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A FOTOGRAFIA NAS ARTES PRESENCIAIS

AGUIAR, Sabrina Soares 1


Licenciada em Teatro/Graduanda em Fotografia
sabrina.fiocruz@gmail.com

MESQUITA DE SOUZA, Mônica Cristina 2


Mestre em Artes
monimesquita@yahoo.com.br

RESUMO
Este trabalho tem como objetivo refletir sobre as relações entre a fotografia e o teatro,
bem como as potencialidades da fotografia da cena para o ensino do teatro. Investigando
sua contribuição para ressignificação de tempo-espaços, espetáculos e sua coautoralidade
nas narrativas e estética nas artes da cena e presenciais. Como metodologia fez-se uma
pesquisa qualitativa, buscando uma interlocução entre a bibliografia sobre o tema e
entrevistas semiestruturadas com fotógrafos de espetáculos. Através deste estudo,
conseguimos perceber a carência de pesquisas sobre a fotografia de cena no âmbito do
teatro e o seu ensino, e sua importância que vai além do registro da obra e iconografia
teatral, podendo contribuir ainda para a construção de metodologias para as práticas e
ensino do teatro, jogos, criação de partituras corporais, cenas, estudos de narrativas e
conceitos estéticos.

Palavras-chave: Fotografia da cena. Registro de espetáculos. Ensino da arte.

ABSTRACT
This work aims to reflect on the relationship between photography and theater, as well as
the potential of scene photography for teaching theater. Investigating his contribution to
the resignification of time-spaces, spectacles and his co-authorship in narratives and
aesthetics in the performing and presential arts. As a methodology, a qualitative research
was carried out, seeking a dialogue between the bibliography on the subject and
semi-structured interviews with photographers of shows. Through this study, we were
able to perceive the lack of research on scene photography in the field of theater and its
teaching, and its importance that goes beyond the recording of the work and theatrical
iconography, and may also contribute to the construction of methodologies for practices
and teaching theater, games, creating body scores, scenes, narrative studies and aesthetic
concepts.

Key-words: Photograph of the scene, Record of shows, Art teaching.

1
Licenciada em Teatro pelo Instituto Federal Fluminense. Professora da SEEDUC/RJ, Licenciada em
Biologia, Graduanda em Fotografia, Especialista em Metodologia do Ensino Fundamental – Comunicação
e Artes, Especialista em Educação Ambiental e Especialista em Ensino de Artes Visuais e Tecnologias
Contemporâneas.
2
Docente da Licenciatura em Teatro do Instituto Federal Fluminense, Mestre em Artes, Licenciada em
Artes-Teatro. Graduanda em Fotografia, Especialista em Dança e Consciência Corporal, Especialista em
Cinema e Linguagem Audiovisual e em Metodologia do Ensino Fundamental – Comunicação e Artes.

1
INTRODUÇÃO
De todas as artes, o teatro é a mais efêmera. Ao cair o pano ele morre,
ou melhor aquilo que foi representado morre. Flor do nó que
desabrocha e logo fenece, canto da cigarra, o estado do teatro é
ephemeros, apenas por um dia, desde as antiguidades teatrais. E nós,
seus atores, estamos no fluxo dessa cena constante de epifanias e
desaparições, no fluxo desse êxtase e desse luto, desse personagem que
surge e some. Insetos do Gênero Ephemera vivem apenas poucas horas.
A vida é breve, curta ephemeres - Francisco Carlos3 (PINHEIRO, 2016,
p.21).

