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PRECEPTORIA DE TRIÊNIO

RESIDÊNCIA MÉDICA 2021


2023
MINISTÉRIO DA SAÚDE Assistente Administrativo
Departamento de Planejamento Felipe Oliveira dos Santos
e Regulação da Provisão de Especialistas em Conteúdo
Profissionais da Saúde (DEPREPS) Olivan Silva Queiroz
Programa de Apoio ao Eno Dias de Castro Filho
Desenvolvimento Institucional Juliana Oliveira Soares
Marcia Cristina Lemos dos Santos
do Sistema Único de Saúde
(PROADI-SUS)
FACULDADE DE EDUCAÇÃO EM
CIÊNCIAS DA SAÚDE - FECS
HOSPITAL ALEMÃO
OSWALDO CRUZ - HAOC Direção Acadêmica FECS
Elaine Emi Ito
Diretora de Sustentabilidade e
Responsabilidade Social Coordenadora de Pós-Graduações
Paula Zanellatto Neves
Ana Paula N. Marques de Pinho
Gerente de Projetos EQUIPE INNOVATIV – LABORATÓRIO
Wilma Madeira da Silva DE EDUCAÇÃO CONECTADA DA FECS

GRUPO EXECUTIVO DO PROJETO Coordenação e Gestão dos


Processos EAD
Coordenadora do Projeto Débora Schuskel
Juliana de Carvalho Rodrigues Gestão dos Processos do Curso
Coordenador do Curso Rafael Vilares de Souza
Olivan Silva Queiroz Gestão do Ambiente Virtual
Coordenador Adjunto do Curso de Aprendizagem
Eno Dias de Castro Filho Lucas Santos Mathias
Analista de Projetos Designer Instrucional
Elivelton Borges Pinheiro Thiago Cezar Macete

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Preceptoria de residência médica


[livro eletrônico] : triênio 2021 2023 / Olivan Silva Queiroz... [et al.]. -- São Paulo : Ed. dos Autores, 2023.
PDF

Outros autores: Eno Dias de Castro Filho ,Marcia Cristina Lemos dos Santos, Juliana Oliveira Soares.
Vários colaboradores.
ISBN 978-65-00-89241-3

1. Medicina - Estudo e ensino 2. Médicos - Formação profissional 3. Residentes (Medicina)


I. Queiroz, Olivan Silva. II. Castro Filho, Eno Dias de III. Santos, Marcia Cristina Lemos dos.
IV. Soares, Juliana Oliveira.

23-186249 CDD-610.7

Índices para catálogo sistemático:


1. Residência médica: Estudo e ensino: Ciências médicas 610.7
Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415
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Lista de Abreviaturas

ABEM Associação Brasileira de Educação Médica

ABIM American Board of Internal Medicine

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

ANMR Associação Nacional de Médicos Residentes

APCs Atividades profissionais confiabilizadoras

CFM Conselho Federal de Medicina

CHA Acróstico de conhecimentos, habilidades e atitudes

CIPP Acróstico de contexto, recursos, processo, produto

CNRM Comissão Nacional de Residência Médica

CNV Comunicação não-violenta

CONASEMS Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde

CONASS Conselho Nacional de Secretários de Saúde

COREME Comissão de Residência Médica

DENs Doctor’s education needs


DOE Desease oriented evidence

DREEM Dundee Ready Education Environment Measure

ECS Educação continuada em saúde

EPA Entrustable Professional Activities


EPS Educação permanente em saúde

FBAM Federação Brasileira de Academias de Medicina


FENAM Federação Nacional de Médicos

FOFA Acróstico de Fortalezas, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças


HAOC Hospital Alemão Oswaldo Cruz

IMRD Acróstico de Introdução, Método, Resultado e Discussão

IOM Institute of Medicine

MBE Medicina baseada em evidência

Mini-CEX Mini Clinical Evaluation Exercise

3
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NSP Núcleo de segurança do paciente


OMP One Minute Preceptor

OMS Organização Mundial de Saúde

OSCE Objective Structured Clinical Examination

PES Plano estratégico situacional

PHEEM Postgraduate Hospital Education Environment Measure


PI Projeto de intervenção

PIAF Plano individual de aprimoramento e formação


PICO Acróstico de Problem, Intervention, Control, Outcomes

PNSP Programa Nacional de Segurança do Paciente


POEM Patient oriented evidence that matters

PRM Programa de residência médica

PUNs Patient unmet needs

RAS Rede de atenção à saúde


SB Síndrome de burnout

SMART Acróstico de Specific, Measurable, Achievable, Relevant, Timebound


TCC Trabalho de conclusão do curso

TME Teste de múltipla escolha

Unicef Fundo das Nações Unidas para a Infância

4 Preceptoria de Residência Médica


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Lista de Figuras e Quadros

Quadro 3.1 Componentes do One Minute Preceptor (OMP)


Figura 3.1 Propostas de dinâmica no atendimento clínico
Figura 4.1 Processo de conscientização da competência
Figura 5.1 Variações na atenção do aluno em aula
Quadro 5.1 Estratégias de engajamento para aulas
Quadro 6.1 Comparativo entre avaliação somativa e formativa
Figura 6.1 Ilustração dos atributos da avaliação
Figura 6.2 Avaliação de competências clínicas: Pirâmide de Miller
Quadro 6.2 Implicações práticas para aprimoramento da avaliação do residente
Figura 6.3 Sistema de avaliação com sugestões de estratégias
Figura 8.1 Processo de avaliação
Figura 9.1 Sugestão de avaliação por pares
Quadro 9.1 Sugestão de avaliação realizada pelo paciente
Quadro 10.1 Características que facilitam ou dificultam o aprendizado
Quadro 10.2 Diferença entre o ensino centrado no preceptor e no residente
Figura 11.1 Ciclo de Aprendizagem de KOLB.
Quadro 12.1 Características SMART de um objetivo de aprendizagem
Figura 12.1 Pirâmide cognitiva da Taxonomia de Bloom
Figura 12.2 Ações contempladas na Taxonomia de Bloom
Quadro 19.1 Características que influenciam a comunicação
Domínios de objetivos educacionais relativos à comunicação e
Quadro 19.2
relação interpessoal
Figura 20.1 Subdivisões da Comunicação Não-Violenta
Figura 25.1 Etapas de uma Pesquisa Científica
Figura 26.1 Modelo de Operadores Boleanos
Quadro 27.1 Tipos de Estudos e características
Figura 27.1 Proposta de uma nova pirâmide de evidências
Figura 30.1 Características SMART para definição de pesquisa
Quadro 30.1 Exemplo de cronograma de uma pesquisa
Quadro 30.2 Exemplo de cronograma com o orientador
Quadro 32.1 Atributos e definições de temas da segurança do paciente
Quadro 32.2 Conceitos-chave sobre segurança do paciente
Figura 32.1 Modelo do queijo suíço
Figura 34.1 Etapas do processo de formação de Comunidade de práticas

5
Sumário
12
Parte I.
FUNDAMENTOS DO
ENSINO DE RESIDENTES

52
Parte II.
AVALIAÇÃO
DE RESIDENTES

Parte III.
86 TEORIAS DO APRENDIZADO
DE ADULTOS

100 Parte IV.


PLANEJAMENTO E
CONSTRUÇÃO DE CURRÍCULO

122 Parte V.
HABILIDADES RELACIONAIS
DE RESIDENTES

174
Parte VI.
PESQUISA
E ENSINO

242 Parte VII.


INTERFACE
ASSISTÊNCIA-ENSINO
Apresentação

A formação de médicos está em expansão no Brasil. Nos últimos 20 anos as


vagas de graduação em medicina e de especialização através de Programas de
Residência Médica foram ampliadas. Um dos desafios atuais é garantir a quali-
dade desses programas e dos profissionais que neles se formam.

Investir no desenvolvimento de formadores é uma estratégia que garante um


bom serviço à sociedade. Em boa parte das vezes, o médico se torna preceptor
mais rapidamente do que imaginaria, sem um treinamento adequado. O apren-
dizado de determinados conceitos e o uso de certas ferramentas podem fazer
a diferença nessa lida diária.

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC) e sua Faculdade de Educação em


Ciências da Saúde (FECS) há dez anos capacitam preceptores de Programas de
Residência Médica. Essa ação é fruto da parceria da instituição com o Ministério
da Saúde por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do
Sistema Único de Saúde, o PROADI-SUS.

Em 2022, a capacitação passou a ser uma especialização com carga horária de


trezentas e sessenta horas. A equipe executiva do projeto busca a excelência
das atividades e acolhe formadores das diversas especialidades: clínicas, cirúr-
gicas e diagnósticas.

Em duas edições nessa modalidade, mais de 300 preceptores se formaram,


produzindo dezenas de produtos, ideias e inovações apresentadas como Tra-
balho de Conclusão de Curso (TCC). Surgiram temas relacionados ao currículo
de residência, competências, Atividades Profissionais Confiabilizadoras (APCs),
planos de desenvolvimento individual, avaliação de ambiente educacional e re-
estruturação da avaliação no programa, dentre muitos. Houve produção sobre
métodos de ensino, como treinamento de habilidades para cirurgia, videolapa-

8 Preceptoria de Residência Médica


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roscopia, habilidades de comunicação e discussão de casos clínicos. Da mesma


forma, os temas de avaliação também apareceram, como revisões sobre Fee-
dback, Mini-Cex, OSCE e outras simulações. Importante demanda atual, saúde
mental e relacionamento entre residentes e preceptores apareceram em TCCs
sobre emoções e fadiga, sobre conflitos de gerações e, em especial, sobre Bur-
nout. Por fim, alguns grupos traçaram perfis dos preceptores, de seus progra-
mas, inclusive dos alunos do nosso curso.

A aprendizagem relacionada ao ensino, que melhore a prática de médicas e mé-


dicos, responsáveis pela formação de outros tantos profissionais que cuidam de
um sem-número de pessoas é estratégica para o sistema de saúde.

Este livro oferece um compilado das aulas que aconteceram de modo intera-
tivo durante a especialização. O objetivo é auxiliar preceptores e gestores de
programas de residência médica no desenvolvimento pedagógico e de gestão
educacional, de forma prática, efetiva, fornecendo elementos para a produção
do próprio conhecimento.

O livro está dividido em sete partes. Com a ideia de ser o mais didático pos-
sível, a primeira parte traz metodologias de ensino aplicáveis em ambiente de
serviço e em cenário teórico. Na segunda parte, são apresentados modelos de
avaliação de residentes, tanto de cognição, quanto de habilidades e comporta-
mentos. Na parte III, são discutidas teorias relacionadas à maneira característi-
ca como o adulto aprende. A parte IV traz detalhes relacionados à construção
de currículos a partir de objetivos de aprendizagem e atividades profissionais
que confiabilizam o residente. A parte V do livro, uma das mais importantes,
evidencia questões relacionais entre residentes, preceptores e pacientes, situ-
ações características da convivência desses atores. A pesquisa e a construção
de projetos é o tema principal da parte VI, dada a necessidade de fortalecer a
prática em pesquisa de preceptores no país.

Por fim, na parte VII, faz-se a ligação do conhecimento adquirido pelas alunas e
alunos do curso com necessidades da sociedade, em especial a segurança das
pessoas diariamente atendidas por médicos, preceptores ou residentes, sempre
em formação e em aprimoramento.

BOA LEITURA.
Coordenação do Curso

9
Introdução

Ao longo das últimas décadas, o Brasil testemunhou um aumento expressivo no


número de médicos. Esse crescimento traz desafios intrincados, especialmente no
que se refere ao provimento, fixação, concentração e à especialização dos profis-
sionais. O cenário atual serve como um ponto de partida para o país traçar estra-
tégias para alcançar seus compromissos constitucionais com a Saúde.

Com 250 mil novos profissionais formados nos últimos 13 anos, e uma estima-
tiva de ultrapassarmos 1 milhão em 2035, qual será a tendência de distribuição,
qualidade e opções de especialização? Essa tendência atenderá a necessidades
da população?

Em 2023, a densidade de médicos por mil habitantes atingiu 2,6. Essa distribuição
não é homogênea, concentrando-se mais nas capitais do que nos interiores. Ape-
nas 8% deles atuam em cidades com menos de 50.000 habitantes. Fica evidente
que a produção de cuidado médico está mal organizada e mal distribuída.

A Residência Médica pode ser parte da complexa solução da equidade. Terá de


superar, no entanto, as mesmas determinações que produzem a desigual distribui-
ção da categoria. Hoje a especialização reproduz o padrão de alta concentração
geográfica, com 60% das vagas concentradas em São Paulo, Minas Gerais, Rio de
Janeiro e Rio Grande do Sul. Enquanto isso, cerca de 30% de oferta de programas
no país segue não preenchida, ano após ano. Além disso, seja por falta identifica-
ção ou de melhores perspectivas, apenas 12% dos residentes imaginam seu traba-
lho principal no Sistema Único de Saúde. Reverter as tendências predominantes
exigirá um conjunto articulado de políticas públicas amplas, custando, recursos
financeiros e coragem para fazer diferente.

Dentro deste contexto, a formação dos preceptores de residência médica emer-


ge como um elemento essencial. Os preceptores, responsáveis pela orientação e

10 Preceptoria de Residência Médica


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supervisão dos residentes, são peças-chave na qualificação da força de trabalho


médico. Eles não apenas ajudam a desenvolver conhecimentos técnicos e práticos
assim como constroem, com os futuros especialistas, valores e competências ne-
cessárias para atender às demandas de saúde dos brasileiros.

A qualificação de preceptores permite que o desenvolvimento dos PRM atuais se


conecte com iniciativas públicas de provimento e fixação de médicos, nos pontos
onde falta acesso e qualidade. Também torna possível que a qualificação de novos
formadores, em novos programas, com apoio dos atuais, fortaleça um circuito vir-
tuoso de presença e multiplicação de profissionais.

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC) está alinhado a esta necessidade e


há 10 anos oferece formação para preceptoras e preceptores de Residência Mé-
dica de todo o país. A diretoria de Sustentabilidade e Responsabilidade Social
do HAOC, em parceria com o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institu-
cional do SUS (PROADI-SUS) do Ministério da Saúde trazem ferramentas prá-
ticas que ajudam aqueles que diariamente atuam com aprendizes, na tentativa
de proporcionar o melhor cuidado em saúde. Essa é uma missão clara e bem
definida nessa instituição.

Que este livro consiga compilar e perpetuar tais instrumentos da forma mais útil
aos profissionais, refletindo em atendimentos de qualidade no Sistema de Saúde.

Referências

SCHEFFER, M. et al. Demografia Médica no Brasil 2023. São Paulo, SP: FMUSP, AMB,
2023. 344 p. ISBN: 978-65-00-60986-8.

11
Parte I.
FUNDAMENTOS
DO ENSINO
DE RESIDENTES
Preceptoria de Residência Médica
Capítulo 01
Virei preceptor(a),
e agora?!

Se você está fazendo esse curso, provavelmente já é preceptora ou preceptor de


residência médica. Se há algum tempo ou recentemente, por seleção ou por con-
vite, em um programa tradicional ou recém-criado, o sentimento no dia em que
assumiu essa função foi bem semelhante: insegurança. E muitas perguntas: será
que estou à altura? Estou atualizado o suficiente? Saberei responder às perguntas?
Serei mesmo boa ou bom nisso?

Nesse capítulo vamos discutir o que de fato é ser um “bom preceptor”. Examinare-
mos quais características pessoais podem ajudar e que papéis devem ser desem-
penhados para que nossa atuação seja considerada boa.

Ser modelo para estudantes e residentes parece ser a função mais clara do pre-
ceptor. Para isso, algumas características de comportamento ajudam. Na edição
Nº 27 do BEME Guide1 os autores fazem uma revisão da literatura para dizer quais
atributos estão presentes no modelo POSITIVO de professor/preceptor. Dentre
eles estão habilidade interpessoal efetiva, perspectiva positiva, habilidades de lide-
rança, honestidade, dedicação, compromisso com a excelência e entusiasmo.

Nesse mesmo guia, os autores citam atitudes NEGATIVAS para o professor, que
influenciam (bastante) na visão dos residentes, em especial via currículo oculto. As
mais citadas foram o humor depreciativo, em especial para assuntos de gênero e
hierarquia, bem como fazer críticas abertas aos colegas e à instituição.

Um dos insights mais importantes sobre Role Model é que estudantes e residentes
procuram se inspirar em pessoas com características semelhantes relacionadas a
gênero, raça, etnia, origem cultural, classe social. É necessário o estímulo das ins-
tituições para alcançarem diversidade entre seus formadores, bem como a cons-
cientização de estudantes e professores para sua aceitação e aproveitamento1.

13
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Outro papel incontestável de qualquer professor clínico é ser expert na área em


que atua. Geralmente, esse é o critério mais frequentemente considerado quando
se convida alguém para a função na preceptoria. Destaque-se que é imprescindível
estar atento à capacidade de explicitação do processo de tomada das decisões
médicas, ao vínculo com os pacientes e ao componente ético que a prática exige.
Zelar, inclusive pela segurança das pessoas atendidas, evitando imperícias por par-
te dos que estão em formação.

O bom desempenho clínico, no entanto, não é tudo. É exigido, dos formadores em


serviço, um bom desempenho docente. É aí que pode ficar explícito um distancia-
mento entre domínio clínico e habilidades pedagógicas.

Susan Wearne e colegas australianos2 publicaram em 2012 uma revisão integrativa


com 40 artigos delimitando papéis do preceptor (no caso, médicos generalistas).
Dentre as funções, uma das mais citadas e investigadas é “facilitar o aprendiza-
do”. Isso acontece quando se promove reflexão (trazendo à consciência atitudes
despercebidas do residente), se provê feedback baseado na observação direta, se
produz recursos para a ensinagem, se sumariza o aprendizado ou se organiza o
ambiente, protegendo agendas e espaços para o ensino.

Outro texto clássico que ajuda na delimitação de papéis do professor clínico é o


AMEE Guide Nº 20, que trata do “Good teacher” e seus 12 papéis3. De forma bem
resumida ele divide tais funções em 6 categorias: (1) Provedor de informações; (2)
Role model; (3) Facilitador de aprendizado; (4) Avaliador; (5) Planejador; (6) De-
senvolvedor de recursos.

Por fim, Charles Hatem e colegas4 organizaram atributos e atitudes de um educa-


dor médico competente. De maneira didática, distribuíram conhecimentos, habili-
dades e atitudes (CHA) desejáveis ao formador efetivo. Uma das atitudes que nos
chama a atenção é demonstrar paixão por ser professor.

O bom preceptor é mais que um bom treinador ou transmissor de conhecimen-


tos. Ele apoia o aprendizado do residente, utilizando as situações reais da prática
médica. Ele conhece as necessidades de aprendizado de cada residente, traçando
objetivos educacionais para cada etapa da formação.

Por meio da sua competência técnica, emocional e moral, o preceptor inspira os


residentes e equipe a se desenvolverem como pessoas e como profissionais. É o
profissional que estreitará a relação entre o conhecimento e as habilidades do alu-
no, e usa o cenário prático como ambiente de ensino. Como formador, atua para
além da educação técnica, sendo responsável também pela formação ética e mo-
ral do residente5.

Este curso define o bom preceptor como o profissional competente na sua área de
atuação, ético, reflexivo, humanista, capacitado a formar profissionais em serviço

14 Preceptoria de Residência Médica


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e com visão crítica do seu papel social como educador. Em geral, ele também po-
derá estar capacitado a elaborar e coordenar um programa ou estágio de RM, de
acordo com as normas e leis vigentes, sempre atento às necessidades de saúde da
população brasileira.

No cenário nacional, como também em muitos outros países, vigora um relativo


despreparo dos preceptores para essa atuação, particularmente quanto ao desem-
penho pedagógico. Em pesquisa recente, Carvalho Filho e colaboradores (2020)6,
entrevistando 200 preceptores de Maceió (AL), encontraram que 80,5% não havia
realizado qualquer treinamento para a função. Isso ainda pode não ser diferente
no restante do país.

Já existe, no Brasil, um conjunto de iniciativas de capacitação de preceptores, ofe-


recidas por instituições ou por associações de especialidades. Internacionalmente,
são inúmeras as revistas científicas especializadas no tema do ensino, inclusive de
residentes. São bem-vindas as iniciativas que auxiliam o encontro dos profissionais
com tal formação.

Referências

1. Passi V, Johnson S, Peile E, Wright S, Hafferty F, Johnson N. Doctor role modelling


in medical education: BEME Guide No. 27. Med Teach. 2013;35(9):e1422-e1436. do
i:10.3109/0142159X.2013.806982

2. Wearne S, Dornan T, Teunissen PW, Skinner T. General practitioners as super-


visors in postgraduate clinical education: an integrative review. Med Educ.
2012;46(12):1161-1173. doi:10.1111/j.1365-2923.2012.04348.x

3. Crosby RMH Joy. AMEE Guide No 20: The good teacher is more than a lec-
turer - the twelve roles of the teacher. Med Teach. 2000;22(4):334-347.
doi:10.1080/014215900409429

4. Hatem CJ, Searle NS, Gunderman R, et al. The Educational Attributes and Res-
ponsibilities of Effective Medical Educators. Acad Med. 2011;86(4):474-480.
doi:10.1097/ACM.0b013e31820cb28a

5. Botti SHO. O Papel do Preceptor na Formação de Médicos Residentes: um estu-


do de residências em especialidades clínicas de um hospital de ensino. Published
online 2009.

6. Carvalho Filho A de M, Santos AA dos, Wyszomirska RM de AF, Medeiros ICF. Pre-


ceptores de Residência Médica: Perfil Epidemiológico e Capacitação Pedagógica.
Rev Bras Educ Médica. 2020;44. doi:10.1590/1981-5271v44.4-20200131.ING

15
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Questões de avaliação

1. Segundo o Professor Jack Ende, ex-presidente do American College


of Physicians, “profissionalismo deve ter um papel central na formação
médica e pode ser ensinado (e aprendido) de três formas: através de
role models (modelos), de mentores e do currículo oculto”. Assinale a
alternativa que melhor exemplifica o que vem a ser “role model”:

a) Dra Jamile é preceptora de anestesiologia, gosta de ser observada por


seus residentes durante a realização de procedimentos no centro cirúr-
gico, desde a recepção até a saída para a enfermaria
b) Dr Eustáquio é preceptor de otorrinolaringologia e estimula, encoraja
e sugere prudência, cuidado, reflexão aos seus residentes, em especial
nos procedimentos
c) Dra Miriam é preceptora de ginecologia, não faz evolução das pacientes
porque trabalha em 3 hospitais diferentes, por isso orienta que os regis-
tros sejam focados na conduta tomada
d) Dr Maurício gosta muito de ser preceptor da radiologia e estimula a re-
flexão, o pensamento crítico dos seus residentes, em especial nas ques-
tões bioéticas do dia-dia

Gabarito

1 A

Para refletir e debater


1. Conte como foi o seu processo de se tornar preceptor(a). Houve
alguma preparação ou treinamento? Quais foram os sentimentos no
início? E hoje?

16 Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 02
Cenários Clínicos
de Aprendizagem

Quando Halsted e Osler implantaram a residência na universidade Johns Hopkins,


praticamente todo o treinamento era realizado nas enfermarias do hospital. Desde
a década de 1960, no entanto, com os estudos sobre a ecologia dos cuidados médi-
cos1,2, sabe-se que a maior parte da demanda de saúde de uma população não deve
ser atendida no ambiente hospitalar ultra especializado. A formação de profissionais
de saúde precisou, assim, ser reestruturada e incluir novos cenários de prática.

Para se adequar a esse princípio, as diretrizes curriculares brasileiras de graduação


em medicina formalizaram a necessidade de utilização de diferentes cenários de
ensino-aprendizagem, abrangendo todos os níveis de atenção3. As diretrizes falam
de ambientes com grande autonomia dos pacientes, a exemplo dos domicílios e
ambulatórios, o que exige capacidade de diálogo e compreensão; e de ambientes
com mínima autonomia do paciente, com risco de morte e demanda de alta tec-
nologia, como as Unidades de Terapia Intensiva.

Cada cenário tem suas peculiaridades, fortalezas, limitações e cada um deles deve
assumir compromissos com a integralidade, qualidade e continuidade da atenção.

Nada se compara à experiência de aprendizagem clínica que ocorre na prática4.


Cenários práticos trazem oportunidades de aprendizagem mais diversificados e
realistas do que as encontradas em textos, salas de aula ou ferramentas digitais.

A imprevisibilidade da vida real permite ao educando encontrar situações que farão


parte de sua rotina posteriormente, a considerar o próprio entendimento sobre o fun-
cionamento da Rede de Atenção à Saúde (RAS) na qual está inserido. A criação pro-
gressiva das diferentes RAS dentro do sistema de saúde (Rede de Urgências e Emer-
gências, a Rede de Atenção à Saúde Mental, a Rede de Atenção à Saúde da Mulher...)
tornou necessária a adequação de novos cenários de prática, implicando em uma
formação de especialistas mais completa e adequada às necessidades da sociedade.

17
1 2 3 4 5 6 7

A natureza da residência médica não compreende apenas um projeto educacional


de especialização isolada, ou somente um processo de trabalho. A junção desses
dois aspectos marca o reconhecimento e a valorização do papel do trabalho como
instrumento de aprendizagem5. A aprendizagem em serviço requer atenção à
educação e ao trabalho.

Avaliando os cenários de aprendizagem


Algo a ser avaliado nos cenários onde se inserem os residentes é o “ambiente
educacional” (ou “clima educacional”), vital para a qualidade da educação. Tal am-
biente contribui para a percepção do estudante e influencia diretamente nos resul-
tados, na satisfação e no envolvimento. Na literatura são encontrados três compo-
nentes definidores do ambiente favorável ao ensino-aprendizagem6:

• Orientação para objetivos de aprendizagem, incluindo oportunida-


des de crescimento do estudante e desenvolvimento da autonomia,
em especial para pós-graduandos;
• Relações interpessoais, capazes de gerar afetividade necessária à in-
teração e colaboração, como defende a Teoria do Aprendizado Social.
Nesse ponto vale ressaltar a importância do suporte emocional (e clí-
nico) demandado por professores e estudantes;
• Organização e Regulação, onde entram a estrutura, a disponibilidade
de recursos/equipamentos e as questões de hierarquia.

Algumas escalas foram desenvolvidas para mensurar o ambiente educacional,


cada uma com características psicométricas e finalidades diferentes7. Uma das
mais estudadas, com boas validade e confiabilidade, elaborada para graduação, é
a Dundee Ready Education Environment Measure (DREEM). Essa escala verifica a
percepção dos estudantes quanto ao ensino, professores e atmosfera8.

Os cenários de residência médica são mais específicos e dependem da especiali-


dade e do nível de treinamento. Os instrumentos que medem o ambiente educa-
cional devem apresentar diversas particularidades. Um dos mais adequados para
uso em residências médicas é o Postgraduate Hospital Educational Environment
Measure (PHEEM). É o mais válido e confiável, além de ser facilmente reprodutível
em diferentes programas. Obedecendo os componentes citados acima, essa es-
cala avalia a percepção dos residentes quanto ao desenvolvimento de autonomia,
ao ensino e ao suporte social9. No Anexo 1 inserimos um questionário traduzido
livremente (ainda não validado em português) do PHEEM. Confiram!

18 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Referências

1. White KL, Williams TF, Greenberg BG. The ecology of medical care. 1961. Bull N Y
Acad Med. 1996;73(1):187-212.

2. Green LA, Fryer GEJ, Yawn BP, Lanier D, Dovey SM. The Ecology of Medical
Care Revisited. http://dx.doi.org/10.1056/NEJM200106283442611. doi:10.1056/
NEJM200106283442611

3. Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares


Nacionais Do Curso de Graduação Em Medicina.; 2014. http://portal.mec.gov.br/
index.php?option=com_docman&view=download&alias=15514-pces116-14&cate-
gory_slug=abril-2014-pdf&Itemid=30192

4. Gutiérrez-Cirlos C, Naveja JJ, Sánchez-Mendiola M, Gutiérrez-Cirlos C, Na-


veja JJ, Sánchez-Mendiola M. Modelos de educación médica en escena-
rios clínicos. Investig En Educ Médica. 2020;9(35):96-105. doi:10.22201/fac-
med.20075057e.2020.35.20248

5. Nunes M do PT, Michel JLM, Haddad AE, Brenelli SL, Oliveira RAB de. A Residência
Médica, a Preceptoria, a Supervisão e a Coordenação. Cad ABEM. 2011;7:35-40.

6. Schonrock-Adema J, Bouwkamp-Timmer T, van Hell EA, Cohen-Schotanus J. Key


Elements in Assessing the Educational Environment: Where Is the Theory? Adv
Health Sci Educ. 2012;17(5):727-742. doi:10.1007/s10459-011-9346-8

7. Soemantri D, Herrera C, Riquelme A. Measuring the educational environment in


health professions studies: A systematic review. Med Teach. 2010;32(12):947-952.
doi:10.3109/01421591003686229

8. Roff S, McAleer S, Harden RM, et al. Development and validation of the Dundee
Ready Education Environment Measure (DREEM). Med Teach. 1997;19(4):295-299.
doi:10.3109/01421599709034208

9. Roff S, McAleer S, Skinner A. Development and validation of an instrument to


measure the postgraduate clinical learning and teaching educational environ-
ment for hospital-based junior doctors in the UK. Med Teach. 2005;27(4):326-331.
doi:10.1080/01421590500150874

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1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Um ambiente favorável ao ensino no cenário de prática deve ser orien-


tado para objetivos de aprendizagem, o que significa:

a) identificação de oportunidades de crescimento e desenvolvimento de


autonomia do residente
b) boas relações interpessoais e desenvolvimento de autonomia do residente
c) boas relações interpessoais e disponibilidade de recursos/equipamentos
d) identificação de oportunidades de crescimento e disponibilidade de re-
cursos/equipamentos

2. São considerados cenários de prática durante a residência:

a) Auditório de uma maternidade que recebe residentes


b) Sala de aula de uma Instituição de Ensino Superior
c) Sessão clínica virtual em hospital de ensino
d) Unidade de saúde não vinculada à Instituição de Ensino Superior

3. Para avaliar o ambiente de prática durante a residência o melhor instru-


mento é:

a) Dundee Ready Education Environment Measure (DREEM). Essa esca-


la verifica a percepção dos estudantes quanto ao ensino, professores
e atmosfera
b) Postgraduate Hospital Educational Environment Measure (PHEEM) -
avalia a percepção dos residentes quanto ao desenvolvimento de auto-
nomia, ao ensino e ao suporte social
c) Primary Care Assessment (PCA-Tool) - instrumento que permite mensu-
rar a presença e a extensão dos atributos essenciais e derivados da APS
d) Net Promoter Score (NPS). Através desse tipo de métrica, pode-se ana-
lisar a fidelidade dos clientes e seu nível de recomendação

4. Sobre os cenários de prática na residência, assinale a alternativa correta:

a) Todas as especialidades devem incluir atendimento ambulatorial, hospi-


talar, cirúrgico e domiciliar em seus cenários de prática.
b) Os cenários de prática refletem os locais de atendimentos inerentes à
especialidade escolhida.
c) Os residentes devem ser incluídos nos serviços após alguns semestres
de conteúdo teórico em sala de aula.

20 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

d) A residência médica é um ensino focado em pacientes e cenários clíni-


cos simulados, no qual o residente pode realizar a prática com atores
e bonecos.

5. Leia as afirmativas abaixo e classifique em verdadeiro ou falso:

( ) Durante o treinamento do residente é necessário um compromisso de


realizar a melhor assistência ao paciente, garantindo sua segurança.
( ) O encontro entre profissional experiente, residente, paciente e ambiente
é singular e gerador de experiência que abrange conhecimentos, habi-
lidades e atitudes.
( ) As diretrizes curriculares nacionais formalizam a necessidade de dife-
rentes cenários de ensino-aprendizagem, em especial nos três níveis
de atenção.
( ) A realidade dos cenários práticos traz oportunidades de aprendizagem
um pouco menos diversificadas que aquelas encontradas em textos,
salas de aula ou ferramentas digitais.

a) V, F, F, V
b) F, F, V, V
c) V, V, F, F
d) V, V, V, F

Gabarito

1 A 2 D 3 B 4 B 5 D

Para refletir e debater


1. Quais cenários de prática fazem parte da sua especialidade? E
como os residentes atuam nesses cenários? Existem especificidade
nesse ambiente para o ensino de residentes?

21
Capítulo 03
Métodos de ensino em
ambiente de trabalho

A transferência do ensino de uma sala de aula ou laboratório de habilidades para


a vida real, com pessoas reais, pode ser difícil. O ensino em ambiente de trabalho
é diferente daquele praticado na academia. Nesse capítulo apresentamos alguns
métodos de ensino que podem ser utilizados no ambiente de trabalho: alguns que
podem ser programados e organizados previamente, como sessões clínicas ou
auditoria de prontuário; e outros que dependem dos casos e situações reais que
aparecem espontaneamente, chamados aqui de oportunísticos.

Métodos oportunísticos
1. Apresentação e Discussão de casos em atendimento

A apresentação de casos em atendimento para discussão é um veículo de so-


cialização. Nela, o residente se expõe, treina o uso verbal da linguagem técnica e
chama ao trabalho colaborativo. Permite verificar o quanto ele se envolveu com o
caso, começando pela qualidade das informações adquiridas. A principal função
da apresentação e discussão de casos, no entanto, é avaliar e aprimorar a habilida-
de e raciocínio clínico dos aprendizes.

Boas apresentações de casos contêm dados da história clínica, do exame físico,


de exames complementares, hipóteses diagnósticas e um plano de cuidados con-
sistente. Para a maioria dos preceptores espera-se que os estudantes apresentem
casos apenas com dados “relevantes”, o que é um desafio, em especial para quem
está nas etapas iniciais do método clínico. Quando o preceptor deixa claro ao resi-
dente suas expectativas na apresentação do caso, essa atividade é facilitada1.

22 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Há evidências de que essa estratégia apresenta efetividade no desenvolvimento


das habilidades clínicas3. O uso do One Minute Preceptor (OMP) aumenta a efeti-
vidade da aprendizagem, deixa o feedback mais específico, otimiza os pontos de
ensino e motiva o residente.

“O ensino em ambiente de
trabalho é diferente daquele
praticado na academia.”

Quadro 3.1 – Componentes do One Minute Preceptor (OMP)

Obtenha dados sobre o que


Estabeleça o compromisso o residente entende que está
(Get a commitment)
se passando com o caso

Investigue evidências Verifique evidências de apoio


para o diagnóstico para o raciocínio diagnóstico
(Probe for supporting evidence) do residente

Ensine princípios gerais Ensine regras gerais


(Teach general principles) pertinentes ao caso

Forneça um feedback
Ofereça feedback positivo sobre o que o residente
(Reinforce what was done well)
fez corretamente

Corrija os erros Corrija os erros e faça


Correct learner’s errors and make
recommendations for improvement
recomendações para melhoria

Fonte: Neher, 1992

23
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2. Observação Direta de consulta

Ainda sobre ensino no consultório, a observação direta do preceptor aparece como


um método efetivo de ensinar e avaliar desempenho.

Figura 3.1 | Propostas de dinâmica no atendimento clínico

PACIENTE ESTUDANTE

1 PROFESSOR

PACIENTE ESTUDANTE PACIENTE ESTUDANTE

2 PROFESSOR 3 PROFESSOR

Fonte: Gonçalves, Queiroz, Trindade, 2019

Em pareação “one-to-one” (preceptor-residente), onde necessariamente o pre-


ceptor, o residente e o paciente estarão presentes no consultório, admite-se três
configurações como dinâmicas de atendimento clínico4 (Figura 3.1).

Estudante observador (sombra): nessa configuração o preceptor é o responsável


pela consulta (não deve haver a interferência do aluno). O objetivo desse método é o
preceptor servir como modelo. O residente deve ser orientado a observar a consul-
ta, anotar suas dúvidas para posterior discussão. Devido ao baixo grau de responsa-
bilização do aluno, pode ser utilizado em situações específicas durante a residência,
como nos dias iniciais ou na necessidade de ensino de determinada habilidade.

24 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Consulta compartilhada (Three-way): quando a consulta é conduzida pelo pre-


ceptor e estudante ao mesmo tempo. A depender da condução do preceptor, este
tipo de método pode conferir maior autonomia ao residente. Pode ser utilizado
após a discussão de um caso mais complexo, em que o preceptor identifique falhas
na condução ou quando surgem dúvidas que influenciam na tomada de decisão.
A necessidade de uma consulta compartilhada diminui à medida que a confiança
no residente aumenta.

Fundamental cuidar para não constranger o residente diante do paciente, com co-
mentários inapropriados ou diante de condutas divergentes.

Preceptor observador (sombra-invertida): este é um método indicado para resi-


dentes com maior autonomia e o preceptor atua apenas na validação de decisões
ou orientação de conduta. Durante a residência, este tipo de método pode ser
utilizado para: 1. conhecer o residente e sua capacidade de raciocínio clínico; 2. ao
longo da residência para conferir evolução na aquisição de novas habilidades, em
a avaliação formativa.

Devido situação frequente em que há maior vínculo do preceptor com os pacien-


tes, recomenda-se informar diretamente ao paciente que o residente é o profis-
sional que conduzirá aquele encontro. O preceptor também poderá se posicionar
mais afastado do binômio “residente-paciente”, de forma a sair do campo de
visão do paciente.

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“Um grande diferencial é a presença


do paciente na discussão, com todas
as questões que isso traz.”

3. Ensino à Beira-leito

O ensino à beira-leito é o correspondente à discussão de caso ambulatorial, desta


feita em enfermaria. É o método mais tradicional, desde os primórdios da educação
médica, em hospitais de todo o mundo. Um grande diferencial é a presença do pa-
ciente na discussão, com todas as questões que isso traz. Proporciona ao aluno o
desenvolvimento de habilidades de comunicação, atitudinais e relacionais (proativi-
dade, liderança, ética, empatia, trabalho em equipe, organização, gestão de tempo
etc.), além de consolidar o conhecimento adquirido em sala de aula e estudos.

Em geral, o ensino à beira-leito obedece às seguintes etapas:

1. O aluno “passa a visita” (ou faz a ronda na enfermaria), sozinho ou


junto com outros alunos, em um determinado número de pacien-
tes hospitalizados para coleta informações através de anamnese,
exame físico, conferência de exames complementares e checagem
de prontuário/prescrição anterior;
2. O grupo de estudantes, agora acompanhados de um ou mais pre-
ceptores, passam por todos os pacientes. Cada aluno é responsá-
vel por apresentar seus casos ao grupo todo;
3. O(s) preceptores(s), então, após ou durante a apresentação dos
casos, fazem perguntas e orientam a condução deles, na própria
enfermaria (ou em sala reservada).

As visitas também podem ser feitas com a participação de outros profissionais de


saúde da equipe multidisciplinar, o que torna este momento ainda mais rico.

Algumas reflexões devem ser feitas, principalmente pela equipe de preceptoria:

• Há uma sistematização sobre quais dados devem ser coletados e apre-


sentados pelos residentes?
• Os preceptores se planejam para a discussão?
• Os pacientes são considerados como sujeitos do momento ou são tra-
tados como objetos de estudo?
• Existe a preocupação ética na discussão de casos na enfermaria5?

26 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Há pouca literatura a respeito dessa prática tão comum. Organizar etapas ajudará
o preceptor a fazer melhor sistematização dos casos, potencializar as discussões
e gerir o tempo para otimizar o aprendizado dos residentes. Desta forma, listamos
abaixo 10 passos para um ensino a beira-leito organizado:

1
Oriente que os residentes se apresentem aos pacientes e peçam
consentimento verbal antes de iniciar a visita

2 Apresente-se também aos pacientes antes ou durante a visita

3 Defina previamente, com um instrumento prático, todos os dados


que os alunos devem coletar antes da visita

4
Conheça previamente os casos que serão discutidos e adote uma
forma de registrar as principais informações dos casos

5
Durante a apresentação dos casos, aproveite para observar o
desenvolvimento dos alunos, em especial seu raciocínio clínico

6 Avalie a possibilidade de incluir membros da equipe multiprofissional


de saúde nas discussões, caso seja oportuno ao serviço

Dê preferência a visitas mais objetivas e focadas em sanar dúvidas


7 sobre a história clínica e de exame físico. Discussões mais detalhadas
podem ser feitas em outro ambiente

8 Utilize um método de discussão de caso sistematizado


(ex.: OMP) mesmo que adaptados ao ensino a beira-leito

Revise os casos, especialmente as prescrições e solicitações de


9 exames e pareceres feitos pelos residentes e graduandos, a fim de
assegurar a segurança dos pacientes

10 Dê feedbacks aos residentes e alunos, com o cuidado para não os


constranger diante do paciente e da equipe multiprofissional

27
1 2 3 4 5 6 7

Métodos Programáveis
Métodos de ensino no cenário de prática, quando programados, permitem uma
organização prévia da junção das agendas do preceptor e residente, e vão ao en-
contro das necessidades de saúde dos pacientes. Como condições necessárias ao
uso desses métodos, temos:

• Definição clara da competência a ser aprendida


• Identificação do conhecimento prévio do(s) residente(s)
• Determinação do número de aprendizes envolvidos na atividade
• Elaboração de materiais de apoio para estratégia de ensino escolhida
• Reserva de espaço adequado para o número de participantes.

Chamaremos os encontros com os métodos programados de ensino no cenário


de prática de sessões clínicas. Nelas, diversas atividades podem ser realizadas, de
acordo com objetivo a ser alcançado. Alguns exemplos:

• Revisão de caso ou série de casos: utilização de vinhetas de pacientes


atendidos na unidade. Podem ser elaborados casos hipotéticos para
maior desenvolvimento do raciocínio clínico em casos semelhantes,
mas com diagnósticos diferentes.

• Clube de leitura: leitura prévia de artigos, livros, consensos ou diretri-


zes e discussão no grupo.

• Demonstração de manobras ou procedimentos: podem ser realiza-


dos agendamentos seguidos de uma mesma intervenção

• Auditoria/Revisão de prontuário: avaliação do registro do encontro


entre residente e paciente. Nessa atividade pode ser questionada a
linha de raciocínio durante a consulta, bem como o registro em si (for-
mato, extensão, escrita, coesão, sumarização e plano)

• Vídeo gravação de consultas: a revisão da consulta gravada permite


observação mais detalhada sobre as habilidades de comunicação ver-
bais e não verbais

• Apresentação didática: por ser realizada no cenário de prática, é reco-


mendado que seja uma apresentação curta. Tanto o preceptor quan-
to o residente podem apresentar breve tópico relacionado à prática.
Deve ser usada quando há uma lacuna de conhecimento bem definida.

28 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

• Dramatização: os indivíduos assumem os papéis do médico e do pa-


ciente e recriam uma visita ao consultório. O professor pode assumir o
papel de um paciente e representar determinada cena enquanto o alu-
no conduz a entrevista. O residente pode ainda interpretar o paciente,
o que favorece o desenvolvimento da empatia.

• Bola de neve: nessa atividade, uma série de pequenos casos ou ques-


tões são distribuídas para os residentes. Depois são colocados 2 resi-
dentes juntos para discutirem suas respostas e chegarem a um con-
senso. Em seguida, duas duplas se juntam e o processo segue até a
turma toda chegar a um diagnóstico/conduta

• Aprendizagem baseada em projetos, que podem ser de melhorias de


qualidade para a unidade/instituição ou de desenvolvimento de pes-
quisa no local de prática.

É fundamental o reconhecimento e envolvimento da gestão imediata, o que ajuda a


proteger o tempo e espaço de desenvolvimento de residentes e profissionais de saúde.
O envolvimento de outros profissionais, mesmo não vinculados diretamente ao ensino,
é uma forma possível de contrapartida do programa para engrandecimento do serviço.

Para que o ensino programado seja realizado, sem prejuízo ao serviço, o mesmo
pode ser organizado em diferentes momentos:

• Pela manhã, antes dos atendimentos serem iniciados


• Após o atendimento do último paciente do dia
• Horários previamente reservados, quando outros profissionais
assumem os atendimentos da unidade.
• Quando algum paciente falta horário agendado de consulta
• Revisão de caso entre consultas

“É fundamental o reconhecimento
e envolvimento da gestão imediata,
o que ajuda a proteger o tempo
e espaço de desenvolvimento de
residentes e profissionais de saúde. ”

29
1 2 3 4 5 6 7

Trazemos uma lista de sugestões para a programação das sessões clínicas dentro
do cenário de prática da especialidade:

• Abordagem aos problemas mais prevalentes observados na prática clínica


• Investigação de queixas específicas e sinais de alarme
• Tratamento de problemas comuns de sua especialidade
• História focada e exame físico
• Oficina de exames complementares: quando solicitá-los,
como interpretá-los
• Procedimentos (investigação e tratamento) que podem ser realizados
no local
• Oficina de elaboração de cartas de referência (encaminhamentos para ou-
tros níveis de atenção) e de contrarreferência (retorno para outros níveis)
• Habilidades de comunicação na interação com pacientes e familiares
• Vigilância de casos de doença e indicadores de saúde
• Assistência domiciliar, se pertinente
• Gestão e Trabalho em equipe
• Melhoria da adesão do paciente
• Manejo do tempo de consulta
• Manutenção da saúde e prevenção de doenças
• Lida com a incerteza clínica

30 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Referências

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sity of Toronto Press, 2020.

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FERENCHICK, Gary et al. Strategies for efficient and effective teaching in the ambu-
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LAKE, Fiona R.; VICKERY, Alistair W. Teaching on the run tips 14: teaching in ambula-
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Lingard LA, Haber RJ. What do we mean by “relevance”? A clinical and rhetorical
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Neher JO, Gordon K, Meyer B, Stevens N. A five-step “microskills” model of clinical


teaching. Clin Teach. 1992;5(4):419-424.

Pierce C, Corral J, Aagaard E, Harnke B, Irby DM, Stickrath C. A BEME realist synthesis
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Gonçalves M, Queiroz OS, Trindade TG da. Cap 54 - Ensino de medicina de família e


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Grinberg M. Acerca da Bioética da beira do leito. Rev Assoc Médica Bras. 2010;56:632-635.

