Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Este artigo é parte de trabalho de conclusão de curso da Licenciatura em Teatro do Instituto Federal
Fluminense e tem como objetivo refletir sobre as relações entre fotografia e teatro, bem como as
potencialidades da fotografia da cena para o ensino do teatro. Investigando sua contribuição para
ressignificação de tempo, espaços, espetáculos e sua coautoralidade nas narrativas e estética nas artes
da cena e presenciais. Como metodologia fez-se uma pesquisa qualitativa, buscando uma interlocução
entre bibliografia sobre o tema e entrevistas semiestruturadas com fotógrafos de espetáculos. Através
deste estudo, conseguimos perceber a carência de pesquisas sobre a importância da fotografia de cena
para o teatro e o seu ensino, que vai além do registro de espetáculos, construção de acervos no campo
da iconografia teatral, podendo contribuir ainda em diversas metodologias para o ensino do teatro,
jogos, criação de partituras corporais, construção de cenas, estudos de narrativas e conceitos estéticos.
Palavras-chave: Fotografia da cena. Registro de espetáculos. Ensino da arte.
Introdução
De todas as artes, o teatro é a mais efêmera. Ao cair o pano ele morre, ou
melhor aquilo que foi representado morre. Flor do nó que desabrocha e logo
fenece, canto da cigarra, o estado do teatro é ephemeros, apenas por um dia,
desde as antiguidades teatrais. E nós, seus atores, estamos no fluxo dessa
cena constante de epifanias e desaparições, no fluxo desse êxtase e desse
luto, desse personagem que surge e some. Insetos do Gênero Ephemera
vivem apenas poucas horas. A vida é breve, curta ephemeres - Francisco
Carlos3 (PINHEIRO, 2016, p.21).
As artes da cena4, principalmente a teatral são tão antigas quanto a própria história da
humanidade, mas sempre foram marcadas pela efemeridade do espetáculo e da ação corporal
ao vivo em tempo espaço presente. Por isso, o registro da obra sempre foi um grande
problema ao longo da história da arte do espetáculo, que dificulta inclusive o entendimento
conceitual epistemológico e o ensino do teatro. Sendo o espetáculo efêmero, ficava apenas na
1
Discente da Licenciatura em Teatro do Instituto Federal Fluminense. Professora da SEEDUC/RJ, Licenciada
em Biologia, Licencianda em Teatro, Especialista em Metodologia do Ensino Fundamental – Comunicação e
Artes, Especialista em Educação Ambiental e Pós-graduanda em Ensino de Artes Visuais e Tecnologias
Contemporâneas.. E-mail: sabrina.fiocruz@gmail.com
2
Docente da Licenciatura em Teatro do Instituto Federal Fluminense, Mestre em Artes, Licenciada em Artes-
Teatro. Especialista em Dança e Consciência Corporal, Especialista em Cinema e Linguagem Audiovisual e em
Metodologia do Ensino Fundamental – Comunicação e Artes. E-mail monimesquita@yahoo.com.brr.
3
Texto do diretor e dramaturgo Francisco Carlos, publicado no prefácio do livro Fotografia de palco II de Lenise
Pinheiro. Edições Sesc, 2016.
4
Neste trabalho usaremos o termo “artes da cena” nos referindo especificamente ao teatro, dança e circo.
memória de quem esteve ali naquele fragmento de tempo. Destacamos aqui, as
particularidades de um relato ou registro de um processo no campo da arte5, onde um texto ou
relato escrito não consegue traduzir de forma fiel os signos perceptivos e a expressão estética
da obra ao vivo. As artes da cena e “presenciais” como é o caso do teatro, dança e circo são
efêmeras e possuem uma linguagem perceptiva própria através do corpo em presença. Para
Merleau-Ponty:
Na perspectiva das artes visuais, por exemplo, o homem sempre buscou essa
representação do mundo, ideias, sentimentos através das imagens, cores, formas e da
percepção visual. Mas, diferente das artes cênicas onde o suporte é o corpo em presença
efêmera, nas artes visuais existe uma materialidade, através do suporte, onde fica o registrado
um desenho, pintura, escultura, etc. Por isso, chegaram até nós registros visuais artísticos
primitivos tão antigos quanto a própria história humana. Inclusive, desenhos rudimentares de
cenas do cotidiano do homem pré-histórico e atividades artísticas da época, e até mesmo
cenas de danças e representações teatrais. Todavia, “dos rudimentares desenhos rupestres, aos
videoclipes e o bombardeio audiovisual exposto nas várias mídias atuais, muita coisa mudou”
(SOUZA, 2015, p. 2718).