As artes da cena 4, principalmente a teatral são tão antigas quanto a própria


história da humanidade, mas sempre foram marcadas pela efemeridade do espetáculo e
da ação corporal ao vivo em tempo espaço presente. Por isso, o registro da obra sempre
foi um grande problema ao longo da história da arte do espetáculo, que dificulta
inclusive o entendimento conceitual epistemológico e o ensino do teatro. Sendo o
espetáculo efêmero, ficava apenas na memória de quem esteve ali naquele fragmento de
tempo. Destacamos aqui, as particularidades de um relato ou registro de um processo no
campo da arte5, onde um texto ou relato escrito não consegue traduzir de forma fiel os
signos perceptivos e a expressão estética da obra ao vivo. As artes da cena e
“presenciais” como é o caso do teatro, dança e circo são efêmeras e possuem uma
linguagem perceptiva própria através do corpo em presença. Para Merleau-Ponty:

A expressão estética confere a existência em si àquilo que exprime,


instala-o na natureza como uma coisa percebida acessível a todos ou,
inversamente, arranca os próprios signos - a pessoa do ator, as cores e
a tela do pintor - de sua existência empírica e os arrebata para um
outro mundo (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 248).

Na perspectiva das artes visuais, por exemplo, o homem sempre buscou essa
representação do mundo, ideias, sentimentos através das imagens, cores, formas e da
percepção visual. Mas, diferente das artes cênicas onde o suporte é o corpo em presença
efêmera, nas artes visuais existe uma materialidade, através do suporte, onde fica o
registrado um desenho, pintura, escultura, etc. Por isso, chegaram até nós registros

3
Texto do diretor e dramaturgo Francisco Carlos, publicado no prefácio do livro Fotografia de palco II de
Lenise Pinheiro. Edições Sesc, 2016.
4
Neste trabalho usaremos o termo “artes da cena” nos referindo especificamente ao teatro, dança e circo.
5
Neste estudo grafa-se o termo ‘arte’ com letra minúscula quando se refere à área do conhecimento
humano e com letra maiúscula quando se referir à área enquanto componente curricular.

2
visuais artísticos primitivos tão antigos quanto a própria história humana. Inclusive,
desenhos rudimentares de cenas do cotidiano do homem pré-histórico e atividades
artísticas da época, e até mesmo cenas de danças e representações teatrais. Todavia,
“dos rudimentares desenhos rupestres, aos videoclipes e o bombardeio audiovisual
exposto nas várias mídias atuais, muita coisa mudou” (SOUZA, 2015, p. 2718).
Neste sentido, “na história da humanidade, as poéticas e todas as manifestações
humanas sempre fizeram uso de algum tipo de tecnologia, que antes de tudo é a
materialização de conhecimentos científicos de uma época” (SOGABE, 2002, p. 23). A
luz elétrica, o advento da fotografia e do cinema no final do século XIX e das novas
tecnologias digitais no século XXI alteraram significativamente todas as áreas de
conhecimento inclusive no campo da arte, influenciando o fazer teatral, a encenação e
principalmente, a forma de aprender e ensinar teatro, através de novas possibilidades,
metodologias e uma pedagogia própria. “A produção de novas tecnologias cria novas
configurações no mundo natural e social, ao mesmo tempo em que provoca essa
incessante transformação no homem, no seu corpo, no seu pensamento e na sua
percepção” (SOGABE, 2002, p. 23).
O presente trabalho tangencia o percurso e inquietudes em um curso de formação
de professores de arte, numa licenciatura em Teatro, partindo de uma prática fotográfica
autoral, baseada nas experiências cotidianas e registro de espetáculos do próprio curso.
Logo, tomamos como objeto de estudo as “potencialidades investigativas” e vivências. A
aproximação dessas experiências trouxeram vários questionamentos para além da análise
e reflexões sobre a participação do fotógrafo na construção do registro/criação,
experimentação perceptiva daquele fragmento de tempo e nos potenciais
cognitivos-imagéticos. Podendo contribuir até mesmo para possibilidades híbridas de
“recriação” estéticas do espetáculo e processos para o ensino do teatro contemporâneo
sob a influência de novas estruturas de narrativas dramatúrgicas e tecnológicas.
O grande desafio do encenador no teatro é transformar uma ideia que é uma
imagem mental, em ação física, para assim construir as possibilidades a proposta de
encenação e uma narrativa estética para a obra. Supondo que o acolhimento de narrativas
é pessoal e constituídas nas relações entre “lembranças, memórias, esquecimento e
experiência, centrando no sujeito da narração as possibilidades de reinvenção das