31
1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. São exemplos de métodos oportunísticos de ensino-aprendizagem:

a) Discussão de casos, Observação direta, Ensino a beira-leito


b) Observação direta, Ensino a beira-leito, Dramatização
c) Ensino a beira-leito, Vídeo-filmagem, Discussão de casos
d) Discussão de casos, Dramatização, Ensino a beira-leito

2. Considerando as seguintes etapas teóricas do método hipotético-de-


dutivo, avaliados numa discussão de casos clínicos:

A. Seleção de scripts mentais


B. Tomada de decisão
C. Representação do problema
D. Coleta de dados
E. Elaboração e revisão de hipóteses diagnósticas

A sequência natural, durante o raciocínio clínico seria:

a) D, A, C, B, E
b) D, C, E, A, B
c) C, D, E, A, B
d) D, C, A, B, E

3. Você é o coordenador de um PRM e recebe queixa do seu hospital de


que os prontuários estão mal preenchidos e diferentes ouvidorias de
pacientes reclamando de grosserias no trato por parte de alguns resi-
dentes. Diante destas queixas, quais métodos de ensino poderiam ser
mais efetivos no desenvolvimento dessas habilidades?

a) One Minute Preceptor e Simulação de consulta.


b) Seminário e discussão de artigo científico sobre os temas.
c) Auditoria de prontuário e Simulação de consulta.
d) Seminário e Sessão clínica com análise de prontuário.

4. Marque a alternativa que cita exemplos de métodos de discussão de


caso na prática clínica:

a) One-Minute Preceptor e SNAPPS


b) Role- Play e SNAPPS
c) One-Minute Preceptor e Sombra
d) Sombra e SNAPPS

32 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

5. Interprete as figuras abaixo e faça a correlação entre cada uma delas e


seus conceitos:

PACIENTE ESTUDANTE

1 PROFESSOR

PACIENTE ESTUDANTE

2 PROFESSOR

PACIENTE ESTUDANTE

3 PROFESSOR

A. Consulta compartilhada (“Three-way”)


B. Estudante observador (Sombra)
C. Preceptor observador (Sombra-invertida)

a) 1A 2B 3C
b) 1B 2C 3A
c) 1B 2A 3C
d) 1C 2B 3A

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6. Sobre a discussão efetiva dos casos clínicos com seus residentes, temos
as seguintes afirmações.:

1. Ajudar o residente a delimitar as informações coletadas e sumarizar du-


rante a discussão do caso clínico melhora a acurácia diagnóstica.
2. Estudantes mais experientes conseguirão chegar a melhores hipóteses
com menos informações coletadas, porém mais relevantes para a solu-
ção dos casos.

Marque a alternativa correta:

a) As afirmativas 1 e 2 são verdadeiras, mas sem relação de causalidade.


b) As afirmativas 1 e 2 são verdadeiras e com relação de causalidade.
c) A afirmativa 1 é falsa e a é 2 verdadeira, por isso não há relação
de causalidade.
d) A afirmativa 1 é verdadeira e a 2 é falsa, mesmo havendo relação
de causalidade.

Gabarito

1 A 2 B 3 C 4 A 5 C 6 B

Para refletir e debater


1. Quais métodos de ensino são mais utilizados no seu ambiente
de trabalho? Quais são oportunísticos, quais são programáveis? E
quais as dificuldades e facilidades na hora de aplicá-los?

34 Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 04
Ensino de procedimentos
e aprendizagem de
habilidades instrumentais

Considerando “procedimento” todo ato que dependa do desenvolvimento de ha-


bilidades psicomotoras, para fins diagnósticos ou terapêuticos, trata-se de um
desafio para os preceptores, em especial em função do cuidado com a segurança
dos pacientes.

Devido a heterogeneidade na formação médica, residentes ingressam nos progra-


mas em diferentes estágios de domínio de habilidades instrumentais.

Na década de 1980, quando as metodologias de aprendizagem humanas começa-


ram a ser estudadas e descritas por Bloom e colaboradores, abriu-se caminho para
o desenvolvimento dos “domínios de aprendizagem” (conhecimento, habilidades
e atitudes), traduzido nos campos cognitivo, psicomotor e afetivo. O aprendizado
de procedimentos demanda habilidades psicomotoras voltadas ao FAZER, “que
envolve os órgãos do sentido e ativação neuromuscular para a realização de ati-
vidades específicas, passando pela percepção, movimentos e comunicação não
verbal” (KORBI, 2019). Maturidade atitudinal também é exigida nas situações, prin-
cipalmente na decisão de NÃO FAZER certo procedimento.

A execução e repetição das atividades manuais vai otimizando a destreza do


aprendiz até o ponto de realização “quase automática”. Um processo que caminha
desde a “incompetência inconsciente” até a “competência consciente” (Figura 4.1).
Dar suporte aos “incompetentes conscientes” (“sabem que não sabem”); monitora
os “competentes conscientes”, na prática diária; identifica e aproveita os “compe-
tentes inconscientes” como líderes clínicos são funções do preceptor experiente.

Os cenários reais exigem bastante cuidado por parte da preceptoria, pela preocu-
pação em associar ensino e qualidade clínica.

35
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Figura 4.1 – Processo de conscientização da competência

Consciously incompetent

System 2 System 2

Assess
Learn

Unconsciously incompetent Consciously competent

Lapse Practice

System 1 System 1

Unconsciously competent

Fonte: Bate et al, 2012.

O ensino de procedimentos médicos demanda alguns pilares:

• Um(a) preceptor(a) experiente


• Um cenário adequado
• Um programa pedagógico que contemple o ensino e avaliação
da atividade
• Residentes com interesse em aprender

Ambientes assistenciais são ricos para o raciocínio clínico e consolidação de


conhecimento, atitude e habilidades instrumentais. É fundamental o precep-
tor atentar-se:

• à integração do residente à equipe de saúde


• à ambientação, instalações do cenário
• aos materiais, equipamentos e medicamentos utilizados
nos procedimentos
• ao autocuidado e de terceiros na prevenção de acidentes.

36 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

No ensino de procedimentos, pode-se adotar configurações semelhantes à “Ob-


servação Direta de consulta”, com autonomia crescente do aprendiz. Inicialmente
o residente pode observar a atuação do preceptor, que descreve pontos-chaves
para a audiência; em seguida, o que é mais comum, é realizar o procedimento de
forma compartilhada, com auxílio e coparticipação; por fim, o residente pode (se
possível) realizar sozinho o procedimento, desde que avaliado de modo compe-
tente. Há ainda uma quarta etapa, em que o aprendiz ensina outros estudantes, o
que ajuda a fixar o conhecimento e habilidade adquiridas.

Algumas preocupações didáticas são relacionadas abaixo:

• Briefing: repassar todos os passos do procedimento junto


com residente e explicitar pontos importantes relacionados ao caso;
• Posicionar-se de forma a permitir que o residente visualize
o procedimento;
• Comunicar-se com clareza com o paciente, os residentes e a equipe
de saúde durante o procedimento;
• Debriefing: revisar o que foi feito e o que pode ser melhorado;

37
1 2 3 4 5 6 7

Outra estratégia útil é dividir cada procedimento em etapas claras como, por exemplo:

• aplicação de termo de consentimento


• preparo e orientação do paciente
• uso correto de equipamento de proteção individual (EPI).
• organização do material, equipamento, medicamentos que
serão utilizados
• conferência de equipamentos em casos de emergência/ rede de apoio
• revisão dos papéis de cada membro da equipe
• passos da técnica do procedimento em si
• pós-procedimento: orientações e prescrições ao paciente
• descarte de perfurocortantes
• registro em prontuário.

O ensino de procedimentos de forma programada pode ser feito ainda em salas de


aulas ou laboratório de simulação realística. Permite-se que um médico residente
receba treinamento suficiente antes de realizar o procedimento em situação real,
reduzindo riscos para pessoas atendidas. A criação de laboratórios de habilidades
e de simulação permite o aprendizado em situações que podem ser repetidas
quantas vezes forem necessárias para a aquisição de uma competência. Este am-
biente de simulação também favorece o feedback imediato por parte do precep-
tor. Alguns exemplos de aprendizado em ambiente simulado:

• Treinamento de procedimentos que implicam em desconforto para o


paciente, como exames e procedimentos ginecológicos e urológicos;
• Treinamento em procedimentos invasivos, como sondas, cateteres e
drenagens diversas;
• Treinamento em situações de atendimento de emergência, com a uti-
lização de simuladores cada vez mais sofisticados.

Considerando que a maioria especialidades médicas têm no currículo competências


cujo cerne é alguma habilidade psicomotora, algumas reflexões são pertinentes:

• é aplicado algum termo de consentimento antes do procedimento?


• você, como preceptor, reconhece que tem alguma dificuldade instru-
mental que o deixa inseguro no ensino de procedimentos? Se sim,
como você vem superando este desafio?
• você considera seu cenário adequado para ensino de procedimentos?
• você avalia a curva de aprendizado dos alunos no que se refere às ha-
bilidades instrumentais que eles desenvolvem?
• você consegue aferir objetivamente quando consegue confiar no seu
residente para a realização mais independente de procedimentos?
• são discutidos assuntos relacionados às habilidades atitudinais que os
alunos precisam desenvolver para a realização bem-sucedida de pro-
cedimentos, a considerar: ética, liderança e trabalho em equipe?

38 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Referências

KORBI, Thiago. A AVALIAÇÃO DO DOMÍNIO PSICOMOTOR DA APRENDIZAGEM:


ESTUDO PARA CONSTRUÇÃO DE ESCALA DE PROFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL - Dissertação de mestrado. Orientador: Dalton Francisco de Andra-
de. Universidade Federal de Santa Catarina, 2019. Disponível em: Dissertação_thia-
gokorb_formato-A5 (ufsc.br)

DOMINGOS, André Luís Alonso et all. Procedimentos Diagnósticos e Terapêuticos:


Processo de Inserção de Habilidades e Competências médicas no Currículo do
Curso de medicina da anhanguera-uniderp. Revista Brasileira de Educação Médica.
38 (4) : 542 – 547. SciELO, 2014.

CANTOLLON, Peter, HUTCHINSON, Linda and WOOD, Diana. ABC of learning and
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COSTA, Grijalva Otávio Ferreira da et al. Taxonomia dos objetivos educacionais e


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2018, v. 45, n. 05 [Acessado 20 dezembro 2021], e1954. Disponível em: <https://doi.
org/10.1590/0100-6991e-20181954>. Epub 18 Out 2018. ISSN 1809-4546. https://doi.
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BATE, L. Hutchinson, A. Underhill, J. Maskrey, N. How clinical decisions are made?


British Journal of Clinical Pharmacology, 2012.

Para refletir e debater


1. Na sua especialidade, quais procedimentos são realizados? Quais
as estratégias utilizadas para ensinar residentes a realizá-los? E
como avaliar tais habilidades?

39
Capítulo 05
A aula efetiva

Tradicionalmente as sessões didáticas são realizadas em forma de palestras que


contam com um professor entregando informações aos alunos por meio do apren-
dizado passivo, com o objetivo de transferência de conhecimento. Essas sessões
são amplamente utilizadas em programas de residência médica para fornecer con-
teúdo técnico e são consideradas um método de aprendizado apropriado em al-
gumas situações. (WOLFF; WAGNER; POZNANSKI; SCHILLER et al., 2015)

Entretanto, atualmente se entende que a eficácia das palestras está diretamente


ligada a estilos interativos de ensino. Estratégias para manutenção da atenção dos
alunos, a participação ativa da turma, o uso de questões que conduzem o rumo
da aula, bem como a discussão entre os pares caracterizam palestras eficazes.
Tais palestras melhoram a satisfação do aluno e permitem melhor resultado da
aprendizagem, bem como o aprofundamento do conhecimento. (SANDHU; AFIFI;
AMARA, 2012)

Duração da atenção
Durante uma aula, a atenção dos alunos alcança o auge durante os primeiros 10 a
20 minutos. É o período em que a maioria das anotações são realizadas. Ativida-
des de engajamento da turma devem ser realizada a cada 10 a 20 minutos, a fim
de permitir a consolidação do conhecimento recém adquirido. (SWANWICK, 2018)

40 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Figura 5.1 – Variações na atenção do aluno em aula

Atividades de Conteúdo leve;


Conteúdo Intenso engajamento consolidação
Minutos 0-20 Minutos 20-40 Minutos 40-60

ATENÇÃO

0 10 20 30 40 50 60

Tempo de aula (min)

Atividades de
Ensino engajamento Consolidação

Novo ciclo

ATENÇÃO

0 10 20 30 40 50 60

Tempo de aula (min)

Fonte: LENZ et al., 2015

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1 2 3 4 5 6 7

Estrutura de uma aula


(SANDHU; AFIFI; AMARA, 2012)

Abertura da aula: neste momento os alunos devem ser motivados


a se interessarem.

• Declarar o propósito da aula


• Apresentar os objetivos: uma narrativa sobre os objetivos pode ser
utilizada, mesmo sem um slide formal.
• Colocar uma questão ou caso clínico, gerencial, comunicacional ou pe-
dagógico para criar um desafio para os alunos. Neste momento pode-
rá ser mostrado um roteiro com posterior referência periódica a este
roteiro, para mostrar aos alunos o que já foi abordado e quais tópicos
ainda serão discutidos
• Criar um ambiente de aprendizagem positivo e seguro, reconhecendo
as respostas dos alunos.

Apresentação de conteúdo

• Neste momento devem ser apresentados os novos conceitos a serem


aprendidos
• Os conteúdos escolhidos devem refletir os objetivos da aula
• Recursos audiovisuais podem ser utilizados para complementar a fala
do educador

Técnicas de engajamento

• Os educadores devem empregar maneiras de abordar a mistura gera-


cional dos alunos em sala de aula
• Métodos de interação como questionários digitais, discussão em pares
ou grupos, dramatização e jogos podem ser utilizados a fim de reter a
atenção dos alunos
• Uso de narrativas de casos (storytelling) desperta a curiosidade e au-
menta a atenção dos alunos
• Habilidades verbais e não verbais afetam a avaliação dos alunos sobre
a eficácia do ensino e os resultados da aprendizagem

42 Preceptoria de Residência Médica


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Avaliação formativa

• Questionários durante e no final das aulas aumentam a retenção de


longo prazo do material do curso.
• É recomendado que sejam utilizadas questões de múltipla escolha
com resultado divulgado automaticamente (podendo ser anônimo)
• Um dos aspectos mais importantes é fornecer correção imediata das
respostas dos alunos, reforçando pontos importantes e corrigindo
possíveis erros de entendimento.

Conclusão

• O uso das “mensagens para levar para casa” (take home messages)
pode fornecer reforço adicional.
• A aula não deve terminar abruptamente após o último slide de conteú-
do. Em vez disso, deve concluir com um resumo dos principais pontos
da apresentação
• Este tempo final permite tempo para elaboração e esclarecimento dos
conceitos apresentados.

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Técnicas de engajamento
(metodologias ativas)
Trazemos aqui alguns exemplos de estratégias que ajudam no engajamento de
estudantes e residentes (Quadro 5.1).

Quadro 5.1 – Estratégias de engajamento para aulas

Pausas

Breve pausa em uma sessão de aprendizado para permitir que os


alunos esclareceram e assimilem informações.

Papel por 1 minuto

Faça uma pergunta ao grupo relacionado com a informação que foi


apresentada e peça-lhes que escrevam a resposta em um papel.

Muddiest point
(ponto lamacento)

Procedimento de pausa onde os alunos refletem e compartilham áreas


de confusão.

Think-pair-share
(pense-dívida-compartilhe)
Faça uma pergunta ao grupo e peça aos alunos que respondam
individualmente. Após, instrua os alunos a formarem duplas/grupos
e conversem até chegarem a um consenso e, posteriormente,
compartilham com o grupo.

Mapas conceituais

Técnica que envolve a visualização das relações entre os conceitos da


aula criando um diagrama. Pode ser feito individualmente, em grupo ou
com toda a audiência.

44 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Dramatização

Os alunos representam uma parte ou um ponto de vista particular para


entender melhor os conceitos e teorias sendo discutidos.

Casos

Técnica que usa vinhetas de pacientes reais hipotéticos para facilitar


uma discussão.

Quebra-cabeça

Um tópico é dividido em partes menores e cada membro da equipe


é designado para ler e compreender uma parte do tópico. Depois
compartilham com membros da equipe, formando um todo.

Chapéus do pensamento

Os alunos usam diferentes “chapéus metafóricos” que representam uma


forma diferente de abordar um problema ou tópico.

Aprendizagem baseada em problema

Aprendizagem baseada em casos em pequenos grupos. Os alunos


devem estudar após elaborarem perguntas de estudo desenvolvidas a
partir de um caso proposto.

Aprendizagem em equipe

Aprendizagem em pequenos grupos que envolve preparação prévia.


Durante a aula, os alunos são testados no material pré-aula e então, em
grupo, responderem a mesma avaliação coletivamente.

Fonte: WOLFF et al., 2015

Além disso, podem-se utilizar outras ferramentas de ensino-aprendizagem: Buzz


Group, Brainstorm, Minitestes, Quiz, Enquetes virtuais (por exemplo: Mentimeter
ou similares), estudo de casos, pesquisa-ação in loco, jogos, problematização etc.

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Habilidades de apresentação

Seguem agora algumas dicas para a apresentação oral (GELULA, 1997).

• Clareza e velocidade da voz: os participantes não devem se can-


sar durante uma apresentação e, tampouco, precisarem se esforçar
para entender a dicção do educador. O ensaio da aula (podendo ser
cronometrado e/ou gravado), a fim de buscar momentos de lenti-
dão ou dificuldade de pronúncia é importante para evitar a desaten-
ção dos alunos.
• Recursos audiovisuais: boas apresentações visuais apoiam uma pa-
lestra. São capazes de direcionar a atenção do público além de serem
importantes ferramentas de reforço e suporte do conteúdo.
• Uso da audiência como recurso: adultos requerem estímulo para
vincular o aprendizado atual com experiências anteriores. Enquanto
aprendem, gostam de comparar ideias e discutir com colegas.
• Entretenimento: durante a aula, o professor deve projetar entusiasmo
sobre o assunto

Há, ainda, técnicas de palco utilizadas na aprendizagem ativa:

• Mova-se pelo palco/ tablado e use a linguagem corporal para enfatizar


seus pontos
• Mude propositalmente seu olhar, olhando para cada seção da sala de
aula. Finja que está falando com várias pessoas ao redor da sala
• Não fale com seus slides; deixe os slides falarem por si mesmos.
• Evite virar-se para a tela e ler o material em vez de se dirigir ao público.
• Em grandes grupos, evite fazer perguntas diretamente para um indiví-
duo; utilize técnicas de respostas coletivas como levantar a mão

Elaboração de slides

Seguem também técnicas para elaboração de slides e design gráfico efica-


zes (LENZ; MCCALLISTER; LUKS; LE et al., 2015; SWANWICK, 2018).

• Utilize fundo monocromático e sem texturas.


• O plano de fundo e as cores do texto devem ter alto contraste
• A legibilidade relativa de fontes sans serif (por exemplo, Arial, Helve-
tica) versus fontes com serifa (por exemplo, Times New Roman) é de-
batida, mas muitos recomendam fontes sans serif para texto projetado
• A utilização de marcadores (bullet points) é uma tática comum, mas o
número de palavras deve ser minimizado para evitar a leitura passiva
de slides
• Sempre que possível, os dados devem ser exibidos como gráficos ou
imagens em vez de texto ou tabelas

46 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

• Aprimore as figuras usando cores ou setas para destacar informações


importantes e retire dados que não estão sendo discutidos
• Os gráficos de dados devem ser simplificados. Rotule linhas e colu-
nas diretamente no gráfico para evitar que público precise ficar con-
ferindo legenda
• Detalhes que promovem desordem visual, como sombras e linhas de
grade, devem ser excluídas
• Não sobrecarregue os slides – como regra geral, não deve haver mais
de sete palavras por linha e sete linhas de texto por slide.
• Divida blocos de texto sólido com imagens, desenhos ou fotografias.
Imagens visuais podem servir para incorporar mensagens na memória
de longo prazo.
• Como regra geral, permita um minuto por slide
• Use um slide de introdução para explicar a estrutura de sua palestra
e um slide de resumo de suas conclusões – ‘diga a eles o que você vai
dizer; diga-lhes; diga a eles o que você disse a eles’.

O ensino em grandes grupos

Foram expostas algumas limitações das aulas tradicionais. Vimos também seu poten-
cial quando consideram os novos contextos, perspectivas e metodologias. Além disso,
um tema a ser abordado em grande grupo pode ser desmembrado em pequenas par-
tes para serem distribuídas em pequenos grupos, que após período de dispersão, te-
rão um tempo determinado em plenária para exporem e discutirem suas conclusões.

Ensino em pequenos grupos

O desenvolvimento de estratégias de ensino em pequenos grupos vem sendo


cada vez mais utilizado em graduação e pós-graduação nas diversas áreas da saú-
de. Práticas que eram intuitivas, pelo simples fato de alguns cursos oferecerem
anualmente poucas vagas de residência, vêm sendo aprimoradas para o melhor
aproveitamento dos alunos de grandes turmas, quando se trata do ensino, desen-
volvimento e avaliação de determinadas competências.

Em geral, considera-se um pequeno grupo, a reunião de 3 a 8 estudantes, com 1


ou mais facilitadores, que os auxiliarão no desenvolvimento de determinada com-
petência. Não há consenso sobre o número mínimo ou máximo de pessoas para
que um pequeno grupo se instale, uma vez que os objetivos de aprendizagem do
encontro devem ser considerados para esta definição2,3.

Com a limitação do número de estudantes por atividade, o ensino em “pequeno


grupo” é utilizado para aprofundar/rever/elucidar um assunto que pode, ou não,
ter sido abordado em um grande grupo. Também pode ser empregado para o en-
sino e avaliação formativa de habilidades de comunicação, de procedimentos e de
habilidades atitudinais.

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Neste tipo agrupamento, fazem-se necessários alguns cuidados a fim de manter o


foco do grupo e ter o máximo de aproveitamento da sessão:3

• O facilitador deve ter cuidado com o tempo de discurso individual,


tanto dele mesmo (evitando transformar o pequeno grupo em pales-
tra) quanto dos alunos (evitando a monopolização da fala por alguns
poucos participantes). Promover a participação de todos é essencial;
• É comum que preceptores acostumados à metodologia bancária res-
pondam prontamente a todas as perguntas dos alunos, sem estimular
o raciocínio e a discussão em grupo. O papel do professor neste es-
paço será mais de promover a discussão e a construção coletiva de
conhecimento, o que ajudará os estudantes a tornarem-se mais autô-
nomos no futuro;
• Os estudantes devem estar preparados para participar da ativida-
de em pequeno grupo. Seja sendo orientados a ler um artigo para
um clube de revista, preparando um caso clínico que será discuti-
do, realizando ou assistindo uma video-filmagem para discussão em
grupo, ou se alinhando internamente para participar de um grupo
Balint, por exemplo.
• Regras de convivência devem ser estabelecidas desde o início da ativi-
dade, explicitando o não-uso/modo avião/modo silencioso do celular,
tempo de fala máximo, ordem de fala, evitar ou realizar conversas pa-
ralelas, dentre outras regras pertinentes. Este ponto é essencial para a
organização de um grande grupo também.
• Comece a sessão no horário marcado e controle as falas para que con-
siga controlar o tempo de término das atividades.

Assim como no ensino em grande grupo, para a organização de um pequeno gru-


po, o preceptor deve elucidar previamente o objetivo dele, público-alvo, espaço,
tempo de atividade, para que assim se possa definir qual o método de ensino será
empregado, a considerar1,2,3: Seguem exemplos:

• estudo de casos,
• discussão de um caso-índice para um assunto,
• clube de revista,
• discussão de habilidade de comunicação através de video-filmagem,
• desenvolvimento de habilidades em manequins e simuladores;
• estações de treinamento de habilidades,
• grupo Balint,
• desenvolvimento de habilidades atitudinais através de role play
e dramatização.

48 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Referências

GELULA, M. H. Effective lecture presentation skills. Surgical neurology, 47, n. 2, p.


201-204, 1997.

LENZ, P. H.; MCCALLISTER, J. W.; LUKS, A. M.; LE, T. T. et al. Practical strategies for
effective lectures. Annals of the American Thoracic Society, 12, n. 4, p. 561-566, 2015.

SANDHU, S.; AFIFI, T.; AMARA, F. Theories and practical steps for delivering effective
lectures. J Community Med Health Educ, 2, n. 6, p. 158, 2012.

SWANWICK, T. Understanding medical education. Understanding Medical Educa-


tion: Evidence, Theory, and Practice, p. 1-6, 2018.

WOLFF, M.; WAGNER, M. J.; POZNANSKI, S.; SCHILLER, J. et al. Not another boring
lecture: engaging learners with active learning techniques. The Journal

SPENCER, J. (2003). The ABC of Learning and teaching in Medicine. British Medical
Journal, 326(7389), 591–594. Chapter 5 and Chapter 6

CANTILLON, P., & WOOD, D. (2010). ABC Learning and Teaching in Medicine 2nd.
BMJ (Vol. 326, pp. 213–216). Chapter 5 and Chapter 6

DENT, M. MEd FAMEE FHEA FRCS J. A Practical Guide for Medical Teachers. Fifth
edition - Elsevier, 2017.

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1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Durante uma aula a atenção dos alunos:

a) permanece estável, independente da atividade


b) alcança o auge nos primeiros 20 minutos
c) é mais efetiva após 40-50 minutos
d) começa quando há utilização de recursos audiovisuais

2. Em relação a apresentação de conteúdo, em uma aula efetiva, marque


o correto:

a) deve refletir os objetivos da aula


b) pode ser atrapalhada por recursos audiovisuais, por isso estes devem
ser evitados
c) não deve retomar conceitos expostos e, sim, introduzir novos conceitos
d) deve ser enviada anteriormente para leitura prévia

3. Sobre a elaboração de slides de apresentação, recomenda-se:

a) variedade na utilização da fonte, para evitar cansaço na leitura


b) evitar a utilização de gráficos e imagens, para não poluir a apresentação
c) utilização de cores ou setas para destacar informações em figuras
ou gráficos
d) um cálculo aproximado de um slide a cada 20 segundos de apresentação

4. O ensino em “pequeno grupo” é utilizado para aprofundar, rever ou elu-


cidar um determinado assunto. Nesse tipo de agrupamento, fazem-se
necessários alguns cuidados, a fim de manter o foco do grupo e ter o
máximo de aproveitamento. Selecione a alternativa verdadeira a respei-
to deste assunto:

a) O facilitador deve deixar os alunos se expressarem livremente, evitando


limitar tempo de fala
b) Os preceptores devem dominar o assunto a ser abordado, dando prio-
ridade a aulas expositivas
c) Regras de convivência devem ser estabelecidas desde o início da atividade
d) O tema não deve ser explicitado no momento da atividade, para que se
estimule a espontaneidade dos alunos

50 Preceptoria de Residência Médica


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5. Sobre pequenos grupos, marque o correto:

a) Em geral, considera-se um pequeno grupo, a reunião de 3 a 8 estudan-


tes, com 1 ou mais facilitadores que os auxiliarão no desenvolvimento de
determinada competência.
b) Pequenos grupos são reuniões espontâneas de estudantes para que pos-
sam construir conhecimento de forma coletiva, sem apoio da preceptoria.
c) Um pequeno grupo é necessariamente o desdobramento de um grande
grupo e é utilizado para aprofundar um tema que já tenha sido abordado.
d) Apesar de ser dito como “pequeno”, o número de alunos por reunião
deve ser limitado a no mínimo 20 alunos

6. Estratégia que pode ser utilizada no ensino em pequeno grupo:

( ) discussão de um caso-índice
( ) clube de revista
( ) discussão de habilidade de comunicação através de vídeo-filmagem
( ) desenvolvimento de habilidades em manequins e simuladores

Classifique as opções como verdadeiras ou falsas e, em seguida, assinale a


alternativa correta:

a) V, V, V, F
b) V, F, V, V
c) F, V, V, V
d) V, V, V, V

Gabarito

1 B 2 A 3 C 4 C 5 A 6 D

Para refletir e debater


1. Quais características de uma aula/ palestra te mantém
atento e engajado?
2. Você utiliza grupos em suas aulas? Quais estratégias são
mais familiares?

51
Parte II.
AVALIAÇÃO
DE RESIDENTES

Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 06
Por que avaliar? Pirâmide
de Miller e Psicometria

Avaliação é uma apreciação (prova) sobre um produto (conhecimentos) ou pro-


cesso (modo de fazer), que estima seu valor (nota) ou mérito; e que para além da
medida, gera posicionamento favorável (aprovação) ou desfavorável (reprovação)
e propicia uma tomada de decisão.

Estamos mais acostumados com a avaliação do aprendizado (diagnóstica ou so-


mativa) que para o aprendizado (formativa). Na avaliação somativa o foco está
na verificação do aprendizado a partir da identificação do acerto. Em geral, este
tipo de avaliação resulta em aprovação ou reprovação, o que atribui a ela um ca-
ráter punitivo, gerando resistência e estresse ao estudante. É a mais reproduzida e
costuma ser experimentada, tradicionalmente, desde o ensino fundamental, sendo
ainda comum aos Programas de Residência Médica.

A avaliação formativa, por sua vez, não está comprometida somente com os
acertos, mas também com os erros, entendendo-os como potência de apren-
dizado. Para este tipo de avaliação o erro não tem valor negativo, portanto não
resulta na decisão de reprovação, mas em seguimento ou revisão dos objetivos e
estratégias educacionais.

“Na avaliação somativa o foco está


na verificação do aprendizado a
partir da identificação do acerto.”

53
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Tipos de avaliação
A avaliação no processo ensino-aprendizagem pode ser diagnóstica (analítica),
formativa (orientadora) e somativa (classificatória).

DIAGNÓSTICA FORMATIVA

Avalia a Permite que o


necessidade de educando tome
aprendizado conhecimento
no início do dos seus erros
processo ensino- e acertos,
aprendizagem. e encontre
estímulo para
um aprendizado
sistemático. Neste
tipo de avaliação
SOMATIVA
a devolutiva
(feedback) é
Classificatória,
fundamental.
atribui nota ou
conceito que
determina a
aprovação ou
reprovação ao final
do processo de
aprendizado.

Os três tipos de avaliação podem e devem ser utilizados em conjunto. No entanto,


em um programa de formação em serviço como a Residência a avaliação formati-
va deve ser contínua e ter garantia de feedback.

54 Preceptoria de Residência Médica


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Quadro 6.1 – Comparativo entre avaliação somativa e formativa

SOMATIVA FORMATIVA

Produto Processo

Mede a aquisição de Mede aquisição de


objetivos educacionais objetivos educacionais

Pouco feedback Feedback contínuo

Quantitativa e Qualitativa
“ranqueadora”
Não gera competição
Marca progressões
Frequente
Pouco frequente
Não punitiva
Formal
Informal
Generalizada
Individualizada

MAIOR IMPACTO
NO APRENDIZADO

Fonte: HAOC, 2020

Na Residência Médica a avaliação é uma ferramenta do planejamento educacio-


nal, que promove profissionalismo, aprimora o cuidado e garante a segurança do
paciente. Além de identificar aquilo que o residente já sabe, e o que pode ou não
fazer sozinho, sem risco ao paciente, mobiliza esforços de mudança de compor-
tamento, uma vez que reforça o que é esperado dele e o que é importante saber,
saber fazer e como ser.

55
1 2 3 4 5 6 7

Atributos de avaliação
A avaliação é uma atribuição de mérito e valor, que para além de provar algo, bus-
ca aprimorar desempenhos. Compreender os princípios básicos do processo de
avaliação pode ajudar os preceptores no desafio de bem avaliar. Uma boa avalia-
ção deve contemplar os seguintes atributos:

VALIDADE DE CONTEÚDO FACTIBILIDADE

diz respeito a coerência A factibilidade diz respeito


com os conhecimentos, à possibilidade de execução
habilidades e atitudes de um formato de avaliação,
expostos previamente como considerando os recursos
objetivos educacionais ao de um programa de
final do processo de ensino- residência médica.
aprendizagem. Por exemplo,
em uma prova escrita o
conteúdo aferido não pode
ser diferente daquele ao qual
o residente foi exposto. Em ACEITABILIDADE
outras palavras, a avaliação
deve refletir a matriz de A aceitabilidade é o potencial
competência do programa de de acolhimento pelos
residência. avaliadores e avaliados.

CONFIABILIDADE IMPACTO EDUCACIONAL

A confiabilidade é a O impacto educacional de


capacidade de um teste ser uma avaliação refere-se
repetido gerando resultados ao uso do resultado para
semelhantes, ou seja, que aprimoramento do processo
permitam generalizações. A de ensino individual e
confiabilidade é uma questão do próprio programa de
estatística e quantitativa, residência médica.
enquanto a validade é
semântica e qualitativa.

56 Preceptoria de Residência Médica


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Figura 6.1 – Ilustração dos atributos da avaliação

Confiável e não válido Válido e não confiável

Não confiável e não válido Confiável e válido

Fonte: Adaptado de SOUZA, 2017

57
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Podemos afirmar a dificuldade de um único formato de avaliação responder efe-


tivamente a todos os atributos e ser capaz de avaliar conhecimentos, habilidades
e atitudes. Neste sentido, atualmente se admite a avaliação como um sistema que
envolve diferentes momentos, avaliadores e formatos de avaliação.

Isto significa que, para avaliar se todos os objetivos educacionais foram alcança-
dos, é necessária a escolha de um formato de avaliação adequado para cada um
deles, podendo incluir mais de um formato de avaliação por unidade curricular
(módulo, disciplina ou estágio).

“ Neste sentido, atualmente se


admite a avaliação como um
sistema que envolve diferentes
momentos, avaliadores e formatos
de avaliação”

58 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Pirâmide de Miller
Para auxiliar na tarefa de escolher o melhor método de avaliação para cada ob-
jetivo educacional, George Miller em 1990, publicou o estudo “The assessment of
clinical skills/competence/performance” no qual apresentou a pirâmide das com-
petências, que posteriormente ficou conhecida como Pirâmide de Miller.

A Pirâmide de Miller é composta por quatro níveis. Os dois níveis da base da pi-
râmide envolvem conhecimento teórico, e os dois níveis superiores as habilidades
técnicas e o comportamento respectivamente.

O estudo de Miller e os outros que se seguiram a ele demonstraram que cada


nível da pirâmide exige uma complexidade crescente de instrumentos de avalia-
ção. Quanto mais nos aproximamos do topo da pirâmide, mais perto estamos da
adequação profissional. Os níveis “sabe” e “sabe como” se referem a cognição,
enquanto os níveis “mostra como” e “faz” a comportamentos.

Cada nível da pirâmide exige uma complexidade crescente de instrumentos


de avaliação.

Figura 6.2 – Avaliação de competências clínicas: Pirâmide de Miller

Avaliação
ambiental real:
mini-ciex, long
case, vídeos, 360º, FAZER
avaliação global,
portfólios
Avaliação em
ambiental simulado:
DEMONSTRAR osce, paciente,
simulado, checklist
Testes cognitivos
contextualizados:
casos clínicos, SABER COMO
problemas

SABER

Testes de conhecimentos factuais:


testes de múltipla escolha e discursivos orais ou escritos

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Um método de avaliação nos coloca em foco somente parte daquilo que o residen-
te é capaz de fazer e que ainda precisa aprender. Já um Sistema de Avaliação nos
permite compreender em profundidade o processo de aprendizado na formação
profissional do residente.

Quadro 6.2 – Implicações práticas para aprimoramento da avaliação do residente

Apenas um momento de mensuração não é suficiente.

Use diferentes formatos de avaliação, favorecendo a avaliação


no campo de prática (Workplace-Based assessment).

Aumente a amostragem (examinadores, tarefas, pacientes).

Combine as informaçõesde diversas medidas tomadas ao longodotempo,


e garanta feedback sobre os avanços e necessidade de aprendizado.

Observe se a avaliação reflete desafios adequados aos


níveis de formação do residente.

Esteja ciente dos “falsos positivos” e “falsos negativos”; não é


possível afirmar que sempre a melhor nota representará o melhor
desempenho profissional futuro.

Ofereça oportunidade de remediação e recursos.

Utilize novos formatos de avaliação para verificação de competências


complexas, por exemplo, avaliação por projetos, por equipe e por
resultado ou impactos visíveis no cuidado.

Fonte: HAOC, 2020

Um Sistema de Avaliação se constrói com base no conjunto de objetivos educacio-


nais do programa de residência médica, definindo-se a partir deles qual o método
ou formato de avaliação mais adequado.

60 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Figura 6.3 – Sistema de avaliação com sugestões de estratégias

AVALIAÇÃO AVALIAÇÃO DE AVALIAÇÃO


CONHECIMENTO DESEMPENHO HOLÍSTICA
OBSERVAÇÃO
QUIZZES
DIRETA

DIRETAMENTE GLOBAL
ESCRITA ORAL
OBSERVADA RATING

SITUAÇÕES CENÁRIOS REAIS


TESTES
SIMULADAS DE PRÁTICA

PORTFÓLIO

QUESTÕES TESTE DO
OSCE MINI-CEX
CURTAS PROGRESSO

QUESTÕES MODIFY
VÍDEO LONG CASE 360º
LONGAS ESSAY

Fonte: HAOC, 2020

A elaboração de um Sistema de Avaliação depende do nosso entendimento da


potencialidade de cada método de avaliação. O desafio é desenvolver a cultura da
avaliação e construir um Sistema de Avaliação de conhecimentos, habilidades e
atitudes com feedback permanente.

61
1 2 3 4 5 6 7

Referências

Sandars J. The use of reflection in medical education: AMEE Guide No. 44. Medical
Teacher, 2009; 31:685-95. Disponível em: https://proadi.eadhaoc.org.br/pluginfile.
php/118786/mod_page/content/6/18_1_sm01_a11_pre.pdf

MILLER GE. The assessment of clinical skills/competence/performance. Academic


Medicine (Supplement) 1990; 65: S63-S7. Disponível em: https://proadi.eadhaoc.
org.br/pluginfile.php/118786/mod_page/content/6/18_1_sm04_a11_pre.pdf

RUBENSTEIN, Warren; TALBOT, Yves. Medical teaching in ambulatory care. Uni-


versity of Toronto Press, 2020.

HOLMBOE, Eric S.; IOBST, W. I. The Assessment Guidebook. Chicago: ACGME, 2020.
Disponivel em: https://www.acgme.org/globalassets/PDFs/Milestones/Guidebooks/
AssessmentGuidebook.pdf

SOUZA, Ana Cláudia de; ALEXANDRE, Neusa Maria Costa; GUIRARDELLO, Edinêis de
Brito. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabili-
dade e da validade. Epidemiologia e serviços de saúde, v. 26, p. 649-659, 2017. Disponí-
vel em: https://www.scielo.br/j/ress/a/v5hs6c54VrhmjvN7yGcYb7b/abstract/?lang=pt

62 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Qual atributo de avaliação diz respeito a capacidade de um teste


ser repetido gerando resultados semelhantes, ou seja, que permitam
generalizações?

a) Factibilidade
b) Aceitabilidade
c) Confiabilidade
d) Validade

2. Em qual tipo de avaliação o erro não tem valor negativo e, portanto, não
resulta na decisão de reprovação, mas em seguimento ou revisão dos
objetivos e estratégias educacionais?

a) Formativa
b) Somativa
c) Sumária
d) Eliminatória

Gabarito

1 C 2 A

Para refletir e debater


Quais métodos de avaliação de residentes são utilizados no seu
programa? Quais avaliam conhecimento, habilidades ou atitudes?
Conte dificuldades e facilidades de implantar esses métodos.

63
Capítulo 07
Como elaborar
testes escritos?

Os testes escritos são o tipo de avaliação mais usado em todos os cursos, se-
leções e concursos. São fáceis, baratos e produzem escores mensuráveis. Para
uma avaliação mais ampla, no entanto, devem variar e ser complementados com
outros métodos.

Segundo a literatura vigente o formato da questão não é tão importante quanto


o estímulo (o que se pergunta). O enunciado, que vai determinar o processo do
pensamento requerido para responder, é a parte essencial do teste.

64 Preceptoria de Residência Médica


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Cuidados ao elaborar testes escritos


Ao elaborar um teste escrito, o avaliador deve atentar-se às seguintes etapas:

Atenção ao conteúdo a ser abordado em


1. relação ao público e contexto

Quem será avaliado? Residentes do primeiro, segundo ano?


Qual o objetivo desta avaliação? É uma avaliação de ingresso, progresso
ou de egresso?

2. Tipos de testes escritos a serem utilizados

Que tipo de teste deve ser empregado, considerando o domínio a ser


avaliado? (conhecimento, habilidade, atitude)

Resgatando a Taxonomia de Bloom, um teste escrito é uma boa ferramenta para


avaliação do domínio cognitivo (conhecimento).

3. Avaliação da qualidade do teste aplicado

O teste está claro e conciso o suficiente para ser usado como avaliação?
O teste cumpre a função de avaliar o objetivo (validade)?

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Tipos mais comuns de testes escritos


1. Verdadeiro-falso

Usado para analisar uma afirmativa dada ao candidato, testando conhecimento


principalmente factual. São difíceis de serem construídos, principalmente nos itens
falsos, sem demonstrar artificialidade.

Outra desvantagem é que, ao marcar “falso”, é possível demonstrar que o estudan-


te sabe o “falso”, mas não que sabe o “correto” sobre o tema.

Questão exemplo - Para o tratamento de Legionella pneumonia, Eritromicina é o


antibiótico mais indicado. (Verdadeiro / Falso)

2. Questões abertas-curtas (discursivas de resposta curta)

Requerem do estudante uma resposta curta, com não mais que duas palavras.

Existe uma relação entre o número de questões, tempo de prova e a confiabilidade


do teste. Idealmente deve haver uma “chave de respostas” com possíveis respostas
corretas, e de preferência, possíveis erros. É preciso sinalizar o tipo de resposta,
incluindo o grau de detalhamento.

Questão exemplo - Que origem muscular é afetada no “cotovelo de tenista”?

3. Questões tipo ensaio (abertas, subjetivas)

Usadas quando requerem resposta longa, idealmente para verificar a construção


de raciocínio, para avaliar uma situação ou aplicar um conceito aprendido numa
nova situação.

Fica realmente difícil avaliar as respostas submetidas sem ser influenciado pela
construção e estilo literário do estudante.

Questão - Durante o curso você tem aprendido o essencial dos mecanismos de


feedback do ACTH. Explique esse mecanismo para o controle da diurese.

66 Preceptoria de Residência Médica


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Obs: Pode-se lançar mão de um Ensaio curto, que limita o conteúdo e facilita a
correção

4. Teste de concordância de Script

Usados em cenários clínicos quando nem todos os dados são oferecidos para a
solução do problema. Ideais para avaliar raciocínio clínico.

Não há um gabarito correto, e sim uma estimativa feita por um painel de espe-
cialistas, em que, a opção mais marcada valerá mais pontos e a menos marcada,
menos pontos. Pode ser aplicado para questões de diagnóstico, propedêutica e
terapêutica em cenários variados.

5. Teste de Múltipla escolha (TME)

É o método mais utilizado de teste escrito, principalmente em situações de com-


petição, em que a mínima diferença de escore representa mudança na situação.

O item (questão) deve ser estruturado de forma a configurar uma unidade de


proposição, com coerência e coesão entre suas partes, apresentando uma única
situação-problema e uma abordagem homogênea do conteúdo selecionado.

Questão - Paciente 58 anos, com hipertensão arterial mal controlada, com queixa
de déficit à direita, PA 220x160mmHg

Se você está pensando:

ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO

E encontra:

HEMIPLEGIA COMPLETA PROPORCIONADA

A hipótese se torna:

-2 -1 0 +1 +2

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Estrutura do item
Um item de múltipla escolha, bem elaborado, deve ser formado por três elementos:

Situação-problema

Texto que será objeto de avaliação no item. Nele será apresentado o caso clínico
que deverá ser analisado pelo estudante. O mesmo caso pode ser utilizado para
mais de um item, desde que de forma articulada e coerente.

DEVE: NÃO DEVE:


Conter um problema Conter dados irrelevantes, que
ou situação a ser possam confundir o raciocínio
analisada. clínico (exames, medicamentos,
Ser compatível com patologias familiares ou pregressas).
o nível de raciocínio Conter situações raras/extremas
clínico desenvolvido (que não sejam modelo) ou
pelo estudante. múltiplas situações no mesmo caso.

68 Preceptoria de Residência Médica


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Enunciado

Contém a instrução clara e objetiva da tarefa a ser realizada pelo estudante, dire-
tamente ligada à habilidade prevista na matriz da prova. Essa instrução pode ser
expressa como pergunta ou como frase a ser completada pela alternativa correta.

DEVE: NÃO DEVE:


Ser redigido em forma Depender da resposta de outra questão.
de pergunta ou frase Conter novas informações à
incompleta, de modo situação-problema.
que as alternativas
respondam à pergunta Apresentar enunciados vagos, que
ou completem a frase transformem as alternativas em um
proposta. conjunto de frases soltas.
Utilizar-se de termos Priorizar enunciados negativos
impessoais como: como “falso”, “exceto”, “incorreto”,
“considera-se”, “calcula- “não”, “errado”.
se”, “argumenta-se”. Priorizar termos absolutos ou
genéricos como “sempre”, “nunca”,
“todo”, “nenhum”, “apenas”,
“totalmente”, “absolutamente”.
Apresentar enunciados com palavras
que indiquem a resposta correta.
Concluir o enunciado do item com
artigo (feminino ou masculino), o que
pode induzir a escolha ou rejeição de
alguma alternativa.
Colocar possibilidades de opiniões
pessoais: “como você faria”,
“o que você considera”, “como você
trataria”, “que conduta você adotaria”.

Alternativas

São possibilidades de respostas para a situação-problema apresentada, dividin-


do-se em gabarito e distratores. A construção das alternativas, principalmente os
distratores, é uma tarefa complexa e exige domínio técnico na sua elaboração.

Gabarito

Indica inquestionavelmente a única alternativa correta que responde à situação problema.

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Distratores

São alternativas incorretas à resolução da situação-problema proposta. Devem


ser redigidos com aparência de resposta correta, mas sendo, inquestionavelmen-
te, incorreta. Devem atender à plausabilidade e parecerem corretas inclusive para
estudantes com “habilidade em resolver questões”. O distrator plausível retrata
hipóteses de raciocínio utilizadas de fato no enfrentamento daquela solução-pro-
blema. Importante, porém, evitar a indução ao erro (“pegadinha”), exigindo do
estudante se prender a detalhes que o levam a errar o item pela má qualidade na
formulação do distrator.