Neste sentido, “na história da humanidade, as poéticas e todas as manifestações
humanas sempre fizeram uso de algum tipo de tecnologia, que antes de tudo é a
materialização de conhecimentos científicos de uma época” (SOGABE, 2002, p. 23). A luz
elétrica, o advento da fotografia e do cinema no final do século XIX e das novas tecnologias
digitais no século XXI alteraram significativamente todas as áreas de conhecimento inclusive
no campo da arte, influenciando o fazer teatral, a encenação e principalmente, a forma de
aprender e ensinar teatro, através de novas possibilidades, metodologias e uma pedagogia
própria. “A produção de novas tecnologias cria novas configurações no mundo natural e
social, ao mesmo tempo em que provoca essa incessante transformação no homem, no seu
corpo, no seu pensamento e na sua percepção” (SOGABE, 2002, p. 23).
5
Neste estudo grafa-se o termo ‘arte’ com letra minúscula quando se refere à área do conhecimento humano e
com letra maiúscula quando se referir à área enquanto componente curricular.
O presente trabalho tangencia o percurso e inquietudes em um curso de formação de
professores de arte, numa licenciatura em Teatro, partindo de uma prática fotográfica autoral,
baseada nas experiências cotidianas e registro de espetáculos do próprio curso. Logo,
tomamos como objeto de estudo as “potencialidades investigativas” e vivências. A
aproximação dessas experiências trouxeram vários questionamentos para além da análise e
reflexões sobre a participação do fotógrafo na construção do registro/criação, experimentação
perceptiva daquele fragmento de tempo e nos potenciais cognitivos-imagéticos. Podendo
contribuir até mesmo para possibilidades híbridas de “recriação” estéticas do espetáculo e
processos para o ensino do teatro contemporâneo sob a influência de novas estruturas de
narrativas dramatúrgicas e tecnológicas.
O grande desafio do encenador no teatro é transformar uma ideia que é uma imagem
mental, em ação física, para assim construir as possibilidades a proposta de encenação e uma
narrativa estética para a obra. Supondo que o acolhimento de narrativas é pessoal e
constituídas nas relações entre “lembranças, memórias, esquecimento e experiência,
centrando no sujeito da narração as possibilidades de reinvenção das dimensões subjetivas
da vida e do cotidiano, com ênfase nos testemunhos como um dos modos de narração e de
atos da memória” (OSTETTO, 2015, p. 02). Como podemos criar e ressignificar uma
partitura de ações físicas, individuais ou coletivas e extracotidianas a partir da imagem
fotográfica de captura de um fragmento de ações fisicalizadas aparentemente estáticas de
espetáculos?
Como se dá o processo de criação em arte? No teatro, especificamente, qual o papel da
fotografia da cena? Seria apenas um registro? Quais as relações entre fotografia e teatro?
Entre, o efêmero e o registro? Entre, a imagem real e registrada? Como a fotografia pode
interferir na construção e proposta de encenação do espetáculo teatral, dando outros
significados à narrativa?
Ao tratarmos do conceito moderno de “encenação” no teatro:
6
A autora cita a seguinte obra: SENELICK, Laurence. Early photography attempts to record performance
sequence. Theatre Research International, Cambridge, v. 22, n. 3, p. 255-264, 1997.
cena num diálogo, e não de maneira impositiva, entre os elementos plásticos, textuais e
sonoros inerentes a esta experiência cênica” (LIMA, 2010, p. 01). Ela cita como exemplo da
utilização da fotografia associada à criação teatral, os processos de coleta de material
físico/vocal para atores desenvolvido nos trabalhos do grupo Lume de Teatro 7 denominado
Mímesis Corpórea. Sobre essa proposta Renato Ferracini e Ana Cristina Colla, integrantes do
Lume, falam que o objetivo deste trabalho em rápidas palavras é “proporcionar uma
capacidade no ator de recriar uma ação física vocal observada no cotidiano”.
7
LUME - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da UNICAMP.
(CHIARADIA, 2008, p. 01). Os estudos da iconografia teatral incluem materiais midiáticos,
fotos dos atores, dos espaços teatrais, de figurinos, cenários, plateia, bastidores, e da
fotografia da cena que é o foco deste trabalho.
