Você está na página 1de 91

TEATRO EM TRÂNSITO

A PEDAGoGIA DAS INTERAÇÖES


NO ESPAÇO DA CIDADE

BEATRIZ ÂNGELA VIEIRA CABRAL

t
TET
PEDAG DGIA DO ATRO HUCITEC
aA36u20JAM301300129VMU
BEATRIZ CABRAL

TEATRO EM TRANSITO
A PEDAGOGIA DAS INTERAÇÕES
NO ESPAÇO DA CIDADE

HUCITEC EDITORA
São Paulo, 2012
UNIVERSIDADE FEDERAL
UNIVERSIDADEFEDERAL DE
DDE

2012, BIBLIOTECA UBERLANDI


UBERLANDI

C
autorais,
ODireitos
Beatriz Angela
Vieira Cabral. SISBI/UFU
de
por
de publicação reservados
Direitos 1000426963
Hucitec Editora Ltda.
23
Rua Gulnar,
05726-050 São Paulo,
Tel./Fax:
Brasil1

(55 11) 5093-0856


/51952
lerereler@huciteceditora.com.br
www.huciteceditora.com.br

efetuado.
Depósito Legal

editorial
Coordenação
MARIANA NADA

Assistente editorial

MARIANGELA GIANNELLA

Circulaçãão
SOLANGE ELSTER

Arte das imagens do texto


MARCELOo CABRAL VAZ

Ficha catalográfica elaborada por


Mônica Nascimento - CRB 8./7015

C112t Cabral, Beatriz Vieira


Angela
Teatro em trânsito: a pedagogia das inte-

raçoes no espaço da cidade/


Vieira Cabral. - São Paulo: Beatriz Angela
Hucitec; 2012.
157 p. (Coleção teatro; n. 82. Série Peda-
gogia do teatro, n. 12)
1. Teatro. 2. Pedagogia do teatro. I. Títu-
lo. II. Série.

CDD 792
ISBN 792.01
978-85-64806-43-6

Indices
1.Teatro para Catálogo Sistemático
792
2.
Pedagogia do teatro 792.01
SUMÁRIO

-ANDRÉ
Apresentação
CARREIRA
9

Introdução 11

Capitulo 1
O espaço da cidade-lugares, história, olhares 14
Deslocamentos: do lugar e da história
O sentido da experiência imersão, percepção, memória
Memóriae Percepção-implicações
metodológcas
. 16
21
25
Mobilidade da significação e articulação dediferenças 31
Teatro como Cultura e Teatro como 37
Pedagogia

Capitulo 2
Teatro em Trânsito-aidentidadeda diferença. 45
História: um Projeto deIntercâmbio em Teatro 48
Edições e
do Tránsito redirecionamentos do olhar. 52
Formas de Interaçãoe Formas Interativas 58
Santo Antônio 64
Nova Trento 73
Bombinhas. 80
Ribeirão 80
Farametros Estéticos e Artísticosaspectos convergentes 92

7
Capitulo
3
O Lugar praticado 95
como Pesquisa
A Pratica 1eatral 96
teatro em busca
do espaço da cidade
O 103
Entre oetèmero e o processual 106
Entre a arte, a ética
ea estética
115
As subjetividades em cena e a voz do coletivo 122
A guisa de Considerações Finais 125
Para uma estética do dissenso euma política do etcétera 125

Referencias 130

Anexo. 135
APRESENTACÃO

Este novo livro de Biange Cabral, uma das mais importantes


autoras na área do teatro e educação no Brasil, representa uma estimulante

contribuição para todos aqueles interessados em explorar o territórioda arte


como prática social, mas que não se esquecem de sua natureza de objeto esté-
tico. O trabalho
dessa autora se
distingue exatamente por buscar olhares que
reforçam tanto os aspectos deológicos como sensoriais da realização de um
teatro
que se inscreve entre as práticas pedagógicas
Brange se caracteriza por ser uma professora que estabelece uma es-
treitarelação entre suas pesquisas e suas aulas, deforma que suas reflexões

sempre estão alicerçadas no diálogo com seus alunos. Os dados que o livro
traz mostram
queforam inimeros aqueles estudantes de graduação que pu-
deram intervir nas encenações desempenhando diversas fungöes nos proces-
sOs criativos. Este livro é uma ressonáncia desse modo de trabalhar. As
pági
nas que
seguem podem ser vistas como um mapa que sugere caminhos para a
experimentação de práticas que compreendem ofazer teatral comoformação
de comunidades criativas.
Como afirma a a própria ideia de um teatro em trânsito re-
autora,
mete tanto ao formato de uma
proposta cénica, como ao caráter processual
que tem como eixo a observação das alteridades. Trata-se de um jogo de en-
impulsionado pela exploração dos espaços da cidade. Umjogo que nasce
COntros

do desejo de se buscara
ressignificação dos lugares", de tal modo que sepode
a proposta considera a linguagem cénica um instrumento de
perceber que
na concreta do habitar, ain-
ntervenção cultural fundamentada experiéncia
aa que momentamente, os da cidade.
segmentos

9
dos "trànsitos"-alim
além de
A diversidade departicpantes dantese
estudantes

professores
estão também

ta de uma proposta que


os babitantes dos bairros

tem a cafpacidade
de
deixa clar
colocar em relaco

de construir um ambiente dememória


que se tra-
saspes-
d
da
partir possibilidade Isto é,
de Marc Auge; um lugar antropológico que se deG
um Lugar na acepção
de produzir 1dent1aades. 1sSO Se reveste demuita imhn
pela capacidade portán-
ia se con3ideramos que um dos elementos
fundamentais do fazer teatra
de compartilhamento.
construir conbecimento mediantepraticas
Além disso, vale que o teatro e uma arte do espaço,da
a pena lembrar

e das relações que se dãocondicionadas pelo espaço. Neste


ocupação do espago
caso especificamente, O espaço nada tem de vazio, nao é um rectpente,por-

tanto, o 1 rânsito pode ser entendido como um exercicio deintervenção emo-


dificação,
que momentánea, das regras de uso, o que implica uma no-
ainda
gão de habitar
que é ativa. A matéria da memória não então tratada como é
lembrança, Testduo ou elemento de nostalgia, mas como uma vIva
interfe-
réncia
na fabricagão das relagões que se dão no espaço, e a partirdele.
Tränsito é
uma prátia pedagógica baseada na articulação criativa
O

tem como a instauragão de uma


ocupação deum fragmento da cida-
eixo
gue
Nesse
de. aspecto, essa forma espetacular pode ser relacionada comformas
teatrais
que tnvademn a cidade, e com abordagens quetratam deler a
c1dade
como

rador do
dramaturgia. Isso pode ser facilmente relacionado
com principi0
rânsito, ou seja, com a ideia de se mobilizar uma
o g
releitura dos
do
espaço, a partir da introdução de uma cena
5entidos
falas
que definem a memória.
que reconfigura s
ES5a
proposta estimula a
da
experimentação das possibilidades dos epa
gos cidade como território da arte.
Também sugere aexplorafao ucn
055OC1a1se culturais,
biente
pois compreende que o teatro podefazer pareado am-
urbano, não
apenas através de uma aos tran-
seuntes,mas como apresentaçao oferecida
cerimónia
habitante em um jog0
que dá noo0s que compromete seus
significadosao habitar.

-ANDRÉ CARREIRA

10
TEATRO EM TRÂNSITO
A PEDAGOGIA DAS INTERAÇÕES
NO ESPAÇO DA CIDADE
O no espaço da cidade é aqui focalizado a partir do
teatro

relato e anáise do projeto Teatro em Trânsito (2000-2005), assim deno-


minado devido ao trânsito de espectadores entre cenas distintas e conco-
mitantes que ocorrem em um centro histórico, um bairro ou uma peque-
na cidade. A estética teatral que o caracteriza está centrada no cruzamento
entre lugares, história e memórias.
As cenas, e cronometradas em dez minutos, se re-
concomitantes
de grupos
petem tantas vezes quantas toremo seu número, e o caminhar
de espectadores de uma cena à outra confere ao evento um sentido de
cerimonia e contraternizaço. O clenco é formado por alunos de teatro e
moradores do local em que se realiza o evento, sendo estes representati-
vos de diversos extratos sociais e de diferentes faixas etárias.
Mas Teatro em Tránsito também representa uma metáfora ao cará-
ter processual de identificare exercitar diferenças, observar a alteridade
aos
através do olhar do outro, associar histórias seminais da comunidade
o que está por trás delas (a histórianão
locais escolhidos, enfatizando oficial).

Foram realizadas quatro edições do trànsito e a análise destas ex-

periências mostrou que seu impacto nos participantes foi causado pela
forma pela qual o tema foi abordado e o material introduzido: a transfor-
de ver; a inte-
maçao do espaço cotidiano que possibilitou novas formas
raçao entre alunos de teatroe moradores locais
de faixas etárias distintas;
nas cenas e durante o percurs0
personagens inesperados encontrados
OS
a ressonäncia do contexto teatral com os contextos histórico e social
dos

participantes (analogiase identificações);o uso de rituais como uma forma


11
a de
as vozes individuais; introducáo
para
de abrir espaço as situaçoes dramáticas e aolutio
tinar oelenco
contextualzar
atrais para
O sentido de experiéncia como im
em
e mento de
espaços alternativo8, e 1alar sobre estes enecne.
sentir, escutar
interrupção para pensar, trosnes-
tes lugares.
de uma cena a outra Se Constituiu comno uma rede 1
O caminhar le de

entre as cenas, l fim de facilitarotrânsito


cinco roteiros
distintos caaco-
Contadores de histórias, como guias,conduziram
modação do público. os

espectadores, narrando
o fato histórico que deu origem à cena que en-
contrariam a
seguirea
historia do local em quecla estavaambientada. O
dos Cinco grupos de espectadores pelo espaco
caminhar e o cruzamento
sentido de cerimónia ao evento 0 tre vir dos
da cidade agregou um

encontros sociais; a presença dos espectadores


no espaço cénico; sen- o
tido de o contador de histórias como mestre de cerimónia.
pertencer;
Os locais selecionados para as cenas adquiriram aOs olhos de quem
desses eventos, quer como atores, quer comoespectadores,um
participou
novo significado e serão vistos aqui como lugares praticados.

A busca e ressignificação destes lugares (Capítulo 1) associou o


suporte teórico de concepções filosóficas sobre o sentido de experiência,
mobilidade da significação e articulação de diferenças àsimplicações me
todológicas do teatro pelas perspectivas cultural epedagogica.
A criação artística
que deu visibilidade a estasexperiências (Capi-
focalizou identidade dessa diferença. Para tanto, situa
tulo2) a
oleitor
quanto ao histórico do
projeto e identifica os parâmetros artisticoscon"
vergentes nas quatro
edições do tránsito ao elencar as cenas, seusregis
tros históricose
argumentos.
A retlexão teórica sobre esta
estética teatral (Capítulo 3)estácen-
trada no
conceito de /ugar sua
praticado. Parte da identificação dolugar e
ressignificação
para a delimitação e caracterizaço da prát1cacomope
ard tanto,analsa um ro-
processo de criação centrado no efemero
cessual, e
desenvolvido através de iram
cerimônias e rituais que pe
contrapor as
subjetividades em
cena à voz do
As coletivo.
Considerações Finais associam a do
por Jacques Rancière
à poética do
política dissenso, P eo
etcétera,
12 apresentada por
em A vertigem das invertendo a relaço entre os conceitos
lustas,
para
enfatizar a opção por este cruzamento conceitual. Minhas expectativas
do desenvolvimento deste fazer teatral se associam ao potencial de uma
estética do dissenso, que pontue e discuta de incluir a diferença eo
formas
desentendimento em cena, ampliando o debate sobre a relação entre éti-
ca e estética. Para tanto, a perspectiva de uma politica do etcétera, que dê
voz às razões que subsidiam as diferenças, em termos paradigmáticos (se-
mânticos) e sintagmáticos (estruturais),torna-sefundamental.

13
1

O ESPAÇO DA CIDADE
LUGARES, HISTORIA, OLHARES

O teatro realizado em um determinado espaço da cidade,tam-


a
bém denominado site-specific tbeatre,refere-se produções teatrais desen
volvidas e apresentadas em,
ou a partir de locais especiticos. Asfronteiras
entre teatro site-specific e ambiental frequentemente não são claras. O
termo

teatro ambiental apareceu em 1968 quando


Richard Schechner ousou para

descrever a natureza dos trabalhos que estendiamo significado docenário,


das pessoas presentes.
palco
e espaço para abranger o mundo ao redor
Em comum,o teatro site-specific e o teatro ambiental compartilham
duas caracteristicas principais: Em primeiro lugar,eles identificam uma

abordagem estética da produção, qual procura envolver organicamente


a

atores,espaço e texto. Em o
segundo lugar, eles assumem que sentidode
uma pode ser alcançado pela ideia de uma ação através da
experiência
interação entre condições sociais e fisicasimediatas.
O sentido de experiência, nesta concepção, implica elementos de
ambientação cênica-as opções de uso do espaço, a iluminação, oSOIly
objetos de cena e figurino que juntos criam o pano de fundo part a
Os
ara
interação dos atores. Isto representa um espaço fisico e ressonante p
criaruma atmostera na qual o texto não é apenas visto ouvido, e
ou
t
principalmente vivido, quer a cena seja sobre o ambiente retratad
uma experiência acentuada por ele, Este sentido de experien
sODre
lu-
evidentemente intensificado de acordo com o potencial simbolco dos
gares selecionados e as situações
exploradas. prin-
Aqui será focalizado um fazer teatral que se aproxima destes p
às
pOs,mas que ao associar a escolha do lugar à história dalocalidade
14
memórias de seus moradores, procura apontar para o que não foi dito, o
que ficou nas entrelinhas, ou se refugiou nas anedotas populares. Esta
associaçaão torna-se bastante significativa em locais onde os netose bis-
netos dos desbravadores e fundadores das localidades ainda vivem.
O contexto multicultural é hoje evidente não só nas cidades e gran-
des centros, mas também nos bairros (número crescente de imigrantes), nas
escolas e nas universidades (estudantes de outros estados e origens étnicas
distintas). A multicultura se traduz em
múltiplas formas visuais e aponta
para uma forma mosaica e não o
linear de ler mundo. E possível dizer que

fragmentos de tomadas individuais criam um novo padrão de pensamento,


ea exclusão em decorrència da diferençadeixa de ser evidenciada com fre-
quência, embora suas implicações éticas persistam nas interações humanas.
Neste contexto, a possibilidade de focalizar aspectos da história do
local onde os fa-
lugar,revivé-la, transformá-la e apresentá-la no próprio
tos ocorreram no passado, a partir de um trabalho de criação em grupo,
sendo este formado pelos daqui epelos defora,permite um olhar que cruza
o envolvimento cotidiano como estranhamento do recém-chegado.
O olhar estrangeiro (oolhar do "outro") exacerba as diferenças cul-
turais e traz consigo uma cultura de escolhas nós crescemos entre uma
variedade de vozes culturais; é possível dizer que nós somos feitos de

diferentes vozes, e como tal nos identtficamos com aspectos particulares


de cada uma delas em épocas distintas de nossas vidas. Pela perspectiva
de um processo de criação, o cruzamento de olhares na composição da
cena, permite explorar e visualizar mudanças de parâmetros de lugar, iden-

tidade, história e poder.


Por um lado, o extracotidiano que caracteriza um processo de mon-

tagem com tais características traz consigo as múltiplas reterências que


constituem os diferentes códigos culturais, experiencias e lnguagens, le-
vando os participantes a estranhar a atuação do outro, os conduzindoo a
recontar e refocalizar o texto cênico.
Por outro lado, o caráter do efêmero e do processual associado à

representação da diferença leva o participante a reconceituar e re-experi-


mentar as relações entre ele e os outros- outras pessoas, outras histórias,
outras realidades, outras
linguagens.
15
que torna possivel que ele encontre

do
É esta possibilidade
banal, que ele possa
ler
ler a cena o
cena e o lugar signifia
atrAvés deoutras
dos além

perspectivas.
O sentido
o grupo,
do lugar passa, as8Il,
se aproxima
A ser apropriado pelo ue
dele
e atinVa o conceito de lugar pratisado t sado
dele e por
fez
descrever a Cidade como um lug
Michel de Certeau para e apropriado
pelas ruas criam textos constrOCm seu
e
caminhando
pelas pessoas,
que
e estes Subverterma lógicaea justificativa
eug
próprios significados, 117)
oficiais que
Ihes sao atribuidos (Certeau, 1984, p.
nificados

da história e do lugar
Deslocamentos:

e Certeau utilizam a espacialidade comometáfora nassuas


Foucault
Para ambos a linguagem uma construção na qual
análisesdo discurso.
e interagem. Certeau vVé fissuras no dig-
os indivíduos se movimentam
das quais o sujeito pode subverter a ordemc im-
curso do poder, através
a ao traçado
marca por meio da ação. Ele compara linguagem
primir sua
morador faz o seu próprio ca
de uma cidade (lugar próprio), onde cada
deuma caminhada
minho (lugar praticado), (re)construindo-o ao longo

permanente.
A noção de é aqui associada ao entendimento de
lugar praticado
Clifford Geertz (1997), de que as histórias dramatizadas não sãoapena5
retlexos de uma sensibilidade analogicamente apresentada;clas sãoagen
tes
manutenção de tal sensibilidade. Seguindo0
positivos na criação e

principio de que "quem diz A fica forçado a dizer B"(p. 9)nosoito en


que compõem o livro Saber local, Geertz trata osfenomenoscuitu
Saios são
Sua ViS
como Sistemas significativos e passíveis de interpretação.
rais

dotermo senso comnum em oposição ao entendimento tradicional qu VIsta

associa
a verdades universais, recebidas e aceitas acriticamente,

como produto com especificidades históricas e culturais. Como ressignifi


ca
car, hoje, história e
lugar, quando o saber local é cada vez
maisplural,
conhecimento mais contextual, antiformalista e relativista?
tavor de um
Como as particularidades culturais e históricas sem que
interpretar
dexem de ser particulares? Para até a
Geertz, do lógica senso c
16
varia de lugar para lugar, dependendo de como as
pessoas lidam com o
O
mundo que as envolve. senso comum e a arte, diz o autor,são sistemas
culturais que implicam uma ordem única,
passível de ser descoberta em-
piricamente e formulada conceitualmente através do inventário das for-
mas que assumemem diferentes locaisa diversidade cultural em de-
trimento de qualquer de generalização (p. 140).
possi bilidade
A escolha de lugares que tenham uma histórica
significação
da que e invadida por interpretações distintas e anedotas que
diluída

foram anexadas com o passar do tempo é, em si, um ponto de


partida
aberto a de e criação teatral. Se
inúmeras possibilidades reinterpretação
história e histórias (anedotas) forem ao imaginário de um gru-
associadas

po de atores sem antecedentes teatrais em comum é possível promover


uma experiência cuja dimenso existencial, no aqui e agora, provocará
um deslocamento das circunstäncias e motivações históricas e do sen-
tido do lugar.
Tal deslocamento é necessário para um processo de criação que
possa ter ressonancia com O contexto atual dos participantes, asSim favo-
recendo seu reconhecimento estético. Vale lembrar aqui, remetendo a Li-

vingstone (1992, p. 7) que a". .geografia. .


