua práxis transformadora. Neste contexto, a escola seria um
espaço responsável pela formação do sujeito crítico na sociedade.
Todavia, desde sua fundação, essa instituição vem, na maioria das vezes,
dividindo os sujeitos, mostrando, de forma dogmática, as diferenças existentes entre eles,
classificando-os, ordenando-os, hierarquizando-os, de modo a resignar-se, ao preconceito, os
que dela participam. Como salienta Louro (1997),
23

Diferenças, distinções, desigualdades... A escola entende disso. Na verdade, a escola


produz isso. Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu uma ação distintiva.
Ela se incumbiu de separar os sujeitos — tornando aqueles que nela entravam
distintos dos outros, os que a ela não tinham acesso. Ela dividiu também,
internamente, os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação,
ordenamento, hierarquização. A escola que nos foi legada pela sociedade ocidental
moderna começou por separar adultos de crianças, católicos de protestantes. Ela
também se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela imediatamente separou
os meninos das meninas (LOURO, 1997, p. 57).

Neste sentido, a escola ainda não conseguiu ser lugar de libertação, pois, como
coloca Althusser (1980), ela é um dos aparelhos ideológicos do Estado (AIE), um modo de
controle social. De acordo com o autor citado, os AIE são uma força autoritária e funcionam
de acordo com a ideologia dominante que, junto com os segmentos de repressão, carregam em
si uma carga arbitrária.
A escola tornar-se-á libertadora quando se livrar das amarras de um sistema
opressivo, de moldes econômicos neoliberalistas, com bases no sistema capitalista, que visa o
lucro financeiro acima da humanidade e da aprendizagem, que privatiza a educação e mantém
o foco unicamente no mercado de trabalho, limitando a capacidade crítica do estudante,
intencionando uma educação tecnicista. O sistema capitalista sustenta uma opressão ditada
pelo poder do dinheiro na sociedade. Este tipo de sistema econômico apenas favorece os que
detêm o poder financeiro, excluindo sempre os menos abastados, limitando suas
oportunidades enquanto minorias sociais.
Paulo Freire (2018) atenta para o fato de que, para uma educação ser libertadora,
esta não pode estar aliada à opressão, pelo contrário, ela deve ser revolucionária, destacando a
ação prática do oprimido para sua libertação. Para isso, ele não deve assumir o lugar do
opressor, mas fazer com que esse lugar não mais exista.
No entanto, inúmeros fatores interferem para uma manutenção das opressões,
como é o caso da violência. O fator violência na escola é um grave problema. Charlot (2002)
conceitua três modos de violência na esfera escolar: a primeira é a violência na escola, esta
―se produz dentro do espaço escolar, sem estar ligada à natureza e às atividades da instituição
escolar‖ (CHARLOT, 2002, p. 434). Neste contexto, a escola se configura apenas como um
espaço onde ocorreu a violência, podendo esta ter acontecido em outro lugar qualquer e que,
por alguma circunstância, como agressão de estudantes por inimizades, ocorreu naquele
espaço. O segundo modo é a violência à escola, que ―está ligada à natureza e às atividades da
instituição escolar: quando os alunos provocam incêndios, batem nos professores ou os
insultam, eles se entregam a violências que visam diretamente à instituição e aqueles que a
representam‖ (CHARLOT, 2002, p. 434).
24

O terceiro modo de violência, que é relacionado ao segundo, é a violência da


escola ―uma violência institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam através da
maneira como a instituição e seus agentes os tratam‖ (CHARLOT, 2002, p. 434), que se
refere a como a escola é organizada enquanto instituição de autoridade administrativa, com
sistemas de atribuições de notas, composições de classes e até modos de tratamentos de
professores com alunos, podendo chegar à agressão verbal de cunho racista, machista, etc. A
violência institucional, com seus métodos tradicionais e opressivos, gera mais violência,
ocasionando uma forma de exclusão social. Como salienta Abramovay (2002),

A exclusão é gerada nos meandros do econômico e do político, ou seja, do social e


suas dimensões, tendo desdobramentos específicos – mas nem sempre coincidentes
– na cultura, na educação, no trabalho, nas políticas sociais, na etnia, na identidade
societal e em outras esferas. Em decorrência da complexidade e da multiplicidade de
facetas da exclusão, o discurso sobre a escola mostra profundas e evidentes
ambiguidades e contradições (ABRAMOVAY, 2002, p. 124).

Desta forma, este processo de exclusão gerido pela escola faz com que alguns
estudantes não reconheçam a importância da educação. Em suas vivências práticas, estudantes
de escolas periféricas enfrentam inúmeras dificuldades que atrapalham seu desenvolvimento
escolar, como problemas familiares, financeiros, além do fato de muitos alunos viverem em
zona de risco por causa do tráfico de drogas, por exemplo (ABRAMOVAY, 2002). Desta
forma, esses jovens se munem de violências, pois são por ela afetados, tornando-se agressores
e vítimas ao mesmo tempo:

Se os jovens são os principais autores (mas não os únicos) das violências escolares,
eles são também as principais vítimas dessa violência. O problema da violência na
escola é ainda, e até mesmo, em termos estatísticos, o dos alunos vítimas de
violência. Mas esta questão tornou-se mais difícil pelo fato de que os alunos autores
e os alunos vítimas se assemelham com bastante frequência, do ponto de vista
estatístico. São jovens fragilizados de um ou de outro ponto de vista, ou de vários
pontos de vista cumulados: [...] alunos com dificuldades familiares, sociais e
escolares (isto é, alunos matriculados nas habilitações, nos estabelecimentos, nos
departamentos ou classes mais desvalorizados). Não esqueçamos também as
violências sociais, cujas vítimas mais frequentes são os jovens: desemprego,
acidentes nas estradas, droga, agressões sexuais, etc (CHARLOT, 2002, p. 435).

Esses jovens, em contato com o meio onde vivem, são vítimas de preconceitos
(sejam racial, de gênero, de classe, de sexualidade), internalizando-os como normal. Como já
salientamos, a escola é o lugar onde esses preconceitos deviam ser desconstruídos, entretanto,
não é o que vem acontecendo de modo geral. Observa-se a reprodução e a manutenção de um
status quo onde as minorias sociais vivem à margem da sociedade, como subalternos
25

formados pelo sistema social. Nas salas de aula, inúmeros casos de violências físicas,
psicológicas e simbólicas contra minorias sociais são praticados.
Louro (1997, p. 43) observa que no ―interior das redes de poder, pelas trocas e
jogos que constituem o seu exercício, são instituídas e nomeadas as diferenças e
desigualdades‖, e reitera: ―a diferença não é natural, mas sim naturalizada. A diferença é
produzida através de processos discursivos e culturais. A diferença é ensinada‖ (LOURO,
2008, p. 21). Desta forma, os discursos estão diretamente ligados nessa construção que se faz
da diferença. De acordo com Butler, os discursos habitam e se acomodam nos corpos, ou
melhor dizendo: os corpos são discursos. Deste modo, cada corpo é um discurso que assume
lugar na sociedade, que pode incomodar a esfera dominante, como é o caso dos corpos que se
fazem fora de um padrão heteronormativo, como o corpo da pessoa transexual ou do homem
gay afeminado (PRINS; MEIJER, 2002).
A partir dessas diferenças discursivas/corporais e culturais, o preconceito se
instala e criam-se, através da heteronormatividade, essas redes de dominação sobre o outro.
Um dos principais locais onde os preconceitos são reproduzidos e ensinados é na escola.
Como aponta Felipe (2007),

As instituições escolares podem ser consideradas um dos mais importantes espaços


de convivência social, desempenhando assim um papel de destaque no que tange à
produção e reprodução das expectativas em torno dos gêneros e das identidades
sexuais. As relações de poder entre homens e mulheres, meninos e meninas, nas suas
múltiplas possibilidades, atravessam a escola dos mais diferentes modos: seja
através de piadas de cunho sexista ou racista; seja através de uma acirrada vigilância
em torno da sexualidade infantil, principalmente dos meninos, tentando normatizar
os comportamentos que porventura não sejam ―condizentes‖ com as expectativas de
gênero instituídas; seja através da distribuição dos espaços e das tarefas a cada
grupo; seja, ainda, através do descaso para com situações que envolvam violência
doméstica e/ou abuso sexual (FELIPE, 2007, p.79).

Dessa forma, a escola pode ser um local traumático para as minorias sociais.
Quando usamos a expressão ―minoria‖, não nos referimos à quantidade numérica, ―mas sim a
uma atribuição valorativa que é imputada a um determinado grupo a partir da ótica
dominante‖ (LOURO, 2008, p. 21). Assim sendo, as minorias não se referem à inferioridade
numérica, mas às maiorias que são silenciadas e, quando se politizam, transformam sua
condição em orgulho – gay, étnico-racial, de gênero.
Spivak (2010), ao se referir às minorias sociais, utiliza o termo ―subalterno‖ com
sentido de proletariado. Segundo a autora, o termo subalterno se refere às ―camadas mais
baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da
representação política e legal‖ (SPIVAK, 2010, p. 12). Para ela, dentro da conjuntura
26

histórico-social, o subalterno não pode falar, pois tem sua voz suprimida pelo intelectual que
tenta representá-lo, e que, falando pelo outro, o mantém silenciado, sem que possa ser ouvido;
isso perpetua uma estrutura de poder e opressão. Para Spivak (2010), o papel do intelectual
não é falar pelo subalterno, mas criar espaços para que ele possa ocupar.
De acordo com Ribeiro (2019), todo mundo tem lugar de fala. Em relação a isso a
autora aponta um equívoco recorrente, que é a confusão entre lugar de fala e
representatividade:

Uma travesti negra pode não se sentir representada por um homem branco cis, mas
esse homem branco cis pode teorizar sobre a realidade das pessoas trans e travestis a
partir do lugar que ele ocupa. Acreditamos que não possa haver essa
desresponsabilização do sujeito do poder. A travesti negra fala a partir de sua
localização social, assim como o homem branco cis. Se existem poucas travestis
negras em espaços de privilégio, é legítimo que exista uma luta para que elas de fato
possam ter escolhas numa sociedade que as confina um determinado lugar; logo, é
justa a luta por representação, apesar dos seus limites. Porém, falar a partir de
lugares é romper com essa lógica de que somente os subalternos falem de suas
localizações, fazendo com que aqueles inseridos na norma hegemônica nem sequer
se pensem (RIBEIRO, 2019, p. 82-83).

Portanto, o lugar de fala diz respeito à posição do sujeito que enuncia, que pode
falar a partir de suas experiências ou não, e a representatividade tem relação direta com o
sujeito que participa ou pertence a esse lugar/identidade. Não se trata necessariamente de
experiência individual,

mas das condições sociais que permitem ou não que esses grupos acessem lugares
de cidadania. Seria, principalmente, um debate estrutural. Não se trataria de afirmar
as experiências individuais, mas de entender como o lugar social que certos grupos
ocupam restringem oportunidades (RIBEIRO, 2019, p. 86).

Posto isso, é notório que os estudantes da educação básica, nosso público


abordado, enquadrando-se em um local periférico e fazendo parte de minorias sociais,
encontram-se nesse local em que sua fala é suprimida pelo outro, sendo constantemente
silenciados. No entanto, têm seu lugar de fala e têm sua representatividade quando passam a
pensar sobre as questões que lhes atravessam, começando a entender os espaços de lutas
sociais.
Em nossa prática, os estudantes reverberaram sua voz, expopondo seus
pensamentos e repensando conceitos, as oficinas, apesar de ser um gênero fixo com regras a
ser seguida e um conteúdo preestabelecido, foi democrática ao dar liberdade aos estudantes
para imporem sua voz.
27

Ao trabalharmos essas questões sociais, não podemos deixar de lado o aspecto


histórico, pois, a partir dele, tomamos como base nosso processo de construção cultural que
os sujeitos produzem por meio dos tempos. De acordo com Brandão (2002), é fundamental
para a construção e conscientização do sujeito a noção de história,

[...] porque marcado espacial e temporalmente, o sujeito é essencialmente histórico.


E porque sua fala é produzida a partir de um determinado lugar e de um determinado
tempo, à concepção de sujeito histórico articula-se outra noção fundamental: a de
um sujeito ideológico. Sua fala é um recorte das representações de um sujeito
histórico e de um espaço social. Dessa forma, como ser projetado num espaço e num
tempo orientado socialmente, o sujeito situa o seu discurso em relação aos discursos
do outro (BRANDÃO, 2002, p. 59).

Dessa maneira, o sujeito, tomando consciência de que também é produto de seu


inconsciente e ideologia, poderá analisar sua situação perante a sociedade e entender o lugar
que ocupa, podendo, assim, conhecer-se mais a si e a buscar melhores resultados em suas
lutas contra as mazelas sociais.
Conforme Gomes (2005, p. 42), ―enquanto sujeitos sociais, é no âmbito da cultura
e da história que definimos as identidades sociais‖. É no trato com as pessoas e por nossas
experiências com elas que vamos nos construindo como sujeitos. Segundo a autora citada, a
identidade não é algo inato, mas aprendida pelas vivências e se refere a quem você é no
mundo a partir das relações e de referências culturais dos grupos sociais, expressados por
meio de práticas linguísticas, tradições, comportamentos, etc.
Apontamos os conceitos de identidade propostos por Hall (2006). O estudioso
conceitua três concepções de identidade que marcam a história do ser enquanto sujeito social;
a primeira concepção refere-se ao sujeito do iluminismo, que pensava ser um sujeito
unificado, dotado de razão, com uma essência, um sujeito individualista e determinado por
sua substância, que nascia com um destino predeterminado; esse sujeito era descrito como
masculino, observa-se a hegemonia e poder desse sujeito.
A segunda concepção é a de sujeito sociológico: este não era autônomo nem
autossuficiente, mas se formava na interação com outras pessoas importantes para ele, e a
identidade era formada na interação do eu com a sociedade; segundo essa visão, o sujeito
ainda tem um núcleo, uma essência interior, que seria o seu ―eu real‖, mas que se modifica
por causa do contato com outras identidades.
A terceira concepção considera um sujeito pós-moderno, que não possui uma
essência interior, ele é definido historicamente, não biologicamente; é sujeito fragmentado
que apresenta não uma, mas várias identidades, não possuindo, assim, uma identidade fixa,
28

essencial ou permanente, mas formada e transformada continuamente pelos sistemas culturais


que o rodeiam, pela interação com as culturas e pessoas que, inclusive, trazem dentro de si
identidades contraditórias. Essas identificações são continuamente deslocadas (HALL, 2006).
Esta ultima concepção de sujeito é a que nos interessa neste trabalho, um sujeito
que se cria, recria e que se torna vários a depender do ambiente que se encontra, um sujeito
que toma posição de um estudante, mas também de um sujeito professor, que também pode
ser um sujeito mãe e também irmão e a cada contexto adequa seu comportamento, é um
sujeito que se molda, se constrói e se descobre em suas práticas.
Na prática escolar, percebemos que, por vezes, esses sujeitos estudantes são
privados de uma reflexão a respeito de questões sociais profundas sobre discriminações e
também da vivência com alguns gêneros textuais, como é o caso do drama. Este, enquanto
gênero textual, parece ser um dos menos favoritos dos professores de língua portuguesa e
artes. Entretanto, ressaltamos que essas duas disciplinas são as que mais se propõem ao
trabalho com o texto dramático em sala de aula, ainda de forma incipiente e pouco atrativa.
O fato é que o teatro ainda é visto como um gênero menor por muitos professores,
apesar de ser uma das modalidades textuais que lida com a humanidade do ser, por sua
capacidade prática de trabalhar os sentimentos. O gênero teatral pode ser visto como um
recurso a ser trabalhado na luta pela desconstrução dos preconceitos incutidos nos jovens,
pois o teatro é um dos gêneros mais próximos das relações e interrelações humanas, pela sua
função prática, servindo como peça conscientizadora e humanizadora.
Diante desse cenário, percebemos a necessidade de discutir e criar maneiras de
conscientizar os estudantes sobre os preconceitos que são vivenciados nas escolas, por meio
da exoeriência com o texto dramático. A presente pesquisa alcança um público que se
encontra em zona periférica na sociedade, levando a reflexão a respeito de seu lugar social no
mundo e busca estratégias de enfrentamento dos diversos preconceitos criados no âmbito de
uma sociedade racista, machista e LGBTfóbica+. Para isso, é necessário teorizar as categorias
de análise utilizadas neste trabalho (Sexualidades, Gênero e Raça), mas antes, a seguir,
traremos à discussão a teoria da interseccionalidade, apontando seus conceitos,
funcionamentos e críticas, por isso, também ressaltamos os conceitos de consubstancialidade
e agenciamento.

2.2 Interseccionalidade, consubstancialidade e agenciamento, alguns apontamentos


29

No modelo de sociedade vigente, há um fracionamento dos sujeitos que dela


fazem parte; esta divisão social separa ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres,
entre outras categorias. Esta fragmentação social foi e é criada alicerçando a opressão em sua
base. Tem-se, pois, o poder como forma de manipulação desses sujeitos, que praticam e
recebem violência e agressão por suas diferenças físicas, biológicas, étnicas, psicológicas, etc.
Já mencionamos, no âmbito escolar, os discursos de preconceito, como a violência
verbal, por exemplo. As agressões verbais são contra as mais variadas categorias, a exemplo,
os negros, os LGBT+ e as mulheres: grupos que aqui estudamos. Esses preconceitos, que são
aprendidos e praticados, não se dão em separado, quer dizer, uma mulher pode sofrer
preconceito por ser mulher e negra, ou ainda por ser mulher, negra e lésbica; sofrendo
preconceito por duas dessas categorias ou pelas três, entre outras categorias.
A partir dessas possibilidades de cruzamentos pelos quais perpassam as opressões,
nossa pesquisa faz uso do estudo da interseccionalidade para tentar melhor compreender as
três categorias contempladas neste trabalho. O termo é amplamente propagado como cunhado
pela professora norte-americana Kimberlé Crenshaw, em 1989, para abordar a intersecção
entre gênero, classe e raça. Todavia, o termo interseccionalidade já circulava desde a década
de 1970, com o black feminism, como por exemplo, em Mulheres, Raça e Classe, de Ângela
Davis, 1981, cuja crítica coletiva se voltou de maneira radical contra o feminismo branco, de
classe média, heteronormativo (HIRATA, 2014, p. 62).
Para Collins (2017), Crenshaw, ao escrever sobre interseccionalidade, não tinha o
intuito de cunhar o termo ou mesmo nomeá-lo como campo de estudo, mas, a partir das ideias
crescentes do feminismo negro, seu intento ―consistia em promover políticas emancipatórias
para as pessoas que aspiravam à construção de uma sociedade mais justa‖ (COLLINS, 2017,
p. 17).
Puar (2013) observa que Crenshaw esboçou três tipos de análises interseccionais:

(i) estrutural (abordando a interseção entre racismo e patriarcado em relação à


agressão e estupro contra mulheres); (ii) política (abordando a interseção entre
organização antirracismo e organização feminista); e (iii) representacional
(abordando a interseção entre estereótipos raciais e estereótipos de gênero (PUAR,
2013, p. 346).

Em síntese, a interseccionalidade é uma teoria transdisciplinar, pois seu campo de


estudo abrange questões culturais, históricas, sociais, políticas, que busca compreender a
complexidade das identidades, como também das desigualdades sociais, isso por meio de um
enfoque integrado de categorias sociais. Essa teoria nega que as categorias de diferenciação
30

sociais (sexo/gênero, classe, raça, etnicidade, idade, deficiência e orientação sexual) são
isoladas e hierarquizadas. Sua análise se dá a partir da produção e reprodução das
desigualdades sociais, portanto, seu enfoque vai além de um simples reconhecimento da
pluralidade dos sistemas de opressão que operam a partir dessas categorias citadas.
Conforme Crenshaw (2004), o desafio da intersecionalidade diz respeito a como
são tratadas as categorias vítimas de preconceito. Estas devem ser encaradas tanto de maneira
igual, como diferente, isto é: ao serem vítimas de preconceito racial, homens e mulheres
devem ser protegidos judicialmente contra essa discriminação da mesma maneira, e devem ser
tratados de maneira diferente quando a mulher sofre discriminação de gênero/racial, pois aí
está marcada uma diferença. Assim como as mulheres negras experimentam discriminação de
raça e gênero, diferente das mulheres brancas que enfrentam só a de gênero.
De acordo com Crenshaw (2004, p. 10), ―a intersecionalidade sugere que, na
verdade, nem sempre lidamos com grupos distintos de pessoas e sim com grupos
sobrepostos‖. Para ilustração, a pesquisadora propõe pensar ruas que se cruzam, esses
cruzamentos seriam os eixos das discriminações: em seu estudo interseccional de gênero,
classe e raça uma rua seria o racismo, outra seria a discriminação de gênero, outra de
discriminação social, dentre outras possíveis. Como podemos observar na ilustração a seguir:

Figura 1 – Modelo interseccional de Crenshaw

Fonte: adaptada pelo autor.

Na visão de Puar (2013), o exemplo do cruzamento de trânsito caracteriza a


interseccionalidade como um evento. O processo de (re)conhecimento dos sujeitos, a
31

identificação é um processo, e a identidade, um encontro, um evento acidental. As identidades


são multicausais, multidirecionais e os traços nem sempre são claros (PUAR, 2013), pois
essas identidades são forjadas no trato social, de acordo com as necessidades de se identificar
as características pelas quais o sujeito é marcado, por relações de poder que são criadas e
mantidas na sociedade.
No entanto, algumas críticas são feitas à teoria da interseccionalidade, como
aponta Puar (2013),

a interseccionalidade também gera uma irônica reificação da diferença sexual como


a/uma diferença fundamental que precisa ser rompida – em outras palavras, a
diferença sexual e de gênero é entendida como a constante a partir da qual existem
variações. [...] A teoria da interseccionalidade argumenta que todas as identidades
são vivenciadas e experienciadas como interseccionais (de tal forma que as próprias
categorias são entrecortadas e instáveis) e que todos os sujeitos são interseccionais,
independentemente de se reconhecerem ou não como tais. Contudo, o método da
interseccionalidade é mais predominantemente utilizado para qualificar a
―diferença‖ específica das ―Mulheres de Cor‖, uma categoria que agora se tornou, eu
diria, simultaneamente vazia de significado específico, por um lado, e superestimada
em seu emprego, por outro. Dessa forma, a intersecionalidade sempre produz um
Outro, o qual sempre é uma ―Mulher de Cor‖, que deve, invariavelmente, mostrar-se
como resistente, subversiva ou articuladora de um protesto. Mais precisamente, é a
diferença das mulheres negras que domina essa genealogia do termo ―Mulheres de
Cor‖ (e, de fato, Crenshaw é clara ao enfocar a ―experiência das mulheres negras‖ e
postular ―as mulheres negras como o ponto de partida‖ da sua análise) (PUAR,
2013, p. 247).

A citação acima aponta pelo menos duas questões críticas à interseccionalidade,


visto que todas as categorias são interseccionais, Puar assinala que há uma objetificação das
categorias sexo e gênero, colocando-as como o ponto de partida estável a partir do qual se
estudam as variações. Outro ponto de crítica diz respeito à centralidade do método da
interseccionalidade à categoria cor, somando-se à categoria gênero, priorizando a diferença
―Mulher Negra‖. A crítica que Puar faz, portanto, diz respeito à centralização do sujeito que é
priorizado na teoria da interseccionalidade de Crenshaw, um sujeito em que se ressalta seu
gênero e raça (mulher negra).
Outra questão apontada pela autora diz respeito a problemas geopolíticos das
análises interseccionais, segundo ela,

as categorias privilegiadas pela análise interseccionalista não necessariamente


cruzam fronteiras nacionais e regionais e tampouco se estendem além de exigências
genealógicas, presumindo e produzindo versões epistemológicas estáticas das
próprias categorias a despeito do locus histórico e geopolítico em pauta (PUAR,
2013, p. 350).
32

O local de privilégio das análises, segundo essa visão, parte de uma formação de
conhecimento ocidental/euro-americana. A categoria ―nação‖ é ressaltada como a menos
analisada e reconhecida entre as categorias interseccionais. Tem-se os Estados Unidos como o
local dominante onde o estudo da interseccionalidade acontece para a investigação feminista,
em que se ensina a diferença. Enquanto nos Estados Unidos a interseccionalidade veio de
conjuntos específicos de movimentos sociais, na Europa o interesse interseccional não vem de
movimentos sociais, mas é usado de forma ampla (PUAR, 2013).
Uma última crítica feita por Puar diz respeito aos sujeitos que são
interseccionados, os quais são ressaltadas as suas diferenças, segundo a autora, ―a ‗diferença‘
produz novos sujeitos de investigação que, assim, multiplicam infinitamente a exclusão para
promover a inclusão. A diferença agora precede e define identidade‖ (PUAR, 2013, p. 352).
No entanto, ao fazer esta crítica, a pesquisadora não leva em conta que este complexo
processo de identidade se faz justamente a partir das diferenças e os processos de inclusão e
exclusão sociais não são criados pela interseccionalidade, mas no seio da sociedade.
Em linhas parecidas de pensamento, outra pesquisadora que faz a crítica à
interseccionalidade de Crenshaw é Danièle Kergoat. Segundo esta autora, os estudos
feministas da interseccionalidade, ao intercruzar gênero, raça e classe, dão prioridade a duas
dessas categorias: gênero e raça, deixando o segmento classe social muitas vezes como ―uma
citação obrigatória‖ (KERGOAT, 2010, p. 86). Outra crítica se deve à noção ―geométrica‖ de
intersecção, dizendo de outro modo, as múltiplas categorias que são criadas por meio da
diferença. Segundo a autora,

a multiplicidade de categorias mascara as relações sociais. Ora, não podemos


dissociar as categorias das relações sociais dentro das quais foram construídas.
Assim, trabalhar com categorias, mesmo que reformuladas em termos de
intersecções, implica correr o risco de tornar invisíveis alguns pontos que podem
tanto revelar os aspectos mais fortes da dominação como sugerir estratégias de
resistência. A noção de multiposicionalidade apresenta, portanto, um problema, pois
não ha propriamente ―posições‖ ou, mais especificamente, estas não são fixas; por
estarem inseridas em relações dinâmicas, estão em perpétua evolução e renegociação
(KERGOAT, 2010, p. 98).

Desta forma, a crítica é feita à divisão das categorias de sujeitos que se imbricam,
mas não o fazem de uma forma substanciada. Segundo essa visão, ao dividir as categorias, as
relações sociais não são analisadas em toda sua totalidade e dinâmica, parecendo colocar as
relações em posições fixas.
A autora continua sua crítica no livro Se battre, disent-elles (2012), pelos pontos,
traduzidos por Hirata:
33

1) a multiplicidade de pontos de entrada (casta, religião, região, etnia, nação etc., e


não apenas raça, gênero, classe) leva a um perigo de fragmentação das práticas
sociais e à dissolução da violência das relações sociais, com o risco de contribuir à
sua reprodução; 2) não é certo que todos esses pontos remetem a relações sociais e
talvez não seja o caso de colocá-los todos num mesmo plano; 3) os teóricos da
interseccionalidade continuam a raciocinar em termos de categorias e não de
relações sociais, privilegiando uma ou outra categoria, como por exemplo a nação, a
classe, a religião, o sexo, a casta etc., sem historicizá-las e por vezes não levando em
conta as dimensões materiais da dominação (HIRATA, 2017, p. 65).

Aos três pontos de crítica que coloca a autora, o primeiro seria a respeito da
fragmentação das práticas sociais ao dar entrada a várias categorias de análise, podendo
fragmentar as práticas sociais. No entanto, essa crítica vai de encontro à sua crítica anterior, a
de dar maior visibilidade à categoria mulher negra. O segundo ponto diz respeito a quais
categorias seriam ou não relações sociais, porém não deixa claro quais seriam de fato. O
ultimo ponto que a autora argumenta é sobre a interseccionalidade trabalhar com categorias e
não com relações sociais, priorizando algumas categorias em relação a outras.
Kergoat então propõe uma tese segundo a qual as relações sociais são
consubstanciais:

elas formam um nó que não pode ser desatado no nível das praticas sociais, mas
apenas na perspectiva da analise sociológica; e as relações sociais são coextensivas:
ao se desenvolverem, as relações sociais de classe, gênero e ‗raça‘ se reproduzem e
se co-produzem mutuamente‖ (KERGOAT, 2010, p. 93).

Segundo a estudiosa, essa teoria não significa que tudo está ligado a tudo, mas que
as relações sociais estão interligadas de forma mais fluida, sem tanta fragmentação. Assim,
essas relações se produzem mutualmente (KERGOAT, 2010).
Basta pensar no exemplo do homem gay afeminado, em que o preconceito decorre
também e principalmente da marca do feminino encontrado nele. Assim, muitos discursos se
formam em torno de uma aceitação ao homossexual com traços masculinos e ao repúdio ao
afeminado. Vemos que nesse exemplo, a categoria gênero está consubstanciada à sexualidade.
No entanto, como veremos no capítulo seguinte, é importante observar que as categorias
citadas são construídas.
Com relação ao termo consubstancialidade, explica Kergoat, é emprestado da
teologia e usado em seu sentido mais comum: ―unidade de substância‖. Ao falar em
consusbstancialidade, ―sugere que a diferenciação dos tipos de relações sociais é uma
operação por vezes necessária à sociologia, mas que é analítica e não pode ser aplicada
34

inadvertidamente à analise das praticas sociais concretas‖ (KERGOAT, 2010, p. 93). Todavia,
o significado de substância ao estudo do sujeito pós-moderno é defasado, visto que este
sujeito é fragmentado.
Segundo a teoria de Kergoat, ao colocar, por exemplo, gênero, classe ou raça em
suas relações sociais, nenhuma dessas tem prioridade sobre as outras, como por exemplo,
quando mulheres trabalhadoras, negras e brancas, fazendo reivindicações juntas e não
separadas, o combate a super-exploração tem alcance universal para todos os direitos
reivindicados (KERGOAT, 2010). Porém, visto dessa forma, as diferenças sociais não seriam
combatidas em sua totalidade, pois algumas questões como a raça, por exemplo, seriam
negligenciadas.
Segundo Kergoat, as relações raça, gênero e classe são relações de produção e,
portanto, existem relações de exploração, dominação e opressão, assim, é indispensável
analisar as formas de apropriação do trabalho de um grupo por outro. Uma segunda questão
que é colocada é que o caráter dinâmico das relações sociais é central para a análise e deve ser
historicizado, mas essa historização não pode ser feita privilegiando uma relação social em
detrimento de outra (KERGOAT, 2010).
Como exemplo de análise de consubstancialidade, Kergoat acredita que o care
(teoria do cuidado) mostra essa análise consubstancial no cruzamento das relações sociais de
classe, sexo e raça (HIRATA, 2017), que se coproduzem mutuamente pelos corpos sociais
que fazem o trabalho de cuidador(a), que geralmente é uma mulher, negra, pobre, às vezes,
fora de seu país.
De acordo com Hirata, ―a controvérsia central quanto às categorias de
interseccionalidade e consubstancialidade se refere à [...] ‗interseccionalidade de geometria
variável‘‖ (HIRATA, 2017, p. 56). Para Kergoat, são as categorias gênero, classe e raça que
são fundamentais e se imbricam e são transversais, para outros pode-se incluir outras
categorias além dessas de relações sociais, como sexualidade, religião etc, sendo, assim,
geometria variável (HIRATA, 2017).
Por sua vez, alguns estudiosos, como aponta Puar (2013): (Donna Haraway,
Elizabeth Grosz, Elizabeth Wilson, Karan Barad, Patricia Clough, Dianne Currier, Vicky
Kirby, Miriam Fraser e Luciana Parisi), influenciados pelo pensamento deleuziano, preferem
o termo agenciamento à interseccionalidade. Como observa a autora, esses estudiosos:

têm se voltado para a matéria corpórea, alegando que a sua liminaridade não é
passível de ser capturada pelo posicionamento interseccional do sujeito. Esses
estudiosos preferem a noção de que os corpos são agenciamentos instáveis que não
35

podem ser decompostos de forma inconspícua em formações identitárias (PUAR,


2013, p. 353).

De acordo com Puar, o termo agenciamento, em sua tradução, é mal interpretado,


uma vez que o termo original em francês, no trabalho de Deleuze e Guattari, agencement ―que
significa design, leiaute, organização, arranjo e relações, tendo como enfoque não o conteúdo,
mas as relações – relações de padrões‖ (PUAR, 2013, p. 356). No agencement, a prioridade
está na conexão entre essência e enunciação, já a sua tradução usada no inglês: assemblage,
dá a ideia de ―coleção, combinação, montagem, sendo utilizado em ambas as línguas para
sinalizar colagem no âmbito da arte de vanguarda‖ (PUAR, 2013, p. 356).
Conforme Puar, os agenciamentos são importantes porque:

a) desprivilegiam o corpo humano como uma coisa orgânica discreta. Como


Haraway observa, o corpo não termina na pele. [...] b) os agenciamentos não
privilegiam os corpos como humanos, tampouco como alojados em um binário
humano/animal. [...] c) a significação é apenas um elemento dentre vários que dão a
uma substância tanto significado como função [...] d) por fim, tem-se que as
categorias – raça, gênero, sexualidade – são consideradas eventos, ações e encontros
entre corpos, e não meramente entidades e atributos dos sujeitos. Situados ao longo
de um ―eixo vertical e horizontal‖, os agenciamentos passam a existir em processos
de desterritorialização e reterritorialização (PUAR, 2013, p. 357-359).

No entanto, as críticas feitas à teoria da interseccionalidade são também passíveis


de críticas. Como podemos observar, elas colocam como pontos principais de crítica os
seguintes: criticam a centralidade do estudo da mulher negra, ao mesmo tempo que criticam a
entrada de diferentes categorias; também apontam para o fato de se fragmentar as categorias
sociais, mas reconhecem o sujeito fragmentado. O fato é que a dificuldade está mesmo no
estudo do ser social enquanto objeto de análise, pois o ser é complexo em suas relações
sociais de poder.
Deve-se levar em conta também que partir dos estudos da raça, do gênero e da
classe se deve ao fato de que essas categorias estiveram na linha de frente na luta pela
emancipação. A representação desses sujeitos foram essenciais na construção da teoria e de
suas reivindicações.
Dadas as definições e críticas pelas pesquisadoras mencionadas, tem-se a sugestão
do trabalho com interseccionalidade em conjunto com a consubstancialidade e com o
agenciamento. Hirata (2017) defende o trabalho com a interseccionalidade e
consubstancialidade, enquanto Puar (2013) pensa o trabalho entre interseccionalidade e
agenciamento.
36

Hirata (2017) aponta para o fato de que a interseccionalidade é usada para


combater opressões múltiplas e imbricadas, é um instrumento de luta, analisando as condições
sociais de produção de conhecimento e justiça social, assim como a consubstancialidade que
propõe pensar as dominações conjuntamente, visando não contribuir para a sua reprodução
(HIRATA, 2017). Já para Puar (2013), há vantagem em pensar o entrelaçamento entre
interseccionalidade e agenciamento pelo fato de mostrar mais caminhos para se pensar essas
relações entre disciplina e controle; a interseccionalidade, como aponta a autora,

tenta compreender instituições políticas e suas formas corolárias de normatividade


social e administração disciplinar, enquanto o agenciamento, em um esforço de
reintroduzir a política no âmbito político, indaga o que está antes e além do que
acaba sendo estabelecido (PUAR, 2013, p. 366).

De acordo com Collins (2017), a academia faz uma tradução imperfeita da


interseccionalidade, assim, observa que seu conceito se perde na tradução, ou melhor, a forma
como enxergam interseccionalidade, muitas vezes é errônea. A autora aponta dois lados de
produção intelectual de conhecimento na produção da interseccionalidade, a saber: ―a
produção intelectual de indivíduos com menos poder, que estão fora do ensino superior, da
mídia de instituições similares de produção de conhecimento, e o conhecimento que emana
primariamente de instituições cujo propósito é criar saber legitimado‖ (COLLINS, 2017, p.
7). Assim, relata que a interseccionalidade tem essa forma de investigação crítica e de práxis
por ser traçada por políticas emancipatórias de fora das instituições de poder, que retomam
depois essas ideias, ou seja, a partir das práticas sociais, são criadas as matérias necessárias
para a sua análise e depois a academia estuda esses fatos.
Como expõe Collins (2017), quando as mulheres afro-americanas politicamente
ativas ocuparam o espaço acadêmico isso permitiu trazer ideias do movimento negro para
incorporar os estudos de raça, classe, gênero, como Civil Wars, June Jordan, Audre Lorde,
Ângela Davis. O empoderamento dessas categorias foram negociados dentro dos movimentos
sociais:

Por exemplo, mulheres afro-americanas e mexicanas confrontaram o desafio de


incorporar gênero aos argumentos predominantes de raça/classe dos movimentos
nacionalistas negros e mexicanos, assim como incorporaram raça e classe ao
movimento feminista que avançava somente nos argumentos de gênero. Neste
contexto, argumentos sobre a intersecção de raça/ classe/ gênero/ sexualidade foram
forjados na intersecção de múltiplos movimentos sociais, uma localização estrutural
que teve um importante efeito nas dimensões simbólicas do discurso interseccional
seguinte (COLLINS, 2017, p. 9).
37

As relações dos movimentos sociais engajados ajudaram a tentar descobrir suas


relações dinâmicas. De acordo com Collins (2017), quando esses estudos entram para a
academia, começam a disputar espaços e legitimidade academicamente, passando a se
deslocar. ―As políticas confusas dos estudos de raça/ classe/ gênero associados aos
movimentos sociais se reformularam como um campo de estudo acadêmico mais
reconhecido‖ (COLLINS, 2017, p. 10).
Como explica Collins (2017), o artigo de Crenshaw (1991) sobre
interseccionalidade é visto e citado como o ponto de partida de origem do termo, porque

ele se coloca como um documento fundamental ao marcar a tradução dos


entendimentos de interseccionalidade que vinham do feminismo negro e outros
projetos de justiça social, e aqueles que cada vez mais caracterizavam um
conhecimento acadêmico da interseccionalidade (COLLINS, 2017, p. 10).

O artigo identifica várias ideias de interseccionalidade, ―oferece uma visão clara


da inter-relação dos limites estruturais e simbólicos no desenvolvimento da
interseccionalidade como projeto de conhecimento‖ (COLLINS, 2017, p. 10). Segundo a
autora: o artigo não oferece um ponto de criação de um termo (interseccionalidade), mas sim
―mostra como os limites estruturais e simbólicos da interseccionalidade se deslocaram ao
longo dos anos de 1990, quando este projeto de conhecimento foi afastado do movimento
social e incorporado pela academia‖ (COLLINS, 2017, p. 11).
Relata a pesquisadora que pensar o ponto de origem da interseccionalidade dessa
maneira, negligencia os estudos de pessoas que vieram antes de Crenshaw, e, assim, fazendo
interpretações, muitas vezes, equivocadas sobre os argumentos da autora. Para Collins (2017),
Crenshaw, em seus estudos, usa a interseccionalidade para:

(1) estabelecer relações entre identidade individual e identidade coletiva; (2) manter o
foco nas estruturas sociais; (3) teorizar a partir da base (em de um modelo top-down)
casos de violência contra mulheres de cor como um conjunto de experiências com
conexões estruturais, políticas e representativas; (4) lembrar leitoras que o propósito
dos estudos interseccionais é contribuir com iniciativas de justiça social. Crenshaw é
clara está claramente defendendo a interseccionalidade como uma construção de
justiça social, e não como uma teoria da verdade desvinculada das preocupações de
justiça social. No entanto, esse aspecto do trabalho de Crenshaw tem sido cada vez
mais negligenciado (COLLINS, 2017, p. 12).