Para Figueiredo, durante muitos anos não era possível a existência de fotografia de
cena “do instante” propriamente dito, uma vez que “a sensibilidade dos materiais fotográficos
era pouco adaptável à penumbra típica dos palcos”. Desta forma, era praticamente impossível
para o fotógrafo captar a imagem e fazer o registro da cena nos palcos com uma boa qualidade
técnica e estética. O autor arrisca dividir a fotografia de cena em dois grupos: 1. fotografias
que registram situações de cena; e 2. fotografias que resultam de simulações de cena
(FIGUEIREDO, 2011, p. 87).
A investigação específica no campo da iconografia teatral, contudo, ainda não
produziu muitos estudos em que a fotografia de cena seja o objeto central; ela ainda aparece
timidamente, sendo que “as pesquisas que envolvem a fotografia de teatro, em geral, abordam
as primeiras fotografias de atores do século XIX e início do XX. Trata-se, então, muito mais
de retratos de estúdio, sendo poucas as imagens de cena no teatro” (CHIARADIA, 2011, p.
114).
A visualidade é algo tão importante para o teatro como para as artes plásticas. No
teatro, ela é parte significativa tanto dos processos de criação como das propostas cênicas ou
dos objetivos pedagógicos didáticos do artista. O encenador alemão Bertolt Brecht é exemplar
nesse sentido, pois sua obra tem uma intenção pedagógica. As fábulas e os quadros de cena
por ele criados “por intermédio de diversos recursos visuais como cartazes, projeções, cenas
congeladas provocam no público uma resposta” (KOUDELA & JÚNIOR, 2015, p. 114).
8
Emídio Luisi foi um dos fotógrafos entrevistados neste trabalho. Com mais de 40 anos de experiência, foi um
dos pioneiros na área e é um dos maiores nomes da fotografia de espetáculos no Brasil.
Diferente do espetáculo ao vivo, o enquadramento fotográfico determina um recorte
geométrico para a cena e direciona o olhar do espectador. O signo que a fotografia gera,
dependente, mas temporalmente autônomo do referente, é a materialização abstraída de uma
realidade construída, subvertida de sua totalidade temporal e espacial. Nesse processo, o que
era virtual torna-se real, “o signo construído se torna, materialmente, um testemunho; um
testemunho gerado e coconstruído pelo meio com suas especificidades” (GONÇALVES,
2013, p. 16).
A fotografia de cena possui uma singularidade própria, pois é a captação do momento
exato do espetáculo ao vivo, e muitas vezes tem uma enorme dificuldade técnica seja por
conta do movimento, características estéticas da obra ou uma iluminação mais escura. Na foto
abaixo, por exemplo, o fato de ter assistido anteriormente ao ensaio e ter tido acesso a
proposta estética de iluminação, figurinos e toda a visualidade da cena acabou ajudando na
hora de captar a cena do espetáculo.
Fig 1. Espetáculo “Não recomenDADAS” – Direção Mônica Mesquita –Campos dos Goytacazes – RJ
Fonte: Sabrina Aguiar (2019)
5. Considerações finais
Como podemos observar, a imagem e questões relativas à visualidade da cena são tão
importantes para o teatro quanto para as artes visuais, sendo essenciais para a proposta da
encenação cênica. Um fato que nos chamou atenção nesta pesquisa foi a carência de
referenciais teóricos tratando sobre essa temática no Brasil. Como pudemos constatar nos
estudos, a fotografia da cena, ou seja, a foto do instante que a cena acontece é algo
relativamente recente. Até algumas décadas atrás, muitas fotos de espetáculos na verdade
eram feitas de cenas posadas, de ensaios ou mesmo um ensaio ao ar livre devido a falta da
tecnologia da época e a baixa sensibilidade dos filmes para fotografar com a iluminação
cênica.
Em se tratando principalmente do âmbito escolar, a fotografia da cena quase não é
pesquisada, sendo necessário um estudo mais aprofundado sobre o assunto. A partir dos
estudos de referenciais teóricos percebemos que as fotos das apresentações nas escolas
costumam ser feitas de forma “amadora” por parentes, ou “comercial” por fotógrafos
profissionais contratados, que muitas vezes não tem conhecimento sobre teatro ou dança, por
exemplo. Por isso, as fotos não representam a estética ou narrativa da obra teatral, nem a
poética artística de um registro fotográfico mais elaborado.