.significoudiferentes coisas
para diferentes pessoas em diferentes épocas e diferentes lugares".
Henri Lefebvre ao focalizar o espaço social, argumenta que espaço
não deve ser visto como algo fixo e preexXIstente, mas sim como uma pro-
dução contínua de relações espaciais. Sua visão de espaço social introduz

questões contemporâneasrelativas à coexistënciae simultaneidade, as-


sociadas a uma (relativa) ordeme desordem (1991, p. 73). Para explicar
esta produção social Lefebvre desenvolve o que ele denomna uma "tría-
de conceitual": a prática do espaço, as representações do espaço eo es-
paço representacional.
A prática
do espaço refere-se à produção e reproduço das relações
continui-
espaciais entre objetos e produtos. Nesse sentido, aponta para
dadee coesão. "Em termos deespaço social,e do relacionamento de cada
membro de uma dada sociedade com aquele espaço, esta coesão implica
um nivelgarantido de competência e um nível especifico de performan-
ce (1991, p. 33). Por essa perspectiva, se pensarmos em um determinado
17
O do teatro comunithe:
espaço soCial,por exemplo, espaço
omunitário,
certa continuidade e consenso.
visualizar uma poderíamos
As representaçõesdo espaço estao ligadas às relações de
à ordem que essas relaçoes impoem, portanto, ao conhecimen produção e
nos. e às relações frontais. Elas se rererem, aSsim,
im,ao espaço c Sig-
espaço
dos engenheiros, dos tecnocratas, dosen conceitual-
o espaço dos urbanistas, s,
ros sociais, dos artistascom alguma inclnação cientificat hei-
engenhe
aqueles
aue identificam o que é vivido eoque e percebido com o
que é concehi
do (pp. 33-9). A representaça0 do espaço, nesse sentido,está associads
a0 acesso à lnguageme codigos imperando no contexto desua criacãn
Os espaços representacionais referem-se aos espaços vividos diretas
mente "através de associações de suas imagens e símbolos, portanto. o
espaço de seus moradores e usuarios (P. 39). Eles se referem às
expe-
riências que emergem como resultado de uma relação dialéticaentre a
prática do espaço e os espaços representados.
O cruzamento diferencial de pråticas culturais, representações e
imaginação, segundo Letebvre, leva à concepção do espaço como algo
"construído" através de uma dialética em três mãos: o
percebido, o con-
cebido e o vivido. Aqui, o como uma forma
lugar emerge particular de
espaço, aquela que é criada através de atos de nomear e distinguirativi-

imagens associadas com espaços sociais particulares.


dades e

O lugar representa assim um tipo de espaço distinto (mais ou me-


por, e construído pelas experiéncias vivas
que é definido
nos delimitado)
das pessoas. Nesses termos, o
lugar é visto comofundamental ao expres-
sar um sentidode pertencer (pertencimento) para aqueles que nelevi
vem e é visto também como provedor de um locus para identidade
vivem dentro de um enquadramento
pessoas não de relacionamentos geo
metricos, mas sim em um mundo de
significados.
Para Yi-Fu
Tuan (1983), o "lugar" não tem nenhuma escala Panrti
Cular assoCiada a
ele; o
lugar é criado e mantido através dasligaçocs
Cionais das ara se
pessoas. Usando as noções de topophilia e
topophooiu pa
reterir aos
desejos e temores de pessoas associados com ecífi
ugaico
cOs, Iuanaponta para as dimensões sensoriais, estéticas e do
eno
CSpaço.Esta tradição humanista conceitualizou o sub-
lugarcomo definid
18
ietivamente. Como tal, o que constitui um lugar é visto amplamente como
e significados sejam frequentemente comparti-
pessoal; embora ligações
ihados, umlugar significa diferentes coisas para diferentes pessoas. Tuan
maneira pela qual as pessoas sentem e pensam o es-
considera, assim, a

paço e o lugar; como ambos sao afetados pelo sentido do tempo. Ele su-
a segurança, e o espaço a liberdade: nós es-
gere queo lugar representa
tamos ligados ao primeiro, mas sonhamos com o segundo. A experiência
do espaço e do lugar, para luan, sao todas as formas pelas quais uma
pessoa conhece
e constrói a realidade.
Manuel Castells (2000), ao refletir sobre a cidade como lugar de
moldam o mundo hoje: a glo-
transformação, aponta duas tendências que
balizaçãoeaidentidade-a sociedade em rede traz a flexibilidade, mas
também a instabilidade do trabalho em uma virtualidade real. As identi-
dades coletivas (de comunidades locais) desafiam a globalzação e o cos
cultural. Esse jogo entre
mopolitismo em função de uma singularidade
identidadee flexibilidade permite que um antigo bairro ou uma peque-
na cidade ainda possa ser percebido como um lugar de transtormação,
onde unma rede é criada entre as ocupações presentes e passadas, cons-
truindo uma nova cultura a
partir da história.
A retlexão sobre Os aspectos pontuados pelos autores citados aci-
ma permite identificar questões norteadoras para a condução de um tra-
balho de teatro no espaço da cidade:
1. Uma vez que a percepção do espaço ficcional é reordenada pelo
deslocamento de sua perspectiva, o processo de criação explicita percep

ções pessoais do entorno.


2. As representações simbólicas, decorrentes da investigação cêni-
ca das individuais, significam a singularidade cultural
de um
percepções
grupo em um determinado momento histórico.
3. No espaço vivenciado, realidade e imaginação coexistem; trata-
Se de um e virtual- um local de experiência individual e
espaço real
coletiva; de agência estruturada.
Nesse sentido, a identificação individual e pessoal com o lugarpode
Vvenciada através de uma experiência estética que parta da assO-
r
C1ação entre a cerimônia tetral e a cerimônia social ressaltada por Jean

19
(2009), que
tem em
comum a
Duvignaud identificação e
de solenidade, a presença de atores ou
de um espaço indivíduo
elimitação

dão a ver, e a linguagem poetiCa (extracotidiana). inchued Ao do


que se
de solenidade na realização do trånsito n espec
tacdor no espaço ret
neutralizada (em
termos de disrupção da cena teatral) Dor ser de
acentuado por Duvignaud, quer através dar a
ver" dos atores, de efaie
iluminacão, quer atraves da postura, presença no espaço cênicool
de s
nico e
lingua-
gem poética.
A parceria entre estudantes de teatroe moradores deum
bairro,an-
vila de pescadores ou cidade do estado, em
tiga do interior si já
garantea
associação entre a cerimônia teatral e a cerimônia social. O
contevto
mul-
ticultural de uma cidade, de uma universidade, c também de
antigas
vilas de pescadores, hoje centros turisticos que atraem não só visitantes
como também um crescente numero de migrantes, tanto pela perspectiva
do teatro
quanto da pedagogia aponta para a presença, em cena, dasre-
ferências múltiplas que formam diferentes culturas. Como tal, requer
sejam consideradas alternativas de uma estética teatral
que abra espaco
para distintas vozes sociais e expressivas.
Oprocesso de investigação de um texto ou roteiro relacionado com
o espaço físico onde a cena ira acontecer ressalta a
experiëncia privile-
giada dos locais para a sua composição. A cena, para ser atualizada e
tornar-se viva, precisa interagir com "os fantasmas" da história e doluga
o
que inclui as relações e histórias atuais dos moradores com estelocal.
Para o aluno-ator, um processo de criação, e apresentação,
com não
atores e fora do contexto da universidade
representa a garantia deuma
experiência extracotidiana, de uma ruptura com os códigos
culturais,
tea
trais e
linguagens até então investigadosa interação resultante, ao tor-
nar as
diferenças explícitas, conduz à ressignificação dos lugares,da
hise
tória e das memórias.

E possível dizer
que as experiências de processos interativos eco
operativos de montagem se incluem num sentido amplo de arte
tettt
cujo objetivo é a ênfase no sentido social do teatro
enquanto um aro
capressao em grupo.Referem-se, assim, a uma prática cultural queoper
na ironteira entre a arte teatral e a O
intervenção cultural. acesso atorms
20
de expressáo populares permite os participantes reconhecerem,
reforçarem e desenvolverem seu lugar dentro de uma experiência

Compartilhada,

O sentido de experíênciaimersäo, percepção, memória

Projetos interculturais de teatro geralmente incluem entre seus ob-

jetivos
a realização dc cxperiências.quc.causcm e
impacto, social estético,
em seus participantes, Assim, qualquer encenação teatral que envolva
um grupo heterogênco de participantes na criação e ressignificação da
história e do lugar em que vivem, requer seja considerado o próprio sen
tidodeexperiência-a0 nível do indivíduo e docoletivVo
Em corrente, cxperiência, cnquanto ato ou cfeito
linguagem de
Cxperimentar, significa vivenciar ou sofrer algo, tal como uma alegria
ou
uma do. Mas ter cxperiència também a uma habilidade ad-
se retere

quirida com a prática de uma profissão ou


o exercício constante da arte.
Oidoso tem experiência de vida, é uma constatação comum. No campo
das ciências, cxperiência equivale ao processo de cxperimentação en-

quanto método científico-observações que permitam aumentar


o co-
nhecimento.
No campo da estética, experiência significa a apreensão sensível

de uma de confirmação éempírica.


realidade externa, cuja possibilidade
A "apreensão sensível significa que o significado de uma criação artisti
ca vai além do objeto de arte críado ou percebido-cle exige uma inte-

raçao complexa entre o observador e o observado. O


trabalho artístico

quer seja uma ópera, uma pintura ou uma encenação, para ser apreciado
necessita ser experienciado; esta compreensão, segundo Peter Abbs
(1987) aproxima-se da raiz etimológica da palavra grega aia@netuKi, que
se refere a "coisas
percebidas através dos sentidos". A
relação dinámica
entre
apreensão e sentimentos, diz Abbs, exige um modo ativo decon
templação (p.53).
Entre os filósofos que se debruçaram sobre a experiència estética
no campo do ensino da arte, David Best (1985, 1992), ressaltou,
particu
larmente, os riscos, frequentes nos objetivos
de projetos e seu planejamento,
21

SISBI/UFU
1000426963
a
emOCIonal da experiëncia cognitiva: o
os
de separar experiëncia sentimen-
a razao, enfatiza Best em seus escrito
tos sempre respondem
ritos, uma vez
estão abertos as razoes dadas para ver esentis
que em princípio
A experiencia estética é, portanto ds
balho em diferentes perspectivas.
seu dialogo parece ocorrer em diferentes niveic
lógica em sua natureza,
e observado, entre afeto e cognição, entre suieito ob-
entre observador
as razoes dadas para se perceber ou sentir
ieto. Esse diálogo responde

uma ação de determinada maneira.


ao retletir sobre o assunto no âmbito da edu-
John Dewey, também
atribui sentido artístico à experiëncia, que como criação, é ordenada
cação,
racionalmente e compreendida no contexto em que se desenvolve, através
do pensamento retlexivo.Mas, reconhece Dewey, a elaboração desse pen-
samento reflexivo depende não só dos hábitos cognitivos e dalógica utili-
ZAda como recurso,mas tambem do comportamnento emocional nessa mesma

experiência |.. .o significado de construir uma experiëncia em artes,diz

Dewey, é afetado por suas premissas históricas,


mas em contrapartida, con-
tribui para a revisãoe mudança das mesmas premissas |.. .] qualidade a
do significado depende da particularidade e da natureza contextual da
experiencia. A experiência estética sempre "habita o local"(Dewey, 1980).
Embora sessenta anos separem as afirmações de Abbs eBest de
John Dewey (1934), há paralelos claros entre eles, centrados noentendi-
mento comum de
que uma experiência estética se distingue deoutrosu
posde experiência, por qualificar-se sensorialmente, e por caracterIzar-se
como uma integração entre o indivíduo e o seu entorno.
Que condições seriam necessárias para realizar uma experien
teatral a?
signiticativa,que possa ser considerada uma experiência estea
Walter
Benjamin (1985)contrapõe o sentido de Cxperiência (Er-
Jabrung) ao de vivência ncias
(Erlebnis), observando a pobreza de expP
que caracteriza o mundo moderno, onde tas
nunca se nos passarai
Olsas, embora a experiência nin,
seja cada vez mais rara. Segundo bena
cla,
ao da
de eventos e sensacões. é responsável pela de8a
Saturada

experiência, o que o filósofo analisa


no ensaio "Experiel
Dreza, onde afirma
que aos pobres de experiência resta de de
apacidade
ade
Cagir ao excesso de
estímulos
aCap erni-
fragmentados e desconexos
da l
22
dade, permanecendo no nível mais da consciência, que blo-
superficial
queia seus recurs0s para uma experéncia estética ou poética. Para que esta
aconteça é necessáaria uma interrupçaão; os choques provocados pelo coti-
diano tenso da vida moderna, tal como os traumas para Freud, acarretam
uma fratura na vivência e na linguagem, e convidam a uma parada para
sentir,perceber, pensar e retletir. Nesse sentido, não
apenas o caráter pro-
cessual da percepçáo precisa ser considerado, mas tambémo
papel funda-
mental da memória, uma vez que ela determina, em certa medida, a cons-
ciência da percepção, estabelecendo uma
inter-relação entre o percebido,
a inscrição mnêmica, a consciência e a inconsciência (esta, o aflorar es-
pontâneo de imagens e ações, promovido pela imersão na experiência).
A intençaão de promover eventos de teatro em
lugares significativos
da memória histórica de uma cidade, através da
interação entre estudan
tes e moradores do
local, jáinclui como ponto de uma partida interrupção
da dos fazeres cotidianos, do habitus, do jogo de relacionamen-
rotina
tos na vida de cada participante. O
encontro dos participantes (entre quin-
ze e vinte) no local onde a cena será
apresentada, e a seleção de atoress a
partir da identificação de cada um com a situação e os a serempapéis
interpretados, sem espaço e tempo para combinações e agregação de fa-
miliares e amigos,
amplia a oportunidade e o significado da interrupção.
Entretanto, a interrupção da rotina do dia a dia e o encontro com
um novo grupo, não em si um um
representam impacto (no sentido de
eteito sobre os participantes)-este tem sido observado
principalmente
em decorrência do deslocamento do espaço (uso não usual), do encontro
com o outro, ou do inesperado da
abordagem ou da situação introduzida
(ações ou evidência de uma agenda oculta relacionada com a história e o
lugar). E este impacto inicialque retém a
atenção do grupo e provoca sua
1mersão na
experiência a ser iniciada.
A imersão sinaliza assim o gesto de interrupção que vai determinar
a
qualidade de uma experiência e desencadear o processo de criaçao. Imer7
sãovem do latim immersione-ato ou efeito de imergir, mergulhar, en-
contrar-se submerso, envolvido. No
campo do teatro os ambientes imer-
Sivos são estimulados
a fim de provocar mergulhos perceptivos, que
Cmulam os sentidos e
provocamo engajamento com outra realdade.
23
possibilidade.
O clemento deflagrador destainterrupçãoe lidadedeime
decriaçao, foi VIsto por Heideoe
são, em
uma experiencia m
gol
causado pelo contato com uma obra de arte; o ne
um impacto Pho
Benjamin, reporton d
be,
e, em vez
de nao ser.
fato de que a obra eud,
de choque, necessaria a politização da Dercenat
introduziu a noção
intensa e produtiva deve envolver o indivíduo Drofvdl
esta para ser nda-

mente, a ponto
de transformar seus habitos. Para ambos, experidn a in
como uma experiencia de estranhamento que exige um
estética aparece
e de readaptaçao. Mas,segundo Gianni Vatti
trabalho de recomposição

mo (1989, p. 71), "tal trabalho não visa atingir uma recomposição total
ao contrário, a experiencia estetica
e dirigida para mantervivo o desloca-
mento. . .] tanto Heidegger quanto para Benjamin, o estado de
para
deslocamento é constitutivo e não provisório.
Em teatro, o sentido de experiência viva e o ambiente de imersão
incluem a de uma ambientação que estabeleça um pano de
construção
fundo para a interação dos atores e um espaço físico e ressoante para críar
um universo no qual o texto nao e somente visto ou ouVido, mas Sim expe-
rienciado, quer cena seja sobre o ambiente retratado ou
a experiênciauma
ambientais. Isto é intensificado seoslugares
ressaltada
pelas condições e
situações selecionados tiverem uma rica significação simbólica. termos
Em
ficionais, implicaria o queJanet Murray (1997, p. 139)descreve comosendo
pelos papéis virtuais em ambientes convincentes: "asexpe-
a
força adquirida
TICncias dramaticamente mais satisfatóriassão aquelas que encorajam O pau
ticipante a aplicar/relacionar pensamento do mundo real ao papel virtual
A significância simbólica
de um lugar e sua potencial teatralidade
nao depende de formas
representativas de eventos passados, masdc
gCnsesentimentos direcionados ao próprio lugar. ruptura dasformas A
familiares de olhar
para um lugar geralmente os pressup
derruba
CnvolvidoS nas formas de
percebe-lo, Nessas circunstâncias é possiv
Ver
tanto um teatro sobre um in-
ambiente ou uma experiëncia te
Tensiticada
por condições ambientais, sem o risco dejulganct morais,
discursos

que o conceito de

24
didáticos ou
laudatórios.
Richard Schechner
(1972), ao discutiro teatro ambienty
teatralidade implica a
ressignificação cdos
i
dianos da vida a fim de estabelecer uma nova relação comomundo. Este
ele diz, quando se reconhece que isto tem av
procedimento e pOSsivel,
com a construção de uma realidade de ficção -quertransformando o
em espaço ficcional, ou modificando o espaço teatral a
espaço cotidiano
fim de aproximá-lo do espaço ficcional.
Nesta direção, as noções de experiência, interação cénica entre ato-
res e moradores deslocamentos, ressignificação, teatralidade, e,em
locais,

decorrência, o jogo entre o real e a ficção,


conduzem a ações predominan-
e in-
temente centradas na imagem e na ação coletiva (coro,cerimônias)
dividualizadas (respostas pessoais ao contexto ficcional).' interação entre A
o histórico (do lugar e da situação)e a ficção, entre a descrição e o jogo de
e linguagem, e a ênfase em um pro-
ações, os deslocamentos do espaço
cesso que explicitasse opiniões contrárias, será visto aqui
como pOSSibili-
e de uma pe-
dade para o desenvolvimento de uma estética do dissenso,
a cena aberta
dagogia voltada a uma políticado
etcétera que mantivessem

dos atores e do
público.
opiniões divergentes
ao de
O
sentido de experiência, ao ser associado fluxo interações

entre o real e o ficcional, faz atlorar várias atualizações


da memória- na
a uma narrativa,
dimensão individual, coletiva e históricaem direção
o de interações
que não sendo editada permanece disponível para jogo
com o público.