Com relação à centralidade da mulher negra na interseccionalidade, Collins


(2017) advoga que seria um erro pensar a interseccionalidade como um projeto único
feminista. Para a estudiosa, a interseccionalidade é muito mais que isso, basta pensar na
38

inclusão de outras categorias de análise, como a sexualidade, por exemplo. ―Na academia
norte-americana, os ganhos dos estudos de raça / classe / gênero e interseccionalidade têm
sido substanciais‖ (COLLINS, 2017, p. 13).
A intersecionalidade oferece uma oportunidade de fazermos com que todas as
nossas políticas e práticas sejam, efetivamente, inclusivas e produtivas. Por isso, utilizamos a
teoria da interseccionalidade neste trabalho, pois, ao fazermos, na prática, possibilita-nos a
análise de maneira crítica de como as relações sociais interferem e sustentam as relações de
poder e opressão, que materializam e concretizam as injustiças sociais contra as minorias que
abordamos, em todos os seus aspectos de análise, para, a partir disto, propor soluções dentro
do universo pesquisado.
Traçadas as teorias sobre as quais alicerçamos as categorias por nós pesquisadas,
podemos então abordar os grupos interseccionais de análise. No próximo capítulo,
estudaremos os segmentos: Sexualidade, Gênero e Raça.
39

3 PERCORRENDO IDENTIDADES DE SEXUALIDADES, GÊNEROS E RAÇAS

3.1 Sexualidade e Gênero: construção, reconstrução, continuum

A partir deste ponto e nos tópicos posteriores, debateremos questões de


sexualidade e gênero, trazendo definições, relacionando-as a questões de poder e sociedade as
quais se sustentam. Também discorreremos sobre os direitos e violações dos sujeitos que se
enquadram nestas minorias citadas, violações estas que se materializam nas desigualdades
sociais, localizadas no sistema hegemônico de poder e opressão.
Ao considerarmos o termo sexualidades, estamos falando de uma múltipla
combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais, basicamente composta pelos
elementos: sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual. A essas infinitas formas
de vivência e expressão da sexualidade, nomeamos diversidade sexual.
Grande parte da população ainda considera o debate sobre sexualidade um grande
tabu. Martins et al. (2012), ao abordar a referida temática, considera que a adolescência é um
período em que os tabus e mitos ligados à sexualidade são mais recorrentes,

A adolescência é uma fase da vida humana caracterizada por um conjunto de


transformações de dimensões biológicas, psíquicas e sociais. É nesta fase que a
sexualidade se insere como uma redescoberta de algo intrínseco do ser humano,
construído ao longo da sua trajetória pessoal, sendo que seu exercício vai além das
funções reprodutivas, estendendo-se até o processo de socialização do adolescente
(MARTINS et al. 2012, p. 26).

Os falsos conceitos criados em torno da sexualidade e as compreensões errôneas


em volta dela impedem o adolescente de vivê-la plenamente, pois são várias as influências
que interferem na compreensão desses jovens sobre o que é a sexualidade, em que se observa
a falta de diálogo e uma educação autoritária que colabora para a existência desses mitos e
tabus, como é o caso de instituições como a escola, a igreja/religião; também colaboram as
questões políticas e econômicas, sem contar a influência da cultura patriarcal em nossa
sociedade.
Para tomar uma dessas instituições citadas como exemplo, a escola, conforme
Sapucahy et al. (2014), participa dessa educação à sexualidade mesmo quando não possui um
programa voltado à orientação sexual, mas de forma repressiva,

Quando proíbe ou admite manifestações de carinho entre namorados, quando chama,


solenemente, os pais para discutir alguma atitude do seu filho, ao permitir ou proibir
40

este ou aquele ―modelito‖ ligado aos papéis sexuais, a escola está transmitindo
valores, mais ou menos rígidos, de acordo com a sua cultura e as crenças dos seus
profissionais (SAPUCAHY et al., 2014, p. 2).

Mas não é apenas na adolescência que os mitos e tabus ligados à sexualidade são
construídos, estes também atingem pessoas com idade mais avançadas (ROZENDO, 2015).
São estereótipos ligados à atração física ou que são incapazes de sentir estímulo sexual, são
exemplos de pensamentos que perpassam o imaginário social. ―Tais mitos induzem os mais
velhos a assumirem uma atitude pessimista na esfera da sexualidade‖ (ROZENDO, 2015, p.
98).
A esses tabus é atribuída uma característica de preconceito, pois acreditam
erroneamente que sexualidade se refere apenas a sexo; porém isso vai muito além dessa
questão, como já mencionado, vários fatores estão por trás da construção das sexualidades
que, inclusive, as tornam complexas.
Em relação ao sexo biológico, de modo geral, seu conceito foi construído ligado
historicamente a características fisiológicas secundárias que distinguem ―machos‖ e ―fêmeas‖
da espécie humana. Deste modo, referindo-se a informações cromossômicas e também a
órgãos genitais em suas características físicas. Note-se que esta definição se apoia num
binarismo e política de poder. Desta forma, excludentes a categorias como transexuais ou
pessoas que nascem com características físicas de ambos os sexos, denominadas de intersexos
(SÃO PAULO, 2014).
Já o termo gênero, ao ser criado dentro das ciências sociais e humanas, foi, por
muito tempo, usado para contrapor a dimensão biológica do sexo da dimensão social.
Segundo esta definição, enquanto sexo é biológico, gênero é social – constrói-se nas relações
de poder entre homens e mulheres. Todavia, Butler (2003) contesta o caráter imutável do
sexo, afirmando que o mesmo é tão construído quanto o gênero e, de certo modo, ligados
nesse processo construtivo social. Têm-se, dessa forma e de certo modo, não uma
contraposição dos termos, mas sim um complemento para a compreensão de como os mesmos
são construídos socialmente.
Sobre a identidade de gênero, ela se refere a experiências pessoais internas do
gênero de cada sujeito, situadas no âmbito do pertencimento e do autoconhecimento sensível.
Essa identidade pode ou não corresponder ao sexo designado ao nascimento; quando
corresponde, atribui-se a nomenclatura cisgênero, e quando não corresponde, denomina-se
transgênero. Identidade de gênero, portanto, é como um sujeito se percebe enquanto gênero
pertencente; seja masculino, feminino ou a combinação dos dois, isto independente do sexo
41

biológico. Trata-se, assim, de uma convicção íntima do sujeito, um processo de descoberta


identitária.
A orientação sexual, por sua vez, diz respeito à atração afetivo/sexual que uma
pessoa sente pela outra. Os sujeitos incluídos nessas características podem ser divididos,
geralmente, em heterossexuais: pessoas que se sentem atraídas afetivo/sexualmente por
pessoas do sexo/gênero oposto ao seu; homossexuais, pessoas cuja atração afetivo/sexual é
voltada para pessoas do mesmo sexo/gênero; e bissexuais, que se sentem atraídos por pessoas
de ambos os sexos/gêneros. Além desses, existem outras denominações como assexuais,
pansexuais, entre outros.
Na sequência, abordaremos mais detalhadamente essas categorias citadas.
Iniciando a discussão sobre a construção do sexo e da sexualidade, partindo para o debate
sobre as minorias LGBTQI+ e, para encerrar o tópico temático, nos debruçaremos na
categoria gênero e suas caracterizações.

3.1.1 Contextualizando sexo e sexualidade

Como já mencionamos, a sexualidade humana é fruto de uma construção social e


histórica, não é formada apenas pelos aspectos da natureza biológica, mas também pelos
aspectos culturais, históricos e sociais construídos nas vivências humanas. De acordo com
Weeks, ela é ―uma ‗construção social‘, uma invenção histórica, a qual, naturalmente, tem base
nas possibilidades do corpo: o sentido e o peso que lhe atribuímos são, entretanto, modelados
em situações sociais concretas‖ (WEES, 2000, p. 40).
Enquanto construção social, a sexualidade é apreendida por meio da cultura, em
que os sujeitos que dela participam idealizam padrões sobre o corpo e suas atividades
possíveis, junto com a construção dos seus processos mentais, produzindo, desta maneira,
relações arbitrárias, criando padrões de corpos e comportamentos sociais.
Desta forma, os corpos se tornam representações sociais e políticas, e, portanto,
como afirma Bozon (2004), a sexualidade não se explica somente pela própria sexualidade ou
pela biologia:

A sexualidade humana não é um dado da natureza. Construída socialmente pelo


contexto cultural em que está inscrita, essa sexualidade extrai sua importância
política daquilo que contribui, em retorno, para estruturar as relações culturais das
quais depende, na medida em que ‗incorpora‘, e representa. [...] A sexualidade não
se explica pela própria sexualidade, nem pela biologia. A sociologia da sexualidade
é um trabalho infinito de contextualização social e cultural que visa estabelecer
42

relações múltiplas, e por vezes, desconhecidas, dos fenômenos sexuais com os


processos sociais, o que se pode chamar de construção social da sexualidade
(BOZON, 2004, p. 14).

Assim, esta sociologia da sexualidade, colocada pelo autor, como todo fenômeno
social, passa por uma complexidade muito mais prática do que analítica, pois se concretiza
nas vivências que foram construídas e sustentadas por um sistema opressivo.
Ao abordar a temática da natureza da sexualidade humana com relação ao corpo,
Foucault argumenta que ela não é um fator da carne, do biológico, mas, a partir das
experiências desse corpo que é biológico, moldam-se os comportamentos e ações sociais, que
são também históricas.
As relações que são postas nas explicações que colidem em uma dualidade
natureza/social são complexas. O olhar sobre a natureza começa a ser mudado por meio de
pesquisas como de Alexander Von Humboldt (1764-1858), que estudou os aspectos naturais,
acreditando que a pintura da paisagem é linguagem e pesquisa científica, assim, concebendo a
natureza como rede ou teia que tudo interliga, uma unidade viva e organizada, acreditando
que os elementos da natureza são conectados. Com essas ideias, é desenvolvida, então, a
noção de espacialidade. A partir deste período histórico, o olhar para a estética deixa de ser
metafórico e passa a ser linguagem artística. Dano causado pela humanidade que explora e
perturba a ordem da natureza, causa e efeito, a exemplo, o aquecimento global. As forças
econômicas e as mudanças climáticas são parte de um mesmo sistema (WULF, 2016).
Somos parte da natureza, vivemos e sobrevivemos nela e por meio dela, por seus
recursos, tanto naturais quanto os que por nós são manipulados, criados, inventados,
reinventados. Ser parte da natureza não significa ser fixo ou imutável, como um leão que tem
sua vida praticamente traçada dentro da selva: nasce, cresce sobre os cuidados da mãe,
aprende a caçar outros animais para se alimentar e sobreviver a partir de seus instintos,
procria e, entre outras coisas, morre. Ao contrário do animal usado como exemplo, o ser
humano ao estar no mundo, sendo parte dele, modifica-o. Podendo até mesmo modificar a
vida do animal citado, colocando-o em uma jaula ou destruindo seu habitat natural.
O ser humano é o animal capaz de mudar sua própria vida e a vida de outros
animais a partir do seu raciocínio lógico (ou ilógico, na maioria das vezes), agindo sobre a
natureza e sobre ele mesmo, desde aspectos físicos a psicológicos e emocionais. Com relação
a este último aspecto, as relações interpessoais de teor sexual são fatores muito importantes na
vida do ser humano, que, inclusive, são geradores de mito, tabus e debates sobre existência.
43

No mundo dos animais irracionais, as relações sexuais são vivenciadas tanto como
forma de procriação quanto forma de prazer, inclusive já é comprovado que existem relações
homossexuais/bissexuais em muitas espécies de animais (BAGEMIHL, 1999). Essas relações
direcionadas a sexo e sexualidade também se dão na espécie humana, mas, diferentemente dos
animais irracionais que não criam tensões de poder, medo e morte, o ser humano
(des)raciocina e cria os preconceitos sobre seu corpo e suas relações sexuais, com relações
anteriormente citadas.
As relações sociais ligadas ao sexo são sempre conflituosas. De acordo com
Laqueur (2001), a visão da diferença sexual foi marcada pela linguagem, a genitália
masculina foi elevada a um lugar de importância e pesquisa a qual era supervalorizada em
detrimento da genitália feminina. Segundo o autor, a vagina era vista como um pênis interno,
vemos, assim, que o falo é centralizado. Como explica Laqueur (2001), a noção de sexo,
assim como a sociedade conhece hoje, foi inventado no século XVIII. Os órgãos sexuais, que
antes eram associados, passaram a ser distinguidos linguisticamente como ovários e
testículos; passou-se a dar nomes aqueles órgãos que não tinham nome, a exemplo da vagina:

As estruturas que eram consideradas comuns ao homem e à mulher - o esqueleto e o


sistema nervoso - foram diferenciadas de modo que correspondessem ao homem e à
mulher culturais. Quando o próprio corpo natural tornou-se o padrão de ouro do
discurso social, o corpo da mulher tornou-se o campo de batalha para redefinir a
relação social antiga, íntima e fundamental entre o homem e a mulher. O corpo
reprodutivo da mulher na sua concretude corpórea cientificamente acessível, na
própria natureza de seus ossos, nervos e principalmente órgãos reprodutivos, passou
a ter um novo significado de grande importância. Os dois sexos, em outras palavras,
foram inventados como um novo fundamento para o gênero. A mulher considerada
sem paixão era uma das muitas manifestações possíveis desse novo sexo recém-
criado. O orgasmo feminino, o sinal do corpo para uma geração de sucesso, foi
banido para as fronteiras da fisiologia, um significante sem significado.
Anteriormente inquestionada, a rotineira culminação do orgasmo no coito tornou-se
um grande tópico de debates. A afirmação de que as mulheres não tinham paixão, ou
a proposição de que elas - como seres biologicamente definidos - possuíam uma
capacidade maior que a do homem de controlar sua fúria bestial, irracional e
potencialmente destrutiva durante o prazer sexual, e o novo questionamento sobre a
natureza e qualidade do prazer da mulher e da atração sexual, tudo isso fazia parte
de um grande esforço para descobrir as características anatômicas e fisiológicas que
distinguiam o homem da mulher (LAQUEUR, 2001, p. 189-190).

Neste período, final do século XVII e ao longo do século XVIII, observa Laqueur
(2001), a ciência passou a considerar as categorias "masculina" e "feminina" como sexos
biológicos opostos e incomensuráveis. Isso se desenvolveu em circunstâncias políticas,
moldadas de acordo com o poder de criar e manter uma realidade social em que o homem
vivia. Portanto, aponta Laqueur (2001), os dois sexos modernos, como conhecemos, foram
inventados por duas formas: a primeira epistemológica, de uma teoria de conhecimento e
44

avanço do conhecimento científico, e a segunda, política. Esta última pode ser considerada a
forma principal dessa invenção:

Havia intermináveis lutas pelo poder e posição na esfera pública, altamente


ampliada do século XVIII, e em especial no século XIX pós-revolucionário: entre
homens e mulheres, entre feministas e antifeministas. Quando, por várias razões, a
ordem transcendental preexistente ou os costumes de tempos imemoriais tornaram-
se cada vez menos uma justificativa plausível para as relações sociais, o campo de
batalha do gênero mudou para a natureza, para o sexo biológico. A anatomia sexual
distinta era citada para apoiar ou negar todas as formas de reivindicações em uma
variedade de contextos sociais, econômicos, políticos, culturais ou eróticos. (O
desejo do homem pela mulher e da mulher pelo homem era natural ou não - daí a
nova máxima "os opostos se atraem"). Qualquer que fosse o assunto, o corpo tornou-
se o ponto decisivo (LAQUEUR, 2001, p. 192).

Houve uma ascensão da liberdade sexual, uma revolução ideológica neste


período. No final do século XVIII, foram questionadas as disciplinas e punições causadas
pelos atos sexuais considerados imorais. Isso também tem a ver com a doutrina religiosa,
essas punições se davam sobre forma de punições denominadas legais perante a lei. Passou-se
a se argumentar que essas questões ligadas aos atos sexuais eram de cunho moral e de
consciência pessoal do cidadão, e as autoridades públicas não tinham que interferir nesses
atos ditos imorais, propondo que deviam ser tratados como assuntos privados. Assim, passa-
se a discutir uma liberdade sexual de pensamento e ação. No século XIX, explica Dabhoiwala
(2013), a liberdade sexual já era defendida abertamente e sistematicamente:

As origens das nossas atitudes modernas em relação ao sexo estão nas grandes
mudanças que varreram a sociedade ocidental no fim do século XVII e em todo o
XVIII — o colapso da autoridade religiosa, o irromper do Iluminismo, o surgimento
em grande escala de vozes femininas na vida pública. / A derradeira causa principal
foi a transformação do universo da comunicação. A partir do fim do século XVII,
desenvolveram-se novas atitudes em relação à privacidade e publicidade, novos
meios de formar a opinião pública, e uma nova franqueza sobre questões sexuais. /
Algumas destas tendências [...] estavam intimamente mescladas à crescente
complexidade da vida urbana, ao avanço de novos modos de pensar, e ao colapso do
policiamento sexual. Mas a revolução midiática do Iluminismo foi tão central para a
mudança dos modos de vida e pensamento que [...] Sem ela, não teria havido
revolução sexual alguma (DABHOIWALA, 2013, p. 227).

As pesquisas atuais voltadas para o sexo e sexualidade estão cada vez mais
recorrentes, devido à liberdade sexual e o conhecimento do corpo. Além disso, a categoria de
poder e hegemonia colaboram para sustentar uma teoria do sexual.
De acordo com Preciado (2014), o sexo não é um fator biológico e sua prática não
é um impulso natural, mas
45

uma tecnologia de dominação heterossocial que reduz o corpo a zonas erógenas em


função de uma distribuição assimétrica de poder entre os gêneros
(feminino/masculino), fazendo coincidir certos afetos com determinados órgãos,
certas sensações com determinadas reações anatômicas (PRECIADO, 2014, p. 19).

Há uma produção coletiva na qual são inscritos os corpos que parte da ideia de
como devem se comportar socialmente; os corpos aceitáveis neste sistema criado é o corpo
heterossexual, que é um dispositivo social que produz masculinidade e feminilidade,
dividindo os corpos e dando poder, especialmente, ao corpo masculino; a esses gêneros são
atribuídos papéis e práticas sociais, que permitem uma exploração de um corpo sobre outro
(PRECIADO, 2014).
De acordo com Rich (2010), a heterossexualidade é uma instituição política que
retira o poder das mulheres, justamente por essa divisão dos papéis sociais que foram criados
para manter um domínio do homem sobre a mulher. Quando os homens negam a sexualidade
das mulheres ou as forçam a praticá-la, quando se acham donos delas, privando-as do trabalho
ou mesmo explorando-o, controlando sua produção ao usá-las como objetos de transações
masculinas. São alguns exemplos de como o poder masculino é manifestado e mantido
(RICH, 2010, p. 23). Ainda Nesse contexto, coloca Rich,

as mulheres têm sido convencidas de que o casamento e a orientação sexual voltada


aos homens são vistos como inevitáveis componentes de suas vidas – mesmo se
opressivos e não satisfatórios. O cinto de castidade, o casamento infantil, o
apagamento da existência lésbica (exceto quando vista como exótica ou perversa) na
arte, na literatura e no cinema e a idealização do amor romântico e do casamento
heterossexual são algumas das formas óbvias de compulsão, as duas primeiras
expressando força física, as duas outras expressando o controle da consciência
feminina (RICH, 2010, p. 26).

A autora utiliza o termo Heterossexualidade Compulsória para denominar o


instrumento de poder do patriarcado que institui a heterossexualidade como aquilo que é
normal, tratando as outras sexualidades (lésbicas, gays) do desviante ao odioso. Essa
heterossexualidade compulsória é uma forma de doutrina que idealiza, através, por exemplo,
de contos de fadas, filmes, novelas, o casamento heterossexual como um sonho de consumo
para as mulheres, um casamento heterossexual como regra, trata-se de um dispositivo
psicossocial.
Essa heterossexualidade de que estamos falando não é a simples atração sexual,
mas sim o que o sexo representa dentro do contexto social e as funções que são criadas para
sustentar o poder sobre o outro. Essa forma heterossexual é naturalizada e assim se torna
compulsória, imposta como um padrão social.
46

Ainda por meio desse jogo de poder social, existe o termo Heteronormatividade,
cunhado por Michael Warner, segundo o qual, o termo regula e normatiza um modelo de
ordem sexual a ser seguido por todos, heterossexuais, homossexuais, adequando-se ao modelo
exigido pela heterossexualidade. Com isso, a heteronormatividade é um modelo político que
organiza parâmetros de vidas das pessoas, de forma negativa. Na heteronormatividade, os
sujeitos são obrigados a se adequar dentro de padrões sexuais de comportamentos, a exemplo
de um homossexual que é aceitável por se comportar como um ―macho‖, sem demonstrar
comportamentos afeminados, ou uma lésbica que é aceitável se seu comportamento for
feminino, caso contrário, são vítimas de preconceitos.
Esta medida de uma aceitação de padronização de corpos é um artifício de
controle e poder exercido sobre eles. É, portanto, questão política, à medida que os corpos são
usados para representar os sujeitos e suas ações na sociedade, inclusive quando os sujeitos não
aceitam as imposições sobre seus corpos, lutando política e socialmente contra as imposições
normativas.
Como forma de crítica aos padrões construídos pela sexualidade, Preciado (2014)
apresenta o termo contrassexualidade:

A contrassexualidade é também uma teoria do corpo que se situa fora das oposições
homem/mulher, masculino/feminino, heterossexualidade/homossexualidade. Ela
define a sexualidade como tecnologia, e considera que os diferentes elementos do
sistema sexo/gênero denominados "homem", "mulher", "homossexual",
"heterossexual", "transexual", bem como suas práticas e identidades sexuais, não
passam de máquinas, produtos, instrumentos, aparelhos, truques, próteses, redes,
aplicações, programas, conexões, fluxos de energia e de informação, interrupções e
interruptores, chaves, equipamentos, formatas, acidentes, detritos, mecanismos,
usos, desvios... (PRECIADO, 2014, p. 22).

A contrassexualidade faz uma análise crítica da diferença gênero e sexo. Nesta


teoria, os corpos não se reconhecem como diferença homem e mulher, mas se reconhecem
como corpos falantes. Renuncia uma identidade sexual fechada e determinada naturalmente, o
sexo, assim, não faz parte de um dispositivo tecnológico, contrapondo o conceito fechado de
natureza humana.
Nesta tecnologia, o ser humano vai criando outros tipos de dispositivos, estes
eletrônicos, que vão se naturalizando aos corpos. Haraway (2009) discute a mecanização e a
eletrificação do humano, também observa a máquina ser humanizada. Neste contexto, a autora
nomeia essa criatura pós-humana que se entrelaça à maquina de ―ciborgue‖, um ser híbrido de
humano e máquina, tanto um ser da realidade social como da ficção, ou seja, das relações
vividas, das relações políticas. Dessa relação, fazem parte:
47

Implantes, transplantes, enxertos, próteses. Seres portadores de órgãos ―artificiais‖.


Seres geneticamente modificados. Anabolizantes, vacinas, psicofármacos. Estados
―artificialmente‖ induzidos. Sentidos farmacologicamente intensificados: a
percepção, a imaginação, o tesão. Superatletas. Supermodelos. Superguerreiros.
Clones. Seres ―artificiais‖ que superam, localizada e parcialmente (por enquanto), as
limitadas qualidades e as evidentes fragilidades dos humanos. Máquinas de visão
melhorada, de reações mais ágeis, de coordenação mais precisa. Máquinas de guerra
melhoradas de um lado e outro da fronteira: soldados e astronautas quase
―artificiais‖; seres ―artificiais‖ quase humanos. Biotecnologias. Realidades virtuais.
Clonagens que embaralham as distinções entre reprodução natural e reprodução
artificial. Bits e bytes que circulam, indistintamente, entre corpos humanos e corpos
elétricos, tornando-os igualmente indistintos: corpos humano-elétricos (TADEU,
2009, p. 12).

Todas essas tecnologias modelam nossos corpos e interferem nas relações sociais
e interpessoais, na criação de corpos possíveis, como cirurgias de mudança de sexo; também
por possibilidades de relacionamentos entre humanos e entre máquinas e humanos, ou
mesmo, relacionamentos entre humanos por meio de máquinas.
Foucault (1988) ressalta o aspecto histórico sobre corpo e sexualidade. Os
conhecimentos que se criam sobre os corpos e como eles devem se comportar são sustentados
por uma relação de poder. Em contraposição a isso, surgem as atitudes de resistência, lutas
contra as formas de opressão que lhes são impostas sobre seus corpos. Portanto, como coloca
o autor, a seguir, a sexualidade se constrói no decorrer do tempo histórico:

A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade


subterrânea que se aprende com dificuldade, mas à grande rede de superfície em que
a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a
formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-
se uns nos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e poder
(FOUCAULT, 1988, p. 100).

Como aponta Louro (1997, p. 43): ―no interior das redes de poder, pelas trocas e
jogos que constituem o seu exercício, são instituídas e nomeadas as diferenças e
desigualdades‖. Nesta linha entre diferenças e desigualdades, muitas vezes, fala-se em
igualdade para todos, de modo que o principio da igualdade é dar às pessoas as mesmas
oportunidades. Contudo, como somos sujeitos diferentes uns dos outros em vários aspectos,
não se pode falar numa busca por igualdade, mas sim por equidade. A equidade é a adaptação
de regras nas leis, em situações sociais concretas, a fim de torná-las mais justas, ou seja, é
uma busca para adaptar as oportunidades. Dessa forma, por exemplo, se pensarmos em um
cadeirante, este deve ser tratado com igualdade em relação a um não cadeirante, porém devem
ser criados mecanismos que diminuam a dificuldade física, por exemplo, a partir de leis que
48

exijam a adaptação de banheiros, de calçadas e até a abertura de vagas em concursos públicos


para esse público.
Isso possibilita tratar os sujeitos diferentes a partir das especificidades de cada
um e, no âmbito da justiça, oferecer um tratamento justo para sujeitos diferentes de acordo
com suas necessidades, pois os sujeitos são plurais.
Assim, essa pluralidade manifesta-se nos vários sujeitos sociais de diferentes
classes, gêneros, sexualidades, raças, entre inúmeras outras questões que englobam as
discussões de igualdade, equidade e diferença. No que se refere à sexualidade, temos
inúmeras identidades construídas e afirmadas por esse grupo social. A sigla LGBT+ ou
LGBTQIAP+ engloba os diferentes grupos sociais que não seguem o padrão construído pela
sociedade heteronormativa. São grupos que emergem da margem social, buscando afirmar
direitos e liberdade.
Da sigla, temos então o L – Lésbica, mulher que se sente atraída
afetivo/sexualmente por outras mulheres. G – Gay, homem que se atrai afetivo/sexualmente
por outros homens. B – Bissexual, pessoa que se atrai afetivo/sexualmente por pessoas de
ambos os sexos/gêneros. T –Transgênero, que abrange Transexual e/ou Travesti – pessoa que
possui identidade de gênero diferente do que lhe foi designada ao nascer, tanto homem ou
mulher. A – Agênero e Assexual; Agênero é o sujeito que não se identifica com nenhum dos
gêneros e Assexual é o sujeito que geralmente não sente atração afetivo/sexual por nenhum
gênero/sexo, ou, se sente, é de forma casual, esporádica e/ou circunstancial, como no caso dos
assexuais em que o espectro sexual flui em algumas circunstâncias, e são chamados de
demisexuais e assexuais-cinzas. P – Pansexual é o sujeito que sente atração sexual por
quaisquer pessoas, independente de gênero/sexo.
Ainda relacionada a essa nomenclatura identitária LGBT+, culturalmente há uma
série de ―transvio‖ de um padrão normativo ou de outras possibilidades de nomenclaturas
quanto à atração afetivo-sexual, como por exemplo, o comportamento GOY, homens que se
relacionam com outros homens, mas que se definem heterossexuais, em sua prática sexual,
esses sujeitos evitam a penetração anal.
Discutimos e nomeamos aqui rapidamente algumas identidades pertencentes ao
segmento LGBT+ apenas para fator do conhecimento de existência e mostrar a pluralidade
que se encontra nesse meio, porém, ressaltamos que para a nossa pesquisa prática não
trabalhamos com todas essas identificações.
Por último, abordamos uma das letras da sigla que vem sendo bastante discutida:
Q – Queer é um termo ―guarda-chuva‖ que veio do inglês, traduzido em português como
49

―transviado‖, ou mesmo ―Bixa‖, ―baitola‖. Este termo abarca todas essas nomenclaturas
identitárias, abordadas acima, que não seguem o padrão da heteronormatividade ou binarismo
de gênero (MARTINS, 2009).
A palavra queer, inicialmente pejorativa, passou por um processo de
ressignificação/desconstrução, quando, ao longo dos anos 1990, teóricos se debruçam sobre o
termo das pesquisas queer. Como explica Louro,

Queer pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro,
extraordinário. Mas a expressão também se constitui na forma pejorativa com que
são designados homens e mulheres homossexuais. Um insulto que tem, para usar o
argumento de Judith Butler (1999), a força de uma invocação sempre repetida, um
insulto que ecoa e reitera os gritos de muitos grupos homófobos, ao longo do tempo,
e que, por isso, adquire força, conferindo um lugar discriminado e abjeto àqueles a
quem é dirigido. Esse termo, com toda sua carga de estranheza e de deboche, é
assumido por uma vertente dos movimentos homossexuais precisamente para
caracterizar sua perspectiva de oposição e de contestação. Para esse grupo, queer
significa colocar-se contra a normalização - venha ela de onde vier. Seu alvo mais
imediato de oposição é, certamente, a heteronormatividade compulsória da
sociedade; mas não escaparia de sua crítica à normalização e à estabilidade
propostas pela política de identidade do movimento homossexual dominante. Queer
representa claramente a diferença que não quer ser assimilada ou tolerada, e,
portanto, sua forma de ação é muito mais transgressiva e perturbadora (LOURO,
2004, p. 38-39).

Segundo a pesquisadora, os teóricos(as) queer identificam sua teoria como pós-


identitária, pelo fato do foco da pesquisa não ser necessariamente a vida dos sujeitos
homossexuais identitários, ―mas sim a crítica à oposição heterossexual/homossexual,
compreendida como a categoria central que organiza as práticas sociais, o conhecimento e as
relações entre os sujeitos‖ (LOURO, 2004, p. 46). É, portanto, uma mudança no foco e
estratégias de análise, voltadas para a cultura e seus aspectos discursivos, linguísticos e
institucionais.
No entanto, como discorre Pelúcio (2014), é preciso ter um olhar mais atento para
a palavra queer, devido ser uma categoria local estadunidense e por este ser um país com
hegemonia epistemológica, espalha seus textos para todo o mundo e o modo como os termos
chegam a outros países é diferente. O queer, portanto, enquanto termo ofensivo e
ressignificado, tem chegado a países da América Latina com conceitos mais suavizados.
Perra (2014) aponta para o fato de que na América Latina e Espanha o termo
ganha uma maior aceitação do que nos Estados Unidos devido à falta de tensões que o
vocábulo causa nesses países, queer theory não é o mesmo que teoria queer e também
50

não é o mesmo dizer na América Latina teoria bicha e dizer teoria queer, que por
fim esse enunciado de fonética mais esnobe ajuda a que não exista suspeita a que se
ensine essa sabedoria em instituições e universidades, sem provocar tensões e
repercussões ao estigmatizar esse tipo de saber como bastardos (PERRA, 2014, p.
6).

Quando pronunciada no Brasil, observa Pelúcio (2014), a palavra queer soa como
agradável. Devido sua repercussão e propagação nos ambientes acadêmicos, a palavra perde
seu sentido de incômodo. Enquanto nos Estados Unidos a palavra causa desconforto quando
pronunciada em determinados locais de embate, no Brasil a palavra perde o caráter de termo
subversivo e passa a ser visto como elitizado pela academia.
Baseada nesta crítica, Pelúcio (2014) ao invés de falar, na América Latina, de uma
teoria queer, adota o termo Teoria Cu:

Assumir que falamos a partir das margens, das beiras pouco assépticas, dos orifícios
e dos interditos fica muito mais constrangedor quando, ao invés de usarmos o
polidamente sonoro queer, nos assumimos como teóricas e teóricos cu. / Falar em
uma teoria cu é acima de tudo um exercício antropofágico, de se nutrir dessas
contribuições tão impressionantes de pensadoras e pensadores do chamado norte, de
pensar com elas, mas também de localizar nosso lugar nessa ―tradição‖, porque
acredito que estamos sim contribuindo para gestar esse conjunto farto de
conhecimentos sobre corpos, sexualidades, desejos, biopolíticas e geopolíticas
também (PELÚCIO, 2014, p. 4).

As peculiaridades de cada local são importantes para as análises dos sujeitos


locais, pois há diferenças entre os sujeitos estadunidenses e os brasileiros periféricos, por
exemplo. Há marcas históricas, culturais e práticas que constroem os sujeitos como
periféricos e esses termos, muitas vezes, não abarcam a realidade de quem se fala.

No Brasil usamos a palavra ―bunda‖, de origem africana, para nos referirmos às


nádegas, enquanto portugueses e espanhóis, usam ―cu‖ ou ―culo‖, respectivamente,
para o mesmo fim. Para nós, brasileiros, somente o orifício excretor merece este
nome. Por sua associação com dejetos, aqui, como em outros lugares, ele está
associado a palavrões, a ofensas, ao que é sujo, mas também a um tipo de sexo
transgressivo, mesmo quando praticado por casais heterossexuais. Porém, no
imaginário sexual local, o sexo anal está estreitamente associado à
homossexualidade masculina. O cu excita na mesma medida em que repele, por isso
é queer (PELUCIO, 2014, p. 10).

O queer é, portanto, uma luta política travada contra a naturalização de opressões


da heteronormatividade e heterossexualidade compulsórias. Desconstrói binarismos que
impossibilitam os sujeitos de expressar suas identidades, tornando o desejo uma política de
liberdade. Esses esforços teóricos empreendidos por essas teorias desafiam a cultura
51

dominante, que transforma diferença em desigualdade; afinal, ―as adesões teóricas são
também locais políticos capazes de instrumentalizar-nos para o bom combate‖ (PELUCIO,
2014, p. 41).
No contexto escolar e também fora dele, todas essas categorias/nomenclaturas
citadas são excluídas socialmente e tratadas com preconceito pelos que defendem uma
tradição heteronormativa e, assim, sofrem todo tipo de discriminação, mortes e tomadas de
direitos apenas por não representarem um padrão conforme aqueles que detêm o poder social.
Como já mencionado, essas minorias vêm emergindo e sua voz reverberando na
sociedade, causando medo e fúria aos conservadores, que desejam manter o status de grupo
dominante, lutando, de várias formas, inclusive judicialmente, para retirar direitos destas
minorias, como é o caso de alguns políticos, que apresentam projetos de lei contra os LGBT+.
Um exemplo a ser dado é o caso do PDC 639/2017 (Projeto de Decreto
Legislativo da Câmara), apresentado no dia 27 de abril de 2017 (GALLI, 2017), pelo então
Deputado Federal Victório Galli, na época filiado ao PSC/MT, atualmente é filiado ao PSL.
Em sua ementa, o projeto propõe sustar a Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, do
Conselho Nacional de Justiça, que ―dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil,
ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo‖ (BRASIL,
2013). Atualmente o projeto está anexado ao PDC 871/2013, do então Deputado Aroldo de
Oliveira PSD/RJ, que hoje ocupa o cargo de Senador pelo PATRI, Sua ementa é a mesma da
PDC 639/2017. Atualmente os dois projetos citados encontram-se arquivados.
Percebemos, com isso, que os ataques contra os direitos dos LGBT‘s são
renovados de período em período. Ora, o texto de 2013, que visava sustar o projeto que
permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, é novamente proposto em outro
projeto, anos posteriores. Ou seja, o objetivo desses conservadores é sempre tentar retirar os
direitos conquistados pela população LGBT+.
Outro projeto que ataca os LGBT‘s é o PDC 539/2016 (SILVA, 2016), que visa
sustar ―os efeitos da Resolução nº 01, de 22 de março de 1999, editada pelo Conselho Federal
de Psicologia – CFP‖ (BRASIL, 1999). A resolução do CFP estabelece normas de atuação
para os psicólogos referente à questão da orientação sexual, considerando que a
homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio, nem perversão e proíbe o psicólogo
de aplicar tratamento contra uma ―cura‖ da homossexualidade. Esta prática era recorrente
antes da resolução ser implementada, causando graves problemas psicológicos e físicos em
quem era submetido a tal ato desumano.
52

O PDC 539/2016, que autoriza o tratamento da chamada ―cura gay‖, nos mostra o
quanto preconceituosos são alguns desses políticos em atuação, políticos esses que são pagos
para pensar melhorias para toda a população, mas, ao contrário, agem com total ignorância e
preconceito.
Este tipo de retrocesso proposto por certos políticos reverbera na sociedade,
incentivando mais ainda o preconceito. Com isso, a população, já preconceituosa, sente-se no
direito de continuar desrespeitando os LGBT‘s, e muitas formas de violências contra a citada
população são registradas: o Disque Direitos Humanos protocolou, em 2013, 1.695 denúncias
de 3.398 violações contra a população LGBT, os negros totalizaram 39, 9% das vítimas,
brancos 27,5%, amarelos e indígenas 0.6%; 32% das vítimas não informaram sua orientação
racial (BRASIL, 2016). Cabe deixar claro que muitas das violências sofridas não são
registradas pelas vítimas, assim, esses dados não representam o número real da opressão
contra as minorias em nosso país.
Outra pesquisa mais recente, realizada pelo Ministério dos Direitos Humanos, nos
mostra que a situação ainda permanece grave. De acordo com o relatório da violência
LGBTóbica no Brasil:

A concepção dos termos LGBTfobia, preconceito e violência é categórico para o


entendimento da dinâmica sociocultural e política no cenário de vivência atual da
população LGBT. Apesar de avanços na aceitação da homossexualidade, o debate
sobre esse assunto é de grande relevância para se evidenciar quais são os tipos mais
recorrentes de violência sofrida por esta população no Brasil, assim como os
principais resultados e atitudes a serem tomadas acerca do tema. É nesse domínio
que se analisa a vulnerabilidade da população LGBT, tendo em vista que este é um
grupo alvo de inúmeras violações de direitos humanos, não só no Brasil, como no
mundo (BRASIL, 2018, p. 6).

Apesar dos avanços nas conquistas de espaços de ocupação da população LGBT+,


como relata a citação acima, ainda existe muita resistência por parte de uma população
preconceituosa e mal educada, escondendo-se atrás de uma espécie de máscara conservadora.
O desrespeito e intolerância são tantos, que são inúmeras as denúncias de violações contra os
LGBT+, inclusive casos de morte. O Brasil lidera o ranking mundial de assassinato a travestis
e transexuais, de acordo com dados Transgender Europe (2016).
No ano de 2016, o Disque Direitos Humanos recebeu 104 denúncias relatando
violências contra travestis, 103 denúncias de violência contra transexuais, 318 denúncias de
violência contra gays, 104 denúncias de violência contra lésbicas, 51 denúncias de violência
contra bissexuais. Este relatório sobre violência LGBTfóbica no Brasil confirmou a alarmante
situação em que vivem esses sujeitos; foram registrados um total de 2.964 violações de
53

direitos humanos de caráter LGBTfóbico só no disque denúncias (BRASIL, 2018). Esses


números tendem a aumentar quando governos autoritários estão no poder, como é o caso do
atual.
Por esse motivo, são necessários projetos que fortaleçam essas minorias perante a
sociedade, mostrando que elas podem se impor para conquistar seus direitos. São necessários
tanto projetos de leis, quanto projetos culturais para o reconhecimento dos direitos desta
população. E, para que isso aconteça, é necessário mais representatividade na política
brasileira, apesar de alguns projetos de lei sancionados a favor dos direitos LGBT+; estes são
frequentemente atacados por ideologias conservadoras que visam o retrocesso, como aqui já
debatemos. Então, a representatividade é importante e o fortalecimento de LGBT‘s ocupando
cargos políticos é essencial. Por isso, resistir enquanto minoria social na política é importante.
Como vimos no decorrer deste subtópico, o sexo, enquanto genitália e prática,
materializa-se e se constrói socialmente como forma de poder, portanto, é algo muito além do
biológico ou natural, é sim naturalizado sob forma de controle social. A sexualidade é um
dispositivo tecnológico social em que operam as tensões que se formam em torno dos
aspectos ligados ao sexual, que perpassam desde o físico até os aspectos psicológicos e
práticos em que os seres sociais travam as batalhas ideológicas de poder para conquistar seus
direitos e derrotar a opressão ligada ao sexual enquanto forma de controle de indivíduos sobre
outros por conta de diferenças.
Já traçamos em linhas gerais uma discussão acerca do sexo e sexualidade e como
historicamente se deu sua forma e criação social, também falamos dos sujeitos coletivos que
se formam neste contexto dentro da sociedade, no caso falamos do público LGBT+, sobre
direitos e violações que estes sofrem, contextualizando sobre o que foi falado a respeito da
construção da sexualidade. Ainda neste debate, ao abordamos a construção do sexo e
sexualidade, citamos a questão do binarismo de gênero, homem-mulher, sobre o qual o
mesmo foi construído socialmente. No próximo subtópico, debateremos mais afundo as
questões referentes ao gênero.

