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PROPOSTA DE MICROATUAÇÃO EM UM PROCESSO DE MONTAGEM

TEATRAL NA CIDADE DO RECIFE

Rose Mary de Abreu Martins


Léslie Piccolotto Ferreira
Paulo Roberto de Moura Carvalho

Resumo
Este artigo descreve um experimento, realizado na cena recifense em 2015, pautado
em um exercício de imaginação que implicou numa imersão no texto dramático A Viagem de
um Barquinho, de Sylvia Orthof, na busca da leitura acurada do que seria a composição de
palavras que a encenação sugere. Objetiva-se aqui, descrever a intervenção do projeto de
doutoramento “Teatro dirigido à criança: análise da recepção de crianças à performance de
atores, com base na aplicação da técnica de Microatuação” sistematizada por Silvia Davini
desenvolvido junto ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O processo envolveu a performance de 6
atores (dois profissionais, dois amadores e dois em formação) e foi apresentada a um público
de crianças. Processo sistematizado em duas etapas, inicialmente, voltado aos atores e na
segunda etapa foram entrevistados o público de crianças que apreciou o espetáculo. Junto aos
atores foram aplicadas entrevistas semi dirigida, antes e a após a apresentação do espetáculo e
das respostas estabelecidas pelos atores surgiu o mote de questões aplicadas junto às crianças
após assistirem o espetáculo. O material derivado dos dois modelos de abordagem, adulto e
infantil, foi analisado e correlacionado tendo por pauta a descrição dos impactos desta
técnica. A investigação realizada, demandou modificações ao modelo original proposto, que
auxiliaram no processo de conscientização por parte dos atores da importância do domínio
dos conteúdos e sentidos textuais, retratado no discurso destes, a consciência da importância
do intérprete dominar as ideias e as construções de sentido do texto. E correlacionado aos
impactos e benefícios à performance em cena.
Palavras-chave: Ator; Performance em cena ; Microatuação; Vocalidade; Teatro.
PROPOSAL OF MICROACTING IN A THEATRICAL PRODUCTION PROCESS
FROM RECIFE CITY