Memória e Percepçãoimplicações metodológicas

memória é a fonte do trabalho do ator como impulso, como


A -
de ideias e temas; ela introduz a interação
motivação, como associação
entre passado e presente, e aponta para o futuro.
a
Segundo Henri Bergson (1999, p. 31), memória, enquanto
reco

com uma camada de lembranças um fundo de percepção imediata,


e
bre

consideradas como eventos, embora


1 As quatro edições do "Trânsito"foram
no de análise
tenham sido consideradassuas
às suas realizações
posterior análise nessa
inserção de uma
processo
A não
aproximações com o teatro performativo.
como tal, a época, nem
direção decorreu do fato de não terem sido percebidos essa
de novas competências do ator, condição
remeterem ao desenvolvimento
Tessaltada em entrevista a Sala Preta, 2009.
por Josette Féral,
25
contrai uma multiplicidade der
também enquanto moment0s,
da consciência individual na constituia
Drincipal contribuição
a memória a noçao de recordaçao,a memória
percepção.
nfrapõe Bergson
não cons
o
gressão do presente para passado, mas, ao contrário, no nro na

passado ao presente.
E no passado que nos situamos de chofre p
de um estado virtual, quepOuco a pouco, atraves de uma série mos
denlanes
de consciência diferentes, vamos conduzindo ate o termo que ele set
ma-
terializa na percepção atual.

Este percurso da memória,Segundo Freud, não enfatiza


apenas o
caráter processual da percepçao, mas tambem a necessidade lógica
de
percepção e memória se excluirem de maneira reciproca, uma vez queo
aparelho psíquico deve dar conta tanto da permanëncia dotraço, quanto
da possibilidade infinita da recepção de estímulos.
A percepção, assim,
supõe a memória e o esquecimento, inclusive o "percebido"só sedáaler
no passado, depois da
percepção.
Este entendimento da
reconstituição do passado a partir das per-
cepções do presente são fundamentais para o sentido da experieência,e
estão na base do deslocamento anunciado
por Benjamin e Heidegger, e
do fluxo contínuo das entre o real e o ficcional,apontadas ac
interações
ma por Murray, como aquelas que tornam a
experiência dramática mais
satisfatória.

Que implicações metodológicas a interdependência eexclusaoentre


percepçao e memória trazem para a em drama e
investigação narrativa
teatro?

egundo Connelly e Clandinin, os pesquisadores que focalizam


narrativas costumam "descrever vidas, coletar e contar
histórias devida,
narrar
experiências" (1990, p. 2). Esta duas
definição, bem ampla,reve
POSSibilidades: in-
investigação de narrativas, e narrativas
comojornu
teatro, no
Destigação.
Exemplificando estas possibilidades no
campo do
primeiro caso se incluem as
investigacões de textos, fragmentos
depoimentos e es
entrevistas, com o obietivo de levantar temas
para posterior
investigaçãoatravés de hendo a
ndo a si
st
POPio, 0 outro, as improvisações,per
Caso se ações emergentes ativadas segundo
inverte a pela memoria,
fluxo de inte
ações e
situação-a narrativa
26 resulta dasaçO
racões de um grupo de pCssoas, n0 aqui e agora" de uma experiência
coletiva, ou seja, das percepçoes tornadas conscientes pela
ativação da
memóia.
Nas duas possibilidades a memória habita dois campos distintos
da investigação narrativa: o das ciências sociais e o dos espaços artísticos.
Para Donald Blumenfeld-Jones (in Hatch &Wisniewski, 1995,p.
31) "fidelidade e credibilidade, em vez de verdade, são os critérios apro-

priados para julgar tanto a arte quanto a investigação narrativa". A


fideli-

dade é caracterizada pelo autor como intersubjetiva (obrigações entre o


narradoreo receptor), e como ressonäncia entre história narrada e seu
a
contexto sociocultural. O contar é assim uma reconstrução pro-
histórias

posital de eventos tanto pela perspectiva do narrador quanto do 1nvesti-


gador ou receptor. Este fato liga o contar histórias, e em decorrêência o

coletar memórias, ao fazer artístico.A credibilidade da narrativa está as-

sociada ao ser convincente, à possibilidade de que os eventos narrados

sejam percebidos (sentidos) pelo receptor da maneira pela qual o narra-


dor os está afirmando.
Nesta perspectiva Connelly e Clandinin (1990) se referem aos pes-

quisadores e aos sujeitos da pesquisa como "contadores de histórias" e


"personagens", respectivamente. Essas denominações, segundo eles, não
são metáforas acidentais, mas sugerem que os investigadores de narrati-

vas deveriam encarar sua pesquisa como uma reconstrução estética da


vida de uma pessoa, e a ação do pesquisador de forma similar à do artista
que toma uma situação e a reconstrói a fim de lhe conferir significação.
Madeleine Grumet (1988, p. 66), por sua vez, ao considerar a pes-
quisa autobiográfica uma forma de investigação narrativa baseada
em
memórias, afirma que a fidelidade, e não a verdade é a medida dessas
histórias. A como sendo o fato que ocorreu na
autora considera a verdade

situação narrada (a verdade do assunto narrado), e a fidelidade


como sen-
do o que aquele fato significou para seu narrador (fidelidade para com o
que aconteceu com aquela pessoa). A verdade considera a situação um
objeto, enquanto a fidelidade é subjetiva.
segundo Blumenfeld-Jones, é um critério que engloba
Fidelidade,
e de
taieticamente as noções de verdade objetiva (um valor positivista),
27
(valor esteticoeparte da
interpretação subjetiva investigação qualitar
de diz ele, implica uma
memórias,
va). A investigação perspectiva
moral
sua historia
andoum narrador conta a receptor, seu valow a
Vas, por Outro lado, pode-sefalar na
dade devem ser preservados. fideli-
como contexto em que ocorreu a
dade do narrador para tuação na
como uma obrigação entre
Afidelidade se caracteriza, dessa maneira,
duas dimensöes do Drohlen
artes,
"entre se retere a estas
O estar
laco intersubjetivo
entre e
o narrador original e oinvestigador, entre estes
A dificuldade esta em manter fidelidade àhis
eo contexto da narrativa.
de unm narrador e aquilo que este narradorfoiincapaz de
tória pessoal
a história e seus signiticados (o contexto no qual ela ocor
articular sobre
o que o narrador origunal contou de sua história está as-
Além disso,
re).

sociado aos seus objetivos


ao contar aquela história. Isso revela que o
Para tornar a situaçãoain-
ele narrou foi também uma reconstruçä0.
que
deve lembrar que eletambém tem in
da mais complexa, o investigador
e está reconstruindo a história.
tenções
fica dessa forma situada entre inten-
A investigação de memórias
isto a situa como processo artístico. O apela àme-
ções e reconstruções; a narrativa nafronteira
moria, em processos de drama e teatro, mantém
pela mobilidade da significação.
entre o real e o ticcional, e é responsável
mostra
Ricæur (1984). ao analisar a relação tempo0-narrativa,
Paul
uso denarratvas reapresentam
Como investigadores e artistas que fazem
a experiência humana.
a realidade em forma de símbolos que englobam
mimesis aristotélicos para discutr
Ele desenvolve a ideia de mythos e
Para tanto, lembra que Aristote-
esta dimensão metafórica da narrativa.

les e critico à noção de enredo como


uma série de episódios desconectu de
uma coisa por causitu
dos. Uma coisa após outra (episódio) significa
do enredo na narrativa cst
o autor, a inteligibilidade o
outra (enredo). Para
do singular;
nas conexões; surge do acidental, assim comoo universal
evento
do episódico. Ao mediar osdois polos: cv
necessårio e o provável
realidade) e história (arte), o enredo faz emergir uma solução que oPex na
bascada
história esta
tica em si. Ricceur argumenta que uma boa
da experiência, eo cstu
"entre
periencia; daí a qualidade pré-narrativa
vínculos.
O
contexto
do investigador, que reconhece, constrói e estabelece
28
e as "histórias ocultas" subjacentes à história sendo narrada são
sempre
articulados por signos,regras e normas. Ambos estão delimitados
pelos
símbolos através dos quais nós representamos a nós mes-
experiência para
mos. Estes símbolos são culturais, e isto como a arte não é
nos revela
e
produção única livre do indivíduo, mas sim de um ser cultural que vive
de uma determinada forma dentro de limites culturais.
A credibilidade advém da
possibilidade de o público estabelecer
uma ressonância entre a narração e sua própria experiência de
situações
similares, paralelas ou análogas. Não é necessário o
que significado seja o
mesmo estabelecido pelo autor
original; isto éo que provê à arte o poder
de redescrever a realidade. Além da credibilidade o
público deve ser
paz de achar que a versão do artista, ou do investigador, pode ser útil ou
signiticativapara redescrever suas próprias situações.
Memória e credibilidade tornaram-se conceitos-chave na esfera
pe-
dagógica. A construção de narrativas e o contar histórias são gêneros as-
sociados no campo da experiência viva do ensino. Ao mesmo
tempo, o
uso de histórias pessoais, na mídia em geral, exige uma
atenção especial
para esta questão. Memórias e histórias tornaram-se um padrão cultural
emergente das sociedades e economias contemporâneas. A lógica cultu-
ral do capitalismo tardio, diz Denzin (in Goodson, 1995), valoriza a his-
tória de vida, e o documento
autobiogråfico porque eles mantêm vivo o
mito do individuo livre e autönomo. Este crescimento do "contar
histórias
está se acentuando na mídia com a promoção de histórias mais pessoais.
Isto coloca a questão sobre a
que interesses essa mudança em direção ao
conhecimento pessoal correspondem. Afinal há um custo operacional con-
Siderável em um contexto onde o fator é reduzido e onde há cada
tempo
vez menos espaço para análises de cunho político e social.Michael Igna-
tieff (in Goodson, 1995, p. 90), escreveu nojornal The Observer:"Tudo o
que nós jornalistas pretendemos informar é vão, a mídia não é um negó-
intormação, é um negócio voltado à narração de histórias".Ele lista
C1o de
então as evidênciase conclui
que o preço pago para isso é que as pautas
sobre histórias
pessoais e anedotas substituíram as analises culturais. A
é um encolhimento da imaginação social; em vez de uma
consequéncia
genuína, temosa entrevista com o assassino, o perfil da
Curiosidade social

29
aidia e a fofoca do dia. As razoes para a promoção de anedotac 1
rias pessoais, acrescenta 1gnatieir, sao culturais, políticas histó-
se
e
economicas, e se relacionam com padrões também
emergentes deglobalizacãoe
alização e
Corporativismo.
Entretanto, se a mídia emprega histôrias para reduzir esnas.10
e cultural, isto nao enfraquece o valor da
análise política narrativan
texto educacional. E necessário refletir em dois åmbitos:
primeiro, sea
histórias são usadas de uma certa forma na mídia, é possivel que
uncio-

nem da mesma forma na årea pedagógica? Em


segundo lugar,a forma
contamos as historias de nossas vidas reflete ocontexto cultu-
pela qual
ral emque vivemos? Portanto, as historias precIsam serinterrogadas e
analisadas em seu contexto soCial, pois sao veiculos de agentesdedomi

nação. Histórias de oposição são raras. Quando se pede a alguém que


narre sua história de vida, sua memória é ativada porhistórias formas e
de contar histórias preexistentes, mesmo que estas sejam em parte modi-
ficadas pelas circunstâncias.
Assim sendo, o uso de histórias no contexto pedagógico precisa tor-

nar-se parte de um projeto amplo de reapropriação. Não ésuficientedi-


Zer que "queremos ouvir as pessoas", "capturar suas vozes", "deixá-los e
contar suas histórias". E preciso uma colaboração bem maisativa.
Sue Middleton (in Goodson, 1992,p. 19) afirma que "professores
e alunos devem analisar as relações entre suas biografias individuais,even
tos históricos, e as limitações impostas a suas escolhas pessoais por rela

çoes de poder tais como classe, raçaegênero. E necessário retomar a dis


tinção entre "estórias de vida"e "histórias devida".25 As histórias
deviak
olabo-
Sao um caminho mais produtivo e significativo para trabalhos em coldb
Pa
e intercontextuais. Investigar "estórias" irá apenas fortalecerosHas
Taçao
ser"1ocal
drões de dominação. As histórias, ao contrário, podem
Vistas como sua locação dentro de
construção social impregnadaspor
truturas de poder e contexto social.

de "histo
2,3 Mantive aqui a discriminacão da ortografia anterior
estabelecer maior clareza a distinção entre story e history.

30
Mobilidade da significação e articulação de diferenças

Henry Giroux argumenta que é através da associação entre os me-


lhores insigbts do modernismoe do pós-modernismo que os educadores

podem aprofundare ampliaro que se entende por "pedagogia crítica"


(1991, p. 27). Segundo o autor torna-se necessário combinar a ênfase
modernista na capacidade de Os individuos usarem a razão crítica para
resolverem questões da vida pública, com a preocupação pós-modernista
de possibilitar que sejamos agentes em um mundo constituído por dife-
renças não sustentadas por fenômenos transcendentais ou garantias me-
tafisicas. Dessa forma a pedagogia crítica pode ser reconstruída a fim de

abarcar tanto a transformação quanto a emancipação.


A partir
dos anos 1980 as noções de transformação e emancipação
incorporaram posições teóricas variadas, que diferem quanto à metodolo-
giaeà orientação ideológica. Mas,deforma geral, se desenvolveram como
uma prática cultural entendida também como um empreendimento polí-
tico e social. Assim sendo,essa prática questiona formas de subordinação
que relegam a diferença como um objeto de opressão.
e rejeita relações

Ao ter como objetivo formar cidados críticos em vez de "bons" cidadãos,


pedagogia críticavê o professor/diretor como um intelectual transforma-
a

dor,que torna a noção de diferença democrática o centro de sua prática.


E baseado nestes princípios que Giroux
propõe uma pedagogia
pedagogy)' de resistência pós-moderna. Seu objetivo é re-
radical (border

definir a visão tradicional


de comunidade, linguagem, espaço epossibil1-
dadeao cruzar as fronteiras que territorializam as configurações da
Cultura, do poder e do
conhecimento, esta proposta oferece a possibili-
dade de um
engajamento com as referências múltiplas que constituem
Os diferentes
códigos culturais, experiências e
linguagens.
O cruzar de fronteiras não é
apenas fisico-trata-se aqui de fron-
teiras
culturais, construídas historicamente e organizadas socialmente a

A cxpressão inglesa border pedagogy traz em si a ide1a de transposiçao de


CS, rompimento
prejudicados
de barreiras ou cruzamento de fronteiras, aspectos conceituais
pela tadução brasileira
"pedagogia radical
31
partir de regras que limitam ou favorecem dcterminadas identidades. ca-
individuais e formas maneira o cruzamento
pacidades sociais. Dessa das
das
fronteirasde significados, mapas de conhecimento, relações sociais
va- e
lores são negociados e reescritos à medida que os códigose
regras queos
organizam são desestabilizados e
reformatados.
O campo pedagógico e
cultural passa a ser tecido com a mudança de parâmetrosde lugar
e
identidade, história poder.
A percepção crítica é assim ampliada pelas vivências diferenciadas
que garantem um canal para evitar a reproduço cultural e social deum
modelo específico. O risco de um modelo, no
campo do ensino deteatro é
a adesão a uma determinada estética e o decorrente afastamento dasin-
vestigações e inovações do fazer teatral contemporâneo.
Eco argumenta em The limits of (1990,
interpretation p. 109)que
ao selecionar convenções e signos e ao estabelecer relações intertextuais
os atores estão lidando com ambiguidades e oferecendo um
amplo espec-
tro de conotações, sugerindo mais do que é realmente falado ou
isto é,
demonstrado. Uma vez que cada elemento no
palco torna-se significante,
codificação ideológica do texto estará sempre em
presente, decorrëncia
de seu
aspecto coletivo e da multiplicidade de seus signos e
convenções.
Além disso, como a cena apoia-se fortemente no
movimento e na visuali-
dade, com frequência as únicas formas através das quais as
são codificadas,a fluidez das
mensagens
imagens torna difícil captar o todo (denotação
e
conotação), o que representa uma limitação em
termosdeinterpretaçao.
Por um lado, a leitura da cena será
sempre mediada pelo seu en-
quadramento, o que permite a de
bais, e abre
interpretação
espaço para a inferência
seus
a
signos Visuais ve e
sempre que informação queeics
ofereceme associada ao
conhecimento anterior do leitor. De
Eco, "o viés acordocom
ideológico do leitor entrará no e a
jogo ajudará
1gnorar a estrutura desvendarO
ideológica do texto"(Eco,1979, 22).
For outro p.
lado, como a
interpretação não é neutra, ela
valores reflete os
operando na sociedade torna evidente a es-
pOsta coletiva e distinção entre res
resposta singular por leitores
evitar a individuais. Permite ass
imposiçãode interpretação por
parte do diretor ou tor
sobre os demais. un ade
32
Seria possível introduzir contexto e circunstâncias sem induzir umna

interpretação?
O espaço para a voz social e expressiva de cada participante na

configuração da experiéncia (processo e apresentação) pode representar


uma maneira segura e democrática para o acesso às diferenças e para ler
o que está atrás do texto. Como tal, abre caminho para descortinar a agen-

da oculta, ou seja, os aspectos das ações e atitudes cotidianas que influen-


no trabalho coletivo. A agenda
ciam a recepção individual e estão presentes
oculta, tal como entendida neste contexto, são as
mensagens inesperadas
estrutura fisicae soCIal do grupo, ou pelo processo de mon-
expressas pela

tagem em andamento. Em
ambosos casos ela inclui o que não está escri-
to, o disfarçado, implícito, não estudado; assim, comporta duasideias: ad-

quire-se conhecimento através da experiência social do grupo, e através


das ações imprevistas.
Desvelar a agenda a mudança,
oculta significa abrir portas para

mas também introduzir o risco de conflito. A suposição de que as dificul-


dades de um trabalho coletivo residem enm negociações que implicam uma

agenda oculta, e que o conflito emerge das tentativas de conseguir con


senso, justificapriorizar a diversidade como foco coletivo.