3. 1. 2 Gênero

Uma das frases mais famosas e citadas em rodas de conversas sobre gênero, e
especialmente nos nos ambientes acadêmicos, abre o livro O segundo sexo, de Simone de
Beauvoir (1967, p. 9): ―Ninguém nasce mulher, torna-se mulher‖. Este tornar-se está no ato
54

do autoconhecimento, da vivência; está na prática social e individual de cada sujeito, que só


consegue se (re)conhecer na vivência com os outros.
O conceito de gênero, de forma simplificada, no âmbito das ciências sociais e
humanas, é um termo relativamente novo, formulado na década de 1970, pela influência do
movimento feminista. Neste contexto, criado para contrapor a dimensão biológica da
dimensão social; baseia-se na ideia de que existem machos e fêmeas da espécie humana,
porém, a maneira como cada um se comporta é realizado na cultura, portanto, nas práticas
sociais. E são nas práticas sociais que as desigualdades e relações de poder e dominação
ocorrem.
Segundo Jesus (2012, p. 8), o gênero é ―social, construído pelas diferentes
culturas‖, e observa que o gênero vai além do sexo: ―O que importa, na definição do que é ser
homem ou mulher, não são os cromossomos ou a conformação genital, mas a autopercepção e
a forma como a pessoa se expressa socialmente‖ (JESUS, 2012, p. 8). O corpo, porém, é uma
parte importante nesse processo identitário, pois gênero precisa do corpo para existir e se
identificar enquanto ser no mundo. Portanto, há uma construção social e identitária, causada
pela relação cultural, que estabelece as funções sociais de determinados grupos de sujeitos,
geridas por um sistema de poder sobre esses corpos. Como cita Louro (1997):

Homens e mulheres certamente não são construídos apenas através de mecanismos


de repressão ou censura, eles e elas se fazem, também, através de práticas e relações
que instituem gestos, modos de ser e de estar no mundo, formas de falar e de agir,
condutas e posturas apropriadas (e, usualmente, diversas). Os gêneros se produzem,
portanto, nas e pelas relações de poder (LOURO, 1997, p. 41).

Assim, essas relações são legitimadas na e pela cultura por meio da força e
opressão, não só força e opressão físicas, mas também psicológicas. Além disso, não se deve
cair num binarismo de gênero, pois, como vimos na seção anterior, os gêneros podem ser
mais do que masculino e feminino. Sobre essa questão, Butler (2003), teoriza:

Se o gênero são os significados culturais assumidos pelo corpo sexuado, não se pode
dizer que ele decorra, de um sexo desta ou daquela maneira. Levada a seu limite
lógico, a distinção sexo/gênero sugere uma descontinuidade radical entre corpos
sexuados e gêneros culturalmente construídos. Supondo por um momento a
estabilidade do sexo binário, não decorre daí que a construção de ―homens‖ aplique-
se exclusivamente a corpos masculinos, ou que o termo ―mulheres‖ interprete
somente corpos femininos. Além disso, mesmo que os sexos pareçam não
problematicamente binários em sua morfologia e constituição (ao que será
questionado), não há razão para supor que os gêneros também devam permanecer
em número de dois (BUTLER, 2003, p. 24).
55

Como coloca a autora, o gênero, culturalmente construído, é bem mais abrangente


do que supõe os que defendem o gênero e sexo binários. Esta distinção entre sexo e gênero
permite perceber que o corpo não necessariamente define características masculinas ou
femininas e que essas são ligadas ao corpo sexuado, já que se trata de uma convenção. A
exemplo, podemos citar as pessoas transgêneras, que rompem esses limites entre corpo e
gênero, quando, por exemplo, um corpo dito socialmente como masculino pode ser sentido e
vivido como feminino, ou como nenhum dos dois ou mesmo os dois. ―O chamado sexo
biológico não oferece um fundamento sólido da categoria cultural de gênero, mas ameaça
constantemente subvertê-lo‖ (LAQUEUR, 2001, p. 161).
Para Butler (2003), a distinção que caracteriza sexo e gênero é contestável na
medida em que coloca o sexo como fator unicamente biológico, pois, segundo argumenta,
sexo também é construído socialmente:

Se o caráter imutável do sexo é contestável, talvez o próprio construto chamado


―sexo" seja tão culturalmente construído quanto o gênero; a rigor, talvez o sexo
sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-
se absolutamente nenhuma. / Se o sexo é, ele próprio, uma categoria tomada em seu
gênero, não faz sentido definir o gênero como a interpretação cultural do sexo. O
gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado
num sexo previamente dado (uma concepção jurídica); tem de designar também o
aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos.
Resulta daí que o gênero não está para a cultura como o sexo para a natureza; ele
também é o meio discursivo/cultural pelo qual ―a natureza sexuada" ou ―um sexo
natural" é produzido e estabelecido como ―pré-discursivo", anterior à cultura, uma
superfície politicamente neutra sobre a qual age a cultura (BUTLER, 2003, p. 25).

Reforça-se aí a ideia de corpo como discurso e como significância política, pois o


corpo representa a materialidade e concretude do sujeito agente, que, gerando sentidos
culturais sobre si e sobre os outros com quem convive, estabelece seus significados enquanto
se definem.
Como pontua Laqueur, ―Em alguma época do século XVIII, o sexo que nós
conhecemos foi inventado‖ (LAQUEUR, 2001, p. 189). Como já observamos em tópico mais
acima, os órgãos genitais eram vistos como o mesmo sistema, só que interno e externo.
Eram pautas, em seus esforços para tentar descobrir as diferenças entre homens e
mulheres por sua anatomia e fisiologia, questões ligadas ao orgasmo feminino, anteriormente
inquestionadas, tornaram-se tópicos de debates, bem como as questões ligadas ao
comportamento, que afirmavam que mulheres não tinham paixão e que tinham capacidade
maior para controlar suas emoções durante as relações sexuais, gerando o novo
questionamento sobre o prazer da mulher e da atração sexual.
56

Butler (2003) sugere que o gênero, sendo construído socialmente de forma a


estabelecer padrões sobre os corpos aos quais se materializam, torna-se também determinista,
assim como a concepção de sexo. Nesta visão, enquanto o sexo é determinado pela biologia, o
gênero seria determinado pela cultura:

Em algumas explicações, a ideia de que o gênero é construído sugere um certo


determinismo de significados do gênero, inscritos em corpos anatomicamente
diferenciados, sendo esses corpos compreendidos como recipientes passivos de uma
lei cultural inexorável. Quando a ―cultura‖ relevante que ―constrói‖ o gênero é
compreendida nos termos dessa lei ou conjunto de leis, tem-se a impressão de que o
gênero é tão determinado e tão fixo quanto na formulação de que a biologia é o
destino. Nesse caso, não a biologia, mas a cultura se torna o destino (BUTLER,
2003, p. 26).

De fato, a padronização acarreta uma forma de domínio, que por sua vez deságua
novamente em uma questão de poder. A liberdade neste processo de construção de gênero é
fundamental e deve partir das experiências pessoais. Logicamente, essas experiências só são
possíveis pelo contato social, mas este não limita a capacidade da autoconstrução e
autoconhecimento, até porque, fora de uma situação ditatória, o sujeito tem contato com
diferentes formas de aprendizados, podendo construir seus significados a partir das diferenças
desses, de forma crítica.
Assim, a questão do gênero é também relacionada à identidade do sujeito. Sobre
isso, Butler (2003) apresenta em confronto duas concepções como forma de compreender o
gênero, uma humanista e outra social; enquanto a concepção humanística conceberia ―o
gênero como um atributo da pessoa, caracterizada essencialmente como uma substância ou
um ―núcleo‖ de gênero preestabelecido, denominado pessoa, denota uma capacidade
universal de razão, moral, deliberação moral ou linguagem‖ (BUTLER, 2003, p. 29); na
segunda, ―a concepção universal da pessoa é deslocada pelas posições históricas ou
antropológicas que compreendem o gênero como uma relação entre sujeitos socialmente
constituídos, em contextos especificáveis‖ (BUTLER, 2003, p. 29).
Desta forma, observa Butler (2003), esta concepção social sugere que o que a
pessoa é (e o que o gênero é) refere-se às relações construídas. ―Como fenômeno inconstante
e contextual, o gênero não denota um ser substantivo, mas um ponto relativo de convergência
entre conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente convergentes‖ (BUTLER,
2003, p. 29).
57

Essas concepções vão ao encontro das categorias de sujeitos já mencionadas neste


trabalho, enquanto a teoria social de gênero se enquadra na concepção de sujeito pós-
moderno.
Contudo, afirmamos novamente, essas relações são estabelecidas também pela
dominação e opressão de um sujeito sobre o outro. No caso do gênero, historicamente, é
marcado pelo domínio opressivo do homem sobre a mulher, uma relação de opressor e
oprimido aqui é assinalada, por isso o gênero, no caso o sujeito mulher, é colocada como uma
minoria social, pois esta tem seus direitos suprimidos por uma sociedade de domínio
patriarcal.
A sociedade é construída e sustentada por camadas sociais de poder e dominação,
com base na visão dominante: heterocentrada, branca, cristã, reprodutiva, rica, etc. Desta
maneira, por muito tempo pôde-se perceber a dominação social do homem sobre a mulher em
várias instâncias da sociedade, refletidas desde as questões de inferioridade de salário até
questões de violência física. Essas práticas de poder são legitimadas socialmente pelo sistema
de poder opressivo, como relata Jesus (2012, p. 8): ―Como as influências sociais não são
totalmente visíveis, parece para nós que as diferenças entre homens e mulheres são ‗naturais‘,
totalmente biológicas, quando, na verdade, boa parte delas é influenciada pelo convívio
social‖.
As diferenças e as opressões que se estabelecem por meio dela, longe de serem
naturais, são naturalizadas. Essas formas repressivas estão ligadas ao poder, mas, segundo
Foucault (1979), o poder é aceito porque não age somente pela repressão, mas porque ―ele
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo
como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância
negativa que tem por função reprimir‖ (FOUCAULT, 1979, p. 8).
A dominação se fixa em rituais, enraizando-se na cultura em forma de leis ou nos
contornos das religiões. O sacrifício das viúvas que era praticado em algumas comunidades
hindus, na Índia, é um exemplo disso; segundo o ritual, a viúva (Sati – que virou sinônimo de
mulher honrada) se sacrificava queimando-se viva sobre a pira do marido. Estavam
envolvidos, além da questão religiosa, uma questão capital, pois a viúva herdava as terras e
bens do esposo, por sua vez, quando a viúva se sacrificava, toda a herança que herdara
passava para a família do marido. Portanto, a questão ideológica capital influenciava na
decisão da mulher por fatores externos e psicológicos por parte das famílias que herdavam a
herança (SPIVAK, 2010).
Ao teorizar sobre a dominação masculina, Bourdieu (2012) observa que
58

A força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação: a


visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em
discursos que visem à legitimá-la. A ordem social funciona como uma imensa
máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se
alicerça: é a divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades
atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é
a estrutura do espaço, opondo o lugar de assembleia ou de mercado, reservados aos
homens, e a casa, reservada às mulheres; ou, no interior desta, entre a parte
masculina, com o salão, e a parte feminina, com o estábulo, a água e os vegetais; é a
estrutura do tempo, a jornada, o ano agrário, ou o ciclo de vida, com momentos de
ruptura, masculinos, e longos períodos de gestação, femininos. / O mundo social
constrói o corpo como realidade sexuada e como depositário de princípios de visão e
de divisão sexualizantes. Esse programa social de percepção incorporada aplica-se a
todas as coisas do mundo e, antes de tudo, ao próprio corpo, em realidade biológica:
é ele que constrói a diferença entre os sexos biológicos, conformando-a aos
princípios de uma visão mítica do mundo, enraizada na relação arbitrária de
dominação dos homens sobre as mulheres, ela mesma inscrita, com a divisão do
trabalho, na realidade da ordem social (BOURDIEU, 2012, p. 18-20).

Assim, a diferença biológica, os órgãos sexuais, sobretudo, são colocados como


fatores de justificativa natural das diferenças socialmente construídas entre os gêneros e da
divisão social do trabalho. Essa relação de dominação é inscrita nas formas objetiva e
subjetiva, pois estão nas práticas sociais e em esquemas cognitivos.
Conforme Bourdieu (2012), a relação sexual se mostra como relação social de
dominação no modo em que são construídos os papéis de divisão entre masculino, como
ativo, e feminino, como passivo,

e porque este princípio cria, organiza, expressa e dirige o desejo — o desejo


masculino como desejo de posse, como dominação erotizada, e o desejo feminino
como desejo da dominação masculina, como subordinação erotizada, ou mesmo, em
última instância, como reconhecimento erotizado da dominação (BOURDIEU,
2012, p. 31).

Nas relações homossexuais, também se estabelece essa relação de poder em que


geralmente o sujeito denominado ativo performatiza relações de dominação sobre o passivo,
que, por sua vez, incute os desejos de dominação; neste caso, a figura do feminino é aqui
também colocada como parte desse processo, pois esse sujeito passivo é, no imaginário,
afeminado.
A dominação masculina, a partir do processo simbólico, cria e faz com que as
mulheres tenham insegurança com seus corpos: ―tem por efeito colocá-las em permanente
estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: elas existem primeiro
pelo, e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos receptivos, atraentes, disponíveis‖
59

(BOURDIEU, 2012, p. 82). É criado um estereótipo de mulher, do qual se espera que seja
feminina, sorridente, discreta, submissa, entre outros adjetivos que buscam subordiná-la.
Felizmente, graças às mudanças sociais proporcionadas, sobretudo por trabalhos
críticos como os do movimento feminista, a dominação masculina não se impõe mais como
algo indiscutível, pelo contrário, cada vez mais esta temática é discutida, visando mudar as
ações dessa carga tóxica que é prejudicial para mulheres e homens também.
Essas mudanças foram possíveis devido aos esforços da luta das mulheres. Como
pontua Federici (2004), as mudanças históricas que se fizeram no século XIX,

com a criação da figura da dona de casa em tempo integral – redefiniram a posição


das mulheres na sociedade e com relação aos homens. A divisão sexual do trabalho
que emergiu daí não apenas sujeitou as mulheres ao trabalho reprodutivo, mas
também aumentou sua dependência em relação aos homens, permitindo que o
Estado e os empregadores usassem o salário masculino como instrumento para
comandar o trabalho das mulheres. Dessa forma, a separação efetuada entre
produção de mercadorias e reprodução da força de trabalho também tornou possível
o desenvolvimento de um uso especificamente capitalista do salário e dos mercados
como meios para a acumulação de trabalho não remunerado (FEDERICI, 2004, p.
13).

Essa separação entre produção e reprodução criou uma classe de mulheres


proletárias, que, porém, quase não tinham acesso a salários, forçadas à pobreza, dependência
econômica e sendo invisibilizadas como trabalhadoras (FEDERICI, 2004).
Do lar para as fábricas, mulheres lutaram por melhores salários e melhores
condições de trabalho. O dia 8 de março é comemorado como o dia nacional da mulher, a data
foi consagrada como dia da mulher no 2º Congresso Internacional de Mulheres em 1910.
Historicamente, mitos foram criados como artifício de dominação, tal como o
mito das mulheres serem bruxas. Sobre isso, analisa Kramer (2015), no final do século XX se
rompem dois tabus que causavam a morte das feiticeiras, que é a inserção no mundo público e
a busca pelo prazer sem a repressão. Foram, pois, o controle da sexualidade e o domínio
privado sobre a mulher fatores de opressão feminina. Com o rompimento desses tabus
citados, houve uma maior liberdade da mulher.
O feminismo, que é protagonizado pelas mulheres, foi e tem sido o responsável
pela conquista de direitos sociais para elas. São muitas as conquistas, entre as quais se pode
mencionar: o direito ao voto, ao trabalho, a possibilidade de poder assumir cargos políticos,
entre outras vitórias. E, no entanto, esta luta está só no começo, pois todos os dias os direitos
das mulheres são violados, como em casos de agressão física e feminicídio, como apontam
pesquisas, os números de violência contra a mulher são alarmantes. Os homicídios de
60

mulheres, nomeados de feminicídios, registrados pelo Sistema de Informação sobre


Mortalidade – SIM, em 2013, foram de 4.762 vítimas. A violência doméstica, sexual e outras
violências, contabilizadas pelo Sistema de Informação de Agravo de Notificação – SINAN,
em 2014, foram de 147.691 registros de mulheres que precisaram de atenção médica
(WAISELFISZ, 2015).
O Atlas da Violência (2019) evidencia que houve crescimento dos homicídios de
mulheres no Brasil em 2017,

com cerca de 13 assassinatos por dia. Ao todo, 4.936 mulheres foram mortas, o
maior número registrado desde 2007‖ (IPEA 2019, p 35). A pesquisa também
mostra a questão da desigualdade racial: a taxa de homicídio de mulheres não negras
teve um crescimento, entre 2007 a 2017, de 4,5%, ao passo que o de mulheres
negras cresceu 29,9% (IPEA, 2019).

Em decorrência de tais violações, são necessárias criações e fortalecimentos de


leis que protejam as mulheres. Uma das grandes vitórias do feminismo, desde o ano de 2006,
trata-se da Lei 11.340/2006, que protege as mulheres contra agressões no âmbito familiar.
Conhecida por lei Maria da Penha, seu nome é uma homenagem à cearense Maria da Penha
Maia Fernandes, que em 1983 foi baleada por seu marido, resultando a perda do movimento
das pernas; como não obteve êxito na primeira tentativa de assassinato da esposa, tentou mais
uma vez, via eletrocussão. Maria da Penha saiu de casa juntamente com as filhas e lutou na
justiça até obter vitória contra seu agressor e conseguir prendê-lo pelas atrocidades
(FERNANDES, 2012).
Sobre as disposições preliminares da referida lei:

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher,
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do
Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em
situação de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2006).

Apesar da lei ser bastante afirmativa e proteger muitas mulheres, ainda é falha.
Isto porque o sistema não está totalmente preparado para atender às vítimas de violência
física. São casos e mais casos de mulheres que denunciam seus maridos e estes continuam
praticando seus crimes; se são presos, não ficam muito tempo, pois a ―justiça‖ libera os
61

agressores. E então, conforme o mapa da violência (WAISELFISZ, 2015), mais mortes


entram para as pesquisas quantitativas de feminicídio.
Outra conquista é a Lei nº 13.104, de março de 2015, que altera o código penal
para incluir uma nova modalidade de crime qualificado, o feminicídio, que é o crime
praticado contra a mulher por razões de ser mulher. A lei inclui o feminicídio no rol dos
crimes hediondos e é conhecida como Lei do Feminicídio (BRASIL, 2015).
Diante do que foi posto, percebemos como as relações de opressão e poder se dão
e são construídas na sociedade, e como elas são materializadas e legitimadas pelo sistema
criado e mantido para sustentar a dominação masculina (BOURDIEU, 2012). O feminismo
tem lutado contra toda essa opressão conjuntural masculina, buscando a equidade de direitos
nas relações entre homens e mulheres, já que não são iguais; pelo contrário, as diferenças
entre homens e mulheres têm que ser tratadas como diferenças, e essa divisão de análise tem
que se dar de modo justo, por isso não se busca uma igualdade, mas sim uma equidade, uma
forma de justiça.
Além da questão judicial, é necessária uma reeducação, nas escolas e nas famílias,
sobre a questão de gênero, que pode se dá na discussão desse tema. Desde cedo o sujeito deve
ser incentivado a desconstruir esse pensamento de dominação masculina, construído através
dos anos. Desconstruir as opressões que se dão em conjunto, como vimos aqui nas pesquisas
mostradas, a questão racial sempre está atrelada às minorias que sofrem violações conjuntas.
No próximo tópico, discutiremos sobre questões de raça, o último segmento abordado das
minorias sociais aqui selecionadas.

3.2 Questões de Raça

Como já abordamos, a identidade não é algo inato, ela é construída através das
relações interpessoais entre os vários grupos sociais. Através das práticas sociais, culturais,
linguísticas, das tradições populares, alimentares, dos festivais, tudo isso e muito mais
balizam nossa condição humana, que nos marcam enquanto sujeitos sociais. Portanto, as
identidades envolvem os aspectos culturais, sociopolíticos e históricos de cada sociedade.
Neste contexto, o termo raça também nasce de um processo identitário.
De acordo com Almeida (2018), o termo raça não é fixo, mas seu sentido está
inexoravelmente ligado às condições históricas em que é utilizado, como explica o autor:
―Por trás da raça sempre há contingência, conflito, poder e decisão, de tal sorte que se trata de
um conceito relacional e histórico. Assim, a história da raça ou das raças é a história da
62

constituição política e econômica das sociedades contemporâneas‖ (ALMEIDA, 2018, p. 19-


20). Raça é uma relação social, que se mostra nos atos concretos e nas estruturas da
sociedade, por conflitos e antagonismos.
Por sua constituição histórica, são evidenciados dois registros básicos pelos quais
a raça opera, trata-se das características biológicas e as étnico-culturais. A primeira diz
respeito aos traços físicos, como a cor da pele, e a segunda, ao caráter identitário forjado na
cultura e local, como origem geográfica, língua, religião, etc. (ALMEIDA, 2018). Assim
como os outros segmentos, o fator raça também é delimitado no campo das ciências sociais,
antropológicas e históricas. De acordo com Gomes (2005),

os militantes e intelectuais [...] adotam o termo raça [...] atribuindo-lhe um


significado político construído a partir da análise do tipo de racismo que existe no
contexto brasileiro e considerando as dimensões histórica e cultural que este nos
remete. Por isso, muitas vezes, alguns intelectuais, ao se referirem ao segmento
negro utilizam o termo étnico-racial, demonstrando que estão considerando uma
multiplicidade de dimensões e questões que envolvem a história, a cultura e a vida
dos negros no Brasil (GOMES, 2005, p.47).

Ressaltamos, portanto, que o termo raça, utilizado aqui, tem sentido


ressignificado, passando a definir as relações de poder entre negros e brancos; assim sendo,
não se trata do conceito biológico de raças humanas, mas de um conceito usado na esfera
sócio-política. Como destaca Gomes (2005, p. 45), ―[...] raça ainda é o termo que consegue
dar a dimensão mais próxima da verdadeira discriminação entre os negros, ou melhor, do que
é o racismo que afeta as pessoas negras de nossa sociedade‖.
Em relação às questões de poder que perpassam essa categoria, os conflitos são
manifestados em alguns conceitos, como o preconceito racial, que é um julgamento baseado
no estereótipo em indivíduos racializados, podendo resultar em práticas discriminatórias ou
não; a discriminação racial, que se refere a tratamento diferenciado a pessoas de grupos
racialmente identificados, sustenta-se no poder e no uso da força. A partir disso, o racismo
―é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se
manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens
ou privilégio para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam‖ (ALMEIDA,
2018, p. 25).
Assim, o racismo é a forma concreta do preconceito contra negros, como define
Gomes (2005),
63

O racismo é, por um lado, um comportamento, uma ação resultante da aversão, por


vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial
observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo, etc. ele é por
outro lado um conjunto de ideias e imagens referente aos grupos humanos que
acreditam na existência de raças superiores e inferiores. O racismo também resulta
da vontade de se impor uma verdade ou uma crença particular como única e
verdadeira (GOMES, 2005, p. 52).

Este preconceito se dá de diversas maneiras no âmbito da sociedade, tanto na


forma de violência física ou psicológica, quanto na forma de opressão política, quando, por
exemplo, o sujeito é impedido de atuar em alguma instância social por causa da cor de sua
pele, ou quando delimitam que determinados empregos são para esta minoria, como, por
exemplo, quando colocam que os empregos de gari e empregada doméstica são para negros e
que funções como médica ou advogado são para brancos, etc.
Conforme Campos (2017), a expressão ―racismo‖ denota uma ideologia, bem
como o seu prefixo ―ismo‖ sugere. Segundo este autor, essa expressão começa a ser utilizada
na década de 1920 e conceituada na academia na década de 1940. O pesquisador aponta três
abordagens de como o racismo opera, ao ser analisado no âmbito das teorias sociológicas,
destaca:

A primeira delas entende o racismo como um fenômeno enraizado em ideologias,


doutrinas ou conjuntos de ideias que atribuem uma inferioridade natural a
determinados grupos com origens ou marcas adstritas específicas. Por essa
perspectiva, o adjetivo ―racista‖ só pode ser atrelado a práticas que decorrem de
concepções ideológicas do que é raça. A segunda abordagem, por seu turno, concede
uma precedência causal e semântica às ações, atitudes, práticas ou comportamentos
preconceituosos e/ou discriminatórios na reprodução do racismo. Para essa postura
analítica, as práticas racistas prescindem de ideologias articuladas e, portanto, as
ideias deixam de ser o elemento definidor do racismo. Por fim, a terceira abordagem
crê que o racismo teria assumido características mais sistêmicas, institucionais ou
estruturais nos dias atuais. Embora práticas e ideologias sejam dimensões
importantes do fenômeno, são as estruturas racistas os princípios causais
fundamentais que devem ser investigados (CAMPOS, 2017, p. 1-2).

Assim, o racismo opera e se realiza na relação entre pessoas e grupos de pessoas,


em seu desenvolvimento com políticas públicas e na forma como se organiza o Estado,
abrangendo uma participação cultural, política e ética. Por se desenvolver através de
estruturas políticas, práticas e normas que ditam oportunidades e valores à população por
meio da aparência, o racismo também é reconhecido como um sistema e age nos níveis
pessoal, interpessoal e institucional (WERNECK, 2013).
Conforme Werneck (2013), o racismo institucional, também chamado de racismo
sistêmico, pode ser compreendido
64

como mecanismo estrutural que garante a exclusão seletiva dos grupos racialmente
subordinados - negr@s, indígenas, cigan@s, para citar a realidade latino-americana
e brasileira da diáspora africana - atuando como alavanca importante da exclusão
diferenciada de diferentes sujeit@s nestes grupos. Trata-se da forma estratégica
como o racismo garante a apropriação dos resultados positivos da produção de
riquezas pelos segmentos raciais privilegiados na sociedade, ao mesmo tempo em
que ajuda a manter a fragmentação da distribuição destes resultados no seu interior. /
O racismo institucional ou sistêmico opera de forma a induzir, manter e condicionar
a organização e a ação do Estado, suas instituições e políticas públicas – atuando
também nas instituições privadas, produzindo e reproduzindo a hierarquia racial
(WERNECK, 2013, p. 17).

Segundo Werneck (2013, p. 17), o racismo institucional ―é um dos modos de


operacionalização do racismo patriarcal heteronormativo‖, privilegiando e permitindo a
realização e o interesse de uma hegemonia, homens brancos heterossexuais, portanto, essa
hegemonia tem cor, sexo e gênero.
Além do racismo institucional, existem outras nomenclaturas, como o racismo
epistêmico, que parte da negação do pensamento negro; tem o ocidente como referência
epistêmica predominando em espaços acadêmicos (MARTINS et al., 2018). Como coloca
Martins et al. (2018),

historicamente, a prática acadêmica evidencia o apagamento de biografias de


intelectuais negras/os, o esvaziamento de singularidades por narrativas
descontextualizadas e distanciadas da história, e isto é uma estratégia discursiva
poderosa que resulta em danos irreparáveis na vida de pessoas negras (Martins et al.
2018, p. 124-125).

Ribeiro (2019) acredita que para eliminar o episteminicídio é necessário, em


primeiro lugar, que a universidade reconheça as realidades raciais que existem nela, assim
como entender a importâncias das cotas raciais e evitar o apagamento epistêmico das
bibliografias africanas.
Outro conceito é o racismo recreativo. Moreira (2019) observa que esse tipo de
racismo utiliza o humor como forma velada para praticar a agressão racista, constituindo um
discurso de ódio em que pessoas utilizam o humor para discriminar o outro por sua raça, ao
mesmo tempo, permitindo que pessoas brancas tenham imagem positiva de si mesmas.
Assim, o humor é usado como um meio de manipulação política. Segundo o autor, esse tipo
de racismo tem caráter estratégico, o uso de piadas não é dado apenas para entreter pessoas
brancas, mas para vincular a ideia de posições de poder e prestígio do grupo racial dominante
(MOREIRA, 2019). Trata-se de uma microagressão, que pode ser feita de forma consciente
ou inconsciente. Um exemplo de microagressão pode ser observado quando policiais abordam
65

negros na rua apenas pela cor de sua pele, ou quando uma mulher branca atravessa a rua,
quando em sua direção caminha um negro na mesma calçada (MOREIRA, 2019).
Outro conceito que vale destacar é o colorismo, discriminação que ocorre baseada
na cor da pele, também chamado de pigmentrocracia, quanto mais escura a tonalidade da pele,
mais chances tem esse sujeito de sofrer exclusão social. Como observa Silva et al. (2017), o
colorismo é mais um aspecto da discriminação racial, classificando mais uma vez os
indivíduos pela cor de sua pele. Este tipo de discriminação se dá independentemente da
origem racial da pessoa, enfatizando os traços físicos do sujeito, como cabelo crespo, nariz
largo, que são associados à origem africana. As pessoas de origem negra com tonalidade de
pele mais clara são privilegiadas por esse processo de colorismo, pois são ―toleradas‖ nos
ambientes de pessoas brancas, mesmo não desfrutando dos mesmos privilégios.

Temos aqui um lado muito importante a discriminação colorista: a pessoa negra é


tolerada, mas jamais é aceita, uma vez que aceitar este negro seria reconhecer a
existência de uma discriminação racial. / A ideia presente no ideário do colorismo
não é nem de longe a de aceitar o negro no ambiente branco, mas sim a de tolerar
aquele negro que não tem muitos traços que revelem sua ascendência, a ponto de
poder imaginá-lo como branco e poder conviver com a sua existência em um mesmo
espaço. Os traços existentes naquele negro quase branco devem ser disfarçáveis a
ponto de poder convencer o público e se fazer suportável, coisa que um negro não
disfarçável não conseguiria fazer (SILVA et al., 2017, p. 12).

No Brasil, o tipo de preconceito racial que prevalece é o preconceito de marca, ou


seja, o preconceito que se dá por cor da pele, características físicas, etc. Diferentemente do
tipo de preconceito de origem, mais comum nos Estados Unidos, que é marcado pela
discriminação independente da aparência, mas da procedência familiar do sujeito, como
explica Nogueira (2007):

onde o preconceito é de marca, serve de critério o fenótipo ou aparência racial; onde


é de origem, presume-se que o mestiço, seja qual for sua aparência e qualquer que
seja a proporção de ascendência do grupo discriminador ou do grupo discriminado,
que se possa invocar, tenha as ‗potencialidades hereditárias‘ deste último grupo e,
portanto, a ele se filie, ‗acialmente‘ (NOGUEIRA, 2007, p. 293).

Este tipo de discriminação, no Brasil, é fruto de uma sociedade que historicamente


tentou embranquecer a população, desde o século XIX com as preconceituosas teses
eugenistas, que, entre inúmeros absurdos, defendiam o branqueamento da população por sua
miscigenação para, a cada geração, o negro ficar mais claro. Essa busca pela miscigenação
permitiu pensar que o povo brasileiro é livre de preconceito contra a raça negra, já que o povo
é fruto dessa miscigenação. Mas, ao contrário disso, a discriminação passou a se dar de forma
66

subjetiva, nos detalhes, nem por isso menos perigosa, criando-se, em torno dessa questão, o
mito de que, no Brasil, as raças se toleram mutuamente, uma vez que se trata de uma mistura,
e, dessa forma, tem-se o mito da ―democracia racial‖. Sobre isso, explica Gomes (2005):

O mito da democracia racial pode ser compreendido [...] como uma corrente
ideológica que pretende negar a desigualdade racial entre brancos e negros no Brasil
como fruto do racismo, afirmando que existem entre esses dois grupos raciais uma
situação de igualdade de oportunidade e de tratamento. Esse mito pretende, de um
lado, negar a discriminação racial entre os negros no Brasil e, de outro lado,
perpetuar estereótipos, preconceitos e discriminações construído sobre esse grupo
racial (GOMES, 2005, p. 7).

Na prática social, é sabido que os direitos dessas minorias são negados e


confrontados diariamente.
Um dos ambientes sociais em que podemos perceber a discriminação racial é a
escola. Lopes (2006) destaca que neste ambiente o racismo não ocorre apenas com as
expressões racistas ocorridas entre alunos ou com professores e alunos, mas também
―pela omissão e pelo silêncio quando essas situações ocorrem ou, ainda, pelo mesmo silêncio
e ocultamento da imagem do negro como imagem positiva e, na contrapartida, pela super-
representação da imagem do branco‖ (LOPES, 2006, p. 22). Esse silenciamento por parte de
professores também ocorre com as outras minorias já citadas; quando professores veem um
ato de preconceito e não intervém, eles estão consentindo com o mesmo.
Outro exemplo de silenciamento acontece no próprio livro didático quando não
aborda estudos sobre negritude. A pesquisadora Ana Célia da Silva, em seu trabalho,
investigou a representação do negro na década de 80 e 90, relatando que em livros de língua
portuguesa de 1º e 2º ciclo do ensino fundamental ―caracterizavam-se pela rara presença do
negro, e essa rara presença era marcada pela desumanização e estigma‖ (SILVA, 2011, p. 13).
A autora relata uma mudança significativa na representação do negro no livro didático na
década de 1990, em que

Os personagens representados negros foram ilustrados sem aspecto caricatural na


maioria das vezes. Possuem nomes próprios, contexto familiar, não estão associados
à representação estereotipada de animais, tais como o porco e o macaco. O status de
classe média foi considerado como parâmetro de classe social para a maioria dos
personagens negros descritos e ilustrados. Os papéis e funções considerados
subalternos, nos quais os personagens negros estavam estigmatizados, cederam lugar
a uma diversificação de papéis e funções. Papéis considerados subalternos começam
a ser representados também por personagens brancos (SILVA, 2011, p. 33).
67

Porém, considera a autora, ―os livros didáticos de Língua Portuguesa de Ensino


Fundamental da década de 90 continuam invisibilizando o negro‖ (SILVA, 2011, p. 137).
Contudo, pôde-se pensar em leis que viabilizassem a entrada do negro no livro didático e sua
positivação, a exemplo da lei 10.639/2003, que dispõe:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e


particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. /
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo
da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do
povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil /
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados
no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e
de Literatura e História Brasileiras (BRASIL, 2003).

A esta lei é incluído, pela lei 11.645/08, e por ela alterada, com a entrada do grupo
étnico-indígena: ―Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e
indígena‖ (BRASIL, 2018), com inclusão dos diversos aspectos históricos e culturais
característicos da população brasileira a partir desses dois grupos étnicos, bem como as
questões políticas e econômicas que os envolvem.
Estas leis são exemplos de ações afirmativas. De acordo com Gomes (2003),

As ações afirmativas se definem como políticas públicas (e privadas) voltadas à


concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos
efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de
compleição física. Na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um
princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objeto constitucional a
ser alcançado pelo Estado e pela sociedade (GOMES, 2003, p 5).

Assim, essas ações visam corrigir os efeitos presentes das discriminações


praticadas no passado, a exemplo do Brasil escravocrata; visa dar oportunidades a bens
fundamentais como educação e saúde para essas minorias, que social e historicamente foram
desprovidas delas e tem seus direitos suprimidos diariamente.
A exemplos de ações afirmativas, como relata Gomes, a constituição de 1988
pretendeu erradicar as desigualdades sociais, permitindo mecanismos para promover
igualdade de gênero: ―corporificada nas leis 9100/95 e 9504/97, que estabeleceram cotas
mínimas de candidatas mulheres para as eleições‖ (GOMES, 2003, p. 19).
Outro exemplo dessas ações são as vagas reservadas para deficientes na
administração pública:
68

a Lei 8112/90 (Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União)
estabelece em seu art. 5º, § 2º que ―às pessoas portadoras de deficiência é
assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de
cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras;
para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no
concurso‖ (GOMES, 2003, p. 19).

Outro exemplo de ação afirmativa refere-se à Lei nº 12.711, de 29 de agosto de


2012 (BRASIL, 2012), que dispõe sobre o ingresso nas universidades a partir de cotas para
estudantes oriundos de escolas públicas, e, entre eles, os que se enquadram na questão racial.
Outra Lei derivada de ações afirmativas para negros é a de nº 12.990, de 9 de junho de 2014
(BRASIL, 2014), que reserva 20% das vagas de concurso público para negros. Podemos citar
também as leis 10.639/03, 11.645/08, já mencionadas.
Apesar dessas conquistas, estas ainda são muito poucas diante de tanta injustiça
social, principalmente nos tempos atuais, em que o governo atua ferozmente contra as
minorias sociais, atacando-as de todos os lados, visando à retirada de direitos dos mais
pobres.
Estendendo-se para os demais âmbitos sociais, esse preconceito, muitas vezes,
resulta na morte da população negra, como mostram as pesquisas referentes a violações a
essas minorias sociais. Estudo realizado pelo Mapa da Violência, em 2015, informa que, em
2013, foram contabilizados 4.064 homicídios de jovens negros de até 17 anos de idade,
segundo registro do Sistema de Informação de Mortalidade - SIM (WAISELFISZ, 2015). O
estudo faz uma comparação entre as vítimas em relação à raça e constata que na faixa de 0 a
17 anos de idade, morreram, vítimas de homicídio, 1.127 crianças e adolescentes brancos,
enquanto o número de negros mortos é quase 4 vezes maior: 4.064 negros (WAISELFISZ,
2015).
O Atlas da Violência de 2017, levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, mostra que, ―de cada 100 pessoas que sofrem homicídio no Brasil, 71 são
negras‖ (IPEA, 2017, p. 30). A pesquisa também mostra que, entre os anos de 2005 a 2015, o
número de homicídio de brancos caiu 12%, enquanto o de negros subiu 18%. A violência
policial é outro fator contra a população negra, abordada, agredida e morta por sua cor.
O Atlas da Violência de 2019 aponta que, em 2017, 75,5% das vitimas de
homicídios foram negros, ―sendo que a taxa de homicídios por 100 mil negros foi de 43,1, ao
passo que a taxa de não negros (brancos, amarelos e indígenas) foi de 16,0‖ (IPEA, 2019, p.
49).
69

Estas pesquisas revelam o quanto o Brasil é um País racista e agressivo contra a


população negra, mostrando a importância de se ter mais representatividade negra na política
brasileira para promover maiores oportunidades para essa população. Neste aspecto, tivemos
alguns avanços nas questões afirmativas, que buscam eliminar desigualdades historicamente
acumuladas para garantir oportunidades para as minorias, o que, porém, ainda é pouco diante
de tanto descaso.
Diante de toda essa opressão político-social é necessário que se busque maneiras
para lutar contra os que oprimem, seja a opressão contra o gênero, a identidade sexual ou a
raça. Essas minorias devem se reconhecer enquanto sujeitos que podem falar contra a
opressão e contra um governo que promete o retrocesso. Através das representatividades das
minorias nos espaços sociais e políticos, atuando para a sua libertação e através da arte, a
partir disso propondo uma contra hegemonia.
No próximo capítulo, abordaremos o teatro, nosso objeto metodológico, mais
especificamente o Teatro do Oprimido. Apresentaremos um breve panorama histórico sobre a
trajetória do teatro e um resumo sobre a vida do idealizador do Teatro do Oprimido, marcando
sua importante atuação em um período histórico específico.
Também nos debruçaremos sobre a estética desse teatro: a Estética do Oprimido.
Neste contexto, traremos ao debate o teatro na escola como fonte de educação e, por fim,
discorreremos sobre os exercícios e jogos teatrais na escola.
70

4 TEATRO E ESTÉTICA DO OPRIMIDO: UM TEATRO SOCIAL E POLÍTICO

4.1 Conceitualizando o teatro

Entre outros conceitos, o teatro pode ser definido como ―a arte da representação‖
(MOISÉS, 2007, p. 122). Enquanto gênero, é marcado pelo caráter híbrido, próprio de sua
natureza. Seu surgimento, anterior mesmo à arte literária, fundia práticas mágicas e religiosas,
unindo em um só lugar: a dança, o canto, a música, o circo, entre outros gêneros situados
nesse mundo representativo. Assim sendo, neste contexto, o teatro estaria situado no campo
das artes do espetáculo.
Desde o seu surgimento, a palavra ‗teatro‘ possui uma dupla significação,
podendo ser tanto a casa de espetáculo onde peças são apresentadas, como também o próprio
espetáculo em si. Já a palavra ‗drama‘ trata do texto teatral antes mesmo de sua representação,
podendo ser, em seu conteúdo, peças em que o trágico se mistura ao cômico, referindo-se,
portanto, ao texto literário (MOISÉS, 2007).
Corroborando com as definições de teatro dadas aqui, o Dicionário de Teatro, de
Ubiratan Teixeira (2005) nos dá as seguintes definições:

Teatro. 1. Como expressão estética, a arte específica transmitida de um palco para


uma plateia, por um ator ou atriz; a arte de representar. 2. Como expressão
arquitetônica, é o edifício com características específicas, dotado basicamente de um
palco, de onde são representadas para uma plateia obras dramáticas – óperas,
comédias, balés, revistas musicais, dramas, etc. 3. O conjunto das obras dramáticas
de uma época (o teatro elisabetano), de um país (o teatro brasileiro), de uma corrente
estética (o teatro romântico), de um autor (o teatro de Nelson Rodrigues) Entendido
como drama, o teatro pressupõe uma síntese de vários elementos estéticos, pois se
vale da contribuição de outras artes, tais como a arquitetura e as artes plásticas, na
cenografia e na iluminação, ademais da música, da dança e da literatura. Como
gênero literário ou forma dramática, traduzida em gestos e sons, o teatro tem sido
reconhecido por diversos nomes, obedecendo à voga política, os hábitos sociais ou à
escola literária em moda, bem como o estilo de sua representação. De acordo com
essas variantes, ele pode ser: [...] Teatro do Absurdo [...] Teatro Amador [...] Teatro
de Arena [...] Teatro de Bolso [...] Teatro Dioniso [...] Teatro Elisabetano [...] Teatro
Épico [...] Teatro Clássico [...] (TEIXEIRA, 2005, p. 452, grifo nosso).