Abstract
This experiment realized in Recife scene in 2015 required an imagination exercise. It resulted
in a dip at the dramatic text “A Viagem de Um Barquinho” by Sylvia Orthof. It was a broader
view of what would be the composition of words that the staging suggested. This article aims
to describe this intervention, carried out on Microacting. The process involved the
performance of six actors (two professionals, two amateurs and two in training) and was
presented to a children audience, all processes were systematized in two stages, initially
aimed at the actors and in the second stage were interviewed the children's audience Who
appreciated the show, together with the actors were applied semi-directed interviews, before
and after the presentation of the show; Of the established answers derived the motto of
questions applied to the children after attending the spectacle. The material derived from the
two adult and child approach models was analyzed and correlated with a description of the
impacts of this technique. The research carried out called for modifications to the original
model proposed, which helped in the process of raising the awareness of the actors of the
importance of the domain of the contents and textual meanings, portrayed in their discourse
the awareness of the importance of the interpreter to dominate the ideas and constructions of
sense of the text. And correlated to impact and benefit to on-stage performance.
Keywords: Actor; Scene`s Performance; Microacting; Vocality; Theater.
Introdução
O antigo teatro grego, gênese do teatro ocidental, poderia ser considerado um ponto
de partida importante para se compreender a vocalidade do ator, pautada pelas bases da
interpretação do texto. O texto teatral dos antigos, sobretudo o greco-romano, sugere uma
determinada totalidade acústica, uma tonalidade, um ritmo, um canto. Ele é o porta-voz das
ideias filosóficas e artísticas do seu tempo
Mesmo observando as imprecisões deste, nos registros documentais, faz-se mister
imaginar a melopéia (conjunto de técnicas aplicadas para criar efeitos acústicos por meio de
palavras) do teatro grego como um exercício instigante, uma vez que leva a refletir sobre uma
voz (um registro) em uma intensidade particular, e em um lugar próprio na performance
teatral.
Poder-se-ia afirmar que o texto teatral é a porta (da) voz, dessa forma, fazer essa imersão no
texto teatral implica perceber, em uma visão mais ampla do que seja esse texto, a composição
de palavras que sua encenação implica.
Davini (2002: 58-73), no que se refere à vocalidade, afirma que a perspectiva
conceitual precisa superar as visões dicotômicas e instrumentais do corpo. Assim, define a
voz como uma produção corporal, capaz de produzir sentidos complexos, controláveis na
cena. Rosenfeld, (1976) por sua vez, defende que a encenação precisa se caracterizar
enquanto espetáculo, sendo que ela não pode limitar-se à dramaturgia literária.
Logo, é importante um debruçar sobre teorias para alicerçar esse estudo sobre a
vocalidade, a exemplo de Teorias da Comunicação, Teoria da Interação e da
Autoconfrontação.
De acordo com Sant’ana e Dias (2008), uma questão relevante nos estudos da
linguagem é a sua relação com o mundo. Grice (1982) e Ducrot (s/d) destacam que essa
questão se inclui também na relação entre as palavras e as coisas (entidades concretas do
mundo extralinguístico), e na relação da linguagem com uma realidade discursiva.
Corroborando com Koch (2006), quando afirma que comunicar-se é interagir e cooperar,
semelhante a um jogo que necessita de regras.
As Máximas Gricianas (quantidade, qualidade, relevância, modo) dos Postulados de
Grice (1982), devem ser consideradas quando se analisa o âmbito do fenômeno da interação
dos atores com o público, isso porque, defendem que a informação precisa ser suficiente para
a comunicação; deve referir-se ao teor de verdade; ser importante para a compreensão do que
se diz e a clareza da expressão comunicada. Segundo ele, a clareza de expressão é uma forma
evidente de cooperação do locutor para com o ouvinte.
Martins (2004) abordou a voz e a palavra na cena recifense, e a partir de seu estudo,
observou-se que na maioria das vezes as montagens teatrais do Recife davam maior ênfase à
dimensão visual do espaço cênico, ao mesmo tempo em que a dimensão acústica permanecia
ignorada. Assim, entende-se que esse trabalho de voz requer uma redefinição enquanto
processo. Deve preparar o corpo para lidar com um maior leque de possibilidades de
produção de significados, emissão de voz e palavra em performance, caso almeje precisão.
Dessa forma, na técnica denominada Microatuação, observa-se que o trabalho com o
texto teatral e a qualidade da performance depende da conscientização do ator quanto a
importância da atualização do material textual e produção estética. Assim, Davini (2002)
defende que os atores se disponham a criar dialogicamente com autores e diretores, e, assim,
não considerem a atuação como representação, interpretação ou reprodução, mas como
processo de constituição, atualização e produção.
Este artigo pretende descrever, de forma sucinta, o processo de aplicabilidade da
Microatuação, junto aos atores na fase da coleta de dados do projeto de doutoramento “Teatro
dirigido à criança: análise da recepção de crianças à performance de atores, com base na
aplicação da técnica de Microatuação”, desenvolvido junto ao Programa de Estudos Pós-
Graduados em Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e
no qual se incluiu quatro etapas interdependentes: “Zoom”; “Intervenção”;
“Decomposição”; “Ensaio e Performance”.
Definir, detalhar e aplicar essa tecnologia de treinamento e controle de ensaio
permitiu auxiliar o elenco de atores, e a encenação nos processos de composição de
personagens devido à sua importância na configuração de sentido do texto em performance.
Em síntese, o foco na Microatuação possibilitou contundentes discussões sobre os conceitos e
as diferenças de voz e vocalidade do ator, buscando conceber de forma mais ampliada o texto
teatral e a sua composição na cena.

Metodologia
A experiência com a técnica de Microatuação ocorreu na cidade do Recife, entre 17
de janeiro e 18 de junho de 2015, nos espaços físicos do Laboratório de Artes Cênicas –
LAC, do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
Fez parte do projeto de doutoramento “Teatro dirigido à criança: análise da recepção de
crianças à performance de atores, com base na aplicação da técnica de Microatuação”.
O texto teatral utilizado para a experiência foi A Viagem de um Barquinho, de Sylvia
Orthof. O grupo foi composto por seis atores recifenses, em 20 encontros de 4 horas,
totalizando 80 horas de trabalho com a técnica descrita, objetivando possibilitar avanços no
enfoque da palavra em cena.
O experimento foi composto de quatro etapas interdependentes da Microatuação:
Zoom – definição das cenas-chave a partir da análise pragmática; Intervenção – dissociação
de instâncias do momento verbal com auxílio de equipamentos de reprodução de som e de
imagem; Decomposição – análise da dissociação de instâncias do momento verbal registrada
em vídeo; e Ensaio e Performance- período de marcação de cena, textualização, trabalho com
elementos visuais do espetáculo e apresentação ao público.