Aqui a contribuição teórica de Wolfgang Iser ao entendimento doo


jogo no texto e na cena pode ser considerada. De acordo com Iser nós
não podemos encontrar um significado fixo em artes, portanto nossa ta-
refa não é achá-lo. Nós criamos
signiticados com o apoio do texto.
A criação de um trabalho de arte tem dois polos: o artístico (o tex-
to) e o estético (a realização do texto pelo leitor).Entretanto, o resultado
não é idêntico ao texto, nem à sua leitor-ele se situa no
realização pelo

espaço intermediário. Ele não pode ser idêntico porque cada texto tem
uma parte não escrita (ou não falada), os vazios do texto, os quais preci
sam ser preenchidos pelo leitor. Os vazios permitem diferentes leituras
do trabalho, as quais não são compatíveis e requerem um enquadramen-
to a fim de serem associados. Porém, ter um enquadramento no signitica
Identificar seu
significado. Assim como o autor seleciona partes da reali-
dade para incluir em seu texto, o leitor seleciona partes do texto para
focalizar em sua interpretação.
33
DE UBERLANDIA
UNIVERSIDADEFEDERAL
RIRUQTECA
Em Teatro e na Literatura .
a função do leitor tem sido
filosóticas e metodos, e vista con investigada
NAr diferentes escolas como
o desenvolvimento
de qualquer processo artistico umafundamental
vez que é
para
critica e potenciais mudancas.
éaa
base para a apreciação
tem a ver com um
Em geral, o foco no leitor deslocamento das
em c a0reconhecimento darela
a autorreriexao
humanas direço

väncia do contexto.
Em particular, ele representa um caminho seoiro
individuais e pessoais em Pra
focalizar as interpretações trabalhosdegrupo,
comoserá visto à frente.

Este entendimento é comum aos modelos interativosdeleiturada


os quais representam opensamento atual sobre a
Psicologia Cognitiva,
natureza do processo de leitura. De acordo com Harker,"enquanto estes
modelos variam amplamente em seus focos especiticos e na evidência

empirica sobre a qual se baseiam,


eles compartilham ponto o devistade
que no processo de leitura as informaçoes baseadas no texto eno leitor,

relacionam-se interativamente para limitar e aprofundar a influência de


cada uma na determinação do significado" (Harker,1992,p. 33).
Apesar das diferenças entre seus métodos deinvestigação, argu-
menta Harker, as teoriasda Recepçãoe da Psicologia Cognitiva fazemduas
atirmações que são particularmente importantes para a área doteatro:
Ambas concebemo significado como resultante do engajamento
ativo do leitor com otexto;
Ambas afirmam que o leitor dá significação ao texto nomomen
to de seu com ele, sem negar a importância de encontros
engajamento
anteriores deste leitor com o mesmo
ou outros textos.
Fara o ator e
para o espectador é o contexto de uma ação que to
na possivel a nto
interpretação de seu significado, e a seu reconhecu
estetico. Em
decorrência, o envolvimento emocional do ator com u Ppro-
Cesso de investigação cênica 01S
requer uma contextualização continud, Por
o de
significado uma ação corresponde ao contexto em que ela
ocom
Nesse sentido, o
ae continuidade
movimento da significacão inclui momentos
e de ruptura. forma de entender e VISua
Uma este
a
movimento está na sua
Cena de um lado associação ao jogo. O
jogo do texto
de
confirmame de outro cultura
cultural
questionam a identidade
34
do leitor; identificam e diferenciam julgamentos e práticas; refletem uma
sensibilidade preexistente,
abrem o campo do olhar ao introduzir voca-

bulárioe conceitos delimitam situações, mas também as desconstroem e


reconstroem. Ojogo da interpretação pode assim ser visto como uma me-
táfora a mobilidade da significaço do texto e da cena.
para
De forma mais que o movimento que o
especifica, pode-se dizer
de um texto dramático ou de um texto cê-
iogo introduz à interpretação
nico é provocado pelas formas distintas
em que é estruturado:
O
jogo para introduzir conflitos devaloreso leitor/espectador
decisãoe esta pode não ser definitiva;
precisa tomar uma
As ações são aleatórias eimprevisíveiso horizonte
de expec-
tativas do leitor e/ou espectador é quebrado e a interpretação
oscila en-

tre o velho e o novo;

Ojogo pretende ser uma cópia de algo real se


baseia em umn

No entanto,
a reprodução
fato real reproduzi-lo mimeticamente.
e tenta

a vá além das referên-


apresenta furos que permitem que interpretação
C1as do que é lido ou observado

pela subversão aos padrões da relação perso-


O jogo é revelado
Isto é, se baseia em deslocamentos onde o persona-
nagem-espaço-ação.
gem não condz com o espaço ou a ação e vice-versa.
A estrutura dojogo estabelece,assim, tanto as condições (contexto,

estimulo) quanto os limites (regras) para a sua própria realzaçaäo,


e pode
ser observada quer no texto ou na cena.

OJogo do Texto inicia com interaçaão


a autor-texto-leitor. Afirma-se

aqui a ruptura com


a noção tradicional de representação, uma vez que a
mímesis inclui uma realidade "a ser representada". No entanto, mesmo
no sentido aristotélico, a função da "representação" é dupla: tornar per-

ceptívelo mundo representado ("as formas constitutivas da natureza );


completar o que este mundo deixara incompleto. O processo deperceber
"o
mundo e "completar suas ausências" fazem a balança pender para a
apresentação em vez da representaçao.
A interpretação ser predeternminada pelo texto. Ojogo do
deixa de
Texto passa a ser observado o
por perspectivas distintas: JOgo da linguager
a busca do significado a partir do cruzamento entre o entendimento
35
o do
deslocamento daexneriA.
cemânticoe conceitual; jogo
a distin tas de acordo coexperiëncia-ocomo
se levando interpretações contexto
o jogo de ultrapassar limitações. frar emquea
linguagemé explorada; anspor
frontei-

ras, visualizar transtormações.


no texto, é dado assim nol.
O movimento da significaçao,

significante-figuraçao.
O
significante,
ou seja, a denotaçao, ao elação
setransfor-
totalmente sua funcão
mar em figuração não suspende original;, há uma
e ou
OScilação entre denotação figuraçao, entre acomodação assimilace acão
(se formos considerar
esse movimentopela perspectiva dePiaget)
Essa oscilação ou movimento de idae vinda na comunicacão é hi
coexistencia do mutuamenteexclusivo.
sica para o jogo e permite a
isso ou aquilo?
O Jogo da Cena é o jogo da atuaçao; focaliza a interação doator
com a
linguagem do texto
(entonação, inflexão, tempo, ritmo, etc.), com o
texto no espaço (dirigindo o olhar para suapresenga cenica), com espec- o
tador (este, ao olhar a cena, identifica e seleciona os signos visuais e
bais que lhe dão significação, interferindo dessta forma na
cena). Em pro-
cessos de montagem o jogo permite explorar e visualizar a personiticação,
a
observação da diversidade e a quebra de consenso deforma organizada
ecrítica. Se a tensão introduzida pelo contexto da ficção gera aenerga
para o processo de investigação, a inclusão dojogo permite odistanciamen
necessario para
que os particpantes percebam a relevaänciado matci
to

sendo explorado. A tensão inicialusada


para introduzirogrupo noconte
to da
ficção é logo superada pelas ideias que esta gerou nos particpante.
O trabalho físico e mental de descobrir e
criar conexões, ressona
C1as e narrativas a
partir da justaposição e reordenaçãodo Cru ento

espaço-texto-históriasindividuais-histórias daspersonagens, faz sig-


emergu
nificados abertos a
múltiplos níveis de interpretação. Atextura do pro
Cesso ou do
contém descontinuidades detempo, Iuga
espetáculo
a
terização e narrativa. A para
inclinação maior para a presenga
TCpresentação dependerá do contexto e das
circunstänctas
explo
gos
Odem ocorrer
em um mesmo processo-de drama ou dc ogos
drais. Este tipo de estrutura pode ser associado à noção decondu5
dade
desenvolvida por Barba e
Savarese:
36
os vários fragmentos, imagens, ideias,vivem no contexto em que os
trouxemos à vida, revelam sua própria autonomia, estabelecem no-
vos relacionamentos, e se conectam com base em uma lógica que
não obedece à lógica usada quando os imagnamos e buscamos. E
como se laços de sangue ocultos ativassem posibilidades distintas

daquelas que pensáramos ser üteis e justificadas (Barba &


Sava-

rese, 1991, p. 59).

A enfase no sensorial e no engajamento emocional leva à busca de


visibilidade e permitam o envolvimento pessoal e
estratégias que deem
fisico com a intertextualidade da narrativa.

A apropriação e reconstruço do texto, pelos participantes, impli-


a incor-
cam sua para questões que Ihes sejam significativas,
atualzação
de refletir sobre seus signi-
poração da dimensão pessoal, a possibilidade
ficados ocultos, padrões de comportamento e aspectos da identidade.
Oprazer do jogo é o prazer
do movimento da significação. possí- E
vel considerar que cenas e personagens construídas em colaboração ex

pandem os limites da subjetividade.


Um sujeito coletivo não está
ancorado em uma subjetividade in-

dividual preexistente; ao depender das contribuições de muitos sujei-


tos ele passa a criar um novo referencial e a influenciar o desenvolvi-

mento de ações posteriores desse coletivo. Nesse sentido, o jogo do texto


e da cena abre espaço para considerar a diversidade no processo de sig-
nificação.

Teatro como Cultura eTeatro como Pedagogia

Todo conhecimento, na medida em que se constitui num sistema


de significação, é cultural. Educação e Cultura ensinam a ler o mundo,
interpretá-lo e transformá-lo. Na esfera da educaço
este processo pe-

dagógico é explícito-no campo escolar o curriculo listae descreve os


conteúdos e objetivos de ensino; no campo familiar e social, códigos e
Tegras säo objetos de ensino. Na esfera da cultura, formas artísticase de
Cueretenimento se configuram como conhecimentos incorporados que

37
das pessoas e Suas
in fauenciarão
ue
o comportamento expectativas.
cultu-
A
in
nao explicito, mobiliza co
um processo pedagogico sonhos e
ra como imagi-
maIs for inconsciente
nação, e
é tanto mais eficaz quanto
Educação e Cultura,
vistos pelo
Entretanto, ângulo deum e

lo eda de entretenimento, trazem o risco da reproducão


indústria
do
a da história, dopodere da
imobilismo. Ao estruturar linguagem feren-
introduzem um que tal como conceituado por P Te
babitus cultvvado,

Bourdieu, é entendido como a maneira pela qual os valores, as formas de


percepção dominantes incorporadas pelo indivíduo, determinamsua per-

cepção do mundo
e regulam sua prática social.
A ação cultural e pedagógica, ao se propor a investigar que está o
por trás da história e ao inserir possíveis deslocamentosdo olhar repre-

quebrar ou deslocar o habitus.


senta uma das possibilidades de
E possível associar esta
concepção do teatro como pedagogia ecul-
tura à ação de teóricos e diretores, na história do teatro,
quefocalizaram a
preparação do ator,propondo como um dos objetivos a tomada de
cons-
ciência acerca dos clichês e dos de
padrões comportamento que Ihessão
automáticos.

Etambém que Reich chama atenço para tatode


neste sentido
o
que
osmovimentos e comportamentos humanos são limitados por "cou
raças
bloqueios musculares resultantes desucessivas
repressoesen
nossa E é a partir desse entendimento
formação.
ator que sereconhece qu
precisadissolver suas
couraças através deum trabalho fisico que VISe
aexploraço de novas possibilidades de movimentos.
Grotowski e Barba,
Jugar,
busque o
por exemplo, propõem que o ator, em pru meiro
CO
descondicionamento muscular em relação åasteca
omportamento
dasno palco) que e
automático do ator) extracotidianas(adquiiri-
surgem naturalmente no do ator.
1as e
preciso também o jogo deimprovisaçao
descondicionamento
ciasde
arrativa cènica
de TVe
cinema realista estéticorerci
teriores com
teatro-só a partir deste hegemônico expei e
eriências an-

a propor a
diagnóstico seria poss
possível
investigaçãocoletiva
A prática centrada em novas
vas formasde

de cultural como
formas deespet
petáculo.
espeta
na noçao
poder textual,
conceito
prática
pedagógicacoloca ênfase da
38 introduzido por Robert Scholes, no
por Robert
Scholes,
pedagogia radical (borderpedagORY). Segundo Scholes, a prática de focali-
zar a textualidade em vez do texto, considerando-o em termos históricos e
temporais, permite que o aluno le1a o texto, sobre o texto e contra o texto.
Ler o texto signitica identiticar os códigos culturais
que estruturamo tra-
balho do autor. Mas,para sua percepção crítica,é importante
que os alu-
nos tenham a oportunidadede recontar a história, sumarizá-la e
expan-
di-la. A interpretação, segundo Scholes, o texto através das
implica ler
diversas interpretações que representam um segundo comentário sobre
este texto. A tarefa
pedagogica está em ajudar o aluno a analisar textos
dentro de uma rede de relações com outros textos e práticas institucio-
nais. Isto levará o aluno a quebrar os códigos culturais do texto através
da afirmaçao de seu
próprio poder textual e a analisar o texto em termos
de suas ausencias, levando-o a desenvolver uma posição tora das suposi-
ções contidas no texto original (1985, in Giroux, 1991,p. 28).
Outros dois aspectos são acrescentados por Giroux, como centra1s
àuma pedagogia radical deresistência.Em primeiro lugar, o reconhecimento
de que a produção de significados está atada ao investimento emocional
e à produção de prazer. E necessário, portanto, incorporar à pedagogia a
compreensão teórica decomo a produção do significado e do prazer estão
interlgadas, e revelam quemo
aluno e, como ele ve a si proprio, e como
ele
projeta
seu futuro. Em segundo lugar, a produção do desejo decorre
de como o aluno medeia, relaciona, resiste e cria formas culturais e formas

de conhecimento. E neste contexto que a pedagogia radical (borderpeda-

gOgY pode ser compreendida como contramemória (counter-memory).


Deleuze e Guattari (1986)indicam como o pós-modernismo pro-
voca um
processo de desterritorialização através da quebra das grandes
de destami-
parte da perda da certeza, da experiência
narrativas. Isto faz

liarização, do deslocamento da identidade. Deleuze (2006,pp. 30-1) re-


laciona esta questão de fundo com a análise do teatro enquanto movi-
mento real de todas as artes que utiliza. Este movimento, para ele, é a

5A tradução para o português, embora seja a forma pela qual abordagem


a
iroux seja conhecida localmente, não dá conta do sentido de fronteira e limita
Sua
associação imediata com a democratização da diferença, aspecto que quero
aqui enfatizar.

39
não como ensai0, mas como preenchimento do
reneticão,
vazio do
como ele é preenchido, determinado por
na maneira por espaço
signos e
nor meio dos quais o ator desempenha um papel que desem máscaras

tros apéis; a repetição


como algo que se tece de um ponto ampenha ou-
outro
em si as diferenças. O teatro da Com
endendo repetição opõe-se ascim
a0
oatro da representação, diz DeleuzZe, que o relaciona ao conceito
a
linguagem antes das palavras, gestos antes dos corpos organizados
más-
caras antes das faces, espectros e rantasmas antes das personagens
todo o aparelho de repetição como potência terrível" (2006, pp.30-1)
Oteatro da repetição seria assim um teatro visceral, onde
forcas
puras e dinamicas agem sobre o espirit0, unindo-0 à natureza e à história

que o gerou.
Retomando Giroux, eu que a a atenção a uma pedagogia de
diria

fronteiras permite perceber que este movimento da repetição, em vezde

representar um risco de redução do potencial político do discurso, possi-


bilita
explicitar a linguagem das diferenças e desenvolver através dopro-
cesso da contramemória, novas percepções de identidade.
Ao afirmar a importância do parcial, do local e do circunstancialo
pos-modernismo desatia as formas a história escritaincorporou
pelas quais
discurso eurocentrico, não propõe o abandono dosvalores emancipatónos
a0 abri-losa uma de contextos e indeterminação, mas osredet
pluralidade
ne de forma
imprevisível. A pluralidade e a articulação dasdiferenças r
presentam uma abertura indiscriminada e acrítica; ao contrário, as dife-
renças são produzidas por subjetividades, dentro degrupos dos

em termos históricos e sociais. Ao localizar estas diferenças, em suas pasrtt


é possível de
cuiaridades, compreender como são desenvolvidas den tro
us ae hierarquias, proibições e negações. As
Cn relaçao às formas sociais nas
diferenças, assm, so cIstem xtos
da quais são enunciadas, isto é, nos CO
escola,da
família, do trabalho, ou em relação aos discursOs u
da
cidadania, do gênero, raca,
etnias, Cada um destes
diOes particularesdentro de conjunturas
contexTO
históricas especinica

6 Minha
ev este visualização deste teatro de repe épo Oca
em que es-
capítulo, aconteceu petição, visceral, à
na swa7.
40 experiência de assistir o lack
filc
A mobilidade da significação ea articulação de diferenças, em uma
perspectiva de teatro como culturae pedagogia, requer assim a contrapo-
de discursos que possam problematizar as posições subjetivas dos
sição
de uma experiência comum.
participantes
Esta contraposiçao, como contramemória reconhece o caráter com-
aberto e indeterminado da tradição democrática. A
posto, heterogêne0,
é articular suas diferenças como múltiplas e demo-
questão pedagógica
cráticas.Para Foucault, counter-memory é prática que
a transforma a his-

tória baseada no julgamento sobre o passado em nome de uma verdade

em uma contramemória que combate tormas atuais de ver-


as
presente,
dade e justiça, ajudando a compreender e mudar o presente ao colocá-lo
em uma nova relação com o passado (1977). Este entendimento conduz
auma leitura critica não apenas de como o passado informa o presente,
mas também de como o presente lê o passado. Dessa forma representa
uma ferramenta teórica para o discurso da diferença.
de discursos provê um campo ético e epistemoló-
A contraposição
de suas pretensões universais e reconhecer a
gico para despir a razão
parcialidade
de todos os pontos de vista. Nessa perspectiva, rejeita tradi-
çoes que pretendam ser simplesmente reverenciadas, reafirmadas

produzidas.
forma de investigar parâmetros estéticos e artísticos para um
Uma
processo de criação em teatro seria associá-los
com os espaços abertos
para a e, na sequencia, articular formas singulares de expres-
experiéncia
são e discurso no espaço e tempo da cena.
O contexto multicultural associado a um projeto centrado na in-

entre grupos distintos levou à investigação de procedimentos


teração
de encenação que dessem visibilidade ao jogo entre identidade e di-
ferença.
Deslocamentos e toram os parâmetros estéticos e ar-
estranhamentos
tisticos rituais e cerimónias toram as formas
privilegiados, enquanto tea-
tralizadas que permitiram introduzir o sentido de e
experiência o jogo
Cntre consenso (o contexto ea situação vivenciados como ponto de par-
uda) e o dissenso (o desacordo e o desentendimento sobre as formas de

açao e seus respectivos discursos).