Há certamente um imenso trabalho de pesquisa e difusão a ser feito sobre a temática,
principalmente no Brasil, sendo um campo híbrido entre as artes visuais e o teatro. A
fotografia da cena pode ser usada tanto para o registro visual do espetáculo contribuindo para
a área da história do teatro e da iconografia teatral, quanto para os jogos condutores do
próprio processo cênico e criação de outros espetáculos. Que por sua vez, poderão ser
fotografados e se tornarem outras ações cênicas. Assim, o presente trabalho contribuiu para as
reflexões entre fotografia e teatro, em busca de metodologias para o ensino e pensamento
sobre a visualidade poética singular da cena e do teatro a partir das fotografias autorais.
Salientamos ainda a importância deste tipo de estudo e trabalho para a iconografia
teatral. Um campo que envolve desde a organização de acervos a manutenção e registro de
novos trabalhos para garantir a preservação da memória e patrimônio histórico teatral. Sendo
essencial pensar nessa memória para o estudo do teatro hoje e no futuro como sendo um
campo vasto para o estudo e realização de novas pesquisas.
6. Referências Bibliográficas
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. 7ª ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira. 2018. p. 102.
BRECHT, Bertold. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
CHIARADIA, Maria Filomena. Um estudo de iconografia teatral: primeiros
apontamentos metodológicos. Cadernos Virtuais de Pesquisa em Artes Cênicas, n. 1, 2008.
_______. Novas perspectivas críticas para a história do teatro: abordagem à fotografia
de cena. Anais ABRACE, v. 9, n. 1, 2008.
________. Iconografia teatral: acervos fotográficos de Walter Pinto e Eugénio Salvador.
FUNARTE, 2011.
COLLA, A.C. e FERRACINI, R. Ator: um olhar poético para a imagem. Studium 21.
2005. Disponível em: encurtador.com.br/dorzG. Acesso em: 22 de janeiro de 2019.
DO ROSÁRIO, Cláudia Cerqueira. O lugar mítico da memória. Revista Morpheus-Estudos
Interdisciplinares em Memória Social, v. 1, n. 1, 2002.
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 6ª edição. Perspectiva, 2004.
FIGUEIREDO, Filipe. Reflexões sobre os primórdios da fotografia de teatro em Portugal.
Teatro e Imagens, p. 85-98, 2011.
GONÇALVES, Tatiana Fecchio (orgs.). Eu retrato, tu retratas: conjugações entre
fotografia, educação e arte. RJ: Wak editora. 2013.p. 164.
KOUDELA, Ingrid Dormien. JÚNIOR, José Simões de Almeida (orgs.). Léxico de
pedagogia do teatro. 1ª ed. São Paulo: Perspectiva: SP. Escola de Teatro. 2015. p.203.
LIMA, Joice Rodrigues de et al. A fotografia em diálogo com a criação teatral. 2010.
LUISI, Emidio. A arte da fotografia de espetáculo. 2ª ed. Balneário Camboriú, SC: Photos.
2013. p.160.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Martins Fontes, São Paulo,
1999.
OSTETTO, Luciana Esmeralda; KOLB-BERNARDES, Rosvita. Modos de falar de si: a
dimensão estética nas narrativas autobiográficas. Pro-Posições. v. 26. n. 1. 2015. p. 161-
178.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Tradução J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São
Paulo: Perspectiva, 2008.
PINHEIRO, Lenise. Fotografia de palco II. Edições Sesc, 2016.
ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: AMADO, Janaína & FERREIRA,
Marieta. (Coords.). Usos e abusos de história oral.Rio de Janeiro: FGV, 1998.
SOGABE, Milton. Arte e Mídia: por uma integração das linguagens. Arte e Cultura:
estudos interdisciplinares II. São Paulo: Annablume, 2002. p. 23-28.
SOUZA, M. C. M. Videodança: Metamorfoses de Linguagens do Movimento-Corporal
em Corpo-Movimento-Imagem. Anais do XXV CONFAEB – Congresso da Federação de
Arte Educadores do Brasil e III Congresso Internacional da Federação dos Arte/Educadores.
2015. Disponível em: encurtador.com.br/knyzP. Acesso em: 23 de janeiro de 2019.