Descrição das etapas do processo construído


Na primeira fase do processo os atores participantes foram apresentados e
esclarecidos sobre o trabalho, assumindo a proposta por meio de um termo de compromisso.
Cada participante foi entrevistado individualmente sobre suas dúvidas e expectativas.
Logo, iniciou-se as fases do experimento a partir do que orienta a técnica de
Microatuação:
1. Zoom – os atores, a partir da análise pragmática do texto (definições de blocos de
sentido e palavras-chave), apresentaram as cenas-chave. Desse modo, a análise pragmática
induziu que se pensasse o texto na cena e não apenas seu significado ou sua dimensão
acústica ou visual. Logo, possibilitou a escuta desse texto, sua visualização por meio das
performances, permitindo assim, que essa visualização fosse conectada isso é, aparecesse
dialogando com a questão acústica no trabalho junto aos atores. Daí partiu-se para um
trabalho de memorização do texto de modo, que deveriam evitar hierarquizar ideias e
significados, que de preferência nessa fase, evitassem manter contato direto com o texto
impresso, tentando não memorizá-lo silenciosamente ou escrevendo-o repetidamente. Foi
proposto ainda que os atores realizassem esse trabalho de memorização do texto de pé,
sentados ou em deslocamento e utilizando a voz com intensidade.
2. Intervenção – Os atores retornaram à cena em questão. No entanto, como os textos
não estavam memorizados o suficiente, foi necessário retomar à etapa anterior, atrasando o
processo. De acordo com Davini (2002), a Microatuação compreende as nuanças do olhar,
gestos mínimos que não são diretamente percebidos pela plateia, mas que podem ser
definitivos para a eficácia da cena em suas sutilezas cinéticas e acústicas. Contudo, Davini
denomina a atividade fonatória como o total de acontecimentos que o corpo atualiza ao
produzir voz e palavra. Dentre esses, deve-se considerar, em primeiro lugar, a atividade
articulatória e respiratória, cuja potencia mecânica arrasta uma atividade gestual e cinética
involuntária que interfere nos processos de significação da cena.
Nesta etapa de intervenção, de fato como defende a Microatuação a atividade
fonatória, somada à atualização de clichês, bloqueou a manifestação de uma gestualidade
sutil e do olhar como articuladores da palavra em cena (DAVINI, 2002). Portanto, só após a
concretização do processo de memorização, os textos das cenas foram gravados e
reproduzidos em áudio para que os atores pudessem atuar mais uma vez a mesma cena.
Contudo, sem produzir voz ou palavra. O gestual deles foi reservado ao absolutamente
necessário, de forma que a gestualidade cinética, o olhar ou qualquer resposta muscular
atualizada fossem aquelas inevitáveis.
A partir do nível de concentração e de conscientização dos atores, pode-se afirmar
que a presença da Microatuação se potencializou. Cabe ressaltar que não se tratou de realizar
dublagem ou pantomima e sim de atuar sem produzir som, permitindo evidenciarem-se
aquelas sutilezas de atuação.
3. Decomposição – Foi apresentado aos atores o registro em vídeo das três situações
de performance das cenas-chave, que puderam ser apreciadas e comparadas. Nessa fase, os
atores se mostraram impactados diante de suas atuações, e a partir daí, passaram a identificar,
enfrentar suas dificuldades e responder de forma mais precisa, sem dúvida, ocorreu uma
transformação.
4. Ensaio e performance – Nessa fase ocorreu a marcação de cenas, definição e
produção de uma trilha sonora (sonoplastia), de figurinos, adereços, cenário, desenho de luz
para A Viagem de um Barquinho, de Sylvia Orthof objetivando sua apresentação para o
público.
Segundos relatos dos atores, em suas experiências anteriores, em processos de criação
para a cena, foram realizados muitos experimentos psico-físicos que os mesmos não
conseguiam identificar em suas atuações. Enquanto isso, no trabalho desenvolvido com a
Microatuação ocorreu inicialmente o estranhamento, seguido de motivação e empolgação,
decorrentes do vislumbramento da possibilidade de precisão.
Sem dúvida, foi a etapa denominada de “decomposição” que mais impactou os atores.
Nessa, as cenas áudio-gravadas dos seus processos individuais e coletivos foram utilizadas
para permitir uma auto-observação e detalhamento. Ao se verem e se escutarem com o
auxílio do registro em vídeo e em áudio, os atores se reconheciam quanto à eficácia, em seu
trabalho, de aspectos desejados ou planejados por eles, bem como os aspectos involuntários
de suas atuações, que poderiam interferir na produção de sentido em cena sem que os atores
tivessem controle sobre eles. Além de permitir a auto-observação, tal possibilidade pode
oferecer maior autonomia aos atores ao longo dos processos de ensaio.
Passada a fase de aplicação e treinamento dos atores o resultado – espetáculo – foi
submetido ao público de crianças. Alguns relatos foram coletados junto aos atores antes da
apresentação do espetáculo, nos quais os mesmos expressaram suas expectativas quanto à
aceitação do público referente ao texto, às suas performances e à própria técnica de
Microatuação.
Figura 1: Relatos dos atores antes do espetáculo A Viagem de Um Barquinho.