Como podemos observar, é amplo o significado da palavra teatro, amplos,


também, seu teor e o modo como opera; o gênero dramático nos possibilita uma análise rica
em seu conteúdo, pois está repleto de outros gêneros textuais (música, dança, etc.). A função
social que o teatro carrega vai diretamente ao encontro das necessidades artísticas e sensoriais
dos sujeitos: ―o teatro parece permitir, através das representações das relações humanas em
71

todos os níveis, colocar em situação de experiência o próprio homem e seu modo de perceber
e conceber o universo‖ (GARDIN, 1995, p. 75). Este teatro mais social é uma forma artística
que, por suas características de aplicação, desafia o sujeito à autoanálise, levando-o a pensar
sobre as práticas dos sujeitos na sociedade, visto que esta arte se dá a partir das vivências e,
por estas, é possível criar com base nas histórias ―reais" ou verossímeis, como aponta Gardin
(1995),

A arte, em especial o teatro, adquire uma função prática, aproximando-se da função


da Ciência, sendo gerador de estruturas próximas ou aproximativas às estruturas
universais e que permite, pela sua observação e experimentação, apontar para uma
nova forma de perceber e de conceber o universo dando, à própria representação,
uma função prática, (não unicamente estética) em relação aos seus objetos
(GARDIN, 199, p. 76).

Em uma análise mais específica dos elementos que compõem o texto dramático, é
possível notar um emaranhado de gêneros entrelaçados formando a obra artística. É marcado
por um hibridismo que o faz ser mais próximo das relações humanas, por sua ação pelas
experiências, próximas das estruturas universais dos sujeitos sociais.
No século XIX, o teatro estava a serviço da burguesia, chegando a perder seu
sentido inicial: ―que era o de espetáculo popular e educativo, para se tornar um minarete de
paixões pessoais, uma simples magnésia para as dispepsias mentais dos burgueses bem
jantados. Daí a sua decadência enorme em todo o século XIX‖ (MAGALDI, 2004, p. 61).
Sobrepondo, assim, uma produção mais individualista, com uma exaltação aos sentimentos
burgueses e uma exclusão do popular.
No século XX, entretanto, o teatro de caráter mais social vai ressurgindo
notavelmente com escritores como o alemão Bertold Brecht (1898-1956), o russo Vladimir
Maiakovski (1893-1930) e o brasileiro Oswald de Andrade (1890- 1954), para citar alguns.
Na década de 1960, o dramaturgo Augusto Boal começa a esboçar seus trabalhos,
que vão corroborar com o teatro social e político, aprimorando, através dos anos, com sua
prática e experiência, um teatro para os oprimidos socialmente, principalmente, feito por
estes, com a inserção de atores e não atores, com a inclusão da plateia, participativa e atuante.
Para Boal:

O teatro é uma forma de comunicação entre os homens; as formas teatrais não se


desenvolvem de maneira autônoma, antes respondem sempre a necessidades sociais
bem determinadas e a momentos precisos. O espetáculo faz-se para o espectador e
não o espectador para o espetáculo; o espectador muda, logo o espetáculo também
terá de mudar (BOAL, 1982, p. 3).
72

Desta maneira, Augusto Boal enxerga as funções social e política do teatro,


trazendo, para o centro deste, o espectador, preocupando-se, assim, com a sua recepção,
esquecida em outros períodos da história teatral. O teatro, nesta perspectiva, não seria mais
aquele produzido para os abastados socialmente, mas para e pelos sujeitos que estão à
margem da sociedade. Desse modo, o dramaturgo defende que qualquer pessoa pode fazer
teatro, seja qual for sua classe social e, neste sentido, estaria exercendo atos políticos, como
ele mesmo propõe: ―todo o teatro é político, ainda que não trate de temas políticos‖ (BOAL,
1982, p. 15). É política e histórica, portanto, a trajetória dos sujeitos que participam da
sociedade, sendo por ela criados e depois modificando-a, pois, formados por fatores sociais,
os sujeitos criam sua história por meio de suas vivências, e atuando sobre a realidade social,
podem transformá-la, seja para o bem, seja para o mal.

4.1.1 O gênero teatro: breve contextualização

Considerada o berço do teatro ocidental, a Grécia, apresenta, entre os séculos VI


a.C e V a.C, festivais religiosos, nos quais a tragédia, do grego tragoidía, significa canto de
bode, nascendo do culto festivo a Dionísio, deus do vinho; nessas festividades, os atores se
mascaravam de bodes e entoavam um coro de lamentos ao deus mencionado. Foi Téspis quem
introduziu o espetáculo cênico nos festejos, em 534 a.C. Já a comédia (kômos, festim popular,
ou kómas, aldeia), nasceu no século V a.C, em cerimônias cultuadas à primavera, onde se
fazia procissões com exaltações fálicas, que eram o símbolo da fertilidade (MOISÉS, 2007).
Na Idade Média, o caráter religioso do teatro permanecia pela intensa atividade
católica na época, em que ocupavam-se com as histórias bíblicas. Porém, neste período,
surgem as comédias bufas, com exploração de temas políticos e sociais, e as irônicas e
estereotipadas farsas com suas temáticas do cotidiano. No Renascimento, os espetáculos
teatrais populares possuíam grande força; surgindo a Commedia Dell‘Arte na Itália e França,
com personagens marcantes como Colombina, Pierrot e Arlequim; o Classicismo Francês; o
Siglo de oro, na Espanha e o Teatro Elisabetano, na Inglaterra, onde destaca-se um dos
maiores dramaturgos da época, Willian Shakespeare.
No Romantismo, com a ascensão da burguesia, o teatro passa a ser mais
individualista e pouco ligado ao social. Este teatro objetivava despertar sentimentos que eles
chamavam de ―nobres‖ no público para instigar a moral, portanto, um teatro burguês. A partir
do século XX, o teatro volta com suas características de discussão e crítica social, trabalhando
questões políticas, como no teatro de Brecht (1898-1956), por exemplo.
73

No Brasil, o teatro sofreu forte influência europeia pela colonização portuguesa,


usado para catequização dos índios no Brasil colônia, período caracterizado como teatro
jesuítico. No romantismo brasileiro, podemos citar, como alguns dos representantes,
Gonçalves de Magalhães (1811-1882), Martins Pena (1815-1848), Gonçalves Dias (1823-
1864).
No início do século XX, por conta da Primeira Grande Guerra Mundial (1914), o
Brasil se distanciou das produções artísticas europeias, gerando produções de temáticas
regionais e nacionalistas, a exemplo do teatro de Cláudio de Sousa (1879-1954) e Gastão
Tojeiro (1880-1965).
Na década de 1930, Oswald de Andrade (1890-1954), influenciado pelas
vanguardas europeias, produz um teatro antropofágico de grande importância política, mas de
pouca visibilidade pela crítica. Em 1948, é fundado, por Franco Zampari (1898-1966), o
Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), que pode ser considerado um marco na dramaturgia
brasileira. Nelson Rodrigues (1912-1980) destaca-se como o pioneiro da moderna
dramaturgia brasileira, com a obra Vestido de Noiva (1943), onde aparecem ações simultâneas
em três planos: alucinação, realidade e memória. No Nordeste brasileiro, destaca-se o drama
de Ariano Suassuna (1927-2014), com características populares e folclóricas.
Também se destacam Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), com o drama social
Eles não usam Black-tie. O baiano Dias Gomes (1922-1999), com O Pagador de Promessas
na década de 1960, e Plinio Marcos (1935-1999), cuja crítica de seu teatro aborda violência
com linguagem franca e direta, como nas obras Navalha na carne e Quando as máquinas
param. (CEBULSKI, 2012).
Na década de 1940, surge o Teatro Experimental do Negro – TEM, idealizado por
Abdias Nascimento (1914-2011). Objetivando a valorização da cultura afro-brasileira no
teatro e valorização social do negro a partir da arte e da educação.
Na década de 1950, surgem o Teatro Oficina e o Teatro de Arena com grande
importância no teatro político brasileiro. No Teatro de Arena destaca-se o trabalho de
Augusto Boal como diretor.
Em relação ao teatro LGBT, tem-se representação em 1985, com a criação do
Movimento de Emancipação Homossexual ATOBÁ. E relacionados ao Teatro do Oprimido,
podemos citar o Grupo Homossexual de Teatro do Oprimido – GHOTA, um grupo de teatro
amador, formado por homossexuais, na década de 1990. (SANCCTUM, 2015).
Com relação à dramaturgia feminina no Brasil, esta vai surgindo na segunda
metade do século XX, de forma tímida. Entre alguns nomes da dramaturgia feminina
74

brasileira pode-se citar: Renata Pallottini (1931), Hilda Hilst (1930-2004), Leilah Assunção
(1943), Consuelo de Castro (1946-2016), Maria Adelaide Amaral (1942), Maria Clara
Machado (1921-2001) (CEBULSKI, 2012).

4.2 Augusto Boal e a arte de resistência

Nascido a 16 de março de 1931, Augusto Pinto Boal foi o idealizador e criador do


Teatro do Oprimido, que, no início da década de 1960, começou a dar seus primeiros passos.
Décadas depois, mais consolidado, este teatro passou a ser usado em várias partes do mundo
como método em diferentes áreas, como educação, saúde mental, em sistemas prisionais, em
trabalho social com as minorias, entre outros.
Depois de concluir o curso de química em 1950, na Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), Boal parte para estudar teatro em Nova York, cursando Direção e
Dramaturgia. Volta para o Brasil em 1956 e é convidado a integrar o Teatro Arena de São
Paulo, que, junto com José Renato (1926-2011), assume a direção do citado Teatro. Em seu
trabalho como diretor, adapta e usa o método de Stanislavski. Posiciona-se, junto a seu grupo,
na opção ideológica da esquerda brasileira, engajando-se na investigação de uma dramaturgia
e atuação voltadas para debates e reivindicações nacionalistas (ENCICLOPÉDIA, 2017).
Em 1960, é considerado um dos melhores dramaturgos da época, com seu texto
Revolução na América do Sul. Em seus experimentos no Teatro Arena, desenvolve o método
‗Sistema Coringa‘. Seu primeiro experimento com este método se deu com o espetáculo
Arena Conta Zumbi (1965), este confirma o Arena na liderança da pesquisa teatral no país e
na luta contra o sistema de repressão.
O sistema coringa é um método criado para possibilitar a montagem de qualquer
peça com um elenco de número reduzido (após o golpe militar de 1964, o público de teatro
diminuíra, por conta da repressão, e os grupos de teatro contavam com poucos atores). Neste
sistema, todos os atores representam todas as personagens, revezando entre si. A um desses
atores, o coringa, é encarregada a função narrativa de interligar as partes da peça, relatando o
ponto de vista dos acontecimentos.
Em 1968, no auge da repressão militar, Boal realiza a Primeira Feira Paulista de
Opinião. A censura fez vários cortes nos textos do evento, entretanto, o autor ignorou os
cortes, apresentando o espetáculo na íntegra. Foram mais de 70 cortes na peça A lua muito
pequena e a caminhada perigosa (INSTITUTO, 2018).
75

O cenário político se torna perigoso no contexto de 1968, com a repressão militar


também nas artes. É declarado o Ato Institucional nº 5, no final do ano citado e, por conta
dessa repressão, o Grupo Arena viaja para fora do país, apresentando espetáculos entre 1969 e
1970, passando por Estados Unidos, México, Peru e Argentina.
De volta para o Brasil, Boal é preso e torturado; partindo então para o exílio em
1971. Primeiro se refugia na Argentina, passando cinco anos neste país, onde continua
trabalhando e aprimorando seus métodos. Lá desenvolve a estrutura teórica das execuções do
Teatro do Oprimido.
Passados os cinco anos na Argentina, muda-se para Portugal, onde morou por dois
anos. Após esse período, mudou-se para Paris, em 1978, onde criou o Centro Para Pesquisa e
Difusão do Teatro do Oprimido, o Ceditade (Centre d'étude et de diffusion des techniques
actives d'expression).
O teatrólogo visita o Brasil, em 1979, para ministrar um curso no Rio de Janeiro e,
em 1980, volta para o Brasil novamente, com o seu grupo francês, para apresentar o teatro do
oprimido, que já estava consagrado na América do Sul, Europa e África. O dramaturgo só
consegue voltar para morar no Brasil em 1984, com a anistia. Mesmo assim, ainda neste
período, continua viajando pelo mundo, aplicando e apresentando seu método, ministrando
cursos e desenvolvendo atividades (RAZUC, 2019).
Sobre este período da ditadura brasileira, o golpe militar de 1964, é interessante
alguns apontamentos. O período se caracteriza pela violência e repressão do governo militar
sobre a população brasileira, atingindo principalmente os mais pobres, que sofreram com
perdas de direitos sociais. Além disso, os que não concordavam com o governo vigente eram
presos e torturados ou até mesmo mortos.
De acordo com Relatório da Comissão Nacional de Verdade,

o período da ditadura militar instalada em 1964, esteve associado a um quadro de


violações massivas e sistemáticas de direitos humanos, em que os opositores
políticos do regime – e todos aqueles que de alguma forma eram percebidos por este
como seus inimigos – foram perseguidos de diferentes maneiras. Os exemplos são
muitos: cassação de mandatos eletivos e de cargos públicos, censura e outras
restrições à liberdade de comunicação e expressão, punições relativas ao exercício
da atividade profissional (transferências, perda de comissões, afastamento,
demissões) e exclusão de instituições de ensino (DIAS et al., 2014, p. 278).

Dentre outras violações citadas pelo Relatório, encontram-se: prisões ilegais e


arbitrárias; prática de violência sexual; torturas e ainda execuções sumária, arbitrária e
76

extrajudicial. Também entram nessa lista mortes de indivíduos em confronto com o poder
público, e ainda suicídios causados em decorrência de prisões e torturas (DIAS et al., 2014).
A arte, com seu poder político, foi de grande importância na luta contra a
repressão causada pela ditadura, como os festivais de música e de teatro, que denunciavam e
lutavam contra o sistema opressivo, e o TO contribuiu nesta luta, na forma de resistência
política.
Continuando a falar de Augusto Boal, dentre seus inúmeros prêmios e títulos,
destacam-se o Officier de l'Ordre des Arts et des Lettres em 1981, e a Medalha Pablo Picasso,
atribuída pela Unesco em 1994. Em 2008, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, por causa de
seu trabalho com o Teatro do Oprimido e, em março de 2009, foi nomeado embaixador
mundial do teatro pela UNESCO.
Em 02 de maio de 2009, Boal veio a falecer no Rio de Janeiro, por insuficiência
respiratória, deixando como legado um dos maiores métodos teatrais da contemporaneidade,
usado em inúmeros países por todo o mundo, ajudando minorias sociais a tentar buscar
maneiras de se libertar socialmente do lugar de subalterno, por meio do teatro e da política, ou
melhor, do teatro com política, que é o teatro do oprimido.
Entre suas obras publicadas, encontram-se, entre alguns gêneros, peças teatrais,
romances e crítica teatral, tais como Revolução na América do Sul (1960); Arena Contra
Tiradentes (1967); Categorias de Teatro Popular (1971); Torquemada (1972); Crônicas de
Nuestra América (1973); Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas (1975); Técnicas
Latino-Americanas de teatro popular uma revolução copernicana ao contrário (1975); A
Tempestade / Mulheres de Atenas (1977); Jane Spitfire (1977); Murro em ponta de faca
(1978); Tokio (1984); Paju (1985); Jogos para atores e não-atores (1998); O arco-íris do
desejo: método Boal de teatro e terapia (1996); Taiwan (2000); A deliciosa e sangrenta
aventura latina de Jane Spitfire, espiã e mulher sensual (2003); A estética do oprimido
(2009); dentre outas obras.
Aclamado pela imprensa internacional, sobre ele, escreve o Jornal inglês The
Guardian: ―Augusto Boal reinventou o Teatro Político e é uma figura internacional tão
importante quanto Brecht ou Stanislawsky‖; Para o Time Out: ―Boal é um dos maiores
pesquisadores do teatro. (...) Outros pensavam que tinham as boas respostas. Boal fez as boas
perguntas‖; Para Richard Schechner, diretor de The Drama Review, ―Boal conseguiu fazer
aquilo com que Brecht apenas sonhou e escreveu: um teatro alegre e instrutivo. Uma forma de
terapia social. Mais do que qualquer outro homem de teatro vivo, Boal está tendo um enorme
impacto mundial‖ (BOAL, 2003).
77

Apesar de bem avaliado pela crítica, Barbosa e Ferreira (2017) observam que as
práticas do Teatro do Oprimido têm apresentado fragilidade que se distanciam dos objetivos
transmitidos por Boal. Os autores analisam cinco categorias sobre as quais problematizam a
crítica em torno das tensões do TO na atualidade.
A primeira crítica se faz à mercantilização do TO, em que algumas empresas
utilizam os métodos para selecionar funcionários, por exemplo. A segunda crítica diz respeito
à tecnicização, que reduz este teatro a um conjunto de exercícios usado para capacitação
profissional. A terceira é a instrumentalização deste teatro, que o coloca como um livro de
receitas de técnicas. A quarta é a individualização, que busca a competência do indivíduo. A
quinta crítica é sobe a fetichização deste teatro, que algumas pessoas pensam ser a solução
para todos os males.
Todas essas formas de utilização do TO apontadas acima não condizem com o
teatro idealizado por Boal. Em primeiro lugar, o TO é um método usado por e para oprimidos
socialmente e perde sua característica quando é utilizado por empresas que visam lucro e que
é uma das formas de opressão. Em segundo lugar, o TO é para todos aqueles que precisam e
não para atores detentores de técnicas, pois, para Boal, todos são teatro. Com relação aos
exercícios e jogos, estes não são imutáveis ou regras, mas, de acordo com Boal, devem se
adequar ao seu tempo e público, por isso o autor sempre reinventava exercícios e jogos. Com
relação à fetichização, Boal nunca colocou o TO como um salvador social, mas sim enquanto
método testável e adaptável. Portanto, todos esses modos não estão de acordo com o que o TO
realmente significa.
No próximo tópico, discutiremos o teatro do oprimido e sua estética, sua
trajetória, suas características.

4.3 A Estética do oprimido

Ao propor uma estética para o seu teatro ou para o seu método teatral (a Estética
do Oprimido), Boal faz primeiramente uma crítica a um falso e ideologizado conceito de
estética dominante, que se sustenta no interior de um sistema neoliberal, que em si incita à
competição danosa, como é o objetivo deste sistema citado (BOAL, 2009). Assim, estando
sob o benefício do privilégio, as classes dominantes criam táticas para manter o monopólio do
poder sobre as classes dominadas. Este controle e domínio também são mantidos por meio da
estética, como pontua Boal,
78

As ideias dominantes em uma sociedade são as ideias das classes dominantes, certo,
mas, por onde penetram essas ideias? Pelos soberanos canais estéticos da Palavra, da
Imagem e do Som, latifúndios dos opressores! É também nestes domínios que
devemos travar as lutas sociais e políticas em busca de sociedades sem opressores e
sem oprimidos. Um novo mundo é possível: há que inventá-lo! (BOAL, 2009, p.
15).

Palavra, Imagem e Som são os objetos apontados como canais de controle


estéticos. Estes são usados pela classe dominante com a falsa ideia de que sua produção
estética é a melhor. Para o autor, as lutas políticas e sociais têm que se dar também nesse
campo artístico e estético, cuja proposta é se apossar e ressignificar esses objetos, usando-os
em favor dos oprimidos, para criar sua própria forma de reinvenção e libertação da classe
opressora.
A etimologia da palavra ‗Estética‘ deriva do grego aisthesis: ―faculdade de sentir,
compreensão dos sentidos‖, ligando-se, portanto, à fruição. Ao tratar de estética, Boal analisa
o conceito defendido por Baumgarten (1750) que, ao defini-la, imagina uma ciência do
conhecimento sensível, que, porém, Baumgarten denomina de conhecimento inferior, que está
entre uma sensação pura, obscura e confusa e o puro intelecto que, por sua vez, seria claro e
distinto. Para esse autor, a estética é o resultado da harmonia da Coisa/Objeto com o
pensamento; estando interligados, portanto.
Boal concorda em parte com o pensamento de Baumgarten, quando o mesmo
considera a Estética uma relação sujeito-objeto, observa que o objeto, para ser desejado,
necessita da ação direta desejante do sujeito para que haja a transitividade entre objeto e
sujeito dentro dessa estética (BOAL, 2009); Boal discorda, entretanto, que a sensação pura,
dentro do jogo estético, seja obscura e confusa, mas acredita que ela é:

[...] rica e complexa, quando sentida como tal como é. Sendo provocada pelo objeto
(coisa), pode causar diversidade de percepções em diferentes sujeitos, ou no mesmo
sujeito em diferentes momentos. Pelas múltiplas possibilidades que oferece de ser
traduzida em palavras, pode causar confusão. O que causa confusão, porém, são as
palavras que a traduzem, não ela. Palavras são Pensamento Simbólico, e os símbolos
necessitam interlocutores concordes (BOAL, 2009, p 26).

Boal também discorda quando Baumgarten utiliza a palavra inferior para designar
o Conhecimento Sensível, pois este, segundo Boal, não se trata de arquivo morto,
―mero registro de informações sensoriais, mas sim o dinâmico orquestrador das novas
informações com as já recebidas e hierarquizadas, com as carências e desejos do sujeito – isto
é Pensamento –, é a sua conversão em atos‖ (BOAL, 2009, p 26). Ora, o sensível impulsiona
79

a vida tanto quanto a matéria corporal, pois, de todo modo, as sensações fazem parte do
corpo, e nele se materializam, ou vice-versa.
Um outro falso conceito de estética vivenciado pela sociedade atual pontua uma
beleza universal, na qual impõe uma única forma ao belo, a exemplo de como deve ser um
corpo dentro dos padrões de beleza e moda, ou qual arte, como pintura ou texto, é realmente
belo enquanto estética ou não. No entanto, o belo não está em um padrão ditatorial, mas está
na experiência social entre o sujeito e o objeto com o qual se formam os significados, dado
que um mesmo objeto pode ser visto de formas distintas dependendo do sujeito que o
vivencia (JAUSS, 1994).
Em A Estética do Oprimido (2009), Boal discute duas teses principais:

1 — existem duas formas humanas de pensamento – Sensível e Simbólico –, e não


apenas esta que se traduz em discurso verbal. São formas complementares,
poderosas, e são, ambas, manipuladas e aviltadas por aqueles que impõem suas
ideologias às sociedades que dominam;
2 — como todas as sociedades estão divididas em classes, castas, etnias, nações,
religiões e outras confrontações, é absurdo afirmar a existência de uma só estética
que a todos contemple com suas regras, leis e paradigmas: existem muitas estéticas,
todas de igual valor, quando têm valor (BOAL, 2009. p. 16).

Cada sujeito possui suas percepções ao olhar o mundo e seus objetos a partir de
suas vivências e experimentações. Para Boal, ―existem saberes que só o Pensamento
Simbólico pode nos dar; outros, só o Sensível é capaz de iluminar. Não podemos prescindir
de nenhum dos dois‖ (BOAL, 2009, p. 22).
A arte e a cultura habitam os campos do sensível e do simbólico e são grandes
forças na luta da libertação dos oprimidos. Através delas, o campo de conhecimento do sujeito
se amplia e sua capacidade de conhecer é aprofundada. Uma real democracia só é possível, de
acordo com Boal, quando todos os cidadãos puderem se tornar conscientes da realidade em
que vivem e tornarem-se conhecedores das formas de transformá-las. Não basta o sujeito
saber que está sendo oprimido, é necessário saber uma forma de se desamarrar dessa opressão
e fazer acontecer: ―só com cidadãos que, por todos os meios simbólicos (palavras) e sensíveis
(som e imagem), se tornam conscientes da realidade em que vivem e das formas possíveis de
transformá-la‖ (BOAL, 2009, p. 16).
Para Boal, a estética é a ciência da comunicação sensorial e da sensibilidade, não
a ciência do belo. É, pois, a organização do sensível em meio ao caos da vivência cotidiana.
O belo é relativo, está no olhar do sujeito e no objeto para o qual ele olha; suas percepções
80

sobre o objeto são subjetivas, podendo ser diferentes para cada pessoa, o que uma enxerga
como belo, a outra não o vê com essa qualidade.
Sobre essa interação entre sujeito e objeto, o autor aponta e diferencia o lugar da
arte e estética: ―arte é o objeto material ou imaterial. Estética é a forma de produzi-lo e
percebê-lo. Arte está na coisa; Estética, no sujeito e em seu olhar‖ (BOAL, 2009, p. 22). A
estética não estaria, portanto, à mostra em uma prateleira, como um produto a ser vendido,
com uma forma única e superior, ditada por uma classe que a idealizaria como tal. Não há
uma só estética, universal, porque são muitas as culturas que dela se apossam e a definem, e
no interior das culturas há também inúmeras divisões no interior das sociedades, cada uma
com seus valores diferentes, impossibilitando, assim, um valor universal e eterno à estética e
ao belo.
A estética proposta por Boal tem papel organizacional, como aponta o autor:

Belo, bonito, feio... e Sublime. / Sublime é o belo inexcedível. Sublime é a Ética,


organização suprema do caos. Moral se obedece, Ética se inventa. / Moral é o que é
– Ética é o que se deseja que seja. / Assim como a cosmetizada palavra Estética, a
Ética tem sido amesquinhada quando entendida como sinônimo de bom
comportamento (BOAL, 2009, p. 38).

O autor coloca a ética no local do sublime quando a enxerga como organizadora


da sociedade, sem que com isso seja opressora, ao contrário, ela deve estar a serviço de todas
as classes, de acordo com as necessidades delas, criada por elas para se organizar, ao contrário
da moral, que é opressora e conservadora, visto que ela obriga à obediência segundo a visão
conservadora. Boal atenta para o fato de não confundir a função da ética com sentido de bom
comportamento, amesquinhando seu significado, assim como fazem com a estética.
Para o teatrólogo, ―ética é o caminho por onde se pretende chegar ao sonho de
humanizar a Humanidade‖ (BOAL, 2009, p. 39). Para ele, a ética rejeita o lado animal
predatório da sociedade humana, buscando criar relações solidárias. De acordo com o escritor,
a estética nas sociedades competitivas, capitalistas neoliberais e ditatoriais coercitivas,
transformou-se em uma ―corrida de cavalos‖, onde seus valores se dão à base do capital;
quanto mais valor aquisitivo se tem, mais se controlam as relações éticas.
Com a proposta da estética do oprimido, Boal não deseja criar um estilo ou gênero
a mais, mas trabalha a partir do que já existe, pretendendo ir ―radicalmente ao âmago do ser
humano e revelá-lo‖ (2009, p. 137). Essa revelação plena surge em forma estética através da
arte. Como o trabalho é com os oprimidos, aí surge a Estética do Oprimido! Como aponta o
teatrólogo,
81

A Estética do Oprimido, ao propor uma nova forma de se fazer e de se entender a


Arte, não pretende anular as anteriores que ainda possam ter valor; não pretende a
multiplicação de copias nem a reprodução da obra, e muito menos a vulgarização
do produto artístico. Não queremos oferecer ao povo o acesso à cultura – como se
costuma dizer, como se o povo não tivesse sua própria cultura ou não fosse capaz de
construí-la. Em diálogo com todas as culturas, queremos estimular a cultura própria
dos segmentos oprimidos de cada povo. / Queremos promover a multiplicação dos
artista (BOAL, 2009, p. 46).

Essa estética do oprimido não procura impor ou mostrar um caminho ou método


em uma base arbitrária, mas, em conjunto com o público participante deste teatro, buscar
entender e exaltar a cultura própria do povo, mostrando que eles têm uma cultura nem melhor
nem pior do que a dos mais abastados socialmente, apenas possui suas peculiaridades. Busca
também mostrar ao povo que ele pode ser artista, que ele é teatro e ação, podendo agir para
sua libertação contra a cultura dominante e dominadora. Objetiva, ainda, à democratização da
arte, pois todos merecem ter acesso a ela, não podendo ficar restrita apenas a uma classe. Essa
arte é política e ideológica e luta contra as imposições injustas do poder dominante, como
registra Boal,

A Estética do Oprimido, democrática e subjuntiva, visa, através da arte, permitir ao


cidadão questionar dogmas e certezas, hábitos e costumes que suportamos em nossas
vidas. Visa analisar cada ação e cada fato que acontece dentro de circunstâncias
concretas. Visa destruir coroas de circuitos neuronais refratárias e agressivas... mas
não indestrutíveis. / Através delas se impõem ideias e ideologias imobilistas em que
o único movimento permitido é a concentração de poder. Destruir essas coroas é a
propedêutica necessária para a abertura de caminhos (BOAL, 2009, p. 158).

Ao explicar o funcionamento de sua estética, o dramaturgo é bem didático ao


fazer analogia com uma árvore, retratando, de uma forma bem lúdica, esse fazer teatral:

O TO é uma Árvore Estética: tem raízes, tronco, galhos e copas. Suas raízes estão
cravadas na fértil terra da Ética e da Solidariedade, que são sua seiva e fator
primeiro para a invenção de sociedades não opressivas. Nessa terra coexistem o
remanescente instinto predatório animal e o avanço humanístico. Na terra, vemos a
miséria do mundo; nas copas, o sol da manhã (BOAL, 1991, p. 185).

De acordo com essa descrição, temos a seguinte imagem:


82

Figura 2 – Árvore do TO

Fonte: Vidarte, 2011.

Como podemos observar, a copa e o caule da árvore são formados pelos modelos
teatrais que seu idealizador foi experimentando. As raízes são palavra, som e imagem:
―como o Teatro é o encontro de todas as artes, a Estética do Oprimido existe no som, na
palavra e na imagem. É a seiva da sua árvore – árvore viva. Não existe TO sem Estética do
Oprimido – esta é a sua linguagem‖ (BOAL, 2009, p. 164). A base que sustenta e alimenta
essa árvore é a ética e a solidariedade e também os aspectos históricos, filosóficos,
econômicos e políticos em sua forma estética, que perpassam pela palavra, pelo som e pela
imagem, transitando pelos jogos.
Dessa forma, temos o seguinte processo prático estético: o início se dá no tronco
da árvore, com os jogos lúdicos, apoiados na base de seus aspectos sociais. Na sequência, o
teatro imagem, onde as formas de percepções não-verbais são estimuladas. Neste teatro, são
trabalhadas imagens concretas a partir de questões-problemas e sentimentos, buscando a
compreensão dos fatos representados nas imagens da figura corporal.
Dando prosseguimento à análise da árvore, têm-se cinco grandes copas: a primeira
delas é o teatro jornal. Nascido na década de 1970. Essa forma estética foi criada como
resposta à imprensa ideológica dominante. A técnica é usada para explicar as manipulações
utilizadas pelos meios de comunicação, ―as doze técnicas do Teatro Jornal (1970, Núcleo do
Teatro do Arena de São Paulo) permitem desmistificar essa falsa neutralidade transformando
83

notícias e reportagens, ou qualquer material impresso, inclusive a Bíblia e atas sindicais, em


cenas teatrais‖ (BOAL, 2009, p. 188).
A segunda copa é o arco-íris do desejo, que foi criado em Paris (1980-1983). Esta
técnica introspectiva nasce quando Boal percebe que nem todas as opressões se dão de modo
objetivo e físico, mas que também existem opressões que estão no campo da subjetividade:
são opressões internalizadas. Para isso, são usadas técnicas que podem ser terapêuticas, mas
não se confundem com terapia, pois aqui estão ligadas ao campo da arte.
Depois, tem-se a terceira copa, o teatro invisível, que foi pensado quando Boal
estava exilado em Buenos Aires (1971-1973). A proposta deste teatro é que seja feito em
locais do cotidiano, como em uma praça, no metrô, dentro de um ônibus, etc., locais onde a
cena realmente pode ocorrer de fato. A diferença desse teatro consiste em não revelar ao
público que se trata de uma representação teatral, tentando sensibilizá-los sobre opressões que
passam despercebidas.
A quarta e última copa trata do teatro legislativo, desenvolvido com Coringas do
Centro de Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro – CTO, consistindo na simulação de uma
sessão de uma assembleia legislativa, cujos participantes espect-atores são estimulados a criar
e escrever propostas de leis que visam à solução dos problemas representados no teatro-
fórum. No início da década de 1990, Boal foi vereador do Rio de Janeiro pelo Partido dos
Trabalhadores (PT), utilizando o método de seu teatro para formulação de leis junto aos seus
espect-atores, tornando seus assessores os membros do CTO (INSTITUTO, 2017).
A partir do Teatro Legislativo, mais de 15 leis municipais foram criadas
(SANCTUM, 2015), a exemplo da Lei Municipal do Rio de Janeiro de Nº 2.475/1996, que
determina: ―Art. 1º - Os estabelecimentos comerciais, industriais e repartições públicas
municipais que discriminarem pessoas em virtude de sua orientação sexual, na forma do § 1º
do art. 5º da Lei Orgânica do Município, sofrerão as sanções previstas nesta Lei‖ (RIO DE
JANEIRO, 1996). As sanções impostas aos estabelecimentos que forem enquadrados pela
referida Lei, são: advertência, multa, suspensão de funcionamento por 30 dias, cassação do
alvará.
No coração da Árvore, encontra-se um dos segmentos mais importantes e mais
utilizados do Teatro do Oprimido: o Teatro-Fórum. Criado no Peru, no contexto de que
quando terminavam as peças, Boal fazia perguntas à plateia, para que esta criasse soluções
possíveis, uma espécie de fórum, uma dramaturgia simultânea. Em uma dessas sessões, uma
mulher na plateia interveio com uma solução para a questão colocada, mas não satisfeita com
a atuação dos atores em cena, pediu para atuar no lugar deles, e foi permitido.
84

A solução que a mulher propunha era que a senhora enganada pelo marido tivesse
uma conversa muito séria com ele e depois o perdoasse, e assim os atores atuaram no campo
do verbal, mas o que ela imaginava com ―conversa muito séria‖ consistia em agredir
fisicamente o marido. A partir daí, Boal começou a perceber que entre o campo das ideias e
da ação há uma diferença na operação realizada. Com isso, é destruída de vez a barreira entre
palco e plateia, que entra em cena, implementando o diálogo:

no Teatro Fórum, no coração da Árvore, os oprimidos conscientes e os oprimidos


conscientizáveis expõem opiniões, necessidades e desejos; ensaiam ações sociais
concretas e continuadas, que é a Copa Soberana, meta maior do Teatro do Oprimido
– a intervenção na realidade (BOAL, 2009, p. 189).

A Estética do Oprimido diz não ao conformismo, ela é esperança para aqueles que
não a têm. Ela é revolução na cultura, feita para e por um povo que se liberta dos seus
opressores, por meio da conscientização e ações concretas.
Essa estética pauta-se nos Direitos Humanos, buscando amparar os sujeitos
marginalizados socialmente. O TO ―é um ensaio para a transformação do real e não apenas
um fenômeno contemplativo, por mais transformadora que a contemplação já possa, em si
mesma, ser‖ (BOAL, 2009, p. 163), mas só a contemplação não basta para a mudança, é
preciso ação e a Estética do Oprimido é uma preparação para as atitudes revolucionárias.
No Teatro e Estética do oprimido, não bastam boas ideias que já existam, é
necessário inventá-las e justificá-las, pois, mesmo as situações sendo repetidas, o momento é
sempre novo e contextualizado. Nesta visão sobre ética e solidariedade, deve-se incluir todos
os segmentos oprimidos da sociedade. É importante, no âmbito deste teatro, a conscientização
histórica dos sujeitos que dele fazem parte, para uma autoavaliação do lugar em que
enunciam, pois, como escreve Boal,

A História revela as lutas de classes que movem as sociedades e explicam a


degradação climática da Terra, objeto da Ecologia; inclui o estudo dos sistemas
financeiros e econômicos, que aprofundam as divisões entre ricos e pobres – para
isso existem –, e todos os temas que possam iluminar os conflitos contemporâneos.
A História refere-se a hoje, não só ao passado (BOAL, 2009, p. 187-188).

A palavra é importante também na relação sujeito-identidade. Para o autor,


escrever significa dominar a palavra ao invés de ser por ela dominado. Quando o sujeito
assume seu nome, se assume como sujeito: ―a cada vez que declara sua identidade, como
nossa identidade também nos é dada pela relação com os outros, o escritor descobre suas
identidades em desuso, multiplicidade. Nenhum de nós é sempre o mesmo, nem para os
85

outros, nem para si‖ (BOAL, 2009, p. 199). A meta principal do Teatro do Oprimido, de
acordo com seu criador, é:

através dos meios estéticos, descobrir e conhecer a sociedade em que vivemos e,


sobretudo, transformá-la. Sempre. Em todas as intervenções que fazemos, esse é o
nosso desejo. Por essa razão, dizemos que um espetáculo ou evento do TO não
termina quando acaba: sempre procura deixar raízes (BOAL, 2009, p. 215).

O TO e sua Estética têm cumprido com sua meta, na medida em que suas raízes
têm se espalhado pelos continentes, atingindo e ajudando o público a que é destinado.

4.4 O Teatro do Oprimido

A primeira etapa do Teatro do Oprimido parte de exercícios e jogos, ou


joguexercícios, a mistura desses dois. Segundo Boal, há muito de jogos nos exercícios e vice-
versa. O conjunto de jogos e exercícios foi sendo experimentado através das práticas de Boal
e seus grupos com quem trabalhou. Começando a partir da década de 1960 no Teatro Arena
de São Paulo, que ―elabora a [...] tendência [...] do teatro revolucionário [...]. O seu
desenvolvimento é feito por etapas que não se cristalizam nunca e que se sucedem no tempo,
coordenada e necessariamente. A coordenação é artística e a necessidade social‖ (BOAL,
1982, p. 188).
A partir das experiências com o teatro revolucionário, o teatrólogo desenvolveu
inicialmente o ‗Método Sistema Coringa‘, no Teatro Arena de São Paulo, sendo modificado,
posteriormente, com os diferentes grupos. Os exercícios e jogos não são uma espécie de
dogma, portanto, podem ser modificados a depender da necessidade do grupo. Boal explica
que,

Dentro do sistema ―Coringa‖, o espetáculo deve apresentar rituais realizados por um


conjunto de máscaras que passa de ator para ator, de modo a que o espectador possa
verificar que todos os rituais (mesmo os absolutamente necessários) devem ser
constantemente destruídos, para dar lugar a outros, que serão igualmente destruídos,
a fim de que o tempo e a vida não sejam destruídos (BOAL, 1982, p. 22).

O teatro de Boal diferenciava-se do teatro burguês predominante na época.


Enquanto o do burguês dava prioridade à forma, o do Arena, à emoção. O Teatro Arena é de
origem popular, seu ator era incentivado a se ―desmecanizar‖ enquanto artista, para assumir a
mecanização da personagem e experimentar sensações e emoções que se desabituou. Os
86

exercícios feitos nessa primeira fase eram os propostos por Stanislavski. O esquema utilizado
pelos atores e seus elementos básicos, de acordo com Boal, eram os seguintes:

Ideia central da peça determinando Ideia Central da personagem, traduzida esta em


termos de vontade que se dialetizava (vontade e contravontade); do conflito de
vontades nascia a ação (variação quantitativa e qualitativa). Este era, digamos, o
Núcleo da personagem, o seu ―motor‖. A explicação dos exercícios, especialmente
os de ―aquecimento emocional‖, e os ensaios com e sem texto, vão completar a
compreensão do método que utilizávamos. Por outro lado, o nosso método
―coringa‖, que passou a ser utilizado a partir da montagem de Arena Conta Zumbi e
que se caracteriza principalmente pela socialização das personagens todos os atores
interpretam todas as personagens, abolindo-se a propriedade privada das
personagens por parte dos atores), está explicado nos exercícios de ―Máscaras e
Rituais‖ e na sequencia dos ―pique-pique‖ (BOAL, 1982, p. 57).