41
Neste sentido, rituais e cerimónias foram
mas privilegiadas para investigar e visualizar as consideradas
voZes corno
fot
perspectiva coletiva. individuais
sobum
A associação Cerimónia S Teatro será
aqui focalizada na
tiva de Duvignaud (1980), para quem "teatro é uma pec-
cerimônia s
tinta e distinguível. Para ele, a cial
dis-
representação teatral
não éum
realidade, mas sim uma outra realidade; um produto artístico reflexoda
pora uma experiência real. O cspaço da cerimónia,neste quein
incor-
projeto. Droed
manter a dimensão soCial ocura
apontada por Duvignaud, e a dimensão fiei
nal ressaltada
pelo como se de um texto em construção.
Cerimonias têm sido teatralmente
exploradasporseremassocia
das a eventos que marcam,comemoram ou celebram
algocom significa-
ção cultural e histórica (Neelands,
1990, p. 47). Rituais são considerados
como representações estilzadas, delimitadas por códigos eregras tradicio-
nais, usualmente
repetitivas e requerendo que seus atores
a um grupo cultural ou étnico sesubmetam
através de sua
participação (lbidem, p.40).
Para Michel
Foucault,". . . [oritual] define osgestos,oscomporta"
mentos, as circunstâncias e todo o
conjunto designosquedeveacompannar
o discurso;
fixa, enfim, a eficácia
suposta ou imposta quantoas palaVrasy
seu eteito sobre
aqueles aos quais se dirigem. .."(Foucault, 1971,
A orngem do teatro em p.+1.
cerimônias religiosas para celebrar ritos agra
Tios ou de
fertilidade, revista na origem da tragédia, com a
Culto dionísíaco
e do
introduçao d
ditirambo, já contém elementospré-teatrais. IT
Objetos simbólicos,
espaço sagrado, tempo mítico distinto seus
Seguidores. A daquele ao
dos papéis entre atores e
separação o esta
belecimento de um espectadores,
espectado
relato mítico, a para
escolha de um lugar
apresentá-lo, marcou a espe
Na passagem do rito ao tral.
acontecimento tea
contemporaneidade, ao 1lado das formas tuali-
2agao, que manifestam conscientes
nostalgia das origens
Cipaçao do cultuais doteatro,u parti
público
SCntaçoes teatrais
no nonial cënico,
cerimonial cênico, observam-seem todas asrepre-
e
traços rituais observam-sc o
Caráter
individual dentro
para introduzir oento,
incluir
do coletivo, e saudar o acontecimc
co.
Faith Guss
investigou aspectos comunspubico
presentes nas
formas do aos rituais (e cerimônias
fazer ritui
42 teatral, e listou acterísticas que interpe
caracto
culturas e formampadrões distintivos da performance
netram diferentes
ritualista: intenção cultural, modo pertormático, atuação, potencial para
reflexivo dos atores e espectadores, aspectos dejogo, re-
posicionamento
entre processo e produto, relaCionamentos entre produtor,
lacionamentos
vs.
atores e espectadores, potencial para transtormação us. confirmação
vs. reproduçao da experiëncia, produção de significados par-
interrogação
ticulares e universais (Guss,2001, p. 164).
e Cerimonias podem assim ser considerados como formas
Rituais
e visualzar as vozes individuais, contrapon-
privilegiadas para investigar
do-as à coletiva. AS interações sociais dos particpantes,
em locais históri-
cos, representam uma experiência real;
o envolvimento com os jogos tea-
trais visando uma abordagem crítica
à história oficial (e ao poder) reduz a
distância entre as cerimônias social e teatral e acentua
o compromisso
com a produção coletiva. A dimensão cerimonial do teatro funciona como
resistência cultural afirma o indivíduo e voz do grupo.
a
serliteralmente in-
Portanto, lembra Duvignaud,'a cerimônia deve
no sentido que Politzer dava a esta palavra:
terpretada como um drama,
um desenvolvimento ativo limitado no tempo e no espaço, um segmento
elementos encadeadosuns aos
significativo da experiência comum cujos
outros realizam ou representam um ato coletivo.

dividuo possa atuar em


vários papéis sociais
privadas são tomadas por várias tramas
. O
fato de que cada in
.mostra que as vidas
de papéis e participam dediver
sas cerimônias que implicam, cada vez diferentemente, uma ação coletiva
determinada. . ."(Torres, 2009).
Entre as abordagens antropológicas ao ritual, a de Victor Turner
(1988) se caracteriza por sua associação a uma forma teatral em processo,
e como atualização cultural dos participantes. Em vez da êntase na co-
municaçäo de aspectos culturais, Turner vê o ritual como uma possibili-
de lidar com o poder, quando não há outra maneira de fazë-lo. Dessa
dade
Torma passa a ser um recurso
privilegiado para um projeto teatral em grupo
que associe
lugar-história-memória.
geral, como
As teorias do espetáculo descrevem rituais, de maneira
anitestações coletivas, nas quais o comportamento cotidiano étrans-
1Ormado por meio da
condensação, exagero, repetição e ritmo. Os rituais

43
envolvem gestos, cantos
Ou sons, COres ou luzes, vOzes,etodos

dos cm torno de um tema


comum. De acordo com Schechner
orquestro

12-3), Pavis (1996, pp. 1-21)


e Counsell (1996, pp. 143-78),(1993 p.
os1
como uma experiencia,
contem status simbólico inol
se constituem

um processode açoes pertormaticas, eapresentam estruturascomquali


dades formais e relacionamentosdefinidos.
Cerimonias e Rituais, ou o sentido
de cerimõnias e
rituais, aoha-

bitarem a fronteira entre


o sOCial e o teatral, entre o o
reale ficcional
entre o indivíduo e o coletivo, foi o elemento comum a todas ascenas,em
todos os enquanto formas de inserçao
trånsitos,
em uma experiência co-
mum e enquanto espaço para as vOzes sociais e expressivas deseus ato-
res. O sentido da inclusão de cerimônias e rituais no âmbito do fazertea-
será associado ao entendimento
tral com grupos grandes e heterogêneos
e
do teatro como cultura e como pedagogia, no próximo capitulo, particu-
larizado na descrição de cada cena dos quatro eventoS realizadOsduran-
te este projeto.

44
2
TEATRO EM TRANSITO
A IDENTIDADE DA DIFERENÇA

O projeto Teatro em Tránsito investigou uma estética teatral

centrada na criação de cenas e concomitantes, realizadasem lo-


distintas

cais representativos da memória histórica de uma localidade.

As cenas, com o mesmo tempo de duração, foram estruturadas a


partir do cruzamento entre um fato histórico e memórias
vinculados ao

lugar da encenação, e se repetiram tantas vezes quantas foram o seu nú-


mero. Os espectadores, divididos em grupos, seguiram um contador de
história que duranteo caminhar entre uma cena e a outra narrou a histó-

ria associada ao lugar e à cena que iriam assistir a seguir.

O caminhar degrupos deespectadores conferiu ao evento um sen-


tido de cerimónia compartilhada.
Este compartilhar incluiu interações em vários níveis entre ato-
res e moradores da localidade, entre extratos sociais e faixas etárias dis-
tintas, entre história, memória e lugar,entre os elencos
das distintas cenas
fisicos e
e as
pessoas entrevistadas e/ou aqueles que cederam espaços
materiais de apoio, entre atores e espectadores.
O "tránsito" pode ser entendido como uma metáfora, e adquirir
uma dupla significação: o de caminhar pela cidade e se apropriar ou
reapropriar de lugares e/ou espaços, e
o de caminhar pela história
dos lugares e ressignificá-la. Trata-se assim de uma caminhada hori-
zontal e vertical, que pode se associar a travessias ou mudanças do olhar
sobre a cidade.
Teatro em Trànsito reuniu, assim, lugares significativos da memó-
ria histórica de uma comunidadeede seu patrimônio arquitetônico e
45
cultural, para buscar sua história não oficial
elou nela
agenda oculta. desvendarst
Investigar cenicamente um evento deum
to e preparar os atores atraves do jogo teatral,passado histórico
explor remo-

múltiplas possibilidades de sua significação é o expressar as


e
principal procedi
Para tanto, nos eventos aqui descritos e
analisados, alunos das ento,
fases do Curso de Artes Cênicas Jdesc), em parceria, assumirama
últimas

reção de ator, preparando-se


di-
previamente para incluir ironiacomopos-
sibilidade para desvendar a agenda oculta de forma pos-
a
indireta,não expliti
ta.' A equipe de
pesquisa, que identificou e selecionou os argumentos e
preparou o pré-texto para cada cena, se alternou na observação dos en-
saios, garantindo diferentes olhares para a cena em processo.
O tato de os ensaios oOcorrerem nos lugares onde a situação ocoreu
no passado e onde a cena será apresentada, garantiu a presença de ob-
servadores casuais, que tornaram a interação ator-espectador presentedes-
de o primeiro encontro.
da Performance, na contemporaneidade, usam a expressao
Teorias

work in progress (Cohen, 1997) para caracterizar produções teatrasba-


seadas nas interações de seus processos e abertas a revere/ou incopoa
textos oriundos de novas ocorrências cênicas. Teorias do Drama,no am-

redagogia, usam a expresso process drama (drama em processo


Dito da

para indicar procedimentos similares.


A e realidade-passado presente, histon
fluidez entre ficção e
resa
imaginário, personagem e ator-favorece aspectos detensao su
(o inusitado). A dimensão lúdica destas interações entreficção realld
e
idade
e
ou
Entende-se por agenda oculta aquela não presente no discurs
as politicas
públicas
da época em que ocorreu o evento, e, que em sus
1aces, se associa a conflitos itivas
políticos ou de interesses. Depoinmentos s nnlícitas
ao discursos
em oficiais, resultados
imprevistos de alguma açãooficial, mensagens i
e intervenções ser
populares, aqui podem incluldo tes
A intenção foi evitar a
referência direta a pessoas vivas
de.

Aeterceiro grau, mantendo o jogo na fronteira entre ficão re e


EXceção ocorreu no último trånsito, onde a direção de cada c de
Cargo de ex-alunos e o grupo
professores de teatro convidados para integrar
pesquisa fichas técnicas em
in5
anexo.
46
wOwaenA eApo sego para
wlavionados com 8
controntar atitudes
siAgoes delineadas nas
dilemas moraise
vias colhilas aavs
de enpevistas, 1Desse
histórias narradas memó- e
eruzamento entre
oh passado e
presente ugiam p-ANo
que nortearam a construção das
Prd text0 refere ae a fonte ou cenas.
impuls0 que move o processo dra-
matico, e indiea a Aa0 clo trabalho ao conter
osigniticadodeum texto
ue existe anteriormente ao evento, Segundo Cecily O'Neill
processo dramaico, mesmo quando baseado em
(1995), o
improvisações, não ocor
em unn wa
re
m ativado por uma palavra, um gesto, uma
imagem, um
objeto (que podem er conaiderados como estimulos) ele é
entretanto de-
finido e delimitado pelo
pry-teNvo, que sugere a natureza dos eventos ca-
biveis em tal contextO e
circunstaneias, e impliea papéis,
expectativas e
tipos de ação,
O pro-texto, ao ser identificado e
planejado a
partir do cruzamento
de um lupgar com sua história e memórias dos moradores do local,
apre
com um argumentoecom um roteiro. Com
senta característieas
comun8
o Argumento tem em eomum a história reconstituida dentro de uma ló-
gica de acontecimentos a partir da qual se estabelece a ideia geral do
"drama" que será estruturado em dos
apisódios abertos à improvisação
atores, Com o roteiro compartilha a
indicação deações extralinguisticas,
descritas nas entrevistas ou presentes nas memórias dos participantes,
além de possiveis motivaçoes
para os personagens, interações com o
paço e objetos de cena,
A possibilidade de artieular gruposcom individuos de faixa etária,
formação, origem e interesses distintos, e abrir a cena para a voz social e

expressiva de cada um deles, caracterizou o que aqui é apresentado como


estetica do dissenso, A dimensão da experièneia no ambito de uma estética
do dissens0, Vista através de contraposiçoes econtrontos virtuais, inse-
ridos em ambientação cénica, favorecendo a imersão. O contexto é esta-
belecido
atravésda experimentação coletiva,fisicae sonora.
No ambito da metodologia, os procedimentos
incluem:jogos de lin-
guagem, sonorizaçoes, jogos corporais. Os participantes expressam in-
dividualmente as formas depreencher os desatios do argumento e do
Foteiro,

47
Em que medida a associação entre texto e jogo, representação e
performance, permite visualizare explorar apersonificação, a diversidade
e a quebra de consenso?
Se no drama a tensão do contexto da ficção gera a energia para a
investigação cênica, 0jogo permite o distanciamento para perceber a rele-
vancia do material investigado0.
A tensão inicial é deslocada para o processo de criação.

História: um Projeto de Intercâmbio em Teatro

De 1997 a 2001 foi realizado um intercâmbio de pesquisa "Tea-


tro-Escola-Comunidade-o poder educacional do teatro como eixo curri-
cular e expressão cultural", entre as Universidades do Estado e Federal

de Santa Catarina e a Universidade de Exeter/UK, patrocinado pela Ca-


pes e pelo Conselho Britänico, por mim coordenado.
O objetivo geral deste projeto foi promover interesses comuns de
pesquisa sobre o papel do teatro na escolae na comunidade." Para tanto
foram examinadas as possíveis contribuições do drama no tocante a:
Investigações relacionadas com o desenvolvimento conceitual na
área da Pedagogia do Drama/Teatro;
Investigações de abordagens a formação do professor
atuais para
de Teatro, relacionadas a inovações na prática de ensino em sala de aula;

Observações viabilizadas pela análise conceitual


mencionada aci-
ma, com foco na troca de experiências.
A pesquisa toi desenvolvida através de cinco parcerias, que focali-
zaram aspectos especíticos e complementares ao fazer teatral em
escolas
e comunidades e as respectivas formas de formação de seus agentes.

4 Comunidade entendida aqui em seu sentido amplo, e não em relação a al-


guma abordagem específica, tal como teatro ou teatro para o desenvolvimento.
comunitário
5 Os integrantes brasileiros deste intercâmbioforam: Beatriz Cabral (coor-
denadora, Udesc/UFSC), André Carreira (Udesc), Gilka Girardello (UFSC), Ida
Mara Freire (UFSC), Márcia
Pompêo Nogueira (Udesc). Os integrantes da equi
peinglesaforam:John Somers (coordenador),Geoff Fox, Linda Rolfe, Steve Co-
ckett eWilliam Stanton, todos da Universidade de Exeter.

48
Cada pesquisador realzou um trabalho intensivo de quatro sema-
nas em seu pais, o qual contou com a observação participante do colega
icifante. No intervalo entre as missões de intercâambio as parcerias de-
am continuidade à pesquisa em parceria, escrevendo artigos e comuni-
em conferencias e
congressos. Em 1999 foi pu-
cacões para apresentaçao
Ensino do teatroexperiéncias
blicado o livro interculturais (Cabral,
realizados nos anos do projeto.
1999) sobre os trabalhos primeiros dois
trabalho
O
em
parceria funcionou
em
diferentes níveis. Primeira-

e tomaram parte na prática um do outro,


mente, os parceiros observaram
a
atravésdo estranhamento cultural. Eles experienciaram alteridade
como
uma de tudo o que é semelhante e diferente na prática
representação
Cada um e estranhar a rele-
cultural de cada país. procurou identificar
vância dos trabalhos observados.
Foi possível perceber nesse processo o potencial da exploração de
um campo de ideias relacionado à identificaço das relaçoes entre o tra-
balho intercultural em teatro e o fenômeno teatral.
Ao dialogar com o
olhar estrangeiro, o tema da identidade adquiriu papel preponderante

açoese cênicas
opções aressaltar e enfatizar "o local" eo "par-
passaram
ticular independente
de terem sido planejadas ou pensadas priori. a
Minha parceria com John Somers se concentrou, nos dois primeiros
anos, no drama enquanto método de ensino, e articulou história, frag-
mentos de texto e composição de estímulos. Nos dois últimos anos incor-
de espetáculos e trabalhos com
porou elementos do drama à montagem
teatro em espaços da cidade. Cada pesquisador partiu
do referencial e
houve uma identificaço de
objetivos específicos de sua pesquisa-não
objetivos ou métodos de trabalho (abordagens).

O papel do professor visitante foi definido como "observador par-


encontros e debates com os
ticipante", e sua participação circunscrita aos

respectivos grupos de pesquisa, entrevistas


com os participantes das ati
Vidades e eventos observados. Essa decisão foi tomada a fim de ressaltar
as
possíveis especificidades culturais dos trabalhos realizados
e facilitar

Sua 1dentificação
e análise.Nos processos teatrais desenvolvidos como ati-
do visitante foi a de observa-
vidade-toco do intercâmbio participação
a
uOr estudantes e grupo de pesquisa
distanciado, e posterior retorno aos
49
sobre sua percepço do evento, com énfase nos momentos de estranha-
mento cultural.