3
dimensões subjetivas da vida e do cotidiano, com ênfase nos testemunhos como um dos
modos de narração e de atos da memória” (OSTETTO, 2015, p. 02). Como podemos criar
e ressignificar uma partitura de ações físicas, individuais ou coletivas e
extracotidianas a partir da imagem fotográfica de captura de um fragmento de ações
fisicalizadas aparentemente estáticas de espetáculos?
Como se dá o processo de criação em arte? No teatro, especificamente, qual o
papel da fotografia da cena? Seria apenas um registro? Quais as relações entre fotografia
e teatro? Entre, o efêmero e o registro? Entre, a imagem real e registrada? Como a
fotografia pode interferir na construção e proposta de encenação do espetáculo teatral,
dando outros significados à narrativa?
Ao tratarmos do conceito moderno de “encenação” no teatro:
Numa ampla acepção, o termo encenação designa o conjunto dos meios
de interpretação cênica: cenário, iluminação, música e atuação [...].
Numa acepção estreita, o termo encenação designa a atividade que
consiste no arranjo, num certo tempo e num certo espaço de atuação,
dos diferentes elementos de interpretação cênica de uma obra dramática
(1955: 7). (A. VEINSTEIN apud PAVIS, 2008, p. 122).

A encenação teatral envolve, portanto, vários elementos estéticos, inclusive


imagéticos, sendo que um dos aspectos fundamentais na proposta de encenação teatral é
como transformar em ações físicas, uma imagem que a priori está na imaginação do
diretor ou do ator. O presente trabalho buscou refletir sobre as relações entre a fotografia
e o teatro, especificamente nas potencialidades da fotografia da cena para o ensino do
teatro, a partir do estudo da fotografia da cena e suas relações com a encenação, narrativa
e montagem teatral. Ao tratar sobre as especificidades da fotografia de teatro, Patrice
Pavis aponta que esta “é uma imagem de uma imagem: deve captar uma realidade que j
á é representação e imagem de algo: de uma personagem, de uma situação, de uma
atmosfera” (PAVIS, 2008, p. 176)
A pesquisa teve uma abordagem qualitativa, tendo por embasamento teórico
prático. Inicialmente, buscamos referenciais teóricos sobre a temática “fotografia da
cena” e suas possíveis contribuições com o ensino de teatro. Também, entrevistamos dois
renomados fotógrafos de espetáculos, fizemos observação em campo, a partir do
acompanhamento dos ensaios e dos processos cênicos. E, finalmente, a organização e
seleção dos registros fotográficos feitos pela pesquisadora de alguns trabalhos cênicos e

4
espetáculos apresentados pelos alunos do curso Licenciatura em Teatro do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense), em Campos dos
Goytacazes/RJ.

2. MINEMOSINE: A MEMÓRIA COMO CONDUTORA DOS PROCESSOS


CRIATIVOS EM ARTE

Na mitologia “a deusa Mnemosine era a personificação da ‘Memória’, irmã de


Cronos e Oceanos, a mãe das Musas. Ela é omnisciente: segundo Hesíodo (Teogonia, 32,
38), ela sabe ‘tudo aquilo que foi, tudo aquilo que é, tudo aquilo que será” (ELIADE,
2004, p. 86). O lugar mítico da memória, desde a antiguidade é o lugar é lugar da
imortalidade em “Platão, o conhecimento é compreendido como reminiscência: é o amor
do belo que desperta na alma as lembranças do conhecimento das ideias perfeitas,
obscurecidas pela encarnação” (DO ROSÁRIO, 2002, p. 03).
“Memória”, no sentido primeiro da expressão, é a presença do passado. Entretanto,
na perspectiva de Henry Rousso, seu atributo mais imediato é garantir a continuidade do
tempo e “permitir resistir à alteridade, ao ‘tempo que muda’, as rupturas que são o destino
de toda vida humana; em suma, ela constitui – eis uma banalidade – um elemento
essencial da identidade, da percepção de si e dos outros” (ROUSSO, 1996, p. 94).
Mas como podemos guardar e registrar a memória? Em algumas culturas,
acreditava-se que ao fotografar uma pessoa se roubava parte da sua alma. Talvez, não da
alma, mas um fragmento do tempo com certeza, sim. Ou seja, questionar a fragilidade da
vida humana, da memória, do esquecimento, do efêmero do momento, do fragmento do
tempo, da ruptura e da memória perceptiva visual. Será que podemos aprisionar ou
registrar a memória e o tempo?