O ecletismo que o gênero teatral carrega possibilita uma grande e variada forma
de fazer esta arte. No sistema coringa, Boal trabalhava com várias possibilidades: – colcha de
retalho – vários textos, interpretação coletiva: todos os atores interpretam todas as
personagens, ecletismo de gêneros e estilos, uso da música, entre outras possibilidades
(BOAL, 1982). Boal propunha o coringa próximo do espectador, que lhe explica,
aproximando-se dele. Neste período, ainda não havia, entretanto, a participação do espectador
na ação diretamente.
As cenas eram divididas independentes umas das outras, podendo utilizar estilos
separados se assim fosse necessário, como surrealismo, realismo, tragicomédia, ou qualquer
outro gênero ou estilo à disposição do ator e diretor, podendo ou não utilizá-los durante todo o
espetáculo (BOAL, 1982). O dramaturgo adverte que o perigo desse sistema é cair na total
anarquia e, para que isso não acontecesse, era necessário o momento denominado
‗Explicações‘: ―uma explicação é uma quebra na continuidade da ação dramática, escrita
sempre em prosa e dita pelo Coringa, em termos de conferência e que procura colocar a ação
segundo a perspectiva de quem a conta – no caso, a Arena e seus integrantes‖ (BOAL, 1991,
p. 118). No espetáculo musical Arena conta Zumbi, escrito em 1965, por Gianfrancesco
Guarnieri e Augusto Boal, os oito atores interpretavam todas as personagens, revezando-se, e
o coringa fazia a conexão entre as cenas, expondo pontos de vista a partir dos acontecimentos,
alterando a estrutura tradicional dramática até então vigente.
No sistema coringa, portanto, são usados quatro procedimentos: a desvinculação
ator/personagens, perspectiva narrativa unitária, ecletismo de gênero e estilo e uso da música.
O coringa é um personagem onisciente, que pode alterar as cenas, se assim achar necessário,
para alertar à plateia para algo significativo, com uma função crítica, mas distanciada. Este
sistema era pensado de um modo permanente, dividido em sete partes: Dedicatória,
87

Explicação, Episódio, Cena, Comentário, Entrevista e Exortação (BOAL, 1991). O diretor


acreditava que qualquer peça poderia se encaixar nestas etapas. O método recebe algumas
críticas por suas contradições, como sua aplicabilidade a qualquer peça, segundo o qual, não é
possível. Outra crítica que se pode citar é sobre o coringa, que, de certa forma, ainda atua
como protagonista (ROSENFELD, 1996).
Não se pode negar que o sistema serviu como ruptura para o teatro vigente até
então no Brasil, mesmo assim, permanecem algumas inconsistências no método, como já
mencionadas. Com o passar dos acontecimentos e práticas, o método do TO foi passando por
mudanças e aprimoramentos, até chegar o que é hoje. De acordo com Carvalho (2014),

O Teatro do Oprimido nasceu assim de um acúmulo anterior e de uma crítica aos


limites do próprio teatro profissional. Porque o teatro tem de ser "revolucionário", é
preciso revolucionar o próprio teatro. E isso acontece quando o povo deixa de ser
apenas o inspirador e o consumidor de arte e passa a ser o produtor (Carvalho, 2014,
p. 8).

O Teatro do Oprimido surge a partir das vivências que Boal experimenta,


principalmente os regimes ditatoriais na América Latina e pelo contato com os oprimidos de
vários países, como coloca Boal: ―o TO é o Teatro do Oprimido, para o Oprimido e sobre o
Oprimido‖ (BOAL, 2009, p. 185).
O TO, de fato, veio a ganhar corpo e se estabilizar como método na década de
1970, com o desenvolvimento de técnicas que vimos no tópico anterior: Teatro-Jornal, Teatro
Imagem, Teatro Invisível, Teatro-Fórum, Arco-íris do Desejo, Teatro Legislativo.
A partir de suas experiências, Augusto Boal foi criando e reinventando o seu
modo de fazer teatro, em que a experiência, a vivência vão sendo criadas pelo contato com o
outro. Esse outro não ocupa lugar privilegiado na sociedade, pelo contrário, ele é o outro que
está à margem dela. A busca é pela quebra da desigualdade a partir da ação do oprimido, que
será o responsável por sua própria libertação social, com a possibilidade de garantir a sua
humanidade e dignidade. Assim, o TO nasce do respeito aos direitos humanos, como pontua
seu idealizador: ―nós, que praticamos o Teatro e a Estética do Oprimido, nós, que trabalhamos
por uma sociedade sem oprimidos e sem opressores, queremos ajudar a tornar realidade as
promessas utópicas da Declaração universal dos direitos humanos. Esta é nossa principal
identidade‖ (BOAL, 2009, p. 184).
A busca pela descoberta da identidade do oprimido marca este teatro. Ora, esse
sujeito sabendo quem é e em que lugar se encontra, pode, então, saber o que fazer em relação
88

à opressão que sofre, ou melhor dizendo, saberá como lutar contra os que o oprimem,
passando por um processo de libertação.
O TO é um método que tem base filosófica, política e social, englobando as artes
do teatro, objetivando, a partir dele, alcançar o oprimido, para que ele possa agir, visando a
sua mudança na sociedade. Este sistema se origina, principalmente, por meio de três grandes
transgressões, conforme Boal,

1–Cai o muro entre o palco e a plateia: todos podem usar o poder da cena;
2–Cai o muro entre o espetáculo teatral e a vida real: aquele é uma etapa
propedêutica desta;
3–Cai o muro entre artistas e não-artistas: somos todos gente, somos humanos,
artistas de todas as artes, todos podemos pensar por meios sensíveis – arte e cultura
(BOAL, 2009, p. 185).

Desta forma, o espectador, antes um ser passivo, ocupando o lugar detrás do muro
imaginário, agora passa a ser sujeito ativo no processo artístico e social na construção desse
teatro, o que é real experiência e o que é espetáculo literário ficcional se misturam. O
espectador, ou ‗espect-ator‘, como propõe Boal, torna-se peça principal neste método. Todos
podem fazer teatro, todos podem ser artistas, até quem nunca teve a oportunidade de estudar
teatro. Para o autor, todo mundo é teatro, no sentido de ser protagonista de suas ações e de
agir em sociedade, e todo teatro é político, mesmo que não trate de temas políticos.
Cai a barreira, portanto, entre plateia e palco, ou melhor dizendo, entre espectador
e ator. E não é qualquer espectador, o Teatro do Oprimido prioriza o espectador do teatro
popular, não os ligados à classe dominante, pois ela já tem o seu lugar de privilégio. O
espectador que Boal aciona é o povo das classes trabalhadoras, o povo pobre, o camponês, o
favelado, a dona de casa, o pedreiro, o estudante pobre, o preso injustiçado por um sistema, o
oprimido. E este, passando a sujeito agente, torna-se um espect-ator, aquele que observa e
age.
Neste processo, o teatrólogo sistematiza em quatro etapas o plano geral da
transformação do espectador em ator:

PRIMEIRA ETAPA - Conhecimento do Corpo – Sequência de exercícios em que se


começa a conhecer o próprio corpo, suas limitações e suas possibilidades, suas
deformações sociais e suas possibilidades de recuperação; SEGUNDA ETAPA –
Tornar o Corpo Expressivo – Sequência de jogos em que cada pessoa começa a se
expressar unicamente através do corpo, abandonando outras formas de expressão
mais usuais e cotidianas; TERCEIRA ETAPA - O Teatro como Linguagem – Aqui
se começa a praticar o teatro como linguagem viva e presente, e não como produto
acabado que mostra imagens do passado: PRIMEIRO GRAU – Dramaturgia
Simultânea: os espectadores ‗escrevem‘, simultaneamente com os outros atores que
89

representam; SEGUNDO GRAU – Teatro Imagem: os espectadores intervêm


diretamente, ‗falando‘ através de imagens feitas com os corpos dos demais atores ou
participantes; TERCEIRO GRAU – Teatro – Debate: os espectadores intervêm
diretamente na ação dramática, substituem os atores e representam, atuam!
QUARTA ETAPA – Teatro como Discurso – Formas simples em que o espectador-
ator apresenta o espetáculo segundo suas necessidades de discutir certos temas ou de
ensaiar certas ações. Exemplo: 1) teatro jornal 2) teatro invisível 3) teatro fotonovela
4) quebra de repressão 5) teatro mito 6) teatro julgamento 7) rituais e máscaras
(BOAL, 1991, p. 143-144).

Diante dessas quatro etapas, o espectador vai se descobrindo ator, passando,


primeiramente, por um processo de autoconhecimento de seu corpo, observando suas
limitações e possibilidades, a partir dessa materialidade de expressão corporal. Logo depois,
as questões históricas e sociais são acionadas, ainda pelos jogos e exercícios, mas agora na
ação dramática, onde suas experiências são trazidas para a cena, para serem discutidas e
solucionadas. De espectador a ator, o participante do TO atua a partir das suas vivências, que,
na condição de oprimidos, pensam e buscam soluções para os seus problemas colocados. Para
isso, Boal nos chama a atenção:

TO é ensaio para a realidade – intervenção concreta no real. Não se trata apenas de


conhecer a realidade, mas de transformá-la em outra melhor – obra dos próprios
oprimidos conscientes, ou conscientizáveis, com os quais somos solidários. Nossa
política é apoiar os grupos de oprimidos cujas políticas nós apoiamos (BOAL, 2009,
p. 186).

A política que se trata, portanto, é aquela voltada para as necessidades das


minorias sociais. Não é uma política que busca lutar por eles, mas com eles. Ao assumir o
papel de protagonista, o oprimido ensaia para a realidade, ao mesmo tempo em que age e
busca soluções possíveis para sua libertação do lugar de oprimido. A partir dessa visão
solidária ao espectador, Boal propõe sua poética e, ao analisá-la, ele compara à poética de
Aristóteles e à de Brecht, apontando suas diferenças.
A poética de Aristóteles centraliza-se numa visão conservadora, que enxerga o
espectador como o ser passivo, que só observa os acontecimentos no palco e aceita tal como
lhe é imposto, sendo este um espectador oprimido, sem voz e sem pensamento crítico e,
portanto, não pode transformar a sociedade, pois, neste contexto, só existe a ação dramática,
inexistindo a ação real, assim registra o autor:

A poética de Aristóteles é a Poética da Opressão: o mundo é dado como conhecido,


perfeito ou a caminho da perfeição, e todos os seus valores são impostos aos
espectadores. Estes passivamente delegam poderes aos personagens para que atuem
e pensem em seu lugar. Ao fazê-lo, os espectadores se purificam de sua falha trágica
– isto é, de algo capaz de transformar a sociedade. Produz-se a catarse do ímpeto
90

revolucionário! A ação dramática substitui a ação real (Boal, 1991, p. 180-181,


grifo do autor).

Já na poética de Brecht, há uma mudança considerável, pois o espectador vai


ganhando importância na cena, ele está no lugar do pensar sobre o que está sendo exposto. A
personagem não mais pensa por ele, porém ele ainda não pode interferir na realidade da cena,
a personagem ainda possui o poder da ação e esta ainda não é transformadora, pois está
apenas no nível da consciência, e não da ação, como explica o dramaturgo:

A poética de Brecht é a Poética da conscientização: o mundo se revela transformável


e a transformação começa no teatro mesmo, pois o espectador já não delega poderes
ao personagem para que ele pense em seu lugar, embora continue delagando-lhe
poderes para que atue em seu lugar. A experiência é reveladora ao nível da
consciência, mas não globalmente ao nível da ação. A ação dramática esclarece a
ação real. O espetáculo é uma preparação para a ação (Boal, 1991, p. 181).

Com um grau maior de ruptura entre ação dramática e ação real, a poética do
oprimido de Boal é libertária, propõe ao espectador ultrapassar a barreira entre ele e a
personagem. Na verdade, sai a personagem da ação e entra o espectador, que agora ator, atua
e pensa por si, ninguém mais age por ele, mas ele mesmo é dono da sua própria libertação,
deste modo, ensaia formas para a sua revolução e libertação, como observamos nas palavras
de Boal:

A poética do oprimido é essencialmente uma Poética da Libertação: o espectador já


não delega poderes ao personagem nem para que pense nem para que atue em seu
lugar. O espectador se liberta: pensa e age por si mesmo! Teatro é ação! / Pode ser
que o teatro não seja revolucionário em si mesmo, mas não tenha dúvidas: é um
ensaio para a revolução! (BOAL, 1991, p. 181).

Esse teatro propõe, portanto, a libertação do oprimido por ele mesmo, por meio da
arte teatral e apoiado nas questões políticas, sociais, filosóficas e com foco nos direitos
humanos. Além de uma poética, este teatro é firmado em uma estética, como já debatido.
Este método também tem se adaptado às mudanças de realidades e contextos em
que esses oprimidos se encontram, atendendo a todos os segmentos sociais oprimidos; como
já mencionamos, a solidariedade parte do acolhimento a todos, sem exclusão. Desses
segmentos, especificamente, o público alvo deste trabalho são jovens estudantes, portanto,
está ligado à esfera Escola/Educação. Sobre ela, nos deteremos no próximo tópico, que
discute escola, educação e teatro.
91

4.5 Teatro, escola e educação

O teatro, na escola, ocupa uma área temática na disciplina de Artes. Esta


disciplina, por sua vez, é incluída no currículo escolar pela Lei das Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), sendo considerada uma atividade educativa (BRASIL, 1998).
Artes é considerada como disciplina obrigatória na educação básica somente a
partir do ano de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9.394/96). A LDB (2017)
defende uma base comum curricular nas três instâncias da educação básica, ―por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e dos educandos‖ (BRASIL, 2017, p. 19), constituindo o ensino de artes como
componente curricular obrigatório na educação básica, colocando Artes Visuais, Dança,
Música e o Teatro como linguagens que compõem a disciplina Artes (BRASIL, 2017).
Em 2017, foi publicada a resolução que orienta a implementação da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), referindo-se à educação infantil e ao ensino
fundamental. A do ensino médio seria elaborada e publicada posteriormente. A BNCC propõe
que a abordagem das linguagens articule seis dimensões do conhecimento: criação, crítica,
estesia, expressão, fruição e reflexão. Na BNCC, assim como na LDB, ―cada uma das quatro
linguagens do componente curricular – Artes visuais, Dança, Música e Teatro – constitui uma
unidade temática que reúne objetos de conhecimento e habilidades articuladas às seis
dimensões apresentadas anteriormente‖ (BRASIL, 2017, p. 197). É incluída ainda uma última
unidade temática, Artes Integradas, que propõe, pelo uso das novas tecnologias de informação
e comunicação, a integração e articulação entre as diferentes linguagens e práticas.
Nota-se que o teatro, assim como as demais artes citadas e incluídas no currículo,
não constitui uma disciplina autônoma, fazendo parte apenas de uma área temática e,
portanto, sua aplicação não é obrigatória em sala de aula, pois fica a cargo de escolha entre
tantas outras áreas temáticas incluídas na disciplina Artes.
Outra questão a se colocar é a qualificação do profissional de artes neste contexto.
As universidades brasileiras, já há algum tempo, oferecem licenciaturas em Teatro, em Dança,
em Música, em Artes Visuais, mas são cursos separados com grades curriculares específicas
de cada área, e o profissional que for assumir a sala de aula na disciplina de Artes não deterá
todo o saber necessário para lidar com as quatro artes propostas na BNCC. O profissional
poderá trabalhar melhor em sua área e, assim, escolhê-la e priorizá-la, deixando as outras de
lado.
92

Cada uma dessas áreas tem sua importância enquanto arte e o ideal seria que todos
os estudantes tivessem acesso ao estudo das artes em geral, na escola. O grande problema,
como já mencionado, é a impossibilidade de todas essas artes serem ministradas por um só
professor. Defendemos a integralidade dessas quatro artes citadas, não só como escolha
pedagógica do professor, mas o seu desmembramento em disciplinas independentes, assim,
poderíamos haver: arte do teatro, arte da música, etc.
Boal (1982) defende uma alfabetização teatral, ressaltando a sua importância nas
transformações sociais, a partir de um teatro político e como política. Entre estes, há uma
considerável diferença, enquanto o teatro político discute as questões sociais, o teatro como
política é a própria ação, como nas propostas do teatro fórum e teatro legislativo, por
exemplo.
Hans-Thies Lehmann (2007) acredita no teatro enquanto ação transformadora,
colocando-o num lugar de processo pedagógico:

Eu acredito que o fazer teatro em si enquanto práxis seja já um processo


pedagógico. Não é necessário buscar a pedagogia no teatro. O teatro é essen-
cialmente uma colaboração, não somente no teatro de grupos, mas também no teatro
institucionalizado. É uma prática social por excelência e, portanto, possui valor
educativo para a sociedade, para o comportamento, para a igualdade dos
participantes de uma encenação (LEHMANN, 2007, p. 238).

Nesta visão, o teatro é pedagógico ao tratar das questões de uma educação social,
trazendo para o centro de seu estudo as questões humanas, que são debatidas e encenadas,
pensadas e recriadas, promovendo a conscientização e as ações práticas dos estudantes. Na
educação teatral, como todas as outras, é necessário esforço e dedicação, mas, enquanto arte,
possui a vantagem da fruição, como defende Boal:

A verdadeira e prazerosa educação, porém, é pedagógica: estímulo ao aprendizado,


às alegrias das descobertas. / Educação e pedagogia são duas irmãs que, ao mesmo
tempo, são mães e filhas da cultura. Filhas, porque a cultura existe em cada
sociedade em que vivemos e se manifesta através do saber que ensina e do saber que
busca. Mães, porque através delas nasce uma nova cultura, sempre em trânsito
(BOAL, 2009, p. 246).

A educação pode ser pedagógica ou também autoritária, ―como nas ditaduras


cívico-militares‖ (BOAL, 2009, p. 145). A educação autoritária em nada acrescenta em
melhorias às minorias sociais, pelo contrário, apenas ajuda a manter a opressão internalizada
na sociedade, com suas proibições da liberdade e suas ideias conservadoras. Somente uma
educação libertadora, com sua pedagogia da liberdade, é capaz de acolher as classes
93

subalternas da sociedade, mostrando-lhes seu valor enquanto sujeito que pode modificar, por
si mesmo, o seu quadro social de oprimido, libertando-se.
Ao abordar uma educação libertadora, Paulo Freire aponta que ela é também
problematizadora: ―[...] já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de
transmitir ‗conhecimentos‘ e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação
‗bancária‘‖ (FREIRE, 2018, p. 94), mas um ato cognoscente‖. É problematizadora na medida
em que participam também os educandos nesse processo de conhecimento, podendo inclusive
contestar um conhecimento dado ou dogmático; assim, uma educação libertadora se faz
também no autoconhecimento do educando e este enquanto agente do saber.
Uma das propostas do teatro de Boal é buscar um viés educativo e pedagógico,
sobre isso o autor explica:

O Teatro e a Estética do Oprimido são de natureza educativa e pedagógica – duas


palavras que se completam, mas não são sinônimos. Educar vem do latim educare,
que significa conduzir. Educar significa a transmissão de conhecimentos
inquestionáveis ou inquestionados. / Significa ensinar o que existe e é dado como
certo e necessário. Pedagogia vem do grego paidagogos, que era o indivíduo,
geralmente escravo, que caminhava com o aluno e o ajudava a encontrar a escola e o
saber. / O educador-pedagógico deve ter a sensibilidade de notar que nenhum
conhecimento inquestionado é, na verdade, inquestionável. Cada nova descoberta da
História ou invenção da Ciência recoloca a dúvida sobre todos os saberes (BOAL,
2009, p. 245).

A educação não é a transmissão do conhecimento, como sua etimologia sugere,


mas sim um compartilhamento do saber de forma a sensibilizar o educando, que vai
adquirindo e construindo o saber compartilhado, questionando sempre esses saberes dados,
formando-se sujeitos críticos.
Na base da educação teatral, encontramos os exercícios e jogos teatrais, que é por
onde começamos o trabalho corporal e mental. Na escola, todavia, a maioria dos professores
desconhece o trabalho com os jogos e exercícios teatrais enquanto função pedagógica. Para
Spolin (2012, p. 21), ―a escola, até hoje, nega o jogo como poderoso instrumento de
ensino/aprendizagem‖. Além de negar os jogos e exercícios teatrais enquanto valor
ensino/aprendizagem, nega também suas variadas vertentes, como a política.
Na proposta do Teatro e Estética do Oprimido, de Augusto Boal, os jogos e
exercícios teatrais ocupam uma posição de destaque. É por eles que começam os trabalhos
com os oprimidos. A partir da palavra, do som, da imagem e da mistura desses, a sinestesia se
faz presente. É preciso usar e experimentar as sensações existentes e dar sentido a elas, indo
além, descobrindo-se num processo identitário.
94

Jogos e exercícios teatrais são um conjunto de regras que os participantes aceitam


compartilhar. Essas regras são formadas a partir da necessidade do grupo, como pontua Spolin
(2010):

As técnicas teatrais estão longe de ser sagradas. Os estilos em teatro mudam


radicalmente ao passar dos anos, pois as técnicas de teatro são técnicas de
comunicação. A existência da comunicação é muito mais importante do que o
método usado. Os métodos se alteram para atender às necessidades de tempo e
espaço (SPOLIN, 2010, p. 12).

Essa comunicação em teatro visa à solução dos problemas colocados em cena,


quer sejam espirituais, físicos ou mentais, e deve estar de acordo a suprir as necessidades
colocadas em contexto, portanto, não pode ser um puro ritual imutável,

Quando uma técnica teatral ou convenção de palco é vista como ritual e a razão para
sua inclusão na lista de habilidades de ator é perdida, então ela se torna inútil. Uma
barreira artificial é estabelecida quando as técnicas estão separadas da experiência
direta. Ninguém separa o arremesso de uma bola do jogo em si. / As técnicas não
são artifícios mecânicos – um saco de truques bem rotulados para serem retirados
pelo ator quando necessário. Quando a forma de uma arte se torna estática, essas
―técnicas‖ isoladas, que se presume continuam a forma, estão sendo envolvidas e
incorporadas rigidamente (SPOLIN, 2010, p. 12).

A experiência direta do ator no joguexercício é de extrema importância para a sua


execução, pois essa ação tem de fazer sentido ao ser praticada, por isso, cada joguexercício é
pensado para uma situação específica, seja para o alcance do corpo, seja para trabalhar a
introspecção. O participante deve estar aberto às sensações que surgirão no percurso da
prática do jogo ou exercício, como observa Spolin,

O primeiro passo para jogar é sentir liberdade pessoal. Antes de jogar, devemos
estar livres. É necessário ser parte do mundo que nos circunda e torná-lo real
tocando, vendo, sentindo o seu sabor, e o seu aroma – o que procuramos é o contato
direto com o ambiente. Ele deve ser investigado, questionado, aceito ou rejeitado. A
liberdade pessoal para fazer isso leva-nos a experimentar e adquirir autoconsciência
(auto-identidade) e auto-expressão. A sede de auto-identidade e auto-expressão,
enquanto básica para nós, é também necessária para a expressão teatral (SPOLIN,
2010, p. 6).

Novamente, tocamos na questão da sinestesia e a liberdade que ela nos dá para


criar as sensações possíveis. O jogo de enxergar sabores, ouvir cores, degustar o cheiro, entre
outras categorias, ajuda nessa liberdade criadora e de descoberta das possibilidades do corpo,
é um libertar do padrão imposto. As oficinas de jogos e exercícios teatrais ajudam os alunos a
95

desenvolver diversas habilidades, por meio de formas verbais e não verbais, pelas imagens,
pela escrita, pelo discurso: ―São fontes de energia que ajudam os alunos a aprimorar
habilidades de concentração, resolução de problemas e interação em grupo‖ (SPOLIN, 2012,
p. 12).
Um ponto muito importante dos jogos e exercícios teatrais é a sua questão
político-social, como aponta Spolin (2012, p. 23), ―a maioria dos jogos é altamente social e
propõe um problema que deve ser solucionado – um ponto objetivo com qual cada indivíduo
se envolve e interage na busca de atingi-lo, muitas habilidades aprendidas por meio do jogo
são sociais‖. Nos joguerxercícios de Boal, é essencial que todas as atividades tenham cunho
social, visto que é a partir da prática de suas experiências, uma revivência, que as soluções são
buscadas.
No próximo capítulo, apresentaremos uma pesquisa-ação, realizada com alunos de
uma escola localizada na periferia de Quixadá, a partir de oficinas do Teatro do Oprimido.
Descreveremos o público, a escola e os contextos e abordagens utilizados.
96

5 PROCEDIMENTOS PRÁTICOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

5.1 Percursos metodológicos

Esta pesquisa veio à luz a partir da observação em sala de aula da propagação de


preconceitos, por parte dos alunos e professores, referentes, em sua garnde maioria, à
sexualidade, ao gênero e à raça. Nesse sentido, propomos uma intervenção por meio do Teatro
do Oprimido, de Augusto Boal, que nos oferece o suporte necessário para desenvolver um
trabalho adequado com as minorias sociais estudadas, visto que os exercícios e jogos teatrais
do TO foram desenvolvidos justamente para o público, que é considerado minoria social.
Buscamos entender como se dão as relações de poder dentro da sala de aula,
investigando a partir de um método, usando a arte como meio, para tentar discutir e superar os
problemas colocados. Desse modo, procuramos responder às seguintes questões: Quais as
contribuições que o teatro social pode trazer para estudantes de ensino médio em situação
periférica? Quais as melhores estratégias com o texto teatral a se utilizar para a
conscientização das minorias sociais sobre suas identidades? O trabalho com o Teatro do
Oprimido é eficaz na conscientização de um grupo de estudantes de escola pública em um
bairro periférico?
Diante dessas perguntas, nosso Objetivo Geral foi propor uma atividade de
intervenção, sob a perspectiva do Teatro do Oprimido, direcionada aos estudantes da Escola
de Ensino Médio Governador Luiz Gonzaga da Fonseca Mota, em Quixadá-CE. Os objetivos
específicos contemplaram: desenvolver propostas metodológicas a partir da seleção de
exercícios teatrais sugeridas por Augusto Boal em seu Teatro do Oprimido; Verificar o
processo de desconstrução de preconceitos de sexualidade, gênero e raça na sala de aula, a
partir da proposta do Teatro do Oprimido; analisar a construção de identidades a partir dos
exercícios dos jogos teatrais da estética do oprimido e investigar a influência do teatro como
fator de mudança no ambiente escolar.

5.1.1 Caracterização da pesquisa

Para a execução dos nossos objetivos, dividimos a pesquisa em duas etapas. A


primeira, relativa aos procedimentos técnicos, caracterizou-se como bibliográfica, na medida
em que nos apropriamos de uma bibliografia que apresenta os principais conceitos referentes
ao conteúdo estudado, perpassando teorias de sexualidade, gênero, raça, interseccionalidade,
97

entre outras abordadas nos capítulos iniciais. Para Gil (2002, p. 44), ―A pesquisa bibliográfica
é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos‖. A partir deste procedimento técnico, também foi possível a elaboração
metodológica prática, por meio dos estudos de Boal acerca dos jogos e exercícios teatrais, que
caracterizam a etapa seguinte.
A segunda etapa caracterizou-se como uma pesquisa-ação participante. Segundo
Thiollent (1998), a pesquisa-ação configura-se como uma pesquisa social participativa, em
que colaboram pesquisadores e participantes envolvidos na situação-problema, onde há
estreita associação com uma ação, de modo cooperativo ou participativo para resolução do
problema. Em pesquisas em educação, essa metodologia produz informação e conhecimento
de uso efetivo, também ao nível pedagógico (THIOLLENT, 2002).
A pesquisa-ação desenvolveu-se nas seguintes etapas: primeiro, uma fase
exploratória, com a ida à escola e reconhecimento dos alunos. Segundo, a fase da ação, que
trabalhamos com as oficinas do Teatro do Oprimido. Estas consistiram no corpus de análise
da pesquisa, pois, a partir delas, obtivemos o material necessário para o exame das falas dos
estudantes, favorecendo a percepção de mudanças e reconhecimentos identitários, junto com o
estudo do material teórico com os educandos para sua conscientização social.
As oficinas foram gravadas ora em áudio, ora em vídeo, por um telefone celular.
Essas gravações também serviram para análise de dados, a partir de debates focalizados, junto
com uma entrevista semiestruturada (apêndice B), gravada com o mesmo aparelho, guiada por
um roteiro de questões preestabelecidas, mas com flexibilidade para inclusão de novas
questões no decorrer das falas dos participantes, aplicada na fase final. Para o estudo das falas
dos participantes, utilizamos a Análise de Discurso Crítica (ADC), que ajuda a compreender,
a partir da prática discursiva, as posições de sujeitos sociais, procurando contribuir na
mudança social, com base nas descobertas de sua análise (FAIRCLOUGH, 2001).
Por meio dos seus discursos, os sujeitos constroem suas identidades, estruturam
suas relações de poder e separam suas classes; cada grupo possui e participa de um lugar em
que enuncia e estabelece sua diferença com o outro. Essas diferenças são postas e analisadas
pela análise do discurso, que busca identificar os motivos e intervir em uma mudança social,
visando uma melhoria para aqueles que estão ocupando um lugar marginalizado na sociedade.
No primeiro encontro com a turma, obtivemos os conhecimentos, a respeito das
temáticas que iriam ser abordadas nas oficinas, por meio de um Grupo Focal. Um Grupo
Focal se caracteriza por um grupo de tamanho reduzido, tendo como propósito obter
informações de caráter qualitativo, constituíndo uma técnica de obtenção de dados e
98

informações qualitativas. Desta maneira, o objetivo principal de um Grupo Focal é revelar as


percepções dos participantes sobre os tópicos em discussão (GOMES et al. 1999). Nesse
Grupo Focal, escutamos os alunos para saber seu conhecimento em relação ao TO e às
categorias de sexualidade, gênero e raça, e também sua opinião de como as oficinas poderiam
funcionar.
Nas etapas finais, foi proposto que o grupo criasse uma esquete teatral (apêndice
A), de acordo com o conhecimento adquirido nas oficinas. Por último, como já mencionado,
aplicamos uma entrevista aos participantes, com perguntas que foram desenvolvidas ao longo
das oficinas, que também fez parte da coleta de dados, junto com as gravações para obtenção
dos resultados. Essas etapas caracterizam, dessa forma, uma pesquisa-ação.
Quanto à abordagem da pesquisa, configurou-se como qualitativa. De acordo com
Silveira et al. (2009), essa abordagem não se preocupa com as questões numéricas, mas sim
busca aprofundar a compreensão de um grupo social. Na pesquisa qualitativa, o processo se
configura tão importante quanto o resultado final, portanto, o ambiente natural é fonte direta
dos dados. No caso do estudo com sujeitos, analisa-se a natureza histórico-estrutural e social.
Em relação aos objetivos, esta pesquisa pode ser qualificada como exploratória e
descritiva. De acordo com Gil (2002, p. 41), a pesquisa exploratória ―têm como objetivo
proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a
constituir hipóteses‖. Já a pesquisa descritiva ―têm como objetivo primordial a descrição das
características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de
relações entre variáveis‖ (GIL, 2002, p. 42). Assim, trabalhamos com um público específico,
que apresentaremos a seguir.

5.1.2 O publico alvo, inscrições e termos

O público que fez parte da pesquisa foi composto por estudantes de ensino médio
da E.E.M. Gonzaga Mota, localizada no Bairro São João, na Cidade de Quixadá-CE. A faixa
etária desses estudantes variou entre 15 e 18 anos de idade, alunos do 1º ao 3º anos do ensino
médio. O perfil geral desses sujeitos da pesquisa (tais como gênero, raça, etc.) será traçado no
capítulo seguinte, que aborda uma análise identitária.
Em julho de 2018, apresentamos a proposta das oficinas de TO, por escrito, para
os diretores e coordenadores, que deram apoio, aceitando a parceria. Em agosto de 2018,
começamos a elaborar os termos para serem enviados para a Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa (CONEP), exigida para esse tipo de pesquisa.
99

No dia 24 de agosto de 2018, levamos o Termo de Anuência (apêndice G) para o


diretor da escola assinar e, em 27 de agosto de 2018, levamos a Folha de Rosto (apêndice F)
com as informações do projeto para o diretor da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do
Sertão central – FECLESC – fornecer sua assinatura. No mesmo dia, cadastramos os
documentos na Plataforma Brasil, Conselho de Ética da Pesquisa (CEP).
A partir da aprovação junto ao Conselho de Ética da Pesquisa, iniciamos a
investigação na escola, apresentando o projeto aos alunos e realizando as inscrições dos
interessados e, ao se inscrever, cada estudante assinou o Termo de Assentimento a Estudantes
Menores de 18 anos (apêndice D), bem como seus pais assinaram Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido aos Pais – TCLE (apêndice E).
Estes termos especificaram os riscos que poderiam envolver a pesquisa, como por
exemplo, o aluno poderia sentir dificuldades nos exercícios físicos de teatro, ou mesmo,
poderia não se sentir confortável ou discordar dos temas abordados, já que se caracterizam
como polêmicos em nosso cenário político atual. Assim sendo, caso algum aluno ou aluna
quisesse, poderia interromper sua participação sem nenhum prejuízo.
É importante frisar a assiduidade dos participantes nos encontros, dos 16 inscritos
apareceram no primeiro encontro apenas 8 e desses 8, permaneceram até o final o total de 6
participantes (3 do sexo masculino e 3 do sexo feminino). Portanto, as análises feitas no
capítulo seguinte levam em conta a participação desses 6 participantes. Por motivo de
preservar suas identidades, seus nomes são fictícios, escolhidos pelos próprios alunos.

5.1.3 A escola

A instituição EEM Gov. Luiz Gonzaga da Fonseca Mota, pertencente à rede


estadual de ensino, foi fundada em 1984. Em relação ao espaço físico, a escola possui 5 salas
de aula, 1 sala de professores com banheiro, 1 sala de coordenação, 2 laboratórios, 1 sala de
reuniões, 1 biblioteca, 1 sala de finanças, 1 sala de secretaria, 1 cantina, 2 banheiros e 1
quadra poliesportiva.
A escola conta com 24 professores em sala de aula, destes, 4 efetivos e 20
temporários e ainda 8 professores efetivos em outras atividades na escola, como no setor de
biblioteca e direção. Conta ainda com mais 14 funcionários entre Auxiliar de Serviços,
Agentes de Segurança, Agentes Administrativos e Terceirizados. Em relação ao número de
alunos matriculados em 2019, tiveram 421 da Sede em Quixadá, 147 no distrito de Juá e mais
34 alunos do EJA, totalizando 602 alunos atendidos pela escola.
100

Durante o ano letivo, o calendário da escola atende propostas pedagógicas e


projetos institucionais, tais como: Jovem de Futuro, GM22, Esporte na Escola, Aprendiz na
Escola, EJA-Qualifica, ENEM não tira Férias, Cheguei Ensino Médio, ENEM Chego junto
chego bem, Cultura de Paz, Projeto Professor Diretor de Turma, OCACE (Olimpíada
Científica, Artística, Cultural e Esportiva), Projeto Juventude em Ação, Semana de Artes,
Literatura e Ciências, MATAP (Mostra de Atividades, Trabalhos e Projetos) e MOAB
(Mostra de Artistas do Bairro São João) (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA
ESCOLA GONZAGA MOTA).
A seguir, traremoas mais detalhadamente as etapas das oficinas e os jogos e
exercícios utilizados.

5.2 Descrição das oficinas

Neste tópico, apresentaremos a sequência de jogos, exercícios, entre outras


atividades, utilizadas nas oficinas realizadas junto ao grupo pesquisado. Foram 11 oficinas,
divididas em 3h cada, e mais um encontro utilizado para as entrevistas com os participantes,
totalizando 12 encontros e 36h de atividade.
Apresentaremos planos de aulas simplificados, com a ordem das atividades
utilizadas em cada encontro, bem como orientaremos como foi feito cada jogo e exercício,
assim também abordaremos um pouco sobre as funções de cada jogo e exercício descrito.
Os jogos e exercícios foram selecionados a partir da obra Jogos para atores e
não-atores (2011), de Boal, de acordo com as necessidades desta pesquisa e do grupo criado a
partir dela.

5.2.1 Oficina 1

Cronograma de aula – Oficinas Teatro do Oprimido.


09 de março de 2019, 15h às 18h.
Aula introdutória
1º momento – Introdução  Batizado Mineiro
 Preenchimento da ficha de auto identificação
Em círculo:
 Respostas do questionário pessoal:
 O que vocês entendem sobre Teatro?
2º momento – Grupo focal  E o Teatro do Oprimido?
 O que vocês entendem sobre:
101

1. Sexualidade;
2. Gênero;
3. Raça.
 O que vocês esperam das oficinas?
3º momento – Joguexercício  Caminhadas
 Hipnotismo colombiano
4º momento – Relaxamento  Exercício de relaxamento do corpo e
respiração.
5º momento – Atividade para casa  Trazer exemplos de cenas do cotidiano escolar
que chamam a atenção dos alunos, cenas
reais, sobre preconceitos.

A primeira oficina ocorreu no dia 09 de março de 2019, na quadra da escola.


Estava combinado de iniciar às 15h, porém, houve atraso, os atrasos se tornaram uma prática
recorrente, em média, meia hora de atraso por parte de alguns alunos e alunas, um primeiro
ponto negativo.
Neste primeiro encontro, contamos com a presença de 8 pessoas. Começamos
com as apresentações e, para isso, iniciamos com o joguexercício Batizado Mineiro:
Em pé, os participantes se posicionaram em círculo. Nesta atividade, eles
usaram palavra, som e imagem. Um participante de cada vez se apresentou com o seu nome
e disse uma palavra que o caracteriva; esta palavra deveria começar com a primeira letra de
seu nome. E por último, produziu um som com seu corpo (boca, mãos, etc.) e uma imagem
que se relacionava com a palavra que o caracterizou. Esta é a primeira etapa.
Na segunda etapa, os estudantes não usaram a fala, apenas reproduziram a
imagem e o som com os quais se definiram. Nesta etapa, a partir da apresentação da
imagem e som, os outros participantes lembraram o nome e a palavra que representa o
participante que estava atuando.
Este joguexercício ativa o som, a imagem e a palavra e, a partir deles, os
participantes são levados a pensar em palavras que os definem. É acionado, aqui, um
processo de autoconhecimento identitário, quando o participante pensa sobre suas
características e definições. As palavras mencionadas no joguexercício foram: resistente,
supertímidos, engraçada, maravilhoso, impulsiva, autocontrole, risada, dedicado.
Depois do joguexercício, distribuímos uma ficha de autodeclaração (apêndice
C), para servir de análise no processo da construção de identidade dos participantes. Logo
após, abrimos o grupo focal, que foi conduzido da seguinte maneira: fizemos um círculo e
propusemos que os participantes discorressem sobre o questionário: O que vocês entendem
102

sobre Teatro? E o Teatro do Oprimido? O que vocês entendem sobre: Sexualidade; Gênero;
Raça. O que vocês esperam das oficinas?
A partir das perguntas direcionadas ao grupo focal, pudemos perceber a bagagem
de conhecimentos dos alunos sobre os temas abordados, observando que apenas um dos
participantes tinha vivenciado uma experiência com teatro, enquanto para os demais, este era
o primeiro contato. Soubemos que outro participante, por meio de vídeos na internet, possuía
um conhecimento prévio sobre sexualidade.
A maioria dos estudantes via o teatro como uma arte de extrapolação de
sentimentos, enxergando-o ligado às práticas sociais, mas nenhum deles ouviu falar antes do
TO. Dentre o esperado com as oficinas, os estudantes citaram perder a timidez, criar novas
amizades, entender mais sobre o teatro e sua história e conhecer um pouco mais sobre si
mesmos também.
Terminada a atividade, fomos para a pausa do lanche. Em todos os encontros,
proporcionamos um lanche para os participantes. Depois desse intervalo, fizemos o jogo de
caminhadas e algumas variantes:
Entre nossos exercícios diários, a maneira de andar torna-se mecanizada. Temos
um modo de andar que nos é cômodo e, quando saímos desse modo e exploramos outros,
sentimos um estranhamento. O objetivo desse jogo foi tomar consciência do corpo e sua
extensão, que é o social. Nesta série, ocupamos os espaços vazios que são desocupados
pelos outros e cada participante caminhou olhando um para o outro, compartilhando a
caminhada.
Os estudantes caminham pelo espaço estabelecido e ocupam os espaços vazios,
depois de um curto tempo, praticam alguns comandos durante a caminhada: ocupam os
espaços vazios; não andam em círculo; variação de andar rápido, lento e correndo, com os
seguintes comandos: quando eu bater uma palma: correr, duas palmas: parar, três palmas:
andar lentamente (câmera lenta). Variação: uma palma: pulinhos, estalar os dedos: imitar
um animal, assobio: correr. Variação: imitando animais: elefante, canário, lagarta.
Alguns pontos importantes desse jogo devem ser mencionados. Primeiro, a
importância de não andar em círculo, os estudantes devem ser incentivados a um objetivo:
avistar o espaço vazio e o ocupar, sem mecanizar sua caminhada em um círculo. A variação
da velocidade da caminhada proporciona certa percepção corporal. Ao andar em câmera
lenta, o estudante é levado a esticar bem seu corpo, ativando certos músculos a cada
estrutura muscular que se organiza.
103

As variantes de comandos, como palmas, assobio etc., ativam, além da questão


corporal, a memória, pois os estudantes têm que decorar cada comando para poder executar
o que se pede. Tanto que acontecem confusões nos comandos, como, ao assobiar, um
estudante corre, já outro se confunde com o comando e dá pulinhos.
Ao serem incentivados a imitar animais, os jogadores experimentam novas
posições corporais, utilizando planos variados, além de ativar a percepção de como age cada
animal citado, usando a criatividade mimética. Ainda percebemos, neste joguexercício, a
potência de fazer com que os estudantes percam a vergonha uns dos outros, levando em
conta que extrapolaram os corpos e os sons reproduzidos pela boca; percebemos que os
estudantes, de início, sentem vergonha de fazer, mas com o caminhar do joguexercício, vão
se desprendendo.
No joguexercício seguinte, o Hipnotismo colombiano:
Formamos 3 duplas. Nesta atividade, eu participei, pois é importante que o
professor participe dos exercícios junto com os alunos, sempre que for possível, porque,
desta forma, quebra-se uma hierarquia de poder e pode-se criar mais rápido um elo de
confiança entre os estudantes.
Cada dupla se posicionou de frente um para o outro. Um dos estudantes põe a
mão a poucos centímetros do rosto do outro, guiando-o com uma série de movimentos; deve
haver um equilíbrio na distância entre mão e rosto, permanecendo sempre em uma distância
constante.
experimentamos variação dos planos alto, médio e baixo e, a cada período de
tempo, os jogadores paralisavam a posição, para analisarem as posições em que cada um se
encontrava: observando a posição de si, do outro e dos outros a sua volta. Indagamos: nestas
posições que vocês se encontram, quem parece ser o opressor e o oprimido?
A partir desse joguexercício, trabalhou-se, primeiro, com a extrapolação de
movimentos dos corpos, pois os participantes foram incentivados a experimentarem
posições que estimulam os músculos do corpo, como, por exemplo, passar por debaixo da
perna do outro, além da exploração dos planos que os desafia. É importante salientar que os
jogadores jamais devem ir além de seu limite corporal, pois deve-se preservar a integridade
física.
Outro ponto de grande relevância neste joguexercício é a questão da análise dos
corpos que os estudantes são estimulados a fazer, quando são orientados a analisar as
posições em que cada um se encontra e quais dessas posições são de opressores e quais são
104

de oprimidos. Trabalha-se, assim, a leitura corporal e, ao mesmo tempo, os estudantes são


levados a pensar sobre questões de opressões sociais, que preparam os caminhos para as
discussões das oficinas seguintes.
Depois de concluir os jogos e exercícios, passamos para o diálogo sobre as
práticas dos jogos realizados, passando para exercício de respiração, de desaquecimento e
de relaxamento. Para finalizar, pedi que, na aula seguinte, os participantes observassem
cenas do cotidiano escolar que chamassem sua atenção com relação às temáticas abordadas
durante a oficina e comentassem no encontro seguinte.