DEVEM: NÃO DEVEM:


Apresentar distratores Apresentar alternativas
condizentes com a situação- longas demais e/ou
problema apresentada. repetitivas, que podem levar
Ser relativamente homogêneos, o estudante a perder o seu
isto é, devem formar um verdadeiro conteúdo.
conjunto equilibrado (de sinais, Incluir erros grosseiros ou
de sintomas, de métodos...). flagrantes absurdos que
Ser dispostos conforme sua levem, de imediato, à resposta
ordem natural (grandeza correta ou incorreta.
crescente ou decrescente Induzir o estudante a
dos números, ordem selecionar a melhor alternativa
alfabética, ordem cronológica (a “melhor” resposta pode
dos eventos...). ser contestada por diferentes
Conter quatro (ou cinco) autoridades no assunto).
alternativas, sendo apenas Empregar alternativa “todas as
uma correta. respostas acima” ou “nenhuma
Completar gramaticalmente das respostas acima”, por ser
o enunciado, e estar corretos discordante da instrução de
no vernáculo. indicar a única resposta correta.

Manter o paralelismo da forma Apresentar elementos que levem,


gramatical, por exemplo, todas por exclusão, à resposta correta.
as alternativas começando Apresentar palavras ou
pelo verbo, ou por substantivo, partes do enunciado como
ou por adjetivo. alternativas de resposta.
Manter um padrão na extensão Tornar alternativa falsa pela
das redações a fim de evitar simples inclusão da palavra
que eventuais diferenças NÃO na frase, pelo uso do
de extensão condicionem a prefixo in no verbo ou por
escolha da resposta. artifícios similares

70 Preceptoria de Residência Médica


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Avaliação da qualidade
do teste aplicado
• Engana-se quem acha que a avaliação acaba quando a última prova é
corrigida. Uma etapa importante de qualquer curso ou formação diz
respeito à “avaliação das avaliações”. Esta pode englobar quatro itens:
• Análise da dificuldade das questões: Define-se o quantitativo de alu-
nos que responderam corretamente uma questão e compara-se com
o que grau de dificuldade esperado pelo examinador. Valores maio-
res de 95% de acertos (questões muito fáceis) ou menores que 30%
(questões muito difíceis) indicam que o item não conseguiu conferir
de forma fidedigna a proficiência dos examinandos;
• Análise da discriminação da questão: Esta análise permitirá separar
os alunos que tem maior domínio dos temas abordados no teste, da-
queles com menor domínio Esta análise, utilizada principalmente em
provas de concursos, está intimamente relacionada à Teoria de Res-
posta ao Item, cuja análise é mais frequentemente utilizada com o uso
de softwares específicos.
• Análise das opções da questão: Esta análise diz respeito às opções ou
distratores incorretos. Um distrator frequentemente escolhido pode
ter informações com certo grau de plausibilidade, assim como um dis-
trator nunca marcado pode ter informações obviamente incorretas,
o que o torna facilmente descartado, inclusive por alunos que não sa-
bem o conteúdo da questão.
• Análise comparativa dos grupos de examinandos: Esta análise tem
como objetivo comparar os alunos de acordo com o grau de desem-
penho geral do teste ou mesmo com o grau de desempenho de uma
ou mais questões.

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Referências

Farhan Bhanji, Ronald Gottesman, Willem de Grave, Yvonne Steinert e Laura R. Winer,
The Retrospectiva Pre-Post: A Practical Method to Assess Learning from an Educa-
tional Program. Revista acadêmica de medicina de emergência. 2012 Disponivel em:
The Retrospecto Pre-Post: A Practical Method to Assess Learning from an Educatio-
nal Program - Bhanji - 2012 - Academic Emergency Medicine - Wiley Online Library

National Board of Medical Examiners. Construindo o Teste Escrito Questões para


Ciências Básicas e Clínicas Disponível em: Construindo o Teste Escrito.pdf (usp.br)

Valdes Roberto Bollela et al. Avaliação Somativa de Habilidades Cognitivas: Expe-


riência Envolvendo Boas Práticas para a Elaboração de Testes de Múltipla Escolha
e a Composição de Exames. Universidade de São Paulo. REVISTA BRASILEIRA DE
EDUCAÇÃO MÉDICA 42 (4) : 74-85; 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
rbem/a/9dnZCHRwdQKjFt7vH4DcR6n/?format=pdf&lang=pt

GUIA DE ELABORAÇÃO DE ITENS DE AVALIAÇÃO UFMG - Disponível em: NOTA


(ufmg.br)

Gilvan Justino, Dalton Francisco de Andrade. Software para avaliação de aprendiza-


gem utilizando a teoria da resposta ao item. Anais do XXVIII Congresso da SBC, 2007.

72 Preceptoria de Residência Médica


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Questões de avaliação

1. Sobre a questão abaixo marque a alternativa correta:

“A hanseníase é uma doença infecciosa, contagiosa, de evolução


crônica, causada pela bactéria Mycobacterium leprae. Atinge
principalmente a pele, as mucosas e os nervos periféricos, com
capacidade de ocasionar lesões neurais, podendo acarretar danos
irreversíveis, inclusive exclusão social, caso o diagnóstico seja
tardio ou o tratamento inadequado.”

Fonte: O que é hanseníase? | Departamento de Doenças de Condições Crônicas e


Infecções Sexualmente Transmissíveis (aids.gov.br)

Considerando essa sentença, discorra em 5 linhas sobre os critérios


diagnósticos de hanseníase.

a) Trata-se de uma questão do tipo ensaio curto, indicada para


avaliar atitude
b) b) Trata-se de uma questão do tipo associação, indicada para
avaliar conhecimento
c) Trata-se de uma questão do tipo ensaio curto, indicada para
avaliar conhecimento
d) Trata-se de uma questão do tipo associação, indicada para
avaliar habilidade

2. “Uma boa questão é aquela que separa os examinandos que conhe-


cem o assunto e aqueles que não o conhecem. Em termos práticos,
a pode ser calculada como a correlação do
desempenho do examinando na questão com o desempenho no teste
como um todo” (National Board of Medical Examiners, 2016).

a) Marque a alternativa que completa o espaço:


b) dificuldade da questão
c) discriminação da questão
d) elaboração da questão
e) pareamento da questão

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3. Considerando a sentença abaixo, marque a alternativa que corretamen-


te a completa:

“Ao elaborar uma questão você deverá…”

a) …usar situações-problemas que apresentem múltiplas situações


no mesmo caso a fim dificultar de certa forma o entendimento.
b) … acrescentar no enunciado informações novas, além das já postas
na situação-problema.
c) … priorizar enunciados negativos, utilizando termos como “falso”,
“exceto”, “errado”, “incorreto”.
d) … redigir o enunciado em forma de pergunta ou frase incompleta, de
forma que as alternativas completem a frase ou respondam à pergunta.

Gabarito

1 C 2 B 3 D

Para refletir e debater


1. Qual sua experiência como elaborador(a) de testes objetivos?
2. Quais regras você usa ao elaborar questões escritas?

74 Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 08
Avaliação de
habilidades psicomotoras
– OSCE e outros

Competência clínica abrange elementos da prática profissional, como anamnese


e exame físico, procedimentos práticos, comunicação médico-paciente, gerencia-
mento e solução de problemas e comportamento. Engloba, portanto, os 3 domí-
nios de aprendizado: conhecimento, habilidades e atitudes.

A avaliação de habilidades clínicas pode ser realizada em ambiente simulado e


em cenário real, a depender da competência a ser analisada, dos recursos e dos
aspectos de segurança do paciente.

Em cenários simulados são frequentes exames no formato de estações estrutura-


das e objetivas (Objective Structured Clinical Examination - OSCE). Esse formato
vem sendo utilizado na seleção de residentes para programas, considerado “prova
prática”, que trata de habilidades. Dentro do currículo, no entanto, ainda são pou-
cas as experiências no Brasil.

A consulta gravada pode ser utilizada tanto em cenário simulado (com atores)
quanto no campo de prática, com pacientes, em especial para avaliar habilidades
de comunicação.

Outros métodos são menos estruturados e mais adequados para a prática real,
como: MINI-CLINICAL EVALUATION EXERCISE (MINI-CEX) e LONG CASE (Caso
longo). Descreveremos cada um deles a seguir.

75
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Métodos de avaliação de habilidades


OBJECTIVE STRUCTURED CLINICAL EXAMINATION (OSCE)

São sequências de “estações práticas”, nas quais o educando interage com pa-
ciente simulado (padronizado) ou com recursos didáticos (exames, instrumentos,
modelos anatômicos…).

O registro do desempenho é feito por um avaliador treinado que utiliza um checklist.

Esta estratégia deve ser orientada por roteiro pré-definido e exige planejamento
rigoroso, desde a organização do espaço, elaboração das situações e pertinência
com os objetivos de aprendizagem trabalhados.

CONSULTA FILMADA

Estratégia que permite a autoavaliação por meio da vídeo-gravação. O educando


tem como referência sua própria imagem em ação, o que favorece a análise crítica
acerca do seu modo de fazer e agir em determinado contexto e pode atribuir sen-
tidos às suas ações.

Além do feedback do avaliador, que não necessariamente está presente na consul-


ta, os seus pares poderão fazer também a avaliação da prática registrada.

Por respeito à privacidade, o exame físico, em geral, não deve ser filmado.

MINI-CLINICAL EVALUATION EXERCISE (MINI-CEX)

O aprendiz realiza uma história, exame físico, fornece um diagnóstico e um plano


de tratamento. O avaliador pontua o desempenho usando um documento estrutu-
rado e, em seguida, fornece feedback educacional.

Os encontros devem ser relativamente curtos, cerca de 15 minutos, e ocorrer como


parte rotineira do programa de treinamento.

76 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

O MINI-CEX compreende uma escala de classificação do desempenho, proposta


pelo American Board of Internal Medicine (ABIM) com ênfase em sete áreas:

1. entrevista e história clínica;


2. exame físico;
3. comunicação e acolhimento;
4. julgamento clínico;
5. qualidades humanísticas e profissionalismo;
6. organização e eficiência;
7. cuidado clínico geral.

CASO LONGO (LONG CASE)

O educando realiza uma atividade pré-estabelecida pelo avaliador (preceptor)


como, por exemplo, a anamnese e o exame físico de um paciente e depois apre-
senta o caso completo, quando será arguido. Se for aliado à observação direta da
prática do educando, potencializa a verificação da qualidade do desempenho clí-
nico e a orientação para as mudanças necessárias.

Processo de avaliação
Lembramos que a avaliação de habilidades deve fazer parte de um sistema de
avaliação. O ideal é focarmos em avaliações formativas, que permitam que o
educando tome conhecimento dos seus erros e acertos, e encontre estímulo para
um aprendizado sistemático. Neste tipo de avaliação a devolutiva (feedback)
é fundamental.

“Lembramos que a avaliação de


habilidades deve fazer parte de um
sistema de avaliação.”

77
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Figura 8.1 – Processo de avaliação

OBSERVAÇÃO

REGISTRO DO
FEEDBACK DESEMPENHO NO
FORMULÁRIO

Fonte: HAOC, 2020

Referências

GONZÁLEZ, Adrián Martínez; MEJÍA, Juan Andrés Trejo. How to do an OSCE? Inves-
tigación en Educación Médica, v. 7, n. 28, p. 98-107, 2020.

HOLMBOE, Eric S.; IOBST, W. I. The Assessment Guidebook. Chicago: ACGME, 2020.
Dispnivel em: https://www.acgme.org/globalassets/PDFs/Milestones/Guidebooks/
AssessmentGuidebook.pdf

NORCINI, John J. The mini clinical evaluation exercise (mini-CEX). The clinical tea-
cher, v. 2, n. 1, p. 25-30, 2005.

RUBENSTEIN, Warren; TALBOT, Yves. Medical teaching in ambulatory care. Uni-


versity of Toronto Press, 2020.

SANDARS, John. The use of reflection in medical education: AMEE Guide No. 44.
Medical teacher, v. 31, n. 8, p. 685-695, 2009.

SWANWICK, Tim. Understanding medical education. Understanding Medical Educa-


tion: Evidence, Theory, and Practice, 2018.

78 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Sobre o OSCE (Objective Structured Clinical Examination), assinale a


alternativa correta:

a) São rodízios de estações práticas que avaliam conhecimento cognitivo


e factual.
b) O registro do desempenho é realizado pelo próprio residente.
c) Exige planejamento, desde a organização do espaço, elaboração das
situações e pertinência com os objetivos de aprendizagem.
d) Devido a espontaneidade da avaliação, não cabe roteiro pré-definido.

Gabarito

1 C

Para refletir e debater


Seu programa de residência aplica método de avaliação de
habilidades psicomotoras?
Quais habilidades do seu campo de atuação deveriam ser avaliadas
com métodos estruturados?

79
Capítulo 09
Métodos de
avaliação atitudinal

A atuação em medicina exige do profissional mais do que conhecimentos técnicos


e habilidades, requerendo o desenvolvimento ou aprimoramento de comporta-
mentos e atitudes que compõem as competências das diversas especialidades. A
cognição e psicomotricidade costumam ser avaliadas, mas a avaliação de habilida-
des relacionais e atitudinais é frequentemente negligenciada. Por isso, este curso
dedica um capítulo para a abordagem do tema: Avaliação Atitudinal.

Inicialmente, delimitaremos o conceito de “atitude” que, segundo o dicionário Mi-


chaelis, significa “circunstância de pensamento e de vontade que indica a orien-
tação seletiva de alguém diante de um problema ou de uma situação que diga
respeito a pessoas, objetos, instituições etc., podendo envolver uma dimensão
cognitiva, afetiva ou comportamental.” (Atitude | Michaelis On-line (uol.com.br).
Além disso, “as atitudes constituem poderosos preditores do comportamento”
(COLARES, 2002).

“A cognição e psicomotricidade
costumam ser avaliadas, mas
a avaliação de habilidades
relacionais e atitudinais é
frequentemente negligenciada.”

80 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Vários são os valores atitudinais que podem ser considerados importantes na prá-
tica médica, a considerar: comprometimento, proatividade, empatia, flexibilidade,
interesse, curiosidade, respeito pelas opiniões de outros, colaboração, organiza-
ção, ética, capacidade de trabalhar em equipe, paciência, polidez, pontualidade...
Em geral, tais características são incluídas em instrumentos de avaliação. Estes
apresentam itens que consideram conhecimentos, habilidades psicomotoras e ati-
tudinais, a exemplo do Mini-CEX e outros que utilizam a oportunidade da observa-
ção direta para avaliar o aluno. (SANTOS, 2022; BASTOS, 2019)

Existem, contudo, métodos avaliativos mais abrangentes e voltados principalmen-


te aos comportamentos positivos esperados, como o “Feedback multifonte”, tam-
bém conhecido como “Avaliação 360º”, composto por 4 a 6 partes. Como o nome
indica, é um tipo de avaliação de desempenho que valoriza multiolhares sobre
quem está sendo avaliado. Em nosso caso, o residente. (BASTOS, 2019)

Neste método, são utilizados formulários padrões específicos que serão aplicados
pelos preceptores, assim como por outros observadores: os próprios residentes
(autoavaliação, avaliação por pares), os pacientes e a equipe de saúde/gestores
(BASTOS, 2019). Os preceptores são os responsáveis por conduzir e facilitar a
aplicação dos formulários pelos demais atores. Explicam como preenchê-los, cola-
borando com o momento formativo do residente. Assim, os preceptores são peças
fundamentais para que sejam feitos feedbacks adequados e úteis para o cresci-
mento dos residentes avaliados.

O Feedback Multifonte, ou Avaliação 360º, pode ser composto por:

• AUTOAVALIAÇÃO
Entendida como um momento em que o residente fará uma autorrefle-
xão livre ou conduzida do seu processo formativo. Por isso, pode ser
aplicado um instrumento estanque (quando será utilizado um formu-
lário de preenchimento auto aplicado) ou um processo longitudinal,
em que o residente pode ser conduzido a construção de um portfólio
crítico reflexivo ao longo do curso (SILVA, 2016).

• AVALIAÇÃO POR PARES


A avaliação por pares pode ser composta por duas partes: a que se
refere ao registro dos olhares dos outros colegas de residência e a que
se refere à avaliação de um trabalho em grupo. Neste último caso, o
desempenho do grupo e o trabalho em equipe é que serão avaliados.

Na figura 9.1 apresentamos um instrumento que pode ser utilizado para avaliação
por pares (neste caso, residente avaliando residentes).

81
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Figura 9.1 – Sugestão de avaliação por pares

AVALIAÇÃO POR PARES


Na planilha abaixo, marque criteriosamente o
desempenho correspondente do seu colega durante as
atividades coletivas, sendo:

0 - insatisfatório 1/2 parcialmente satisfatório 1 - Satisfatório

AVALIAÇÃO POR PARES


Nome do Cortesia e Interesses e Integração
Assiduidade e Balanço entre
colega de respeito no contribuição com toda a
equipe pontualidade nas atividades escuta e fala
trato equipe

1. 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1

2. 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1

3. 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1

4. 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1

5. 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1

6. 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1 0 1/2 1

Obs: Fica garantido o sigilo dessa avaliação, não sendo permitida sua apreciação pelos colegas

Fonte: HAOC, 2024.

• AVALIAÇÃO PELA PRECEPTORIA


Neste momento pode-se utilizar instrumentos já conhecidos tais como
Mini Clinical Examination Exercise (Mini-CEx), através de observação
direta de uma consulta médica. O Mini-Cex é composto por itens que
abrangem a tríade CHA (conhecimentos, habilidades e atitudes) e é
amplamente utilizado em diversos programas de residência, pois auxi-
lia na condução de feedbacks potencialmente bem estruturados.

Abra o link a seguir e leia mais sobre esse instrumento nesse material feito pela Fa-
culdade de Medicina da Universidade de Coimbra: Essencias_n17_Mini-CEX (uc.pt)

82 Preceptoria de Residência Médica


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• AVALIAÇÃO PELA EQUIPE/GESTORES


A observação do comportamento dos residentes por parte da equipe
de saúde, até mesmo gestores, é de suma importância para avaliar o
trabalho em equipe, liderança, sentido de hierarquia, respeito aos de-
mais membros da equipe, assiduidade, integração com a equipe etc.
O mesmo instrumento utilizado na avaliação individual entre pares,
apresentado acima, pode ser usado neste caso.

• AVALIAÇÃO POR PACIENTES


A percepção do usuário para a avaliação 360º é um dos pontos mais
fortes e que precisa ser mais valorizada no processo formativo do mé-
dico, uma vez que o objetivo da formação profissional aponta para o
cuidado à pessoa. E para a melhoria do desempenho do residente nes-
te quesito, faz-se necessária a abordagem de temas como “habilida-
des de comunicação” em qualquer programa de residência em saúde.

No Quadro 9.1 segue um modelo que pode ser utilizado para avaliação dos resi-
dentes feita por pacientes.

Quadro 9.1 – Sugestão de avaliação realizada pelo paciente

Dê uma nota de 0 a 10, sendo quanto maior a nota da sua resposta, mais
satisfeito você ficou com o atendimento do médico ou médica residente.

NOTA

Fala tudo para você sobre sua doença?


Chama pelo seu nome? É gentil? É grosseiro ou rude?

Deixa você contar sua história? Escuta o que você fala?


Te interrompe quando você fala?
Mostra interesse em você como pessoa?

Tem o cuidado de falar o que vai fazer quando está te


examinando e o que encontrou após examinar?

Conversa sobre possibilidades de tratamento? Pergunta sua opinião?


Permite que você decida sobre a possibilidade de exames e tratamento?

Estimula você a fazer perguntas?


Responde suas perguntas de um modo que você entenda? Mostra-se
disponível para novas explicações ou ajudar em outros momentos?

Fonte: BASTOS, 2019.

83
1 2 3 4 5 6 7

Referências

BASTOS, Carla Alessandra Haber et al Avaliação 360º na residência médica: aprenda


a usar esta ferramenta. [livro eletrônico] 1.ed. Belém: 2019a. Disponível em: https://
paginas.uepa.br/ppgesa/wp-content/uploads/2020/03/E-book-Avalia%C3%A7%-
C3%A3o-360%C2%BA-na-Resid%C3%AAncia-M%C3%A9dica_Aprenda-a-Usar-es-
ta-Ferramenta.pdf

BASTOS, Carla Alessandra Haber et al. Aplicação do Método de Avaliação 360º


em Residentes Médicos de Ginecologia e Obstetrícia. Revista Eletrônica Acer-
vo Saúde /Electronic Journal Collection Health, Vol.Sup.34, 2019b. Disponível
em: Aplicação do Método de Avaliação 360º em Residentes ... https://acervo-
mais.com.br › article › download

BRASIL, Ministério da Saúde; PROAD; CRUZ, Hospital Alemão Oswaldo, Curso de


Capacitação em Preceptoria de Residência Médica - Caderno do Curso de 2020.

COLARES, Maria de Fátima Aveiro et all. Construção de um instrumento para Avalia -


ção das Atitudes de Estudantes de Medicina frente a Aspectos Relevantes da Prática
Médica. Rev. bras. educ. med. 26 (03) - Sep-Dec 2002.

LIMA, Paulo Henrique Freitas. Sistematização da avaliação 360º com feedback na


Residência Multiprofissional em Saúde / Paulo Henrique Freitas Lima. - 2019. Dispo-
nível em: Sistematizacaoavaliacao360_Lima_2019.pdf (ufrn.br)

SANTOS, Wilton Silva dos; LAROS, Jacob Arie. Revisão de uma escala para avaliar
atitudes de estudantes de medicina. Aval. psicol., Itatiba, v. 13, n. 3, p. 437-445,
dez. 2014. Disponível em<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttex-
t&pid=S1677-04712014000300016&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 02 maio 2022.

SILVA, CJV, FERRAZ AO, BOTELHO NM. O portfólio como instrumento de autoa-
valiação crítico reflexiva na perspectiva dos alunos de um curso de medicina. In-
terdisciplinary Journal of Health Education, 2016. Disponível em: O portfólio como
instrumento de autoavaliação crítico reflexiva na perspectiva dos alunos de um
curso de medicina | Ferraz | IJHE - Interdisciplinary Journal of Health Education
(emnuvens.com.br)

84 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Sobre a avaliação 360 graus, considere a afirmativa correta:

a) Avaliação uma consulta, do início ao fim


b) Utiliza formulários padrões aplicados por preceptores, residentes, equi-
pe e residentes
c) Avaliação que todos os preceptores do programa fazem de um mesmo
residente
d) Autoavaliação do residente quanto às suas competências

2. “A avaliação por pares é necessariamente composta por duas partes:


um Mini Clinical Examination Exercise (Mini-CEx) e a avaliação da pre-
ceptoria.”

a) Sobre a afirmação acima, marque a alternativa correta:


b) Está completamente correta
c) Está correta, porém incompleta
d) Está incorreta parcialmente, por um dos dois métodos
e) Está totalmente incorreta

Gabarito

1 B 2 D

Para refletir e debater


1. Você conhecia o método de avaliação 360º (ou parte dele)?
2. Aponte desafios que encontrou ou encontrará para a
implementação de avaliação atitudinal em seu programa.

85
Parte III.
TEORIAS DO
APRENDIZADO
DE ADULTOS
Preceptoria de Residência Médica
Capítulo 10
Aprendizagem
significativa para adultos

Abordaremos neste capítulo as teorias da andragogia, proposta por Malcom


Knowles e a da Aprendizagem Significativa, apresentada por David Ausubel.

Andragogia
A andragogia, definida como “arte e a ciência de ajudar os adultos a aprender’’, se
fundamenta nos princípios da aprendizagem social que possui 3 pilares:

a. participação;
b. horizontalidade na relação educador-educando e
c. investigação-ação.

As pesquisas realizadas por Knowles conduziram às seguintes premissas e carac-


terísticas da aprendizagem dos adultos:

PRECISAM SABER PORQUE DEVEM APRENDER DETERMINADAS COI-


SAS: Adultos gostam de saber qual o sentido e o significado do que vão
aprender e de que forma vão utilizar este conhecimento. Portanto, uma
das tarefas do educador de adultos é despertar neles a percepção de
como e em que medida o novo conhecimento trará ganhos para a sua
inserção na vida, e estimular a necessidade de aprender para um viver
mais satisfatório.

87
1 2 3 4 5 6 7

SENTEM A NECESSIDADE DE SE AUTODIRIGIR E SE RESPONSABI-


LIZAR PELA PRÓPRIA APRENDIZAGEM: Um adulto tem autonomia, é
responsável por suas decisões, pela sua vida e desenvolveu também um
modo de aprender, um estilo de aprendizagem. Isso significa que um
modelo educacional fechado, que exige respostas idênticas de todos,
que não respeita as singularidades e não confere ao estudante auto-
nomia na aprendizagem, sempre causará conflitos quando se trata de
ensino de adultos.

GOSTAM DE APRENDER ORIENTADOS PARA TAREFAS OU SITUAÇÕES


CONCRETAS DE VIDA: Os adultos aprendem para aplicar o conhecimen-
to, para desenvolver competências para sua vida, profissional ou não.
Isso gera a necessidade de uma organização totalmente diferente das
experiências de aprendizagem, em torno de tarefas e atividades práticas
significativas relacionadas à formação em questão.

APRENDIZAGEM COLABORATIVA: Adultos gostam de aprender através


da troca de ideias e experiências. Aprendizagem para os adultos está
fortemente associada à experiência prática sua e de outros, que sejam
valorizados e à busca de significado e aplicação do conhecimento.

88 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Aprendizagem significativa
David Ausubel foi um psicólogo e educador americano que desenvolveu a “Teoria
da Aprendizagem Significativa” na qual afirma que conhecimento prévio é, isola-
damente, o fator que mais influencia a aprendizagem.

Em oposição à aprendizagem significativa, Ausubel descreve a aprendizagem me-


cânica, em que há muito pouca ou nenhuma informação prévia onde o indivíduo
possa “ancorar” a nova informação. Este conhecimento novo será então armazena-
do de maneira arbitrária, poderá ter baixa retenção, e ser rapidamente esquecido.

A aprendizagem significativa, por outro lado, é um processo ativo em que novos


conhecimentos e significados vão sendo progressivamente incorporados pelo in-
divíduo ao que ele já sabe (à sua estrutura cognitiva), num movimento contínuo
que não é apenas de soma, mas de transformação da própria estrutura num corpo
cada vez mais complexo de conhecimentos e de relações entre eles.

Quanto mais conectada estiver a informação, maior a chance de ser assimilada


como memória de longo prazo, para ser posteriormente evocada.

Cinco passos para aplicar os princípios da andragogia na preceptoria:

Reconhecer o aluno como ser ativo, autônomo e possuidor de saberes e experi-


ências relevantes para o seu processo de aprendizagem, implica numa prática do
preceptor que favoreça:

• explicitar sempre o significado do que deve ser aprendido (POR QUE)


• definir claramente metas e objetivos da aprendizagem (PARA QUE)
• valorizar a experiência e a contribuição do residente (PARTIR DO QUE
SE SABE)
• dar feedback continuamente (VISÃO CRÍTICA DA REALIDADE)
• envolver os residentes no diagnóstico de suas próprias necessidades
de aprendizagem (AUTONOMIA, AUTOCRÍTICA E IDENTIFICAÇÃO DE
POSSIBILIDADE DE MUDANÇA)

“Reconhecer o aluno como ser ativo,


autônomo e possuidor de saberes e
experiências relevantes para o seu
processo de aprendizagem.”

89
1 2 3 4 5 6 7

Todos os princípios da educação de adultos convergem para a síntese de que o


campo de prática é o melhor cenário de aprendizado de adultos:

• por permitir um rápido entendimento do valor do novo conhecimento;


• por ser mais motivador;
• por conter mais elementos de contexto e múltiplos atores que intera-
gem para o aprendizado e
• por permitir a aplicação imediata de conhecimentos, habilidades e ati-
tudes, que em conjunto se expressam em uma ação ou competência a
ser demonstrada pelo educando.

Algumas características facilitam o aprendizado em campo de prática enquanto


outras o dificultam (Quadro 10.1):

Quadro 10.1 – Características que facilitam ou dificultam o aprendizado

Características que FACILITAM o Características que DIFICULTAM o


aprendizado em campo de prática aprendizado em campo de prática

Planejamento com objetivo de Não há um planejamento claro


aprendizagem claros
Preceptores pouco interessados
Preceptores entusiasmados e com no ensino
atitudes positivas
Preceptores falham em muitos
Preceptores são bons modelos aspectos do profissionalismo

Preceptor é acolhedor com os Preceptores intimidam por meio de


residentes humilhações

Encoraja a autonomia do residente Processo de aprendizado baseado


na passividade e transmissão de
Processo de cuidado e ensino conhecimento
orientado para a integridade
Processo de cuidado e de ensino
Avaliação por observação direta orientado por doenças
com feedback contínuo
Avaliação indireta por meio de
Oferece oportunidade de relatos e provas teóricas, com
desenvolver as habilidades feedback inadequado ou inexistente
dos residentes
Não encoraja o desenvolvimento e
Considera necessidades individuais aprimoramento das habilidades
de aprendizado
Não considera a etapa de formação
Monitora avanços dos residentes e as necessidades de aprendizado
dos residentes
Não acompanha o desenvolvimento
dos residentes
Fonte: Lopes et al, 2009

90 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

E tendo em vista os fatores que facilitam e dificultam o aprendizado na prática


em saúde e os princípios da educação de adultos, foi desenvolvido o método de
ensino-aprendizagem centrado no residente como uma transposição ao método
clínico centrado na pessoa. Assim como a abordagem centrada na pessoa des-
creve um diferente caminho no processo de cuidar, o ensino centrado no residente
requer uma forma diferente de ensinar. Observe abaixo as diferenças entre ensino
centrado no preceptor e centrado no residente.

Quadro 10.2 - Diferença entre o ensino centrado no preceptor e no residente

CENTRADO NO PRECEPTOR

Influenciado pelos interesses do preceptor


Determinado fortemente pelo conhecimento prévio do preceptor
Atividades de transmissão de conhecimento, caracterizando passividade do
residente que ouve e executa
Modelo “Como eu faço”

CENTRADO NO RESIDENTE

Interesses do residente levados em conta


(estilo de aprendizagem, cultura e habilidades)
Determinado pelas necessidades de aprendizagem do residente
Atividades que colocam o residente como corresponsável pela sua formação,
caracterizando autonomia do residente que questiona e propõe
Modelo “Como podemos fazer melhor”

Fonte: Lopes et al, 2009

Referências

Manual da oficina para capacitar preceptores em medicina de família e comunidade /


José Mauro Ceratti Lopes ... [et al.]. – Florianópolis: Sociedade Brasileira de Medicina
de Família e Comunidade, 2009.

91
1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Para a Andragogia, é função do preceptor:

a) conduzir a aprendizagem considerando o residente seu


dependente intelectual.
b) facilitar a aprendizagem transformando as informações em conhecimento.
c) decidir o que o residente precisa aprender por ele e como avaliar.
d) planejar aulas a serem ministradas de acordo com o assunto pré-definido.

2. Com relação à teoria da Andragogia desenvolvida por Malcolm Knowles,


marque o correto:

a) Adultos negligenciam saber por que devem aprender determinadas coisas.


b) Adultos sentem a necessidade de autodirigir o aprendizado, exercendo
a autonomia.
c) Adultos gostam de aprender orientados por situações abstratas
e conceituais.
d) Adultos valorizam a aprendizagem individual, refletindo ideias a sós.

Gabarito

1 B 2 B

Para refletir e debater


1. Que aspectos facilitam e dificultam o processo de aprendizagem
de um(a) residente?
2. Considerando as teorias de aprendizagem de adultos, você
identifica pontos de melhoria na sua atuação como preceptor(a)?

92 Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 11
Estilos de Aprendizagem
e Plano Individual de
Aperfeiçoamento e
Formação (PIAF)

Para além das características do estudante adulto, temos também que compreen-
der como o aprendizado acontece. Compreender as particularidades do ensino de
adultos e suas preferências ajuda a aprender melhor e resolver problemas práticos
nas suas vidas profissionais ou pessoais.

Teoria de aprendizagem
experiencial de Kolb
A teoria da aprendizagem experiencial (Kolb, 1984) é um modelo que postula que
a aprendizagem é um processo com a experiência através de quatro etapas:

1. o aprendiz tem uma experiência concreta (EC);


2. o aprendiz observa e reflete (OR) sobre essa experiência;
3. o aprendiz forma conceitos abstratos (CA) sobre a experiência; e
4. o aprendiz testa/experimenta ativamente (EA) os conceitos em
novas situações.

Kolb afirma que a aprendizagem experiencial pode começar em qualquer uma das
etapas e que o aluno as percorre continuamente.

93
1 2 3 4 5 6 7

Na prática, o processo de aprendizagem muitas vezes começa com uma pessoa


realizando uma determinada ação e depois vendo seu efeito. Em seguida, o se-
gundo passo do ciclo é entender esses efeitos na instância particular para poder
antecipar qual seria o resultado em uma situação semelhante. Seguindo o padrão,
o terceiro passo envolveria a compreensão do princípio geral sob o qual a instância
particular se enquadra, por exemplo, consultando a literatura ou conversando com
um colega. Quando o princípio geral é entendido, o último passo, segundo Kolb, é
sua aplicação por meio da ação em uma nova circunstância.

Cada indivíduo tem uma preferência por um dos quatro estilos de aprendizagem,
mas pode e deveria se familiarizar com os outros modos.

Estilos de aprendizagem de Kolb


Os estilos de aprendizagem elencados por Kolb (1976) são resultados da interse-
ção de dois eixos:

• Eixo de processo: o modo como o aprendiz processa as informações. Em


uma ponta ele FAZ (Experimentação), na outra OBSERVA (Reflexão).
• Eixo de percepção: a percepção do aprendiz em relação à sua
aprendizagem. Em um extremo ele SENTE (Experiência), no outro
ele PENSA (Conceitualização).

94 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

A relação dinâmica entre essas estratégias dá origem ao CICLO de APRENDIZA-


GEM. Seria ideal que em todo processo de aprendizagem o estudante contemplas-
se todas as etapas.

Figura 11.1 - Ciclo de Aprendizagem de KOLB.

Experiência
EC

Experimentação EA OR Reflexão

CA
Conceitualização

Fonte: Kolb, 2005

Mas nem sempre essas etapas são contempladas, e o aprendiz pode “estacionar”
em uma delas, sem fazer o ciclo girar . A essas preferências, Kolb chamou de esti-
los de aprendizagem.

• O acomodador (Experimentação Ativa + Experiência Concreta): cujo


ponto forte é a execução, a experimentação;
• O divergente (Experiência Concreta +Observação Reflexiva): cujo
ponto forte é a imaginação, que confronta as situações desde múlti-
plas perspectivas;
• O assimilador (Observação Reflexiva +Conceitualização Abstra-
ta): que se baseia na criação de modelos teóricos e cujo raciocínio
indutivo é a sua ferramenta de trabalho; e,
• O convergente (Conceitualização Abstrata +Experimentação Ativa):
cujo ponto forte é a aplicação prática das ideias.

95
1 2 3 4 5 6 7

Adaptação por Honey e Mumford


Kolb desenvolveu um questionário para reconhecimento dos estilos entre estu-
dantes. Vamos utilizar, no entanto o modelo de Honey e Mumford (2000), mais
completo e validado, mas com os aspectos fundamentais do modelo de Kolb.
Nesse modelo os termos utilizados por Kolb mudam, incluindo o sentido e apli-
cação prática.

• reflexivo em vez de divergente (observação reflexiva);


• teórico no lugar de assimilador (conceitualização abstrata),
• pragmático ao invés de convergente (experiência concreta) e
• ativista em vez de acomodador (experimentação ativa).

Estes autores propõem que os indivíduos preferem diferentes métodos de apren-


dizagem, dependendo da situação e do seu nível de experiência, utilizando, assim,
os quatro modos de aprendizagem em vez de ficarem limitados a um dos modos.

As novas designações têm significados ligeiramente diferentes.

Reflexivo

Prefere aprender a partir das atividades que lhe permitem observar, pensar e rever (tempo
para refletir) o que aconteceu. Gosta de utilizar revistas e associações de ideias/brainstorming.
As aulas são úteis se proporcionarem explicações e análises de peritos.

Teórico

Prefere resolver os problemas por etapas. Gosta de palestras, analogias, sistemas, estudo de
casos, modelos e leituras. Geralmente conversar com peritos não é proveitoso.

Pragmático

Prefere aplicar os novos conhecimentos à prática atual para ver se funcionam. Gosta de
aulas práticas, trabalho de campo e observações. Gosta de comentários, ensino tutorial e de
relações evidentes entre a tarefa a cumprir e um problema.

Ativista

Prefere o desafio de novas experiências, a relação com os outros, assimilação e dramatização.


Gosta de tudo quanto é novidade, de resolver problemas e de discussões em pequenos grupos.

96 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Após o reconhecimento do estilo de aprendizado do residente, em que se consi-


dera disponível mais elementos que o ajudem na formação, pode partir para uma
próxima etapa que é a decisão conjunta de necessidades de aprendizado. Um bom
instrumento é o Plano Individual Aperfeiçoamento e Formação (PIAF) a ser apre-
sentado a seguir.

Plano individual de aperfeiçoamento e formação

Existe um instrumento de planejamento para aprimoramento profissional continu-


ado e que pode ser elaborado tanto por docentes quanto por residentes, de forma
individual. O Plano individual de aperfeiçoamento e formação (PIAF) pode ser co-
nhecido por outros termos como Plano de Desenvolvimento Pessoal (PDP), Apren-
dizagem baseada em portfolio ou Plano Pessoal de Formação (PPF).

“Um bom instrumento é o Plano


Individual Aperfeiçoamento e
Formação (PIAF).”

97
1 2 3 4 5 6 7

Algumas premissas são importantes para a aplicação do PIAF:

a. É pessoal e deve ser montado de forma individual;


b. Deve estar relacionado às necessidades de evolução de compe-
tências de um profissional;
c. Deve ser reflexivo e subjetivo;
d. Deve conter um conteúdo relevante para objetivos claros;
e. Deve ser registrado, desde os objetivos até o alcance de metas; e
f. Deve ser revisitado periodicamente a fim de ajustes necessários.

O aprendiz (seja o próprio docente ou discente) para montar seu PIAF deve
se perguntar:

• “O que devo aprender?” - Baseado na sua percepção e necessidades


e em provas externas, tais como auditorias de prontuário, percepção
da equipe de saúde e de outros pares, constatação de problemas ou
insuficiência no atendimento de pacientes.
• “O que sei sobre esse assunto?” - Considere que você, como médico,
tem um conhecimento prévio e partirá de um ponto. Valorize o que
você já possui, mas esteja pronto para rever erros conceituais e/ou de
habilidades e ser ator da sua própria mudança.
• “Como aprenderei?” - A partir dos seus objetivos de aprendizagem,
defina sua estratégia (onde, quanto tempo, quem apoiará, que ferra-
mentas utilizará, quanto gastará).
• “Como saberei que aprendi?” - Os objetivos que farão parte do PIAF
devem ser mensuráveis para possibilitar a avaliar.

O mais importante na elaboração do PIAF é a simplicidade e a regularidade em


alimentar e rever seus registros. Isso facilita a percepção da evolução do aprendiz.

Referências

KOLB, Alice Y. The Kolb learning style inventory-version 3.1 2005 technical specifica-
tions. Boston, MA: Hay Resource Direct, v. 200, n. 72, p. 166-171, 2005.

VARGAS, Katiuscia Schiemer; BIRRER, Jucelaine Arend; MINELLO, Italo Fernando.


Estilos de aprendizagem e níveis de comprometimento organizacional: uma abor-
dagem com residentes multiprofissionais da saúde. Revista de Administração da
Universidade Federal de Santa Maria, v. 5, n. 3, p. 589-605, 2012.

CANTILLON, Peter; WOOD, Diana F.; YARDLEY, Sarah (Ed.). ABC of Learning and
Teaching in Medicine. John Wiley & Sons, 2017.

98 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. De acordo com a teoria de Kolb (1976), o aprendizado se daria por qua-


tro etapas consecutivas:

1) Experimentação ativa, aplicação por meio da ação em nova circunstância


2) Observação reflexiva, entender os efeitos na instância particular
3) Experiência concreta, realizando uma determinada ação e vendo
seu resultado
4) Conceitualização abstrata, compreensão do princípio geral aprofundan-
do a teoria

Marque a sequência correta como apresentada no modelo:

a) 3, 1, 2, 4
b) 2, 4, 3, 1
c) 3, 2, 4, 1
d) 2, 1, 3, 4

2. Sobre Plano Individual de Aperfeiçoamento e Formação (PIAF)


pode-se afirmar:

a) a) Deve ser montado de forma o mais coletiva possível


b) b) Deve conter o conteúdo do programa, independente da relevância
c) c) Deve ser permanente, não modificado durante todo o curso
d) d) Deve ser registrado, desde os objetivos até o alcance de metas

Gabarito

1 C 2 D

Para reflexão e debate


1. Como o conhecimento de seu próprio estilo de aprendizagem
pode auxiliar na sua prática diária? E o conhecimento do estilo de
residentes?
2. E se você aplicar um Plano Individual de Formação com
residentes do seu programa? Imagine as vantagens e desafios.

99
Parte IV.
PLANEJAMENTO
E CONSTRUÇÃO
DE CURRÍCULO
Preceptoria de Residência Médica
Capítulo 12
Objetivos de
aprendizagem e
Taxonomia de Bloom

Objetivos de aprendizagem
Para sermos práticos, podemos entender como objetivos de aprendizagem aquilo
que os alunos deverão alcançar para se tornar competentes na execução de deter-
minada tarefa.

Um objetivo de aprendizagem deve ser SMART, acróstico em inglês de Específico,


Mensurável, Alcançável, Relevante e no Tempo esperado, explicado no Quadro 12.1.

“Um objetivo de aprendizagem


deve ser SMART.”

101
1 2 3 4 5 6 7

Quadro 12.1 – Características SMART de um objetivo de aprendizagem

Specific (Específico): um objetivo educacional deve ser específico,


preciso e delimitado, o que facilitará no processo de avaliação. Para isso,
cada objetivo deve ser expresso em verbos claramente definidos.

Measurable (Mensurável): ou verificável durante e ao final do processo de


ensino-aprendizado. Isto significa que, ao definir o objetivo educacional,
precisamos definir também qual o método de avaliação utilizaremos.

Achievable (Alcançável): considerando os recursos que dispomos e os


conhecimentos, habilidades e atitudes que o estudante já adquiriu.

Relevant (Relevante): considerando o contexto e aplicação prática.


Desta forma responde a um dos princípios da educação de adultos que é
a aprendizagem significativa.

Timebound (Tempo esperado): o objetivo educacional precisa expressar


o tempo esperado para que ele seja alcançado.

Fonte: HARDEN, LAIDLAW, 2017.

Taxonomia de Bloom
Mas como surgiram os estudos e teorias sobre objetivos de aprendizagem? Benja-
min Bloom, educador e pesquisador americano, com o apoio de um grupo multi-
disciplinar, propôs a taxonomia dos objetivos educacionais em 1956. Eles queriam
auxiliar na identificação, organização hierárquica e desenvolvimento de compe-
tências para facilitar o planejamento do processo de ensino e aprendizagem. Os
objetivos foram classificados em:

• Cognitivos: aprendizagem intelectual (conhecimentos)


• Psicomotores: habilidades de execução de tarefas (habilidades)
• Afetivos: sensibilidades e valores (atitudes)

102 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Bloom e seu grupo, propuseram ainda que, para cada um destes domínios existe
uma hierarquia de objetivos educacionais, de acordo com a complexidade do pen-
samento exigida.

Figura 12.1 – Pirâmide cognitiva da Taxonomia de Bloom

Avaliação
Avaliar teorias, comparar ideias, julgar, avaliar metas, recomendar

Síntese
Usar os conceitos para criar novas ideias, inventar, compor, inferir, predizer

Análise
Identificar padrões, organizar ideias, reconhecer tendências

Aplicação
Usar e aplicar o conhecimento, resolver problemas, manipular, experimentar

Compreensão
Entender, sumarizar, discutir, traduzir

Conhecimento
Relembar informações, descobrir, observar, nominar

Fonte: FERRAZ, BELHOT, 2010.

103
1 2 3 4 5 6 7

Figura 12.2 – Ações contempladas na Taxonomia de Bloom

ANALISAR AVALIAR CRIAR

APLICAR

COMPREENDER

LEMBRAR

Fonte: FERRAZ, BELHOT, 2010.

104 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Tendo em vista os avanços no entendimento do processo de ensino-aprendiza-


gem, no entanto, a Taxonomia de Bloom foi revisada recentemente. Lori Anderson
e David Krathwohl propuseram a inversão da hierarquia e o uso de verbos, ao invés
de substantivos, facilitando a definição e avaliação de objetivos educacionais.

E na prática, como isso funciona? Uma das formas de se montar um hall de obje-
tivos de aprendizagem é através da utilização de frases que cumpram o SMART e
sejam divididos de acordo com a classificação e hierarquia proposta pela taxono-
mia de Bloom.

O objetivo começa com um comando:

“Ao final do XXXX (período definido), o aluno/residente estará apto a XXXX“.

Em seguida são utilizados verbos, sempre no infinitivo que ajudem a delimitar o


desempenho esperado do aluno:

SABER

SOLICITAR
PRESCREVER
DEMONSTRAR

IDENTIFICAR

REFERENCIAR ANALISAR

NOTIFICAR

EXECUTAR

INTERVIR
ENCAMINHAR DIAGNOSTICAR
TRATAR

Tais verbos devem estar diretamente relacionados ao grau de competência que o


aluno alcançará ao avançar do curso, como proposto na teoria revisada de Bloom.

105
1 2 3 4 5 6 7

Referências

HARDEN R, LAIDLAW JM. Essencial Skills for Medical Teacher: an introduction to


teaching and learning in medicine. London: Elselvier; 2017.