Fonte: Elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada.

Diante da questão O que o texto A Viagem de um Barquinho gerou no público?,


para todos o texto foi bem recebido, bem compreendido, agradou e prendeu a atenção do
público-alvo (10 a 12 anos) e ainda os adultos que os acompanhavam.
Para a questão: O que o seu trabalho de ator, desenvolvido com base na
Microatuação, gerou no público?, A1 e A3, formados em teatro e mais experientes com
teatro dirigido à criança, afirmaram que a experiência com a Microatuação foi positiva, uma
grande oportunidade de formação e excelente chance de afirmação profissional diante do
público. A2 e A6, não formados e menos experientes consideraram suas atuações como
missão cumprida devido, segundo eles, a uma grande oportunidade de formação para
qualquer ator. A6 entendeu que foi uma grande oportunidade não apenas de formação de
atriz, assim como A4, que considerou o processo vivenciado como uma grande contribuição
que marcou uma diferença para a sua performance. A5 considerou como uma oportunidade
ímpar que, segundo ele, fez diferença no seu desempenho final.
Cabe lembrar, contudo, que, independentemente dos atores serem formados em teatro
ou em música ou não serem formados, todos enfrentaram dificuldades diante da técnica por
problemas distintos, em consequência de suas expectativas e desejos também serem
diferenciados.

Figura 2: Relatos dos atores após o espetáculo A Viagem de Um Barquinho.

Fonte: Elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada.


Os atores formados em teatro apresentaram mais intimidade com o código teatral,
mais desenvoltura na etapa Mapeamento de Cenas, contudo mostraram mais resistência aos
novos procedimentos, em especial aos exercícios referentes à etapa Memorização e
flexibilização do texto, pois traziam em suas bagagens um modelo preestabelecido, uma
forma cristalizada, uma certeza de algo dominado.
Os cantores líricos se colocavam com mais foco, mais disciplina na condução do
processo, com maior poder de concentração e de capacidade de escuta e, ao mesmo tempo,
eram extremamente questionadores, curiosos e racionais. Mesmo assim, conseguiam traçar
com mais facilidade as relações dialéticas entre os conhecimentos adquiridos com as
diferentes linguagens artísticas envolvidas no processo.
Enquanto isso, os dois iniciantes, não formados em teatro nem em música, eram
menos questionadores, menos racionais, porém mais acessíveis, mais disponíveis, mais
jovens e, assim, acabavam respondendo com maior rapidez que os atores e os cantores. Tais
observações vieram suscitar uma indagação sobre a existência entre intimidade com o código
da linguagem artística e aptidão ou bom desempenho. Devido à experiência aqui relatada,
poder-se-ia arriscar a afirmar que essa intimidade com a linguagem artística pode ser
considerada até prejudicial. A intimidade do ator com a cena deve ser fruto de experiências
mais sólidas, embasadas e atualizadas a partir de estudos sistemáticos, ou seja, a tal
intimidade com a cena por si não se basta, pode vir acarretar acomodação por parte do
intérprete, muitas vezes até de forma inconsciente, como observado nesse experimento.
Para a questão O que a Microatuação gerou no público?, tanto A1 quanto A3
confirmam o que haviam previsto antes da apresentação do espetáculo, ou seja, que a
percepção do público aconteceria através do bom ou do mau resultado do conjunto do
trabalho. O público não identificaria a técnica e sim o bom resultado final do processo. A2 e
A6, não formados e menos experientes, também confirmaram que a eficácia da técnica foi
comprovada através da grande aceitação do resultado. Para A6, o que o público identificou
foi o bom resultado, para A4 ficou clara a aceitação do resultado pelo público-alvo e para A5
aconteceu uma empatia grande entre o público e o resultado final do processo.