A presençade um observador de outra cultura, oforeign observer,


revelou-se especialmente interessante nestes momentos de
estranhamento,
os quais deixaram transparecer as diferenças culturais e distintas visões
de mundo, ajudando atores e a se autoperceberem e identi-
professores
ficarem.
A experiência
que concluiu o segundo ano de minha parceria com
Somers (em 1998) havia sido um processo de drama, baseado em
frag-
mentos históricos de um mesmo período- em Florianópolis focalizei a
segunda metade do século XVIl, especificamente a imigração açoriana.
Somers havia realizado um processo equivalente no ano anterior, focali-
zando a "Peste Negra" durante a Idade Média (Cabral,
org, 1999). Na
sua experiência, na Escola de Exwick, em
Exeter, foram utilizados diver-
sos espacos da escola e recursos como instrumentos musicais,
peças de
museu, projeções, etc., para contextualizar o período e
engajar os alunos.
Para a realização de Os açorianos não contávamos com diversidade de

espaços na escola,nem com equipamentos museológic0s, nem com a fam1


aptidão dos alunos quanto ao uso de instrumentos musicais.
liaridadee

Planejamos, então, cenas sequenciais para ter início em sala de aula,e


continuidade no trapiche ao fundo da escola, em uma casa tombada no
morro da Lagoa, e em locais distintos da Trilha da Costa da Lagoa (lagoa
da Conceição, em Florianópolis). A experiència, com
duração de seis
manhãs,duaspor semana, despertou o interesse, meu edeSomers, para
prosseguir com trilhas teatrais, desta vez no âmbito do Teatro na Co-
munidade.
Nosso objetivo, nos próximos dois anos, passou a ser o de
investigar
algumas histórias seminais das comunidades que iriam sediar as experiên-
e na Inglaterra) e engajar seus moradores, sustentados por estu-
cias (aqui

dantes e recursos de nossas universidades, para investigarem estas histo-


rias, através do teatro. Como intercâmbio de pesquisa foi estabelecido
que no último més de atividades o observador estrangeiro acompanhasse
o trabalho do colega, entrevistasse os
participantes eparticipasse, junt0
com a equipe da universidade local, das reuniöes de
pesquisa e produçao.
50
Os Drojetos coordenados por mim, em Florianópolis, eJohn Somers.
Eveter, aconteceram em cOmunicdades muito distantes geograficamente.
leralmente diferentes, ainda que passando pelos mesmos aspectos de
mucdança radical que
o passar do tempo
impôs a clas. Ambas sentiam a
à sua forma de vida
mea tracdicionalagricultura (Payhembury)e
ea(Santo Antônio); ambaspresenciavam o afluxo de uma classe mé-
pesca
dia que as via como um para viver, mas que trabalhavam fora
local ideal

da comunidade; ambas
eram ambi1entes atracntes
para turistas; ambas
observavam as "modernizaçöes de suas casas, ca pressão por projetos
de desenvolvimento urbano e arquitetônico,geralmente inadequados para
as criançase os moradores antgos que gostariam de
permanecer
munidade. Esta percepção dos moradores em relação ao seu espaço e
condições de vida foi ressaltada nas entrevistas, e expressa na criação das
cenas e na interação entre atores e espectadores.
O
Payhembury Millenium Play foi realizado na locali-
espetáculo
dade de Payhembury, próxima a Exeter/Devonshire, em julho de 2000,
e Santo António de Lishoa na Virada do Milénio, no bairro de Santo An-

tônio de Lisboa, em Florianópolis, em abril de 2001.

Nestasegunda parte do intercâmbio foram incorporados os proce


dimentos e características formais que mais impactaram os atores e es-
primeiros anos do intercämb10. Foi assim que
pectadores durante os dois

Somers se propôs a planejar uma trilha na comunidade, realizando cenas


em distintos locais. Nesta atualização para o contexto da comunidade o
projeto envolveu o maior número possível de moradores, de todas as fai-
xas etárias e extratos sociais.

Durante as entrevistas que realizei com os atores de Payhembury


subsequente às apresentações, o fator de impacto mais
na semana res-

participantes foi a presença de estrangeiros. A


Saltado pelos cena de en-
cerramento do espetáculo, reunindo os elencos das sete cenas, incluiuo
ino da comunidade, apresentado por orquestraecoro local, criados es-
pecialmente para o evento, entrega dediplomas de cidadania para todos
0S atores com
menos de dez anos de idade, e discursos de cinco estran-

experiência como espectador do evento,


geiros que comentaram sua fa-
Iando cinco minutos em sua
língua natal e traduzindo em seguida para
o
51
inglês. Estemomento, afirnmaram os entrevistados, os fez sentirem-se no
"centro do mundo".

Edições do Trànsito e redirecionamentos do olhar

Teatro emn Trânsito foi assim denominado, e se consolidou como


projeto de pesquisa, de parceria entre as Universidades do Esta-
através

do (Udesc) e Federal de Santa Catarina (UFSC) a partir de2001,com a


análise e relatório da última etapa do projeto de intercâmbio com Exeter.
"Teatro em Trânsito -formas de interação em teatro na escolae na co-
munidade" teve como principal objetivo realizar espetáculos em comuni-
dades e/ou cidades do interior do estado, através da
interação entre es-
tudantes de teatro e moradores dos locais
que sediassem os eventos. Estes
espetáculos foram planejados e acompanhados por um grupo de
pesqui-
sa que se alternou a cada do mas dos
edição Trânsito, que partiu resulta-
dos e dos relatos das experiências anteriores.
As quatro edições
do Tránsito, presentes nesta publicação, conta-
ram com quatro etapas de
planejamento anteriores à sua divulgação na
universidade e na comunidade
para fins de agregar participantes (atores
e equipes técnica):
Escolha de lugares associados à memória histórica do
local;
Investigação dos eventos históricos que ocorreram nesteslugares;
Entrevistas com
zer um levantamento
moradores idosos
de memórias
a
da comunidade, fim de fa-
relacionadas com aqueles lugares;

6 A mudança na do grupo de
do local
constituição
da realização do trabalho e do fato de pesquisa decorreu da mudança
que os tránsitos da Santo Antônio e
Ribeirão da Ilha ocorreram em
Florianópolis, com a participação de alunos,
sores e técnicos da Udesc profes-
e da UFSC, e os trânsitos de Nova
Trento e Bombinhas
(cidades do interior do
estado) contaram com a
participação dos alunos do Curso
Magister (Udesc) e apoio de escolas de ensino
e das secretarias de fundamental (professores e alunos)
Cultura e Educação das
cidades.
7 Em alguns locais encontramos respectivas

nescente de seu apenas o espaço físico sem qualquer


significado anterior, significado este rema
ricOs, jornais ou mencionado em textos histo
depoimentos dos moradores mais
foi transformar antigos. Nosso empenho, entao0,
aquele espaço em lugar, fazendo história.
52
Criação deArgumentosou Roteiros, um
para cada local,associan-
do história e memórias, ou distintos
eventos históricos a fim de
sugerir
DOssíveis impicações ou contradições.
Este planejamentO inicialcom um número flutuante de
contou
parti-
a oito
inantes-quatro professores e/ou estudantes de teatro
a
cada encon-
tro, sob minha coordenaçao. Foram necessários no mínimo
seis encontros,
intercalados com visitas aos locais escolhidos para as apresentações, e entre-
vistas com historiadores, artistase moradores
antigos dessaslocalidades.
As decisões reterentes às escolhas dos lugares, dos eventos históri-
cos e das memórias levaram em conta duas questões centrais: 1) o po-
tencial do material levantado para a inclusão de diferenças,
umavez queo
Transito reuniria um grupo heterogêneo de participantes (níveis de ida-

de, extrato social e origem diversos) em um processo criativo onde asvo-


zes individuais representariam sua apropriação do texto -(re)criando
sua história; 2) seu potencial para manter abordagens controvertidas e
ou irônicas a fim de aumentara perspectiva críticae rejeitar noções tidas
como certas ou verdadeiras, referentes a "significações universais", "con-
senso e "celebração', as quais, juntas, acarretarim uma leitura simplista
dos contextos e circunstâncias históricas.
A junção de história e memórias possibilitouabordar a históriaoficial
de forma obliqua (irônica ou indicando interpretações alternativas) ao see
construir a narrativa. Além de levantar contradições e ambiguidades embu-
tidasnos eventos históricos, a ironia representa uma das formas mais pode-
rosas de produzir tensão, a qual é um dos elementos-chave da ação
dra-

mática."
A identificação de lugares em vez de espaços teve a ver com a dis-
às significações individuais
tinção antropológica entre lugar, associado
e/ou históricas, e a area fisica disponível.
espaço,
Ao
propor lugar como
emocional dos
ponto de partida, pretendeu-se intensificar o engajamento
com a apropriaçao
participantes (moradores tradicionais e recém-chegados)

8 Cecily O'Neill, em "Da alienação à interpretação os usos


da
daironi1a
história da
inclusão no decorrer
focaliza sua presença e formas de
O06)
literatura dramática e do drama.
53
do texto teatral-uma fuso do texto histórico, histórias locais e memó-
rias. A relação entre o texto resultante e o contexto social local potencial-
mente traz à tona habitos culturais e acentua a diferença, uma vez
que
aqueles estão enraizados na vida comunitária.
Fotografias dos locais escolhidos e seus respectivos roteiros
foram
então apresentados para alunos do Curso de Artes Cênicas
(Cursos do
Ceart ou do Magister, ambos da Udesc), e em
seguida, foram divulgados
e apresentados para moradores das localidades-no Centro
Comunitá-
rio, Salão Paroquial e Escola do bairro ou cidade onde o Tránsito iria
ocor-
rer. Folhetos de haviam sido distribuídos
divulgação anteriormente, e cha-
madas foram feitas pela direção da escola
local, pelo padre da respectiva
paróquia e pelo presidente da Associação de Moradores.
A sedução foi o recurso utilizado para
agregaro elenco Osargu-
mentos giraram em torno do prazer de encontrar o
diferente, em seis en-
contros de finais de semana, de
explorar a bistória não oficial da localida-
dee a possivel mudança de olhar sobre o
lugar, a história e o outro.
Formados os grupos, a partir das
identificações individuais comn
o lugar e o argumento ou roteiro
proposto, as cenas a ser cons-
passaram
truídas. A
parte do processo de experimenta-
ambientação cênica fez
ção, com a presença e articulação dos atores em
cena, introduço de ri-
tuais ou cerimônias, confronto entre
texto e
contratexto, memória e
contramemória.
O Ritual foi investigado no âmbito da encenação -além da histó-
ria, sempre problemática, de uma filiação da arte ao rito", afirma Patrice
que o
Pavis, "éé
preciso observar ritual
impõe «aos actantes» (aos atores)
palavras,gestos,intervençoes fisicas, cuja boa
organização sintagmática ade-
quada é o aval de uma representação bem-sucedida"
(Pavis, 1999, p. 46).
A
tarefa que nos
impomos ao planejar o trânsito foi a de descobrir
e criar conexões, ressonâncias e narrativas a
partir de uma cerimônia ou
um ritual quefuncionasse como sinalizador
para cada cena. cerimônia A
9 Em algumas situações foi proposto um argumento a ser
investigado e de-
senvolvido
grupo; em outras, um roteiro de situações (série de
pelo
ou ima-
quadros
gens narradas) ou de ações como ponto de
partida para interpretações ou adaptações.
54
nOssível introduzir contextO ea atmosfera; o ritual permitiria
tornna
distintas dentro
istualizar ações, expressoes everDalizaçoes daquele con

texto e em face daquela atmosfera.


Em Drama worlds, Cecily ONeill apresenta um sumário de algu-
estruturais do drama que ajudam a visualizar o caráter
mas qualidades
mas
e experiência existencial que o distingue da descrição de uma
de presença
da ação. A dinmica
história através

por-se "ao

ma para
que acontecera a seguir
a criação de rituais.
,
interna da situação passa a sobre-

potencialmente gerando matéria-pri-

Personagens, em Drama fazem pronunciamentos, trazem notícia5,

narram eventos, questionam, persuadem, suplcam, acusam, julgame


contam piadas, se en-
brigam uns com os outros. Eles pregam peças,
ro-
volvem em disputas tísicas e verbais, dançam, cantam, rezam,
fazem profecias, lamentam
gam pragas, ameaçam, elogiam, culpam, variedade de
em luto, todas estas e outras coisas em uma grande
estas possibilidades estäão dis-
formas. No processo do Drama, todas
e podem ser selecionadas como ações-
poniveis aos participantes
da estrutura dramática.
-chave em episódios específicos

a cada episódio, o professor-encena


a ação central
Ao identificar
se configurar de formna
dor está delimitando uma experiência que poderá
ou como
como a vida, a natureza, os sonhos;
Titual quer celebração-sobre
de lutas, palavras deordem protestos. e
a memória em cena,
COntestação-histórias as
de envolvimento é
Para uns o maior fator o
o que não foi dito,
nistorias de vida; para outros, é a contramemória,
dito anteriormente.
da história ou contrariou aquilo
que ficou por trás texto e contra
texto

AsSim, o jogo entre memória e contramemória, detextos diver-


eva ao cruzamentoe de memórias e fragmentos
confronto na forma de
e/ou roteiro de cada cena,
ou controntos em
SOS e sao anexados ao argumento
de cerimônias,
públicas no decorrer
tuais, manifestações os idosos,historiadores,
coletado em entrevistas com
auplas.Tal materialé

10 O'Neill, op. cit., pp. 132-5. 55


das localidades em que ocorrem os tränsitos, bem
em com0
contistasou poetas
de época e atuais.
em notícias de jornais, fotografias
e no contratexto implica ler dentro, sobre
O
foco na contramemória
textos distintos, o que requer ler criticamente
contra um texto. Ao cruzar
ou
e aprender seus limites, revela-se sua agenda oculta, seja, revela-s

trás da história oficial. De acordo com Giroux,


a contrame-
que está por
mória resiste a comparações quer com noçao
a humanista de pluralismo

ou com a celebração da diversidade por Si só (1991, p. 32).


funcionam,portanto, inter
As interações lugar-bistória-memorias

namente como contratexto e contramemória. Ao reunir elementos


de fontes
sobre as razões atrás dos fatos
distintas,cada cena provoca novos insights
e suas implicações. Ao nível externo, a interpretação também pode fun-
cionar como contratexto ou contramemória -o
deslocamento deações e

atitudes, ou a introdução de um personagem deslocado, chamam a aten-

ção para o que está por trás da cena histórica e levam o espectador a
perceber as possibilidades daquilo que não ocorreu.
O papel
do grupo de pesquisa foi o de identificar e articular as
diferenças culturais, histórias devidaelinguagens, tornando-as explíci-
tas. Isso só foi possível através da inclusão de rituais e
cerimônias. Exem-
plificando:
1. em uma cena
compra de votos na eleição de 1947, os
sobre a
eleitores, acocorados no pátio em frente do local de
votação, aguardavam
a melhor oferta." Quando os cabos eleitorais sondavam suas
necessida-
des, um por vez descrevia sua prioridade com base nas histórias colhidas
através das entrevistas com
aqueles que participaram daquela eleição. A
das necessidades ocorria quando os cabos eleitoraisdo
amplaçao partido
oposto faziam a mesma proposta. A
caracterização dos personagens eo
texto seguiam um ritual conhecido
pela plateia, mesmo que de forma in
direta, através das memórias dos moradores
idosos, usualmente narr
em épocas de eleição. A conclusão da cena
apresenta um eleitor bëbado,
que ao declarar seu voto e ser
ameaçado de prisão, circula entre os espe

1l A posição de ficar acocorado,com expressão ou dC caso,


foi
de desinteresse
descrita verbale fisicamente em entrevistas
56
dores, recitando "O analfabeto
politico, deBertolt Brecht. A
res-eleitores e do público, e a reaç
expressividade dobêbado,conferi-
um sentido de cerimonia a esta cena.
ram
2. Em outra cena, sobre a visita de D. Pedro
I1,em 1845, que acon-
teceu no espaço
onde o imperador fo1 recebido, à época dessa montagem
ruína de um casarao, onde apenas as pareces externas se
mantinham.13
Os atores formaram grupos ramiliares, Crianças e adultos, em trajes de
rala. cedidos pela escola de samba local," espalhados
pelo espaço, espe-
rando a
régia
visita. O público também espalhado pelo mesmoespaço. O
comitê imperial surge com ponmpa, acompanhado por flautistas.Inicia-se
cerimônia. A época da visita de D. Pedro lI estava em vigor o alvará
régiode 1785, de dona Maria I, A Louca, que mandou extinguir os teares

no Brasil, para que nao houvesse competição de preços com os tecidos


produzidos em
Portugal. Durante a cerimönia do fránsito,manifestantes,
vestidos com tecidos de tear, se colocaram sobre as paredes (sem teto) do

casarão. A manifestação provocou adesões a favor (por aqueles que esta-


vam recebendo as comendas) e contra o imperador. A manifestação foi
inspiradana atitude do padre Lourenço Rodrigues de Andrade, vigário
da localidade entre 1797 e 1821, que, em protesto contra este alvará,
apresentou-se à corte vestido com tecidos
do tear local.
e
lornar visíveis as diferenças e problematizar os aspectOs éticos
cons-
politicos que informam as suposições dos particpantes permitiram
Nesse senti-
truir perspectivas que incluíram múltiplas vozes.
dramáticas
no mes-
do, a dimensão de cerimoniaé dada aqui pelo coletivo inserido
mo contexto, em torno de um mesmo foco de ação, com uma música ou
um discurso de fundo que direciona a atenção de todos para a situação
encontro. O ritual se insere
que gerou e mantém aquele
ou circunstancia
Cn momentos específicos da cerimônia, revela moVimentos ou açoes

12 Disponível no Google; basta digitar título e autor.


são mentidas, emoldu
L3 Hoje, 2010, apenas as paredes frontais externas
radas, como fachada de um restaurante.
conhecimentos e artimanhas
em entre tantos outros
leatro Trânsito, local, da escola
me mostrou formas de acessar os baús da paróquia
iridos,
militar e das escolas de samba.