Foto 1 – Hipnotismo colombiano

Fonte: autor.

5.2.2 Oficina 2

Cronograma de aula – Oficinas Teatro do Oprimido.


16 de março de 2019, 15h às 18h.
1º momento – Caminhadas  Câmera lenta; ombro a ombro; pernas
cruzadas
2º momento – teoria  Teoria musical
3º momento – som  BANAHA
4º momento – teoria  Um pouco da estética do oprimido
5º momento – rítmica e som  Mosquito africano
6º momento – imagem  foto
7º momento – recebimento da atividade de
casa

Nossa segunda oficina ocorreu no pátio da escola, ocasião em que recebemos


novos membros, começando com o jogoexercício batizado mineiro e depois das devidas
apresentações, fizemos as séries de caminhadas:
105

Começamos com a variante câmera lenta, em que ganha o último a chegar: os


participantes apresentaram movimento contínuo, mas muito lento. Esta variante ativa os
músculos, pois é uma espécie de alongamento. Depois passamos para a variante ombro a
ombro, feita em dupla, em que cada jogador apoiou-se em seu parceiro, ombro a ombro,
exercendo o peso do seu corpo sobre o outro. Este jogo busca o equilíbrio entre os corpos
das duplas. Por último, fizemos a variante pernas cruzadas, também em dupla, os
participantes, lado a lado, seguraram-se pela cintura para dar equilíbrio, cruzaram as pernas
e começaram a caminhar, considerando o corpo do outro como sua própria perna.
Essas séries de caminhadas buscam o companheirismo, na medida em que
necessitam totalmente da colaboração do outo para ser realizado, considerando-o como uma
extensão de seu corpo.

Logo após, passamos para outra variante de caminhadas: exploração do corpo e


gênero:
Os participantes continaram a caminhar ocupando os espaços e a partir de alguns
comandos exploraram os seguintes corpos: 1º caminharam com um andar feminino; 2º com
um andar masculino; 3º com o corpo 50% feminino e 50% masculino, ao mesmo tempo; 4º
75% feminino e 25% masculino e 5º caminharam com o lado direito masculino e o lado
esquerdo feminino.
Este jogo leva os estudantes a pensarem os corpos sociais e os modos de
comportamentos destes e sua construção social. Logo de inicio, percebeu-se um
estranhamento da parte dos jogadores quando são dados os comenados, pois não
costumamos parar para pensar e mensurar porcentagens ativas de comportamentos dos
corpos definidos socialmente.

Após este momento, passamos para outra parte teórica. Em círculo e sentados no
pátio, explanamos o básico sobre teoria musical: apresentamos as notas musicais, algumas
informações sobre partitura e explicamos um pouco sobre o pentagrama e as alturas das notas.
Logo depois, passamos para a prática musical, utilizando a música tradicional ―Banaha‖
(autoria desconhecida) (Anexo 2). Ensinamos a música, inicialmente tocando flauta e depois
cantando a letra e, após o intervalo, fizemos uma introdução sobre a Estética do Oprimido e
sobre o Teatro do oprimido. Em seguida, partimos para mais uma atividade prática, o
Mosquito africano:
Em pé e em círculo, orientamos que os jogadores imaginassem que sobre a
106

cabeça de alguns deles pousou um mosquito e os participantes que estão do lado esquerdo e
direito deveriam matar o mosquito com uma palma, ao mesmo tempo, em que o outro
participante abaixa para não ser atingido. Neste momento, o mosquito foge para a cabeça do
participante do lado esquerdo, que procede da mesma forma, assim, o mosquito passa de
cabeça em cabeça, as palmas produzem um ritmo. Este exercício trabalha a sintonia do
grupo, a sincronia e o aquecimento.
A atividade seguinte foi com o teatro imagem, na análise da foto com os corpos:
Nesta atividade, uma dupla de estudantes deram as mãos como num
cumprimento e paralisaram a imagem. Depois, os outros estudantes analisaram a postura da
dupla, incentivados com perguntas como: quem são as personagens na imagem? Algum
deles aparenta ser opressor ou oprimido?
Entre as leituras possíveis, os estudantes, ao analisar corpo e feições físicas,
observaram que poderia ser uma despedida ou um contrato entre empregado e patrão, assim
como o patrão representava o opressor, pelo olhar, por exemplo. Esta atividade incentivou
os estudantes a um olhar crítico sobre os corpos, identificados a partir da leitura corporal.
Depois deste exercício, o limite de tempo proposto já estava excedido, então não
deu tempo de recolher a atividade de casa, que ficou para a oficina seguinte.

Foto 2 – Caminhada corpo e gênero

Fonte: autor.
107

5.2.3 Oficina 3

Cronograma de aula – Oficinas Teatro do Oprimido.


23 de março de 2019, 15h às 18h.
1º momento – caminhadas  Variações
 Continuação da música
2º momento – teoria  Apresentação teórica do TO
3º momento – corpo que fala  Telefone sem fio corporal
4º momento – joguexercício  Hipnotismo colombiano

A terceira oficina, ocorrida no auditório da FECLESC, foi iniciada com uma


atividade de alongamento, importante na flexibilização muscular, para um bom desempenho,
propiciando uma amplitude maior dos movimentos corporais durante os jogos e exercícios
propostos nas oficinas.
Após o alongamento, iniciamos com uma série de caminhadas, contando com a
1ª variação de caminhada normal; rápida; quase correndo e correndo, a 2ª variação com os
comandos: uma palma – fecharam os olhos e continuaram andando; duas palmas –
continuaram andando um pouco mais rápido, mas ainda de olhos fechados, e três palmas –
abriram os olhos e correram.
Na sequência, outra variante de caminhadas, a 1ª: caminharam com as pontas
dos pés; a 2ª: caminharam com os lados dos pés, de modo que as palmas dos pés ficassem
paralelas e a 3ª: caminharam com os lados internos dos pés, de modo que as palmas
ficassem opostas e, por último, caminharam com o calcanhar. Este exercício ajudou na
compreensão de como nosso andar é mecanizado e que modos diferentes nos causam
desconforto, como mencionado pelos alunos.
Depois das caminhadas, fizemos exercícios de aquecimento vocal e retomamos a
canção Banaha, em seguida, aprofundamos as teorias do Teatro do Oprimido e sua história,
também abordamos os estudos de sexualidade, raça, gênero, bem como de identidade. Na
sequência, trabalhamos o joguexercício Telefone-sem-fio corporal:
Os Jogadores se posicionaram em uma fila indiana, na qual o último da fila
tocava no ombro do outro a sua frente, convidando-o a olhar. Somente esta pessoa pôde ver
o que a primeira fez. Esta primeira pessoa criou uma sequência de movimentos com alguma
parte do corpo e um som simultâneo, apresentando-os para o participante seguinte, que os
reproduziu para o jogador seguinte, até que a imagem em movimento e o som cheguou ao
último participante, que reproduziu para todos os outros.
108

Ao final da sequência, como esperado, a imagem e o som chegaram distorcidas


no último participante. A atividade ativou imagem, movimento e som, propondo questões
sobre discurso e distorções deste na sociedade.
A última atividade do dia foi o hipnotismo colombiano. Depois desse último
exercício, os alunos expuseram a atividade de casa: os relatos da observação sobre
preconceitos na sala de aula.

Foto 3 – Telefone-sem-fio corporal

Fonte: autor.

5.2.4 Oficina 4

Cronograma de aula – Oficinas Teatro do Oprimido.


30 de março de 2019, 15h às 18h.
1º momento – caminhadas  Variantes
2º momento – produção escrita  O que me representa
 Atuação
3º momento – canção  BANAHA

Iniciamos a quarta oficina com o exercício de caminhadas, com a variante:


conhecimento de palco, andar de costas e de lado, com variação de velocidades. Variante
imitando animais: uma palma – ―um animal que eu gosto muito‖; duas palmas – ―um animal
que eu não gosto‖ e três palmas – usar o nível baixo. Depois de realizar o joguexercício, os
participantes disseram qual o animal que cada um imitou.
Após os exercícios físicos, passamos para a produção escrita. Cada participante
criou um texto sobre o que lhes representa enquanto identidade, podendo ser algo inédito ou
já existente, como uma música ou poema, etc., os textos não foram identificados, pois, depois
da produção, cada participante dobrou seu papel e colocou no centro do espaço, e na
109

sequência, cada um pegou um papel (se alguém pegasse seu próprio texto, deveria trocar por
outro), então, cada um performatizou o texto do outro que tinham em mãos.
Pedimos que analisassem os tons de cada texto, explicando sobre os tons dos
textos, tais como triste, alegre etc., podendo ser interpretados de várias maneiras; informando,
ainda, que poderiam, em uma primeira etapa, usar som e imagem do corpo, sem o uso de
palavras, e, na segunda, incluindo as palavras do texto.
Após a interpretação, os participantes apontaram quem eles acharam que produziu
o texto interpretado e por que, a partir das características do texto que o aproximavam de seu
autor. Por último, cada participante interpretou seu próprio texto. Esta atividade incentivou a
produção escrita, como também trabalhou com aspectos identitários, levando os estudantes a
uma autoanálise e à análise do outro.

Foto 4 – Produção escrita

Fonte: autor.

5.2.5 Oficina 5

Cronograma de aula – Oficinas Teatro do Oprimido.


06 de abril de 2019, 15h às 18h.
1º momento – atuação  Performances
2º momento – teoria  Estudos sobre Identidade e Cultura

Realizada na FECLESC, esta oficina foi iniciada com as performances dos


estudantes, dividindo-os em grupo e reservando um tempo para a produção por equipe.
Depois da primeira apresentação, indaguei aos participantes se eles imaginaram
aquela cena na vida real. Partimos, então, para a análise das apresentações com a opinião dos
110

estudantes. Depois destas, as apresentações foram montadas novamente com as indicações


sugeridas.
Após as apresentações artísticas, passamos para o momento teórico do dia. A
temática abordada girou em torno do tema identidade e diferença. Inicialmente, pedi que os
participantes escrevessem sobre suas identidades, respondendo à pergunta ―O que você quer
ser?‖ e após a produção textual, cada estudante apresentou seu texto.
Posterior a este momento, expusemos a teoria, de modo participativo, pois,
sempre que quisessem, os participantes poderiam acrescentar suas opiniões e vivências sobre
o assunto abordado.

Foto 5 – Performances

Fonte: autor.

5.2.6 Oficina 6

Cronograma de aula – Oficinas Teatro do Oprimido.


13 de abril de 2019, 15h às 18h.
 Com o Coletivo Severinas (Coletivo
1º momento – palestra feminista)
Palestrante: Alice Queiroz
2º momento – caminhadas  Corpo e gênero
 Joguexercício Maquina de Ritmo
3º momento – corpo e construção (máquina masculina/feminina;
máquina amor/ódio; máquina
estudante/professor)
4º momento – canção  Música DUBA

Começamos esta oficina com a participação do Coletivo Severinas, representado


pela Professora Mestra em História e Letras Antônia Alice Queiroz Bezerra. A palestra teve
como tema ―Por que ainda precisamos dos feminismos?‖. A palestrante abordou o que é e o
111

que não é feminismo e os mitos em volta dele; o feminismo como movimento social e como
teoria, trazendo, também, uma pesquisa sobre dados de violência contra a mulher, além da
menção aos aspectos culturais do machismo e como este ocorre na sociedade.
Posteriormente, fomos para a prática do primeiro joguexercício, o exercício
caminhada corpo e gênero. Na sequência, passamos para outra atividade, o joguexercício da
Máquina de ritmos:
Um dos participantes ocupou o centro da sala, imaginando que é uma peça de
uma máquina. A partir disso criou um som e movimento contínuos sobre o que imagina
representar a máquina. Esta máquina é temática, então, sob meu comando, inicialmente os
jogadores criaram uma máquina feminina: o participante começou o movimento e o som
com seu corpo, que representou uma peça dessa máquina, então, outro participante foi até o
centro e completou a máquina temática, como uma peça complementar, na sequência, foi
um participante de cada vez até que a máquina se completou e, então, trabalhamos variações
de velocidade, de rápida à lenta. Fizemos também a variação temática da máquina, depois
da máquina feminina, propusemos a máquina masculina, máquina do amor e máquina do
ódio. Na primeira máquina, os participantes representaram um salão de beleza; na segunda,
uma moto sendo guiada.
Este joguexercício operou com questões de união do grupo, pois propôs o
trabalho em equipe, em que todos formaram um. Também, a partir das temáticas, levou os
estudantes a pensarem em estruturas sociais as quais são fundadas certas categorias, como
pensaram em uma máquina feminina e diferenciaram de uma masculina e como e por que
esse padrão é construído.
Depois dos exercícios, propomos conversar sobre sua prática. Após esse momento
de diálogo, passamos a estudar e praticar uma nova música: tradicional ―Duba‖ (autoria
desconhecida). Fizemos, então, aquecimento da voz e exercícios de respiração.
112

Foto 6 – Palestra Coletivo Severinas

Fonte: autor.

5.2.7 Oficina 7

Cronograma de aula – Oficinas Teatro do Oprimido.


27 de abril de 2019, 15h às 18h.
1º momento – contando estória Fábula Xuá-Xuá
2º momento – exercício corporal Aquecimento e alongamento com música
3º momento – prática teatral Ensaio para apresentação na escola

O encontro do dia 27 de abril também ocorreu na Faculdade. Começamos


distribuindo chocolates para a turma e informando-os sobre o convite da coordenação da
Escola Gonzaga Mota para uma apresentação cultural do grupo no dia 7 de maio, no Jardim
ecológico da escola, em comemoração à revitalização do referido espaço.
Antes de elaborarmos a performance, contamos uma fábula do teatro oriental:
―fábula de Xuá-Xuá, a fêmea pré-humana que descobriu o teatro‖ (BOAL, 2011, xiii). Logo
após esse momento, pedimos que os estudantes pensassem em performances a partir do que o
grupo trabalhou até então. Escolhemos o poema ―O pássaro cativo‖, de Olavo Bilac, além de
uma melodia de natal como bases para a performance (anexo N). Este foi um momento
especial, pois os estudantes passaram por um processo de criação artística. A partir desta
oficina, eles puderam expressar seu processo de criação. Porém, apesar de termos ensaiado
com os seis participantes, no dia da apresentação, apenas uma estudante compareceu.
113

Foto 7 – Apresentação no Jardim Ecológico GM

Fonte: autor.

5.2.8 Oficina 8

Cronograma de aula – Oficinas Teatro do Oprimido.


11 de maio de 2019, 15h às 18h.
 Com o Coletivo da Juventude Negra
1º momento – palestra (Coletivo Negro)
Palestrante: Elen Andrade
2º momento – sentindo o corpo  Série de gravidade
 Joguexercício O aperto de mãos
3º momento – visão  O vampiro de Estrasburgo

Iniciamos a oficina com a palestra do Coletivo da Juventude Negra da FECLESC,


representado pela Historiadora Elen Beatriz Gomes de Andrade. A palestrante abordou o
empoderamento da identidade negra, iniciando seu discurso a partir de sua trajetória no
descobrimento de sua Identidade Negra. A partir disso, incentivou os estudantes a pensarem
em sua identidade racial, perguntando como cada um se considerava, fomentando, assim, um
momento de diálogo. Em seguida, apresentou uma pesquisa sobre afeto e população,
finalizando com o conto ―Minha cor‖ (2007), de Raquel Almeida e reabrindo um novo
momento de troca e discussão com os estudantes. A estudante que participou da apresentação
artística na escola explanou sobre a sua experiência de atuar pela primeira vez. Depois,
passamos para o primeiro exercício do dia: série da gravidade:
114

Este exercício propôs, aos estudantes, pensarem nas suas condições corporais. A
gravidade nos mantém firmados na terra, a todo tempo, puxando-nos para ela, firmes e
enraizados. Este exercício também trabalhou a resistência corporal, uma vez que os
estudantes foram incentivados a pensar no esforço que é lutar contra a gravidade a partir do
cansaço que se instala quando ficamos por horas em pé ou quando caímos e nos
machucamos, entre outros exemplos.
Na primeira série, os participantes se apoiram em um de seus pés, com o outro pé
suspenso para a frente, até não aguentarem mais. Depois colocaram o pé para trás, sem que
o mesmo tocasse o chão, permanecendo por um tempo, fazendo, posteriormente, o mesmo
com o outro pé. A segunda série foi com o braço suspenso para a frente, permanecendo até
o seu limite, depois para trás, em seguida, com o outro braço. Terceira série com o tronco, e
quarta série com a cabeça.
A atividade seguinte foi o Vampiro de Estrasburgo:
Este joguexercício trabalhou a sensibilidade auditiva e a percepção do espaço.
Os participantes ficaram de olhos fechados, caminhando pelo espaço. Um deles
foi indicado para ser o vampiro, produzindo um som com a boca, ao mesmo tempo tentando
tocar o pescoço dos outros participantes, que fogem desse vampiro. O jogador que ia sendo
tocado pelo vampiro transformava-se instantaneamente também em vampiro, produzindo
seu som e, assim, tentando transformar os outros também. Quando um vampiro tocava o
pescoço de outro vampiro, esse era desvampirizado, produzindo um grito de alívio, para que
os outros entendessem que foi desvampirizado, recomeçando a fugir do vampiro.
Partimos para mais um joguexercício, o aperto de mãos:
Os jogadores, de olhos fechados, fizeram um círculo e deram as mãos,
incentivados a sentir as mãos dos colegas ao seu lado. Depois, conduzimos cada um para
um ponto da sala e, ainda de olhos fechados, procuraram as mãos que estavam segurando
anteriormente, mão esquerda e direita na posição inicial.
Este joguexercício trabalhou a sensibilidade do reconhecimento pelo toque e a
memorização de detalhes do corpo do outro. A questão de perceber o corpo do outro, de
perceber as pessoas que são corpos, mas também são mentes pensantes, e que esses estão
unidos.
115

Foto 8 – Palestra Coletivo da Juventude Negra

Fonte: autor.

5.2.9 Oficina 9

Cronograma de aula – Oficinas Teatro do Oprimido.


18 de maio de 2019, 15h às 18h.
 Com o Coletivo das Alternativas
1º momento – palestra (Coletivo LGBT)
Palestrante: Isaac Apolônio
2º momento – aquecimento  Aquecer o rosto
 Anda, para, justifica
3º momento – joguexercícios  O ímã afetivo
 Jogo de bolas peruano
 Transferência de sentidos

Iniciamos a aula com o representante do Coletivo das Alternativas, o advogado


Jônatas Isaac Apolônio da Silva, que abordou a temática LGBT. Inicialmente, o convidado
apresenta o coletivo do qual faz parte, trazendo um romance (O pássaro sem canção, 2013),
do escritor quixadaense Jardes Nobre, para questões de debate. Na sequência, fizemos uma
série de aquecimentos e passamos para o joguexercício Anda, para, justifica:
Os jogadores caminharam pelo espaço, andando de modos não convencionais. De
tempos em tempos, paralisavam seus corpos, justificando a postura em que estavam, de
modo a fazer sentido, mesmo parecendo absurda. Este joguexercício trabalhou o
aquecimento corporal e a criatividade inventiva.
No joguexercício O ímã afetivo:
De olhos fechados, os estudantes caminharam pela sala. Na primeira parte do
jogo, o polo estava negativo, então, quando um aluno esbarrava em outro, separavam-se
imediatamente. Após algum tempo, anunciamos que o polo estava positivo, portanto,
116

quando esbarravam, grudadavam-se. Os participantes em momento algum podiam parar de


se mover. A variante positivo e negativo foi feita algumas vezes e, no final, o polo ficou
positivo, formando-se duplas, de modo que um tocou o rosto do outro, observando os
detalhes fisionômicos e criando, a partir disso, uma imagem da pessoa. Por fim, os
estudantes traduziram as sensações percebidas durante o exercício.
Na sequência, fizemos o Jogo de bolas peruano:
Os participantes, cada um, imaginanando estar de posse de uma bola (de futebol,
tênis, vôlei, balão de ar, golfe, etc.), e jogando individualmente com essa sua bola
imaginária, utilizaram todo o seu corpo neste feito, repetindo o ritmo e o som. Depois de um
tempo jogando com sua bola, os jogadores interagiram entre si, cada um escolheu um
parceiro e ouvindo o comando: ―trocar de bola‖, trocaram as bolas entre si; tempos depois,
escolheram outros parceiros e trocaram novamente, e assim fizeram mais duas vezes.
Ao ouvir o comando: ―encontrar bola original‖, cada jogador procurou a sua.
Assim que achada, o jogador foi até o outro que está com sua bola e disse: ―você sai‖ e
continuou jogando com a bola que tinha em mãos e com a sua, portanto, jogando com duas
bolas e assim permaneceu até o dono da outra bola reivindicá-la.
Este joguexercício trabalhou a memória e a criação corporal e a colaboração em
grupo, pois, para que o jogo funcione é necessário o outro.
Finalizamos a oficina com a técnica de transferência de sentidos. Expliquei para
os estudantes o que é essa técnica e depois interpretamos a partir dela.

Foto 9 – Anda, para, justifica

Fonte: autor.
117

5.2.10 Oficina 10

Cronograma de aula – Oficinas Teatro do Oprimido.


24 de maio de 2019, 15h às 18h.
1º momento – teoria  Revisão teórica TO
2º momento – preparação corporal  Massagens
 Jogo do espelho (espelho simples –
espelho distorcido)
3º momento – joguexercícios  Jogo do posso
 Vulcão rima
 Foto dinamarquesa
 O líder resignado

Após três meses de oficinas, retomamos, então, a discussão do que é o Teatro do


Oprimido, pois, depois de vivenciada a prática teatral, torna-se mais fácil o entendimento da
teoria.
Após discussão teórica, passamos para os exercícios. Iniciamos com preparação e
relaxamento corporal com massagens, começando na ponta dos pés até a cabeça. O objetivo
destas séries de massagens foi localizar as tensões musculares e preparar os alunos para um
relaxamento e bem-estar durante os joguexercícios seguintes. Na sequência, passamos para o
Jogo do espelho:
Na primeira sequência, espelho simples, formaram-se duplas, em que um
representou o sujeito e o outro a sua própria imagem. A imagem imitou os movimentos do
sujeito, reproduzindo cada detalhe; depois trocaram-se os papéis. Na segunda variação, a
imagem distorceu os gestos do sujeito, ora diminuindo, ora aumentando o gesto, entre
outras possibilidades. O jogo do espelho trabalhou a articulação, a percepção e a sincronia
entre os parceiros.
Logo após, trabalhamos o Jogo do posso:
Formamos um círculo em que todos se colocaram de pé. Na primeira variante
desse jogo, um estudante foi eleito para iniciar, escolhendo uma pessoa com o olhar, indo
até ela para ocupar o seu lugar. Quando esta pessoa que foi escolhida pelo olhar percebeu o
outro vindo em sua direção, de imediato escolheu outra pessoa para ocupar seu lugar, mas
só saindo do lugar quando a outra pessoa percebesse que foi escolhida e assim
sucessivamente. Houve uma rapidez na caminhada e a sequência era constatemente
quebrada, tornando o jogo difícil. O objetivo principal do jogo foi a concentração no espaço
e nos colegas com quem se joga.
118

Na variante seguinte, os participantes usaram a fala. O modus operandi foi o


mesmo, mas, desta vez, o jogador perguntou ao outro se poderia ocupar o seu lugar usando
a frase: ―posso?‖, só podendo ocupar seu lugar quando ouvisse a resposta positiva: ―pode!‖,
mas se disser: ―não pode‖, o outro deveria perguntar para outro participante até que um dos
participantes consentisse. Quando o participante permitia que o outro ocupasse seu lugar,
imediatamente se dirigia a outro participante para ocupar o seu lugar e assim
sucessivamente. Nesta variante, trabalha-se o respeito ao espaço do outro.
Na sequência, praticamos o joguexercício Vulcão rima:
Em círculo, os participantes marcaram o ritmo com o braço, para cima e para
baixo. Quando o braço estava na parte de cima, um dos participantes começou
pronunciando uma palavra qualquer, por exemplo, ―leite‖, então, o jogador do lado
pronunciou outra palavra relacionada com a palavra anterior ou que rimasse com ela; por
exemplo, dada a palavra leite, o participante seguinte completou com ―azeite‖ ou ―vaca‖.
No joguexercício Foto dinamarquesa:
Os jogadores caminharam pelo espaço e, a cada intervalo de tempo, ao ouvirem a
frase ―uma foto para‖, complementavam para quem vai a foto, por exemplo: ―uma foto para
sua mãe‖, ―uma foto para sua professora‖, ―uma foto para o seu pet‖ e, assim, vários
destinatários possíveis. Os participantes fazeram suas respectivas poses para cada
destinatário que se fala, configurando-se como um joguexercício afetivo.
Logo depois, fizemos o joguexercício O líder designado:
Os participantes colocaram-se em círculo, todos de olhos fechados. Avisei que
daria duas voltas ao redor do círculo e tocaria uma das pessoas para ser a líder resignada.
Logo após o feito, os jogadores abriram os olhos e observaram quem era o líder resignado,
apontando. Neste momento, criou-se um jogo em que um acusou o outro, ao mesmo tempo
em que se defendia da acusação de outros. O detalhe é que, nessa primeira variação, eu,
enquanto condutor do exercício, não toquei em ninguém e, portanto, ninguém foi o líder
resignado, deixando eles pensarem que algum deles o foi.
Passamos para a segunda parte do jogo, em que novamente dei duas voltas ao
redor dos jogadores de olhos fechados; o detalhe é que não revelei nada para eles na
primeira rodada. Nessa segunda volta, toquei em todos eles, fazendo-os pensar que todos
eram líderes. Os jogadores atuaram se defendendo e acusando o outro para não suspeitarem.
Só depois de eles apontarem uns aos outros, revelei que, na primeira etapa, ninguém era o
líder designado e, na segunda, todos eram. Com este joguexercício, os estudantes
119

perceberam que estão performando o tempo todo, até mesmo sem se dar conta disso.

Foto 10 – Jogo do espelho

Fonte: autor.

5.2.11 Oficina 11

Cronograma de aula – Oficinas Teatro do Oprimido.


01 de junho de 2019, 15h às 18h.
1º momento – relaxamento  Massagens
2º momento – canção  Música aquecimento (DUBA e
BANAHA)
3º momento - joguexercícios  Intercâmbio de máscaras
 O desmaio de Frajus
 O canto da Sereia (Teatro Fórum)

Iniciamos os exercícios com uma série de massagens, passando depois para o


aquecimento vocal com as músicas ―Duba‖ e ―Banaha‖ e, na sequência, fizemos o
joguexercício intercâmbio de máscaras:
Os participantes caminharam ocupando os espaços vazios e ao meu comando
fizeram o intercâmbio de máscaras de personagens, tais quais: homens representaram as
máscaras usuais de mulheres e vice-versa, alunos de professor, filhos de pais, altos e baixos,
tímidos e extrovertidos, tristes e felizes, entre outras máscaras possíveis. Este jogo trabalha
a autopercepção e a construção de atores sociais.
Depois praticamos o joguexercício O desmaio de Frajus:
Cada jogador foi sorteado com um número, decorando seu número e dos demais
jogadores. Começaram caminhando pelo espaço e, a cada intervalo de tempo, eu falava um
dos números. O estudante sorteado com esse número deixava seu corpo cair ao chão
120

(desmaiava), e os outros, seguráva-o. Este é um exercício de confiança e memorização, no


qual fizemos a variação, falando dois números e dois participantes desmaiavam ao mesmo
tempo, redobrando a atenção de todos.
O último joguexercíco das oficinas é O canto da sereia, que abre para o momento
do Teatro-Fórum:
Este joguexercício foi difícil, pois evocou emoções e momentos delicados dos
participantes. Inicialmente, os estudantes caminharam pela sala de olhos fechados e, ao
sinal, pararam, trazendo à memória uma opressão real que viveram. A partir desse
pensamento, emitiram um som com a boca (um grito, um choro, um gemido, um
lamento...). Depois de um tempo, escolhi dois participantes para continuarem emitindo os
seus sons e toquei nos outros para pararem. Orientei, então, que os outros estudantes
atentassem para os dois companheiros e caminhassem, ainda de olhos fechados, para aquele
que produzia o som que mais se assemelha ao seu, evocando a opressão recém-memorizada.
Os participantes formaram dois grupos, abrindo os olhos, foram orientados para
sentar e iniciar um debate sobre as opressões com os colegas.
É importante frisar que ninguém foi obrigado a expor as lembranças sentidas
durante o exercício, só o fez quem se sentiu à vontade. Apenas, uma aluna não se sentiu à
vontade para se manifestar.
Na segunda etapa, cada participante representou a sua opressão sofrida no palco,
primeiro sem voz, apenas com gestos e depois acrescentando a voz na cena. Depois de
representada a cena, perguntamos aos demais se agiriam de maneira diferente na situação do
outro e quem se manifestou foi orientado a atuar no lugar do outro.
Finalizamos as atividades e depois conversamos sobre o encontro seguinte, que
seria a aplicação da entrevista, ocorrida no dia 8 de junho.
121

Foto 11 – O desmaio de Frajus

Fonte: autor.

Ao final das oficinas, observamos como pontos positivos a produção de textos, o


cumprimento de prazos na realização de atividades, as discussões importantes e a escrita
coletiva de uma esquete teatral, abordando as temáticas estudadas. Como pontos negativos,
destacamos as faltas; os atrasos; as desistências e o fato de não termos conseguido apresentar
a peça.
No próximo capítulo, apresentaremos uma análise a partir das falas dos
participantes do projeto, observando o desenvolvimento desse grupo durante as oficinas,
atentando para os aspectos formadores de identidades e ideologias.
122

6 IDENTIDADE E DISCURSO: ANÁLISE DE UMA JORNADA

Este capítulo explora as falas dos sujeitos participantes desta pesquisa, nas
oficinas de TO, descritas no capítulo anterior, com base na concepção tridimensional do
discurso fairclouguiana (texto, prática discursiva, prática social) (FAIRCLOUGH, 2001). A
partir do texto obtido, analisamos os aspectos linguísticos do texto (vocabulário, gramática,
etc.). Na prática discursiva, os aspectos de interação do discurso, no processo de produção e
interpretação textual (produção, contexto, intertextualidade, etc.). Na prática social,
observamos questões de interesse na análise social (ideologia, hegemonia).
Por meio das oficinas, foi possível coletar um farto material discursivo a partir de
gravações em vídeos e áudios obtidos nas discussões teóricas e nos relatos das vivências dos
alunos, bem como nas entrevistas realizadas ao término das oficinas. Observamos o processo
de aprendizado dos estudantes a partir das discussões realizadas acerca de identidades de
sujeitos sociais, com enfoque em identidades de sexualidade, gênero e raça, ou seja, na
perspectiva interseccional. Para este intento, utilizamos o conceito de identidade do sujeito
pós-moderno (HALL, 2006) e a descoberta de si.
Utilizamos a abordagem da Análise de Discurso Crítica (ADC), de perspectiva
fairclouguiana (RAMALHO; RESENDE, 2006, 2011), (FAIRCLOUGH, 2001), pois ela
oferece valiosas contribuições no debate sobre as minorias sociais, uma vez que se preocupa
não só com a linguagem e seus usos, mas também com os problemas sociais que os envolvem
a partir das propriedades detalhadas dos textos, na avaliação entre mudança discursiva e
social.

6.1 Breves considerações sobre a Análise de Discurso Crítica

A Análise de Discurso Crítica (ADC), de perspectiva fairclouguiana, também


conhecida como Teoria Social do Discurso, é uma disciplina jovem. Começa a dar seus
passos na década de 1970, na Grã-Bretanha, onde e quando foi desenvolvida a abordagem da
Linguística Crítica. De acordo com Rajagopalan (2007), a Linguística Crítica

Nasceu a partir da conscientização de que trabalhar com a linguagem é


necessariamente intervir na realidade social da qual ela faz parte. Linguagem é, em
outras palavras, uma prática social. A linguística também o é. A linguística é uma
prática social como qualquer outra e tem por seu objeto a própria linguagem
(RAJAGOPALAN, 2007, p. 18).
123

Posteriormente, na década de 1980, Fairclough usa o termo Análise de Discurso


Crítica – ADC (MAGALHÃES, 2005), que veio a consolidar-se enquanto disciplina em um
simpósio em Amsterdã, em 1990. Participaram desse simpósio, além de Fairclough, outros
grandes nomes da área, como Teun Van Dijk, GuntherKress, Ruth Wodak e Teo Van
Leeuwen (COSTA, 2012).
Levando em consideração que o uso da linguagem é moldado no social, não no
individual, a ADC considera a linguagem como prática social, interpretando e explicando a
linguagem no contexto sócio-histórico, oferecendo valiosa contribuição no debate das
minorias sociais, pois analisa as relações de poder nas interrelações de gênero, classe, etnia,
etc. Assim, seus estudos se voltam para a análise das relações de luta e conflitos sociais
(MAGALÃES, 2005). Desta forma, a ADC:

Trata-se de uma proposta que, com amplo escopo de aplicação, constitui modelo
teórico-metodológico aberto ao tratamento de diversas práticas na vida social, capaz
de mapear relações entre os recursos linguísticos utilizados por atores sociais e
grupos de atores sociais e aspectos da rede de práticas em que a interação discursiva
se insere. Os conceitos centrais da disciplina são os de discurso e práticas sociais
(RESENDE, 2006, p. 11).

Os discursos são construídos e moldados pela/na sociedade. Cada grupo social


apossa-se do discurso que lhe é característico. Nos discursos, estão centradas as relações de
poder e, através delas, pode ser possível perceber, em alguns casos, a classe social do
indivíduo, suas convicções políticas, entre outras. Analisa-se, através do discurso, de que
forma o sujeito foi e é formado enquanto identidade construída socialmente.
Sobre as contribuições do discurso e suas funções, Fairclough (2001) informa:

O discurso contribui, em primeiro lugar, para a construção, do que variavelmente é


referido como 'identidades sociais' e 'posições de sujeito' para os 'sujeitos' sociais e
os tipos de 'eu' [...] Segundo, o discurso contribui para construir as relações sociais
entre as pessoas. E, terceiro, o discurso contribui para a construção de sistemas de
conhecimento e crença [...] Esses três efeitos correspondem respectivamente a três
funções da linguagem e a dimensões de sentido que coexistem e interagem em todo
discurso – o que denominarei as funções da linguagem 'identitária', 'relacional' e
'ideacional'. A função identitária relaciona-se aos modos pelos quais as identidades
sociais são estabelecidas no discurso, a função relacional a como as relações sociais
entre os participantes do discurso são representadas e negociadas, a função
ideacional aos modos pelos quais os textos significam o mundo e seus processos,
entidades e relações (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91-92).

Essas contribuições do discurso estão na dimensão da interação social, sendo, a


partir deste processo, que os sujeitos se reconhecem como tais, mediante suas diferenças e
igualdades. Conforme observado na citação acima, Fairclough distingue três funções da
124

linguagem, que representam os sujeitos em sua ação discursiva, através da qual pensam
identidade, estabelecida socialmente pelo contato com o outro e com as variadas culturas
criadas. Dessa variedade cultural, a partir da qual os sujeitos são interpelados por vários
discursos, estes são negociados neste processo interativo, em que são representados pelos
sujeitos em sua posição discursiva e lugar de fala, criando as convicções dos conhecimentos
construídos pela própria sociedade, significando o mundo através das relações sociais
estabelecidas.
A prática discursiva contribui na constituição da sociedade, mostrando as
identidades sociais, as crenças, os sistemas de conhecimentos, as relações sociais e, ao mesmo
tempo, contribui para transformar esta mesma sociedade, visto que as posições dos sujeitos
estão sempre em constante negociação entre suas representações e convicções, pois a prática
social é composta por várias orientações, a saber: cultural, econômica, política ideológica,
estando o discurso implicado em todas elas.
Enquanto prática política, o discurso:

estabelece, mantém e transforma as relações de poder e as entidades coletivas


(classes, blocos, comunidades, grupos) entre as quais existem relações de poder. O
discurso como pratica ideológica constitui, naturaliza, mantém e transforma os
significados do mundo de posições diversas nas relações de poder (FAIRCLOUGH,
2001, p. 94).

Ao propor tal perspectiva, Fairclough visa à análise de textos (discursos) reais,


inserindo sua Análise do Discurso Textualmente Orientada (ADTO):

A partir da ADTO, Fairclough (2001) desenvolve um quadro teórico adequado ao


uso na pesquisa científica social. Sua intenção foi reunir uma abordagem linguística
do discurso e as visões do pensamento social e político relevantes para o seu estudo
da mudança social. Ele operacionaliza na ADTO três dimensões na abordagem do
discurso: análise dos textos, análise das práticas discursivas e análise das práticas
sociais. Essa operação concebe o discurso em um modelo tridimensional, sendo que
a análise de um discurso dentro desse modelo se dá de maneira simultânea nas três
dimensões, não havendo uma que deva ser obrigatoriamente priorizada em relação à
outra. Também não significa que cada dimensão de análise tem seus limites bem
definidos, como por exemplo, na análise textual e das práticas discursivas em
relação à produção e recepção textuais (COSTA, 2012, p. 4).

Desta forma, a Análise de Discurso Crítica procura contribuir na mudança social,


ao apontar a linguagem em seu uso na sociedade, buscando desvendar relações desiguais de
poder e contribuir para a transformação da coletividade. Essas relações podem ser legitimadas
ou desconstruídas pelo discurso e pelo (re)conhecimento da ideologia ou não pelos sujeitos.
Os sujeitos, através dos discursos, constroem, legitimam e/ou refutam identidades.
125

6.2 Breves considerações sobre identidades

Os sujeitos sociais são marcados por momentos históricos e moldados nas suas
interrelações. Em momentos históricos diferentes, observamos diferentes modelos de sujeitos
com suas formas de pensamento, a exemplo das categorias de identidades de sujeitos citados
por Hall (2006): sujeito do iluminismo, sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. O
primeiro determinista e essencialista, o segundo interacionista e essencialista, e o último um
sujeito com identidades fragmentadas e plurais.
A identidade do sujeito pós-moderno, neste período atual em que vivemos, vem
sendo moldada com o avanço da globalização, da revolução da tecnologia da informação e
reestruturação do capitalismo, introduzindo uma sociedade em rede.

Essa sociedade é caracterizada pela globalização das atividades econômicas


decisivas do ponto de vista estratégico; por sua forma de organização em redes; pela
flexibilidade e instabilidade do emprego e a individualização da mão-de-obra. Por
uma cultura de virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia
onipresente, interligado e altamente diversificado. E pela formação das bases
materiais da vida - o tempo e o espaço - mediante a criação de um espaço de fluxos e
de um tempo intemporal como expressões das atividades e elites dominantes
(CASTELLS , 2006, p. 17).