FERRAZ, APCM, BELHOT, RV. Taxonomia de Bloom: revisão teórica e apresentação


das adequações do instrumento para definição de objetivos instrucionais. Gest. Prod.,
São Carlos, v. 17, n. 2, p. 421-431, 2010

PADILHA, RQ et al. Mestrado profissional: gestão da tecnologia e inovação em saúde


– São Paulo: Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa; Ministério da Saúde, 2015.
Disponível em: Caderno Mestrado - 2015-2016.pdf (hospitalsiriolibanes.org.br)

Questões avaliativas

1. Sobre Objetivos de Aprendizagem, considere as afirmativas:

( ) Devem ser construídos de forma específica, mensurável, alcançável e


em tempo oportuno
( ) Devem ser divididos de acordo com a classificação e hierarquia pro-
posta pela taxonomia de Bloom
( ) Devem começar com um comando: “Ao final de XXXX (período defi-
nido), o residente estará apto a XXXX”
( ) Devem ser construídos com verbos, sempre no infinitivo, que ajudem
a delimitar o desempenho esperado do aluno

Marque a alternativa correta:

a) V, V, V, V
b) V, F, V, V
c) F, V, V, V
d) V, V, F, F

106 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

2. Marque a correta associação da classificação na Taxonomia de Bloom


com exemplos de verbos:

a) Conhecimento: comparar, criticar, distinguir


b) Aplicação: demonstrar, empregar, praticar
c) Análise: explicar, descrever, esclarecer
d) Compreensão: apontar, relatar, nomear

Gabarito

1 A 2 B

Para refletir e debater


1. Escolha um aspecto a ser aprendido em seu programa de
residência, dos domínios do conhecimento, da habilidade ou da
atitude. Em seguida tente construir um objetivo de aprendizagem,
aplicando verbos relacionados à taxonomia de Bloom.

107
Capítulo 13
Competências clínicas e
Atividades Profissionais
Confiabilizadoras (APCs)

O objetivo final da formação médica é garantir a qualidade do cuidado e formar


profissionais para uma prática clínica competente, sem necessidade de supervisão.
Mas como dizer que um residente é competente? Você confiaria o cuidado da sua
própria saúde a cada um de seus residentes egressos? E quando a resposta for
“Jamais!”, você consegue identificar os motivos?

Matriz de competências
de especialidades médicas
Muitos programas de residência médica já estão se reorganizando e adequando
seus currículos com base em matrizes de competências formuladas pelas dife-
rentes especialidades, e que já foram reconhecidas e publicadas pela Comissão
Nacional de Residência Médica. Esses documentos estão disponíveis na íntegra
em: http://portal.mec.gov.br/publicacoes-para-professores/30000-uncategorise-
d/71531-matrizes-de-competencias-aprovadas-pela-cnrm

Tais publicações, indubitavelmente, foram um marco para a evolução curricular e


configuram diretrizes que nortearão a pós-graduação em especialidades médicas
no Brasil, uma vez que devem ser utilizadas para a construção dos currículos de
seus programas (BRASIL, c2018).

108 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

São várias as experiências de programas que construíram seus currículos baseados


nas matrizes de competências. Para este livro, foram considerados os trabalhos
que detalharam as habilidades, os conhecimentos e as atitudes correlacionadas.
Trata-se de Currículos Baseados em Competências.

Como construir um Currículo


Baseado em Competências?
Devemos elucidar que um currículo é uma construção (ou reconstrução) coleti-
va, que depende de um alto investimento de tempo e organização internas aos
programas. Muitos desses currículos já existem há anos (FERNANDES et al., 2012;
FIGUEIREDO et al., 2016; MACHADO et al., 2018; NEUMANN et al., 2019; PON-
TE et al., 2018; ). Por isso, é necessário começar por avaliar o programa existente e
responder à seguinte pergunta:

• O currículo oferece uma formação alinhada à matriz de competências


aprovada para essa especialidade?

Se a resposta for “não” ou “não sei responder com certeza”, pense em impulsionar
a discussão sobre esse assunto no corpo de preceptoria para o qual você trabalha.
Mas tenha em mente que algumas etapas são necessárias.

“Para este livro, foram considerados


os trabalhos que detalharam as
habilidades, os conhecimentos e as
atitudes correlacionadas. Trata-se de
Currículos Baseados em Competências.”

109
1 2 3 4 5 6 7

Organizamos as etapas mais comuns, com base em Fernandes et al. (2012), Figuei-
redo et al. (2016)Machado et al. (2018), Neumann et al. (2019) e Ponte et al. (2018):

1. Organização de oficinas com a preceptoria sobre o tema, se ne-


cessário com o apoio de convidados externos para discussão. De-
finir datas, local, liberação de carga horária etc.
2. Revisão da matriz de competência da especialidade publicada
pela CNRM (BRASIL, 2018).
3. Discriminação das competências a formar, elencando os conheci-
mentos, as habilidades e as atitudes relacionadas a cada uma delas.
4. Escolha das metodologias de ensino e avaliação apropriadas aos
conhecimentos, às habilidades e às atitudes identificadas.
5. Prever e estabelecer os arranjos institucionais necessários para a
(re)organização do programa: parcerias institucionais, ampliação
de estágios, convite ou seleção de novos preceptores, abertura de
novos ambulatórios, organização de escalas, oferta de formação
aos preceptores, oficina de capacitação em metodologias de ensi-
no e avaliação para preceptores.
6. Revisão do trabalho construído e ajustes finais.

Um texto bastante ilustrativo e detalhado é o Currículo de Competências do Pro-


grama de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Faculdade de Me-
dicina da Universidade de São Paulo (MACHADO et al., 2018), que trata da adap-
tação da Matriz para o Currículo.

Para aproximar o ideário das competências com a real prática clínica, a excelência
do cuidado e a segurança do paciente foram criadas as Entrustable Professio-
nal Activities (EPAs), em tradução livre para o português, Atividades Profissionais
Confiabilizadoras (APCs) (TEN CATE, 2019). Apesar de suas especificidades, Com-
petências e APCs estão intrinsecamente ligadas e são interdependentes.

APCs são atividades específicas confiadas ao aluno que já adquiriu uma competência,
que por sua vez é um conjunto integrado de habilidades, conhecimentos e atitudes
desenvolvidas ao longo da formação (TEN CATE, 2019; FERNANDES et al., 2022). Por
exemplo, de acordo com NEUMANN et al. (2019), para uma APC intitulada “Fazer re-
gistro clínico adequado”, espera-se que o aluno tenha a seguinte competência:

“Apesar de suas especificidades,


Competências e APCs estão
intrinsecamente ligadas e são
interdependentes.”

110 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Competência

Documentação adequada de consulta médica

Conhecimentos

Conhecer o Código de ética médica, o sistema de prontuário da instituição;


dominar um padrão de registro (SOAP etc.)

Habilidades

Comunicação clínica, raciocínio clínico, escrita técnica

Atitudes

Atenção, seletividade, sistematicidade. (NEUMANN et al., 2019)

De forma mais específica, as APCs são unidades da prática profissional, tarefas


simples ou complexas, que constituem o fazer diário do médico. Realizá-las de for-
ma confiável demonstra determinada competência do aluno/residente, suficiente
para uma prática sem supervisão.

Como elaborar uma Atividade Profissional Confiabilizadora?

São características essenciais de uma APC (Ten Cate, Taylor, 2021):

1. ter um começo e fim claramente definidos


2. ser independentemente executável para alcançar um desfecho clí-
nico definido
3. ser específico e focado
4. ser possível de observar e mensurar os resultados
5. ser claramente distinguido de outras APCs
6. refletir um trabalho essencial e importante para a profissão
7. levar a uma saída reconhecida ou resultado do trabalho
8. ser restrito a um profissional qualificado

111
1 2 3 4 5 6 7

9. requerer aplicação de conhecimentos, habilidades e/ou atitudes


adquiridos através de treinamento
10. envolver aplicação e integração de vários domínios de competência
11. descrever uma tarefa (não qualidades ou competências de um aluno)

Para se construir uma APC, recomenda-se que sejam considerados os seguintes


itens (Ten Cate, 2019):

1. título da APC
2. especificações e limitações
3. riscos potenciais em caso de falha
4. domínios de competência mais relevantes
5. conhecimento, habilidades, atitudes e experiências esperadas para
conferir confiança
6. fontes de informação para avaliar o progresso
7. nível de confiança/supervisão esperado em que estágio de treinamento
8. período de validade, se não for praticado.

As APCs devem ser construídas em um crescente de aquisição de competências,


de forma a acompanhar a evolução da aprendizagem do residente. Cada APC
deve considerar um conjunto de domínios gerais de competências, conhecimento,
habilidade e atitude, que podem ser organizados de acordo com a matriz de com-
petência da especialidade.

112 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Traçando o caminho entre a fase da incapacidade à fase de expertise profissional


foram descritos 5 níveis para o desenvolvimento do aluno, a considerar:

NÍVEL NÍVEL NÍVEL NÍVEL NÍVEL

1 2 3 4 5
Aprendiz Aprendiz Aprendiz “Proficiente” “Especialista”
novato avançado competente

O aluno é O aluno O aluno Faz sem Supervisiona


apenas um executa uma executa a supervisão outros
observador atividade, mas atividade sob aprendizes
sempre sob supervisão
supervisão indireta, mas
direta o preceptor
está ao
alcance
para dirimir
dúvidas

Ainda são poucos os programas de residência no Brasil baseados em APCs, mas já


existem materiais amplos sobre o assunto em português, tais como o construído
para o internato da graduação em medicina da UFRGS, que pode ser acessado
através do link: Atividades Profissionais confiabilizadoras essenciais para a prática
médica – Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul(7).

Para se construir um conjunto de APCs para programas de residências médicas,


pode-se partir das matrizes de currículos baseados em competências das residên-
cias médicas (Brasil, 2018) Recomenda que seja elencado um número pequeno
de APCs por ano de residência e que estas sejam mais generalistas e não espe-
cifiquem tratamentos de doenças e sim atividades gerais, tais como: “Admitir um
paciente em enfermaria” ou “Identificar doenças graves no pronto-socorro”.

No Anexo 2 temos um exemplo de base simplificada para a construção de uma


APC e registro do compilado de avaliações relacionadas (adaptado de Rosa, 2020
e Olle Ten Cate, 2021):

113
1 2 3 4 5 6 7

Referências

TEN CATE, O. Guia atualizado sobre Atividades Profissionais Confiáveis (APCs). Re-
vista Brasileira de Educação Médica, [s. l.], v. 43, n. 1 (Supl. 1), p. 721-730, 2019. Dis-
ponível em: https://www.researchgate.net/publication/338566046_Guia_Atualiza-
do_sobre_Atividades_Profissionais_Confiaveis_APCs. Acesso em: 9 jul. 2022.

FERNANDES, C. R. et al. Currículo baseado em competências na residência médica.


Revista Brasileira de Educação Médica, [s. l.], v. 36, n. 1, p. 129-136, 2012. https://www.
scielo.br/j/rbem/a/LGx58D5V5cXtpNLcNzNFZQz/?lang=pt. Acesso em: 22 jul. 2022.

NEUMANN, C. R. et al. (org.). Avaliação de competências no internato: atividades


profissionais contabilizadas essenciais para a prática médica. Porto Alegre: UFRGS,
2019. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/335224351_Avalia-
cao_de_competencias_no_internato_Atividades_profissionais_confiabilizadoras_
essenciais_para_a_pratica_medica. Acesso em: 9 jul. 2022.

BRASIL. Ministério da Educação. Matrizes de Competências Aprovadas pela CNRM.


Brasília, DF: Ministério da Educação, c2018. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
publicacoes-para-professores/30000-uncategorised/71531-matrizes-de-competen-
cias-aprovadas-pela-cnrm. Acesso em: 9 jul. 2022.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE (SBMFC).


Currículo baseado em competências para Medicina de Família e Comunidade. Rio
de Janeiro: SBMFC, 2015. Disponível em: https://www.sbmfc.org.br/noticias/sbmfc-
-divulga-curriculo-baseado-em-competencias/. Acesso em: 28 jun. 2022.

MACHADO, L. B. M. et al. O Currículo de Competências do Programa de Residência


em Medicina de Família e Comunidade da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, [s. l.], v. 13, n. 40,
p. 1-16, 2018. Disponível em: https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/1602. Acesso
em: 25 jul. 2022.

PONTE, M. F. et al. Construção do currículo por competências para a residência em


clínica médica do Hospital Geral de Fortaleza. Jornal de Ciências da Saúde, v. 1, n. 2, p.
4-17, 2018. Disponível em: https://revistas.ufpi.br/index.php/rehu/article/view/7038.
Acesso em: 25 jul. 2022.

FIGUEIREDO, G. O. et al. Construção coletiva de um currículo por competência para


a residência em Medicina de Família e Comunidade. Sustinere – Revista de Saúde e
Educação, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 265-286, jul./dez. 2016.Disponível em: https://
www.epublicacoes.uerj.br/index.php/sustinere/article/view/25797/19519. Acesso em:
25 jul. 2022.

114 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

TEN CATE, O; TAYLOR, D.R.(2021) The recommended description of an entrustab-


le professional activity: AMEE Guide No. 140, Medical Teacher, 43:10, 1106-1114, DOI:
10.1080/0142159X.2020.1838465. Pesquisado em 09/07/2022. Disponível em: Cita-
tions: The recommended description of an entrustable professional activity: AMEE
Guide No. 140 (tandfonline.com)

Francischetti, Ieda, Holzhausen, Ylva e Peters, Harm. Tempo do Brasil traduzir para a
prática o currículo Médico Baseado em Competência por meio de Atividades Profis-
sionais Confiáveis (APCs) * * This article received financial support from the Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), from the research project
under process number 2018 / 26011-2. . Interface - Comunicação, Saúde, Educação
[online]. 2020, v. 24 [Acessado 9 julho 2022], e190455. Disponível em: <https://doi.
org/10.1590/Interface.190455>. Epub 16 Mar 2020. ISSN 1807-5762.

Rosa, Raquel Felisardo. Estruturação De Currículo Baseado Em Competências E Ati-


vidades Profissionais Confiáveis Para Formação Do Especialista Em Pneumologia Da
Santa Casa De Belo Horizonte. 2020. Acessado 9 julho 2022. Disponível em: Disser-
tação Raquel Felisardo.pdf (unifenas.br)

Canadian Interprofessional Health Collaborative, A National Interprofessional Com-


petency Framework, University of British Columbia Vancouver BC V6T 1Z3 Canada,
February 2010. Acessado 9 julho 2022. Disponível em: 02-CIHC-IPCompetencies-
-Feb12101.pdf (corhealthontario.ca)

Avaliação de competências no internato: atividades profissionais confiabilizadoras


essenciais para a prática médica/ Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre e Universidade Federal do Rio Grande do Sul; organizado por Cristina
Rolim Neumann... [et al.] – Porto Alegre: UFRGS, 2019. Acessado 9 julho 2022. Dispo-
nível em: https://www.researchgate.net/publication/335224351_Avaliacao_de_com-
petencias_no_internato_Atividades_profissionais_confiabilizadoras_essenciais_pa-
ra_a_pratica_medica Matrizes de Competências Aprovadas pela CNRM - Ministério
da Educação (mec.gov.br)

Olle ten Cate, Huiju Carrie Chen, Reinier G. Hoff, Harm Peters, Harold Bok & Marieke
van der Schaaf (2015) Curriculum development for the workplace using Entrustable
Professional Activities (EPAs): AMEE Guide No. 99, Medical Teacher, 37:11, 983-1002,
DOI: 10.3109/0142159X.2015.1060308 To link to this article: https://doi.org/10.3109/01
42159X.2015.1060308. Disponível em: TF-IMTE150159 983..1002 (siwf.ch)

115
1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Como construir um currículo baseado em competências? Selecione a


alternativa que corresponda a uma etapa inicial:

a) Revisão da matriz de competência da especialidade publicada na CNRM


b) Construção de uma Atividade Profissional Confiável
c) Elaboração de questões para avaliação dos residentes
d) Organização de seminários para apresentação de trabalhos de conclusão

2. É uma característica essencial de Atividades Profissionais Confiabiliza-


doras (APCs):

a) Ser dependente do preceptor para alcançar um desfecho clínico definido


b) Ter um objetivo amplo e multifocado
c) Refletir um trabalho essencial e importante para a profissão
d) Descrever qualidades e competências de um aluno

Gabarito

1 A 2 C

Para reflexão e debate


1. O currículo do programa de residência que você trabalha é
baseado em competências? Se sim, comente sua experiência.
Se não, cite ao menos um desafio para essa construção.
2. Você já conhecia o conceito de EPAs/APCs? Dê sua opinião sobre
esse assunto e suas potencialidades na melhoria do seu programa
de residência médica.

116 Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 12
Legislação para
programas de residência

Os primeiros Programas de Residência Médica (PRM), no Brasil, foram criados na


década de 1940, em São Paulo, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medici-
na da Universidade de São Paulo, e no Rio de Janeiro, no Hospital dos Servidores
do Estado. Esses programas foram criados por professores de medicina e mé-
dicos que haviam feito sua formação nos Estados Unidos e foram influenciados
pelo modelo estadunidense de formação de especialistas (BRASIL; PROADI-SUS;
HAOC, 2020).

No início, havia poucos programas e poucas vagas. Apenas um número pequeno


de médicos procurava o treinamento nos programas de residência, pois a dedi-
cação exigida era muito grande e as bolsas para auxílio financeiro eram muito
inferiores à remuneração que seus colegas recém-formados recebiam sem fazer
residência (BRASIL; PROADI-SUS; HAOC, 2020).

“Os primeiros Programas de


Residência Médica (PRM), no Brasil,
foram criados na década de 1940.”

117
1 2 3 4 5 6 7

Em 1977, já com grande número de médicos residentes em todo Brasil, houve um


movimento reivindicatório em prol da regulamentação dos programas em funcio-
namento. Foi criada então a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM),
por meio do Decreto n. 80.281, de 5 de setembro de 1977 (BRASIL, 1977; BRASIL;
PROADI-SUS; HAOC, 2020). O referido decreto ainda em vigência, mas sofreu atu-
alizações em 2011, as quais são apresentadas adiante.

É a CNRM que define as normas para a residência médica, credencia e descre-


dencia programas, estabelece as normas para os exames de seleção para a re-
sidência médica e define as formas de avaliação dos programas, entre outras
atribuições (BRASIL; PROADI-SUS; HAOC, 2020). Sua composição já passou por
várias modificações.

Em 7 de julho de 1981, o Congresso Nacional aprovou a Lei n. 6.932, que regulamen-


ta a residência médica no Brasil. Essa lei define a carga horária semanal máxima,
os direitos trabalhistas, o regime de dedicação e o direito de utilizar a expressão
“residência médica” (BRASIL, 1981; BRASIL; PROADI-SUS; HAOC, 2020).

118 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Em 15 de setembro de 2011, foi sancionado o Decreto n. 7.562 (BRASIL, 2011), que


alterou a composição da Comissão Nacional de Residência Médica, e redefiniu
suas atribuições, conforme abaixo:

Art. 4º A Plenária é composta por doze conselheiros, a saber:

I. dois representantes do Ministério da Educação, como membros natos;


II. um representante do Ministério da Saúde, como membro nato;
III. um representante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde
- CONASS;
IV. um representante do Conselho Nacional de Secretários Municipais
de Saúde - CONASEMS;
V. um representante do Conselho Federal de Medicina - CFM;
VI. um representante da Associação Brasileira de Educação Médica -
ABEM;
VII. um representante da Associação Médica Brasileira - AMB;
VIII. um representante da Associação Nacional de Médicos Residentes
- ANMR;
IX. um representante da Federação Nacional de Médicos - FENAM;
X. um representante da Federação Brasileira de Academias de Medi-
cina - FBAM; e
XI. um médico de reputação ilibada, docente em cargo de provimento
efetivo em Instituição de Educação Superior pública, que tenha
prestado serviços relevantes ao ensino médico, à residência médi-
ca e à ciência médica em geral (BRASIL, 2011).

Até 2022, existem 41 documentos, entre leis, decretos e regulamentações, relacio-


nados à residência médica no Brasil. Todo esse ementário legal pode ser acessado
através do seguinte link: Ementário da Legislação — Português (Brasil) (www.gov.br)

“É a CNRM que define as normas


para a residência médica, credencia e
descredencia programas, estabelece
as normas para os exames de seleção
para a residência médica e define as
formas de avaliação dos programas.”

119
1 2 3 4 5 6 7

Regimentos e regulamentos
internos dos PRMs no Brasil
Segundo o estudo sobre a demografia médica no Brasil, coordenado por Scheffer
et al. (2020), publicado pela Universidade de São Paulo, com cooperação técnica
do Conselho Federal de Medicina (CFM), o Brasil contava com 55 especialidades
médicas e existem 4.862 programas ofertados por 809 instituições credenciadas
na CNRM.

As instituições de ensino possuem seus próprios regulamentos, normas, princípios


filosóficos e estruturantes. Já os PRMs, seguindo a legislação vigente nacional,
possuem regimentos internos contendo os detalhes sobre o seu funcionamento.
Por vezes, as palavras regimento e regulamento são utilizadas como sinônimos,
sem prejuízo ao uso.

É possível encontrar vários regulamentos e regimentos internos de instituições e


programas de residência na internet, por exemplo:

• UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo


• HCPA – Hospital das Clínicas de Porto Alegre
• UFES – Universidade Federal do Espírito Santo
• SES-DF – Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal

Referências

BRASIL. Decreto n. 80.281, de 5 de setembro de 1977. Regulamenta a Residência Mé-


dica, cria a Comissão Nacional de Residência Médica e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Brasília, D F, 6 set. 1977. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto/1970-1979/d80281.htm. Acesso em: 10 ago. 2022.

BRASIL. Lei n. 6.932, de 7 de julho de 1981. Dispõe sobre as atividades do médico resi-
dente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, D F, 9 jul. 1981. Disponí-
vel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6932.htm. Acesso em: 10 ago. 2022.

BRASIL. Decreto n. 7.562, de 15 de setembro de 2011. Dispõe sobre a Comissão Nacional


de Residência Médica e o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação
de instituições que ofertam residência médica e de programas de residência médica.
Diário Oficial da União, Brasília, D F, 16 set. 2011. Disponível em: http:// www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7562.htm. Acesso em: 10 ago. 2022.

120 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

BRASIL. Ministério da Saúde; PROAD-SUS; Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC).


Curso de Capacitação em Preceptoria de Residência Médica. [Caderno do Curso de
2020]. São Paulo: HAOC, 2020.

SCHEFFER, M. et al. Demografia Médica no Brasil 2020São Paulo: Departamento de


Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; Conselho Federal de Medici-
na, 2020. Disponível em: DMB 2020.pmd (usp.br). Acesso em: 10 ago. 2022.

Questões de avaliação

1. Sobre a afirmação abaixo, julgue a veracidade e assinale a alternativa


correta: “É a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) quem
define as normas para a residência médica, credencia e descredencia
programas, estabelece as regras para os exames de seleção e define as
formas de avaliação de programas, entre outras atribuições”

a) Está completamente correta


b) Está parcialmente correta e incompleta
c) Está parcialmente correta, porém completa
d) Está totalmente incorreta

Gabarito

1 A

Para reflexão e debate


1. Releia o regimento interno do seu programa, grife pontos
importantes e teça comentários sobre pontos que poderiam ser
atualizados para melhorar o PRM onde você é preceptor.

121
Parte V.
HABILIDADES
RELACIONAIS
DE RESIDENTES
Preceptoria de Residência Médica
Capítulo 15
A relação
preceptor-residente

A relação entre preceptor(a) e residente responde por boa parte da efetividade do


ensino. Essa convivência pode não ser tão fluida e passar por crises, como obser-
vado em qualquer relacionamento.

Algumas premissas do vínculo preceptor-residente devem ser levadas em consideração:

1. É uma relação baseada na confiança

A confiança proporciona o compartilhamento de experiência e conhecimento, por


isso ser considerada a base da relação entre preceptor-residente.

O processo de confiabilização e delegação de responsabilidades é construído ao


longo do tempo, podendo ser mais rápido ou mais demorado de acordo com as
experiências vivenciadas. Exige uma avaliação dos riscos de permitir que o apren-
diz realize determinadas tarefas, em especial quando envolve pacientes.

Trata-se de uma via de mão dupla. Sem confiança o residente pode resistir às
informações trazida pelo preceptor e ao seu modelo de comportamento profissio-
nal; sem confiança o preceptor não compartilha com o residente responsabilida-
des e informações assistenciais do paciente.

O conhecimento disponível de forma instantânea nos smartphones e computado-


res pode ser um desafio que testa a confiabilidade dos preceptores e pode ame-
açá-la. O acompanhamento fragmentado entre preceptores e residentes, que não
favorece o vínculo, é outro inconveniente a ser considerado nos dias de hoje.

123
1 2 3 4 5 6 7

2. É uma relação que tende à horizontal

“Fundamentalmente, aprendi que meu talento como professor é a habilidade de


“dançar” com meus educandos, de compartilhar com eles a criação de um contex-
to no qual todos nós possamos ensinar e aprender.” (Palmer)

“Dançar” com os alunos consiste na horizontalização da relação. Diferente do estu-


dante (não-graduado), o residente está em formação, mas já conta com todas as
prerrogativas de um profissional, incluindo deveres e responsabilizações. Assim,
a relação do preceptor com o residente é muito mais horizontalizada, até mesmo
nas tomadas de decisões.

Tanto formador quanto formando possuem responsabilidade e autonomia no pro-


cesso. Ou seja, trata-se de uma formação colaborativa.

A educação, em medicina, não se resume à aprendizagem de um conjunto de co-


nhecimentos e habilidades. Ela transforma leigos em profissionais, responsáveis
pelo cuidado do outro.

124 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

3. É uma relação construída por experiências, emoções e sentimentos

Como a ligação emocional é um aspecto fundamental das relações humanas, as


emoções fornecem um contexto importante para as mensagens que o professor
transmite, implícita ou explicitamente.

Emoções positivas geradas em um bom relacionamento podem diminuir a ansie-


dade e levar o aluno a assumir mais autonomia em seu aprendizado, fazer mais
perguntas, suposições desafiadoras e testar hipóteses.

É oportuno lembrar que podem ocorrer sentimentos ambivalentes a respeito dos


professores: os alunos buscam relação de dependência, desejando que seus de-
veres sejam claros e limitados, ao mesmo tempo que se ressentem por imposições
e buscam maior independência e autonomia.

O preceptor deve entender a complexidade da relação com os residentes, onde a


replicação de sentimentos com figuras de autoridade, do presente ou do passado,
podem estar presentes.

4. Preceptores são modelos de profissionais

O preceptor é influenciador e motivador do desenvolvimento de seus residentes.


Deve estimular a autoconfiança do aprendiz.

Observando o comportamento de educandos mais adiantados e seus professores,


o aluno vai percebendo princípios, atitudes, condutas e valores.

Os residentes aprendem não só o que professores dizem, mas também sua práxis.
É essencial que os preceptores façam o que pregam. Não somente falem, mas SE-
JAM aquilo que almejam ensinar.

“O preceptor deve entender a


complexidade da relação com
os residentes, onde a replicação
de sentimentos com figuras de
autoridade, do presente ou do
passado, podem estar presentes.”

125
1 2 3 4 5 6 7

5. Deve ser centrada no residente

Além de aplicar ferramentas para o ensino, o educador precisa conhecer seu edu-
cando, ter um interesse genuíno em sua pessoa, descobrir o que é valoroso para
ele, compromissos familiares e sociais, aspirações e sonhos.

Buscando diminuir a distância hierárquica, a educação centrada no aluno, tra-


ça um paralelo com o método clínico centrado na pessoa, valendo-se dos
quatro componentes:

1) avaliação das necessidades de aprendizado


2) entendimento do educando como uma pessoa inteira
3) elaboração de um plano conjunto para o manejo da aprendizagem
4) intensificação da relação preceptor-residente.

Tais componentes da educação centrada no aluno precisam ser constantemente


revistos e o diálogo entre as partes deve ser constante e fluido.

A educação deixa de ser uma transmissão de via única, na qual o preceptor de-
posita as informações em um estudante vazio de conhecimento. Cornelius-White,
em 2007, apresentou um estudo que refere que o ensino centrado no aluno, bem
como uma boa relação entre o formador e formando permitem que o estudante
aprenda mais.

6. Cada um aprende de forma diferente

Ainda que os educandos tenham se formado em uma mesma turma, suas habilida-
des, necessidades e interesses de aprendizagem divergem.

As experiências de vida, estilos de aprendizagem, níveis de autoconfiança, resili-


ência e resistência à mudança são alguns dos motivos que fazem os alunos serem
diferentes entre si.

Uma relação aberta e saudável entre preceptor e residente, caracterizada por em-
patia, autenticidade e respeito (consideração positiva) deve ajudar nesse aspecto.

7. Existe um currículo oculto em qualquer programa de ensino

O currículo oficial define quais conhecimentos os estudantes devem assimilar, mas


não abrange as formas como devem se relacionar com colegas, professores, equi-
pe nem mesmo com o programa ou com a sociedade. As mensagens implícitas
passadas para os estudantes são chamadas de currículo oculto.

126 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

O currículo oculto é ensinado por meio dos exemplos e pela socialização. De ma-
neira negativa, o currículo oculto pode contribuir para a promoção de comporta-
mentos abusivos. O modelo de “observar, fazer e ensinar” pode levar à imitação
de atitudes inadequadas, perpetuando a inferiorização e maus-tratos difundidos
entre os estudantes como ritos de passagem.

Dificuldades dos preceptores


Certos comportamentos do preceptor podem atrapalhar na vinculação com residentes:

• a necessidade de salvar, ser curador


• a necessidade de estar no controle
• a necessidade de ser amado
• a presença de conflitos não resolvidos da sua própria experiência de
treinamento
• transbordamento da vida pessoal ou profissional
• tensão na relação com o administrador da instituição / programa.

No dia-dia da preceptoria, é imprescindível estudar constantemente, buscar auto-


nomia e resiliência, ser afetuoso(a) e humilde, focar o cuidado e o ensino no outro,
transformar cenários de práticas, influenciar e inspirar, tentar “melhorar mundos”,
mesmo que das pessoas à sua volta.

127
1 2 3 4 5 6 7

Referências

STEWART, M. et al. Medicina centrada na pessoa: transformando o método clínico.


3a Ed. Porto Alegre Artmed Editora, 2017.

ABRUZZO, D., Sklar, D.P., McMahon, G.T. Improving Trust Between Learners and Tea-
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CORNELIUS-WHITE, J. Learner-centered teacher-student relationships are effective:


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CRUESS, Richard L.; CRUESS, Sylvia R.; STEINERT, Yvonne. Amending Miller’s pyra-
mid to include professional identity formation. Academic Medicine, v. 91, n. 2, p. 180-
185, 2016.

Questões de avaliação

1. Sobre relação de confiança entre preceptor e residente, marque o cor-


reto:

a) O processo de confiabilização e delegação de responsabilidades é rápi-


do, dura dias ou semanas.
b) Exige uma avaliação dos riscos de permitir que o aprendiz realize deter-
minadas tarefas, em especial quando envolve pacientes.
c) Trata-se de uma via de mão única: sem confiança o preceptor não com-
partilha com o residente responsabilidades e informações assistenciais
de pacientes.
d) O acompanhamento fragmentado entre preceptores e residentes favo-
rece bastante o vínculo.

128 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

2. No paralelo com o método clínico centrado na pessoa, o ensino centra-


do no residente gera quatro componentes que incluem:

a) Identificação das deficiências educacionais, avaliação dos estilos de


aprendizagem, elaboração de um plano conjunto de ensino e avaliação
regular e frequente.
b) A avaliação das necessidades de aprendizado, o entendimento do edu-
cando como uma pessoa inteira, a elaboração de um plano conjunto
para o manejo da aprendizagem, além da intensificação da relação en-
tre educando e professor.
c) A avaliação das necessidades de aprendizado, feedbacks regulares fre-
quentes, períodos de resgate do aprendizado do trimestre anterior e
avaliação formativa semestral.
d) Identificação das deficiências educacionais, feedbacks regulares fre-
quentes, avaliação formativa semestral e plano de recuperação (semes-
tral ou anual)

3. Assinale a opção correta de verdadeiro e falso, a partir das afirmativas abaixo:

a) Cornelius-White (2007) apresentaram estudo que demonstra não haver


relação entre relação formador-formando e aprendizado do estudante.
b) Apesar da subjetividade da relação entre preceptor e residente, existem
diversos protocolos orientando ambos os profissionais.
c) O preceptor deve considerar que a transferência e replicação de sen-
timentos com figuras de autoridade no passado do residente podem
estar presentes.
d) O currículo oficial define como devem ser as relações do residente com
os colegas, professores e equipe, com o curso e com a sociedade (cur-
rículo oculto).

Gabarito

1 B 2 B 3 C

Para reflexão e debate


1. Você acredita conhecer seu(s) residente(s)? Quais dos aspectos
da relação preceptor-residente, citados no texto, são claros no dia-
dia? Quais não aparecem de forma evidente?

129
Capítulo 16
Sofrimento mental de
preceptores e residentes

O estresse profissional ou esgotamento profissional, também denominado de Sín-


drome de Burnout (SB), na definição de Maslach e Jackson (1981), caracteriza-se
como uma síndrome que cursa com exaustão emocional, despersonalização e re-
duzida realização profissional, entre indivíduos que trabalham com pessoas.

A exaustão emocional está relacionada à redução dos recursos emocionais inter-


nos, causada por demandas interpessoais. A despersonalização reflete o desen-
volvimento de atitudes frias, negativas e insensíveis direcionadas aos receptores
de um serviço prestado. A sensação de baixa realização profissional evidência
que pessoas que sofrem de SB tendem a acreditar que seus objetivos profis-
sionais não foram atingidos e vivenciam uma sensação de insuficiência e baixa
autoestima profissional.

Na área médica, a doença está relacionada ao esgotamento físico e mental e fal-


ta de energia. Pode levar ao contato frio e impessoal com pacientes, atitudes de
cinismo, ironia, indiferença, insatisfação com seu trabalho, baixa autoestima, des-
motivação e desejo de abandonar o cargo. Na maioria das vezes associa-se a plan-
tões, longa jornada de trabalho, equipe despreparada, exposição constante a risco,
pressão do tempo e urgências, convivência com sofrimento e morte, além de situ-
ações caracterizadas como assédio por parte da equipe de saúde e preceptores.

Em resumo, a SB é considerada uma doença ocupacional que se apresenta com


despersonalização, exaustão emocional e baixa realização pessoal que afetam sig-
nificativamente o desempenho profissional.

130 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Qual o impacto do Burnout nos


programas de residência médica?
Além do quadro de despersonalização, que influencia diretamente na qualidade
do atendimento aos pacientes, a SB está intimamente ligada à percepção de baixa
qualidade de vida e sonolência diurna. Juntos, esses três fatores impactam negati-
vamente na capacidade de aprendizagem do residente e na segurança dos pacien-
tes atendidos em serviços de residência médica. Um residente sonolento é mais
desatento, menos cuidadoso e por isso, tem maior chance de erro ou quase erro.

Desta forma, ao se perceber sinais de SB, o preceptor deve tomar uma atitude
proativa e avaliar o aluno de forma ampliada, considerando também escalas de
qualidade de vida e de sonolência diurna.

Quais as causas relacionadas à SB


entre residentes de diversas áreas?
A SB, independente da profissão, é sempre relacionada a múltiplas causas e nos
programas de residência médica pode-se elencar diversos problemas, tais como:
carga horária excessiva, privação de sono, problemas financeiros, baixa valorização
do trabalho, desorganização no programa de residência, excesso de atendimen-
tos diários, medo de cometer erros, falta de coesão com a equipe multidisciplinar,
frustração e sensação de impotência diante de pacientes com doenças incuráveis,
isolamento social e familiar, falta de condições de trabalho e/ou aprendizagem e
cobrança constante por resultados.

“A SB, independente da profissão, é


sempre relacionada a múltiplas causas
e nos programas de residência médica
pode-se elencar diversos problemas.”

131
1 2 3 4 5 6 7

Como diagnosticar?
O esgotamento profissional pode ser diagnosticado e mensurado por meio do
Inventário de Burnout de Maslach, validado em 1997. Esse instrumento avalia três
dimensões relacionadas à SB: exaustão emocional, despersonalização e reali-
zação pessoal. Ao todo, é composto por 22 perguntas divididas entre essas três
dimensões. Devido a maior simplicidade na aplicação e interpretação dos dados,
usaremos neste curso a versão adaptada deste, escrita por Chafic Jbeili (Anexo 3).

Como abordar e prevenir?


Existem inúmeros estudos que mostram que existe uma correlação importante en-
tre síndrome de Burnout, depressão, ideação suicida e abuso de substâncias lícitas,
ilícitas e de medicamentos em médicos residentes, além de uma frequente falta de
autocuidado. Por isso, uma abordagem ampliada, que possa considerar diagnósti-
cos diferenciais, faz-se necessária.

É responsabilidade das coordenações de COREME, supervisões de PRM e corpo de


preceptoria estarem atentos a essa realidade e oferecerem alternativas para suporte
e assistência à saúde dos seus residentes. É de suma importância o desenvolvimento
de um programa organizado de suporte aos médicos residentes, com uma equipe
multiprofissional que possa promover atividades preventivas e de valorização do
trabalho dos residentes, além de trabalhar em prol dos profissionais já adoecidos.

132 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Referências

BRASIL, Ministério da Saúde; PROAD; CRUZ, Hospital Alemão Oswaldo, Curso de


Capacitação em Preceptoria de Residência Médica - Caderno do Curso de 2020.

FRAGA OLIVEIRA, F. K. F., SANTOS, J. D. dos, BENTO FRAGA, A. S., OLIVEIRA DE


GÓIS, R. M., & Silva Lima, M. E. da. (2020). USO DO INSTRUMENTO MASLACH BUR-
NOUT INVENTORY COMO MÉTODO DIAGNÓSTICO PARA SÍNDROME DE BURNOUT
EM PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM: UMA REVISÃO INTEGRATIVA. Caderno De
Graduação - Ciências Biológicas E Da Saúde - UNIT - SERGIPE, 6(1), 189. Recuperado
de https://periodicos.set.edu.br/cadernobiologicas/article/view/8408

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n. 3, p. 422-429, Sept. 2010. Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pi-
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Diehl, Liciane; Carlotto, Mary Sandra SÍNDROME DE BURNOUT: INDICADORES PARA


A CONSTRUÇÃO DE UM DIAGNÓSTICO Psicologia Clínica, vol. 27, núm. 2, 2015, pp.
161-179 Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Brasil. Dis-
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Tobie-Gutiérrez WA, Nava-López JA. Burnout, su impacto en la residencia médica y


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Recife. Revista: Ciência & Saúde Coletiva, 18(4):1051-1058, 2013, Disponível em: SciE-
LO - Brasil - Vulnerabilidade ao burnout entre médicos de hospital público do Recife
Vulnerabilidade ao burnout entre médicos de hospital público do Recife

Jbeili, C. (2011). Questionário Jbeili para identificação preliminar da Burnout. 2011.


http://www.manoel.pro.br/avaliacaoburnout.pdf

133
1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Na caracterização do Burnout, o surgimento de atitudes frias, negativas


e insensíveis, direcionadas às pessoas que recebem serviço prestado é
denominado por Maslach como:

a) Exaustão emocional
b) Despersonalização
c) Sensação de baixa realização profissional
d) Esgotamento da compaixão

2. Complete: O burnout foi estudado segundo os critérios de Maslach


nas dimensões: , e
.

a) exaustão emocional, dor física e sonolência diurna


b) síndrome depressiva, despersonalização e uso abusivo de substâncias
c) exaustão emocional, despersonalização e reduzida sensação de realiza-
ção profissional
d) uso abusivo de álcool, variação de humor e reduzida realização profissional

Gabarito

1 B 2 C

Para reflexão e debate


1. Você consegue identificar algum(a) residente do seu
programa com sofrimento mental ou Burnout? Que tal
conversar com ele ou ela?
2. Que estratégias podem ser adotas em seu programa
para identificar situações de sofrimento mental de residentes
e preceptores?

134 Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 17
Ensino e avaliação
de profissionalismo

Segundo o American Board of Internal Medicine (ABIM), profissionalismo médico


é a expressão diária do desejo de ajudar as pessoas e a sociedade como um todo,
fornecendo cuidado de qualidade à saúde, para todos que necessitam. A ABIM
representou um momento histórico, sendo uma das primeiras instituições a trazer
uma definição do termo. (PROJECT, 2002)

Já para o Royal College de Médicos e Cirurgiões do Canadá, profissionalismo é o


conjunto de valores, comportamentos e relacionamentos que sustentam a confian-
ça que o público tem nos médicos. (FRANK, 2005)

Seja qual for a definição de profissionalismo, o estado de ser profissional é conce-


bido como um conjunto de comportamentos, valores e atributos que são desen-
volvidos ao longo do tempo.

“A ABIM representou um
momento histórico, sendo uma
das primeiras instituições a
trazer uma definição do termo.”

135
1 2 3 4 5 6 7

Princípios do profissionalismo
O profissionalismo está baseado em três princípios fundamentais (REGO, 2012),
que se confundem com os princípios da Bioética moderna:

• Princípio da primazia do bem-estar do paciente. Este princípio é


baseado na dedicação a servir aos interesses dos pacientes. O al-
truísmo contribui para a confiança, que é central na relação médico-
-paciente. As forças do mercado, as pressões da sociedade e as exi-
gências administrativas não deveriam comprometer este princípio.
• Princípio da autonomia do paciente. Médicos devem respeitar a au-
tonomia dos pacientes, ser honestos com eles e oferecer condições
para que os pacientes tomem decisões sobre seus tratamentos, com
informações adequadas. Suas decisões sobre o seu cuidado à saúde
devem ser fundamentais, desde que estejam de acordo com uma prá-
tica ética e não envolvam demandas por cuidado não adequado.
• Princípio da justiça social. A profissão médica deve promover justiça
no sistema de saúde, inclusive a distribuição justa dos recursos para
o cuidado à saúde. Os médicos devem trabalhar ativamente para eli-
minar discriminação no Sistema de Saúde, baseada em raça, gênero,
condição socioeconômica, etnicidade, religião ou qualquer outra cate-
goria social.

136 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Responsabilidades que fazem parte do profissionalismo médico

Algumas responsabilidades profissionais decorrentes desses princípios fundamen-


tais são compromissos com:

• competência profissional;
• honestidade com os pacientes;
• confidencialidade em relação aos pacientes;
• manutenção de uma relação apropriada com os pacientes;
• melhora na qualidade do cuidado;
• melhora no acesso ao cuidado;
• justa distribuição dos recursos limitados;
• conhecimento científico;
• lida adequada com conflitos de interesse;
• responsabilidade profissional.

(BRASIL; CRUZ, 2020)

O ensino do profissionalismo

Uma questão central ao se discutir profissionalismo, como ele tem um componen-


te moral importante, é se ele pode ser ensinado e aprendido na graduação em Me-
dicina e na Residência Médica. (LEHMANN; SULMASY; DESAI; ACP ETHICS, 2018)
(O’SULLIVAN; VAN MOOK; FEWTRELL; WASS, 2012)

Segundo o Professor Jack Ende, ex-presidente do American College of Physicians,


o profissionalismo deve ter um papel central na formação médica e pode ser ensi-
nado (e aprendido) também de algumas formas:

• através de role models (modelos)


• através de mentores
• através do currículo oculto.

ROLE MODELS
Podemos não ter uma relação direta com aqueles que consideramos modelos. Os
modelos nem sempre são da nossa área profissional. Aprendemos muito por ob-
servação do comportamento, das habilidades e das atitudes das pessoas que para
nós são modelo. (DENT; HARDEN; HUNT, 2021)

137
1 2 3 4 5 6 7

Muitas vezes essas pessoas tiveram e têm um efeito profundo na escolha da Medici-
na, da especialidade médica e dos passos a serem seguidos na carreira profissional.

Quem é considerado modelo, está sendo observado o tempo todo. Em uma dis-
cussão sobre profissionalismo com médicos residentes, uma pergunta inicial que
pode motivar muita reflexão e discussão é “quais são as pessoas que são modelos
para cada um?” ou “Quem são nossos modelos?”

MENTORES
Mentores são pessoas próximas ao estudante ou ao médico residente.

Podem exercer sua influência positiva sobre as pessoas em treinamento individu-


almente ou em grupos de mentoria.

Muitas vezes são profissionais que têm mais experiência e vivência. Podem ajudar
em vários aspectos da vida profissional (e pessoal). Podem ser um espelho ou um
mapa, sendo modelos e mostrando caminhos. Podem estimular, encorajar e suge-
rir prudência, cuidado, reflexão. Podem ser exemplos de autenticidade e credibili-
dade. Podem dar suporte, mas também oferecer desafios.

Uma característica importante de um mentor, seja de um ou de um grupo de resi-


dentes, é estimular a reflexão, o pensamento crítico.

Mentores podem ter uma relação muito próxima e intensa com os residentes, du-
rante um período curto ou mais longo.

CURRÍCULO OCULTO
Além de role models (modelos) e mentores, na formação da identidade profissio-
nal é importante relembrarmos o currículo oculto - conjunto de costumes e rituais,
a cultura e o ambiente institucionais, o que os residentes (ou outros aprendizes)
vivenciam e observam para além do currículo formal.

No currículo oculto pode haver bons e maus exemplos, vivência de valores que
são coerentes com uma formação médica de qualidade e com profissionalismo e
vivências que contradizem esses valores.

138 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

O American College of Physician, que é uma das maiores sociedades médicas do


mundo, publicou um documento com sua posição sobre o Currículo Oculto, re-
comenda que sejam desenvolvidas estratégias de discussão sobre o que ocorre
no currículo oculto e a valorização das experiências e modelos positivos para a
formação da identidade profissional do médico em formação. (DENT; HARDEN;
HUNT, 2021)

Adaptação da pirâmide de Miller

Nesta temática, os autores Cruess e Steinert (CRUESS; CRUESS; STEINERT,


2016) sugeriram a adaptação da pirâmide de Miller. Como já apresentado, essa
pirâmide fala sobre métodos de avaliação de competências clínicas e habilida-
des. Esses autores sugerem a inclusão de mais uma camada, o “ser” que reflete
a incorporação de atitudes e valores na identidade do profissional, como de-
monstrado abaixo.

Considerando que o aprendizado é uma troca e todos somos professores e alunos,


se faz necessário que nós tenhamos imbuídos em nossas identidades profissionais
os valores, conhecimentos e habilidades que desejamos transmitir aos outros.

Referências

BRASIL, M. D. S.; CRUZ, H. A. O. Curso de Capacitação em Preceptoria de Residência


Médica. Caderno do Curso. PROADI 2020.