Fase 2
A Figura 3 registra a porcentagem de respostas dadas pelas crianças (n=50), após
assistir ao espetáculo, a cada uma das perguntas.
Partindo do exposto e com base na leitura e compreensão dos dados obtidos, é
imprescindível que se destaque os prós e contras, os resultados mais e menos esperados.
Assim, procurando partir sempre de variáveis representativas como se vem expondo e
debatendo ao longo da pesquisa, a saber: escolhas da encenação, resultados significativos da
pesquisa com a voz (a performance dos atores) e mais ainda o lastro principal – a história ou
mesmo, o trabalho com o texto enquanto base para todo o urdimento da criação de sentido na
cena.
Ao selecionar as variáveis: encenação, voz e história, foi possível obter-se um
desmembramento de cada uma delas, necessário e capaz de revelar na análise minúcias do
olhar crítico da recepção. A exemplo disso, a variável encenação permitiu observar questões
relativas à potencialidade de análise do público diante de itens como: performance dos atores
(interpretação, expressividade com o texto falado e cantado, movimentação no palco, uso dos
objetos de cena); espetáculo (se gostou, do que gostou, por que gostou); direção artística
(cenário, figurino, adereços, maquiagem, iluminação, sonoplastia); e música (se identificou a
trilha sonora original do espetáculo a partir dos personagens e da ambientação sonora das
cenas).
Quanto à variável voz, identificam-se, nesse estudo, resultados decorrentes das
análises sobre a capacidade de percepção do universo sonoro do espetáculo pelo público de
crianças quanto à criação e uso da voz pelos atores, seja na performance vocal com os
personagens cantando, falando, ou no processo de construção mais amplo da sonoridade das
cenas.
Figura 3: Resultados do questionário aplicado às crianças após o espetáculo A Viagem de um Barquinho Fonte:
Elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada .

Apoiado nessa concepção, observa-se que a variável história (a ideia, o texto) veio, a
partir da forma de urdimento das questões submetidas ao público, embasar o processo de
análise quanto a nível de compreensão das crianças. Essa variável conseguiu ainda evidenciar
as correlações existentes entre as outras variáveis selecionadas a partir do desejo de discutir,
compreender e comprovar se, de fato, o objetivo foi alcançado nesse estudo. Assim posto,
cabe elencar algumas questões que indagaram sobre a essência da história, como: os desejos
dos personagens Menino e Barco; as relações afetivas entres os personagens; as relações
entre liberdade e poder; o sentido de real e de fantasia; o nível de entendimento e a forma de
abordagem de questões polêmicas da vida pela autora, além de outras.
Nessa compreensão, a análise geral dos dados apurados aqui acena para a evidência de
que, segundo a opinião do público, o espetáculo foi divertido, o texto agradou e a
performance dos atores conseguiu prender suas atenções. No entanto, aprofundar a discussão
dos resultados sempre é uma forma de reforçá-los e garantir confirmações desejadas pela
pesquisa.

Figura 4: Público durante o espetáculo A Viagem de um Barquinho.


Foto: Wagner Melo.