A internet e as redes sociais, mais do que nunca, interligam culturas, línguas,


modos de viver e representar, sendo apresentados para o outro, que absorve e introduz essas
outras culturas à sua. Como observa Castells (2006, p. 17) houve ―uma avanço de expressões
poderosas de identidade coletiva‖, a partir das quais, grupos de sujeitos buscam o
autoconhecimento e se definem enquanto identidade que ocupam (a exemplo do feminismo),
lutando por seus direitos, pois grupos identitários estão constantemente em conflito,
dividindo-se em movimentos sociais.
De acordo com Castells, de uma forma simplificada, identidade é a ―fonte de
significado e experiência de um povo‖ (CASTELLS, 2006, p. 22). Em relação à sua atuação
social, entende por identidade:

o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda,


um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(is) prevalece(m)
sobre outras fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator
coletivo, pode haver identidades múltiplas (CASTELLS, 2006, p. 22).
126

Tal pluralidade causa conflitos na autorrepresentação e ação social, devido ao fato


de tais identidades estarem atreladas e confundidas a papéis sociais (por exemplo, ser mãe,
irmã, militante socialista, professor, frequentador de uma igreja, etc.), que, no entanto,
também contribuem para o processo identitário. Nesse sentido, a construção da identidade
social sempre ocorre em um contexto marcado por relações de poder.
As identidades são construídas no e pelo discurso, e, por isso, observa Hall (2006,
p. 109), ―nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e
institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por
estratégias e iniciativas específicas‖. Dessa forma, são moldadas no jogo de poder, e podem
ser consideradas um produto mais de marcação de diferença e exclusão do que de igualdade.
Como observa Silva (2012, p. 74), ―identidade e diferença estão em uma relação
de estreita dependência‖. O sujeito, ao afirmar quem ele é, está, ao mesmo tempo, afirmando
quem ele não é, em uma cadeia extensa de negação: ―Por trás da afirmação ‗sou brasileiro‘,
deve-se ler: ‗não sou argentino‘, ‗não sou chinês‘ [...] E assim por diante, numa cadeia, neste
caso, quase interminável‖ (SILVA, 2012, p. 75). Na perspectiva de Silva (2012), identidade e
diferença estão mutuamente determinadas, e são resultados de atos de criação linguística, ou
seja, são produzidas no contexto de relações culturais e sociais, portanto, não são essenciais
ou elementos da natureza.
Identidade e diferença, aponta Silva (2012), para a teoria cultural contemporânea,
estão associadas a sistemas de representação. Em seu conceito utilizado pelos estudos
culturais, a representação:

é concebida como um sistema de significação, mas destacam-se os pressupostos


realistas miméticos associados com sua concepção filosófica clássica. Trata-se de
uma representação pós-estruturalista. Isso significa, primeiramente, que se rejeitam,
sobretudo, quaisquer conotações mentalista ou qualquer associação com uma
suposta interioridade psicológica. No registro pós-estruturalista, a representação é
concebida unicamente em sua dimensão de significante, isto é, como sistema de
signos, como pura marca material. A representação expressa-se por meio de uma
pintura, de uma fotografia, de um filme, de um texto, de uma expressão oral. A
representação não é, nessa concepção, nunca, representação mental ou interior. A
representação é, aqui, sempre marca ou traço visível, exterior (SILVA, 2012, p. 90-
91).

É, portanto, por meio da representação, que a identidade e a diferença passam a


existir enquanto criação discursiva na vivência social do sujeito, representando sua
identidade: ―eu sou isso‖, ―essa sou eu‖, etc. Os sujeitos, assim, performatizam identidades
(BUTLER, 1999).
Hall utiliza o termo identidade
127

para significar o ponto de encontro, o ponto de satura, entre, por um lado, os


discursos e as práticas que tentam nos ‗interpelar‘, nos falar ou nos convocar para
que assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos particulares e,
por outro lado, os processos que produzem subjetividades, que nos constroem como
sujeitos aos quais se pode ‗falar‘. As identidades são, pois, pontos de apego
temporário às posições-de-sujeito que as práticas discursivas constroem para nós.
Elas são o resultado de uma bem-sucedida articulação ou ‗fixação‘ do sujeito ao
fluxo do discurso - aquilo que Stephen Hearth, em seu pioneiro ensaio sobre
‗satura‘, chamou de ‗uma intersecção‘ (SILVA et al, 2012, p. 111-112).

Logo, a identidade é um processo que se forma a partir das interrelações pessoais


discursivas, em forma de informações sobre definições de pessoas, objetos e coisas. O sujeito
só pode se identificar a partir do que conhece, do que aprendeu sobre, no processo de
significação e história. Um negro e uma mulher se definem como tais depois de se
apropriarem de uma gama de conhecimentos históricos e práticos da vida desses grupos,
afirmando-se enquanto identidade de resistência, por exemplo. As identidades, por sua
fragmentação e variedade são também interseccionadas.

6.3 “O que aprendi com as oficinas”: uma análise dos processos identitários

No capítulo anterior, descrevemos as oficinas de TO desenvolvidas a partir desta


pesquisa. A contar deste ponto, selecionamos algumas falas dos participantes do projeto, com
intuito de analisá-las, a partir da ADC, observando suas reproduções de conceitos
incorporados socialmente e a construção e representação de identidades desses sujeitos, em
contato com os conhecimentos sobre as categorias sociais de identidade de sexualidade,
gênero e raça, debatidos nas oficinas.
Nesta análise, nos apropriamos do texto, da prática discursiva e da prática social,
abordando as propriedades analíticas do texto como controle interacional, em suas relações
interpessoais, utilizando também modalidade como dimensão da gramática e o foco no ―eu‖.
A crítica também será feita a partir da análise da ideologia, pois os discursos são
ideológicos. De acordo com Fairclough

As ideologias são significações/construções da realidade (o mundo físico, as


relações sociais, as identidades sociais) que são construídas em várias dimensões das
formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a
reprodução ou a transformação das relações de dominação (FAIRCLOUGH, 2001,
p. 117)
128

Na análise de ideologias, usamos alguns dos modos de operações gerais da


ideologia e estratégias de construção simbólicas1 de J. B. Thompson (2002), identificadas nas
reproduções dos discursos dos participantes.
Desta forma, abordamos também a função identitária do sujeito. No significado
identificacional, que se relaciona a aspecto discursivo de identidade, na análise de construção
de identidades e na identificação de atores sociais.
O modo pelo qual foi possível coletar os discursos passou pela interdiscursividade
do gênero entrevista e também no estilo de conversação, caracterizado como uma estrutura de
trocas (FAIRCLOUGH, 2001).
No capítulo anterior, descrevemos as oficinas que foram o caminho pelo qual
traçamos os diálogos para os conhecimentos obtidos para e pelo grupo, tais conhecimentos
foram debatidos em estudos de categorias de minorias sociais, visando ao seu conhecimento,
ao estudar as identidades que formam cada grupo, por um processo histórico e interacional
dos sujeitos. A partir desses momentos práticos e dialogais, obtivemos uma construção de
conhecimentos, incentivando os participantes a pensarem suas próprias identidades como
processos contínuos e a pensarem em relações de poder que são sustentadas socialmente,
como, por exemplo, as opressões pelas quais sofrem as minorias estudadas e suas estratégias
de luta.
Para preservar a identidade dos participantes, seus nomes verdadeiros foram
omitidos, sendo usados nomes fictícios escolhidos por cada um deles. Os nomes escolhidos
foram: Joana, Cassandra, Yuki, Angel, Christian e Kuller. As falas foram selecionadas a partir
dos debates ocorridos nas oficinas e também por meio das entrevistas, sendo reproduzidas,
neste capítulo, em sua forma original.
Observamos, a partir das práticas e das falas, que os participantes foram
construindo seu conhecimento sobre teatro e minorias sociais, pensando em seu processo de
construção de identidade, que é sempre contínuo, como demonstraremos na análise a seguir.
Observamos, ainda, que a análise das falas se dará de modo a apontar apenas algumas
categorias de análise2 em cada uma delas, pois seria inusual e uma tarefa hercúlea, tentar
analisar todas as categorias em cada fala.
Como já mencionado, em nossa primeira oficina, iniciamos as discussões com um
grupo focal, em que os estudantes puderam expor seus pensamentos sobre as temáticas que

1
Legitimação; Dissimulação; Unificação; Fragmentação; Reificação / Racionalização; Universalização;
Narrativização; Deslocamento; Eufemização; Tropo; Padronização; Simbolização da unidade; Diferenciação;
Expurgo do outro; Naturalização; Eternalização; Nominalização/Passivação (THOMPSON, 2002).
2
Análise dos textos, análise das práticas discursivas e análise das práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2001).
129

seriam debatidas e suas expectativas em relação às oficinas. Sobre este momento, registramos
a seguinte fala:

(1)
Eu espero liberdade para sermos quem nós realmente somos, a gente costuma
usar máscaras, é (...), a gente chega muito caladinho porque a gente queria falar
mais, mas a gente sempre tem aquele medo da pessoa sei lá olhar com você com
aquela cara de que a pessoa não tá falando o que eu queria ouvir. [...] A questão
do erro, de não errar eu acho que eu passei a minha vida toda praticamente até agora
me privando de participar, de me envolver em algumas coisas com medo de errar de
3
a pessoa dizer faz isso e eu errar (Angel).

A estudante inicia sua fala (1) expondo seu anseio de liberdade, na sentença
―sermos quem realmente somos‖, construindo duas identificações de sujeitos: o que se é e o
que se esconde. Nesta concepção, a estudante enxerga um sujeito essencial, considerando-o
estar detrás da máscara. Ela faz uma afirmação avaliativa a respeito do que considera sua
posição com o outro e sua forma de se posicionar com relação a esse outro. A avaliação é
―uma categoria em princípio identificacional, moldada por estilos, que diz respeito a
apreciações ou perspectivas do/a locutor/a, mais ou menos explícitas, sobre aspectos do
mundo, sobre o que considera bom ou ruim, ou o que deseja ou não, e assim por diante‖
(RAMALHO; RESENDE, 2011, p 119).
A partir de um conhecimento já adquirido sobre o que possivelmente poderíamos
abordar nas oficinas, a estudante tem uma ideia do que iríamos explanar, devido às temáticas
apresentadas e o gênero dramático. Na sentença destacada, a estudante usa uma posição de
sujeito, pois ―ser quem realmente é‖ remete a uma essência de sujeito, revelando pensar um
sujeito tal qual do iluminismo.
Na sentença ―a gente costuma usar máscaras‖, a estudante usa uma metáfora
conceitual, pela qual ―compreendemos aspectos de um conceito em termos de outro‖
(RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 146), no sentido de pensar mascarar personalidades ou
como um modo de esconder o sujeito que se autoidentifica.
Outro destaque é o modo que a participante introduz o olhar do outro sobre si com
uma negação, ―as frases negativas são frequentemente usadas com finalidades
polêmicas‖ (Fairclough 156), como na sentença: ―não tá falando o que eu queria ouvir‖,
temos uma pressuposição na qual a estudante julga saber o pensamento do outro sobre ela.
“Pressuposições são proposições que são tomadas pelo(a) produtor(a) do texto como já
estabelecidas ou 'dadas' (embora haja a questão sobre para quem elas são dadas) e há várias

3
Oficina 1, realizada no dia 9 de março de 2019.
130

pistas formais na organização de superfície do texto para mostrar isso‖ (FAIRCLOUGH,


2001, p. 155).
A partir dessa primeira fala, observamos como a estudante pensa posição de
sujeito e identidade. Sua identificação se constrói com o uso de máscara e medo de falar pelo
que os outros vão pensar.
Ao final da oficina, também conversamos para saber o que os participantes
acharam depois de ter participado do primeiro encontro, selecionamos o seguinte relato:

(2)
Eu achei até mais divertido do que eu pensava que iria ser. Foi também muito mais
do que eu esperava para uma primeira aula, né?! Porque, geralmente, na primeira
aula a gente não aprende tanta coisa e como a gente já conhecia alguma das pessoas
(...) então a gente não teve tanta timidez quanto teria (...) com pessoas novas, mas
quem tem também, a gente pode ir quebrando isso com brincadeiras de bom
gosto, claro, com amizades que a gente traga que leve e conduza e sempre vai ser
bom e eu espero que isso continue para a gente poder aprender mais, poder
4
conversar mais também e sempre tenha acolhimento (Yuki).

A participante ativa seu arcabouço de vivências para fazer uma comparação, na


sentença destacada extrapola o esperado, comparando com outros momentos, temos uma
afirmação avaliativa. Observamos também a importância do lúdico no teatro.
Neste primeiro contato, a turma se sentiu incentivada a explorar tanto a parte dos
exercícios e jogos teatrais, quanto à discussão teórica sobre identidade e minorias sociais. No
decorrer dos encontros, o grupo se mostrou aberto à participação com notório entusiasmo.
Ao debatermos identidades, sobre como os participantes pensavam sobre si, a
questão do ethos, destacamos algumas falas a seguir:

(3)
Eu acho que nós todos, na verdade, não demonstramos abertamente, assim, às
outras pessoas quem somos. A gente não consegue demonstrar quem a gente é com
os outros. [...] Eu acho que é muito da pessoa, aquela questão de dizer (...) é difícil
falar da gente, porque há coisas que a gente nunca tocou em nós, há partes que a
gente nunca quis demonstrar, assim, pra gente mesmo, sabemos que é uma parte,
assim, delicada, assim, como nós mesmos não nos conhecemos, assim os outros
também não. (Angel). (oficina 3, dia 23 de março). [...] Tem pessoas que quer que
5
você mude algo, mas você mesmo não consegue porque é de você, é seu (Angel).

(4)
Eu acho que assim, o que você é, é o que você faz, o que você pensa, aquilo é o
que você é mesmo. [...] Eu prefiro que façam preconceito com eu do que com os

4
Oficina 1, realizada no dia 9 de março de 2019.
5
Oficina 6, realizada no dia 6 de abril de 2019.
131

outros, porque não é nem todo mundo que sabe lidar com preconceito, tem
6
gente que nem eu, gente que sabe (...) (Cassandra).

(5)
Teacher, eu poderia ter sido um terrorista. No 9º ano eu estava me descobrindo eu
já sabia que gostava de homem só que eu nunca pensei o porquê, eu sempre namorei
com garota eu sempre gostei de garoto aí depois (...) depois do 9º ano eu comecei a
ficar com um garoto, aí eu não me aceitava de jeito nenhum, aí eu comecei a
sofrer abuso fisicamente e com sequela aí eu fiquei com tanto ódio e eu fiquei com
vontade mesmo de matar; se eu tivesse uma arma, ainda pensei, sei lá, e fazer
7
uma tragédia, mas enfim, eu aprendi isso não é certo (Cassandra).

Na primeira fala (3), a aluna toca novamente na interrelação com o outro e como
se percebe em relação a esse outro, trazendo novamente uma noção de sujeito com essência,
quando diz ―não demonstramos abertamente às outras pessoas quem somos‖. Utilizando uma
unificação na sentença em ―nós todos‖. A Unificação

é o modus operandi da ideologia, pelo qual relações de dominação podem ser


estabelecidas ou sustentadas pela construção simbólica da unidade. Há duas
estratégias de construção simbólica relacionadas à unificação: a padronização —
adoção de um referencial padrão partilhado — e a simbolização — construção de
símbolos de identificação coletiva (RAMALHO; RESENDE, 2006, p. 52).

Dessa forma, percebemos uma generalização de sujeitos, em que a estudante


demonstra pensar que todas as pessoas não se mostram abertamente. Esse ―abertamente‖,
assim posto, pode ser tomado como uma posição de sujeito, o qual performatiza diferentes
posições em diferentes contextos.
Nos outros destaques desta fala, a participante continua construindo posição de
sujeito indeterminado com contraste de determinismo de sujeito nas sentenças: ―há coisas
que a gente nunca tocou em nós‖ / ―nós mesmos não nos conhecemos‖ e ―tem pessoas que
quer que você mude algo, mas você mesmo não consegue porque é de você, é seu!‖. Esta fala
ocorreu na oficina 6, e a estudante ainda mostrava resquício de pensar a identidade como
essência.
Na segunda fala selecionada (4), temos uma posição de sujeito um pouco
diferente da primeira participante, mas Cassandra também observa a definição de sujeito com
um contraste de construção e vivências e determinismo, quando coloca: ―o que você faz‖ e
―pensa‖, como construído com o outro e o contraste com: ―o que você é mesmo‖. Constrói
uma identificação de sujeito forte que sabe lidar com preconceito, quase mártir, na sentença:

6
Oficina 6, realizada no dia 6 de abril de 2019.
7
Oficina 6, realizada no dia 6 de abril de 2019.
132

―tem gente que nem eu, gente que sabe‖, trazendo um eufemismo, no qual coloca um evento
triste como suportável. ―Na eufemização, ações, instituições ou relações sociais são
representadas de modo que desperte uma valorização positiva, ofuscando pontos de
instabilidade‖ (RAMALHO; RESENDE, 2006, p. 51).
Na fala seguinte de Cassandra (5), faz uma avaliação, na qual coloca que poderia
ter sido um ―terrorista‖ pelas condições por que passou. Em seu relato, o estudante descreve
sua descoberta de identidade sexual, colocando uma posição de sujeito e uma negação desse
sujeito, quando expõe que não se aceitava. Usa o discurso indireto livre com uma forma
intertextual de sua lembrança de pensamento passado e a conjunção adversativa ―mas‖ como
extensão, na qual ―uma oração expande o significado de outra introduzindo algo novo‖
(RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 122), como um elemento coesivo, que introduz uma
posição de sujeito na sequência: ―aprendi que isso não é certo‖.

6.3.1 ―É que é a primeira coisa que vem à nossa mente‖

Na oficina do dia 6 de abril, praticamos o joguexercício da máquina rítmica, em


que discutimos questões de gênero social. Da construção de uma máquina feminina e outra
masculina, selecionamos alguns relatos:

(6)
Porque uma máquina feminina fica uma coisa muito difícil, por exemplo, ela usou
como se fosse um salão né?! Um cabelo essas coisas, mas, tipo assim, cada um
ficava sem saber o que fazer, não ficava fazendo aquilo. A masculina a gente já
8
pegou o ritmo uma moto (Yuki).

(7)
Não é também que a pessoa associa à masculina, é que a primeira coisa que vem à
nossa mente, é a sociedade, tipo, homem anda de carro, mulher não pode andar
de carro por questões financeiras, então, é tipo assim, já vem à nossa mente é
uma moto, você sempre vê muito em comum você vê uma garota em uma moto
assim (Biz), agora você percebe o rapaz numa Bros assim na moto bem mais...
9
(Angel).

Nestes relatos sobre a dificuldade de pensar a construção de cada máquina


temática, as estudantes relataram que acharam mais fácil fazer a máquina masculina. No
primeiro relato (6), observamos no destaque que uma relação de vocabulário foi usada para
retratar o feminino: ―cabelo‖ e ―salão‖, uma assimilação com funções de emprego, enquanto

8
Oficina 6, realizada no dia 13 de abril de 2019.
9
Oficina 6, realizada no dia 13 de abril de 2019.
133

o vocabulário que foi associado ao masculino foi ―moto‖, os estudantes relataram que moto
está associado à ideia de posse (bem material) e liberdade (poder ir onde quiser).
O segundo relato (7) é introduzido com uma negação e logo depois uma
contradição, quando diz que não é uma ―associação‖ que se faz ao pensar referência
masculina e feminina, mas que é a primeira coisa que vem à mente. Observa-se uma
reificação de naturalização, ―reificação, por meio do qual uma situação transitória é
representada como permanente, ocultando seu caráter sócio-histórico‖ (RAMALHO;
RESENDE, 2006, p. 51), e a situação é vista como natural pela sociedade. Observe-se que a
estudante não concorda com este modo hegemônico de dominação do homem sobre a mulher
e de objetos específicos para homem e para mulher, mas reproduz esse discurso e prática
(como vimos na máquina rítmica), pois é uma forma naturalizada na sociedade. Seu discurso
se apresenta como indireto livre, em que o pensamento da reificação do discurso do outro é
introduzida, trazendo a interdiscursividade intertextual.
A partir do joguexercício teatral, levamos os estudantes a pensarem questões de
gênero e como as diferenças são criadas a partir de uma hegemonia, de dominação masculina,
observada na sentença ―é a sociedade‖, referindo-se a como os sujeitos são moldados por ela.
Os relatos dos estudantes vão ao encontro das teorias debatidas nos capítulos teóricos deste
trabalho e estudadas pelos participantes durante as oficinas, as falas anteriores estavam
fundamentadas nas teorias sobre gênero. Percebemos, por algumas contradições expressadas
nessas falas, que o processo de aprendizado é vivenciado aos poucos e as desconstruções de
preconceitos vão se dando lentamente, com as vivências e estudos.
Na penúltima oficina, praticamos um joguexercício ligado ao teatro fórum, O
canto da sereia e, a partir dele, selecionamos alguns discursos sobre algumas opressões
vivenciadas pelos participantes:

(8)
Bom eu estava no ensino fundamental 2, no Municipal, no nono ano e lembro que
eu tava me descobrindo e eu não me aceitava que eu gostava de garotos e não de
garotas, eu era meio brincalhão e os meninos sempre estranhou, ficava falando
besteira tudo mais e eu era muito inocente, não tinha conhecimento, não sabia
me defender e nesse dia, dentro da sala, um aluno de outra sala chegou na minha
sala, eu não estava esperando e ele me bateu e eu chorei, só que a professora estava
perto e falou com os pais dele, então, eu pensei que não ia adiantar de nada,
então esqueci, pensava que era só uma agressão mas era o sentimento. [...] Agora
não teve impacto na minha vida, mas no momento que aconteceu tive depressão
10
(Cassandra).

10
Oficina 11, realizada no dia 1 de junho de 2019.
134

Neste relato (8), o estudante aciona uma construção de identificação ―eu tava me
descobrindo‖ enquanto homossexual. Destaca-se uma opressão de origem homofóbica
vivenciada pelo participante Cassandra. O segundo destaque à identificação que o sujeito faz
de quando era criança é de ―inocente‖, ―sem conhecimento‖ e ―que não sabia se defender‖.
Em outro destaque na fala ―pensei que não ia adiantar nada‖ temos uma reificação por
naturalização em que se coloca algo institucionalizado, que acontece com todos. Na
sequência ―então esqueci, pensava que era só uma agressão‖, temos uma dissimulação por
eufemização, quando tenta amenizar a carga negativa da agressão utilizando a palavra
―apenas‖. Na dissimulação, relações de dominação são ocultadas, negadas ou obscurecidas, e
a estratégia de construção simbólica da eufemização a descrição é feita com o valor positivo,
tentando disfarçar a carga negativa existente.
Na sentença ―agora não teve impacto na minha vida, mas no momento que
aconteceu, tive depressão‖, temos uma avaliação afetiva, que são ―afirmações com processos
mentais afetivos, que envolvem eventos psicológicos, como reflexões, sentimentos e
percepções‖ (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 120). Nesta fala, ao relembrar uma opressão,
o estudante relatou uma questão ligada à sexualidade, que foi ponto de discussão durante as
oficinas. Em seu relato, aponta momentos vividos que foram dolorosos e ao mesmo tempo
demonstra que o processo pelo qual passou o foi moldando enquanto o descobrimento da
identidade homossexual, quando fala ―eu não aceitava que eu gostava de garotos‖, e com o
tempo foi entendendo os motivos que o levava a gostar. Em seu relato, o estudante mostra que
conseguiu superar os momentos de depressão causados pela homofobia e aponta um
autoconhecimento.
Depois de apresentar sua cena, observamos o relato da participante Angel:

(9)
Eu tô achando que eu fiz foi uma briga, o meu pai está com a minha mãe, tipo, ela
bebia, é uma outra cena, eles estavam no quintal de casa pedindo para botar uma
música, na hora que ela foi mudar, ele já chegou espancando ela. Ela caiu embaixo
da mesa começou a sangrar no canto da boca e ele começou a bater, entrou pela
cozinha, saiu derrubando e quebrando prato e dá nela, eu era muito nova, muito
pequena, eu fiquei no canto da parede olhando tudo, meu padrinho chegou não
chore, compadre para com isso, você vai matar a sua mulher, olha sua esposa, sua
filha aí, só acabou depois que ele apagou, do nada, e dormiu, aí minha mãe ficou
horas e horas. Você tá lá na calçada, sem dormir esperando aquela... aquele
acontecimento tinha acabado de acontecer, baixar mais a cabeça dela entendeu
porque isso tudo... Teve um dia também que ele enfiou a mão dele e o dedo veio
até a garganta dela, foi para o hospital e disse que foi uma queda de bicicleta,
que tinha entrado na boca dela e isso prejudicou muito ela, ficou com danos na
cabeça, criou um cisto e a perna dela porque ficava uma grandona e outra baixa
135

porque cresceu osso da bacia e enorme e ela gritava com muita dor tem sim...
11
(Angel).

A estudante usa o discurso indireto livre (9), a partir do vocábulo ―está‖, para
evocar detalhes do passado que aconteceram, relatos de agressão que o seu pai praticava
contra a sua mãe, e também na fala de destaque do seu padrinho. No outro destaque da fala,
observamos uma dissimulação por ofuscação da verdade quando há um deslocamento da
verdade, quando inventa que a agressão foi uma queda de bicicleta. Observamos uma
sujeição pela qual passou a sua mãe. Situações como essas na sociedade costumam ser
tratadas como reificação de naturalização e dissimuladas como, por exemplo, no tropo
―briga de marido e mulher, ninguém mete a colher‖. Nas oficinas, combatemos fortemente
tipos de frases como essas, trabalhando a criticidade discursiva.
Mais uma vez observamos um relato em que as tensões do gênero são mostradas,
a estudante relata um caso muito corriqueiro na sociedade, mas que é crime que poderia ser
enquadrado por Lei (Lei Maria da Penha), mas, que neste caso, o sujeito oprimido (mulher,
mãe) é silenciado por fatores hegemônicos masculinos.
O próximo relato selecionado é da estudante Joana, abordando a auto-opressão:

(10)
Eu passei por uma depressão, eu sempre tive um probleminha que eu sempre fui
meu opressor, eu sempre joguei muito com relação ao meu corpo, então a maior
lembrança que eu tenho mais recente, ultimamente eu não tenho muito, tipo, claro
que tem vezes que eu me pego pensando nisso, até porque as pessoas comentam,
né, e daí a gente pensa um pouco e vai reparar, mas normalmente eu nem ligo
mais. [...] Sim, as outras pessoas falavam, as pessoas falavam, mas normalmente
elas falavam bem, mas eu fazer isso porque saber se eu não fizesse alguém
falava negativamente, então eu tinha esse medo e aí eu fazia para não passasse
por isso, mas eu fazendo isso eu me sentia pior, só que eu não acho que eu tô, sei lá,
12
melhor sei lá (Joana).

Nesta fala (10), a estudante faz uma avaliação afetiva e uma pressuposição,
observando que as pessoas comentam e, ao mesmo tempo, apresenta uma contradição
quando coloca que as pessoas falavam coisas positivas, a conjunção adversativa ―mas‖
aparece numa nova contradição de pensamento, pois em seu entendimento para não sofrer
pelo outro, era necessário sofrer por si mesma. A identificação da estudante constrói-se,
nesse caso, como auto-opressora: ―eu sempre fui meu opressor‖ e, com relação ao outro, faz a
construção de um inimigo.

11
Oficina 11, realizada no dia 1 de junho de 2019.
12
Oficina 11, realizada no dia 1 de junho de 2019.
136

Neste relato, observamos que a estudante passou por um processo de repressão de


uma identidade, ou melhor, construiu uma identificação negativa de si, ao não aceitar seu
corpo. A autoaceitação é também um processo identitário, pois é um modo de conhecer a si
mesmo, de entender que existem diferenças entre cada sujeito e que a diferença não tona o
outro nem melhor, nem pior, como explanado entre eles no debate teórico sobre identidade e
diferença em uma das oficinas. A fala desta participante dialoga com os debates sobre a
Estética do Teatro do Oprimido, quando dialogamos sobre o conceito de estética e do belo.
Essa discussão ajudou a estudante a pensar sobre essa relação consigo mesma.
O próximo relato é sobre a percepção da experiência dos joguexercícios O canto
da sereia e o do teatro-fórum:

(11)
Foi uma experiência muito boa, porque, tipo assim, você vê o problema do
oprimido e você vê também uma solução de como você faria diferente do que
você fez, então aí você vê se é essa maneira que você reagiu é certa, aí você
aprende alguma coisa é só isso mesmo, mas foi uma experiência bem legal, eu
gostei, foi fácil, foi facílimo. Senti vergonha de atuar. [...] Quando ele me bateu
não doeu, mas senti vergonha de mostrar para vocês. Eu tava com vergonha de
mostrar para vocês o que aconteceu comigo, porque para mim foi uma coisa
vergonhosa, eu acho que aconteceu porque não era para ter acontecido, eu sou um
ser humano como ele, então nunca esperei isso acontecer. Eu só tava com vergonha
13
de mostrar o que houve para você, pesado (Cassandra).

Ao analisar a interação e o momento proporcionado pelo joguexercício, o


estudante (11) observa sua eficácia como propõe o Teatro do Oprimido, fazendo uma
avaliação positiva. Em seu relato sobre a agressão homofóbica, sofrido quando criança,
destaca o vocabulário ―vergonha‖, que expressa o sentimento do estudante ao pensar na
situação. Na sentença: ―se essa é a maneira que você reagiu é certa‖, o estudante aciona uma
padronização, ―um referencial padrão proposto como fundamento partilhado‖ (RAMALHO;
RESENDE, 2006, p.52).
Por outro lado, as definições de certo e errado são construídas socialmente e, em
nosso grupo de teatro (durante as oficinas), buscamos construir relações de respeito e
fraternidade, com relação direta à militância enquanto grupo plural e interseccional, pautado
nos direitos humanos.
O exercício do teatro-fórum proporcionou aos estudantes experimentarem aquelas
vivências a partir de um outro olhar, de uma outra experiência, testando possibilidades a partir

13
Oficina 11, realizada no dia 1 de junho de 2019.
137

da arte, os estudantes puderam experimentar novas possibilidades de entender como se deu


cada opressão, buscando superá-las pelo conhecimento adquirido nas oficinas.

6.3.2 ―A gente mudou muito no decorrer da oficina‖

Depois de concluídos os 11 encontros de oficinas do projeto, passamos para o


momento final, a entrevista com os participantes. Após vivenciar e ter contato com novos
conceitos e aprendizados, os participantes puderam partilhar seu parecer. Na sequência,
selecionamos algumas falas das entrevistas:

(12)
Sim, aprendi sobre a história em si do teatro sobre especificações do teatro e da
gente em si, que a gente mudou muito no decorrer da oficina e também as
pessoas que a gente pensava que não ia se aproximar tanto e a gente se aproximou
muito, foi um grupo muito bom. [...] Foi assim um banquete de conhecimento, por
que a gente tinha um conhecimento, mas era mais leigo, aquela coisa mais por
cima, aí eles foram se aprofundando, mostrando pra gente, aí a história e tudo,
sempre foi dando mais informações pra gente, sempre muito bom. [...] Eu acho que
de modo geral eu posso dizer que foi uma das melhores experiências que eu já
tive, que eu fiz assim por conta própria, que eu quis fazer e que foi mais do que eu
esperava, superou muito as expectativas e foi muito bom ate pelas amizades pelas
pessoas que a gente conheceu, pelas barreiras que a gente quebrou principalmente de
falar em público, ajudou em tudo, em se relacionar, compreender você,
compreender seu sentimento, compreender tudo e deixar você de um modo,
assim, um pouco mais crítico, em relação à sociedade sobre ter mais atenção essas
coisas e simplesmente foi maravilhoso todo o período que a gente passou nas
14
oficinas (Yuki).

A estudante introduz sua fala (12) relatando afirmativamente um aprendizado


sobre teatro e sobre sua condição de identidade, a partir da sentença ―da gente em si‖,
caracterizando uma afirmação avaliativa, seguida da partícula ―que‖ como elemento de
coesão, com função explicativa e causal, o aprendizado devido à participação nas oficinas,
seguido da constatação da mudança que obteve no decorrer do processo, com a fala ―que a
gente mudou muito no decorrer da oficina‖. Observamos uma generalização a partir do termo
―a gente‖, obtendo uma unificação: ―construção simbólica de identidade coletiva‖
(RAMALHO; RESENDE, 2006, p. 52), de que todos aprenderam.
O destaque seguinte é a afirmação que a estudante faz com relação a seu
aprendizado, declarando que era leiga nos assuntos abordados e que a partir das oficinas
aprendeu sobre as temáticas trabalhadas. Temos uma identificação de sujeito construída
como ―aprendiz‖. No destaque seguinte, observamos um tropo com uma hipérbole, onde a

14
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
138

participante alega que foi uma de suas melhores experiências, colocando o projeto em grande
escala de importância. No destaque seguinte, observamos uma avaliação de sujeito de
compreensão, identificado como sujeito crítico, que a partir das vivências e debates nas
oficinas, compreendeu mais sobre si, num processo autoidentitário.
A próxima fala é da aluna Joana:

(13)
Eu achei interessante a parte que você ressaltou de que o teatro ia falar mais da
questão das raças, da sexualidade e também da questão do preconceito, isso foi
o que me chamou mais atenção. Por ser teatro em si já tinha chamado minha
atenção porque eu gosto de teatro, mas o complemento disso aí que eu decidi que eu
queria vir. [...] Com certeza. Principalmente nas palestras né que a gente aprende a
como lidar com as pessoas é... questão do preconceito que a gente aprende que
todos nós temos o preconceito que a gente muitas vezes diz que não, né?! Que
não tem preconceito nenhum, mas que a gente tem esse preconceito e a gente tem
que quebrar esse preconceito que foi uma coisa que eu aprendi que eu não sabia
disso e entre muitas outras coisas. Mais as experiências com os meninos também.
[...] Aqui eu consegui me abrir mais sobre a minha sexualidade, porque mesmo
que eu já tendo consciência de que eu era, mas eu não me abria tanto. Aqui eu já
consegui me abrir mais, sei lá, falar pras pessoas, eu tinha muito receio de falar pras
pessoas que eu era, que eu era lésbica e agora eu não tenho mais esse receio e
15
também questão de socialização, essas coisas nesse sentido (Joana).

Ao ser indagada por que se interessou pelo projeto, a estudante relata (13) que foi
devido à temática quando o projeto foi apresentado, temos então uma pressuposição que fez
com que ela se interessasse para se inscrever nas oficinas. Todos os participantes se
mostraram interessados também nos debates teóricos sobre as categorias sociais abordadas,
enxergando-se e identificando-se com elas, e mesmo aprendendo o respeito às diferenças,
quando, não se identificando com algumas das minorias, buscava entender mais sobre elas
para compreender o lugar de fala e de luta de cada um, para somar na luta.
Em outro destaque, observamos que a estudante faz afirmação do aprendizado a
partir do conhecimento do outro, quando afirma que aprende a lidar com esse outro, há
também um reconhecimento de que todos nós temos tipos de preconceitos imbuídos, seguido
do marcador interlocutivo de concordância ―né‖, totalizando o sentido, trazendo uma
simbolização da unidade. O uso do aditivo ―mais‖ marcando o aumento de conhecimento e
mostrando que o saber foi cumulativo.
O uso do adverbio de lugar ―aqui‖ marca o local do aprendizado (aprendeu a
partir das oficinas), seguido pela afirmação que aprendeu sobre sua sexualidade, marcada
pela partícula ―mais‖, que revela um maior aprofundamento no assunto; a aluna já se afirmava
lésbica, aprendendo mais sobre teorias de estudos LGBT+ depois das oficinas. Temos uma
15
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
139

identificação de construção de sujeito mais crítico ao conhecimento quanto a sua identidade


sexual.
A próxima fala é de Cassandra:

(14)
Aprendi, assim, a pensar mais no problema, aprendi como resolver de uma
forma melhor, aprendi um pouco mais de concentração nas coisas, objetivo, e é
isso. [...] Aprendi porque, assim, aprendi que essas minorias são muito
desvalorizadas entre a sociedade e que o teatro é uma forma de mostrar, de tentar
resolver esse problema na sociedade. A gente quer dar uma visão mostrar uma
visão diferente do que as pessoas veem e eu aprendi que a minoria tem que ser
mais valorizada e que quando veio aquelas apresentações aquelas mulheres vieram
aqui eu aprendi mais ainda o que é que eu sou. [...] Eu gostei muito porque eu
aprendi coisas novas, e coisas que eu não entendia que eu não sabia né que eu ainda
tinha dúvidas e assim o teatro ele está me ajudando bastante aprender a observar e
não só falar porque como diz o ditado sábio é aquele que escuta né, ou seja, está
sendo muito bom para minha vida eu estou deixando de estar mais em casa sem
fazer nada deixando de estar engordando deitado dormindo para estar aqui
16
aprendendo uma coisa nova e é isso (Cassandra).

Em sua avaliação, Cassandra observa o aprendizado, afirmando (14) que as


oficinas possibilitaram uma mudança em sua forma de resolver problemas, com o uso do
vocábulo ―melhor‖. Isto significa que um de nossos objetivos foi alcançado, ao ajudar os
participantes a pensarem sobre problemas sociais a partir dos aprendizados adquiridos. O
estudante evidencia seu aprendizado sobre minorias sociais e destaca como o teatro ajudou
nesse processo. No outro destaque, temos uma avaliação a partir do aprendido e um desejo
sustentado numa predição, de querer repassar o conhecimento aprendido, uma forma de
empatia. Nas oficinas, sempre foi frisado que o conhecimento é para ser compartilhado.
Na fala seguinte, Cassandra afirma sua identificação ―eu aprendi mais ainda o
que é que eu sou‖, temos uma eternalização ao afirmar sua identidade homossexual. Na
eternalização, os fenômenos são apresentados como permanentes e imutáveis.
No destaque seguinte, Cassandra faz uso da intertextualidade, utilizando um
ditado popular: ―como diz o ditado, sábio é aquele que escuta‖. Com isso, a estudante afirma
seu processo de aprendizado por meio dos debates propostos nas oficinas. A intertextualidade

é a combinação da voz de quem pronuncia um enunciado com outras vozes que lhe
são articuladas. Essas vozes podem ser articuladas não apenas em discurso direto,
quando se atualizam as palavras exatas do texto anterior, mas também em discurso
indireto, parafraseando, resumindo, ecoando (RAMALHO;RESENDE, 2011, p.
134).

16
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
140

A próxima fala selecionada é da participante Angel:

(15)
O que eu gostei muito, assim, é que eu comecei a me expressar melhor com
teatro, ele me ensinou bastante coisa. A questão do meu corpo a questão da
minha mente também, o fato de eu ser mais social com as pessoas, ser mais
associável, me aproximar mais de todas as maneiras com elas. [...] Levei para o
meu pessoal também e ajudou a me compreender melhor, a questão da minha
cor, a minha sexualidade, tudo isso incluindo a mim assim. [...] Eu aprendi com
tudo isso a controlar mais as minhas emoções por que tinham coisas que a gente
ficava muito emocionada, tinha que tocar em assuntos bem delicados, é , da nossa
vida particular, enfim, eu vou levar também muito para minha vida pessoal aqui do
teatro, porque eu vou aprender a como lidar melhor com as pessoas, entender
melhor, tentar entendê-las da forma real que elas são, é isso que eu vou levar para
minha vida, eu vou levar ele é esse para minha vida (o teatro). Tá, eu não vou agir
como uma atriz com as pessoas, porque eu sou bem exagerado dá certo. Eu
gosto de aprender e eu gosto de pôr em prática eu sempre vou tentar testar as
pessoas não por um lado ruim sempre com o lado bom, Claro. Foi muito
importante, assim, eu gostei porque eu sempre tive um sonho de fazer teatro, mas
eu nunca imaginaria que surgisse uma oportunidade um convite, então eu
fiquei muito feliz porque apareceu, eu fiquei muito eufórica, assim, nossa eu vou
17
participar do teatro, então foi muito bom a experiência (Angel).

No primeiro destaque (15) a estudante observa que o teatro proporcionou uma


melhoria em seu modo de se expressar. No destaque seguinte, temos uma afirmação do
autoconhecimento, usados na palavras: ―corpo‖, ―mente‖ e ―mais social‖, apresentando uma
mudança de identificação. Faz uma avaliação afetiva de sua identidade: ―minha cor‖,
―minha sexualidade‖, debatidas pelo viés interseccional, tal qual mostrado no material teórico
deste trabalho. A participante Afirma que a oficina ajudou a compreender as categorias
abordadasa com o uso do vocábulo ―melhor‖. No destaque seguinte, cria uma identificação
de sujeito menos emotivo, mais forte em: ―controlar mais as minas emoções‖. No destaque
seguinte temos um tropo com a expressão ―eu vou levar para minha vida‖ e conota a fixação
dos aprendizados.
No outro destaque, a estudante faz a diferenciação entre atuação e vida real,
quando coloca que não vai agir como uma atriz, seguido de uma individualização: ―eu sou‖,
fazendo uma diferenciação dos modos que atua socialmente. No destaque seguinte, diz que
vai testar as pessoas, usando uma frase de legitimação, explicando que será pelo lado bom,
apresentando uma eufemização. A entrevistada expõe seu contentamento com a oportunidade
de cursar as oficinas, relatando que nunca teve oportunidade. Observamos isso pelas
sentenças: ―eu sempre tive um sonho de fazer teatro‖ e ―fiquei muito eufórica‖, numa
aprovação e contentamento com as oficinas.