CRUESS, R. L.; CRUESS, S. R.; STEINERT, Y. Amending Miller’s pyramid to include pro-
fessional identity formation. Academic Medicine, 91, n. 2, p. 180-185, 2016.

DENT, J.; HARDEN, R.; HUNT, D. A Practical Guide for Medical Teachers, E-Book.
Elsevier health sciences, 2021. 070208171X.

FRANK, J. R. The CanMEDS 2005 physician competency framework: better stan-


dards, better physicians, better care. Royal College of Physicians and Surgeons of
Canada, 2005.

LEHMANN, L. S.; SULMASY, L. S.; DESAI, S.; ACP ETHICS, P. A. H. R. C. Hidden curri-
cula, ethics, and professionalism: optimizing clinical learning environments in beco-
ming and being a physician: a position paper of the American College of Physicians.
Annals of internal medicine, 168, n. 7, p. 506-508, 2018.

O‘SULLIVAN, H.; VAN MOOK, W.; FEWTRELL, R.; WASS, V. Integrating professionalism
into the curriculum: AMEE Guide No. 61. Medical teacher, 34, n. 2, p. e64-e77, 2012.

139
1 2 3 4 5 6 7

PROJECT, M. P. Medical professionalism in the new millennium: a physicians‘ charter.


The Lancet, 359, n. 9305, p. 520-522, 2002.

REGO, S. O profissionalismo e a formação médica. Revista Brasileira de Educação


Médica, 36, p. 445-446, 2012.

Questões de avaliação

1. Um dos princípios do profissionalismo descreve a importância da dis-


tribuição adequada dos recursos para o cuidado à saúde. Os médicos
devem trabalhar ativamente para eliminar discriminação no Sistema de
Saúde, baseada em raça, gênero, condição socioeconômica, etnicidade,
religião ou qualquer outra categoria social. Esse é denominado princípio:

a) da autonomia do paciente
b) da primazia do bem-estar do paciente
c) da justiça social
d) da equidade econômica

Gabarito

1 C

Para reflexão e debate


1. Que características você identifica em professores/preceptores
considerados role models e que estão relacionadas ao
profissionalismo médico?

2. É possível ensinar e avaliar profissionalismo médico?

140 Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 18
Feedback

Todas as atividades educacionais são combinadas com avaliação, feedback, re-


flexão e mudança até que os critérios de competência sejam atendidos. (DENT;
HARDEN; HUNT, 2021)

O feedback subsequente às avaliações somativas facilita a aprendizagem ao longo


da vida e orienta os alunos para o planejamento da próxima etapa, o que pode aju-
dá-los a preencher lacunas em seu aprendizado, aprimorar habilidades ou alterar
comportamentos. (BORGES; MIRANDA; SANTANA; BOLLELA, 2014)

O feedback gera uma conscientização valiosa para a aprendizagem, pois ressalta


as dissonâncias entre o resultado pretendido e o real, incentivando a mudança;
também aponta os comportamentos adequados, motivando o indivíduo a repetir
o acerto. (ZEFERINO; DOMINGUES; AMARAL, 2007)

141
1 2 3 4 5 6 7

Ao combinar técnicas de feedback com habilidades de comunicação destinadas a


melhorar a relação de confiança, o preceptor pode dar feedback sobre elementos
específicos de desempenho e pode oferecer aos residentes orientação construtiva
para melhoria. Desta forma, os destinatários geralmente são capazes de receber as
informações confortavelmente e aplicá-las. (MILAN; PARISH; REICHGOTT, 2006)

A capacidade de um aluno de modificar seu desempenho acadêmico em resposta


ao feedback é análoga à capacidade de um paciente de responder a intervenções
sobre mudança de comportamento. (MILAN; PARISH; REICHGOTT, 2006)

Tripé do feedback

• A situação deve ser bem delimitada


• O foco é no comportamento e não na pessoa
• A repercussão do problema deve estar atrelada às competências ne-
cessárias ao trabalho

CHECK-LIST DO FEEDBACK
Para que um feedback seja efetivo é importante que sejam cumpridas as seguintes
premissas (PENDLETON; SCHOFIELD; TATE; HAVELOCK, 2011):

1. preparação: local e tempo protegidos


2. delimitação a situação: descrever o que foi observado e
suas implicações
3. fornecimento do Feedback de forma clara
4. plano compartilhado: solicitar e dar sugestões.
Decidir conjuntamente o que será alterado

a) Aplicação das melhorias pactuadas


b) Reavaliação: análise posterior da mudança.

142 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

CARACTERÍSTICAS DE UM BOM FEEDBACK

Um bom feedback precisa ser (ZEFERINO; DOMINGUES; AMARAL, 2007; PEN-


DLETON; SCHOFIELD; TATE; HAVELOCK, 2011):

1. assertivo: comunicação dever ser clara, objetiva e direta.


2. respeitoso: Como é um processo compartilhado, docente e aluno
devem encontrar pontos de concordância sobre os comportamen-
tos que devem ser trabalhados;
3. descritivo: abordar o comportamento e não a personalidade
4. oportuno: preferencialmente logo após a observação do compor-
tamento, mas levando em consideração a preparo do residente
5. específico: indicar claramente os comportamentos nos quais o
aluno está tendo bom desempenho e aqueles nos quais o aluno
pode melhorar.
6. seletivo: abordar apenas 1 a 2 pontos a serem trabalhados.

TÉCNICAS DE FEEDBACK

Por questões teóricas, pode-se citar alguns tipos de feedback com suas caracte-
rísticas principais:

• sanduíche: o feedback sobre comportamentos inadequados é forneci-


do entre duas ações ou comportamentos positivos. É particularmente
útil para os alunos considerados mais resistentes. (ZEFERINO; DOMIN-
GUES; AMARAL, 2007)
• “que bom, que pena e que tal”: esses disparadores procuram identifi-
car, respectivamente, os aspectos positivos e negativos, bem como for-
necer sugestões a partir de respostas abertas. (BERKENBROCK, 2010)
• estágio motivacional: o educador pode identificar o estágio motivacio-
nal do aluno e empregar intervenções focadas para incentivar as mu-
danças desejadas. O educador pode ajudar o aluno a identificar discre-
pâncias entre o comportamento atual e os objetivos declarados, bem
como as barreiras à mudança. (MILAN; PARISH; REICHGOTT, 2006)

ERROS COMUNS

• Informação insuficiente ou inadequada


• Julgar antes de ter toda a informação
• Centrar-se na personalidade
• Deixar se envolver em discussões infrutíferas
• Feedback inespecífico
• Ausência de sugestões de melhorias
• Objetivos pouco definidos.

143
1 2 3 4 5 6 7

Referências

BERKENBROCK, V. J. Dinâmicas para encontros de grupo: Para apresentação, inter-


valo, autoconhecimento e conhecimento mútuo, amigo oculto, despertar, avaliação e
encerramento. Editora Vozes Limitada, 2010. 8532640494.

BORGES, M. C.; MIRANDA, C. H.; SANTANA, R. C.; BOLLELA, V. R. Avaliação forma-


tiva e feedback como ferramenta de aprendizado na formação de profissionais da
saúde. Medicina (Ribeirão Preto), 47, n. 3, p. 324-331, 2014.

DENT, J.; HARDEN, R.; HUNT, D. A Practical Guide for Medical Teachers, E-Book. El-
sevier health sciences, 2021.

MILAN, F. B.; PARISH, S. J.; REICHGOTT, M. J. A model for educational feedback ba-
sed on clinical communication skills strategies: beyond the” feedback sandwich”. Te-
aching and learning in medicine, 18, n. 1, p. 42-47, 2006.

PENDLETON, D.; SCHOFIELD, T.; TATE, P.; HAVELOCK, P. A nova consulta: desen-
volvendo a comunicação entre médico e paciente. In: ARTMED (Ed.). A nova con-
sulta: desenvolvendo a comunicação entre médico e paciente. Porto Alegre: Art-
med, 2011. p. 159.

ZEFERINO, A. M. B.; DOMINGUES, R. C. L.; AMARAL, E. Feedback como estratégia


de aprendizado no ensino médico. Revista Brasileira de Educação Médica, 31, p.
176-179, 2007.

144 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Questões avaliativas

1. Fazem parte de um bom feedback (verdadeiro/falso):

( ) Tempo protegido
( ) Opinião de outros observadores
( ) Julgamento do caráter
( ) Plano compartilhado
( ) Reavaliação de mudanças
( ) Descrição da situação

Marque a alternativa correta:

a) V, F, F, V, V, F
b) V, V, F, V, V, F
c) V, V, V, V, V, V
d) V, F, F, V, V, V

2. Dentre os erros mais comuns na realização de feedback está:

a) Centrar a discussão na personalidade do indivíduo


b) Realizar pactuação de objetivo ao final
c) Delimitar especificamente a situação a ser tratada.
d) Abordar apenas 1 ou 2 pontos a serem trabalhados

Gabarito

1 D 2 A

Para reflexão e debate


1. Você já forneceu um feedback que considerou ruim? Em que
você errou? Qual a reação que quem recebeu? E como poderia
ser melhor?

145
Capítulo 19
Ensino e avaliação
de habilidades de
comunicação

O desenvolvimento de habilidades de comunicação está previsto nas Diretrizes


Curriculares Nacionais para a graduação em Medicina e espera-se que os médi-
cos e médicas dominem esta competência ao final do curso. A continuidade no
aprendizado em comunicação é prevista e faz parte de currículos de diferentes
especialidades médicas. Na maioria dos programas, no entanto, é relativamente
negligenciada (FERNANDES, 2012; SBMFC, 2015).

Um profissional médico que tenha habilidades de comunicação bem desenvolvi-


das obtém melhores resultados quanto à adesão ao tratamento, vínculo, satisfação
e confiança dos pacientes, trabalho em equipe mais efetivo, acurácia no diagnós-
tico, reduzindo erros e conflitos médico-legais (SILVA et al, 2020; BRASIL. 2020).

Estas habilidades devem ser aprimoradas diariamente. Cabe ao preceptor avaliar o


desenvolvimento dos residentes, também neste quesito de formação. O preceptor
poderá ser, com certa frequência, requisitado para mediar conflitos entre residen-
tes, pacientes, membros da equipe ou gestão dos serviços. Essas situações tam-
bém devem ser um apoio ao processo de aprendizagem.

Uma comunicação efetiva envolve habilidades de comunicação verbais e não ver-


bais, relacionadas aos pontos detalhados no Quadro 19.1.

146 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Quadro 19.1 – Características que influenciam a comunicação

Tom da voz, dicção, velocidade da fala que beneficiem a comunicação;

Reatividade: O quanto sou capaz de receber uma informação e saber o


momento da sua fala, sem reagir impulsivamente, interrompendo a fala do
outro, causando a interrupção do fluxo do pensamento da pessoa no início
do discurso ou deixar a pessoa falando sozinha;

Postura corporal e expressão facial que demonstrem interesse ao que está


sendo dito;

Observação da comunicação não-verbal do interlocutor;

Contato visual;

Fluência;

Escuta ativa;

Congruência e relevância;

Compreensão das limitações do interlocutor e adequação das palavras a


serem utilizadas;

Senso de humor;

Uso de perguntas abertas que facilitem o diálogo;

Compreensão do contexto e do ambiente onde se dá a interação social;

Uso de gestos (comunicação não verbal) congruentes à fala (comunicação


verbal) a fim de evitar confusões ou mal interpretações;

Uso de gestos não violentos;

Assertividade: capacidade de expressar e manter um determinado


ponto de vista, respeitando os demais existentes. O contrário disto seria
um comportamento de evitação de conflitos, não emissão de opiniões e
posicionamentos ou desrespeito às opiniões dos outros.

Fonte: Adaptado de CERON, 2022

147
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O Quadro 19.2 demonstra os domínios dos objetivos educacionais no que tange


as habilidades de comunicação e relação interpessoal que se espera dos médicos
independentemente da sua especialidade:

Quadro 19.2 - Domínios de objetivos educacionais relativos à comunicação e


relação interpessoal

COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL

Habilidades básicas de comunicação;


Compartilhamento de informações;
Consideração da perspectiva do paciente e suas crenças;
Tomada de decisões;
Lidar com a incerteza.

COMUNICAÇÃO COM O PACIENTE

Lidar com erros e incertezas;


Comunicar com os outros: comunicação de más notícias, por exemplo;
Reflexão.

COMUNICAÇÃO COM A EQUIPE

Trabalho em equipe;
Comunicação profissional;
Liderança;
Gerenciamento.

Fonte: BRASIL, 2020

148 Preceptoria de Residência Médica


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Como ensinar e avaliar


habilidades de comunicação?
Uma variedade de estratégias pode ser utilizada para ensinar e avaliar habilidades
de comunicação. Tais habilidades são desenvolvidas essencialmente pela prática,
por isso os métodos são, na maioria, aplicados em ambiente de trabalho (vide Ca-
pítulo 03 – Métodos de ensino em ambiente de trabalho).

São aqui abordados exemplos, com foco na comunicação:

Observação direta (sombra) - preceptor sendo observador: pode ser utilizado


para conhecer o residente e sua capacidade de raciocínio clínico; e ao longo da
residência para avaliar e conferir evolução na aquisição de novas habilidades, in-
clusive as de comunicação, atrelando algum método de avaliação, como Mini-Cex
(GOLÇALVES, 2019, IN BRASIL, 2022).

O uso de instrumento mais detalhado para avaliação específica da habilidade de


comunicação ajuda a tornar objetivo o olhar do avaliador. O mais conhecido e
estudado instrumento é o Calgary-Cambridge. Essa ferramenta observa desde
o início da sessão, a reunião de informações, a estruturação da consulta, a cons-
trução do relacionamento, das explicações e do planejamento e a conclusão da
sessão. Disponibilizamos um guia Calgary-Cambridge em português nos mate-
riais dessa aula.

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Modeling (sombra invertida) - residente sendo observador: o objetivo deste mé-


todo de ensino é o preceptor servir como modelo. O residente deve ser orientado
a observar a consulta, anotar suas dúvidas para posterior discussão. É um método
importante quando o residente estiver no início do treinamento ou ainda não tem
experiência em lidar com situações mais extremas, tais como “comunicação de
notícias difíceis”, quando um assistente mais experiente precisa ser o ator principal
para segurança do paciente (GOLÇALVES, 2019; BRASIL, 2020).

Role play: método de simulação para ensino de habilidades diversas em que a


dramatização é utilizada. Os alunos são os atores principais (nos papéis de médi-
co, paciente, familiar ou apenas observador) e os preceptores podem atuar par-
ticipando da cena ou observando o que está sendo encenado. Na etapa final, o
debriefing, pode-se usar o feedback como estratégia de avaliação formativa dos
alunos (VIANA, 2014).

Vídeo-gravação de consultas: o residente é instruído a realizar a vídeo-gravação


de uma ou mais consultas, o que permitirá a autoavaliação e avaliação da precep-
toria das suas habilidades de comunicação por meio da vídeo-gravação. Desta
forma, a preceptoria poderá conferir feedback a cada situação vivenciada pelo
residente. Além do feedback do avaliador, que não necessariamente está presente
na consulta, os seus pares poderão fazer também a avaliação da prática registrada.
(BRASIL/HAOC, 2022)

Simulação realística: método de ensino em ambiente protegido, com replicação


de cenários assistenciais próximos da realidade. Neste, utiliza-se atores, mane-
quins, alunos de outros anos, pacientes previamente selecionados e que sabem
que se trata de um treinamento. Assim, várias habilidades podem ser ensinadas,
tais como liderança, manejo de crises, comunicação de más notícias, resguardando
a segurança dos pacientes. Pode-se usar o feedback como estratégia de avaliação
formativa dos alunos (BRANDÃO, 2014)

Ensinar e avaliar habilidades de comunicação exige planejamento educacional cui-


dadoso. A literatura sobre o assunto já é robusta, sendo possível aprofundar mais
no tema.

“É um método importante quando o


residente estiver no início do treinamento
ou ainda não tem experiência em lidar
com situações mais extremas.”

150 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Referências

SILVA WOC, CARVALHO MP, FASSA MEG, FACCHINI LA, FASSA AG. Habilidades
de comunicação clínica dos preceptores de medicina de família e comunidade em
Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Rev Bras Med Fam Comunidade. Rio de Janeiro,
2020 Jan-Dez; 15(42):2673

CERON, Mari/a/ne. Habilidades de comunicação. Unidades de Conteúdo UNASUS.


Disponível em: unidade23.pdf (unifesp.br) Acesso em 28/06/2022

BRASIL, Ministério da Saúde; PROAD; CRUZ, Hospital Alemão Oswaldo, Curso de


Capacitação em Preceptoria de Residência Médica - Caderno do Curso de 2020.

SBMFC, Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Currículo Base-


ado em Competências para Medicina de Família e Comunidade. 2015. Disponível em:
Curriculo Baseado em Competencias(1).pdf (sbmfc.org.br) . Acesso em: 28/06/2022.

FERNANDES, Claudia Regina et al. Currículo Baseado em Competências. REVISTA


BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. 36 (1) : 129 – 136 ; 2012.

GONÇALVES et al. CAPÍTULO 54 Ensino de medicina de família e comunidade na


graduação. IN GUSSO, Gustavo, LOPES, José Mauro Ceratti. CHAVES, Lêda Dias Tra-
tado de medicina de família e comunidade : princípios, formação e prática [recurso
eletrônico] – 2. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2019. Página 1376.

COIMBRA. Departamento de Educação Médica da Faculdade de Medicina- Universi-


dade de Coimbra. Avaliação de competências através de OSCE. Essências EduCare
– Volume 13. novembro, 2009. Disponível em: https://www.uc.pt/fmuc/gabineteedu-
cacaomedica/fichaspedagogicas/Essencias13. Acesso em 28/06/2022

Brandão CFS, Collares CF, Marin HF. A simulação realística como ferramenta educa-
cional para estudantes de medicina. Sci Med. 2014; 24(2):187-192. Disponível em: View
of Realistic simulation as an educacional tool for medical students (pucrs.br) Acesso
em 28/06/2022

Viana, Renata Souto V617 O uso do Role play no ensino de habilidades de comu-
nicação e relacionais: percepção dos alunos / Renata Souto Viana. Salvador: RS,-
Viana, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/16113/1/Re-
nata%20Souto%20Viana.pdf#:~:text=Introdu%C3%A7%C3%A3o%3A%20O%20
role%20play%C3%A9%20uma%20t%C3%A9cnica%20que%20permite,ensino%20
de%20habilidades%20de%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20e%20relacionais%20
%28HbCR%29. Acesso em 28/06/2022

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Questões de avaliação

1. Correlacione a estratégia de ensino/avaliação ao seu conceito:

1) Consulta compartilhada
2) Discussões de caso
3) Role play
4) OSCE

A) O residente é o responsável pela coleta das informações, síntese e ela-


boração de propostas para compartilhamento com o preceptor
B) Estratégia orientada por roteiro pré-definido que exige planejamento ri-
goroso, organização do espaço, elaboração das situações e pertinência
com os objetivos de aprendizagem
C) Estratégia em que, tanto preceptor quanto residente são responsáveis
por conduzir um atendimento ou procedimento
D) Método para ensino de habilidades ou atitudes em que se tenta assumir
o papel de algum dos atores envolvidos na consulta

Marque a alternativa correta:

a) 1C 2A 3D 4B
b) 1A 2B 3C 4D
c) 1B 2A 3D 4C
d) 1D 2C 3B 4A

2. Complete a lacuna com o método de ensino explicado na frase abaixo:

No método de ensino chamado há uma replicação


de cenários assistenciais próximos da realidade. Neste, utiliza-se atores,
manequins, alunos de outros anos, pacientes previamente selecionados e
que sabem que se trata de um treinamento.

a) Role Play
b) Observação direta em sombra
c) Vídeo-filmagem
d) Simulação realística

Gabarito

1 A 2 D

152 Preceptoria de Residência Médica


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Para reflexão e debate


1. Quais aspectos você considera mais relevantes para a melhoria
de suas habilidades de comunicação e de seus residentes?

153
Capítulo 20
Comunicação
não-violenta

Sobre comunicação
A comunicação é uma habilidade fundamental para os seres humanos. Em todos
os aspectos da vida utilizamos a comunicação em suas mais variadas formas. Ape-
sar de ser parte central do trabalho de um médico e de todos os profissionais de
saúde, poucos treinamentos específicos sobre comunicação clínica são oferecidos
durante o curso de medicina (CARRIÓ, 2009)

A convicção de que uma longa experiência de trabalho com pacientes é suficiente


para aprender a se comunicar de forma compreensível e lidar com situações difí-
ceis não é corroborada pela realidade. O desconhecimento dos médicos sobre os
pressupostos necessários para o uso de uma boa comunicação no início da vida
profissional e a falta de desenvolvimento a esse respeito resultam em erros que, ao
longo dos anos de trabalho, podem levar a burnout e à crença de que os pacientes
são extremamente difíceis (GĘSIŃSKA; HOŁTYŃ; NOWAKOWSKA-ARENDT; KRA-
JNIK, 2020).

“Em todos os aspectos da vida


utilizamos a comunicação em suas
mais variadas formas.”

154 Preceptoria de Residência Médica


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Comunicação não violenta


A comunicação não violenta (CNV) é uma maneira de pensar, falar e se expressar
que inclui a compreensão e o respeito mútuo nas trocas. Foi desenvolvida pelo psi-
cólogo Marshall B. Rosenberg. Busca aprimorar os relacionamentos interpessoais,
permitindo abordarmos o outro enquanto nos mantemos em sintonia com nossa
própria humanidade. Desta forma, estimula a benevolência consigo e com o outro
(ROSENBERG, 2006).

Rosenberg propôs o processo de comunicação não-violenta para impulsionar a


decisão pró não-violência em todos os níveis de nossa estrutura: no pensamento,
na palavra e na ação. Como o termo CNV é uma marca registrada e só pode ser
legalmente usado por treinadores certificados, é também frequentemente chama-
da de linguagem da vida ou linguagem do coração. O uso da linguagem da vida
requer uma mudança de pensamento como pré-requisito para uma comunicação
correta (GĘSIŃSKA; HOŁTYŃ; NOWAKOWSKA-ARENDT; KRAJNIK, 2020).

O objetivo da CNV em serviços de saúde é facilitar o fluxo das informações neces-


sárias para que os profissionais demonstrem seus cuidados e tratem efetivamente
seus pacientes, trabalhando de forma cooperativa e resolvendo diferenças de for-
ma eficaz (LEE; KESSLER; VARON; MARTINOWITZ et al., 1998).

A empatia de um médico em relação a um paciente é a capacidade de entrar em con-


tato com seus sentimentos e necessidades. A linguagem da vida percebe a empatia do
médico para consigo mesmo como igualmente importante. Equipando-se com ferra-
mentas específicas, a CNV ajuda a lidar com o estresse e reduzir o risco de esgotamen-
to profissional (GĘSIŃSKA; HOŁTYŃ; NOWAKOWSKA-ARENDT; KRAJNIK, 2020).

155
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Comunicação alienante da vida


Ao estudar sobre questões que nos afastam de um estado de compaixão, Ro-
senberg identificou algumas formas específicas de linguagem e comunicação que
contribuem para um comportamento violento (ROSENBERG, 2006):

JULGAMENTOS MORALIZADORES

Subentendem erradamente a natureza das pessoas que não agem em


consonância com nossos valores

COMPARAÇÕES

São uma forma de julgamento

NEGAÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Turva nossa consciência de que cada um é responsável por seus próprios


pensamentos, sentimentos e atos

COMUNICAR DESEJOS EM FORMA DE EXIGÊNCIA

Contrariam a humildade ao exercício do poder

PENSAMENTOS DE “QUEM MERECE O QUÊ”

Bloqueiam a comunicação compassiva

Pressupostos filosóficos
A CNV é baseada em um conjunto de pressupostos filosóficos:

(a) os seres humanos compartilham necessidades universais,


(b) suas ações são tentativas de satisfazer essas necessidades,
(c) seus sentimentos refletem necessidades atendidas ou não atendidas e
(d) os seres humanos atendem necessidades por meio de relaciona-
mentos interdependentes.

156 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

“A violência é a expressão trágica de necessidades não satisfeitas. É a manifesta-


ção da impotência e/ou do desespero de alguém que está tão desamparado que
acha que suas palavras não bastam mais para se fazer ouvir. Então ele ataca, grita,
agride.” Marshall B. Rosenberg

A premissa principal é que os seres humanos compartilham uma série de neces-


sidades universais e que, quando essas necessidades são atendidas de forma efi-
caz, experimentamos emoções e estados de ser satisfatórios, como alegria, paz
e contentamento. Quando as necessidades não estão sendo atendidas de forma
eficaz, sentimentos adversos como frustração, raiva, medo e assim por diante se
manifestam. A variação que existe é principalmente dependente da flutuação na
prioridade (NOSEK, 2012).

Subdivisões
A CNV oferece uma maneira de se expressar em 2 subdivisões e em 4 etapas que
melhor propiciam uma conscientização de nossa humanidade comum. As subdi-
visões incluem:

• expressar-se honestamente (assertividade)


• receber com empatia.

Essa maneira de se comunicar, em que cada pessoa se considera igual a outra,


pode ser simbolizada na Figura 20.1.

Figura 20.1 – Subdivisões da Comunicação Não-Violenta

EU OUTRO

Fonte: VAN STAPPEN, 2020

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Sob o ponto de vista da CNV, a honestidade é a capacidade de um ser humano


de expressar o que vive e a que aspira sem julgamento, recriminação ou agressi-
vidade. Empatia é criar com o outro uma conexão de qualidade, conscientemente
presente, buscando identificar o que está se passando com ele, quais são seus
sentimentos e necessidades (VAN STAPPEN, 2020).

Quatro componentes

O modelo de Comunicação Não Violenta aborda quatro componentes essenciais


(ROSENBERG, 2006; VAN STAPPEN, 2020):

1
OBSERVAÇÃO
observar o que está acontecendo, separando ao máximo
os fatos de qualquer tendência a julgamentos. Fazer a
descrição neutral dos fatos, sem acrescentar exagero,
distorção ou avaliação.

2
SENTIMENTO
Perceber como nos sentimos ao observar os fatos,
sem sermos submersos às emoções. Assumir nossa
responsabilidade por elas. O que os outros dizem ou
fazem pode ser estímulo para nossos sentimentos, mas
não sua causa.

3
NECESSIDADES
Investigar e expressar quais necessidades estão ligadas
aos nossos sentimentos. As necessidades são universais
e semelhantes, constituindo um terreno no qual os seres
humanos podem se compreender. Identificá-las pode trazer
um novo enfoque para os relacionamentos.

3 PEDIDO
O que queremos da outra pessoa para enriquecer nossa vida.
O pedido visa satisfazer uma necessidade auto detectada. Ele
é fundamental, pois permite que uma situação avance para
soluções e ações. É necessário estarmos atentos para que o
pedido não se transforme em uma determinação. O outro nos
atenderá ou não, livremente.

158 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Da escravidão à libertação emocional


No decorrer do desenvolvimento da responsabilidade emocional, a maioria de
nós passa por três estágios (ROSENBERG, 2006):

1. “escravidão emocional” - acreditar que somos responsáveis pelos


sentimentos dos outros; achamos que devemos nos esforçar cons-
tantemente para manter todos felizes.
2. “estágio ranzinza” - no qual nos recusamos a admitir que nos im-
portamos com os sentimentos e necessidades de qualquer outra
pessoa; tomamos consciência do alto custo de assumir a respon-
sabilidade pelos sentimentos dos outros e por tentar satisfazê-los
em detrimento de nós mesmos.
3. a “Libertação emocional” - na qual aceitamos total responsabilida-
de por nossos próprios sentimentos, mas não pelos sentimentos
dos outros. Não podemos satisfazer nossas necessidades às cus-
tas dos outros e, de outro lado, nos comprometemos a participar
do cuidado das necessidades dos outros.

Referências

CARRIÓ, F. B. Entrevista clínica: habilidades de comunicação para profissionais de


saúde. Artmed Editora, 2009. 8536327766.

GĘSIŃSKA, H.; HOŁTYŃ, B.; NOWAKOWSKA-ARENDT, A.; KRAJNIK, M. Marshall Ro-


senberg’s non-violent communication as the language of life in a doctor–patient re-
lationship. Palliative Medicine in Practice, 14, n. 4, p. 285-289, 2020.

LEE, C.; KESSLER, C.; VARON, D.; MARTINOWITZ, U. et al. Nonviolent (empathic)
communication for health care providers. Haemophilia: State of the Art, 4, n. 4, p.
335-340, 1998.

NOSEK, M. Nonviolent communication: A dialogical retrieval of the ethic of authenti-


city. Nursing Ethics, 19, n. 6, p. 829-837, 2012.

ROSENBERG, M. B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relaciona-


mentos pessoais e profissionais. Editora Agora, 2006. 8571838267.

VAN STAPPEN, A. Caderno de exercícios de Comunicação Não Violenta. Tradução


FERREIRA, M. Petrópolis, RJ: Vozes, 2020. 978-85-326-6498-3.

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Questões de avaliação

1. Identifique um dos componentes essenciais da comunicação compassiva:

a) a) avaliação da necessidade do outro em relação ao nosso sentimento.


b) b) identificação dos nossos sentimentos e emoções.
c) c) pedido de perdão ao final da comunicação.
d) d) observação julgadora dos fatos.

2. Julgamentos moralizadores nos quais subentendemos erroneamente a


natureza das pessoas que não agem em consonância com nossos valo-
res é uma forma de:

a) a) comunicação compassiva
b) b) comunicação alienante
c) c) comunicação não violenta
d) d) ausência de comunicação

Gabarito

1 B 2 B

Para reflexão e debate


1. Reflita e compartilhe algum momento de aprendizado sobre
relações humanas que se afina ao referencial da comunicação
não violenta.

160 Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 21
Grupos Balint e a
relação médico-paciente

Balint e a relação
médico-paciente
A formação médica baseada em protocolos clínicos e, focada no conhecimento
biomédico, deixa para segundo plano o entendimento do paciente como pessoa e
seus sentimentos. Tal atitude vem provocando conflitos na relação médico-pacien-
te, tema de debate nos últimos 70 anos (DATTOLI; TANNUS, 2018).

O estudo e a melhor compreensão da relação entre profissional e pessoa, em um


encontro clínico gera um melhor entendimento do processo de adoecimento e au-
menta a satisfação do profissional de saúde, servindo como elemento protetor na
prevenção de doenças causadas pelo esgotamento, como a síndrome de burnout
(BRANCO; FREITAS; CANTARELLI, 2012).

A residência médica, momento de construção da identidade profissional, é etapa


fundamental na formação de um especialista. Durante este período, os médicos
residentes geralmente são sobrecarregados com trabalho e pressionados a assi-
milarem grande volume de conhecimento, aumentando o risco de esgotamento.
A utilização de grupos baseados na metodologia Balint durante a residência,
reduziu o risco de burnout, além de auxiliar no desenvolvimento da autoconsci-
ência, aumentar a qualidade das consultas e da relação profissional (DATTOLI;
TANNUS, 2018).

161
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Grupos Balint
Em 1950, Michael Balint e sua esposa, Enid, realizaram seminários para clínicos
gerais em Londres. O foco desses seminários era examinar a relação médico-pa-
ciente: o que ela significava, como poderia ser usada de forma útil ao profissional
e, por que muitas vezes essa relação se desintegrava, com médico e paciente não
se entendendo (OMER; MCCARTHY, 2010).

Neste período, os médicos viviam períodos conturbados. Havia sobrecarga de de-


manda por uma população castigada pela guerra e pela pobreza e os profissionais
estavam se ajustando ao novo sistema de saúde (BRANCO; FREITAS; CANTA-
RELLI, 2012).

O grupo se reunia semanal ou quinzenalmente e, a cada semana, um participante


trazia um caso para discussão do grupo. Vejam abaixo outras características dos
grupos Balint (OMER; MCCARTHY, 2010):

• pequeno grupo de 6 a 12 participantes


• líderes de grupo definidos logo no início do encontro
• os membros do grupo devem estar em contato clínico com os pacientes
• o material do grupo é baseado na apresentação de casos atuais dando
ao profissional apresentador motivo para reflexão
• a discussão se concentra na relação entre o médico apresentador e
seu paciente
• notas de caso não devem ser usadas
• o grupo não deve ser usado para terapia pessoal
• aplicam-se as regras padrão para o trabalho em pequenos grupos
• o objetivo do grupo é melhorar a compreensão dos problemas do pa-
ciente, não encontrar soluções.

“Os casos são motivados por uma


dificuldade que o profissional está
vivenciando no relacionamento
com um paciente em particular.”

162 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

A liderança eficaz é a chave para o sucesso de um grupo Balint. Tradicionalmente,


os grupos Balint eram liderados exclusivamente por psicanalistas. Hoje outros pro-
fissionais, como médicos de família e comunidade e psiquiatras, podem se tornar
líderes Balint através de uma formação por entidade aprovada pela Federação
Internacional Balint. (OMER; MCCARTHY, 2010)

No início do encontro, um dos participantes se oferece para contar sobre um en-


contro com algum paciente que tenha lhe gerado sentimentos difíceis de lidar. Os
casos são motivados por uma dificuldade que o profissional está vivenciando no
relacionamento com um paciente em particular. O foco da discussão é a história de
um encontro específico e as emoções e atitudes suscitadas pela apresentação, evi-
tando-se debates sobre questões técnicas da medicina (DATTOLI; TANNUS, 2018).

Após a apresentação do caso, os participantes são convidados a compartilharem


suas próprias reações, emoções e comportamentos, no tocante ao encontro es-
pecífico médico-paciente, a partir das perspectivas não apenas do médico, mas
também do paciente (DATTOLI; TANNUS, 2018).

O facilitador, ou líder, tem tarefas específicas no grupo, como auxiliar os partici-


pantes a permanecerem focados na relação entre médico e paciente; manter uma
atmosfera de confiança, respeito e segurança; fazer intervenções buscando novas
rotas reflexivas; incentivar o grupo a explorar e a se empatizar com o paciente,
convidando-o a refletir como essas relações se estabelecem; dar apoio quando
prevalecerem momentos de incerteza, ambiguidade e silêncio; e evitar a busca por
soluções e atitudes prescritivas (JOHNSON; NEASE; MILBERG; ADDISON, 2004).

163
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Transferência e contratransferência
Balint não considera que o grupo possa constituir uma psicoterapia, embora tenha
reconhecido que ocorrem efeitos psicoterápicos. Isso acontece devido a aplicação
da transferência pública, que se refere aos conteúdos que são próprios da profis-
são comum dos participantes e não aos conteúdos individuais de cada profissional
(BRANDT, 2009).

O trabalho psíquico ocorre com base na contratransferência que é suscitada no re-


lator de um caso a partir da referência a um terceiro ausente, com o qual devemos
relacionar-nos em prol de suas atividades profissionais. Este trabalho possibilita
insights sobre as formas que nos relacionamos, bem como o reconhecimento de
automatismos aos quais recorremos. (BRANDT, 2009)

164 Preceptoria de Residência Médica


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Categorias balintianas
Como psicanalista, Balint analisava os casos à semelhança dos grupos de super-
visão que teve durante seu processo de formação em psicanálise. Assim, ele foi
tecendo sua teoria sobre a relação entre o médico e a pessoa atendida, a partir de
categorias de análise que resultaram em um livro lançado em 1957: O Médico, Seu
Paciente e a Doença (BRANCO; FREITAS; CANTARELLI, 2012).

As principais categorias que fundamentam sua teoria são (BALINT, 1955; BRAN-
DT, 2009):

• O médico como droga: efeito do profissional sobre o paciente quanto


às suas expectativas e sua relação de confiança;
• A organização da doença: trabalho psíquico do paciente em orga-
nizar a experiência da doença e contempla a atuação do médico em
ajudá-lo nesse processo;
• O oferecimento da doença: relacionada à necessidade de oferecer a
doença, como processo criativo, a alguém que possa compreendê-la e
ajudar a organizá-la;
• A função apostólica, que se refere ao médico como conselheiro ou
educador, no sentido de levar ao paciente os conhecimentos necessá-
rios para que os procedimentos terapêuticos sejam por ele cumpridos;
• A companhia de investimento mútuo, que se refere à possibilidade de
uma relação de apoio mútuo entre médico e paciente, portanto o pa-
ciente elege aquele médico e o médico lhe dedica atenção especial, de
modo que a relação tem continuidade no tempo e assegura a ambos,
médico e paciente, uma adequada gratificação.
• O conluio do anonimato que acontece quando o paciente é encami-
nhado a especialistas diversos e nenhum deles apresenta uma solução
nem se responsabiliza pelo paciente;
• Paciente com grande dossiê, que se refere ao paciente que tem ficha
longa com muitos eventos; e
• Nomadismo medical, que contempla os casos de pacientes que mu-
dam de médico com certa intensidade.
• O flash constitui uma categoria desenvolvida bem mais tarde e re-
fere-se ao insight mútuo que pode ocorrer entre médico e paciente,
relacionado a uma percepção conjunta, simultânea, de algum fator in-
terveniente na doença.

165
1 2 3 4 5 6 7

Referências

BALINT, M. The doctor, his patient, and the illness. The Lancet, 265, n. 6866, p. 683-
688, 1955.

BRANCO, R. F. G. Y. R.; FREITAS, F. F. M.; CANTARELLI, G. C. F. Grupos Balint. In: ART-


MED (Ed.). Tratado de Medicina de Família e Comunidade: Princípios, Formação e
Prática, 2012. v. 1, cap. 18.

BRANDT, J. A. Grupos Balint: suas especificidades e seus potenciais para uma clínica
das relações do trabalho. Revista da SPAGESP, 10, n. 1, p. 40-45, 2009.

DATTOLI, V. C. C.; TANNUS, B. G. Grupos Balint e o processo de aprendizagem em


medicina. Boletim do Curso de Medicina da UFSC, 4, n. 6, 2018.

JOHNSON, A. H.; NEASE, D.; MILBERG, L. C.; ADDISON, R. B. Essential characteristics


of effective Balint group leadership. FAMILY MEDICINE-KANSAS CITY-, 36, n. 4, p.
253-259, 2004.

OMER, S.; MCCARTHY, G. Reflective practice in psychiatric training: Balint groups.


Irish journal of psychological medicine, 27, n. 3, p. 115-116, 2010.

166 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. O estudo da relação entre profissional e pessoa, em um encontro clíni-


co, é capaz de:

a) otimizar a abordagem do processo de adoecimento


b) reduzir a satisfação do professional de saúde
c) aumentar diretamente o tempo de consulta
d) agravar os índices de sofrimento mental

2. Em relação aos grupos Balint, assinale a alternativa correta:

a) Devem ser realizados com participantes em sofrimento psíquico


b) Podem aumentar a qualidade das consultas e da relação profissional
c) Devem ser conduzidos por psiquiatras
d) Necessitam de número mínimo de participantes

3. Assinale a categoria balintiana cuja definição é: “Paciente é encaminha-


do a diversos especialistas e nenhum deles apresenta solução nem se
responsabiliza pelo caso”

a) Função apostólica
b) Referência desordenada
c) Conluio do anonimato
d) Companhia de investimento mútuo

Gabarito

1 A 2 B 3 C

Para reflexão e debate


1. Quais categorias balintianas você mais observa em sua prática e
entre colegas e residentes?
2. Você lembra de alguma situação em que foi afetada a relação
médico-paciente? Seria esse um bom “caso” para Grupo Balint?

167
Capítulo 22
Diversidade
na formação

Residentes sofrem por serem minorias


A residência é um período difícil e estressante em que se é exposto a novas compe-
tências. Ocorre pressão para assimilar conteúdo, competição com colegas, maior
exposição dos erros e isolamento social. É também época de ajuste da identi-
dade pessoal à identidade profissional normativa, provocando uma cisão interna
(POTTS; MCLEAN; SABA; MORENO et al., 2021).

Para alguns residentes existem desafios adicionais, por fazerem parte de minorias
(ou serem minorizados). A esse fenômeno chamamos de “dupla carga”.

Residentes de minorias precisam procurar redes de apoio fora de seu ambiente


de trabalho na tentativa de encontrar ressonância às dificuldades e sofrimentos
(OSSEO-ASARE; BALASURIYA; HUOT; KEENE et al., 2018). Alguns residentes se
auxiliam entre si nas questões sobre diversidade, o que traz satisfação e orgulho.
Esse trabalho, no entanto, exige um sacrifício de tempo que, de outra forma, seria
dedicado ao bem-estar pessoal ou ao estudo.

“A residência é um período difícil e


estressante em que se é exposto a
novas competências.”

168 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Microagressões
Residentes referem a necessidade de “mudança do eu”, e são compelidos a mini-
mizar, disfarçar ou transformar suas verdadeiras identidades para serem aceitos no
trabalho (GUH; HARRIS; MARTINEZ; CHEN et al., 2019).

Outras situações relatadas são (OSSEO-ASARE; BALASURIYA; HUOT; KEENE et


al., 2018):

• sentir-se estrangeiro na própria terra (não pertencer àquele espaço/ local)


• ser confundido com uma categoria profissional diferente de médico
• ser taxado de exótico em relação a forma de se vestir ou se portar
• encarar barreiras para denúncia (normalização por outros profissionais)
• sentir medo de repercussões, ao relatar situação de discriminação
• ser confundido com outras pessoas que compartilham de
mesmas características
• ser cobrado para desempenharem papel de “embaixadores” das minorias

169
1 2 3 4 5 6 7

Ensinar diversidade
para lidar com pacientes
As disparidades de saúde estão presentes na vida da população. As desigualdades
se manifestam nos piores desfechos, como maior comorbidade, maior mortalidade
e falta de confiança no sistema de saúde.

A abordagem da diversidade se preocupa com a valorização das contribuições


de todos na sociedade, abraçando as diferenças individuais e abrangendo toda a
gama de agrupamentos sociais (SWANWICK, 2018).

Em uma sociedade cada vez mais plural, com novas expectativas de igualdade so-
cial, omitir-se das questões levantadas pela diversidade prejudica a credibilidade,
tanto da organização quanto do profissional (SWANWICK, 2018).

Residentes e estudantes nas profissões de saúde vêm de uma variedade de ori-


gens culturais e trazem consigo seu próprio conjunto de experiências, preconcei-
tos e expectativas. Tanto na graduação quanto na residência, esses profissionais
podem ser trabalhados para desenvolver a consciência da diversidade e superar o
preconceito (SWANWICK, 2018).

Atitudes simples como o treinamento de residentes para conhecer e compreender


a linguagem inclusiva, que os(as) capacitem a atender melhor a população trans,
por exemplo, podem fazer toda a diferença (RedeTrans, 2022).

170 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Competências para o trabalho


com diversidade
As principais competências para lidar com a diversidade estão listadas abaixo
(SWANWICK, 2018):

Habilidades
Conhecimento profissionais
• Compreensão da • Técnicas para aprender e
cultura, conflitos comuns ensinar sobre diversidade
e problemas potenciais
• Capacidade de se
• Conhecimento de comunicar com clareza e
história, língua, religião, precisão
costumes, valores
• Capacidade de discutir
• Conhecimento dos abertamente questões de
modelos médicos diversidade
predominantes
• Capacidade de
• Compreensão dos reconhecer questões
aspectos sociais, relacionadas ao conflito
políticos, econômicos e
• Capacidade de
fatores institucionais
reconhecer e combater o
• Conhecimento de racismo
serviços de suporte
• Capacidade de planejar
• Conhecimento o ensino culturalmente
da diversidade e apropriado
diferenças locais.
• Capacidade de
avaliar habilidades.

Atributos pessoais

• Empatia e flexibilidade nas atitudes


• Aceitação das diferenças devido à diversidade
• Disposição para trabalhar com diversos residentes
• Abertura para novas experiências e pessoas
• Consciência das diferenças e semelhanças entre diversos grupos.

171
1 2 3 4 5 6 7

Estratégias para melhorar o


acolhimento da diversidade
na instituição
Aumentar a diversidade racial da força de trabalho médica é uma das estratégias
no combate ao racismo e pode ajudar a eliminar a desigualdade racial na saúde.
Um exemplo de abordagem institucional é relatado por GUH, HARRIS, MARTINEZ e
CHEN (2019) em que foram instituídas estratégias para aumentar a diversidade de
residentes e preceptores em um programa de medicina familiar de base comunitá-
ria. Entre 2014 e 2017, a proporção de não-brancos entre os residentes aumentou de
28% (10/36) para 68% (27/40) e entre os preceptores aumentou de 9% para 27%.

Outras formas de preconceito enfrentada por profissionais de saúde, como gê-


nero, orientação sexual, classe social, local de nascimento, deficiências e histórico
profissional entram nessa lista e melhoram à medida que a equipe se torna diversa.

Estratégias para incorporar a diversidade em programas de residência

(GILBERT; TAWARA; DUNNE, 2007)

• Criar uma estrutura: convocar um grupo de trabalho com o único ob-


jetivo de determinar como os conceitos básicos relacionados à diver-
sidade podem ser integrados em todos os aspectos do programa
• • Esclarecer valores e filosofia: essencial para criar uma visão compar-
tilhada entre preceptores e demais funcionários para orientar todos os
esforços nessa área.
• Adaptar ou criar currículos sobre diversidade.
• Determinar as necessidades e interesses de desenvolvimento do corpo
docente e da equipe. Realize uma avaliação inicial do corpo docente e
da equipe para determinar o que eles percebem como suas necessida-
des e interesses de treinamento ou desenvolvimento.
• Conduzir o desenvolvimento da preceptoria. Sugestões: (1) fornecer opor-
tunidades para preceptores se encontrarem informalmente para compar-
tilhar opiniões e participar de discussões; (2) criar um clube do livro dedi-
cado a explorar temas e questões de cultura, raça e etnia que muitas vezes
são difíceis ou controversos de discutir apenas em um nível interpessoal;
(3) convocar sessões facilitadas para tratar de questões ou preocupações
importantes; e (4) oferecer mediação e resolução de conflitos.
• Criar um refúgio para compartilhar e aprender. É fundamental fornecer
um fórum seguro, sem julgamentos, para explorar honestamente as
considerações culturais – as próprias e as dos grupos de forma geral.