Discussão
A partir do exposto, elegeu-se buscar apoio em uma análise mais contundente deste
estudo, logo, embasar seus resultados em teorias de análise do espetáculo desenvolvidas por
teóricos, como Pavis (2010), por defender que, para se desenvolver uma análise de
espetáculo, é fundamental examinar criticamente todo o seu processo de feitura, ou seja, sua
lógica de criação, tudo que pode defini-lo enquanto obra de arte, como: seus ajuntamentos,
dados e a sua própria estrutura. Posto isso, analisá-lo enquanto fenômeno, de modo que possa
identificar: o que é o espetáculo? quem o faz? quem assiste? Portanto, para atender o que
defende Pavis (2010), foram escolhidas para essa pesquisa variáveis (elementos) como o
texto (a história), os elementos visuais e sonoros (encenação), a performance dos atores
(técnica de Microatuação) e o público-alvo (a recepção).
Acredita-se que o objeto desse estudo pode apresentar formas e conteúdos
diferenciados, em outros processos de criação de cidades brasileiras convertidas em polos de
teatro profissional e amador, mesmo as dos grandes centros produtores, como São Paulo e
Rio de Janeiro, até os que apresentam crescente volume de produção, como Porto Alegre,
Belo Horizonte, Curitiba, Recife e Fortaleza, ou os que contam ainda com poucos núcleos
profissionais.
Contudo, os resultados dessa pesquisa permitiu ainda que se tomasse por base uma
das características significativas, relativas ao elenco de atores envolvidos, a sua
heterogeneidade, e, desse modo, perceber que essa consegue carrear uma infinidade de novas
variáveis importantes capazes de definir ou não a eficácia de um experimento, especialmente
um que investiga novas tecnologias de composição para a cena.
De acordo com a visão de Pavis (2010) sobre teorias do fenômeno teatral, o que de
fato tem valor na análise de um espetáculo é o processo de interação, ou seja, o resultado
final oferecido ao público, a experiência pessoal que cada receptor obteve, sua relação com a
representação. Desse modo, o que mais importa é saber que a relação com o espetáculo se dá
a partir da vivência presencial com o assunto (o efêmero) e não apenas por meio de
reconstituição do espetáculo em documentos e registros, como filmes, fotografias e
entrevistas. Portanto, embora todo esse processo de intervenção tenha sido registrado em
imagens em vídeo e foto, foram os registros diários, escritos, além de discussões e debates
que deram suporte a esta tese.
Coube ainda nesse processo de análise tratar sobre a recepção e, para tanto, valeu
revisar Pavis (2010), quando elenca duas questões que julga essenciais para uma análise
desse receptor as abordagens psicológica, psicanalítica e sociológica, importantes para
compreender: a recepção desse espectador enquanto indivíduo inserido no público.
O público foi o referencial escolhido por esse objeto de estudo para avaliar o resultado
da performance de atores treinados por meio da técnica de Microatuação com texto teatral A
Viagem de Um Barquinho, de Sylvia Orthof. Entretanto, entende-se quando Pavis (2010)
defende que é necessário ter consciência de que o público, diante da representação, vivencia
duas situações, dois mundos: um proposto pela ficção e outro o qual ele vive. É fundamental
perceber que, nesse momento do ato, ocorre uma ilusão mimética que leva esse receptor
oscilar entre esses dois espaços. Por conta disso, o autor alerta que, no fazer artístico, não
cabe reflexos do cotidiano. Essa é também a concepção oriental da arte, um artifício, uma
releitura desse cotidiano, uma estilização desse real.
A partir dessa compreensão, o teatro se faz ao vivo, é efêmero, feito por gente e difícil
de ser avaliado. Assim, como poderia existir um método correto de análise de espetáculo?
Como não considerar que assistir a uma apresentação teatral trata-se de uma experiência
única? Como, também, relatá-lo de forma correta, ideal? Contudo, vale ressaltar a sua
eficácia. No entanto, vale reconhecer a importância da análise de cada enfoque e elementos
que compõem um espetáculo a exemplo de alguns gestos, olhares e ações presentes na
atuação, mesmo que de difícil descrição, por serem, geralmente, de difícil percepção (PAVIS,
2010).
Portanto, como já vem sendo exposto ao longo desse estudo, a pesquisa lançou mão
de questionários que pudessem levar a identificar as características gerais da encenação,
cenografia, sistema de iluminação, objetos, figurinos, maquiagens, máscaras, performance
dos atores, função da música, texto, espectador. Dentre esses, considerou-se como elementos
materiais da representação o figurino, a maquiagem, adereços, a iluminação e a cenografia,
que, juntamente com o ator, podem preencher e constituir o espaço da cena.
Apoiado no roteiro de análise de espetáculos sugerido pela pesquisadora Betti (2005),
algumas questões foram destacadas nesta análise, como: o perfil do público-alvo (no caso
deste estudo 50 crianças com faixa etária entre 10 e 12 anos); e a natureza do espaço físico da
encenação (Teatro Joaquim Cardozo – teatro convencional à italiana que possui separação
usual entre palco e plateia), que exigiu atenção quanto às relações construídas entre o plano
da encenação e esse público.
Dessa forma, resultou em uma encenação concebida no palco da seguinte forma:
apenas três entradas de personagens ocorreram pela plateia (como estratégia para solução do
espaço limitado das coxias do teatro); como também, uma das cenas (viagem da Lavadeira e
do Menino à procura do Barco) possibilitou uma interação mais física entre atores e público,
ao mesmo tempo serviu como estratégia para solucionar tecnicamente a dificuldade de tempo
necessário para a mudança de figurino de duos personagens.
Com base na pragmática, a concepção cênica deste trabalho buscou incessantemente a
construção de sentidos. Assim, incluiu no contexto visual um cenário simbólico, concebido
de modo a figurar metaforicamente a atmosfera necessária à peça. A concepção sugeriu um
lugar constituído com a predominância da cor branca: um linóleo branco no piso e múltiplos
varais com lençóis, criando um campo visual abstrato, remetendo a uma folha de papel em
branco. Os drapeados dos lençóis deveriam sugerir as ondas do mar. Objetos de cena foram
utilizados pela personagem Lavadeira – bacia de lavar roupa e prendedores de roupa. O
espaço cênico sugeriu diferentes localizações espaciais.
O tempo ao qual a narrativa da peça remetia é específico e cronológico, e, assim, a
iluminação cênica desempenhou funções na recriação cênica do espaço (delimitando áreas
espaciais diferenciadas) ou do tempo (diferenciando, por exemplo, o tempo do passado e o do
presente), operando transformações cromáticas e delimitações de espaços.
Figura 5: Cena do espetáculo A Viagem de um Barquinho.
Foto: Wagner Melo.