17
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
141

A próxima fala é de Christian:

(16)
Aprendi sobre a minha identidade social, né? Aprendi demais, né, que é como eu
me identifico em relação à sociedade, né, de várias instâncias. Como eu me
identifico, né, na sociedade? Meu lugar na sociedade. Por eu ser Branco, meu
lugar na sociedade é, o que as pessoas acham, né, é que eu devo entrar na
faculdade, devo ser mais alto escalão, mas essa não é minha realidade. Eu tenho
que estudar para isso, eu tenho que... Minha realidade que eu me identifico como
pobre, porque toda minha família já vem dessa, dessa como é que eu posso dizer ?!
dessa classe social e essa é minha realidade. Porque no caso por eu ter a pele mais
clara eu tenho vários privilégios com relação ao social, né, com relação à
sociedade até nos locais onde eu mesmo vou o privilégio é claro. [...] Sem dúvida,
mudou totalmente, porque antes até eu mesmo gostava sempre de brincar só
que eu passei a ver que esse tipo de brincadeira é totalmente errada, a gente
18
pode brincar de outra forma (Christian).

O entrevistado afirma (16) seu aprendizado como identidade social, seguido de


sua identificação enquanto identidade (homem cis, heterossexual, branco). Em sua fala,
coloca o pensamento do outro em relação ao branco como uma reificação de naturalização,
quando fala qual é o ―papel‖ do branco na sociedade, enquanto hegemônico. Por outro lado, o
aluno observa, por meio de uma negação, a conjunção adversativa ―mas‖, que o fator classe
social é um ponto de interseccionalidade que o coloca como minoria, reconhecendo também
os privilégios que possui, principalmente por ser branco em uma sociedade racista. Temos no
depoimento uma avaliação afetiva que o estudante faz a partir de suas reflexões e
percepções.
A tomada de reconhecimento de privilégios é uma característica muito importante
para uma unificação dessa construção de uma identidade coletiva, nas oficinas a questão de
privilégios que grupos detêm sobre outros, de forma hegemônica, foi bastante discutida.
Logo depois, o estudante afirma sua mudança em referência às práticas anteriores
situadas com o vocábulo ―antes‖, destacando que houve uma mudança de pensamento sobre o
que seria ―brincadeira‖ usado aqui como uma eufemização para piadas preconceituosas. O
estudante teve a constatação que essa maneira era errada, entendendo que esse tipo de ―piada‖
é caracterizada como dissimulação, em que ―relações de dominação são ocultadas, negadas;
ou obscurecidas‖ (RAMALHO; RESENDE, 2006, p. 52). A avaliação de identificação que o
estudante faz de si no tocante ao coletivo é de reconhecimento de privilégios relativos à raça,
reconhecendo-se minoria enquanto classe social.
Por último, temos o relato de Kuller:

18
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
142

(17)
Eu comecei para primeiro tirar um pouco da vergonha, da timidez que eu
tenho uma timidez grande e segundo chamou a muita atenção é que para algumas
pessoas é muito tabu, é um assunto que muitas pessoas ainda hoje, em pleno 2019 o
povo pega para a pessoa inicia com uma conversa aí a pessoa, tipo, ignora, pega,
cala e fica fechado, que para algumas pessoas ainda hoje em dia tem a cabeça
muito, mas muito fechada. Aí eu queria para aprender mais poder participar mais
desse assunto para abordar que era um assunto que eu me interessei bastante por
questão do preconceito que ainda sofrem. [...] Eu adorei bastante tudo é sobre a
questão que a gente tem que ter voz sim devemos lutar pelos nossos sonhos,
apesar de ter o medo de ter o ódio pregado sobre nós, nós devemos mostrar que
nós todos somos humanos nós todos choramos sofremos que a gente não é uma
aberração por ser de cor diferente por ser de raça diferente ou sexualidade
diferente ou gênero diferente, todos nós somos humanos pessoas, devemos ser
ouvido e escutada, pois todos nós queremos respeito então precisamos dar respeito a
19
todos, é por isso que eu decidi participar do Teatro do oprimido (Kuller).

O entrevistado explica (17) o motivo pelo qual se interessou para participar do


grupo, construindo sua identificação de duas maneiras: a primeira como tímido, pela sentença
―eu tenho uma timidez muito grande‖, e a segunda como militante, pela frase ―a gente tem
que ter voz sim...‖, seguido pela conjunção adversativa ―porém‖, ligada pela sentença
―apesar de ter o medo‖, mostrando uma superação; apesar de sentir medo, mesmo assim
deseja lutar por seus direitos. Esta foi uma das grandes vitórias das oficinas, oferecer aos
estudantes vontade para lutar por seus direitos sociais.
Na frase ―preconceitos que ainda sofrem‖, observamos uma passivação, em que
apagam-se os sujeitos da ação. O entrevistado usa uma marcação temporal: ―ainda hoje‖, para
destacar o fato de que as pessoas não evoluíram com o tempo, a expressão marca o realce,
quando ―uma oração destaca o significado de outra, monta-lhe um cenário qualificando-a com
característica circunstancial em referência a tempo, espaço, modo, causa ou condição‖
(RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 122). Quando o estudante fala ―algumas pessoas‖,
restringe essas pessoas, há aí o expurgo do outro, ―construção simbólica de um inimigo‖
(RAMALHO; RESENDE, 2006, p. 52).
Na oração ―todos nós choramos e sofremos‖, há uma unificação e padronização
dos sujeitos coletivos. Na frase ―que a gente não é uma aberração‖ faz referência à fala do
outro ao preconceito, temos uma intertextualidade de interdiscurso, pois o discurso do
outro é introduzido, aqui por discurso indireto livre. No restante da fala do aluno, a
representação é por discurso direto. Por último, o entrevistado faz uma avaliação afetiva,

19
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
143

novamente há uma unificação e depois a palavra ―então‖, usado como uma avaliação
condicional do respeito.

6.3.3 ―Eu tô me encontrando ainda‖: tabelas de autoavaliação

Como mostrado, durante o texto, discutimos identidades e cada participante foi


incentivado a pensar coletivamente na construção das suas, tanto a partir dos segmentos
estudados (sexualidade, gênero e raça) quanto no contexto geral de pensar em si enquanto um
sujeito que habita um espaço e é por ele formado, morador de um bairro específico, estudante
de uma escola específica, filho de pais com histórias específicas, que os definem enquanto
sujeitos, enfim, uma infinidade de detalhes que os formam e os nominam, ocupando um
espaço e um tempo, definindo-os enquanto sujeitos histórico-sociais.
Como já mencionado, na primeira oficina, entregamos uma ficha pessoal de
autoidentificação para os participantes preencherem, contendo nome, idade, série,
autodeclaração de identidade de gênero, de orientação sexual e de identidade racial. No último
encontro, durante a entrevista, pedimos novamente que os participantes preenchessem outro
formulário com as mesmas questões, para uma comparação. No decorrer das entrevistas, dois
dos alunos, depois de preencherem sua segunda ficha, pediram outra, pois queriam mudar
algumas de suas respostas, obtivemos, assim, ao final, três tabelas, dispostas logo a seguir:

Tabela 1 – Autoavaliação 120


Alunos Sexualidade Gênero21 Raça
Yuki Heterossexual Feminino Branca
Kuller Homossexual Masculino Negro
Christian Heterossexual Masculino Branco
Cassandra Drag/homossexual Homossexual Indígena –
Mudança no genótipo pelo
ambiente
Angel Heterossexual Feminino Branca/Amarela
Joana Homossexual Feminino Branca
(Lésbica)
Fonte: autor

20
Observação 1: as identidades estão postas tal qual os participantes escreveram no questionário.
21
Observação 2: todos (as) participantes são Cisgênero.
144

Tabela 2 – Autoavaliação 2
Alunos Sexualidade Gênero Raça
Yuki Bissexual Feminino Negra –
Porém de pele mais clara
Kuller Homossexual Masculino Pardo
Christian Heterossexual Masculino Branco
Cassandra Homossexual e Drag Masculino Indígena
Queen
Angel Heterossexual Feminino Branca
Joana Homossexual (Lésbica) Feminino Indecisa
Fonte: autor

Tabela 3 – Autoavaliação 3
Alunos Sexualidade Gênero Raça
Yuki
Kuller Pansexual Masculino Negro
Christian
Cassandra
Angel
Joana Homossexual (Lésbica) Feminino Negra. NEGRA!
Fonte: autor

De acordo com as tabelas, houve mudanças nas autodeclarações de três dos


participantes: Yuki mudou sua percepção de heterossexual para bissexual e de branca para
negra (de pele clara). Kuller e Joana passaram por um processo de dúvida ainda nas oficinas,
pedindo um questionário a mais para reescrever sua autodeclaração. Temos Kuller, que
mudou de homossexual para pansexual e de negro para branco e depois para negro
novamente; e Joana, mudou de branca passando por uma indecisão e, por fim, para negra.
Como o preenchimento do formulário da autodeclaração foi feito nas entrevistas,
indagamos aos entrevistados o porquê das mudanças. Yuki relatou que aprendeu mais sobre
como poderia se definir nas oficinas, com uma certeza firmada! Já Kuller e Joana relataram
uma maior indecisão em suas definições. Kuller mudou de homossexual para pansexual, até aí
tudo bem, mas sua dúvida maior foi quanto à autoavaliação de raça, pois o aluno não
participou da oficina preparada pela palestrante convidada que conceituou o termo e sanou
algumas dúvidas dos estudantes sobre a temática. Joana, por sua vez, ficou em dúvida no
tocante à autoavaliação racial também, explicando que a dúvida maior veio justamente por ter
participado da oficina referida e, a partir disso, começou a pensar sobre.
Vejamos a seguir:
145

(18)
É a minha mãe é negra e o meu pai é branco e [...] quer dizer eu não sei, na
minha ficha tava pardo, mas eu não sei definir. Que eu tô em dúvida eu não tenho
certeza. Eu mudei porque eu vi essa informação recentemente e eu fiquei, tipo,
sem saber. [...] Bom e a parte do pai que é branca a maioria é racista...
22
(Kuller).

Para justificar a dúvida sobre sua autodenominação racial, Kuller inicia (18) com
uma afirmação de qual é a raça de seus pais, uma fragmentação de diferenciação,
colocando-se no meio termo, entre negro e branco. Afirma que em seu documento oficial de
certidão de nascimento consta como ―pardo‖, utilizando a conjunção adversativa ―mas‖
reafirmando sua dúvida sobre o que sua certidão de nascimento propõe.
O estudante fala que mudou a informação de autodeclaração racial na segunda vez
que preencheu o formulário, porque se deparou com a informação anterior, usando o
marcador de tempo ―recentemente‖ para localizar o ―quando‖ da mudança. Por último, nos é
dada uma informação relevante ―a parte do meu pai é branca, a maioria é racista‖, temos
novamente a fragmentação da parte da família de seu pai e de sua mãe, com uma
representação de atores sociais da família da parte do pai como ―racistas‖.
Depois de sua explanação, revisamos alguns dos conceitos trabalhados pela
convidada Helen Andrade, no dia da palestra voltada à raça, tais como a explicação do termo
pardo, entre outras questões. Por fim, o estudante voltou a se autodeclarar negro, lamentando
não ter participado do dia da palestra sobre raça e negritude.
Nesta referida palestra, em que foi debatido questões identitárias de raça, a
convidada indagou como os estudantes se definiam racialmente e como percebiam sua
identidade social a partir do seu lugar de habitação. Com relação ao lugar onde moram, os
estudantes, em peso, relataram que não acreditavam que o lugar onde moravam era periférico.
Depois de debatermos sobre o que seria esse periférico e como se caracteriza o bairro São
João, os estudantes concordaram que sim, é um bairro periférico. Com esse diálogo,
percebemos uma relação de dissimulação por deslocamento, em que aconteceu ofuscação da
realidade vivida, com uma recontextualização de termos, deslocando conotações positivas e
negativas.
A questão da construção identitária fica nítida até mesmo quando pedimos que
cada participante escolhesse um nome fictício para uso nesta pesquisa. Os nomes escolhidos
estão relacionados a culturas que são por eles consumidas. Yuki é fã da cultura japonesa,
consumidora de animes e K-pop; Kuller, Angel e Christian mostram-se mais consumidores de

22
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
146

uma cultura norteamericanizada; Joana passa por um processo de se descobrir negra, usando
um nome usual no Brasil e Cassandra é uma Drag Queen construída como Cigana.
A seguir, selecionamos a fala da entrevistada Joana, sobre sua autoidentificação
racial:

(19)
Eu tô me encontrando ainda. Minha mãe colocou que eu era amarela, então eu
23
falei „Ah então tá bom!‟ Eu fico me perguntando o que é que eu sou (Joana).

Na primeira sentença, temos uma identificação em processo ―Eu tô me


encontrando ainda‖. A segunda sentença é feita através do discurso indireto livre, em que
aparece o interdiscurso de sua mãe, a fala do outro que interfere na sua posição de sujeito,
que se autoidentifica pela interferência desse outro. A partir do discurso do outro são tomadas
as posições de identidade que ficam em contraste de sujeitos. Na frase ―ah então tá bom‖,
observamos um determinismo.
Na sequência, selecionamos outra fala de Joana:

(20)
Joana – me surgiu essa dúvida maior quando a menina veio dar a palestra, porque
eu fiquei pensando “será que eu sou negra?” e daí eu fiquei com aquela dúvida
maior, porque a minha avó paterna ela é branca, ela é branca dos olhos claros, mas
em compensação o meu avô ele já tem a pele bem escura de pele e ele é negro, então
ai eu fiquei, eu fiquei assim ó, confusa (risos) ... pausa... ai e agora o que é que eu
vou escolher? (risos) num é nem isso né?! E eu tenho medo de colocar que eu sou
negra, eu tenho esse medo, será que eu sou, será que num vão me julgar,
entendeu?! (pausa)... Por isso que eu nunca coloco, tipo eu já coloquei que eu sou
tudo mesmo sem saber, mas eu acho que como eu sei, eu tenho um certo receio,
num sei o que é que acontece comigo (risos). [...] Porque é assim eu acho que é
algo que eu me identifico, porém é algo que eu tenho medo por conta do que os
outros falam né? Porque eu não acho que ninguém vai olhar pra mim e dizer
24
que sou negra então eu tenho muito medo disso (Joana).

A marcação de tempo ―quando‖ (20) sinaliza o momento da dúvida identitária de


raça da estudante, que antes desse período não possuía tal dúvida. Na sequência, usa o
discurso indireto livre, utilizando o metadiscurso, quando retoma o seu próprio enunciado.
Faz uma avaliação, expressando seu medo de se autoidentificar como negra por
conta do julgamento do outro, submetendo-se à passivação, mesmo achando que sabe se
definir, como mostra a sentença: ―mas eu acho que como eu sei‖, subjuga-se pelo outro: ―eu
tenho um certo receio‖, e dessa forma, pressupõe o que os outros pensam sobre ela: ―eu acho

23
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
24
Entrevista realizada no dia 8 de junho.
147

que ninguém vai olhar pra mim e dizer que sou negra‖. Assim, generaliza ao pensar que
todos a enxergam dessa determinada maneira, descrevendo esses atores sociais como
antagonistas.
Referente à sua identificação relacional, esta aparece dependente das relações
sociais desse outro. Por fim, depois do diálogo, a estudante se autodenominou negra,
enfatizando isso em sua escrita no formulário em letras garrafais.
Nestas últimas falas selecionadas, observamos questões relacionadas à categoria
raça, estudada com os participantes das oficinas, juntamente com os outros grupos
interseccionais trabalhados aqui. A construção de identidade dessa categoria foi trabalhada
com os estudantes de forma teórica, conforme material mostrado nos capítulos teóricos e
também por meio da prática do teatro.
O processo de construção de identidades é contínuo, a autoafirmação é feita,
depois desfeita e feita novamente. Isso passa pela questão do conhecimento do assunto, ou
seja, eu só sei quem sou em referência ao outro e os objetos que definimos e isso passa por
um processo histórico e social de vivências e conhecimentos.
A partir da análise das falas dos alunos, pudemos demonstrar o processo de
aprendizado pelo qual todos no grupo passaram, em contato com a teoria sobre identidade e
minorias sociais e da arte do teatro. Obtivemos um resultado positivo, posto que a realização
das oficinas se deu de maneira produtiva, participativa e coletiva, usando o teatro para o
debate de minorias sociais, de conhecimentos de identidades sociais e a prática desses sujeitos
no ambiente escolar, observando, a partir da criticidade sobre os temas abordados, as
estruturas sociais de poder que são sustentadas por uma hegemonia, e assim, cada participante
pode ser ponto de contra-hegemonia, na luta por direitos e autoconhecimento.
Tivemos um grupo unido e coeso, aberto ao aprendizado de novos conceitos, ao
autoconhecimento. Um grupo que não teve medo ou vergonha de tirar suas dúvidas sobre os
assuntos abordados e que, unidos pelo teatro, abraçaram o TO enquanto abordagem de
aprendizagem. Uma equipe que teve em comum a escola, o bairro e as intersecções de
sexualidade, gênero e raça. Nem todos faziam parte das mesmas categorias, mas fazendo parte
em pelo menos uma delas. Debatemos e ponderam o respeito às diferenças e igualdades, o
reconhecimento de privilégios que determinados sujeitos têm sobre outros e a busca por
entender as identidades, tudo isso por meio da arte do teatro, resultados conquistados com a
pesquisa.
148

7 CONCLUSÃO

Este trabalho foi fruto de uma pesquisa-ação, apoiada na arte do teatro e nas
discussões sobre minorias sociais; mais especificamente, com o Teatro do Oprimido, de
Augusto Boal. Como metodologia para o trabalho com as minorias sociais, fizemos um
recorte de três categorias, a saber: Sexualidade, Gênero e Raça, sob uma perspectiva
interseccional.
O objetivo principal da pesquisa foi propor uma atividade de intervenção junto a
estudantes de ensino médio de uma escola situada em um bairro periférico na cidade de
Quixadá-CE; Escola Gonzaga Mota, no Bairro São João. A intervenção ocorreu por meio de
oficinas de Teatro do Oprimido e a partir de reflexões acerca das categorias sexualidade,
gênero e raça, interseccionalizadas e situadas no âmbito escolar. A partir disso, propusemos
debates para desconstrução de preconceitos em sala de aula e de descoberta de identidades
sociais.
Para atingir tais objetivos, inicialmente, apoiamo-nos em materiais teóricos e
críticos acerca das minorias sociais apontadas, e também em estudos sobre educação e escola
nos contextos político e social. Apropriamo-nos ainda nas teorias do Teatro do Oprimido,
para a elaboração e execução da parte prática da pesquisa e, para a análise do processo,
utilizamos a Análise de Discurso Crítica, de perspectiva fairclouguiana.
A importância da pesquisa se mostrou de forma teórica, metodológica e prática.
Em primeiro lugar, o debate teórico sobre sexualidade, gênero e raça é tema muito caro em
nosso atual momento político, ou melhor, em toda a história de nosso país, criado sob mitos
fundantes, sustentado por um sistema patriarcal, racista, misógino e hipócrita em relação à
sexualidade, raça e gênero, entre outras categorias.
Em segundo lugar, o processo metodológico da pesquisa testou e aprovou um
teatro que já vem sendo utilizado tanto no Brasil, quanto em outros países, de forma adaptada
a cada situação e público social. Consideramos relevante a especificidade de cada grupo, em
que há atualização desse teatro em cada momento histórico, pois o modo de fazer teatro que
mostramos aqui não é o mesmo dos anos de 1960 ou 1990. As práticas teatrais se adequam às
vivências políticas e sociais de cada grupo, desta maneira, atualizando-se.
As perspectivas de estudo com o TO são várias e, nesse sentido, abordamos o TO
na escola, trazendo discussões importantes sobre este gênero. Observamos que, em geral, não
há uma valorização do gênero teatro nem de sua prática na escola. Com isso, buscamos
149

incentivar o teatro na prática educativa, ao mostrar, com esta pesquisa, os passos


metodológicos tomados e os resultados obtidos, referentes à educação, por meio da arte.
Em terceiro lugar, percebemos que os participantes da pesquisa obtiveram um
ganho significativo de aprendizado sobre as temáticas estudadas e sobre a construção e
reconhecimento de suas identidades sociais. Trabalhamos o conceito de identidade da pós-
modernidade, pois, até então, os estudantes tinham um conceito de identidade como essência,
e, a partir das discussões, foram desconstruindo tal concepção, observando, ao mesmo tempo,
as posições de sujeitos na sociedade e como estas se constroem, alicerçadas em blocos
hegemônicos de poder e dominação.
Ainda que tenha havido alguns imprevistos na execução da pesquisa, como um
número de participantes menor do que esperávamos, as desistências de alguns membros e o
fato de não conseguirmos apresentar uma peça como desfecho e como forma de demostrar o
aprendizado dos estudantes sobre atuação teatral, estes fatos não ofuscaram, de nenhuma
maneira, os ganhos obtidos com a pesquisa.
As discussões suscitadas junto ao grupo de estudantes de ensino médio sobre as
questões de sexualidade, gênero e raça, sob uma perspectiva interseccional, giraram em torno
das opressões que sofrem essas minorias e ensaiamos propostas de soluções para essas
opressões a partir do teatro. Os alunos produziram textos escritos e criaram performances
teatrais, aguçando sua criatividade. Junto a isso, conseguimos escrever, com a participação de
todos, uma esquete teatral acerca das temáticas abordadas, demonstrando o aprendizado dos
estudantes. Ainda, conseguimos reunir os educandos através do teatro, como forma de
incentivo dessa arte na escola e, por fim, destacamos o comprometimento dos seis
participantes que permaneceram do início ao fim da pesquisa, demonstrando, com palavras e
afeto, o aprendizado adquirido em cada etapa.
Ao final da pesquisa, a partir das entrevistas, produções escritas e performáticas
sobre identidade, debates temáticos durante as oficinas e preenchimento de questionários
autoidentitários, os participantes puderam pensar sobre identidades, por meio da vivência
artística, teórica e interpessoal, definindo-se enquanto identidade de sexualidade, raça e
gênero e duvidando de suas definições, para depois passar a se definir novamente para, quem
sabe, voltar a ter dúvidas novamente, pois a identidade é um processo, não uma essência.
Neste processo de descobertas de si e dos outros à nossa volta, da partilha de
pensamentos, de conflitos de conhecimentos entre o conhecido e o novo, pudemos exercer
nosso direito de adquirir nossa criticidade. No início deste trabalho, comentei que me
exergava nesses estudantes, em relação ao conhecimento que eu possuia no tocante às
150

categorias aqui estudadas e os preconceitos que fui desconstruindo à medida que aprendia
sobre essas categorias.
Ainda me vejo nesses estudantes, pois depois de compartilhar conhecimentos e
teorias com eles, percebi mudança. Ao mesmo tempo que eu ensinava, aprendia com eles,
num processo de troca de conhecimento, fomentando acumulo de experiências que
proporcionou a mim e a eles uma nova percepção do ―EU‖, de uma identidade.
Este processo de conhecimento não acaba quando termina. O processo de
conhecimento deste grupo apenas começou, portanto, sigamos!
151

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APÊNDICES
163

APÊNDICE A – ESQUETE TEATRAL

A FRAGMENTAÇÃO DE UM INSTANTE

PERSONAGENS:

- Narradora/policial – ANGEL
- Professor - CHRISTIAN
- Estudante 1 - KULLER
- Estudante negra – JOANA
- Estudante mulher – YUKI
- Estudante gay – CASSANDRA

CENÁRIO: Do lado direito do palco encontra-se o arco do nascimento; na frente do


palco algumas velas; ao lado esquerdo as personagens se posicionas para a primeira
performance...

1º ATO
CENA 1

 Monólogo da narradora –

NARRADORA – Respeitável plateia (será que todos tão respeitáveis assim? – fala olhando
para o lado), sejam bem-vindas a este pequeno espaço de tempo teatritado (me permitam o
neologismo – fala olhando para o lado). Convido-vos a um diálogo com os olhos e também
com palavras, que será proporcionado por estas personagens fragmentadas. É necessário
completar a reticência. As personagens também são vocês, cada um em seus atos e cenas
plurais, criando significação a partir dos contextos do dia a dia, construindo e desconstruindo
conceitos, arrependimentos, gritos de eu avisei ou fui avisado, tênue julgado-julgador. Agora
prestem atenção: qual personagem você é hoje? Na real abstração das identidades, em que
papel você se coloca? Não respondam agora, pois no palco estão nascendo personagens...
Vamos começar!?
164

CENA 2 (Apagar luz)

 Com roupas pretas, as personagens entram, em fila, e se posicionam no palco, de


costas para a plateia. Acendem os incensos que cada um possui em mãos. Depois
de acesos os incensos, as personagens viram-se de frente para a plateia e
começam a cantar.

CORO –

1- Ais / T1- ais... / T2 ais...


1- Laranjais / T- laranjais...
2- Laranjais / T- laranjais... Laranjais...

1- Ais / T1- ais... / T2- ais...


1- Laranjais / T- goiaba, goiaba...
2- Laranjais/ T- goiaba... Laranjais...

2- Ais...
2- Laranjais / T- nióbio...
2- Laranjais / T- nióbio...
T- Laranjais...
Coro: Ais..

―É só você fazer cocô dia sim, dia não‖.


―As minorias tem que se curvar às maiorias‖.
―O erro da ditadura foi torturar e não matar‖.
―Sou incapaz de amar um filho homossexual‖.
―Não te estupro porque você não merece‖.
―Mulher deve ganhar salário menor porque engravida‖.
―O afrodescendente mais leve de lá pesava sete arrobas‖.
– Tudo acima de tudo, todos em cima de todos!

PARTITURA:
165

 Quando terminado o coro, todas as personagens se posicionam atrás do


nascedouro.

2º ATO
CENA 1 (Luz)
166

 As personagens saem pelo portal, uma de cada vez, performatizando o


nascimento. Cada personagem possui uma peça de roupa, azul ou rosa, em sua
mão.
 Cada um escolhe uma pessoa na plateia para dialogar:

– Você é menino ou menina? Qual o seu gênero?

 Este é o momento do improviso, deve haver um diálogo a partir da pergunta


motivadora.
 Depois do diálogo, as personagens voltam para o nascedouro e caem as luzes.

3º ATO
CENA 1

 Em cena um professor com os olhos vendados e os alunos sentados em fileira.


Perto da porta um policial.

PROFESSOR – Vocês devem estar se perguntando quem sou eu. Sou o novo professor dessa
turma de sem luz. Professor não, comandante! Mas isso não é novidade nenhuma, creio que
vocês já viram nos noticiários a nossa nova metodologia de ensino em todas as escolas,
teremos uma educação mais rígida e agora nosso país terá ordem e progresso.

ESTUDANTE 1 – Professor, eu tenho uma dúvida.

PROFESSOR – Calado! Eu não dei ordem para ninguém falar neste momento. Espere por
meu comando!

ESTUDANTE 1 – Mas...
PROFESSOR – Silêncio! Providência! (fala olhando para o policial, que coloca uma
mordaça no estudante e o arrasta para o final do palco).

PROFESSOR – Eu tenho alguns comunicados para dar. O primeiro é que não aceitaremos
mais negros nessa escola.

ESTUDANTE NEGRA – E onde eu vou estudar agora?

PROFESSOR – Você não precisa estudar.


Vocês aceitam isso?

TODOS – Aceito!

 O policial prende os braços da estudante para trás.


167

ESTUDANTE NEGRA – ―Aceito‖, foi o que ouvi de todos os que estavam à minha volta. Só
observavam enquanto meus direitos, que foram conquistados com muita luta, iam se perdendo
aos poucos. Trancaram para mim a porta das escolas, dos empregos, da vida. Pintaram-me de
branca, parodiaram meu cabelo, atacaram minha ancestralidade. Como posso lutar sozinha?

 O policial coloca uma mordaça na boca da estudante e a coloca junto com o outro
estudante no final do palco.

PROFESSOR – Que escarcéu! Mas vamos continuar, porque as notícias boas não podem se
conter: as mulheres são muito importantes na sociedade, elas procriam, mas aqui na escola
não terão mais voz, não poderão participar dos debates. Outra coisa, não aceitaremos gays ou
lésbicas nesta escola, se tem alguém aqui assim, rua! Vocês aceitam isso?
TODOS – Aceito!

 O policial prende as duas estudantes mulher e gay.

ESTUDANTE MULHER – Me silenciam em todos os lugares, renegam-me o direito à fala.

ESTUDANTE GAY – Privam meu desejo de amar, impuseram sua sexualidade.

ESTUDANTE MULHER – Mataram-me em meu próprio lar.

ESTUDANTE GAY – Mataram-me nas ruas, mataram-me em meu próprio lá.

ESTUDANTE MULHER – Mataram-me nas ruas.

OS DOIS – O silêncio de um grito que ecoa!

 As duas são amordaçadas pelo policial e levadas para o final do palco.

PROFESSOR – Bem, então é isso. Resignação. Vocês aceitam? Vocês estão sozinhos!

 No final da sala, o estudante gay retira a mordaça e diz:

ESTUDANTE GAY – Eu não estou só (pega na mão das outras estudantes) eu não aceito!

 Começa a se montar, veste saia, põe batom...


 As estudantes mulher e negra retiram sua mordaça e dizem:

ESTUDANTES MULHER E ESTUDANTE NEGRA – Eu não aceito!

 Vai até a plateia e pergunta para uma pessoa:


168

ESTUDANTE MULHER – Você está comigo?

 Espera a resposta positiva e leva a pessoa para o palco.


 Na sequência as outras duas estudantes fazem o mesmo.
 Retiram a venda do professor e a arma do policial, este se transforma no
narrador e fala:

NARRADOR – É cíclico. A história é vivida e contada. É revivida por outras pessoas aquilo
que vai e vem. É descobrindo como se une que a vitória se mostra. Os vilões são derrotados, a
história é escrita e depois lá vem ela de novo com um enredo semelhante, mas tudo aqui está
fragmentado e o sentido quem dá é você espectador. Se não há sentido, então é porque ainda
estamos fragmentando o que já é fragmentado.
Se você me der licença, agora eu sou o espectador... TELA.
169

APÊNDICE B – INSTRUMENTAL DE PESQUISA / ENTREVISTA

ROTEIRO ENTREVISTA:
1 – O que chamou sua atenção no convite/oportunidade para participar da pesquisa (Oficina
de Teatro do Oprimido)?

2 – Você já havia participado de alguma oficina/grupo de teatro? E do Teatro do Oprimido?


Aprendeu algo (novo) de teatro em nossas oficinas?

3 – As oficinas (pesquisa prática) foram como você esperava? Quais as suas expectativas
antes de participar das oficinas? E depois de participar, as expectativas foram atendidas?

4 – Depois de participar das oficinas e ter contato com estudos de identidade de raça, gênero e
sexualidade, você aprendeu algo sobre essas minorias sociais? E você aprendeu algo sobre sua
própria identidade social?

5 – Pedi que você analisasse as opressões contras as minorias sociais, as quais estudamos, que
acontecem em sala de aula, o que você percebeu? A partir disso, você passou a olhar com
maior criticidade para essas opressões em sala de aula?

6 – Quais as sua expectativas em relação às apresentações teatrais que iremos fazer?

7 – um dos objetivos do projeto é criar um grupo de teatro permanente na escola, com a turma
de nossa pesquisa. Você pretende continuar no grupo?
170

APÊNDICE C – FICHA DADOS PESSOAIS E AUTODECLARAÇÃO

Ficha – dados pessoais / autodeclaração:

Nome:
Idade:
Série/turno:
Autodeclaração identidade de gênero (sexo
– masculino; feminino; transgênero etc...).
Autodeclaração de orientação sexual
(heterossexual; homossexual; bissexual;
assexual etc...
Autodeclaração de identidade racial
(cor/raça – negra; branca; indígena etc...
171

APÊNDICE D – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)


Termo Assentimento a Estudantes

Você está sendo convidado(a) a participar da pesquisa ―A Estética do Teatro do


Oprimido na Escola: Caminhos de Construção de Identidade de Raça, Gênero e Sexualidade‖.
Os objetivos deste estudo consistem em criar um grupo de teatro na escola e, a partir dele,
desenvolver propostas de exercícios teatrais sugeridas por Augusto Boal. Estudaremos
também questões de raça, de gênero e de sexualidade, tentando entender os motivos de
existirem tantos preconceitos contra esse público, tanto na escola como fora dela.
Objetivamos desconstruir esses preconceitos em nós mesmos e nos outros estudantes da
escola. Debateremos também questões de identidades a partir do. Caso você autorize, você irá
participar de Oficinas do Teatro do Oprimido, com encontros semanais, durante seis meses.
Entrevistas serão gravadas. Nas oficinas, estudaremos questões referentes ao teatro e às
minorias sociais; as minorias estudadas serão as que se enquadram em questões de raça,
gênero e Sexualidade. Participando também de apresentações artísticas teatrais e palestras
protagonizadas pelo grupo de teatro a ser formado, por último será aplicada uma entrevista
aos participantes do grupo. A sua participação não é obrigatória e, a qualquer momento, você
poderá desistir da participação. E se você chegar a desistir, isso não trará prejuízos em sua
relação com o pesquisador ou com a Escola Gonzaga Mota. Tudo foi planejado para
minimizar os riscos de sua participação, porém você pode sentir dificuldades físicas nos
exercícios teatrais ou desinteresse nos temas abordados. Caso sinta algo desagradável, você
poderá interromper a sua participação e, se houver interesse, você poderá conversar com o
pesquisador sobre o assunto.
Você não receberá remuneração pela participação. Em estudos parecidos com
esse, os participantes gostaram da experiência. A sua participação poderá contribuir para seu
processo educativo e social, ao estudar questões de arte e teatro com foco em problemas
sociais referentes a questões de raça, gênero e sexualidade, objetivando o respeito ao público
estudado. As suas respostas não serão divulgadas e seu nome não será citado. Além disso,
você está recebendo uma cópia deste termo onde consta o telefone do pesquisador principal,
desta forma você poderá tirar dúvidas agora ou a qualquer momento.

______________________________________

José Romário Oliveira da Silva


Mestrando em História e Letras
(88) 9.9843-2499
172

Eu, ______________________________________________________, declaro que entendi


os objetivos, riscos e benefícios da minha participação, sendo que:

( ) aceito participar

( ) não aceito participar

Quixadá, ________________ de 2018.

_________________________________________

Assinatura do menor

O pesquisador me informou que o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em

Pesquisa em Seres Humanos da UECE que funciona na Av. Dr. Silas Munguba, 1700,

Campus do Itaperi, Fortaleza-CE, telefone (85)3101-9890, email cep@uece.br. Se necessário,

você poderá entrar em contato com esse Comitê o qual tem como objetivo assegurar a ética na

realização das pesquisas com seres humanos.


173

APÊNDICE E – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)


Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos Pais

Seu filho(a) está sendo convidado(a) a participar da pesquisa ―A Estética do Teatro do


Oprimido na Escola: Caminhos de Construção de Identidade de Raça, Gênero e Sexualidade‖.
Os objetivos deste estudo consistem em Desenvolver propostas metodológicas a partir da
seleção de exercícios teatrais sugeridas por Augusto Boal em seu Teatro do Oprimido.
Verificar o processo de desconstrução de preconceitos de gênero, raça e sexualidade na sala
de aula, a partir da proposta do teatro do oprimido. Analisar a construção de identidades a
partir dos exercícios dos jogos teatrais da estética do oprimido. Caso você autorize, seu filho
irá participar de Oficinas do Teatro do Oprimido, com encontros semanais, durante seis
meses. As oficinas serão gravadas. Nas oficinas, seu filho estudará questões referentes ao
teatro e às minorias sociais; as minorias estudadas serão as que se enquadram em questões de
raça, gênero e Sexualidade. Também participarão de apresentações artísticas teatrais e
palestras protagonizadas pelos estudantes, por último será aplicada uma entrevista. A
participação dele(a) não é obrigatória e, a qualquer momento, poderá desistir da participação.
Tal recusa não trará prejuízos em sua relação com o pesquisador ou com a instituição em que
ele estuda. Tudo foi planejado para minimizar os riscos da participação dele(a), porém se
ele(a) sentir desconforto com as perguntas, ou dificuldades físicas com os exercícios de teatro,
ou ainda sentir desinteresse, poderá interromper a participação e, se houver interesse,
conversar com o pesquisador sobre o assunto.

Você ou seu filho(a) não receberá remuneração pela participação. A participação


dele(a) poderá contribuir para seu processo educativo e social, ao estudar questões de arte e
teatro com foco em problemas sociais referentes a questões de raça, gênero e sexualidade,
objetivando o respeito ao público estudado. As suas respostas não serão divulgadas de forma
a possibilitar a identificação. Além disso, você está recebendo uma cópia deste termo onde
consta o telefone do pesquisador principal, podendo tirar dúvidas agora ou a qualquer
momento.
174

Eu,_____________________________________________________, declaro que entendi os


objetivos, riscos e benefícios da participação do meu filho(a)
_______________________________________________________________, sendo que:

( ) aceito que ele(a) participe ( ) não aceito que ele(a) participe

Quixadá, ____________________ de 2018.

_________________________________________

Assinatura

O pesquisador me informou que o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em
Seres Humanos da UECE que funciona na Av. Dr. Silas Munguba, 1700, Campus do Itaperi,
Fortaleza-CE, telefone (85)3101-9890, email cep@uece.br. Se necessário, você poderá entrar
em contato com esse Comitê o qual tem como objetivo assegurar a ética na realização das
pesquisas com seres humanos.

Pesquisador responsável: José Romário Oliveira da Silva. Mestrando em História e Letras.


Telefone: (88) 9.9843-2499. E-mail: romario_oliveira.s@hotmail.com
175

APÊNDICE F – FOLHA DE ROSTO PARA PESQUISA ENVOLVENDO SERES


HUMANOS
176

APÊNDICE G – TERMO DE ANUÊNCIA


177
178

ANEXOS
179

ANEXO A – PRODUÇÃO ESCRITA YUKI


180

ANEXO B – PRODUÇÃO ESCRITA CASSANDRA


181

ANEXO C – PRODUÇÃO ESCRITA CASSANDRA


182

ANEXO D – PRODUÇÃO ESCRITA ANGEL


183

ANEXO E – PRODUÇÃO ESCRITA ANGEL


184

ANEXO F – PRODUÇÃO ESCRITA ANGEL


185

ANEXO G – PRODUÇÃO ESCRITA JOANA


186

ANEXO H – PRODUÇÃO ESCRITA CHRISTIAN


187

ANEXO I – PRODUÇÃO ESCRITA CHRISTIAN


188

ANEXO J – PRODUÇÃO ESCRITA KULLER


189

ANEXO K – DESENHO CASSANDRA


190

ANEXO L – PARTITURA DUBA


191

ANEXO M – PARTITURA BANAHA


192

ANEXO N – POEMA O PÁSSARO CATIVO

O PÁSSARO CATIVO
Olavo Bilac

Armas, num galho de árvore, o alçapão.


E, em breve, uma avezinha descuidada, batendo as asas cai na escravidão.

Dás-lhe então, por esplêndida morada, a gaiola dourada.


Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo.

Por que é que, tendo tudo, há de ficar o passarinho


mudo, arrepiado e triste, sem cantar?

É que, criança, os pássaros não falam.


Só gorgeando a sua dor exalam, sem que os homens os possam entender.
Se os pássaros falassem,
talvez os teus ouvidos escutassem este cativo pássaro dizer:

"Não quero o teu alpiste!

Gosto mais do alimento que procuro na mata livre em que a voar me viste.
Tenho água fresca num recanto escuro.

Da selva em que nasci; da mata entre os verdores,


tenho frutos e flores, sem precisar de ti!

Não quero a tua esplêndida gaiola!


Pois nenhuma riqueza me consola de haver perdido aquilo que perdi...
Prefiro o ninho humilde, construído de folhas secas, plácido, e escondido.

Entre os galhos das árvores amigas...


Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?

Quero saudar as pompas do arrebol!


Quero, ao cair da tarde, entoar minhas tristíssimas cantigas!

Por que me prendes? Solta-me, covarde!


Deus me deu por gaiola a imensidade!
Não me roubes a minha liberdade...

QUERO VOAR! VOAR!..."

Estas coisas o pássaro diria, se pudesse falar.


E a tua alma, criança, tremeria, vendo tanta aflição.
E a tua mão, tremendo, lhe abriria a porta da prisão...

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