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Programa de Pós Graduação em Dança da Escola de Dança da UFBA

Salvador, 18 de setembro de 2022


Doutorado em Dança
Professora: Dr.ª Cristina Fernandes Rosa
Discente: Roberto Basílio Fialho
Orientadora: Dr.ª Daniela Bemfica Guimarães

Atividade final – Módulo Cristina Fernandes Rosa

O objetivo desta escrita, neste momento, é apresentar a videodança como um


possível campo de estudo sobre a práxis cenográfica. A videodança é um tipo de
arte contemporânea intermidiática e seu fazer artístico é mediado por Dança e
Linguagem Audiovisual. Nos situamos no campo dos estudos sobre os Elementos
Visuais da Cena, pois, nos interessa compreender a importância do espaço
cenográfico para os estudos do corpo e principalmente da cena. O que se pretende
é estruturar um pensamento crítico que de conta de explicar a relação entre espaço
cênico, corpo que dança, linguagem audiovisual e o papel da cenografia neste
contexto. Nossas observações iniciais partem da seleção de três obras produzidas
na relação de dança com o audiovisual nos anos de 2020 e 2021, período de
isolamento e distanciamento social necessários à contenção da Covid-19, mais
adiante apresento os títulos das obras.
O espaço cênico, nesta pesquisa, é entendido como um elemento visual
inerente e indissociável à dança porque compõe a cena enquanto imagem e ação.
Então, consideremos que todo espaço que abriga a dança, no momento do seu
acontecimento, ele torna-se um espaço cênico, mesmo que seja por um instante
efêmero; mesmo que a dança esteja deslocada do espaço idealizado para sua
apresentação; mesmo que não haja um cenógrafo por trás da concepção
espacial/visual de algumas danças, o espaço cênico se impõe porque ele está
presente quando se dança, dança é o corpo se movendo no tempo/espaço.
Um dos principais pressupostos desta pesquisa é sobre espaço que vemos
na tela quando assistimos a uma videodança, ser, um espaço em que podemos
praticar a cenografia. Trata-se de um espaço cenográfico completamente
contaminado pelo meio do ambiente audiovisual, como um sistema aberto, mas que
pode ser investigado como um dos Elementos Visuais da Cena na videodança.
Cenografia, figurino, maquiagem e iluminação cênica formam o campo da
práxis nos Elementos Visuais da Cena, uma ampla e diversificada área em
pesquisas que se dedicam ao estudo da construção da imagem cênica. Esses
elementos visuais são estruturados e desenvolvidos em práticas para finalidades
completamente distintas, mas que, em cena, se correlacionam e geram sentidos e
significados na cena; são responsáveis por produzir designe, expressividade,
estética, identidade, dramaturgia e a tudo que está presente na imagem. A cena é
uma construção visual/espacial/cenográfica relacionada também ao corpo em
movimento e que esses movimentos se relacionam tanto com o espaço cênico,
quanto com a lente da câmera.
Para pensarmos nesta proposta de cenografia contemporânea em
videodança, partimos de alguns pressupostos históricos, o primeiro é: a videodança
é uma forma de arte expressiva configurada a partir de desdobramentos e
convergências do encontro da Dança com o Cinema no final do século XIX e início
do século XX; Outro momento é à década de 1960, período de vanguardas, rupturas
e transgressão nas artes estadunidense, período também em que foram introduzidos
novos valores estéticos na cultura e na sociedade de uma maneira geral. O
desenvolvimento da videodança, enquanto produto estético, ocorreu nas décadas de
1970 e 1980 quando seus valores estéticos passam a serem reconhecidos e
também o acesso e barateamento de câmeras filmadoras portáteis.
Naturalmente a cenografia hoje é um campo híbrido de pesquisas e práticas
que se atualiza permanentemente a cada nova cena que se apresenta ao mundo;
envolve distintas áreas do conhecimento que se correlacionam como: arquitetura,
espacialidades, artes visuais, história, dança, teatro, circo, performance, instalação
artística, paisagem, iluminação, cinema, tecnologia, figurino, maquiagem,
comunicação, escultura, música, pintura, literatura e designe – só para citar algumas
áreas distintas – e se dirige a um amplo público que não se restringe a somente aos
frequentadores dos circuitos das artes.
No atual panorama das artes, temos expressões como: instalação,
videoinstalação, art land, intervenção urbana, site specific, artes híbridas, dança
telemática, obras imersivas, artes expandidas e espaços alternativos em todos estes
exemplos o espaço é um dos protagonistas em sua concepção, mas observe que,
todas irão demandar um tipo diferente de abordagem cenográfica com atenção
específica às suas necessidades e problemáticas espaciais no sentido de organizar,
construir, reformar, adaptar ou um tipo de necessidade específica que se impõe nas
artes da cena que é: a cenografia pensar o espaço enquanto acontecimento artístico
e imagem técnica, o pensamento cenográfico se instaura nestas possibilidades
elásticas, híbridas e expandidas.
De forma bem pessoal, percebo que todo videodança gera um tipo de leitura
visual dramaturgia, mas ainda não sei explicar. Acredito que isso tem relação com
as qualidades visuais produzidas na interação entre corpo e câmera no
momento/espaço em que as imagens foram captadas
O espaço em que acontece uma dança presencial, é muito diferente do
espaço que a lente da câmera recorta no ambiente e do espaço cênico que
visualizamos na obra como resultado. Parece que há uma sobreposição de três
perspectivas sobre espacialidade: o espaço físico com suas especificidades
arquiteturais e/ou geográficas; espaço que o angulo da câmera recorta; o espaço
que percebemos na obra finalizada. São camadas de processos técnicos entre
dança e audiovisual necessárias para organizar/produzir a cena, a imagem e pensar
este espaço é pensar a cenografia e sua relação com a construção da imagem e da
corporalidade na videodança.
O espaço cênico que vemos nas telas durante a videodança é uma parte
importante das qualidades visuais da imagem e é uma possibilidade de pensarmos a
cenografia contemporânea na interface da dança com o audiovisual; a cenografia é
essencial para as artes da imagem, da cena e do corpo e porque não seria para a
videodança? a videodança demanda um pensamento cenográfico que seja coerente
com a sua prática, assim como também de profissionais da cenografia que transite
intimamente entre a Dança e o Audiovisual.
Como objetos desta investigação, três obras já estão selecionadas, mas a
pretensão é ampliar o corpus, incluindo outras. A primeira obra selecionada é uma
das videodanças intitulada “Vamos para Costa?”, realizada pela produção do “Online
Festival de Dança Itacaré 2021”. Na obra é interessante ver como os dançarinos se
relacionam com o espaço cênico, uma paisagem litorânea em que um jogo entre
corpos e cordas estruturam a dramaturgia da obra.
A segunda obra selecionada é uma produção do BTCA 1, chamada “A cidade
que habita em mim” (2021). O filme foi realizado no formato de longa-metragem para