172 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

• Fazer uma avaliação. Desenvolver uma estratégia de avaliação que


mensure, no mínimo: (1) até que ponto a preceptoria aumentou a in-
corporação da competência cultural e linguística em todos os aspectos
do programa de residência; (2) até que ponto os residentes aumenta-
ram a consciência, o conhecimento e as habilidades em diversidades;
(3) as perspectivas dos residentes sobre a eficácia da preceptoria e
do programa de forma geral na incorporação de princípios e práticas
inclusivas; e (4) até que ponto os pacientes se beneficiam do desen-
volvimento de estratégias de ensino e inclusão das diversidades no
programa de residência.

Referências

GILBERT, J.; TAWARA, G.; DUNNE, C. Curricula Enhancement Module. National Cen-
ter for Cultural Competence. Georgetown University Child Development Center Uni-
versity Center for Excellence in Development Disabilities, 2007.

GUH, J.; HARRIS, C.; MARTINEZ, P.; CHEN, F. et al. Antiracism in residency: a mul-
timethod intervention to increase racial diversity in a community-based residency
program. Family medicine, 51, n. 1, p. 37-40, 2019.

OSSEO-ASARE, A.; BALASURIYA, L.; HUOT, S. J.; KEENE, D. et al. Minority resident
physicians’ views on the role of race/ethnicity in their training experiences in the
workplace. JAMA network open, 1, n. 5, p. e182723-e182723, 2018.

POTTS, S.; MCLEAN, I.; SABA, G.; MORENO, G. et al. Diversity and Facing Discrimi-
nation in Family Medicine Residencies: A CERA Survey of Program Directors. Family
Medicine, 53, n. 10, p. 871-877, 2021.

SWANWICK, T. Understanding medical education. Understanding Medical Education:


Evidence, Theory, and Practice, p. 1-6, 2018.

Rede Nacional de Pessoas Trans – Brasil (RedeTrans). Manual da linguagem inclusiva


e não sexista para organizações e administração pública. Uberlândia, MG, 2022.

Para reflexão e debate


1. Como se encontra a diversidade (raça, gênero, origem, cultura,
religião...) em seu programa de residência? O que poderia ser feito
para ampliá-la?

173
Parte VI.
PESQUISA
E ENSINO

Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 23
A estrutura
de um projeto

Faremos, neste texto, um breve resumo da Norma Técnica da ABNT NBR 15287:2011,
cujo assunto é a “Informação e documentação – projeto de pesquisa – Apresenta-
ção” e outras relacionadas. Ou seja, essa normatização trata da estruturação e pa-
dronização de projetos de pesquisa e como apresentá-los. Vale ressaltar que exis-
tem outras normas vigentes que apoiarão na normatização do seu trabalho, e que
devem ser igualmente consideradas e consultadas durante a elaboração do texto:

• NBR 10520:2002 – Citações em documentos – Apresentação


• NBR 6023:2018 – Referências – elaboração
• NBR 6027:2012 – Sumário – Apresentação
• NBR 6028:2021 – Resumo, resenha e recensão – Apresentação

Basicamente, um projeto é formado por três elementos: pré-textuais, textuais e


pós-textuais. Abordaremos a seguir com mais detalhes os elementos obrigatórios,
e os opcionais serão citados, em ordem de posicionamento textual, no infográfico.

“Um projeto é formado por três


elementos: pré-textuais, textuais e
pós-textuais.”

175
1 2 3 4 5 6 7

1
ELEMENTOS PRÉ-TEXTUAIS OBRIGATÓRIOS

(apresentados na ordem de posicionamento no projeto):

• Folha de rosto: deve conter a identificação do autor e título


do trabalho (registrada no anverso ou frente da folha) e a fi-
cha catalográfica (registrada no verso da folha)
• Sumário: é sempre o último elemento pré-textual e deve con-
ter todos os itens dos elementos textuais e pós-textuais ape-
nas, ou seja, no sumário não se deve enumerar os elementos
pré-textuais (ABNT NBR 6027:2012). Atentar-se para que a
mesma formatação dos capítulos e títulos sejam mantidas no
sumário. Perceba que, em vários editores de texto, existe uma
aba “Referências” que contém a opção “Sumário” que pode
ser utilizada para facilitar a organização desse item.

2
ELEMENTOS TEXTUAIS OBRIGATÓRIOS:
• Introdução: é a parte do texto considerada como “abre-alas”
do projeto e por isso precisa conter informações que levem o
leitor a se interessar pela leitura, tais como a problemática so-
bre a qual o autor se debruçou e as hipóteses levantadas para
solucionar os problemas elencados. Em geral, a introdução
precisa ser reescrita ao final do trabalho para corresponder
ao conteúdo realmente apresentado.
• Após ou ao final da introdução, devem ser evidenciados os
objetivos e as justificativas. No desenvolvimento, também se
indica o referencial teórico que embasa o projeto, a metodo-
logia a ser adotada, os recursos e o cronograma necessário à
sua execução. O cronograma pode ser apresentado em for-
mato de quadro esquemático.

3
ELEMENTOS PÓS-TEXTUAIS OBRIGATÓRIOS:
• Referências: faremos a orientação dos tipos de referências
mais utilizadas em projetos de pesquisa. Para outras informa-
ções, orientamos que consultem a NBR 6023:2018

176 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Referências a artigos científicos devem seguir o seguinte padrão:

SOBRENOME, Nome do autor do artigo. Título do artigo. Título da Revista (por


extenso, em destaque negrito ou itálico), local de publicação, número do volu-
me, número do fascículo, páginas inicial-final, mês e ano.

Referência a trabalhos acadêmicos


(monografias/TCC’s, dissertações, teses):

SOBRENOME, Nome do autor do trabalho. Título: subtítulo (somente o título


principal em destaque negrito ou itálico; subtítulo em redondo). Ano de apre-
sentação. Número de folhas ou volumes. (Categoria e área de concentração)
– Instituição, Local, ano.

Referência a homepages:

SOBRENOME, Nome do autor ou organização da homepage. Nome do site (em


destaque negrito ou itálico), ano. Ementa (fazer descrição breve). Disponível
em: endereço completo do site. Acesso em: dia mês e ano (exemplo: 9 set.
2022; o mês de maio é o único que não deve ser abreviado).

Referência a livros:

SOBRENOME, Nome do autor do livro. Título do livro (em destaque negrito ou


itálico). Edição (somente a partir da segunda). Local: Editora, Ano.

Obs.: ao optar por um destaque (negrito ou itálico) _ nos títulos principais, deve-se
seguir o mesmo padrão em toda a lista de referências. Isso se aplica também aos nomes
dos autores, que podem ser abreviados ou por extenso, porém, ao optar por um estilo,
deve-se padronizar toda a lista.

177
1 2 3 4 5 6 7

Dicas para facilitar e evitar problemas em seu projeto:

DICA 1:
CUIDADO COM PLÁGIO ACADÊMICO!

Você saberia explicar, com segurança, o que é e quais são as formas de plá-
gio acadêmico?

Se você respondeu “não”, cuidado! Você pode, mesmo sem querer, cometer
plágio, que é considerado crime de violação de direitos autorais, previsto pelo
Código Penal, conforme a Lei n. 10.695/2003: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/leis/2003/l10.695.htm.

Se você respondeu “sim, mas não tem como pegar, porque ninguém vai pes-
quisar parágrafo por parágrafo do seu trabalho!”. Cuidado! Existem softwares
identificadores de plágio que são frequentemente utilizados por pesquisado-
res, orientadores, bancas examinadoras e revisores. Basta pesquisar na inter-
net por “identificador de plágio” que você encontrará diversas informações
sobre o assunto.

E, mais uma vez: plágio é crime! Sujeito a cassação de diploma e


processo judicial por falsidade ideológica.

Por isso, mesmo que você tenha respondido “sim, estou seguro(a)” indicamos
a leitura complementar da Cartilha sobre Plágio Acadêmico do Instituto de
Arte e Comunicação Social, disponível em cartilha-sobre-plagio-academico.
pdf (uff.br) e/ou assistir ao vídeo a seguir, que versa sobre conceito, tipologia
e como fugir de uma possível apropriação indébita de ideias no seu projeto
de pesquisa: O que é Plágio – Plágio Acadêmico – Revista Científica Multidis-
ciplinar Núcleo do Conhecimento – YouTube

178 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

DICA 2:
USE FERRAMENTAS PARA FACILITAR A FORMATAÇÃO DO SEU TRABALHO

Existem algumas ferramentas que podem poupar valiosas horas de traba-


lho, antes empregadas na gestão “braçal” das referências e de citação de
autores. Existem softwares gratuitos de gerenciamento de fontes de refe-
rências, tais como o Mendeley e o Zotero, que automatizam, em poucos cli-
ques, a citação de artigos ao longo do seu trabalho e a confecção da seção
de referências.

Caso não tenha familiaridade com essas ferramentas, uma sugestão é come-
çar criando uma conta no Mendeley – Software de Gestão de Referência e
seguir os passos sugeridos neste vídeo disponível no Youtube: MENDELEY
REFERENCE MANAGER 2021/2022: Passo a passo para instalação e uso no
Word | tatyheiderich - YouTube. Assista também ao vídeo que trata da nova
versão desse software: Tutorial do novo Mendeley Reference Manager - You-
Tube. Os gerenciadores de referências permitem selecionar o padrão de nor-
mas a ser seguido, por vezes, instalando módulos suplementares (em nosso
caso, ABNT).

Lembrando que nenhuma ferramenta eletrônica substitui o olhar


humano, portanto, sugerimos que revise as citações e referên-
cias do seu trabalho para se certificar de que não há erros. Se
ainda ficar em dúvida, contrate um revisor profissional.

179
1 2 3 4 5 6 7

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR 15287: Informação


e documentação – Projeto de pesquisa – Apresentação. Rio de Janeiro, 2011.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR 6023: Informação


e documentação – Referências – Elaboração. Rio de Janeiro, 2018.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR 6027: Informação


e documentação – Sumário – Elaboração. Rio de Janeiro, 2012.

PONTIFICA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. SISTEMA INTEGRA-


DO DE BIBLIOTECAS. Orientações para elaboração de projeto de pesquisa: NBR
15287/2011 – Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). 3. ed. rev. Atual. Ela-
boração: Roziane do Amparo Araújo Michielini; Fabiana Marques de Souza e Silva.
Belo Horizonte: PUC-MG, 2019. Disponível

180 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Sobre qual dos elementos de um projeto de pesquisa, refere-se a afir-


mativa abaixo?

“É a parte considerada “abre-alas” do projeto e por isso precisa conter


informações que levem o leitor a se interessar pela leitura, tais como a
problemática sobre qual o autor se debruçou e as hipóteses para solu-
cionar os problemas elencados.”

a) Folha de rosto
b) Apresentação
c) Introdução
d) Conclusão

2. Complete a afirmativa a seguir:

“Referências a devem seguir o se-


guinte padrão:

SOBRENOME, Nome do autor. Título. Título da Revista (abreviado ou


não), Local de Publicação, Número do Volume, Número do Fascículo,
Páginas inicial-final, mês e ano.”

a) Homepages/sites
b) Teses de doutorado
c) Artigos científicos publicados em revistas
d) Livros e capítulos de livro

Gabarito

1 C 2 C

Para reflexão e debate


1. Reflita e comente sobre sua experiência (ou falta de), na
elaboração de projetos de intervenção ou de pesquisa.
2. Quais as maiores dificuldades de ensinar sobre estruturação de
projetos para estudantes e residentes?

181
Capítulo 24
Ensino baseado
em projetos

Projeto para mudança


O Projeto de Intervenção (PI) é uma proposta de ação desenvolvida pelo profissio-
nal para a resolução de um problema observado em seu local de atuação, seja no
âmbito da clínica ou da organização dos serviços, buscando a melhoria das condi-
ções de saúde da população local (MOURÃO NETTO et al., 2016).

A construção de um projeto de intervenção representa uma oportunidade concre-


ta para traduzirmos nossa ação como sujeitos que desejam transformar o mundo
real. O objeto de estudo e de aprendizagem coincide com os problemas ligados
à vivência concreta dos profissionais e com a possibilidade de intervenção nesses
problemas (PETTA et al., 2016).

Os projetos nascem do desejo de mudança; ou seja, são as pontes entre o desejo


e a realidade. Partem de um diagnóstico sobre determinada problemática viven-
ciada e buscam contribuir, em alguma medida, para a mudança dessa vivência/
existência (PIL, 2013).

Elaborar, portanto, um projeto de intervenção significa conhecer a realidade na


qual se pretende atuar, criar estratégias e ações para transformar essa realidade e
capacidade para propor e programar a intervenção (BARBOSA, 2014).

Embora tenha emergido do cenário da educação, o PI tem se disseminado nos


espaços de produção da saúde, em graduações e em cursos de especialização.
No entanto, ainda se configura como estratégia educativa e de resolução de pro-
blemas pouco discutida pela literatura científica no campo da saúde (MOURÃO
NETTO et al., 2016).

182 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Estrutura e desenho
O PI segue a seguinte estrutura: resumo, palavras-chave, introdução, problema,
justificativa, objetivos, revisão de literatura, metodologia, cronograma, recursos ne-
cessários, resultados esperados e referências.

No que se refere ao desenho metodológico, são elementos estruturantes: o cenário


e os participantes da intervenção, incluindo seus critérios de inclusão; o período a
ser realizado; o plano de ação, os resultados esperados ou alcançados, a depender
da fase de implantação; e a estratégia de monitoramento e avaliação (MOURÃO
NETTO et al., 2016).

No âmbito dos PRMs, os projetos de intervenção podem ser desenvolvidos e


concretizados pelos residentes, como seus trabalhos de conclusão, ou pelos
próprios preceptores.

Os projetos de intervenção podem ser desenvolvidos tanto sobre problemas mais


pontuais ou simples quanto sobre problemas amplos e mais complexos. A meto-
dologia a seguir foi concebida para o segundo tipo, mas esses passos podem ser
seguidos também para o primeiro.

183
1 2 3 4 5 6 7

Planejamento estratégico situacional


Método do Planejamento Estratégico Situacional (PES) é frequentemente utilizado
para o desenvolvimento de um projeto de intervenção.

O PES, aplicado à saúde, deve contar com os seguintes passos:

1. PRIMEIRO PASSO

Definição dos problemas (o que causou os problemas e suas consequências); para a


seleção do problema, pode ser realizada uma estimativa rápida ou outras técnicas para
identificação dos principais problemas de saúde da área de abrangência ou da população
que acessa o serviço.

2. SEGUNDO PASSO

Qualificar os problemas por critérios de prioridade (avaliar sua importância – frequência


e transcendência –, vulnerabilidade ao enfrentamento pela equipe e urgência); ordená-los
a partir do resultado da aplicação dos critérios. Pode-se utilizar uma planilha em que são
atribuídos valores ou pontos para apoio à definição das prioridades.

3. TERCEIRO PASSO

Descrição do problema priorizado (caracterização qualitativa e quantitativa). Devem ser


definidas as fontes de informação e sua confiabilidade.

4. QUARTO PASSO

Explicação do problema (causas do problema e suas relações). Este quarto passo tem
como objetivo entender a gênese do problema que queremos enfrentar a partir da
identificação das suas causas.

5. QUINTO PASSO

Selecionar os “nós críticos” (causas/processos sobre os quais a intervenção é mais capaz


de produzir mudança no sentido buscado). Devem ser escolhidas causas do problema que
estão dentro do espaço de governabilidade do planejador.

184 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

6. SEXTO PASSO

Desenho das operações (concretização das operações). O plano de ação deve ser
composto de operações desenhadas para enfrentar e impactar as causas mais importantes
(ou os “nós críticos”) do problema selecionado. As operações são conjuntos de ações que
deverão ser desenvolvidas durante a execução do plano.

7. SÉTIMO PASSO

Identificação de recursos críticos (identificar recursos que deverão ser aplicados em


cada operação).

8. OITAVO PASSO

Análise de viabilidade do plano e suas operações; a análise de viabilidade de uma


determinada proposta de ação deve levar em conta fatores internos e fatores externos
ao contexto institucional onde se desenvolve o processo de planejamento de uma
dada intervenção. Nesta etapa, pode ser utilizada a matriz FOFA – fortalezas (internas),
oportunidades (externas), fraquezas (internas) e ameaças (externas). A partir disso, pode-
se enriquecer a estratégia e buscar mobilizar, convencer, cooptar ou mesmo pressionar os
atores para mudar sua posição.

9. NONO PASSO

Designar os responsáveis diretos por cada operação, a quem respondem na hierarquia de


gestão do Projeto, e definir os prazos para a execução das operações e ações.

10. DÉCIMO PASSO

(contínuo): gestão do plano de ação, definindo o processo de acompanhamento dos


indicadores e seus instrumentos. Podem ser utilizadas matrizes de acompanhamento das
operações, com avaliação da situação atual e reavaliação de rotas e prazos, se necessário
(CAMPOS et al., 2010).

185
1 2 3 4 5 6 7

Metodologias ágeis
Em função da amplitude de problemas que podem ser identificados, assim
como da heterogeneidade das pessoas envolvidas no PES, se o planejamento
não for bem conduzido, pode ocasionar a geração de um “plano de ação ge-
nérico”, sem profundidade, que é difícil de monitorar e que não é revisitado e
adaptado regularmente.

Nesse contexto surgem as metodologias ágeis, que buscam a elaboração de um


plano dinâmico, em que os sistemas se adaptam às mudanças aumentando a ca-
pacidade de alcançar resultados (LUNA et al., 2017).

186 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Projeto como ferramenta educativa


Diante da necessidade de novas metodologias de ensino-aprendizagem, visando
transformar o cenário da Educação Médica, a utilização do PI como ferramenta
educativa tem revelado um potencial para o desenvolvimento de práticas mais
afinadas aos problemas das comunidades, pois permite ao profissional/educando
envolver-se, criar e fortalecer vínculos dentro dos territórios, à medida que há uma
necessidade/exigência de que ele esteja imerso na realidade dos atores sociais,
rompendo com o estilo de abordagem fria, centrada na doença, ainda resquício do
modelo hegemônico de atenção, que também representa o fio condutor da forma-
ção (MOURÃO NETTO et al., 2016).

Como o Projeto de Intervenção parte de um problema real e exige a sistemati-


zação da resolução e/ou enfrentamento, seu desenvolvimento guarda um forte
potencial para melhorar a qualidade de vida das pessoas, tendo como repercus-
são, ainda, o estímulo à aprendizagem significativa no estudante, fortalecendo a
tríade ensino-serviço-comunidade. Por essas características, a escolha dos objetos
de intervenção tem impressionado o corpo docente da especialização. Tanto pela
possibilidade de dar visibilidade a problemas negligenciados pela literatura (ou
mesmo pelos profissionais que compõem as equipes de Saúde da Família), como
por sua estreita relação com problemáticas de interesse das comunidades (MOU-
RÃO NETTO et al., 2016).

Referências

BARBOSA, A. N. Projeto de intervenção: novas formas de resposta à demanda es-


pontânea na Estratégia Saúde da Família Azurita. 2014.

CAMPOS, F. C. C. D. et al. Planejamento e avaliação das ações em saúde. 2010.

LUNA, A. D. O. et al. Uma abordagem para o gerenciamento estratégico ágil em saú-


de utilizando PES, OKR e MAnGve. Revista Eletrônica da Estácio Recife, v. 3, n. 2, 2017.

MOURÃO NETTO, J. J. M. et al. Contribuições do Projeto de Intervenção como ferra-


menta educativa no Programa Mais Médicos. Revista de Enfermagem da UFPI, v. 5,
n. 4, p. 75-79, 2016.

PETTA, H. L. et al. Especialização em preceptoria de residência médica no SUS: ca-


derno do curso 2015/2016. p. 54-54.

PIL, I.-P. D. I. L. Orientação para elaboração do projeto de intervenção local (PIL). 2013.

187
1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. O Projeto de Intervenção (PI) é uma proposta de ação desenvolvida


pelo profissional que busca:

a) responder questionamentos teórico-filosóficos


b) resolver um problema observado no local de atuação
c) atender a demandas da academia
d) servir como disparador para seminários clínicos

2. Aquelas que buscam a elaboração de um plano dinâmico, em que os


sistemas se adaptam às mudanças, aumentando a capacidade de al-
cançar resultados são as metodologias:

a) ativas
b) avançadas
c) ágeis
d) pós-modernas

Gabarito

1 B 2 C

Para reflexão e debate


1. Como a realização de Projetos de Intervenção pelos Residentes
pode oportunizar o aperfeiçoamento das rotinas do seu PRM?

188 Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 25
A pesquisa
para o ensino

A pesquisa em ensino e treinamento é estratégica para o futuro da medicina e


demais profissões relacionadas à Saúde. Através da investigação, as lacunas entre
as melhores práticas e o que realmente acontece podem ser abordadas de forma
otimizada. A pesquisa deve orientar a prática, enquanto a prática deve estimular
pesquisas futuras (DENT; HARDEN; HUNT, 2021).

Elaboração da pesquisa
A iniciação na pesquisa envolve identificar uma boa pergunta. Deve-se, então, con-
siderar o tipo de dados que precisam ser coletados para responder a essa pergun-
ta. Em seguida, é preciso definir um plano ou proposta sobre como a pesquisa será
conduzida, com marcos delimitados. É importante considerar ainda as questões
éticas que afetam a pesquisa e como elas podem ser tratadas. Novos conhecimen-
tos são criados, integrados, aplicados e, através da disseminação, discussão e ava-
liação crítica, novas questões são geradas. Isso, por sua vez, leva à formulação de
novas questões de pesquisa e o círculo de investigação acadêmica está completo
(SWANWICK, 2018).

De acordo com Hamann e colaboradores (2006), o desenvolvimento da pesquisa


pode adquirir diversas formas, como projeto de intervenção, revisão de literatura,
relato de caso, ou experimentos científico ou social. Ainda de acordo com esses
autores, uma pesquisa clínica deve ser modelada por uma experiência longitudinal,
enfatizando preparação adequada, tempo protegido para investigação e síntese
das informações coletadas.

189
1 2 3 4 5 6 7

Existem muitas abordagens de pesquisa para escolher, cada uma com seu pró-
prio propósito. No entanto, abordaremos aqui as quatro categorias principais, a
saber: estudos exploratórios visando a criação de modelos; estudos experimen-
tais visando justificação; estudos observacionais visando predizer tendências; e
estudos translacionais visando a implementação (RINGSTED; HODGES; SCHER-
PBIER, 2011).

Passos gerais de uma pesquisa


Para Nuthalapaty e colaboradores (2012), os passos gerais de uma pesquisa são:

1. Conceitualização: elaborar uma boa pergunta de pesquisa.


Demanda uma revisão da literatura e conhecimento sobre dados
já disponíveis.

2. Escolha do desenho do estudo: após a definição da pergunta, é


necessário identificar a melhor abordagem de pesquisa (exploratória,
experimental, observacional ou translacional) e a amostragem
adequada.

3. Implementação: processo de transformar a proposta de pesquisa em


ação. Nessa fase é realizada a submissão da pesquisa ao comitê de ética.

4. Coleta de dados: esta parte da pesquisa pode levar meses e sua


complexidade depende do tipo de estudo, tamanho da amostra e
quantidade de variáveis coletadas.

5. Análise: realização da análise dos dados coletados, aplicando a


metodologia escolhida. Neste momento, é possível identificar se os
achados são estatisticamente significantes.

6. Escrita: elaboração de rascunho e desenvolvimento do texto


colaborativo entre pesquisadores e orientadores.

7. Apresentação/ publicação: os resultados da pesquisa podem ser


apresentados de diversas formas, como apresentação para banca
examinadora, apresentação em eventos científicos ou publicação em
revista científica.

190 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Figura 25.1 - Etapas de uma Pesquisa Científica

1
Problema
Revisão da literatura e
elaboração de pergunta SMART

2
Escolha do desenho
Identificar a melhor
abordagem de pesquisa

3
Implementação
Transformar a proposta de
pesquisa em ação

4
Coleta de dados
Complexidade depende do tipo
de estudo e tamanho da amostra

5
Análise de dados
Aplicação dos dados à
metodologia definida

6
Escrita
Desenvolvimento do texto entre
pesquisadores e orientadores

7
Publicação
Apresentação dos
resultados da pesquisa

Fonte: Adaptado de RINGSTED; HODGES; SCHERPBIER, 2011.

191
1 2 3 4 5 6 7

Preceptor como orientador


Embora a maioria dos pesquisadores concorde que uma boa orientação é crucial
para uma pesquisa bem-sucedida, o acesso a orientadores varia entre os pro-
gramas. Em programas de residência atrelados a instituições de ensino superior,
pode ser mais fácil encontrar orientadores com experiência em pesquisa. Em
programas vinculados a secretarias estaduais e municipais de saúde, o preceptor
pode acabar se tornando orientador de pesquisa mesmo sem ter produção pré-
via (ROTHBERG, 2012).

Uma forma de facilitar a interação e o trabalho em conjunto entre residente e


orientador é encontrar interesses em comum para a pergunta da pesquisa. Pre-
ceptores mais experientes e com alguma bagagem prévia, tanto sobre pesquisa
quanto sobre o tema a ser estudado, podem servir como coorientadores ou ofer-
tando aulas com temas básicos a serem incluídos no currículo formal do programa
de residência.

192 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Pesquisa realizada por residentes


O objetivo da especialização é o treinamento em serviço, preparando profissionais
para atividades assistenciais, no desenvolvimento da especialidade escolhida. É
desejável, no entanto, que residentes sejam apresentados a atividades de pesquisa
(MARCHIORI, 2011).

Estudos demonstram que um currículo de pesquisa estruturado durante a resi-


dência pode aumentar o sucesso acadêmico, além de aumentar a apreciação pela
medicina baseada em evidências. Esses mesmos estudos também evidenciam que
a maioria dos residentes acredita ser importante o estudo sobre pesquisa durante
a residência (HAMANN; FANCHER; SAINT; HENDERSON, 2006).

A introdução à metodologia científica, redação de textos acadêmicos e capaci-


dade de sumarização de resultados, com posterior conclusão, otimiza a busca de
resposta para inquietações diárias (MARCHIORI, 2011).

Dentre as razões mais comuns para a realização de uma pesquisa durante os anos
de treinamento incluem curiosidade intelectual, exploração de possíveis opções
de carreira na academia ou em subespecialidade, conclusão de um requisito do
programa e desenvolvimento de currículo (HAMANN; FANCHER; SAINT; HENDER-
SON, 2006).

Muitas vezes, as monografias ou trabalhos de conclusão de curso são realizados


com casuística própria, nos moldes de dissertação de mestrado, podendo ser sub-
metidos à publicação em revistas científicas e utilizados como pré-projeto em ins-
crições de mestrado (MARCHIORI, 2011).

“Estudos demonstram que um


currículo de pesquisa estruturado
durante a residência pode aumentar o
sucesso acadêmico, além de aumentar
a apreciação pela medicina baseada
em evidências.”

193
1 2 3 4 5 6 7

Referências

DENT, J.; HARDEN, R.; HUNT, D. A practical guide for medical teachers. 6. ed. London:
Elsevier Health Sciences, 2021. E-Book.

DOODY, O.; BAILEY, M. E. Setting a research question, aim and objective. Nurse Re-
searcher, v. 23, n. 4, p. 19-23, 2016.

HAMANN, K. L.; FANCHER, T. L.; SAINT, S.; HENDERSON, M. C. Clinical research du-
ring internal medicine residency: a practical guide. The American Journal of Medicine,
v. 119, n. 3, p. 277-283, 2006.

MARCHIORI, E. Atividades de pesquisa em residência médica. Radiologia Brasileira,


v. 44, n. 5, 2011.

NUTHALAPATY, F. S.; et al. To the point: a primer on medical education research.


American Journal of Obstetrics and Gynecology, 207, n. 1, p. 9-13, 2012.

RINGSTED, C.; HODGES, B.; SCHERPBIER, A. ‘The research compass’: an introduc-


tion to research in medical education: AMEE Guide n. 56. Medical Teacher, v. 33, n. 9,
p. 695-709, 2011.

ROTHBERG, M. B. Overcoming the obstacles to research during residency: what does


it take? Jama, 308, n. 21, p. 2191-2192, 2012.

SWANWICK, T. Understanding medical education. In: SWANWICK, T.; FORREST, K.;


O’BRIEN, B. C. (ed.). understanding medical education: evidence, theory, and practi-
ce. 2. ed. New Jersey: Wiley-Brackwell, , 2018. p. 1-6.

Questões de avaliação

1. Sobre pesquisa na residência médica, assinale a opção correta de ver-


dadeiro e falso, a partir das afirmativas abaixo:

a) Ao final da residência, todo residente deve apresentar uma pesquisa


clínica a fim de receber o título de especialista
b) A pesquisa na residência deve assumir a forma de projeto de interven-
ção, de acordo com a característica do programa
c) Não há tempo hábil para experimentos científicos, sociais ou meta-análise
d) Através da investigação, as lacunas entre as melhores práticas e o que
realmente acontece podem ser abordadas de forma otimizada

194 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

2. Sobre etapas gerais da pesquisa, é correto afirmar:

a) Conceitualização: realização da análise dos dados coletados, aplicando


a metodologia escolhida. Neste momento é possível identificar se os
achados são estatisticamente significantes.
b) Escolha do desenho do estudo: identificar a melhor abordagem de
pesquisa (exploratória, experimental, observacional ou translacional) e
a amostragem adequada
c) Coleta de dados: pode levar meses e sua complexidade depende do
tipo de estudo, tamanho da amostra e quantidade de variáveis coleta-
das. Nessa fase é realizada a submissão da pesquisa ao comitê de ética.
d) Análise: elaboração de uma boa pergunta de pesquisa, revisão da lite-
ratura e conhecimento sobre dados já disponíveis

3. Sobre pesquisa durante a residência médica, assinale a alternativa correta:

a) O preceptor deve ter um tema de interesse especial sobre o qual seus


residentes desenvolverão trabalhos de conclusão de curso
b) Estudos mostram que um currículo de pesquisa estruturado durante
a residência pode aumentar o sucesso acadêmico e a apreciação pela
medicina baseada em evidências
c) A introdução à metodologia científica e redação de textos acadêmicos
deve ser oferecido como conteúdo extra, não podendo fazer parte do
currículo formal do programa
d) A Comissão Nacional de Residência Médica exige apenas que o orientador
já tenha artigo científico publicado em revista nacional ou internacional

Gabarito

1 D 2 B 3 B

Para refletir e debater


1. Você tem experiência em pesquisa clínica? E em pesquisa sobre
ensino? Consegue perceber diferenças entre os dois tipos?

195
Capítulo 26
Como solucionar dúvidas
clínicas e pedagógicas

Os médicos elaboram bastantes perguntas na prática diária – cerca de 1 para cada


2 pacientes que atendem - e, embora encontrem respostas para a maioria (78% a
87%), mais da metade de suas perguntas permanece sem resposta. Essas pergun-
tas não respondidas representam uma perda de oportunidades significativas para
melhoraria do atendimento ao paciente. A busca de soluções para elas permitiria
um aprendizado autodirigido, fornecendo informações necessárias aos médicos
no contexto da prática diária do atendimento.

Uma porcentagem relativamente pequena de tipos de perguntas foi responsável


por um grande percentual das perguntas feitas. Esta descoberta tem implicações
importantes no desenho de estratégias de busca de informação. Por exemplo, em-
bora os capítulos típicos de livros listem os sinais e sintomas sob a descrição de
uma condição específica, os médicos geralmente perguntam quais condições po-
dem levar a um sinal ou sintoma específico.

Dentre as perguntas mais comumente realizadas estão:

• qual o medicamento de escolha para a condição X?


• qual a causa para o sintoma X?
• como eu devo tratar a doença X?
• qual a causa para encontrar o sinal clínico X?
• qual exame é mais indicado para a situação X?

Inovações tecnológicas devem permitir que os médicos elaborem suas perguntas


e recebam acesso imediato às evidências de alta qualidade no contexto da tomada
de decisões no cuidado ao paciente e, se possível, durante a própria consulta.

196 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Dúvidas clínicas/
pedagógicas e a preceptoria
A visão de aprendizagem mais centrada no aluno exigiu uma mudança fundamen-
tal no papel do preceptor, que deixou de ser um dispensador de informações e
passou a ser facilitador da aprendizagem. O papel do professor não é informar os
alunos, mas incentivá-los e facilitá-los a aprender por si mesmos usando a dúvida
como foco para o aprendizado. Nenhum conjunto de materiais oferecidos pelo
programa de residência, seja em formato impresso ou eletrônico, é perfeito para
todos os alunos. É responsabilidade do preceptor facilitar o uso dos recursos pelos
alunos, superando quaisquer deficiências nos materiais e integrando-os ao currícu-
lo (CROSBY, 2000)

O preceptor, como facilitador, deve ser capaz de auxiliar o residente a elaborar a


dúvida e apoiá-lo na busca de respostas. Nesses momentos, é possível reforçamos
o compromisso do profissional com os pacientes como propulsor para a ampliação
do conhecimento a partir das dúvidas levantadas no cotidiano.

Da mesma forma que ensinamos, como educadores, devemos ser capazes de


identificar nossas dúvidas quanto ao ensino de residentes e realizar a busca de
referências para ampliar nosso conhecimento sobre o ensino médico, a partir de
situações diárias na lida com residentes.

197
1 2 3 4 5 6 7

Patient‘s Unmet Needs (PUNs) e


Doctor’s Educational Needs (DENs)
Os conceitos de “necessidades não atendidas dos pacientes” (PUNs) e as “neces-
sidades educacionais dos médicos” (DENs) são a base de um sistema de aprendi-
zado pessoa (EVE, 2013)

Todos temos diferentes estilos de aprendizado, diferentes necessidades e diferen-


tes vulnerabilidades. Desta forma, precisamos explorar nossas próprias necessida-
des, à nossa maneira e em nosso tempo. O aprendizado através da identificação de
PUNs pode fornecer respostas às nossas dúvidas ou incertezas na prática.

Os PUNs são indiretamente sugeridos pelos pacientes e apresentam, automatica-


mente, as áreas de fraqueza do profissional. Suas identificações fornecem pontos
de partida para o estudo e podem ser descobertos no final de cada consulta, ao
nos perguntarmos: “como eu poderia ter feito melhor?”

Ao focar nas necessidades não atendidas dos pacientes, o profissional é capaz de


reconhecer suas áreas de deficiência, o que leva ao descobrimento das Necessida-
des Educacionais dos Médicos (DENs).

O estudo das DENs pode ser realizado de forma individual ou em grupos que
compartilhem os mesmos DENs. Os programas de residência podem desenvolver
atividades de ensino a partir dos DENs de seus residentes e preceptores.

Esse sistema de aprendizado pessoal, desenvolvido por Richard Eve envolve as


questões individuais do médico, não levando em consideração fatores externos,
como a rede de saúde e demais fatores para a coordenação do cuidado.

“O aprendizado através da
identificação de PUNs pode
fornecer respostas às nossas
dúvidas ou incertezas na prática.”

198 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Transformando dúvida
em pergunta de estudo

O modelo P.I.C.O. (Problem, Intervention, Control, Outcomes) é utilizado para ela-


boração de questões clínicas que surgem da prática assistencial e que podem ser
adequadas e organizadas dentro do acrônimo (BIRUEL; PINTO, 2012):

P situação-problema (fenômeno estudado),


contexto, população

I intervenção proposta

C intervenção de controle ou de comparação

desfecho esperado que pretende responder a


O dúvida do pesquisador

Segundo a medicina baseada em evidências (MBE), a utilização desta técnica é o


primeiro passo operacional para se chegar aos elementos fundamentais para cons-
trução de boas perguntas de estudo ou pesquisa. Por consequência, os elementos
utilizados servirão para identificar as palavras-chave que farão parte da constru-
ção eficaz da estratégia de busca da resposta à pergunta formulada.

Ao utilizar a estratégia P.I.C.O., o profissional:

• economiza tempo no processo de busca;


• mantém o foco na necessidade (no problema);
• facilita a avaliação crítica da informação;
• identifica validade e aplicabilidade.

199
1 2 3 4 5 6 7

Exemplo do uso do modelo P.I.C.O.:

• P: Pacientes portadores de diabetes de um hospital universitário


• I: Grupo terapêutico para mudança de estilo de vida
• C: Uso precoce de insulina
• O: Retardo do início de insulinização

Pergunta de pesquisa: Grupos terapêuticos para mudança de estilo de vida são


efetivos para retardar a indicação do uso de insulina em pacientes portadores de
diabetes em um hospital universitário?

Uma adaptação comum ao modelo P.I.C.O. é a inclusão de um S no final, se tornan-


do P.I.C.O.S. em que o S significa tipo de estudo (study type).

200 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

POEM e DOE
A busca de desfechos relevantes para o paciente é fundamental no desenvolvi-
mento de uma pergunta P.I.C.O. As evidências encontradas são chamadas de Evi-
dência Orientada ao Interesse do Paciente (Patient-Oriented Evidence that Mat-
ters - POEM) e descreve os resultados de importância para o paciente, sendo eles
(FARLEY LIBRARY, 2022):

• melhora dos sintomas


• redução da dor
• qualidade de vida
• custo da intervenção
• morbidade/ mortalidade
• duração da internação

POEMs são essencialmente intervenções que ajudam os pacientes a viverem mais


ou melhor.

Apesar da evidência orientada aos interesses do paciente estar se tornando mais


comum, a literatura médica está repleta de exemplos de estudos que relacionam
a Evidência Orientada à Doença (DOE). Esses estudos esclarecem quanto à etio-
logia, prevalência, fisiopatologia e graduação das doenças. Ainda se abordam in-
tervenções que modificam determinados resultados laboratoriais ou de imagem,
mas que, quando usadas de modo exclusivo e não referidos aos POEMs, podem
levam a danos ou não levar a desfechos funcionais ou vitais desejados. Eles nos
dão uma visão do processo da doença, mas são menos úteis no manejo clínico
dos pacientes.

Na verdade, em muitos estudos, os dados preliminares eram promissores, os resul-


tados intermediários pareciam bons. Quando, porém, as intervenções foram testa-
das em pacientes reais, e seus desfechos avaliados, os resultados foram decepcio-
nantes ou até mostraram que a intervenção não era segura.

Dois exemplos de Evidência Orientada à Doença versus ao Paciente:

• DOE_1: beta-caroteno e vitamina E são bons antioxidantes


• POEM_1: nenhuma vitamina previne câncer ou doenças cardiovasculares
• DOE_2: a droga antiarrítmica X diminui a incidência de contrações
ventriculares prematuras nos ECGs
• POEM_2: a droga antiarrítmica X está associada a um aumento
na mortalidade.

201
1 2 3 4 5 6 7

Onde procurar?
Busca bibliográfica é o levantamento de um determinado tema, processado em
bases de dados nacionais e internacionais que contêm artigos de revistas, livros,
teses e outros documentos (NEVES; JANKOSKI; SCHNAIDER, 2013)

As bases de dados bibliográficas são as mais indicadas para pesquisas. Podem ser
fontes secundárias. que sintetizam criticamente conteúdos de fontes primárias, ou
as próprias fontes primárias (ou seja, estudos originais).

As fontes primárias são indicadas quando o profissional domina amplamente os


processos de avaliação crítica de artigos e dispõe de tempo para uma pesquisa
mais ampla.

Geralmente, as bases secundárias armazenam grande quantidade de informação


sintetizada e estruturada de forma que possa ser consultada rapidamente. O ideal
é que sua consulta também seja acompanhada por uma capacidade suficiente de
análise crítica. Os autores das revisões já devem tê-la realizado, mas não é raro na
história médica que elas apresentem vieses. No entanto, capacidade crítica e de
síntese das evidências são exigidas de modo muito mais extensivo na análise de
fontes primárias.

Dynamed, UptoDate, Essential Evidence Plus e Biblioteca Cochrane são exemplos


de bases secundárias muito utilizadas. Parte de seu conteúdo é gratuito e parte
depende de assinatura, pessoal ou institucional. Estes são seus endereços:

• UpToDate - www.uptodate.com/online
• Dynamed – https://www.dynamed.com
• Essential Evidence Plus - https://www.essentialevidenceplus.com/in-
dex.cfm
• Biblioteca Cochrane - https://www.cochranelibrary.com

As principais bases da área médica indexam tanto fontes secundárias como primá-
rias. São localizáveis via Portal da Biblioteca Virtual da Saúde/BVS, ou via Portal
da Capes, ou diretamente. Aqui, também, parte do conteúdo é gratuito e parte
depende de assinatura, pessoal ou institucional.:

• LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde


• MEDLINE via PubMed - www.pubmed.org
• Web of Science – disponibilizada pelo Portal da CAPES
• Scopus - disponibilizada pelo Portal da CAPES
• EBSCO - https://www.ebsco.com/pt

202 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Bases de dados para educação médica:

• BEME (Best Evidence Medical Education) – https://www.bemecolla-


boration.org
• ERIC (Education Resources Information Center) - https://eric.ed.gov
• EBSCO - https://www.ebsco.com/pt
• NYU Health Science Library - https://hslguides.med.nyu.edu/meded/
databases
• Harvard Countway Library - https://guides.library.harvard.edu/me-
ded/databases
• Medical Educational Portal (Association of American Medical Colleges)
- https://www.mededportal.org
• Harrel Health Science Library (Penn State College of Medicine) -
https://harrell.library.psu.edu/mededresearch

“O ideal é que sua consulta


também seja acompanhada
por uma capacidade
suficiente de análise crítica.”

Como procurar?
Após acessar a base de dados, algumas dicas para encontrar resultados mais facil-
mente (LATORRACA; RODRIGUES; PACHECO; MARTIMBIANCO et al., 2019):

• Utilizar palavras significativas, que representem o assunto ou tópico


de interesse
• Utilizar aspas para pesquisar termos compostos. Ex: “síndome de Down”
• Utilizar o símbolo cifrão ($) para truncamento de palavras na pesquisa.
Ex: epidemiol$ gera: epidemiologia, epidemiology, epidemiologista...
• Utilizar parênteses para estabelecer ordem no processo de pesqui-
sa e separar conjunto de termos; serve também para agrupar sinô-
nimos e termos em diferentes idiomas. Ex: hipertensão (eclampsia
OR pré-eclampsia)

203
1 2 3 4 5 6 7

Operadores boleanos permitem a relação entre dois ou mais elementos em uma busca

• AND: o interesse está na intersecção dos termos A e B (ambas as pa-


lavras devem estar nos artigos)
• OR: o interesse está em A ou B (não é necessário que ambas as pala-
vras estejam presente em um mesmo artigo)
• NOT: o interesse está no A (documentos que possuem B serão exclu-
ídos da pesquisa)

Figura 26.1 – Modelo de Operadores Boleanos

AND OR

A B A B

A AND B NOT A OR B

A B

A NOT B

Fonte: Adaptado de LATORRACA, 2019

No vídeo do YouTube “Pesquisa de arquivos no PUBMED” desenvolvido por um


curso de gestão de saúde bucal, podemos entender como transformar a pergun-
ta no modelo P.I.C.O. em estratégia de busca no PUBMED utilizando os operado-
res boleanos.

204 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Referências

BIRUEL, E.; PINTO, R. R. Bibliotecário na área da saúde: multiplicador da prática ba-


seada em evidência. X Jornadas APDIS, p. 1-8, 2012.

CROSBY, R. H., JOY. AMEE Guide No 20: The good teacher is more than a lecturer-the
twelve roles of the teacher. Medical teacher, 22, n. 4, p. 334-347, 2000.

DEL FIOL, G.; WORKMAN, T. E.; GORMAN, P. N. Clinical questions raised by clinicians
at the point of care: a systematic review. JAMA internal medicine, 174, n. 5, p. 710-718,
2014.

EVE, R. PUNs and DENs: discovering learning needs in general practice. Radcliffe
Medical Press, 2013. 1 85775 807 2.

FARLEY LIBRARY, F. Evidence-Based Practice and Information Mastery: POEMs and


DOEs. FARLEY LIBRARY RESEARCH GUIDES, p. A guide on the method of applying
evidence-based practice to combat information overload and help the practitioner
locate, evaluate and integrate the best information to improve the quality of care for
the patient., 2022. Disponível em: https://wilkes.libguides.com/Information_Mastery.
Acesso em: 11 de setembro de 2022.

LATORRACA, C. D. O. C.; RODRIGUES, M.; PACHECO, R. L.; MARTIMBIANCO, A. L.


C. et al. Busca em bases de dados eletrônicas da área da saúde: por onde começar.
Diagn Tratamento, 24, n. 2, p. 59-63, 2019.

NEVES, L. M. B.; JANKOSKI, D. A.; SCHNAIDER, M. J. Tutorial de pesquisa bibliográ-


fica. BIBLIOTECA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE. Curitiba: Sistema de Bibliotecas da Uni-
versidade Federal do Paraná 2013.

205
1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Sobre os PUNS (patients unmet needs – necessidades não atendidas


dos pacientes), assinale a alternativa correta:

a) São indiretamente sugeridos pelos pacientes e representam áreas de


fraqueza no aprendizado pessoal do profissional
b) São diretamente sugeridos pelos pacientes e apresentam áreas de fra-
queza do aprendizado pessoal do profissional
c) São indiretamente sugeridos pelos pacientes e apresentam áreas de
fortaleza do aprendizado pessoal do profissional
d) São diretamente sugeridos pelos pacientes e apresentam áreas de for-
taleza do aprendizado pessoal do profissional

2. Ao utilizar a estratégia P.I.C.O.(people, intervention, comparation,


outcome) para pesquisar dúvidas clínicas, o profissional:

a) inviabiliza a avaliação crítica da informação


b) economiza tempo no processo de busca
c) amplia o foco da pesquisa para além do problema pesquisado
d) precisa de duas intervenções, uma aplicada e uma de controle
para comparação

Gabarito

1 A 2 B

Para refletir e debater


1. Assista ao vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=MWa-
bt4CmOY), sobre a plataforma ERIC, de busca na literatura científica
sobre Educação. Você percebe utilidade para a preceptoria?
2. Quais fontes de pesquisa você já tem familiaridade?
Quais são novas?

206 Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 27
Métodos quantitativos
de pesquisa

Artigos científicos são, de longe, a maior fonte da informação de estudantes e


profissionais médicos, ainda que grande parte deles consuma versões secundá-
rias dessas fontes. O apoio à decisão clínica é o maior motivo de sua busca direta.
Isso inclui tanto indicação de rastreamentos ou investigação de doenças quanto
tratamentos, incluindo intervenções relacionadas à prevenção de enfermidades.
Devido a seu caráter e objetivos, tais publicações têm, como principal recorte, o
quantitativo. Sua característica marcante é permitir buscar associações entre vari-
áveis dentro de margens de erro definidas.