A iluminação cênica defendeu, ainda, um faz-de-conta, como tudo que envolve a


trama da peça, pretendendo ser um suplemento poético texto/encenação, ou seja, diante de
uma folha de papel em branco a luz derramava-se como água sobre o cenário e os atores.
Seguindo a estrutura das pinturas muito diluídas (aguadas), as luzes mancham as cenas com
predominância de azul e verde com pinceladas de laranja, ouro e prata.
O figurino possui caráter simbólico, lúdico, optando por uma variedade de cores, de
modo que sugira terem sido elaborados por crianças ou brincantes (artistas populares do
nordeste). As cores utilizadas e os modelos sugerem características específicas dos
personagens. Foram concebidos e combinados a partir de uma proposta reciclável, de
aproveitamento de roupas usadas, como ocorre com a tendência dos jovens no Japão.
Também trouxe influência das tradições e folguedos populares, das manifestações populares,
como reisado, maracatu, caboclinhos e outros.
O universo ou contexto sonoro incluiu uma trilha musical original com a função,
dentro da narrativa da trama, de um mergulho no suposto mundo adulto da criança sem a
unanimidade das velhas cantigas de roda com harmonias e elementos facilitados. Um
mergulho no lúdico, embora com melodias ora facilitadas e ora desafiadoras.
O texto foi resultado do trabalho individual de Sylvia Orthof, possui uma narrativa
baseada no desenvolvimento de uma linha de ação, ou seja, em ações praticadas pelos
personagens. A estrutura formal do enredo sugere uma estética dramatúrgica predominante
expressionista. Entre os personagens existem indivíduos dotados de uma psicologia
particularizada e outras figuras de caráter genérico. A representação delas é desenvolvida de
forma estilizada, o que permite que sejam mais atraentes para a criança.
Procurou-se não reproduzir padrões tradicionais e optar por constituir uma nova
leitura do texto por meio da sua atualização e contextualização da realidade dos indivíduos
envolvidos no processo (atores e público), promovendo uma maior identificação e
consequentemente maior interação. Elegeu-se fazer uma releitura motivada por um tema
bastante contemporâneo e presente no texto, a saber: a liberdade, o direito de ir e vir, o direito
de escolhas e as responsabilidades decorrentes dessas.
O processo de composição estética do texto optou por realçar alguns elementos da
crítica social que considera urgente a ser encarado, como a importância pelo respeito às
diferenças individuais, à liberdade de escolha dos indivíduos que se encontram presentes na
encenação. Exemplificando, temos a concepção dos elementos visuais como um todo
(figurinos, adereços, cenários), que fogem completamente de uma forma tradicional,
dialogando com a natureza do texto, quando define, por exemplo, o sol cor-de-rosa e não
amarelo ou laranja ou dourado.
A recepção do espetáculo por parte da crítica do público de crianças ressaltou que o
espetáculo foi engraçado, divertido, inteligente, colorido e bom de assistir. Ressaltaram,
especialmente, uma afinidade com os personagens: Menino, Lavadeira, Sol, Barco e Fada
Princesa.
Com base nos dados obtidos, da aplicabilidade da técnica de Microatuação no
processo de treinamento de atores, foi possível avaliar e identificar resultados significativos
da pesquisa. Nessa compreensão, vale ressaltar ainda que as avaliações derivaram-se dos
processos vivenciados com os atores e, de maneira especial, da recepção do público diante do
resultado final: o espetáculo A Viagem de um Barquinho, de Sylvia Orthof.