3. RELAÇÕES ENTRE FOTOGRAFIA E TEATRO

“A primeira aproximação entre a fotografia e o teatro encontra-se nas imagens de


atores captadas em meados do século XIX e início do XX (CHIARADIA (2011, p. 01). A

5
mesma autora cita a obra de Laurence Senelick 6 que discute a teatralidade desses
retratos e oferece interessantes informações históricas sobre sua produção e circulação; a
estreita relação entre fotógrafos e atores em seu aspecto comercial e os efeitos dessa
produção fotográfica na sociedade da época. Analisa as produções fotográficas além de
seu valor documental, de memória, examinando-as também como trabalhos de arte.
Não apenas como registro documental, a associação entre a imagem e o teatro, ou
a utilização especificamente da fotografia para a construção de cenas, narrativas,
estruturas dramáticas ou mesmo proposta de encenação teatral é um recurso que vem
sendo usado por alguns encenadores, com os mais diversos objetivos. Bertolt Brecht no
livro “Estudos do Teatro” ao tratar sobre as inovações estéticas propostas por ele no
espetáculo “Mahagony” nos aponta algumas considerações sobre a importância da
imagem no teatro “épico” e consequentemente no teatro moderno e o ineditismo das suas
experiências associando imagens nos seus processos teatrais.
Outro encenador que propôs uma associação entre teatro e imagem foi Augusto
Boal. Na sua proposta de “Teatro-Imagem” uma das vertentes do Teatro do Oprimido,
propunha a utilização de imagens e fotografias como recurso para criação de cenas.
Através da representação física e corporal de imagens, busca-se a compreensão de uma
realidade existente ou vivenciada de opressão, sem o uso da palavra, usando apenas seus
próprios corpos.
Ao tratar especificamente da questão da fotografia como estímulo para a
construção de uma dramaturgia teatral, Joyce de Lima ressalta que o conceito de
dramaturgia no teatro contemporâneo envolve várias questões estéticas. Segundo a autora
“participam da criação da cena num diálogo, e não de maneira impositiva, entre os
elementos plásticos, textuais e sonoros inerentes a esta experiência cênica” (LIMA, 2010,
p. 01). Ela cita como exemplo da utilização da fotografia associada à criação teatral, os
processos de coleta de material físico/vocal para atores desenvolvido nos trabalhos do
grupo Lume de Teatro 7 denominado Mímesis Corpórea. Sobre essa proposta Renato
Ferracini e Ana Cristina Colla, integrantes do Lume, falam que o objetivo deste trabalho
em rápidas palavras é “proporcionar uma capacidade no ator de recriar uma ação física

6
A autora cita a seguinte obra: SENELICK, Laurence. Early photography attempts to record
performance sequence. Theatre Research International, Cambridge, v. 22, n. 3, p. 255-264, 1997.
7
LUME - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da UNICAMP.

6
vocal observada no cotidiano”.

Uma pessoa, um andar, um gesto, um olhar, uma ressonância vocal,


uma musicalidade da voz pode ser observada através de processos
concretos e, posteriormente, dentro de certos procedimentos, serem
recriados no corpo/voz do ator para, então, poderem ser utilizados
como material orgânico poético na construção de uma cena ou
figura/persona. Entretanto, esse processo de Mímesis Corpórea não
trabalha somente com a observação de pessoas e posturas corpóreas e
vocais, mas também labora com a recriação de "ações" observadas em
fotografias (COLLA e FERRACINI, 2005, p. 30).