O desenvolvimento e avanço metodológico de estudos científicos de base quanti-


tativa foi de fundamental importância para o célere incremento da ciência no mun-
do. Um exemplo recente pode ser dado quando da velocidade dos estudos sobre
formulação/comprovação dos testes em animais/comprovação dos testes em hu-
manos/liberação para uso na população geral do uso de vacinas contra COVID-19
e o descarte de intervenções inúteis ou danosas nesse contexto.

Não significa, no entanto, que, apenas por um estudo ser quantitativo, será meto-
dologicamente adequado ou com resultados confiáveis. Há elementos cruciais: (a)
seleção do delineamento capaz de responder à pergunta de pesquisa, (b) expli-
citação de conflitos de interesse e sua menor influência possível, (c) seguimento
dos padrões metodológicos e de controle de vieses pertinentes ao delineamento
escolhido, (d) procedimento amostral apropriado, (e) escolha correta das análises
estatísticas, (f) significância estatística e clínica dos resultados, (g) revisão por pa-
res e publicização.

207
1 2 3 4 5 6 7

“O HAOC oferece outros cursos


via PROADI-SUS que oportunizam
amplamente o domínio das
competências mencionadas.”

Além de confiáveis é necessário saber se os resultados são aplicáveis para a reali-


dade de quem acessa o estudo procurando respostas. Avaliar se essa transposição
é factível e demanda dominar um conjunto de conhecimentos e habilidades, desde
o entendimento das características da população do estudo e de sua comparabi-
lidade ao contexto de aplicação (diferenças de prevalência), até o das medidas de
efeito publicadas (por exemplo: RRR, RRA, NNT), suas limitações e seu significado
para a população-destino.

Tudo isso terá significado fraco se não se souber como procurar a informação de
que se necessita. Habilidades de formulação de perguntas pesquisáveis e de busca
na literatura são essenciais, como abordado no capítulo 26.

Se o domínio desse campo do saber não é muito difundido, também não se trata
de algo excessivamente complexo. Está ao alcance de quem deseje maior autono-
mia científica e se disponha a construir essa competência. Algumas obras concisas
do início do movimento da Medicina Baseada em Evidências (MBE) ainda estão
entre as melhores, e seguramente podemos recomendar sua leitura a quem pre-
tenda se apropriar desses fundamentos. O USERS’ GUIDES TO THE MEDICAL LI-
TERATURE - A MANUAL FOR EVIDENCE-BASED CLINICAL PRACTICE, de Guyatt
e colaboradores, é bastante acessível para quem deseja aprender sobre pesquisa
quantitativa em saúde e sua aplicação no contexto clínico. Ao seu lado, o DE-
SIGNING CLINICAL RESEARCH, de Hulley e colaboradores, fornece um mergulho
maior nos aspectos mais diretamente relacionados à pesquisa quantitativa em si.
O HOW TO READ A PAPER, de Trisha Greenhalgh, por sua vez, sistematiza o olhar
do profissional para identificar o que é mais relevante na leitura de uma produção
científica. Todos têm tradução em português. A leitura de ao menos uma dessas
obras seminais já é capaz de alavancar as capacidades do profissional de saúde,
facilitando sua independência crítica em relação às opiniões e versões circulantes
sobre evidências científicas.

O HAOC oferece outros cursos via PROADI-SUS que oportunizam amplamente o


domínio das competências mencionadas.

No Quadro 27.1 apresentamos elementos para classificar estudos a partir de seu


desenho e na Figura 27.1 o nível das evidências que apresentam.

208 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Quadro 27.1 – Tipos de Estudos e características

ESTUDOS OBSERVACIONAIS
TIPOS CARACTERÍSTICAS
O que? São uma fotografia de uma determinada realidade;
TRANSVERSAIS, Para quê? São usados principalmente para aferir
SECCIONAIS, prevalências populacionais;
INQUÉRITOS OU Vantagens? baixo custo, simplicidade e rapidez para
ESTUDOS DE coleta e análise dos dados, o alto potencial descritivo
PREVALÊNCIA Desvantagens? Não se pode fazer correlação de causa e
efeito porque ambos são coletados no mesmo momento.
O que? São tipos de estudos que observam a ocorrência de
determinadas situações ao longo do tempo. Como se fosse
feita a análise de uma história através de um filme. Por isso
são estudos necessariamente longitudinais prospectivos ou
retrospectivos;
COORTE Para quê? Tem como finalidade a determinação de causa
e efeito;
Vantagens? possibilidade de investigar vários desfechos
simultâneos;
Desvantagens? alto custo, são de difícil organização e não
são indicados para estudo de doenças de baixa prevalência.

O que? São estudos retrospectivos que têm como base,


a comparação entre grupos de indivíduos expostos a um
mesmo fator;
Para quê? Servem para identificar causas de determinados
problemas ou comparar o desfecho à um mesmo fator de
CASO exposição em grupos diferentes;
CONTROLE
Vantagens? Baixo custo, desenvolvimento rápido, com
estudo simultâneo de vários fatores de risco; podem incluir
doenças raras nos estudos;
Desvantagens? Minúcia na seleção dos controles para evitar
viés de seleção.

209
1 2 3 4 5 6 7

O que? São estudos de caráter populacional, observacional,


que tem como objetivo aferir o efeito de determinados
agentes ecológicos sobre a população, através da
correlação entre a taxa/grau/volume de exposição do dito
agente ao aparecimento de determinadas doenças;
Para quê? Importante para a formulação e revisão de
ECOLOGICOS políticas de saúde públicas;
Vantagens? Baixo custo, análise fácil, eticamente
descomplicado;
Desvantagens? Não se pode inferir o mesmo resultado geral
(obtido para a população) à nível individual; outro limitante
é a má qualidade dos dados secundários e/ou falta de
informação.
ESTUDOS EXPERIMENTAIS
TIPOS CARACTERISTICAS
O que? É um tipo de estudo experimental longitudinal,
prospectivo, frequentemente desenvolvido pela indústria
farmacêutica, laboratórios de pesquisa, centros de estudo
de vacinas etc.;
ENSAIOS Para quê? Objetiva avaliar o efeito de intervenções, a
CLINICOS exemplo dos estudos de novos medicamentos, vacinas,
procedimentos estéticos ou cirúrgicos etc.;
Vantagens? Permite o lançamento de novas tecnologias
com excelente nível de evidência científico;
Desvantagens? alto custo e de difícil organização.

O que? São estudos experimentais cuja avaliação da


intervenção é sobre a população e não sobre o indivíduo;
Para quê? São excelentes estudos para intervenção sobre
doenças que tenham relação com condições sociais
(pobreza, analfabetismo, falta de saneamento básico,
dificuldade de acesso a lazer ou serviços de saúde etc.) ou
INTERVENÇÃO
influenciadas pelo comportamento (hábito de fumar, uso
NA
abusivo de álcool, sedentarismo etc.);
COMUNIDADE
Vantagens? Importantes para mudança comportamental e
para intervenções públicas;
Desvantagens? Dificuldade de seleção de comunidades que
não sofram mudanças ao longo da pesquisa ou que não
tenham influências de outros fatores que possam influenciar
na mesma situação estudada.

Fonte: Adaptado de BASTOS et al. IN: Gusso; Lopes; Dias, 2019.

210 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Figura 27.1 – Proposta de uma nova pirâmide de evidências

A B

Systematic
Systematic Review/Meta
Review/Meta Analysis
Analysis

Randomised Randomised
Control Trials Control Trials

Cohort Studies Cohort Studies

Case Control Studies Case Control Studies

Case Series/Reports Case Series/Reports

Randomised
Control Trials

Cohort Studies

Case Control Studies

Case Series/Reports

Fonte: MURAD, 2016, disponível em http://dx.doi.org/10.1136/ebmed-2016-110401

A Figura 27.1 mostra a proposta da “nova” pirâmide da Medicina Baseada em Evi-


dências. (A) A pirâmide tradicional. (B) Revisão da pirâmide: (1) as linhas que sepa-
ram os desenhos do estudo ficam onduladas, (2) revisões sistemáticas são “corta-
das” da pirâmide. (C) A pirâmide revisada: as revisões sistemáticas são uma lente
através da qual as evidências são vistas.”(.)

211
1 2 3 4 5 6 7

Referências

BASTOS, Cynthia Goulart Molina, D’AVILA, Otávio Pereira, e RIGATTO, Maria Helena
S. P. Capítulo 67: Pesquisa Quantitativa. IN GUSSO, Gustavo, LOPES, José Mauro Ce-
ratti. CHAVES, Lêda Dias Tratado de medicina de família e comunidade: princípios,
formação e prática [recurso eletrônico] – 2. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2019.

BONITA R. et all, Epidemiologia Básica 2ª edição. [Acessado 1 junho 2022]. Disponí-


vel em: BONITA et al - cap 3.pdf (usp.br)

FONSECA JJS. Metodologia da pesquisa científica [Internet]. Fortaleza: UEC, 2002.


Disponível em: http://leg.ufpi.br/subsiteFiles/lapnex/arquivos/files/Apostila_-_ME-
TODOLOGIA_DA_PESQU ISA%281%29.pdf

SAVI, Maria Gorete Monteguti e SILVA, Edna Lucia da. O fluxo da informação na prática
clínica dos médicos residentes: análise na perspectiva da medicina baseada em evi-
dências. Ciência da Informação [online]. 2009, v. 38, n. 3 [Acessado 1 junho 2022], pp.
177-191. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0100-19652009000300012>. Epub
01 Jul 2010. ISSN 1518-8353. https://doi.org/10.1590/S0100-19652009000300012.

TURATO, Egberto Ribeiro. Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde:


definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Revista de Saúde Pública [online].
2005, v. 39, n. 3 [Acessado 1 junho 2022], pp. 507-514. Disponível em: <https://doi.
org/10.1590/S0034-89102005000300025>. Epub 30 Jun 2005. ISSN 1518-8787. ht-
tps://doi.org/10.1590/S0034-89102005000300025.

212 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Sobre os métodos quantitativos de pesquisa, considere as afirmati-


vas abaixo:

• O desenvolvimento metodológico de estudos científicos de base quan-


titativa foi de fundamental importância para o célere incremento da ci-
ência no mundo
• O desenho metodológico do estudo está intimamente ligado ao nível
de evidência científica do trabalho
• Os métodos de pesquisa quantitativa são aqueles de caráter lógico, tra-
balham dados mensuráveis e muitas vezes dedutíveis, tentando com-
provar ou excluir uma hipótese
• Consideram as subjetividades do sujeito objeto do estudo, a opinião
dos pesquisadores e o contexto do cenário de pesquisa

Marque a alternativa correta:

a) V, F, V, F
b) F, V, F, V
c) V, F, V, V
d) V, V, V, F

2. Estudos usados para aferir prevalências populacionais, que mostram


uma fotografia de uma determinada realidade, com baixo custo e sim-
plicidade para coleta e análise dos dados e alto potencial descritivo,
mas que não fazem correlação de causa e efeito são chamados de:

a) Estudos de coorte
b) Estudos Transversais
c) Estudos ecológicos
d) Estudos de caso-controle

Gabarito

1 D 2 B

Para refletir e debater


1. Você tem experiência com algum tipo de pesquisa quantitativa
(Trabalho de Conclusão de Curso, residência, pós-graduação...)?
Gostaria de aprofundar os conhecimentos nesse tema?

213
Capítulo 28
Métodos qualitativos
de pesquisa

A pesquisa qualitativa preocupa-se com a forma como o mundo social é interpre-


tado, compreendido, experimentado ou construído. Dada a premissa subjacente
de que a realidade é socialmente construída, a pesquisa qualitativa concentra-se
em responder a questões do tipo “como” e “por que”, da compreensão de um fe-
nômeno ou de um contexto. Verbos comuns em questões de pesquisa qualitativa
são identificar, explorar, descrever, entender e explicar (CLELAND, 2017).

O objetivo geral da pesquisa qualitativa é o desenvolvimento de conceitos que nos


ajudam a compreender fenômenos sociais, em ambientes naturais (ao invés de
experimentais), dando ênfase aos significados, experiências e pontos de vista dos
participantes (RINGSTED; HODGES; SCHERPBIER, 2011).

No campo da medicina, a pesquisa qualitativa é usada para explorar grupos ou ex-


periências relacionadas a saúde ou doença e onde pouco é sabido ou, onde o en-
tendimento atual parece ser inadequado. Também é usado para ganhar novos insi-
ghts em fenômenos, grupos, experiências ou conceitos estudados anteriormente.
(DRIESSNACK; SOUSA; MENDES, 2007)

“A pesquisa qualitativa preocupa-se


com a forma como o mundo social
é interpretado, compreendido,
experimentado ou construído.”

214 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Características dos
métodos qualitativos
Segundo TURATO (2005) algumas características podem ser delimitadas para a
pesquisa qualitativa:

1. O interesse do pesquisador se volta para a busca do significa-


do das coisas. O que essas “coisas” (fenômenos, fatos, vivências,
ideias, sentimentos, manifestações) representam, dá molde à vida
das pessoas e passa a ser partilhado culturalmente em torno de
representações e simbolismos.
2. O ambiente natural do sujeito é o campo onde ocorrerá a observa-
ção, sem o controle de variáveis.
3. O pesquisador é instrumento da pesquisa, usando seus sentidos
para apreender os objetos em estudo.
4. O método de validade dos dados coletados é diferente, uma vez
que a observação direta dos sujeitos (acurada) e/ ou a entrevista
(profundidade) tendem a levar o pesquisado bem próximo à es-
sência do estudo.
5. A generalização é permitida a partir dos conceitos construídos, co-
nhecimentos originais produzidos ou pressupostos iniciais revistos.

215
1 2 3 4 5 6 7

Abordagens de pesquisa qualitativa


Os pesquisadores devem esclarecer as estruturas teóricas que sustentam seu es-
tudo para que os leitores possam entender como os pesquisadores exploraram
suas questões e objetivos de pesquisa. As abordagens utilizadas na pesquisa qua-
litativa incluem (TONG; SAINSBURY; CRAIG, 2007; SWANWICK, 2018; DRIESSNA-
CK; SOUSA; MENDES, 2007):

Etnografia

Prática de coleta em um ambiente de estudo a longo prazo. Podem ser utilizados observação
direta e entrevistas, buscando um entendimento ou descrição mais profunda de uma cultura,
grupo ou comunidade específica.

Teoria fundamentada nos dados

Explora fenômenos sociais através do desenvolvimento de explicações teóricas que são


‘fundadas’ na (ou seja, derivadas) da experiência prática dos participantes do estudo. A coleta
e análise de dados ocorrem simultaneamente e cada peça de novos dados é constantemente
comparada e contrastada com conceitos previamente identificados.

Estudo de caso

Envolve uma análise aprofundada de um ‘sistema bem limitado’ (um programa, um evento,
uma atividade, um processo, um grupo etc.). O estudo de caso tem raízes na tradição
sociológica, bem como no relato de caso médico. Pode ter valor intrínseco, ou ser usado como
um meio de obter compreensão de um processo maior.

Fenomenologia

Concepção que visa compreender a essência de um fenômeno social a partir da perspectiva de


quem o vivenciou. O foco de estudos fenomenológicos está na captura da experiência vivida, no
entendimento do que uma experiência representa no contexto das vidas das pessoas.

Hermenêutica

Usa a experiência vivida dos participantes como meio de compreender seus contextos políticos,
históricos e socioculturais. A análise hermenêutica envolve um processo cíclico chamado
‘círculo hermenêutico’: movimento de vai e vem entre a consideração do significado de partes
individuais de um conjunto de dados e o significado de todo o texto.

216 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Narrativa

A investigação narrativa é um desenho de pesquisa determinado e interpretado de forma


ampla que envolve relatos narrativos individuais e a interpretação de seus significados. As
histórias narradas são utilizadas como meio de entender ou dar sentido a uma experiência ou
situação particular.

Pesquisa-ação

Os princípios-chave da pesquisa-ação são o objetivo explícito de produzir mudança social


por meio do processo de pesquisa e o envolvimento direto dos participantes da pesquisa no
processo de pesquisa.

Método de coleta de dados


Citamos agora alguns métodos que organizam a coleta de dados de uma pesquisa
qualitativa (CRESWELL; POTH, 2016):

Observação: nas anotações de campo, o pesquisador registra, de uma maneira


não-estruturada ou semiestruturada (usando algumas questões anteriores que o
investigador quer saber), as atividades no local da pesquisa.

• O pesquisador tem uma experiência de primeira mão com o partici-


pante.
• O pesquisador pode registrar informações, caso ocorram.
• Aspectos pouco comuns podem surgir durante a observação.
• Útil na exploração de tópicos que podem ser desconfortáveis para os
participantes discutirem.

Entrevistas (individuais ou grupo focal): envolvem questões não estruturadas e


em geral abertas, que são em pequeno número e se destinam a suscitar concep-
ções e opiniões dos participantes

• Útil quando os participantes não podem ser diretamente observados.


• Os participantes podem fornecer informações históricas.
• Permite ao pesquisador controlar a linha do questionamento.

217
1 2 3 4 5 6 7

Documentos: coleta de documentos públicos ou privados

• Permite ao pesquisador obter a linguagem e as palavras dos participantes.


• Podem ser acessados em um momento conveniente para o pesquisador.
• Representam dados criteriosos, pois os participantes receberam aten-
ção ao compilá-los.
• Como evidências escritas, poupam tempo e gastos ao pesquisador
para transcrevê-los.

Materiais audiovisuais: dados podem assumir a forma de fotografias, objetos de


arte, videoteipes ou quaisquer formas de som

• Pode ser um método conveniente de coleta de dados.


• Proporciona uma oportunidade para os participantes compartilharem
diretamente sua realidade.
• É criativo, pois capta a atenção visualmente.

Definindo a amostra

Os pesquisadores devem relatar como os participantes foram selecionados. Nor-


malmente, a amostragem intencional é usada, o que envolve a seleção de partici -
pantes que compartilham características particulares e têm o potencial de fornecer
dados ricos, relevantes e diversos pertinentes à questão de pesquisa. A amostra-
gem por conveniência é menos ideal porque pode falhar em capturar perspectivas
importantes de pessoas de difícil acesso (TONG; SAINSBURY; CRAIG, 2007).

Para a delimitação da amostragem, as seguintes regras devem ser seguidas


(BARDIN, 2004):

• Regra da exaustividade – esgotar a totalidade da comunicação, do


acervo, da coleção.
• Regra da representatividade – amostra generalizada, que represente
o universo.
• Regra de homogeneidade – dados se referem ao mesmo tema.
• Regra de pertinência – adaptam-se ao objetivo proposto.

Tentativas rigorosas de recrutar participantes e razões para a não-participação


devem ser declaradas para reduzir a probabilidade de fazer declarações não fun-
damentadas (TONG; SAINSBURY; CRAIG, 2007).

218 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

A análise qualitativa
A análise de dados qualitativos é o processo de dar sentido a um conjunto de
dados qualitativos. Embora as diferentes abordagens qualitativas envolvam pro-
cedimentos analíticos um pouco diferentes, existem alguns processos básicos que
são comuns à maioria das análises qualitativas, como a codificação. Trata-se de um
processo de classificação ou organização dos dados em categorias que represen-
tam tendências semelhantes (SWANWICK, 2018).

Especificar o uso de múltiplos codificadores ou outros métodos de triangulação


do pesquisador pode indicar uma compreensão mais ampla e complexa do fe-
nômeno. A credibilidade dos achados pode ser avaliada se o processo de codifi-
cação (seleção de trechos significativos dos depoimentos dos participantes) e a
derivação e identificação dos temas forem explicitados. Descrições de codificação
e memorando demonstram como os pesquisadores perceberam, examinaram e
desenvolveram sua compreensão dos dados (TONG; SAINSBURY; CRAIG, 2007).

As abordagens para análise dos dados mais comumente utilizadas são:

• Análise temática: A abordagem mais utilizada no domínio da educa-


ção médica é a organização dos dados de acordo com tópicos, ideias
ou conceitos, denominados como temas (BARDIN, 2004).
• Análise do discurso: analisa os dados no nível da linguagem. A análise
do discurso é um termo abrangente que faz referência a várias abor-
dagens diferentes para a análise do uso da linguagem socialmente si-
tuada (SWANWICK, 2018).

O estágio final da análise qualitativa é o processo de interpretação, ou seja, encon-


trar o significado central em um conjunto de dados. Sem trabalho interpretativo,
a pesquisa qualitativa produz apenas um catálogo de ideias ou temas. Por mais
importantes que essas ideias possam ser, os estudos qualitativos que não dão o
próximo passo de explorar o significado em um nível interpretativo não exploraram
totalmente o poder da pesquisa qualitativa (SWANWICK, 2018).

“O estágio final da análise qualitativa


é o processo de interpretação, ou
seja, encontrar o significado central
em um conjunto de dados.”

219
1 2 3 4 5 6 7

Referências

BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3ª. Lisboa: Edições, 70, 2004.

CLELAND, J. A. The qualitative orientation in medical education research. Korean


journal of medical education, 29, n. 2, p. 61, 2017.

CRESWELL, J. W.; POTH, C. N. Qualitative inquiry, and research design: Choosing


among five approaches. Sage publications, 2016. 1506330193.

RIESSNACK, M.; SOUSA, V. D.; MENDES, I. A. C. Revisão dos desenhos de pesquisa


relevantes para enfermagem: parte 2: desenhos de pesquisa qualitativa. Revista La-
tino-americana de enfermagem, 15, p. 684-688, 2007.

RINGSTED, C.; HODGES, B.; SCHERPBIER, A. ‘The research compass’: An introduction to re-
search in medical education: AMEE Guide No. 56. Medical teacher, 33, n. 9, p. 695-709, 2011.

SWANWICK, T. Understanding medical education. Understanding Medical Educa-


tion: Evidence, Theory, and Practice, p. 1-6, 2018.

TONG, A.; SAINSBURY, P.; CRAIG, J. Consolidated criteria for reporting qualitative
research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. International
journal for quality in health care, 19, n. 6, p. 349-357, 2007.

TURATO, E. R. Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: definições, dife-


renças e seus objetos de pesquisa. Revista de Saúde pública, 39, n. 3, p. 507-514, 2005.

220 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. 1. Sobre os métodos qualitativos de pesquisa, identifique a alternativa


correta:

a) A amostragem por conveniência envolve a seleção de participantes que


compartilham características particulares e têm o potencial de fornecer
dados pertinentes à questão de pesquisa
b) O estágio final da análise qualitativa é o processo de codificação, ou
seja, encontrar o significado central em um conjunto de dados.
c) A análise da amostra trata-se de um processo de classificação ou or-
ganização dos dados em categorias que representam tendências se-
melhantes.
d) O interesse do pesquisador se volta para a busca do significado das
coisas (fenômenos, fatos, vivências, ideias, sentimentos, manifestações)
e o que eles representam.

Gabarito

1 D

Para reflexão e debate


1. Imagine onde e quando empregar a pesquisa qualitativa no seu
campo de atuação, como preceptor(a) e formador(a).

221
Capítulo 29
Avaliação do Programa
de Residência Médica

Foco na mudança
Muitas pessoas que participam de programas educacionais, incluindo alunos, pro-
fessores, administradores, profissionais de saúde, o fazem porque estão sensíveis
à necessidade de aperfeiçoamento. Ou seja, programas educacionais envolvem
mudança (FRYE; HEMMER, 2012).

A avaliação de um programa de residência médica envolve uma compreensão am-


pla, por meio de uma coleta rotineira, sistemática e deliberada de informações para
descobrir e identificar o que contribui para o bom funcionamento do programa
e quais ações precisam ser tomadas para mudar e melhorar os resultados (DUR-
NING; HEMMER, 2010).

Um programa educacional, em si, raramente é estático. Assim, um plano de ava-


liação contínua deve ser elaborado para fornecer informações para orientar o de-
senvolvimento constante do programa. A avaliação do programa torna-se parte
integrante do processo de mudança educacional (FRYE; HEMMER, 2012).

“A avaliação de um programa de
residência médica envolve uma
compreensão ampla.”

222 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Justificativa

A avaliação de um Programa de Residência Médica e seu processo educacional é


uma exigência pedagógica, também legal. O processo educacional deve mostrar
a pertinência e a qualidade das ações no âmbito assistencial, educacional e de
gestão (CNRM, 2006).

Objetivos para se avaliar um Programa de Residência Médica:

• Adequar os objetivos educacionais;


• Aprimorar as estratégias de ensino;
• Modificar a avaliação de desempenho, se necessário;
• Aprimorar a qualidade do cuidado e da formação;
• Garantir a segurança do paciente.

Classificação de avaliações

• Avaliação linear: relação de causa-efeito; analisa os componentes


isoladamente.
• Avaliação sistêmica: analisa os componentes e resultados em conjunto.
• Complexo: analisa os elementos em contextos mutáveis.

Os diferentes métodos, técnicas e estratégias de avaliação são meios para obser-


var e compreender a realidade. Devem ser associados e contextualizados, tendo
em vista as especificidades e a adequação de cada um ao processo de avaliação,
de forma distinta e, ao mesmo tempo, coordenada. Sendo a avaliação uma recons-
trução da realidade, o tipo de aproximação que se projeta por meio de métodos e
técnicas condicionará o que será produzido neste processo (BRASIL; CRUZ, 2020).

Modelos de avaliação

• Modelos experimentais/ quase-experimentais


Projetos experimentais e quase-experimentais foram alguns dos pri-
meiros projetos aplicados quando a avaliação educacional entrou em
uso comum em meados da década de 1960. É baseado em uma fun-
damentação teórica reducionista. A validade dos estudos que utilizam
esses desenhos depende da validação cuidadosa do avaliador quanto
à suposição de relações causais lineares entre os elementos do pro-
grama e seus resultados. Esses projetos isolam explicitamente os ele-
mentos individuais do programa para estudo, consistente com a abor-
dagem reducionista clássica de investigação (STUFFLEBEAM, 2000).

223
1 2 3 4 5 6 7

• Modelo de avaliação de quatro níveis de Kirkpatrick


Suas principais contribuições para a avaliação educacional são o foco
nos resultados do programa e sua descrição, além da simples satisfa-
ção do aluno. Kirkpatrick recomendou a coleta de dados para avaliar
quatro “níveis” hierárquicos de resultados do programa: (1) satisfação
do aluno ou reação ao programa; (2) medidas de aprendizagem atribuí-
das ao programa (por exemplo, conhecimento adquirido, habilidades
aprimoradas, atitudes alteradas); (3) mudanças no comportamento do
aluno no contexto para o qual está sendo treinado; e (4) os resultados
finais do programa em seu contexto mais amplo, ou seja, os resultados
na prática, no impacto do curso, mensuráveis por meio de mudanças
organizacionais, de produto ou fluxos (FRYE; HEMMER, 2012).

• Modelo lógico
Semelhante aos modelos de avaliação já discutidos, o modelo lógico
pode ser fortemente linear em sua abordagem de planejamento e ava-
liação educacional. Em sua forma menos complexa, pode simplificar
demais o processo de avaliação do programa e, portanto, não produzir
o que os educadores precisam. Entretanto, devido a possibilidade de
interações circulares entre os elementos do programa, pode oferecer
aos educadores uma estrutura de avaliação que incorpora aplicações
da teoria de sistema ao pensar sobre programas educacionais.

O nível de complexidade introduzido na especificação de cada com-


ponente pode variar de acordo com a habilidade do avaliador ou os
recursos do programa. Para programas complexos, o Modelo Lógico
pode ser expandido para várias camadas (FRECHTLING, 2002).

224 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

• Modelo CIPP (contexto/recursos/processo/produto)


Descrito pela primeira vez em 1971, Stufflebeam pretendia que as ava-
liações do Modelo CIPP se concentrassem na melhoria do programa
em vez de provar algo sobre o programa.

A abordagem CIPP consiste em quatro conjuntos complementares de


estudos de avaliação que permitem aos avaliadores considerar dimen-
sões importantes, mas facilmente negligenciadas do programa. São
elas: contexto, recurso, processo e produto. Em conjunto, os compo-
nentes CIPP acomodam a natureza em constante mudança da maioria
dos programas educacionais, bem como a demanda dos educadores
por dados de melhoria do programa.

Ao focar alternadamente nessas quatro dimensões, o modelo CIPP


aborda todas as fases de um programa de educação: planejamento,
implementação e uma avaliação retrospectiva somativa ou final. Os
três primeiros elementos do CIPP são úteis para estudos de avaliação
(formativos) focados em melhorias, enquanto a abordagem de Produ-
to, o quarto elemento, é muito apropriada para estudos somativos, de
fim de curso (STUFFLEBEAM, 2000).

Referências

BRASIL, M. D. S.; CRUZ, H. A. O. Curso de Capacitação em Preceptoria de Residência


Médica. Caderno do Curso. PROADI 2020.

CNRM, Comissão Nacional de Residência Médica. Dispõe sobre a avaliação dos Pro-
gramas de Residência Médica. RESOLUÇÃO CNRM N.06, de 05 de setembro de
2006. D.O.U. no 177, de 14/09/06, seção 1, pág. 17 2006.

DURNING, S.; HEMMER, P. Program evaluation. ACP teaching internal medicine. Phi-
ladelphia: American College of Physicians, 2010.

FRECHTLING, J. The 2002 User-Friendly Handbook for Project Evaluation. 2002.

FRYE, A. W.; HEMMER, P. A. Program evaluation models and related theories: AMEE
guide no. 67. Medical teacher, 34, n. 5, p. e288-e299, 2012.

STUFFLEBEAM, D. L. The CIPP model for evaluation. In: Evaluation models: Springer,
2000. p. 279-317.

225
1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Sobre a avaliação de um programa de residência, assinale a alternativa


correta:

a) deve se adequar aos objetivos educacionais do programa


b) deve ser realizada por empresa terceirizada
c) não deve ser considerada para alteração das estratégias de ensino
d) não se relaciona com a qualidade do cuidado e da formação

2. O tipo de avaliação que analisa os componentes e resultados em con-


juntos é chamada de:

a) linear
b) sistêmica
c) complexa
d) interativa

3. O modelo de avaliação de programa que acomoda a natureza de cons-


tante mudança da maioria dos programas educacionais, focando alter-
nadamente em quatro dimensões é:

a) Modelo CIPP (contexto/entrada/processo/produto)


b) Modelo lógico
c) Modelo de avaliação de quatro níveis de Kirkpatrick
d) Modelos experimental/quase-experimental

Gabarito

1 A 2 B 2 A

Para reflexão e debate


1. Sua instituição avalia o programa de residência do qual você faz
parte? Quais estratégias são usadas?

2. Como você organizaria a avaliação de seu programa de


residência? Pode se transformar em pesquisa sobre ensino?

226 Preceptoria de Residência Médica


Capítulo 30
Estratégias para
orientação de pesquisa

A orientação de pesquisa científica dos residentes faz parte das atribuições da


preceptoria. Mas esta é uma competência natural? Ou pode ser aprendida?

Na residência e na graduação, existem aulas específicas sobre elaboração dos tra-


balhos de conclusão de curso (TCCs). No entanto, muitos preceptores orientam
seus residentes simplesmente da mesma forma com que foram orientados em
seus próprios TCCs, se é que havia essa tarefa em seu programa. Assim, cada um
pode ter uma forma mais pessoal que profissional de orientação.

227
1 2 3 4 5 6 7

Pensando em qualificar a metodologia de orientação dos TCCs, aborda-se aqui o


tema, com estratégias concisas e práticas para o dia a dia do orientador. Entenda-
-se, de início, o papel da orientação em uma pesquisa:

• esteja disponível, mas organize seu tempo de orientação. Tenha sem-


pre em mente a necessidade de equilibrar “disponibilidade” e “limites”
ao residente. Cuidado para que o residente não “fique solto” ou “su-
foque” você com dúvidas a cada parágrafo escrito. Caso você identi-
fique que o residente tem muitas dificuldades relacionadas à escrita
de pesquisa científica, indique bibliografia ou cursos específicos como
complemento de estudo;
• orientador x pesquisador: Oriente o residente em todas as etapas do tra-
balho, mas não escreva por ele. Você será orientador, não o pesquisador;
• ouça muito! Devido a seu maior conhecimento, o orientador pode ten-
der a “enquadrar” o orientando apenas a partir dos seus próprios de-
sejos, expectativas e anseios quanto ao tema, o que pode dificultar o
desenvolvimento do residente no projeto;
• entenda que o processo de orientação de uma pesquisa está intrinse-
camente ligado a uma relação de confiança entre orientador/co-orien-
tador e orientando. Não assuma um papel paternal, nem de “carras-
co”. Evite os extremos: nem cobranças excessivas ou assediosas, nem
paternalismo condescendente com o não cumprimento de prazos e
metas. Ambas as atitudes prejudicam o andamento do trabalho;
• dê feedbacks periódicos, individuais e oportunos. E lembre-se: o momen-
to da apresentação da pesquisa diante da banca examinadora não é o
momento de resgatar problemas que ocorreram ao longo da orientação;
• seja realista e humilde: ninguém sabe tudo sobre todos os assuntos da
sua área de atuação, ou sobre todas as metodologias científicas. Se
necessário, peça apoio ou indique um co-orientador que domine mais
o assunto ou a metodologia, mas...

... uma dica de ouro! Caso você tenha fragilidade em re-


lação ao tema escolhido pelo residente, ou à metodologia,
considere a possibilidade de declinar do convite caso não
haja um coorientador que os domine. Melhor indicar outro
orientador no início da pesquisa do que ter problemas na
metade do percurso.

228 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

A estratégia de orientação
propriamente dita
A seguir, serão apresentadas 7 componentes de uma estratégia para o sucesso na
orientação de pesquisas:

1. conheça seu orientando: Marque uma primeira reunião para en-


tender quais as expectativas do residente sobre o estudo que pre-
tende desenvolver. Pode ser muito útil compreender o estilo de
aprendizagem/KOLB do residente. Se já o fez, use o espaço para
resgatar essa característica, aprofundá-la e considere a mesma
durante todo o processo de orientação;
2. na primeira reunião, deixe claro também seu papel como orienta-
dor e estabeleça regras de convivência e cumprimento de prazos;
3. ouça primeiro sobre os assuntos que interessam o residente. Seu
papel, em grande parte, será ajudá-lo a lapidar a ideia e afunilar o
aspecto possível de ser enfocado no tempo disponível. Para isso
você pode utilizar a ferramenta “SMART”, já visitada no capítulo 12.

229
1 2 3 4 5 6 7

Figura 30.1- Características SMART para definição de pesquisa

S
Specific
Específico
Bem definido, claro e inequívoco

M
Measurable
Mensurável
Critérios definidos que medem o progresso em
direção à meta

A
Achievable
Alcançável
Atingível e não impossível de alcançar

R
Realistic
Realista
Ao alcance, realista e relevante para o propósito

T
Timely
Oportuno
Prazo claramente definido e adequado

Fonte: Doody, Bailey, 2016.

230 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

1. disponibilize a seu orientando onde encontrar modelos de crono-


grama do trabalho.

Quadro 30.1- Exemplo de cronograma de uma pesquisa

Mês/2022 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul …..

Escolha do tema

Levantamento e Fichamento da bibliografia

Revisão Bibliográfica

Elaboração preliminar do texto e


apresentação ao comitê de ética, se cabível

Coleta e seleção de dados, caso haja


aprovação do CEP, se cabível

Análise dos dados

Redação

Entrega ao Orientador

Revisão e correções (Orientador)

Devolução do texto com as correções

Revisão Final

Entrega final e apresentação do trabalho

Fonte: autoria própria.

231
1 2 3 4 5 6 7

Estimule-o a trabalhar de forma independente, mas não o abandone. O orientador


deve equilibrar os extremos entre “a negligência” e “a dominação”. Por maior que
seja sua confiança no residente, acompanhe regularmente as etapas de realização
do projeto, mas sem cobranças excessivas ou rígidas. Para isso, elabore seu próprio
cronograma, estabelecendo as datas de reuniões periódicas com o seu orientando,
em consonância com o cronograma da própria pesquisa.

Quadro 30.2 - Exemplo de cronograma com o orientador

Data/2022 03/01 30/01 15/03

Reunião 1: Para Escolha do tema e elaboração da pergunta


norteadora do trabalho

Reunião 2: Avaliar a revisão bibliográfica em elaboração e orientar


sobre os passos gerais de uma pesquisa. Estabeleça, junto com o
orientando, o cronograma da pesquisa.

Reunião 3: Avaliar texto do projeto que será apresentado ao comitê


de ética, se cabível.

Reunião 4: Após o CEP (se cabível), orientar coleta dos dados

Reunião 5: Após coleta dos dados, orientar sobre organização e


análise dos dados

Reunião 6: Reunião para entrega do texto

Revisão e correções do texto

Data final da devolução do texto com as correções para o orientando

Data final para entrega do texto final

Data da apresentação do trabalho

Fonte: autoria própria.

232 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

1. Atenção às regras do Comitê de Ética em Pesquisa: se o projeto


de pesquisa necessitar de aprovação do CEP, atente-se ao cum-
primento das diretrizes, documentos e calendário de submissão
e análise dos projetos. É de suma importância que orientadores
façam seus cadastros na Plataforma Brasil.
2. Siga a lógica dos passos gerais de uma pesquisa, mantendo a cor-
relação entre eles e suas atribuições como orientador.
• Conceitualização: Oriente a elaboração da pergunta de pesquisa. Leia
mais em: https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/mo-
dulo_cientifico/Unidade_12.pdf
• Escolha do desenho do estudo: No mesmo encontro com seu orien-
tando, após a definição da pergunta, ajude-o a identificar a melhor
abordagem da pesquisa e a amostragem adequada, se couber. Se hou-
ver dúvidas, visite os temas “pesquisa qualitativa” e “pesquisa quanti-
tativa” deste mesmo curso.
• Autorização: Aqui, se cabível, o residente deve submeter o trabalho
de pesquisa ao CEP. Caso identifique dificuldades do aluno em lidar
com as plataformas digitais pertinentes, considere agendar uma reu-
nião extra para auxílio nesta etapa.
• Coleta e sistematização de dados: esta etapa, de responsabilidade
do pesquisador, requer do orientador a disponibilidade para sanar dú-
vidas que possam ocorrer.
• Análise: Esta etapa validará, ou não, a hipótese do trabalho. A meto-
dologia deverá ser coerentemente aplicada para uma análise fidedigna
dos resultados. Com o advento de plataformas digitais de elaboração
compartilhada de documentos, o orientador poderá acompanhar seu
orientando de forma mais próxima.
• Escrita: elaboração de rascunho e desenvolvimento do texto pelo pes-
quisador. Pode ter alguma colaboração do orientador, com o cuidado
de não impor a sua escrita ao residente. Lembrar: o estudo é do resi-
dente!
• Apresentação/ publicação: O orientador deve participar da apresen-
tação do trabalho, compondo a banca examinadora. Também deve
impulsionar que o residente escreva uma versão do trabalho para pu-
blicação em revista científica.

233
1 2 3 4 5 6 7

Referências

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Orientação de mestrandos e doutorandos como ati-


vidade profissional. Cadernos de Saúde Pública [online]. v. 35, n. 10 [Acessado 22 ou-
tubro 2022] , e00135719. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0102-311X00135719>.
ISSN 1678-4464. https://doi.org/10.1590/0102-311X00135719.

LEITE FILHO, Geraldo Alemandro e Martins, Gilberto de Andrade. Relação orientador-


-orientando e suas influências na elaboração de teses e dissertações. Revista de Admi-
nistração de Empresas [online]. 2006, v. 46, n. spe [acessado 22 outubro 2022] , pp. 99-
109. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0034-75902006000500008>. Epub
10 Dez 2014. ISSN 2178-938X. https://doi.org/10.1590/S0034-75902006000500008.

NUTHALAPATY, F. S.; CASEY, P. M.; CULLIMORE, A. J.; DUGOFF, L. et al. To the point:
a primer on medical education research. American journal of obstetrics and gyne-
cology, 207, n. 1, p. 9-13, 2012.

234 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Assinale a alternativa correta sobre o papel do orientador de uma pesquisa:

a) Monitorar o residente em todas as etapas do trabalho e, quando houver


grandes limitações, conduzir a escrita
b) Estar disponível sempre, para gerar confiança no aluno que estiver sen-
do orientado
c) Fornecer feedbacks periódicos, individuais e oportunos
d) Cobrar do aluno, de forma intensiva, disciplina e pontualidade nas en-
tregas das etapas da pesquisa

2. Sobre os passos gerais de uma pesquisa, assinale a alternativa correta:

a) Conceitualização: posterior à definição da pergunta


b) Coleta: validação (ou não) da hipótese do trabalho
c) Apresentação: orientador se disponibiliza para sanar dúvidas que pos-
sam existir
d) Autorização: submissão do trabalho ao Comitê de Ética em Pesquisa

3. Em que etapa da pesquisa, o comitê de ética em pesquisa é mais adequado?

a) Autorização
b) Sistematização
c) Análise
d) Escrita

Gabarito

1 C 2 D 2 A

Para refletir e debater


1. Qual sua experiência em orientação de projetos ou
pesquisas científicas? Quais são as suas principais dificuldades
para essa atribuição?

235
Capítulo 31
Redação e leitura crítica
de artigos científicos

A leitura e compreensão crítica de artigos científicos se tornou essencial para pro-


fissionais de saúde, pesquisadores e estudantes. A publicação de um artigo em
revista científica é realizada após processo de avaliação por pares e editores da
revista, em que especialistas da área temática e/ou metodológica analisam o mé-
rito científico, a qualidade e a linguagem do texto. Essa avaliação é baseada em
princípios éticos e de boas práticas de produção científica (SOUZA; MARZIALE;
SILVA; NASCIMENTO, 2021).

Dentre as motivações para a leitura de um artigo científico estão (SUBRA-


MANYAM, 2013):

• Atualização em determinado tópico ou área de estudo


• Busca de solução para um problema, podendo ser de diagnóstico ou
tratamento
• Interesse na causalidade, critérios clínicos ou história natural de uma doença
• Pesquisa de aspectos como fisiopatologia, formas de geração ou
transmissão de um problema
• Inspiração ou balizamento para novos estudos
• Tarefas acadêmicas
• Visita a pontos de vista diferentes sobre uma questão em saúde.

“A leitura e compreensão crítica


de artigos científicos se tornou
essencial para profissionais de
saúde, pesquisadores e estudantes.”

236 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Guias sobre escrita


O aumento do número de publicações científicas foi seguido pela criação de guias
e orientações sobre a arte de escrever. Há diretrizes para praticamente todo tipo de
artigo. Essas guias foram elaboradas por pesquisadores com expertise em méto-
dos, técnicas e áreas temáticas (SOUZA; MARZIALE; SILVA; NASCIMENTO, 2021).

Como uma referência em qualidade e transparência da pesquisa médica, sugerimos


o Red Equator, um movimento internacional coordenado pela Universidade de Ox-
ford, com acesso aberto na internet pelo link: http://www.equator-network.org

Sobre a escrita

Para a organização de um artigo científico, o modelo mais amplamente utilizado


é o IMRD que consiste na ordem: Introdução, Método, Resultado e Discussão. En-
tretanto, muitos autores não produzem o texto nessa sequência. Muitas vezes, a
redação se inicia após a análise dos dados (GUSMÃO; SILVEIRA, 1999).

Em seu artigo “Preparo para a redação do artigo científico”, Pereira (2012) reco-
menda que a elaboração do artigo se inicie com a composição de tabelas e figuras,
acompanhadas dos respectivos títulos e legendas. Logo após, realiza-se a confec-
ção do texto correspondente a elas, sendo criada, assim, a parte dos resultados.
Passa-se para o preparo da seção de método. E, posteriormente, discussão e in-
trodução, nessa ordem. O autor aponta para a possibilidade de aproveitar parte
do texto do projeto de pesquisa para escrever a introdução e método, poupando
valioso tempo de escrita. Findas as seções principais do artigo, completa-se com
as demais partes: referências, título, resumo e palavras-chave. Também se pode
poupar um tempo precioso organizando as referências via gerenciadores de bi-
bliografia, usando-os ao longo de toda a escrita.

Já Magnusson propõe que a redação do artigo seja feita de trás para frente (ba-
ckwards): iniciando com a conclusão, posteriormente estruturando o restante do
texto em função dessa conclusão. Em seguida viria a parte do resultado, eviden-
ciando os dados mais importantes para fundamentar a conclusão. Na sequência,
o autor sugere a escrita dos materiais e métodos utilizados para a obtenção dos
resultados; a discussão (argumentos relacionados e necessários para sustentar a
conclusão) e a introdução com informações suficientes para apresentar o objetivo
da pesquisa. A seguir, escreve-se o título, resumo e referência bibliográfica. Aqui
também vale o dito, no parágrafo anterior, sobre gerenciadores bibliográficos.

237
1 2 3 4 5 6 7

Sobre a leitura
Devido à extensa oferta de artigos, o escasso tempo do leitor e a crescente espe-
cialização profissional, é necessário selecionar os artigos a ler. Os principais pa-
râmetros que, na prática, levam um leitor a escolher um artigo científico são: a
impressão estética, o título, as conclusões do resumo e as ilustrações. No entanto,
salvo que a necessidade seja real e haja tempo disponível, cada vez mais os mé-
dicos se direcionam a ler Revisões de alta qualidade e resumos estruturados. Mas
também estes requerem capacidade de avaliação crítica (VIRELLA, 2009 a, VI-
RELLA, 2009, b).

Através do título e conclusão do resumo, o leitor consegue decidir se o artigo re-


almente aborda o tema de seu interesse enquanto as ilustrações podem promover
nitidez e facilidade de compreensão dos resultados.

A leitura crítica de um artigo científico implica em atenção aos aspectos formais


da escrita, e, principalmente, aos elementos metodológicos e estruturai. Permite a
avaliação do rigor e consistência da informação fornecida e a possibilidade de sua
utilização prática.

Linguagem científica – nitidez e concisão


Entre as qualidades essenciais de um texto científico estão (PEREIRA, 2012; GUS-
MÃO, 2011):

1. Nitidez – a expressão límpida do pensamento torna o texto mais


facilmente compreensível. Quanto mais direta a linguagem, maior
será a nitidez da leitura.
2. Concisão – emprego do menor número possível de palavras para
exprimir o pensamento, evitando desperdiçar o tempo do leitor e
o espaço do periódico.
3. Sequência lógica – apresentação integrada e sequencial dos com-
ponentes textuais assegura a leitura linear, evitando ao máximo
que o leitor precise retornar a partes já lidas do texto para enten-
der o todo.