57
às especificidades dos sujeitos participantes, inclui vozes ue
particulares
revelam respostas fisicas, emocionais e eventual
podem ser distoantes,
em um coletivo. O caráter de
mente verbais, dos individuos presentes
de que aquelas falas e posturas
ritual está na indicação (ou suposiçao)
de grupos de mo-
refletem o pensamento (e manifestações/expressões)

radores locais,reiterados
com frequência.
O usual impacto desse procedimento nos participantes (atore

pú-blico) está relacionado


com a continua quebra de expectativas, a intro-
e locais históricos, o
dução de abordagens incomuns aos eventos

desenvolvimento de situações que propõem problemas a serem solucio-


nados- em qualquer dos casos, está presente a possibilidade de des-
mascarar atitudes que se transformaram em obviedades e deixaram de
Ser questionados.15

Formas de Interaçãoe Formas Interativas

Asformas de interação, planejadas para o processo de construção


das cenas em si, focalizaram a relação en-
e para a realização do trânsito
tre participantes, roteiro dramático, e
espaços urbanos, em vários níveis:
entre atores e pessoas da comunidade-cada grupo integrando
alunos de teatro e moradores do local, de diversas idades, ocupações e
formação0
entre o elenco de cada cena e o roteiro dramático criado pelo
de pesquisa-a forma de roteiro favoreceu a apropriação do texto
grupo
pelos participantes, que o completou e reinterpretou, mesclando história
e ficção

15 O conceito de habitus, tal como


investigado por Pierre Bourdieu, tem
sido por mim focalizado em artigos centrados neste de e
tipos expressões posturas
(nos discursos que as mantêm). Aqui esta associação não é feita, pois embora as
atitudes e
argumentos dos participantes locais, incluindo os que testemunharam
as
situações incorporadasnas cenas, apresentem
pontos em comum com o babitus,
não houve tempo nem suficientes
oportunidade para registrar e comprovar tal
aproximação. Os depoimentos poderiam ter sido teatralizações das
de seus autores. interpretações

58
entre o roteiro (e/ou pré-texto) e o
lugar onde ocorreu acena
ceia este o mesmo em o
que eventO OCOrreu no ou
passado, outro espaco
1urbano ambientado cenicamente para revisitar sua história.
A identificação de convençoes,
estrategias, jogos teatrais,e proce-
dimentos, potencialmente interatvos, que facilitam trabalhos de curta
du-
racão e a interaçao entre atores e nao atores, no contexto do campo de
pedagogia do teatro, vem crescendo em decorrência da ampliação da car-
ga horária de estágio dos Cursos de Teatro, erradicação da
separação en-
tre os fazeres do ator, diretor e do professor no campo da formação em

teatro, e da extinço das dicotomias entre processo e produto, forma e


0
conteúdo, intuição e conhecimento. Essas convenções e estratégias são

aqui denominadas formas interativas:


Jogos teatrais com foco na relação corpo-espaço/objetos. esco- A
Iha de espaços físicos relacionados com a memória histórica da comuni-

dade facilitou a incorporação de atitudes e gestual tipicos de personali-


dades da comunidade, e estejogo de espelho, de observação ou de memória
o
intensificou, por sua vez, a interação com publico.
de desituaçõeseimagensa inte-
Jogos palavras, associações
ração entre fatos históricos, entrevistas com
moradores idosos, historias

com os eventos ocorridos no passado,


populares e anedotas relacionadas
dos particpantes como contexto e as circunstan-
ampliou a identificação
contribuu para sua partici-
Cias exploradas na cena e, em consequència,

pação como coautores.


Formas interativas de associar História e Ficção convenções
e radio-
programas mensagens
como
teatrais no campoda dramaturgia,
Jonicas, entrevistas
tais

e interrogatórios, um dia na vida de. ., roleplay games

e berlinda, conversas interceptadas


e cenas mudas, por exemplo, permitiram
aos aconte-
e contradições inerentes
ampliar a percepção das implicações
CimentOs.

no Ceart/Udesc, e de
1o Faço esta afirmação a partir do ensino do teatro
e
as quais tenho
mantido interações,
em universidades com de sua
Cvaoes realizados não tenho evidências
no GT Pedagogia do teatro da Abrace; no contexto do ensino funda-
Dtes nem comprovação de sua atualização
81cralização,
mental hoje, 2010.
59
A delimitação do espaço e a ambientação cênica através de re-
ursos tais como tochas, lamparinas, mascaras, estandartese bastöes, etc.,
representaram formas interativas de incluir os espectadores no espaço cê-
nico e/ou na ação, quer individualmente ou como membro de um coro ou
deum coletvo.

Incorporação de danças, marchas, filas, protestos, etc., tam-


rituais,

bém se constituíram como formas interativas que visam facilitar a incor-


poração de vinte a trintaatores e tigurantes, e/ou integrar os espectado-
res na ação cênica.
O potencial dramático desses procedimentos se associa à possibili-
dade de o argumento, roteiro,ou pré-texto remeter ao universo cotidiano,
e ser tensionado para intensificar o engajamento dos participantes. As
ações decorrentes, inseridas emformas ritualizadasou jogos, são experien-

protagonistas de uma ação


ciadas simbolicamenteos participantes são

simbólica, cujas implicações incluem riscos, necessidade de decifrar mensa-

gens ou situações, associar indícios distintos,enfrentar antagonistas, unir


forças para enfrentar um sistema injusto, etc. Esse potencial dramático é
acentuado pela intervenção do diretor na estrutura da atividade e do jogo;
ao estabelecer as regras e o contexto onde os atuantes vão interagir e criar,
o diretor está agindo como autor e intervindo no processo de criação. Sua
intervenção ao nível estrutural sugere ou indica as propriedades de uso dos
objetos, como um coreógrato
ou coautor, ele cria um arsenal de possibilida-
des narrativas,suprindo ritmos, contexto e sequência dejogos ou tarefas.
As quatro edições do Trànsito tiveram cada uma um foco de con-
vergência para suas cenas, ou seja, uma intenção e motivação centrais
que conduziram a identificação ea seleção de situações:

"Santo Antônio de Lisboa na Virada do Milênio"- o que nos


levou a escolher Santo Antônio de Lisboa como o local
para o primeiro
evento da série, além da proximidade com o centro da cidade e as uni-
versidades, foi a presença de construções ou ruinas tombadas
pelo patri-
monio histórico,sua a da memória dos moradores
deteriorização, diluição
reterente à história desses
espaços, e o grande número de moradores re-
centes, oriundos de outros estados. Nosso objetivo ao criar o roteiro e o

60
foi levantar aspectos
da h1stória não oficial deses
pré-tex
pré-texto o do uso não convencional lugares, res-
através
ignificar
sign
espaço
moradores do
deles,promover in- a
entre os originários localeos
teração recém-chegados.

T Im
Outro Lado da História em Nova
Trento"-a realizacão de
sm fránsito em NovaTrento foi solicitação dos alunos do Curso Magister
daUdesc, cursando a disciplina leatro-Educação l',por mim minis-
O programa da disciplina foi redirecionado
para integrar nos
rrada. osaluno
do curso participantes voluntários da Escola de Educacão Básica
com
Francisco Mazzola (que sediou o curso) erepresentantes desegmentos

sociais Nova Trento, na criação de cenas que ocorreram em locais do


de

centro da cidade.
O
Curso Magister funcionava às sextas no período no-
sábados pela manh e àtarde, oquefacilitou aintegração.
turno e
O foco para a construção das cenas foram questões culturais da
e sua ressonancia com os momentos atuais hábitos e pre-
imigração
nos dias atuais; as relações entre osdescenden-
conceitos que persistem
usada pelos
terminologia ainda
tes de italianos e os "brasileiros
italianos para se referir aos caboclos (descendentes do
descendentes de
e
cruzamento de portugueses com índios africanos).

Teatro em de Bombinhas
Tránsito na História um onibus
e
da Secretaria de Cultura de Bombinhas umaturmade
com uma equipe o espetáculo de
de segundo fretado para levá-los a assistir
grau,
alunos
lrento, foi a
origem do convite, pela Prefeitura deBombinhas,para
Nova durante seis
o Curso para aquela cidade,
que deslocássemos Magister
A
edição do tránsito. Prefeitura
finan-
uma
Smanas,a fim de lá realizar trinta alunos e osinterna locomoçao
Ouacomodação e alimentação para

da Licenciatura2
reproduziu o programae
disciplinas
CursodoMagister
Centro deArtes, da Universidade
do Estado de Santa Catar
de
enicas Trento (Centro-Oeste),
estado) e Nova
um com vestibular
Laguna do
a
(sul
fim de promover a formação de professores
de teatro para
a Secreta
entre
afe cada cidade,
do estado. A iniciatíva foi realizada através
de convênio do Cur-
Os alunos
ri
M ao
do Estado de Santa Catarina e a Universidade.

2815ter eram todos professores efetivos da Rede Estadual dePnsino


so

61
A motivação para o convite, e posteriormente para nossa investiga-
ção, foi ressaltar aspectos da memória histórica específica do municipio,
uma vez que este havia se emancipado recentemente. Além disso, cha-
maríamos a atenção para sua mudança acelerada devido ao desenvolvi-
mento turistico crescente, população flutuante (vida da cidade em função
da temporada de vero), e carência de registros históricos.

"Teatro em Trânsito em Ribeirão da Ilha"- a vinda de duas es-


Norberg e Marte Bergsland (formandas
tudantes norueguesas, Kristine
de teatro), para investigar a estética teatral do trânsito, deu
origem ao
projeto de montagem em Ribeirão da Ilha. Ribeirão é o distrito deFloria-

nópolis com maior preservação do patrimônio cultural açoriano, tanto no


que se refere a sua arquitetura quanto à preservação dos costumes (ane-
dotas, memórias). Por um
lado,esse fato se assoCia à sua condição como
um dos núcleos iniciais da colonização da Ilha;
por outro lado, é possível
que isso em parte decorra de sua distância do centro da cidade (trinta
quilômetros), maior que a dos demais distritos.

A motivação para a realização do trânsito em Ribeirão, além do


fator
"preservação mencionado acima, se deu pelas inúmeras histórias
sobre a sua interação tumultuada com a
administraçãomunicipal, em épo-
cas passadas. A criação dos
argumentos e pré-textos foi justamente esta
relaçãocentro-periferia, dentro da Ilha de Santa Catarina.

Planejamento dos Eventos


Estas quatro edições do Teatro em Trânsito seguiram um roteiro
comum em seu planejamento inicial:
Escolha dos espaços físicosrelacionados com a
memória históri-
ca da comunidade estes espaços não foram usados de forma conven-
cional, mas buscou-se um deslocamento na forma de
interagir com eles a
fim de despertar novas leituras e
percepções
Investigação dos fatos históricos e as entrevistas com moradores

privilegiaram os fatos e memórias que tivessem ressonância com ques-


tões contemporâneas
ações e atitudes que pudesem serquestionadas
hoje, suas implicações e questões éticas envolvidas.

62
Trabalho de dramaturgia pelo grupo de pesquisa
criação de
mento e/ou roteiro, assoc1ando
lugares-história-memóias. Em alauns
caso
foram aproximados momentos históricos distintos, para ampliar sua
sionificação e ressonancia com acontecimentos contemporâneos.
Identificação de possiveis rituais e
cerimõnias a serem criados
ada cena de modo a alternar papéis coletivos com
espaço para as
vozes individuais (que permitissem incluir na cena diferentes leituras da

situação
em foco).

Procedimentos deTrabalho
Argumento e/ou roteiro, após definidos pelo grupo de pesquisa,
passaram a ser investigados em termos de abordagens estética e artística
pelos estagiários e voluntários que assumiriam a direção de ator de cada
cena,ou personagens-chave para "segurar sua construção. Os persona-
gens-chave assumiriam as funções de protagonistas, cedendo o lugar para

locais que revelassem condições de exercê-las.


A formação dos cinco elencos, e a construção das cenas, nos loca1s
em que seriam apresentadas, favoreceu a interaço dos participantes com
espaço eo lugar (incluindo esteúltimo todo o significado da memória e
o

espaço, introduzido e mantindo, em parte, pelos


da história do atores da

localidade). A delimitação do tempo das cenas, além de possibilitar a rea-

lização do tránsito, contribuiu para sua "ediço"-a necessidade de sin-


tetizar a experiência de forma clara em dez minutos,incluídos aqui ceri-
monia e ritual, exigiu inúmeras revisões e re-edições.
mbora as palavTas cerimónia e ritual se con-
etimologicamente
Tundam ou contenham as dis
uma aspectos fundamentais da outra, aqui
gmoS para incluir na cerimônia um sentido coletivo, em alguma
e,

de consenso, explorando o que poderia ser incluído em um coro


oa discurso de um grupo em face deuma determinada situação. Os
Lais foram incluídos como forma dedarvisibilidade às vozes eexpres
Soes diferenciadas
de cada participante.18

18 As alternativas de inclusão de cerimônias e rituais serão comentadas na


descrição de cenas e rituais
especíticos.
63
mascaras, ctc.,Dara
A ambientação cênica incluiu tochas,lamparinas,
intensificar a atnostera teatral per e
cercar e delimitar o espaço cênico,
contexto da cena
se sentisse inserido no
mitir queo publico
de espectadores, quesealterna-
A rede formada por cinco grupos
a de roteirosparapercur-
ram para assistir a cada cena, exigiu articulaçao
das cenas. Dois contadores debistóriasfo-
e
sos distintos cronometragem
cada grupoalem deatuarem como
ram então preparados para conduzir
o e comentando sobre os aspectos fisicosda lo-
guias, liderando percurso a
deveriam manter o interesse e aguçar curiosidade
calidade, os contadores
sobre os fatos ehistórias quede-
dos espectadores, além de informá-los
ram origem à cada cena.
foram comunsa todas ascenas e
Estes procedimentos de trabalho
tránsitos, passaram
assim a ser considerados como caracteristicos daesté-

tica deste fazer teatral.


Em de Lisboa c em Bombinhas foi pintado um
Santo Antônio e
lão com a planta do espaço urbano incluído
no trânsito, imagens dos lo-
cais das cenas e indicação das alternativas
do roteiro a ser seguido. O
telão, colocado na praça onde ocorreu a cerimónia
deencerramento, fo1,
a0 final do espetáculo, o pano de fundo para a apresentação, em Santo
das crianças da Reserva Indígena
Antônio, do grupo de dança e canto
Guarani "MBiguaçu",e em Bombinhas,para a apresentação doBoi de

Mamão, que interagiu com personagens das diversas cenas do trânsito,


em Bombinhas.

Cena a cena

SANTO ANTÔNIO DE LISBOA

O distrito de Santo Antônio de Lisboa, a quinze quilómetros d


distância do centro de Florianópolis, foi um dos primeiros locais aser po
voado na Ilha de Santa Catarina. Situado à beira-mar, de frentepara
continente, com várias edificações preservadas ou restauradas, Santo An
tonio possuía, em
2001, as características físicas e urbanas ideais pat
O
um evento desta natureza. crescimento de sua população, a densidad
64
e a descaracterizaçAO de alguns dos locais utiliadoc
novas
o construções
a de cinco lugares vinculados à me-
nermitiriam mais 1dentificaçao
não per
ria histórica da comunidade, que permitissem a inclusão de especta-
mória
entre eles, a pe e em grandes grupos.
dores e sua circulaça0

Ponto d'Agua
CURTUME-O

TN

Registro Histórico. O local conhecido comocurtume, denominaçao


de Santo
desenvolvida nos primeiros tempos da colonização
daatividade lá

início do século
Antonio de Lisboa, foi durante o final do século XIXe
AAa única fonte de água pública, não salobra, localizada no centro da
reguesia. Como o ponto de trabalho das lavadeiras, atiVI
tal, tornou-se
dade acompanhada por muitas fofocas. A cena criada para representar
cste locale atividade foi ambientada em torno de 1880, a fim de incor-
porar berpa, Vig Pereira
personagem histórica do padre José Feliciano
a

atividades em
d4 cOmunidade durante 53 anos e conhecido por suas
medicina popular, sendo famosas suas garrafadas e benzeduras.
na dé-
Oito grandes tanques, construídos pela prefeitura
cada de
ena. usualnmen
c760, no antigo curtume, para organizar encontro o
65
tumultuado das lavadeiras, o cenário para a cena em queelas disputa
tam
os tanques em meio a fotocas, anedotas e cantorias. A insatisfação c
ere re-
de uma delas, por náão ter conseguido o tanque
clamações almejado,viraa
motivo de chacota das demais. Uma das colegas sugerequea origem do
mau humor deve-se, na realidade, ao baixo desempenho sexual do mari
do da colega insatisfeita. A
acusação abre espaço para a introdução de
histórias sobre as garrafadas do cônego Serpa. O
elenco incluiu
uma la-
vadeira ainda ativa, seus filhos pecquenos e crianças da vIZinhança.
O
O Sentido de Cerimônia. sentido de cerimónia foi dado,inicial-
mente, pela entrada das lavadeiras com suas cestas deroupa, pela cantoria
que (historicamente) acompanhava a atividade;, em outro momento, pela
verbais (discussão sobre espaço e distribuicão
interrupção de seus confrontos
do horário de uso) a fim de apresentar o ir e vir das crianças aoredordas
mães, da roupa nos tanques, acompanhado dos murmúrios
o som dasbatidas
e/ou resmungosdas lavadeiras, como se estivessem falando consigo mesmas
O
O Sentido de Ritual. contar das histórias da comunidade, pelas
lavadeiras, mostrando fisica e verbalmente suas altercações e disputas co-

tidianas, foi alternado com de anedotas, que revelaram sua


a narração

visão de mundo, deram voz a cada participante e mostraram seus rituais


cotidianos de forma teatral.

SOBRAD0-A Extinção dos Teares

BOSEEganonnSBS0SASDSFILOANBLD

66
T
Reaistro Histórico. LD. Pedro lecomitiva aportaram em Santo Anto-
nio em 21 de outubro de 1845,a bordo dovapor
Imperatriz, como
parte
de visita Aposcerimónia na lgreja Matriz, onde foi entoado
protocolar.
o
hino "Te-DeumLaudamus,foram as honrarias às
entregues autoridades
da freguesia. O padre Lourenço Kodrigues de Andrade foi
vigário de
Santo Antonio de 1797 a 1821,onde exerceu importante liderança polí-
sobretudo contra o Alvará Régio de 1785,de D. Maria
tica,
I, a Louca,
que mandou extinguir os teares no Brasil,para que na colônia não se fabri-
cassem tecidos que viessem a competir com preços dos fabricados em Portu-

gal.
O vigário passou ento a se vestir com roupas feitas nos teares de Santo
A
Antonio, assim se apresentando à corte. junção destes dois momentos
históricosvisou salientar as contradições da relação colônia-corte em perío-

dos históricos anteriores, e sua possível analogia com outras épocas e locais.

Cena. 1845-D.Pedro II e numerosa comitiva visitam Santo


A
Antônio. Chegam à praia, em frente às ruínas do casarão que sediou a
da lancha da Universidade
outorga das comendas no passado, a bordo
Federal de Santa Catarina, e ao desembarcarem na praia são precedidos
o
por um adolescente tocando violno, que conduz séquito
dos nobres e
suas escravas, ao casarão. Durante a cerimônia de entrega de comendas

às autoridades locais, manifestantes vestidos com túnicas feitas em tea-


res, aparecem sobre as ruínas das paredes do sobrado, bradando palavras
de ordem contra o imperadore sua política à época. São feitasreferências
ao padre Lourenço e ao Alvará Régio de D. Maria.