Neste processo, a fotografia é usada como registro da memória de criação de


ações físicas criadas pelo grupo onde a imagem fotográfica aparece como apoio no
processo de criação dos atores e para que os mesmos reativem sua memória corporal.
Porém, a autora salienta que mesmo que a intenção seja “recriar o elemento corporal
registrado na imagem, a observação da fotografia evoca não apenas as fisicidades, mas
traz à tona as lembranças contidas no encontro entre o ator e a pessoa observada” (LIMA,
2010, p. 08).
Ainda dentro deste diálogo entre a fotografia e o teatro, podemos destacar o
campo da iconografia teatral. “Uma área de estudo em expansão que visa a recolha e
análise de informação histórica sobre teatro a partir de material visual” (BRILHANTE,
1999, p. 503). A mesma autora pontua que “esta área deve ser entendida em sua dupla
vertente de disciplina que estuda as imagens e os seus sentidos e de coleção de imagens
entendidas como fontes históricas para a investigação da arte do teatro”. (BRILHANTE,
1999, p. 503).

4. FOTOGRAFIA DE CENA UM OLHAR SINGULAR

“O estudo da iconografia teatral aponta diversos desafios e metodologias de


abordagem do objeto que se pretende analisar. Este estudo constitui um aspecto bem mais
amplo. Envolvendo vários aspectos da visualidade e da chamada “fotografia de teatro”
(CHIARADIA, 2008, p. 01). Os estudos da iconografia teatral incluem materiais
midiáticos, fotos dos atores, dos espaços teatrais, de figurinos, cenários, plateia,
bastidores, e da fotografia da cena que é o foco deste trabalho.

Por fotografia de cena consideram-se as imagens produzidas a partir do


processo de encenação ou do espetáculo com o qual mantêm uma
7
ligação expressa, por via dos adereços de cena, dos figurinos, das poses,
ou outro elemento, podendo o registro fotográfico ser realizado tanto no
espaço do teatro como no estúdio dos fotógrafos ou outros locais
preparados para o efeito. Claudia Balk (2002) alude especificamente a
este aspecto da (re) construção do espaço da encenação e das suas
consequências nas primeiras décadas da fotografia, alertando quer para
a impossibilidade do registro fotográfico in loco, no palco, quer para a
consequente intensificação de uma carga dramática por força da sua
simulação (FIGUEIREDO, 2011, p. 87).

Para Figueiredo, durante muitos anos não era possível a existência de fotografia
de cena “do instante” propriamente dito, uma vez que “ a sensibilidade dos materiais
fotográficos era pouco adaptável à penumbra típica dos palcos”. Desta forma, era
praticamente impossível para o fotógrafo captar a imagem e fazer o registro da cena nos
palcos com uma boa qualidade técnica e estética. O autor arrisca dividir a fotografia de
cena em dois grupos: 1. fotografias que registram situações de cena; e 2. fotografias que
resultam de simulações de cena (FIGUEIREDO, 2011, p. 87).
A investigação específica no campo da iconografia teatral, contudo, ainda não
produziu muitos estudos em que a fotografia de cena seja o objeto central; ela ainda
aparece timidamente, sendo que “as pesquisas que envolvem a fotografia de teatro, em
geral, abordam as primeiras fotografias de atores do século XIX e início do XX. Trata-se,
então, muito mais de retratos de estúdio, sendo poucas as imagens de cena no teatro”
(CHIARADIA, 2011, p. 114).

.4.1. ExperienciAÇÃO: olhares entre processos e narrativas

“[...] No fundo, a Fotografia é subversiva, não quando aterroriza,


perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa” (BARTHES,
2018, p. 36).