Diante disso e abalizada pelas três variáveis (texto; performance dos atores e técnica
de Microatuação), foi possível evidenciar os saldos da pesquisa obtidos através dos atores e
público antes, durante e após a apresentação do espetáculo para o grupo de crianças.
Com base nos depoimentos dos atores, ficou evidenciado que o treinamento com a
Microatuação proporcionou uma evolução em suas performances, segundo eles,
representando mais uma oportunidade para se testarem e afirmarem suas aptidões
profissionais. Além disso, concluíram que a Microatuação pode sim ser percebida pelo
público através da qualidade das performances dos atores na cena.
Entretanto, foi imprescindível, na avaliação, levar em consideração também a
compreensão dos atores no que diz respeito à primazia do texto selecionado e trabalhado por
eles. Posto dessa forma, coube considerar que o elenco se impressionou com o fato do texto
conseguir surpreender não só o público de criança mas também o público adulto de
acompanhantes e responsáveis pelas crianças.
No entanto, testemunhou-se um fato envolvendo o texto selecionado e alguns atores:
esses não apostavam na capacidade do texto prender a atenção e ser bem aceito por um
público com faixa etária entre 10 e 12 anos. Diante disso, vale informar que os citados atores
descrentes eram os que tinham formação em teatro e, mais ainda, experiência com arte-
educação e em produções dirigidas à infância. Contudo, ao serem indagados, tiveram
dificuldade de sugerir uma faixa etária que julgassem mais adequada ao texto.
A partir do exposto, foi discutida e concluída dentro do grupo a evidência que mostra
que o nível de apreensão do texto por parte do público não dependeu tanto da adequação à
faixa etária mas, notadamente, esteve muito mais vinculado às escolhas estéticas e éticas da
sua composição na cena.
Portanto, diante do proposto “analisar os resultados da aplicabilidade de uma nova
técnica (Microatuação) em um processo de composição de cena, com base na opinião dos
atores e da receptividade de um público de crianças” e com base nas análises dos resultados
da pesquisa, o estudo respondeu ao seu objetivo.

Conclusão
Contudo, cabe inicialmente esclarecer que a experiência aqui descrita teve algumas
alterações quando comparada à arquitetura da técnica de Microatuação sistematizada por
Silvia Davini (2002) que trabalhava com cenas-chaves ou trechos de textos clássicos.
Enquanto que nesse processo de composição, a opção foi feita por um texto completo e, pela
primeira vez, dirigido à criança.
Conclui-se ainda que um dos maiores desafios do elenco, especialmente dos atores
mais experientes, foi o confronto e a resistência aos novos procedimentos. No entanto, em
seus depoimentos ao final do processo afirmaram que o treinamento possibilitou-lhes a
consciência da importância do intérprete dominar as ideias e as construções de sentido do
texto. Principalmente poder ter controle sobre sua performance na cena. Segundo eles, isso
significou um dos maiores desafios e ao mesmo tempo avanço.

Referências
BETTI, M. S. Roteiro para a análise de espetáculos. São Paulo, 2004. Disponível em:
<http://movimentosdoteatro.blogspot.com.br/2005/10/roteiro-para-analise-de-
espetáculos.html>. Acesso em: 20 mar.2015.

DAVINI, S. 2002. Vocalidade e Cena: Tecnologias de Treinamentos e Controle de


Ensaio. Revista Folhetim - Teatro do Pequeno Gesto, 15: pp 58-73. Rio de Janeiro: Rioarte.

DUCROT, O. s/d. Princípios de semântica lingüística: dizer e não dizer. São Paulo:
Cultrix.
GRICE, HP. 1982. Lógica e conversação.

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