1
Esta é uma forma abreviada e popular para indicar o corpo de dança estável do Teatro Castro Alves,
ou seja, o Balé do Teatro Castro Alves.
o cinema e traz situações que remetem ao cotidiano da cidade de Salvador, mais
especificamente à memória da cidade impregnada naqueles corpos. O filme aborda
a cidade como local/cenário de sonhos, devaneios, corporalidades, historicidades,
religiosidades, urbanidade, realidades e diversidade, a partir das memórias e
experiências vividas por aqueles corpos. São danças que transitam entre o cotidiano
da companhia e a individualidade dos corpos, em imagens que só o audiovisual é
capaz de produzir, por conta dos ângulos, trajetos e recortes. Trata-se de uma obra
coreográfica e documental que celebra os quarenta anos de atividades ininterruptas
do grupo e a volta ao ofício, o dançar junto, coletivamente, num momento incerto
sobre o final da pandemia.
A terceira obra se chama “RESTO no tempo, no silêncio, na escuta”. Trata-se
de uma obra coreográfica que aconteceu no dia 8 de dezembro de 2021, por meio
da plataforma Zoom. Conforme relato da coreógrafa dessa obra, Daniela Guimarães
(que também é orientadora desta pesquisa), a obra foi pensada como solução de
criação de uma obra de dança no momento pandêmico. Essa obra foi realizada por
dezesseis dançarinos de várias cidades brasileiras, mas cada um deles estava em
sua casa e de lá enviavam imagens que eram selecionas durante os quarenta
minutos em que acontecia a obra. Sem nunca deixar apenas um dançarino em
destaque, a edição selecionava duplas, trios, quartetos ou o grupo inteiro e, assim, a
obra ia acontecendo. Como foi uma obra produzida para ser vista em tempo real 2,
todos os dançarinos estavam atuando durante todo o tempo de quarenta minutos, e
a edição fazia a composição da obra ao selecionar a cena que foi mostrada. Sobre
essa obra foi importante saber que, durante os ensaios, os próprios dançarinos
escolheram em que ângulo suas câmeras iriam se posicionar para mostrar o espaço
cenográfico, conformado a partir de suas próprias residências. Para organizar essa
obra no tempo e espaço, a coreógrafa propôs aos dançarinos transformarem suas
casas num set3 de filmagem. Ela também explica que os artistas já tinham câmera
filmadoras e que, em uma das casas, havia seis aparelhos celulares em transmissão
simultânea. Ao todo, foram usadas, simultaneamente, quarenta e oito câmeras. A
edição da seleção das cenas que foram ao ar também foi feita em tempo real. Então,
os espaços cenográficos das casas eram as salas, cozinhas, corredores, banheiros

2
Tempo em que a obra é realizada.
3
Ambiente específico preparado e produzido para que aconteçam filmagens cinematográficas ou
videográficas.
e quartos, e os ensaios servia mais para buscar uma luz cinematográfica e o
posicionamento do ângulo de captura das imagens.
Nestas três obras o espaço cenográfico tem um papel importante na
concepção do corpo, da dança e da dramaturgia presente na obra. Elas foram
selecionadas para o corpus de pesquisa por apresentarem tipos de espaços
possíveis para a criação em dança, no momento em que a Organização Mundial de
Saúde recomendou o distanciamento/isolamento social por causa da pandemia da
Covid-19. Os espaços que aparecem nestas obras são: a paisagem com ênfase na
natureza ao ar livre; a cidade com máscaras e tensões próprias da urbanidade; a
casa como um lugar de particularidades e intimidade.
É prioridade deste projeto de Dança refletir sobre as relações entre espaço
cenográfico, dramaturgia, o corpo e audiovisual para propormos estratégias de
compreensão sobre a cenografia em obras de videodança.
Neste momento não tenho muitas certezas, mas me desloco da premissa de
que é por meio de um entendimento específico de dramaturgia como um possível
modo de organizar a cena em videodança poderá dar sentido ao espaço cênico para
nossa compreensão de cenografia. As configurações que surgem da relação da
dança com o audiovisual são processos de uma dança expandida, em que corpo e
ambiente estão co-implicados – é a partir dessa co-implicação, então, que propomos
pensar a dramaturgia. (2012, p.16), “trata-se de um entendimento de Dramaturgia
revisitado e expandido pelos pressupostos contemporâneos de corpo, tempo e
espaço, que se articulam pelas novas ações no mundo e na cena” Guimarães (2012,
p.16).

Bibliografia

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Dança em foco: ensaios contemporâneos de videodança. Rio de Janeiro:
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VIDEODANÇA

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