Pensando nas potencialidades e possibilidades da utilização da fotografia de cena


no ensino do teatro, em um dos componentes curriculares da licenciatura em Teatro,
colocamos em prática em uma atividade onde os alunos foram divididos em grupos. Cada
grupo recebeu uma imagem de fotografia de cena do fotógrafo Emidio Luisi 8 para a
criação de partituras corporais extracotidianas. Esta atividade foi importante para

8
Emídio Luisi foi um dos fotógrafos entrevistados neste trabalho. Com mais de 40 anos de experiência, foi
um dos pioneiros na área e é um dos maiores nomes da fotografia de espetáculos no Brasil.

8
começar a refletir sobre as possíveis contribuições de fotografias da cena não apenas no
registro, mas também na realização de jogos e práticas teatrais nos espaços formais e não
formais de educação.
Nestas experiências e com esses registros pôde-se reconhecer um intenso diálogo
entre a potência teatral das imagens fotográficas enquanto propulsoras de criação de
novas narrativas e criação de novas cenas em jogos de improvisações, que podem ser
fotografados para serem também usados em novos processos de recriação. Contribuindo
não apenas para o registro e memória visual do espetáculo, mas em novas possibilidades
metodológicas e pedagógicas para o ensino do teatro e da arte de forma geral.

“[...] a pedagogia da imagem consiste num conjunto de doutrinas,


princípios e métodos que possibilitem pensar a imagem com base nas
experiências que ela fornece ao espectador e, ao mesmo tempo, na sua
capacidade de ler as propostas do artista, em decodifica-las e formular
juízos próprios acerca do que vê (KOUDELA & JÚNIOR, 2015, p.
114).

A visualidade é algo tão importante para o teatro como para as artes plásticas. No
teatro, ela é parte significativa tanto dos processos de criação como das propostas cênicas
ou dos objetivos pedagógicos didáticos do artista. O encenador alemão Bertolt Brecht é
exemplar nesse sentido, pois sua obra tem uma intenção pedagógica. As fábulas e os
quadros de cena por ele criados “por intermédio de diversos recursos visuais como
cartazes, projeções, cenas congeladas provocam no público uma resposta” (KOUDELA
& JÚNIOR, 2015, p. 114).

A necessidade de fixar esse momento efêmero da cena teatral já se fazia


sentir antes mesmo da fotografia – como indicam desenhos, pinturas,
gravuras – que, entretanto, nos trouxe a incrível capacidade de
reprodução, gerando múltiplas cópias e difusão em massa, havendo que
considerar também, naturalmente, a agilidade de sua realização, como
mostra o tão conhecido artigo de Walter Benjamin A obra de arte na era
de sua reprodutibilidade técnica, escrito em 1935-1936. Esses
depoimentos revelam a extrema diversidade e complexidade
envolvidas na produção de uma foto de cena. Os diferentes olhares,
pontos de vista, posturas e reflexões acerca da própria realização são
considerações fundamentais para a análise desse tipo de material. Esse
breve panorama nos instiga a olhar cada foto de forma diversa, atentos a
cada possibilidade propiciada por diferentes maneiras de clicar
(CHIARADIA, 2011, p. 127).

9
Diferente do espetáculo ao vivo, o enquadramento fotográfico determina um
recorte geométrico para a cena e direciona o olhar do espectador. O signo que a fotografia
gera, dependente, mas temporalmente autônomo do referente, é a materialização
abstraída de uma realidade construída, subvertida de sua totalidade temporal e espacial.
Nesse processo, o que era virtual torna-se real, “o signo construído se torna,
materialmente, um testemunho; um testemunho gerado e coconstruído pelo meio com
suas especificidades” (GONÇALVES, 2013, p. 16).
A fotografia de cena possui uma singularidade própria, pois é a captação do
momento exato do espetáculo ao vivo, e muitas vezes tem uma enorme dificuldade
técnica seja por conta do movimento, características estéticas da obra ou uma iluminação
mais escura. Na foto abaixo, por exemplo, o fato de ter assistido anteriormente ao ensaio
e ter tido acesso a proposta estética de iluminação, figurinos e toda a visualidade da cena
acabou ajudando na hora de captar a cena do espetáculo.