238 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Estrutura de um artigo científico


Podemos dividir um artigo científico nas seguintes partes (PEREIRA, 2012; GUS-
MÃO, 2011):

• Título: versão simplificada e condensada do artigo, baseado na con-


clusão ou no objetivo.
• Resumo: apresentação sintética dos pontos relevantes do texto, rela-
cionados diretamente com a conclusão.
• Introdução: apresentar o objetivo (problema) que inspirou o trabalho,
com contextualização e justificativa do objetivo.
• Métodos: descreve como o experimento foi feito, isto é, como o estu-
do foi delineado, eventual escolha da amostra, forma de coleta e da
análise dos dados.
• Resultados: achados da investigação, resultado da execução do mé-
todo para cumprir o objetivo.
• Discussão: interpretação sobre os resultados e argumentos que vali-
dam a conclusão. Nesta sessão, é realizada a comparação com acha-
dos de outras pesquisas e as conclusões dos autores.
• Conclusão: resposta ao problema apresentado na introdução
• Referências bibliográficas: somente as essenciais para validar a intro-
dução, metodologia, resultados e conclusão.

Em geral, seguir esse padrão facilita o entendimento e a aceitação da comunidade


científica, sobretudo os periódicos. De toda forma, sempre é necessário consultar
o modelo exigido em cada revista científica antes de encaminhá-la.

239
1 2 3 4 5 6 7

Referências

GUSMÃO, S. Redação de artigo científico. Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia:


Brazilian Neurosurgery, 30, n. 02, p. 44-50, 2011.

PEREIRA, M. G. Estrutura do artigo científico. Epidemiologia e Serviços de Saúde,


21, n. 2, p. 351-352, 2012a.

PEREIRA, M. G. Preparo para a redação do artigo científico. Epidemiologia e Servi-


ços de Saúde, 21, n. 3, p. 515-516, 2012b.

SOUZA, V. R. D. S.; MARZIALE, M. H. P.; SILVA, G. T. R.; NASCIMENTO, P. L. Tradução


e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paulista de
Enfermagem, 34, 2021.

SUBRAMANYAM, R. Art of reading a journal article: Methodically and effectively.


Journal of oral and maxillofacial pathology: JOMFP, 17, n. 1, p. 65, 2013.

VIRELLA, D. A leitura crítica de um artigo médico (1ª parte). Acta Pediatrica Portu-
guesa, 40, n. 1, p. 37-41, 2009a.

VIRELLA, D. A leitura crítica de um artigo médico (2ª parte). Acta Pediatrica Portu-
guesa, 40, n. 2, p. 93-98, 2009b.

Questões de avaliação

1. Para a organização de um artigo científico, recomenda-se:

a) utilizar o IMRD que consiste na ordem: Introdução, Método, Resultado


e Discussão
b) iniciar a escrita pela parte da metodologia, por ser a mais complexa
c) redigir a introdução por último, para embasar a discussão
d) definir as palavras-chave e, então, elaborar o texto principal

2. A parte textual de um artigo científico que descreve os achados da in-


vestigação, produto da execução do método para cumprir o objetivo
corresponde a:

a) discussão
b) introdução
c) conclusão
d) resultado

240 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

3. A apresentação sintética dos pontos relevantes do texto, relacionados


diretamente à conclusão é encontrada:

a) no título
b) nos resultados
c) no resumo
d) nas referências

4. A qualidades essenciais de um texto científico que consiste no empre-


go do menor número possível de palavras para exprimir o pensamento,
evitando desperdiçar o tempo do leitor e o espaço do periódico é:

a) coerência
b) sequência lógica
c) clareza
d) concisão

Gabarito

1 A 2 D 3 C 4 D

Para reflexão e debate


1. Existem atividades relacionadas à leitura de artigos científicos no
programa de residência médica em que você atua?
2. E sobre escrita de artigos? Existe algum estímulo em seu Programa?

241
Parte VII.
INTERFACE
ASSISTÊNCIA-
ENSINO
Preceptoria de Residência Médica
Capítulo 32
Segurança do paciente

Errar é humano
O tema da segurança do paciente tornou-se uma questão central nas agendas de
diversos países do mundo no início do século XXI, a partir da divulgação do rela-
tório do Institute of Medicine (IOM), intitulado To Err is Human. O relatório apon-
tou que cerca de 100 mil pessoas morreram em hospitais a cada ano, vítimas de
eventos adversos (EA) nos Estados Unidos (EUA). O termo “evento adverso” foi
definido como dano causado pelo cuidado à saúde e não pela doença de base, que
prolongou o tempo de permanência do paciente ou resultou em uma incapacidade
presente no momento da alta (CHASSIN; GALVIN, 1998).

“O relatório apontou que cerca


de 100 mil pessoas morreram em
hospitais a cada ano, vítimas de
eventos adversos (EA) nos Estados
Unidos (EUA).”

243
1 2 3 4 5 6 7

O IOM passou a incorporar “segurança do paciente” como um dos seis atributos da


qualidade, conforme descritos no Quadro 32.1.

Quadro 32.1 – Atributos e definições de temas da segurança do paciente

ATRIBUTOS DEFINIÇÃO

Segurança Evitar lesões e danos nos pacientes, decorrentes do


cuidado que tem como objetivo ajudá-los

Efetividade Cuidado baseado no conhecimento científico para todos


que dele possam se beneficiar, evitando seu uso por
aqueles que provavelmente não se beneficiarão (evitando
subutilização e sobreutilização, respectivamente)

Cuidado Cuidado respeitoso e responsivo às preferências,


centrado no necessidades e valores individuais dos pacientes, e que
paciente assegura que os valores do paciente orientem todas as
decisões clínicas. Respeito às necessidades de informação
de cada paciente.

Oportunidade Redução do tempo de espera e de atrasos


potencialmente danosos tanto para quem recebe como
para quem presta cuidado.

Eficiência Cuidado sem desperdício, incluindo aquele associado ao


uso de equipamentos, suprimentos, ideias e energia.

Equidade Qualidade do cuidado que não varia em decorrência de


características pessoais, como gênero, etnia, localização
geográfica e condição socioeconômica.

Fonte: Chassin e Galvin, 1998.

244 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Conceitos-chave
A segurança do paciente passou a ser tratada como uma questão estratégica no
mundo todo. Devido à preocupação com a situação, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) criou a World Alliance for Patient Safety e, posteriormente, desen-
volveu a Classificação Internacional de Segurança do Paciente, que foi traduzida
para a língua portuguesa pelo Centro Colaborador para a Qualidade do Cuidado e
a Segurança do Paciente (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009). Alguns con-
ceitos-chave são apresentados no Quadro 32.2.

Quadro 32.2 – Conceitos-chave sobre segurança do paciente

Reduzir a um mínimo aceitável o risco de dano


Segurança do paciente
desnecessário associado ao cuidado de saúde.
Risco Probabilidade de um incidente ocorrer.

Evento ou circunstância que poderia ter resultado, ou


Incidente
resultou, em dano desnecessário ao paciente.
Incidente sem lesão Incidente que atingiu o paciente, mas não causou dano.

Evento adverso Incidente que resulta em dano ao paciente.

Falha na execução de uma ação corretamente


Erro
planejada ou aplicação de um plano incorreto.

Comprometimento da estrutura ou função do corpo


Dano e/ou qualquer efeito prejudicial decorrente disso. Inclui
doenças, lesão, sofrimento, incapacidade e morte.

Circunstâncias, ações ou influências que se acredita


terem contribuído para origem ou desenvolvimento
Fatores contribuintes
de um incidente ou no aumento do risco de
incidente.
Ação ou circunstância que previne ou modera o risco
Fator atenuante
de um incidente causar lesão ao paciente.
Desvio deliberado de um procedimento, padrão ou
Violação
regra vigente.

Fonte: Adaptado de WHO, 2009.

245
1 2 3 4 5 6 7

QUEIJO SUÍÇO

As deficiências do sistema de prestação de cuidados de saúde (sua concepção, or-


ganização e funcionamento) são apontadas como principais fatores responsáveis
pela ocorrência de efeitos adversos, o que contraria práticas de responsabilizar os
profissionais ou produtos isoladamente.

A premissa é de que os seres humanos cometem falhas e que, portanto, erros são
esperados. E os erros são consequências, não causas; embora não se possa mudar
a condição humana, é possível atuar nas condições em que os seres humanos tra-
balham, criando defesas no Sistema.

Em um cenário perfeito, cada defesa, ou camada defensiva está intacta. Entretan-


to, na realidade, essas camadas são mais como fatias de queijo suíço, com mui-
tos buracos – porém, ao contrário do queijo, esses buracos estão continuamente
abrindo, fechando e mudando de localização.

A presença de buracos em qualquer “fatia” normalmente não causa um resultado


ruim, mas isso pode acontecer quando os buracos, em muitas camadas, se ali-
nham momentaneamente permitindo uma trajetória de oportunidade de aciden-
te, colocando o perigo em contato com o paciente (REASON, 2000), conforme
ilustra a Figura 32.1.

Figura 32.1 – Modelo do queijo suíço

Perigos

Dano

Fonte: Reason (2000).

246 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Programa Nacional de Segurança


do Paciente (PNSP)
O Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) foi instituído por meio da
Portaria MS/GM n. 529, de 1° de abril de 2013 (BRASIL, 2013), com o objetivo geral
de contribuir para a qualificação do cuidado em saúde em todos os estabeleci-
mentos de saúde do território nacional (públicos ou privados).

O PNSP tem cinco objetivos específicos:

Estímulo a uma prática assistencial segura: elaboração de


protocolos clínicos, planos locais em estabelecimentos
de saúde, criação de núcleos de segurança do paciente,

1
desenvolvimento de sistemas de notificação de incidentes e
de eventos adversos.

Envolvimento do cidadão na sua segurança: há melhora


na segurança se os pacientes forem colocados no centro

2 dos cuidados e incluídos como parceiros, assim como


seus familiares.

3 Ampliação do acesso da sociedade a informações


relativas à segurança do paciente.

4 Inclusão do tema segurança do paciente nos ensinos da


graduação, pós-graduação e educação permanente.

Incremento de pesquisa sobre o tema, com foco da


investigação em medir o dano; compreender suas causas;

5 identificar soluções; avaliar o impacto e transpor a evidência


em cuidados mais seguros (BRASIL, 2014).

247
1 2 3 4 5 6 7

CULTURA DE SEGURANÇA

A cultura de segurança do paciente é um elemento que perpassa todos os eixos


do PNSP e foi elencada pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 2009) como:

• cultura na qual todos os trabalhadores, incluindo profissionais envolvi-


dos no cuidado e gestores, assumem responsabilidade pela sua própria
segurança e pela segurança de seus colegas, pacientes e familiares;
• cultura que prioriza a segurança acima de metas financeiras e operacionais;
• cultura que encoraja e recompensa a identificação, a notificação e a
resolução dos problemas relacionados à segurança;
• cultura que, a partir da ocorrência de incidentes, promove o aprendi-
zado organizacional;
• cultura que proporciona recursos, estrutura e responsabilização para a
manutenção efetiva da segurança;
• cultura que incorpora a proteção preventiva, dos que ali trabalham,
contra o burnout.

De acordo com Leape (1994), no atual ambiente organizacional da maioria dos hos-
pitais e demais instituições de saúde, pelo menos seis grandes mudanças são reque-
ridas para iniciar a jornada com vistas a uma cultura da segurança. É necessário:

1. mudar a busca de erros como falhas individuais para compreendê-


-los como causados por falhas do sistema;
2. mudar de um ambiente punitivo para uma cultura justa;
3. mudar do sigilo para a transparência;
4. mudar o cuidado, que deve deixar de ser centrado no médico para
ser centrado no paciente;
5. mudar o modelo de cuidado, de baseado na excelência do de-
sempenho individual e independente, para um modelo baseado
no trabalho em equipe profissional interdependente, colaborativo
e multiprofissional;
6. mudar a prestação de contas, universal e recíproca, e não do topo
para a base;
7. evitar o burnout dos trabalhadores, uma responsabilidade de cada
instituição de saúde.

“A cultura de segurança do
paciente é um elemento que
perpassa todos os eixos do PNSP.”

248 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Segurança do paciente e a residência médica

O cansaço do médico residente, como consequência do número excessivo


de horas de trabalho por semana ou de horas seguidas em um plantão, afeta
sua capacidade de julgamento ou seu desempenho em atividades complexas
(ASAIAG et al., 2010).

É importante que as atividades dos médicos residentes sejam supervisionadas e


que haja uma autonomia progressiva ao longo dos meses, sempre sob supervisão
de médicos mais experientes. A supervisão adequada é importante e garante que
a atividade do residente seja um fator de melhoria da qualidade dos serviços, e não
mais um fator de risco para a segurança do paciente (VAN DER LEEUW et al., 2012).

Os Programas de Residência Médica (PRM) em que a qualidade científica e edu-


cacional é elevada, e nos quais os residentes são protegidos do burnout, podem
ser fatores de segurança do paciente. E se, em tais programas, os preceptores são
incentivados a incluir a evitação do burnout no cotidiano dos profissionais, essa
possibilidade será potencializada.

249
1 2 3 4 5 6 7

Referências

ASAIAG, P. E.; PEROTTA, B.; MARTINS, M. D. A.; TEMPSKI, P. Avaliação da qualidade


de vida, sonolência diurna e burnout em médicos residentes. Revista Brasileira de
Educação Médica, v. 34, n. 3, p. 422-429, 2010.

BRASIL, Ministério da Saúde. Documento de referência para o Programa Nacional de


Segurança do Paciente. Brasília, DF: Ministério da Saúde,2014.

BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria MS/GM n. 529, de 1° de abril de 2013. Insti-


tui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Diário Oficial da União,
Brasília, DF, abr. 2013. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/
gm/2013/prt0529_01_04_2013.html. Acesso em: 8 ago. 2022.

CHASSIN, M. R.; GALVIN, R. W. The urgent need to improve health care quality: Ins-
titute of Medicine National Roundtable on Health Care Quality. Jama, v. 280, n. 11, p.
1000-1005, 1998.

LEAPE, L. L. Error in medicine. Jama, v. 272, n. 23, p. 1851-1857, 1994.

REASON, J. Human error: models and management. Bmj, v. 320, n. 7237, p. 768-770, 2000.

VAN DER LEEUW, R. M.; LOMBARTS, K. M.; ARAH, O. A.; HEINEMAN, M. J. A syste-
matic review of the effects of residency training on patient outcomes. BMC medicine,
v. 10, n. 1, p. 1-11, 2012.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Conceptual framework for the internatio-


nal classification for patient safety. Geneva: World Health Organization, 2009.

250 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Um dos atributos de qualidade, segundo o Institute of Medicine dos


Estados Unidos, é:

a) cuidado centrado no paciente


b) comunicação rápida e objetiva
c) quantidade maior de atendimentos
d) consultas de até 20 minutos

2. O termo “evento adverso” significa:

a) probabilidade de um incidente ocorrer


b) falha na execução de uma ação corretamente planejada
c) incidente que resulta em dano ao paciente
d) aplicação de um plano incorreto

3. O atributo de qualidade “segurança do paciente” é definido como:

a) cuidado responsivo às necessidades e valores individuais dos pacientes


b) redução do tempo de espera e de atrasos potencialmente danosos
c) qualidade do cuidado, que não varia em decorrência de características
pessoais
d) proteção contra danos ao paciente decorrentes dos cuidados que visa
ajudá-lo

Gabarito

1 A 2 C 3 D

Para reflexão e debate


1. Você já presenciou algum erro ou falha nos cuidados em saúde
no seu ambiente de trabalho? Como esse erro foi abordado pela
instituição?

251
Capítulo 33
Educação continuada x
Educação permanente

Apesar de haver clareza que o objetivo final comum a ambos os tipos de aprendi-
zagem profissional é a qualificação na prestação dos serviços aos usuários, vamos
começar tentando entender o porquê de diferenciar os conceitos de “Educação
Permanente” de “Educação Continuada”.

Basicamente, se você estiver na posição de educador, saber essa diferença é fun-


damental para que possa organizar o processo formativo mais adequado aos ob-
jetivos instrucionais pretendidos. Já na posição de educando, você entenderá me-
lhor o seu papel em cada um destes tipos de formação.

E por que estamos abordando esse assunto em um curso de formação de precep-


tores de residência médica? Vamos explicitar dois motivos:

1. você é um agente promotor de ensino e precisa estar em constan-


te atualização de conhecimentos, uma vez que nossos processos
de aprender e ensinar estão intimamente ligados;
2. uma das funções da preceptoria é preparar o residente para uma
vida profissional em constante atualização.

“Na posição de educando, você


entenderá melhor o seu papel em
cada um destes tipos de formação.”

252 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Este texto não tem como pretensão advogar por um ou outro modelo, mas sim
explicitar suas diferenças, uma vez que ambos têm sua importância na educação
profissional. E você já deve ter percebido que, muitas vezes, estes dois conceitos
podem ser confundidos, sobretudo quando não exemplificados. Por isso, a princí-
pio, serão apresentados dois cenários distintos:

Cenário 1:

No Hospital Regional do Vale Belíssimo, na cidade de Boa Bela Esperança, o Banco


de Leite Humano organizou um ciclo de palestras para incentivar o aleitamento
materno exclusivo voltado à enfermagem das equipes de Saúde da Família, base-
ado na Política Nacional de Aleitamento Materno. Importante apontar que ele pos-
sui o título de Hospital Amigo da Criança e um dos pontos para manutenção des-
se é cumprir os “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”, propostos
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para
a Infância (UNICEF). Um desses passos é: “capacitar toda a equipe de cuidados
de saúde nas práticas necessárias para implementar esta Política”

Cabe destacar também que o hospital é referência para os municípios mais pró-
ximos à cidade onde ele é localizado. O curso, com 5 módulos presenciais, em
formato de aulas expositivas e aulas práticas com manequins, foi oferecido em
caráter obrigatório para as 10 enfermeiras das equipes de Saúde da Família da
cidade de Boa Bela Esperança.

Cenário 2:

No Hospital Regional do Vale Belíssimo, após a constatação de vários incidentes


e eventos adversos relacionados à assistência à saúde, o núcleo de segurança do
paciente (NSP) intensificou as visitas aos pacientes internados de forma compar-
tilhada com a equipe de clínica médica, clínica cirúrgica e obstetrícia, 3 vezes
na semana. A equipe do núcleo é composta por uma médica infectologista, uma
enfermeira especialista em segurança do paciente e uma fisioterapeuta. Durante a
visita, apoiado na discussão dos casos, o núcleo reforça a importância da cadeia
de segurança dos pacientes, identifica situações de risco às pessoas assistidas e
alerta sobre mudanças nos protocolos institucionais. Incentivam o preenchimento
do formulário de evento adverso e reforçam que as reuniões para discussão dos
eventos são de caráter educativo, a fim de prevenir a ocorrência de futuros er-
ros. Durante essas reuniões periódicas, são elencados os principais problemas
que ocorrem dentro do hospital. São construídas, de forma coletiva e multipro-
fissional, estratégias de prevenção de evento adverso aos cuidados em saúde. Há
6 meses, o NSP percebeu redução importante nos incidentes e eventos adversos.

253
1 2 3 4 5 6 7

A Política Nacional de Educação Permanente (2009) aponta:

“A Educação Permanente em Saúde (EPS) é a aprendizagem


no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao
cotidiano das organizações e ao trabalho. A educação per-
manente se baseia na aprendizagem significativa e na possi-
bilidade de transformar as práticas profissionais. A educação
permanente pode ser entendida como aprendizagem-tra-
balho, ou seja, ela acontece no cotidiano das pessoas e das
organizações. Ela é feita a partir dos problemas enfrentados
na realidade e leva em consideração os conhecimentos e as
experiências que as pessoas já têm. Propõe que os processos
de educação dos trabalhadores da saúde se façam a par-
tir da problematização do processo de trabalho, e conside-
ra que as necessidades de formação e desenvolvimento dos
trabalhadores sejam pautadas pelas necessidades de saúde
das pessoas e populações. Os processos de educação per-
manente em saúde têm como objetivos a transformação das
práticas profissionais e da própria organização do trabalho”

Assim, podemos considerar que o processo de educação permanente pode acon-


tecer tanto em reuniões de equipe como em encontros específicos, onde deve
ser considerada “a bagagem” dos profissionais e utilizadas metodologias ativas,
reflexivas e problematizadoras. O resultado é o aperfeiçoamento da qualidade do
processo de trabalho.

Por sua vez, a educação continuada em saúde (ECS) é definida como aquela que
“contempla as atividades que possui período definido para execução e utiliza, em
sua maior parte, os pressupostos da metodologia de ensino tradicional, como
exemplo as ofertas formais nos níveis de pós-graduação. Relaciona-se ainda às
atividades educacionais que visam promover a aquisição sequencial e acumulativa
de informações técnico-científicas pelo trabalhador, por meio de práticas de esco-
larização de caráter mais formal, bem como de experiências no campo da atuação
profissional, no âmbito institucional ou até mesmo externo a ele” (Cavalcanti, Gui-
zardi, 2018).

É importante destacar que a metodologia não diferencia sempre a EPS e a ECS.


Cursos, ciclos de palestras e seminários oferecidos por entidades de classe, asso-
ciações de especialidade, secretarias de saúde, Organizações Sociais e cursos de
pós-graduação são tipos de ECS onde, como sabemos, podem ser utilizadas várias
metodologias ativas de aprendizagem.

254 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Além disso, é importante destacar que, tanto a ECS quanto a EPS têm, a depender
da circunstância e objetivos, sua própria importância para o desenvolvimento pro-
fissional e para qualificação dos serviços oferecidos para a população.

Nos cenários acima imaginados, podemos explicitar algumas diferenças, já subli-


nhadas acima:

Cenário 1, típico caso de educação continuada:

• justificativa/motivação: manutenção do título do hospital Amigo da


criança;
• periodicidade: 5 ciclos de palestras, ou seja, um período determinado;
• objetivo: capacitar as equipes envolvidas no cuidado à saúde da criança;
• público-alvo: uni-profissional
• metodologia: aulas expositivas + aulas práticas com manequim.

Cenário 2, exemplo de educação permanente:

• justificativa/motivação: existência de incidentes e eventos adversos


relacionados à assistência à saúde pessoas internadas;
• periodicidade: 3x/semana, sem data de término;
• objetivo: promover e apoiar a implementação de ações voltadas à se-
gurança do paciente;
• público-alvo: multiprofissional e interdisciplinar;
• metodologia: discussão de casos, discussão sobre atualização de pro-
tocolos, construção coletiva de estratégias para melhoria do processo
de trabalho.

Para melhor visualizar as características comuns e distintas entre EPS e ECS, veja
o infográfico desenvolvido para esta semana.

“É importante destacar que, tanto a


ECS quanto a EPS têm, a depender
da circunstância e objetivos.”

255
1 2 3 4 5 6 7

Referências

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saú-


de. Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da
Educação na Saúde, Departamento de Gestão da Educação em Saúde. – Brasília : Mi-
nistério da Saúde, 2009. Pesquisado em 25/09/2022. Disponível em: https://bvsms.
saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_educacao_permanente_saude.pdf

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saú-


de. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política Nacional de Educa-
ção Permanente em Saúde: o que se tem produzido para o seu fortalecimento? /
Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde,
Departamento de Gestão da Educação na Saúde – 1. ed. rev. – Brasília: Ministério da
Saúde, 2018. Pesquisado em 25/09/2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/
pt-br/composicao/sgtes/publicacoes/politica-nacional-de-educacao-permanente-
-em-saude-o-que-se-tem-produzido-para-o-seu-fortalecimento_web-2.pdf/view

Cavalcanti, Felipe de Oliveira Lopes e Guizardi, Francini Lube EDUCAÇÃO CONTINU-


ADA OU PERMANENTE EM SAÚDE? ANÁLISE DA PRODUÇÃO PAN-AMERICANA
DA SAÚDE. Trabalho, Educação e Saúde [online]. 2018, v. 16, n. 1 [Acessado 1 outu-
bro 2022] , pp. 99-122. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00119>.
Epub Jan-Apr 2018. ISSN 1981-7746. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00119.

FERRAZ, Fabiane. Educação Permanente/Continuada no Trabalho: um caminho para


a construção e transformação em saúde nos hospitais universitários federais de en-
sino, 2005. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Curso de Pós-Graduação em
Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 267 p. Orienta-
dora: BACKES, Vânia Marli Schubert

Questões de avaliação

1. Sobre as duas afirmativas abaixo pode-se dizer que:

(1) A educação permanente pode ser entendida como aprendizagem-tra-


balho, ou seja, (2) acontece no cotidiano das pessoas e das organizações.

a) (1) e (2) estão corretas


b) (1) está correta, (2) está errada
c) (1) está errada, (2) está correta
d) (1) e (2) estão erradas

256 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

2. “Ela é feita a partir dos problemas enfrentados na realidade e leva em


consideração os conhecimentos e as experiências que as pessoas já
têm. Propõe que os processos de educação dos trabalhadores da saúde
se façam a partir da problematização do processo de trabalho, e con-
sidera que as necessidades de formação e desenvolvimento dos traba-
lhadores sejam pautadas pelas necessidades de saúde das pessoas e
populações.”

Do que se trata a afirmação acima?

a) Educação continuada
b) Educação permanente
c) Educação popular em saúde
d) Educação médica superior

3. Complete a afirmação abaixo:

é definida como
aquela que contempla as atividades teóricas, com período definido e uti-
liza, em sua maior parte, os pressupostos da metodologia de ensino tra-
dicional, como exemplo as ofertas formais nos níveis de pós-graduação.

a) A educação continuada
b) A educação permanente
c) A educação popular em saúde
d) A educação médica superior

Gabarito

1 A 2 B 3 A

Para reflexão e debate


1. Você participa de algum programa de educação continuada? É
cobrado pela instituição por isso? Recebe benefícios?
2. E como se dá sua educação permanente? Como ela é misturada
com a prática profissional?

257
Capítulo 34
Construção de
comunidades de práticas

O termo comunidades de práticas foi cunhado por Etienne Wenger e Jean Lave
somente em 1991, apesar de existirem há muito tempo. Trata-se de grupos de pes-
soas engajadas em práticas sociais correlatas e que apresentam preocupações, um
conjunto de problemas ou uma paixão por um tópico que as levam a uma busca
coletiva de conhecimento, com interação contínua.

Essas pessoas não precisam trabalhar juntas, nem mesmo se encontrar fisicamen-
te. Elas encontram valor em suas interações, ajudam umas às outras a resolver
problemas, discutir situações, aspirações e necessidades. Ponderam sobre ques-
tões comuns, exploram ideias e atuam como caixas de eco entre si. Podem criar
ferramentas, diretrizes, projetos, manuais e outros documentos – ou podem sim-
plesmente desenvolver e compartilhar um entendimento coletivo.

As comunidades de práticas, apesar de centradas na produção compartilhada de


conhecimento, são também uma forma de gestão do desenvolvimento profissional
contínuo e da melhoria da qualidade dos serviços.

Essas comunidades fazem parte da vida diária – no trabalho, na escola, em casa,


nos hobbies. Algumas são bem identificadas e têm nome. Outras permanecem se-
mi-invisíveis. Alguém pode ser membro central de algumas e participante ocasio-
nal em outras. Seja qual for a forma de interação, hoje a maioria dos médicos está
familiarizada com a experiência de pertencer a alguma comunidade de práticas,
mesmo sem conhecer sua definição.

Pode-se, por exemplo, chamar de comunidades de práticas os grupos de trabalho


das sociedades de especialidades médicas, assim como grupos de alunos ou resi-
dentes (ou ex-alunos/residentes) de faculdades, de hospitais ou unidades de saúde.

258 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Características essenciais
das comunidades de práticas
Apesar da variedade de formas que as comunidades de práticas assumem, todas
compartilham uma estrutura básica. Uma comunidade de práticas é uma combi-
nação singular de três elementos fundamentais: um domínio de conhecimento (ou
área de interesse), uma comunidade de pessoas que se preocupam com esse do-
mínio e uma dinâmica de práticas compartilhadas que a comunidade desenvolve
para se aperfeiçoar na área de interesse definida.

• O domínio (projeto, ou interesse em comum) cria um terreno comum


e um senso de identidade. Um domínio bem definido legitima a co-
munidade, afirmando seu propósito e valor para os membros e outras
partes interessadas. O domínio inspira os membros a contribuir e par-
ticipar, orienta seu aprendizado e dá sentido às suas ações.
• A comunidade cria o tecido social da aprendizagem. Através do en-
gajamento mútuo, uma comunidade forte promove interações e rela-
cionamentos baseados no respeito e na confiança mútuos, além de
incentivar a disposição de compartilhar ideias, expor a própria igno-
rância, fazer perguntas difíceis e ouvir/ler com atenção.
• A prática é um conjunto de estruturas, ideias, ferramentas, informa-
ções, estilos, linguagem, histórias e documentos que os membros da
comunidade compartilham, formando um repertório comum. Enquan-
to o domínio denota o tópico em que a comunidade se concentra, a
prática é o conhecimento específico que a comunidade desenvolve,
compartilha e mantém.

Quando se articulam bem, esses três elementos fazem de uma comunidade de


práticas uma estrutura de conhecimento ideal – uma estrutura social que pode
assumir a responsabilidade de desenvolver e compartilhar conhecimento. Essa es-
trutura de conhecimento pode ser aplicada no desenvolvimento de um programa
de residência médica.

“Quando se articulam bem, esses


três elementos fazem de uma
comunidade de práticas uma
estrutura de conhecimento ideal.”

259
1 2 3 4 5 6 7

Dinâmica de desenvolvimento
Comunidades de práticas principiantes focam na interação social e na troca de
conhecimento entre seus membros. A partir do amadurecimento da comunidade,
é possível sistematizar e produzir conhecimentos, até chegar ao ponto de desen-
volver a identidade pessoal-profissional dos participantes.

Como já apontado em outras semanas, a troca e a criação de conhecimento, bem


como a construção da identidade profissional, são objetivos comuns dos progra-
mas de residência médica. A Figura 34.1 ilustra esse percurso.

Figura 34.1 – Etapas do processo de formação de Comunidade de práticas

Início Maturidade

Interação Troca de Criação de Identidade


social conhecimento conhecimento profissional

Desenvolvimento profissional contínuo

Melhoria na qualidade do cuidado

Formação clínica em contexto

Fonte: Barreto e Loiola, 2014.

260 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Princípios para cultivar


comunidades de práticas

1 Desenho para evolução

A natureza dinâmica das comunidades é fundamental para sua


evolução. À medida que a comunidade cresce, novos membros trazem
novos interesses e podem puxar o foco da comunidade em diferentes
direções. Mudanças na organização influenciam a importância da
comunidade e trazem novas demandas para ela.

2 Abra um diálogo entre as perspectivas internas e externas

Um bom desenho de comunidade requer uma compreensão do


potencial dessa comunidade, a fim de desenvolver e administrar o
conhecimento. Entretanto, muitas vezes é necessária uma perspectiva
externa para ajudar os membros a ver as possibilidades.

3 Aceite e incentive diferentes níveis de participação

Numa comunidade de práticas, os participantes possuem diferentes


níveis de atuação dentro das atividades que a comunidade comporta.
Certos indivíduos podem desempenhar um papel central, constituindo
o núcleo da comunidade. Um segundo nível de engajamento é dos
participantes que produzem conteúdo de forma assídua. Outros
indivíduos podem assumir um papel periférico, assistindo às discussões
entre o núcleo e os participantes ativos. Todos os níveis de participação
na comunidade são relevantes e nunca são fixos. Os participantes
da comunidade transitam entre diversos níveis de participação,
dependentes de características pessoais, como da própria comunidade.
O último nível, como apresentado no princípio 2, são os participantes
externos, que não fazem parte da comunidade em si, mas podem
contribuir para o desenvolvimento das atividades.

261
1 2 3 4 5 6 7

4 Desenvolver espaços comunitários públicos e privados

Os espaços e eventos públicos da comunidade também servem a um


propósito ritualístico e abrem caminhos de iniciação. Por meio desses
eventos, as pessoas podem experimentar fazer parte da comunidade
e conhecer outros membros. Um coordenador de comunidade de
práticas precisa “trabalhar” os indivíduos entre as reuniões, contatando
os membros da comunidade para discutir seus problemas técnicos
e conectando-os com recursos úteis, dentro ou fora da comunidade.
Essas discussões informais ajudam a orquestrar o espaço público e são
essenciais para reuniões bem-sucedidas.

5 Foco no valor

O valor da comunidade é o que justifica, essencialmente, a participação


dos membros e sua própria existência. E o valor, assim como a
comunidade, é dinâmico. As principais atividades que promovem o
valor estão no cotidiano das atividades da comunidade.

6 Combinação de familiaridade e entusiasmo

As comunidades oferecem um conforto análogo ao de uma família, mas


também têm eventos interessantes e variados o suficiente para manter
novas ideias e novas pessoas circulando na comunidade. Como uma
conferência profissional desafiadora e bem planejada, comunidades
vibrantes também organizam pensamentos e atividades diversificados.
As atividades de rotina fornecem a estabilidade para conexões de
construção de relacionamento, ao passo que eventos emocionantes
proporcionam uma sensação de aventura comum.

262 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

7 Ritmo

Quando a batida do ritmo é forte e cíclica, a comunidade tem uma


sensação de movimento e vivacidade. Se a batida for muito rápida,
a comunidade fica sem fôlego; as pessoas param de participar
porque estão sobrecarregadas. Quando a batida é muito lenta, a
comunidade se sente sonolenta. Não existe uma batida certa para
todas as comunidades, e é provável que a batida mude à medida que
a comunidade evolui. Mas encontrar o ritmo certo em cada estágio é
fundamental para o desenvolvimento de uma comunidade.

Comunidades de práticas
na medicina e na residência
A literatura sobre comunidades de práticas na área de Saúde mostra resultados
diversificados em relação a como e por que essas comunidades são estabelecidas.
Entretanto, há um aspecto em comum entre os artigos: a intenção de facilitar o
aprendizado e a troca de conhecimento; e/ou para melhorar a prática clínica.

Embora o aprendizado e a troca de conhecimento sejam os principais focos de


uma comunidade de práticas, na área da Saúde essa troca de conhecimento al-
cança maior impacto quando direcionada para promoção e compartilhamento de
práticas baseadas em evidências científicas.

Dentre os papéis das comunidades de práticas na Saúde, podem ser elencados:


aquisição de competências após a conclusão do treinamento básico; eliminação
de barreiras geográficas, organizacionais e de especialidades; compartilhamento
de informação; redução do isolamento profissional e facilitação da implementação
de novos processos e tecnologias.

“A intenção de facilitar o aprendizado


e a troca de conhecimento; e/ou para
melhorar a prática clínica.”

263
1 2 3 4 5 6 7

Referências

BARRETO, I.; LOIOLA, F. Comunidades de prática e saúde: uma introdução ao tema.


Campinas, SP: Saberes Editora 2014.

LI, L. C. et al. Use of communities of practice in business and health care sectors: a
systematic review. Implementation Science, [s. l.], v. 4, n. 1, p. 1-9, 2009.

RANMUTHUGALA, G. et al. How and why are communities of practice established


in the healthcare sector? A systematic review of the literature. BMC Health Services
Research, [s. l.], v. 11, n. 1, p. 1-16, 2011.

WENGER, E.; MCDERMOTT, R. A.; SNYDER, W. Cultivating communities of practice:


a guide to managing knowledge. Harvard Business Press, 2002.

264 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Questões de avaliação

1. Uma das características das comunidades de práticas é:

a) produzir e armazenar conhecimento, mesmo que não compartilhado


b) desenvolver identidade pessoal-profissional dos participantes
c) sistematizar práticas e protocolos em unidades de saúde
d) proporcionar encontros presenciais para se manter viva

2. Sobre comunidades de práticas, é correto afirmar:

a) todos devem assinar um contrato de convivência pactuando número


mínimo de interações por mês, para evitar perda de membros
b) nunca devem misturar espaços comunitários públicos e privados, a fim
de evitar conflitos
c) pode incluir participantes que não contribuem ativamente para o de-
senvolvimento da comunidade
d) precisam ser regulamentadas de acordo com as normas das sociedades
de especialidades médicas

Gabarito

1 B 2 C

Para reflexão e debate


1. Agora que você conhece o conceito, identifique de quais
comunidades de práticas você faz parte, seja no trabalho, na
faculdade, em casa ou em hobbies.

265
Anexos

Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Anexo 1 – Postgraduate Hospital Educational Environment Measure (PHEEM)

Residente de 1º ano ( ) 2º ano ( ) 3º ano ( ) Data da resposta: / /

Concordo totalmente

Discordo totalmente
Os itens abaixo são relacionados à experiência no seu ambiente

Concordo

Discordo
Neutro
de trabalho. Por favor, leia atentamente as afirmações abaixo e
responda de acordo com seu sentimento em relação ao atual local
de trabalho.

1. Eu tenho um contrato de trabalho que fornece informações sobre as


horas de trabalho.
2. Meus professores de clínica estabelecem claramente as expectativas.
3. Eu tenho período específico para estudar durante este treinamento.
4. Eu tive instruções prévias sobre o programa deste treinamento.
5. Eu tenho um nível adequado de responsabilidade neste treinamento.
6. Eu tenho boa supervisão clínica todo o tempo.
7. Existe discriminação racial neste treinamento.
8. Eu tenho que realizar tarefas inadequadas.
9. Há um manual informativo para os residentes.
10. Meus professores de clínica têm excelente habilidade de comunicação
11. Eu sou “bipado”/chamado em momentos inadequados.
12. Eu tenho oportunidade de participar ativamente de eventos educacionais
13. Existe discriminação sexual neste treinamento.
14. Existem protocolos clínicos precisos neste treinamento.
15. Meus professores de clínica são muito interessados
16. Eu tenho boa colaboração de outros médicos na minha Residência Médica.
17. Meu horário está em conformidade com a Comissão Nacional de
Residência Médica.

18. Eu tenho oportunidade de acompanhar a continuação do tratamento.


19. Eu tenho acesso adequado a orientações sobre a carreira.
20. Este hospital tem acomodações de boa qualidade para residentes,
especialmente quando estão de plantão.

267
1 2 3 4 5 6 7

Concordo totalmente

Discordo totalmente
Os itens abaixo são relacionados à experiência no seu ambiente

Concordo

Discordo
Neutro
de trabalho. Por favor, leia atentamente as afirmações abaixo e
responda de acordo com seu sentimento em relação ao atual local
de trabalho.

21. Há acesso a programas educacionais relevantes às minhas necessidades.


22. Eu tenho retorno de meus supervisores de forma regular.
23. Meus professores clínicos são bem organizados.
24. Eu me sinto fisicamente seguro no ambiente hospitalar.
25. Existe uma cultura de não culpar neste treinamento.
26. Há um bom serviço de alimentação quando estou de plantão.
27. Eu tenho muitas oportunidades de aprendizado clínico para as
minhas necessidades.
28. Meus professores de clínica possuem boa didática.
29. Eu me sinto como parte de um time trabalhando aqui.
30. Eu tenho oportunidade de praticar procedimentos adequados ao
meu nível.
31. Meus professores de clínica são acessíveis.
32. Minha carga de trabalho é boa.
33. Os médicos mais experientes oferecem oportunidades para um
aprendizado eficaz.
34. Este treinamento me faz sentir preparado para me tornar um especialista.
35. Meus professores de clínica são bons conselheiros.
36. Eu me sinto muito satisfeito com meu trabalho atual.
37. Meus professores de clínica me encorajam para que eu seja um
aprendiz independente.
38. Há boas oportunidades de aconselhamento para residentes reprovados,
para que possam completar satisfatoriamente seu treinamento.
39. Meus professores de clínica incentivam uma atmosfera de respeito mútuo.
40. Meus professores clínicos promovem uma atmosfera de respeito mútuo.

Os itens devem ser pontuados: 4 para Concordo Totalmente (CT), 3 para Concor-
do (C), 2 para Neutro (N), 1 para Discordo (D) e 0 para Discordo Totalmente (DT).
No entanto, quatro itens (7, 8, 11 e 13) são declarações negativas e deve ser pontu-
ados: 0 para CT, 1 para C, 2 para N, 3 para D e 4 para DT.

268 Preceptoria de Residência Médica


1 2 3 4 5 6 7

Guia para interpretar a pontuação geral:

0-40 Muito ruim

41-80 Muitos problemas

81–120 Mais positivo do que negativo, mas há espaço para melhorias

121-160 Excelente

Fonte: Adaptado de: S. ROFF, S. MCALEER, A. SKINNER. Development and validation of an ins-
trument to measure the postgraduate clinical learning and teaching educational environment for
hospital-based junior doctors in the UK. Medical Teacher, v27, n4, 2005. (Tradução livre para o Por-
tuguês, não validada, realizada por Marcia Cristina Santos e Olivan Queiroz, 2022).

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Anexo 2 – Formulário de Atividade Profissional Confiabilizadora (APC)

Título da APC
Descrição da APC
(especificidades e limitações)
Riscos à segurança do paciente
Domínios de competências
Domínios (cada domínio deve ser avaliado Grau de relevância Avaliação do aluno:
Data
por um instrumento específico diferente) para a APC descrita* Satisfatório?
1. Auto-gestão do conhecimento ( )1 ( )2 ( )3 ( ) Sim ( ) Não, pois...
2. Comunicação ( )1 ( )2 ( )3 ( ) Sim ( ) Não, pois...
3. Expertise técnica ( )1 ( )2 ( )3 ( ) Sim ( ) Não, pois...
4. Liderança colaborativa ( )1 ( )2 ( )3 ( ) Sim ( ) Não, pois...
5. Profissionalismo ( )1 ( )2 ( )3 ( ) Sim ( ) Não, pois...
6. Responsabilidade Social ( )1 ( )2 ( )3 ( ) Sim ( ) Não, pois...
Nível de desenvolvimento do aluno/residente
Nível Avaliação (marcar X) Preceptor(a) Data
Nível 1: Aprendiz novato
Nível 2: Aprendiz avançado
Nível 3: Aprendiz competente
Nível 4: “Proficiente”
Nível 5: “Especialista”
Conhecimento, habilidades, atitudes e experiências
Desenvolvimento satisfatório
esperadas para conferir confiança (Basear-se no conteúdo da
do aluno/residente
matriz do currículo baseado em competências
Conhecimentos ( ) Sim ( ) Não
Habilidades ( ) Sim ( ) Não
Atitudes ( ) Sim ( ) Não
FeedBack final: Preceptor:
Data:

* Grau de relevância para a APC descrita: O grau de trabalho ou comitê gestor das APCs devem
avaliar previamente este ítem 1. Pouco relevante; 2. Relevante; 3. Muito relevante ou indispensável
para o desenvolvimento deste APC

OBS1: Campos em laranja: Preenchidos previamente pelo Comitê gestor de APCs


OBS2: Campos em verde: Preenchidos pela preceptoria quando da avaliação (inicial ou de pro-
gressão) do residente para conferência de competência e com isso tomar a decisão de atribuição
da APC (confiar ou não confiar no residente).

Fonte: adaptado de Rosa, 2020 e Olle Ten Cate, 2021

270 Preceptoria de Residência Médica


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Anexo 3 - Questionário de Chafic Jbelli para Burnout

QUESTIONÁRIO PRELIMINAR DA IDENTIFICAÇÃO DA BURNOUT


Elaborado e dapatado por Chafic Jbelli, inspirado no Maslach Burnout Inventory - MBI
Obs.: este instrumento é de uso informativo apenas e não deve substituir o diaganóstico
realizado por Médico ou Psicoterapeuta

MARQUE “X” na coluna correspondete:


1 - NUNCA | 2 - ANUALMENTE | 3 - MENSALMENTE | 4 - SEMANALMENTE | 5 DIARIAMENTE

Nº Características psicofísicas em relação ao trabalho 1 2 3 4 5


1 Sinto-me esgotado(a) emocionalmente em relação ao meu trabalho
2 Sinto-me excessivamente exausto ao final da minha jornada de trabalho
3 Levanto-me cansado(a) e sem disposição para realizar o meu trabalho
4 Envolvo-me com facilidade nos problemas dos outros
5 Trato algumas pessoas como se fossem da minha família
6 Tenho que desprender grande esforço para realizar minhas tarefas laborais
7 Acredito que eu poderia fazer mais pelas pessoas assistidas por mim
8 Sinto que meu salário é desproporcional às funções que executo
9 Sinto que sou uma referência para as pessoas que lido diariamente
10 Sinto-me com pouca vitalidade, desanimado(a)
11 Não me sinto realizado(a) com o meu trabalho
12 Não sinto mais tanto amor pelo meu trabalho como antes
13 Não acredito mais naquilo que realizo profissionalmente
14 Sinto-me sem forças para conseguir algum resultado significante
15 Sinto que estou no emprego apenas por causa do salário
16 Tenho me sentido mais estressado(a) com as pessoas que atendo
17 Sinto-me responsável pelos problemas das pessoas que atendo
18 Sinto que as pessoas me culpam pelos seus problemas
19 Penso que não importa o que eu faça, nada vai mudar no meu trabalho
20 Sinto que não acredito mais na profissão que exerço
Totais (multiplique o número de X pelo valor da coluna)
Some o total de cada coluna e obtenha seu score

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Resultado

De 0-20 pontos
Nenhum indício da Burnout.

De 21-40 pontos
Possibilidade de desenvolver Burnout, procure trabalhar as recomendações de
prevenção da Síndrome.

De 41–60 pontos
Fase inicial da Burnout, procure ajuda profissional para debater os sintomas e garantir,
assim, a qualidade no seu desempenho profissional e a sua qualidade de vida.

De 61-80 pontos
A Burnout começa a se instalar. Procure ajuda profissional para preveir o
agravamento dos sintomas.

De 81-100 pontos
Você pode estar em uma fase considerável da Burnout, mas esse quadro é
perfeitamente reversível. Procure o profissional competente da sua confiança e
inicia o quanto antes o tratamento.

ATENÇÃO: este instrumento é de uso informativo apenas e não deve


substituir o diagnóstico realizado por médico ou psicoterapeuta da
sua preferência e confiança.

Fonte: Jbeili, C. (2011). Disponível em: http://www.manoel.pro.br/avaliacaoburnout.pdf

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