Figura 1. Espetáculo “Não recomenDADAS” – Direção Mônica Mesquita

Fonte: Sabrina Aguiar (2019)

Segundo Emídio Luisi “o fotógrafo de espetáculo, enquanto profissional, deve


necessariamente desenvolver habilidades fundamentais, tais como: sensibilidade,
concentração, conhecimento técnico e rapidez para traduzir em imagens o ritmo e a
dramaticidade que cada momento artístico encerra”. (LUISI, 2013, p. 22),

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Figura 2. Espetáculo “Relhum” – Direção Mônica Mesquita

Fonte: Sabrina Aguiar (2017)

Na opinião dos fotógrafos participantes da pesquisa, para ser um bom fotógrafo de


cena se faz necessário estudar muito, tanto teatro quanto fotografia. O fotografo Guto
Muniz, um dos nossos entrevistados, mesmo com mais de trinta anos de experiência em
fotografia de espetáculos, nos disse que estuda e pesquisa diariamente. E, que atualmente
estuda mais teatro do que fotografia para realizar seu trabalho como fotógrafo da cena.
Neste sentido, uma percepção que tive na experiência dos registros enquanto fotógrafa e
docente em teatro em formação, foi de que quando acompanhava os ensaios dos trabalhos
e tinha conhecimento prévio de questões relativas à visualidade estética das cenas do
espetáculo, como figurinos, maquiagem, iluminação, movimentações dos atores,
conseguia um melhor resultado e as fotos ficavam com uma qualidade técnica e poética
melhor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como podemos observar, a imagem e questões relativas à visualidade da cena são


tão importantes para o teatro quanto para as artes visuais, sendo essenciais para a proposta
da encenação cênica. Um fato que nos chamou atenção nesta pesquisa foi a carência de
referenciais teóricos tratando sobre essa temática no Brasil. Como pudemos constatar nos
estudos, a fotografia da cena, ou seja, a foto do instante que a cena acontece é algo

11
relativamente recente. Até algumas décadas atrás, muitas fotos de espetáculos na verdade
eram feitas de cenas posadas, de ensaios ou mesmo um ensaio ao ar livre devido a falta da
tecnologia da época e a baixa sensibilidade dos filmes para fotografar com a iluminação
cênica.
Em se tratando principalmente do âmbito escolar, a fotografia da cena quase não é
pesquisada, sendo necessário um estudo mais aprofundado sobre o assunto. A partir dos
estudos de referenciais teóricos percebemos que as fotos das apresentações nas escolas
costumam ser feitas de forma “amadora” por parentes, ou “comercial” por fotógrafos
profissionais contratados, que muitas vezes não tem conhecimento sobre teatro ou dança,
por exemplo. Por isso, as fotos não representam a estética ou narrativa da obra teatral,
nem a poética artística de um registro fotográfico mais elaborado.
Há certamente um imenso trabalho de pesquisa e difusão a ser feito sobre a
temática, principalmente no Brasil, sendo um campo híbrido entre as artes visuais e o
teatro. A fotografia da cena pode ser usada tanto para o registro visual do espetáculo
contribuindo para a área da história do teatro e da iconografia teatral, quanto para os jogos
condutores do próprio processo cênico e criação de outros espetáculos. Que por sua vez,
poderão ser fotografados e se tornarem outras ações cênicas. Assim, o presente trabalho
contribuiu para as reflexões entre fotografia e teatro, em busca de metodologias para o
ensino e pensamento sobre a visualidade poética singular da cena e do teatro a partir das
fotografias autorais.
Salientamos ainda a importância deste tipo de estudo e trabalho para a iconografia
teatral. Um campo que envolve desde a organização de acervos a manutenção e registro
de novos trabalhos para garantir a preservação da memória e patrimônio histórico teatral.
Sendo essencial pensar nessa memória para o estudo do teatro hoje e no futuro como
sendo um campo vasto para o estudo e realização de novas pesquisas.

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