O de Cerimônia. D. Pedro II chega a Santo Antônio com


Sentido
seu séquito, de barco;1 em frente à fachada do casarão (única parte pre-
Entre as ruí-
servada do edificio),famílias, vestidas a caráter, o aguardam.
comendas aos cidadaos
nas do sobrado
que o recebera à época, entrega
lustres da comunidade, cujas famílias se agrupam
à espera de serem
a
Chamadas mestre de cerimônias.
pelo
O
som de um violino acompanna

Nesta real surge da escuridão da praia, poiso


apresentação, o cortejo devido a mare Dalxa,
do casaro
rco reservado para a cena não pode se aproximar
ficando ancorado ao fundo.
67
cerimônia. O protocolo de outorga foi investigado eseonsi 1
da cerimônia
e o texto da concessão foram mantid.
à riscaos nomes das famílias,
da UFSCe pela Academi
O figurino foi emprestado pelo Museu mia de
uniformes, semelhantes aos portugueses de
PolíciaMilitar (antigos épo-
cas passadas). Os espectadores estão distrbuidos pelo espaço ema
realiza a cerimônia, lhes sugerido que representem
é o povo", na condi.
a cerimônia.
ção de infiltrados para observar

O Sentido de Ritual. A pompa da cerimonia e quebrada por mani-


de protesto, que por sua vez acarreta outra de apoio. Os man
festação ani-

festantes aparecem sobre as paredes das ruinas do casarão, vestidos com


tecidos de tear, e fazem acusaçoes a coroa portuguesa, um porvez,reve-
lando os detalhes do Alvará Régio que proibira a fabricaçãodetecela-

gem de qualidade no Brasil (tecidos rústicos para uso na lavoura eram


permitidos). Após cada fala, individual, o conjunto dos manifestantes lan-
çam palavras de ordem.A cada três ou quatro manifestações, as autori-
dades que receberam as honrarias defendiam as decisões de Portugal.

ENGENHO- A Farinha de Guerra

68
Reaistro Histórico. O da produção de
registro
farinha em Santo
nio deLisboa em 1797aponta para 20.000
alqueires demandioca,
essa que cOmegou a cair a
produção partir de 1835, com os efeitos da
chamada farinba deguerra, por ser em grande parte enviada às
tropas da
coroa no Rio Grande do Sul. A fabricaço da farinha era
acompanhada
de muitos momentOsde recreaçao, por exemplo,"as farinhadas", feitas sno
inverno quando a mandioca ainda estava bem consistente. Várias
pessoas
o forneiro, o cevador, o
na farinhada,
trabalhavam prensador, eos raspa-
dores de mandioca. Quanto maior o número de ajudantes, mais rápiddo
terminava o serão. Na raspagem da mandioca pessoas detodas asidades
contavam casos, cantavam quadrinhas e faziam desafios.

A Cena. A ação tem início durante uma raspagem de mandioca,


onde os donos do engenho, parentes e vizinhos, entre cantorias e fofocas,
revelam o contexto da produção eda vida no engenho naquele periodo
Os protagonistas, um jovem casal e o pai da noiva, discutem o repetido
adiamento do casamento dos jovens, por falta de recursos, em decorrên-
cia do declínio da produção da farinha devido aos sucessivos calotes doo

e não pagava.
governo, que comprava a produção para alimentar as tropas

O Sentido de Cerimônia. No espaço central de um engenho res-


taurado, personagens
do engenhooe
a família proprietária
representando
seus vizinhos, sentam em círculo, para a raspagem
da mandioca. Crian-
do
as pequenas bricam em volta, um gato circula pelo ambiente. Peças
membros da familia
engenho delimitam o espaçocênico, e adolescentes,
e tochas acesas para iluminar a raspagem.
A cantiga
viZinhos, seguram
sendo interrom-
que identifica essa atividade é entoada repetidamente,
de raspagem.
pida por informações o desenvolvimento do
sobre proceso

O Sentido de Ritual. A conversa e as fofocas do círculo de raspa-


de ritual.
da época, e foi orquestrada em
forma
ores revela o contexto circu-
curtas são alternadas com murmúrios e cochichos;
crianças
ralas
lan
em volta do círculo e eventualmente fazem um zigue-zague entreda os
estrofe (ou parte dela)
adultos; uma afirmação é repetida por todos,
ca a da raspagem da mandioca é introduzida em meio
a convers.
69
no Cemitério
Fortuitos
A SINEIRA-Encontros

Na de 20, a limpeza e ornamentação da


década
Registro Histórico.
Necessidades de Santo Antônio deLisboa
Igreja de Nossa Senhora das
estava a cargo deum grupo de senhoras do "Apostolado daOração'",as-

sociacão recém-fundada.
Entre as histórias populares associadas à igreja há a deque es- o
paço situado entre a cscada que leva aos sinos, e o cemitério aos fundos,
incluindo-se aí uma das entradas laterais da igreja, era um
local conhec
do pelos cncontros furtivos que lá aconteciam, devido à proteção que este
lugar oferecia contra os olhares dos passantes.

A Cena, A interação de personagens representando as senhoras


do "Apostolado" e o foco da cena. As distintas
jovens daquela época foi
VISOCs de mundo, por parte dos dois
grupos, são confrontadas atraves
do aparecimento em cena de uma
figura mitológica do folclore loca
"a 1maromba",
que segundo alguns idosos da comunidade, entrevistados
iesta
pesquisa, era a caracterização usada por homens da
época1nt
ressados em afastar os olhares do
público de seus eventuais encontros
70
amOrosOs. Diz a lenda, que se alguém deixasse as
janelas abertas em
noites de lua cheiae olhasse para uma maromba, isso traria
desgraça à
sua família.

O Sentidode Cerimônia. As "Filhas de Maria", senhoras do


apos-
tolado da oração, da Freguesia de Santo Antônio, de
acompanhadas mo-
de "boas famílias, chegam com tlores,para enfeitar os altares.Den
tro da Igreja entoam cânticos
religiosos enquanto desempenham a tarefa.
O início desta cena apontou para uma possível cerimônia, caso tivésse-
mos acesso ao interior da igreja; no caso, as atrizes entraram por uma
porta lateral e saíram pela dos fundos. A cena teve continuidade ao lado
e atrás da igreja, e o sentido de cerimônia foi
sugerido pelo séquito de
senhoras e adolescentes, carregando flores e cantando hinos religiosos,
com tigurino de época, enquanto um vendedor de rapaduras passava por
entre o público fazendo comentários que em parte anunciavam o quue
estava por vir.

O Sentido de Ritual. A figura


da "maromba", corpo de homem,
cabeça coberta por uma peneira envolta em véu, aparece e desapare-
ce, circulando pelos espaços entre as colunas da sineira da Igreja,e a cada
da Oração gritam e se escon-
aparição as integrantes do Postulado
dem, tampando os olhos com as mãos. A cada desaparecimento da ma-
romba, se acalmam, e uma delas conta um caso relacionado com a len-
da. O de medo ou
grupo reage fisicamente e oralmente (expressões
espanto) às narrativas. Se as mulheres contam casos passados, ven
o
dedor de rapaduras que circula entre os espectadores, anuncia eventos
futuros.

71

SISBI/UFU
1000426963
INTENDENCIA-A Compra de Votos

A
cleição de 1947,
com candidatos doPSD e
Registro Histórico.
UDN, ficou na memória does que dela participaram a
devido um incidente
da proibição da venda debebidas
com um embriagado (apesar
eleitor

alcoólicasem dias de eleição). Segundo


os entrevistados, O incidente ocorreu
durante a visita dos presidentes dos dois partidos, que apareceram para

inspecionar o andamento do pleito. Após acusações mútuasdecompra


devotos, o cleitor embriagado, irritado, declara seu
voto. Os eleitoresdo
partido oposto
clamam pela impugnação, a qual não acontece, eobeD4
do é retido até o final do pleito.

A Cena. Uma paródia das atitudes, do gestual, e dosrituaisele


de
rais conduziu esta cena, que se baseou inteiramente em depoimetos

noradores que a Vivenciaram, e nas anedotas que acentuam pei


sistén
de a
C1a e atualidade dos antigos hábitos. A perspectiva
crítica coCanp

reflexão foram abertos com a inclusão do poema "Oanalfabeto


político ,
de Brecht, recitado por um eleitor bébado e revoltado por tersido i
dido de votar. O
bebado perambula por entre os presentes, enqua

72
tentando convencè-los de que há problemas mais
recita, o
sérios que dele
na condução dopleito.

O Sentido de Cerimónia. Nos meados do século XX, dia de


cleíção
era día de vestir sua melhor roupa e ir a0centro da vila encontrar os ani-

gOs, os candidatos
e passear. A cleição de 1947 ficou na memória dos
moradores antigos da comunidade, pelas emoçóes que causou, Entrevis-
tas com vários eleitores da época permitiu reconstruir a atmosfera do lo-

cal da votação e seu cerimonial homens das canadas populares aco


corados no espaço exterior do local da votação, à espera da maior oferta

para a compra de seus votos, as moças andando de um lado


ao outro
exibindo seus vestidos feitos cspecialmente para a ocas1ão, a disputa dos
cabos eleitorais.

O Sentido de Ritual. Os homens acocorados no pátio à entrada da


interrom-
intendencia, resmungando e lamentando seus problemas eramn
pidos à chegada dos cabos cleitorais
e do presidente de cada partido, que
ouviam suas lamentações e ofereciam ajuda em troca do voto. A negocia-
çao era selada com a entrega de cartazes em torma de estandartes, que

passavama ser empunhados pelos eleitores anteriormente


acocorados. O
anúncio da aproximação da equipedopartido oposto provocava a repeti

ção das lamentaçõese um novo acordo.

NOVA TRENTO

A cidade de NovaTrento, distante e cinco quilômetros de


oítenta
da pro-
Florianópolis, foi fundada por imigrantes italianos provenientes
e
Vincia de Trento, Itália, em 1875. Acidade cultua até hoje as tradições
COstumes de seus antepassados,
Nova lrento sediouo Curso Magister de Teatro, um convëni0
en-

a Secretaria de Educacão do Estado ca Universidade Estadual de


tre
atd Catarina. O curso iniciou-se com quarenta alunos, aprovados em
Aaine vestibular específico, e concluiu-se com trinta equatro alunos, todos

73
provenientes de cidades próximas a Nova Trento; não havia alunos resi-
dentes em Nova Trentoeles pernoitavam na cidade de sexta-feir

para sábado, tendo aulas sexta à noite e sábado,período integral.


A realizaçäão do transio foi iniciativa dos alunos, após assistirem
video sobre o evento anterior, em Santo Antonio. A motivaçãofoiapos-
sibilidade de focalizar aspectos da históría local, com ressonância atual
que tivessem lhe causado algum tipo de estranhamento cultural.

As Cenas

BUGRES E BUGREIROS-o Massacre

Registro Histórico. A presença


dos Xokleng nas áreas
que estavam
Sendo c0gitadas para o estabelecimento dos
imigrantes era do conhed
mento tanto dos governos
monárquico e provincial, como dos interessa
dos nos negócios da
colonização. Em 1808 o governo portuguêsdeu au
torizacao para a guerra aos índios, e as províncias a
começaram organizar
tropas de homens armados, denominados "bugreiros", que
adentrava
na floresta com o intuito de dizimar os
índios, resultando em verdaderos
massacres,

74
A Cena. A cena mostra um
grupo de bugreiros ao redor da foguei-
ra planejando
um massacre, e na sequencia um acampamento dos Xo-
11eno. c O ataque enquanto
os índios dormiam, apósum ritual dedanças
Os colonos matam homens e mulheres e levam as crianças
cantorias.

para serem catequizadas pelOs frades. A cena incluiu descendentes de

e um grup0 de adolescentes da reserva dos Xokleng, município


bugreiros
de José Boiteux.

O Sentido de Cerimônia. Os bugreiros, acocorados


ou sentados ao
deu à
redor de uma fogueira, tomando chimarrão e contando vantagens
no ceri-
cena um sentido de cerimônia. Os representantes dos Xokleng
monial do chá, louvando a natureza eo cair da noite também se caracte-
rIZou como uma cerimônia.

O Sentido de ritual. As cerimônias mencionadas cima continham


um sentido de ritual.

ENGENHO-OBrasileiro

75
Mundial muitas familiae
Registro Histórico.
Na Segunda Guerra
de imigrantes, tiveram os filhos convocados
do Vale do Itajaí, descendentes
no trabalho familiar e era preciso substi
Estes tinham papel importante
dos caboclos
"brasileiros,expressao designativa
tuí-los por empregados

A Cena. O clima no engenho está tenso. As máquinas pararam


de iuseppe para a guerra, e o braslero Miguel, contra-
após a partida
dificuldades para resolver oproblema. A
tado para substituí-lo está com
Francesca, noiva de Giuseppe, apaixona-se
situação complica-se quando

por Miguel, e os preconceitos


vem a tona. not sn

O Sentido de Cerimônia. A família reunida na hora da janta,a reza,


da terra que fixou
e após a reteição a cantoria, em italiano, como lembrança
de inserir as crianças na cultura dos avós.
para trás e como forma

O Sentido de Ritual. As de ações no engenho, cada


sequências
um seguindo seu ritual, interrompidos com imagens congeladas onde um
das implicações da guerra no cotidiano
por vez comenta sua percepção
das famílias italianas.

A TROPA DEGETÚLIO- Pés de Chinelo

16
Begistro
ffistórco, Sos an0s
1939,soldadosda força revolucio-
A Caninho da cADRal da cntão província deSanta Cata-
aheia uetulista,

ed.ifVadem Nova T1ent9, YAES 5OLdados não calçavam botas, pas- e


wA4 56r conhecidos cmo pésdechinelo", Ficaram em Nova Trento
eot dois dias, ate
teODET OHOen de tetirada, Durante este período
45 ruas do Centro da Cdade,enquanto os homens da localida-
oCuparam
de refugjaram
o
mato, evitando ass1m seremrequisitados para com-

por astropas,

A Cena, A cena acontece no casaráo do Círculo Trentino, onde


um grupo de colonas i1alianasnaausência de seus marídos refugia-
no matovivenciam un momento de expectativa com a chegada
dos
eminente das tropas getulistas e utilizam um estratagema, nada con-
vencional, de ludibríar os soldados: prótese nabarriga para índicar gravi-
dez, Era sabido que as casas habitadas por alguma grávida não eramn

$acqueada,

O Sentido de Cerimônia. Duas mulheres, àsjanelas do casarão,


observam outra lavando roupa no quintal e mais duas sentadas à sombra
de uma árvore, costurando. Crianças correm ao redor delas. Ouve-se ruí-
do da Os movimentos das mulheres e crianças
tropa se aproimando.
CeSSan c todas começam a cantar, baixinho.

O Sentido de Ritual. O ritual de cada tarefa no engenho é realça-


do
pelo
comentárioque cada trabalhador faz, à maneira de um resmun-
go ou
lamentacão, sobre sua tarefa e a possibilidade de ter que interrom-
ao estado precário em
Ea devido
dolocal
se encontra a instalação elétrica
que

77
NUM PONTO DE TAXT-OAndarilho

Yrrrrrrrrrrrmrrr

Registro Histórico. O
tema "andarilho" foi investigado por meio de
entrevistas intormais com taxistas locais, e substancialmente
complemen
tado com nosso contato com um andarilho que ocasionalmentefaz "seu
ponto nas proximidades da praça central de Nova Trento. pesquisa seA
deu, assim, pela nossa interação com os frequentadores da praça, notur
nos e diurnos, pois não encontramos nenhum
registro histórico sobre o
assunto. Nosso interesse pelo tema decorreu do contato com um
anda-
rilho, ba1ano, que nos devida e as referen
surpreendeu pela sua história
C1as que fez a suas andanças. ,
A Cena. A cena se passa no Ponto de Táxi ao lado da
e da Prefeitura,
igreja mati
local
privilegiado para observar o trânsito de forasteno
turistas a andarilhos. O foco da cena é a relação entre da co
pessoas
munidade e um andarilho as
reações de repúdio e preconceito Ppor
parte de alguns, de curiosidade e
apoio por parte de outros, e as autu
tudes
e reações do andarilho.

78
O Sentido de
Cerimónia. Um grupo depessoas esperam por táxis

lada da 1greja matriz, em um domingo após a missa. IUm


an nonto ao
a cerimonia da missa.
deles narra

O Sentido de Ritual. Após o relato da cerimônia, as pessoas no


a conmentar sobre a relação nada cristã dos admi-
Donto de táxi passam
nistradoreslocais com os andarilho. Cada um conta um caso a respeito
ou atuais sobre o assunto.
de experiências passadas

ARINHA-A Utima Luta

(seus adeptos
Kegistro Histórico. A briga de galo é uma atividade
em vários lugares do mundo,
*Siaeram um esporte) que se destacou
uc, Cmbora proibida, ainda continua mantendo a tradção, degeraçao
mas na década de
geração. No Brasil a briga de galo é hoje proibida,
um evento corriqueiro, podendo ser encontrado em qualquer
C
o de quintal. Ainda podemos encontrar simpatizantes dojogo,
das regras originais e do seu ritual,que discutem
CO

as questoes
ores
eticas
subjacentes a tal prática.
79
em relação à briga de galo é aqui f
A Cena. A controvérsia os membros de uma familia: filhoeo mãe
ali-
entre
zada através do confronto
do galo, considerado membro como
lutam pela "aposentadoria
que com as habilidades do "camneäo
e o enriquecer
pai, que pretende
familia,
sao apresentados ao publico, lutatem a
Os dois galos que se enfrentarao cena terminacom A
pela policia."
início e é imediatamente interrompida
a ser realzado após a última apresentação,
a chamada para um fórum

O Sentido de Cerimônia. O local onde se realiza a luta, o pátio

interno de um casarão, é circundado por um corredor coberto, onde se


Os donos dos galos entram em cena e apresen-
alojam os espectadores.
tam seus campeões, contando sua história,
descrevendo aspectos deseus
treinamentos, e suas vitórias.

O Sentido de Ritual. O sentido de ritual está embutido na cerimo-


nia: cada treinador demonstra, passo a passo, o treinamento deseu campeao.

BOMBINHAS

Bombinhas emancipou-se de Porto Belo e transformou-se em C


dade em 1992. Um grupo da Secretaria Municipal de Cultura de Bombi
nhas assistiu ao teatro em trânsito de Nova Trento, convidou o grupo e
me consultou sobre a possibilidade de realizar uma nova edição do projeto
A
em sua cidade. ideia era celebrar sua recente independência com uina
Viagem através de sua história e cenas que mesclassem historia
tas locais relacionadas com lugares
C

da comunidade.
au
significativos

e
20 O grupo que realizou esta cena incluía o filho de um criadordegalo
briga,da cidade de Itajaí, e outro, filho de um criador local, dono da lanch de
onde os estudantes faziam lanche. Três meses antes deste espetáculo uma bTg
galo
fora
interrompida em Nova Trento, e seus realizadores presos. grupo O aes
tudantes a a adesão do fizera as
que montou cena conseguiu policial que prhav
para participar da cena, interrompendo a luta na mesma etapa em que
que
a
interrompido originalmente.Isso foi executado na realização das cinco cenas
constituíram o rodízio do trânsito.

80
As Cenas

1527-JAJEROJY

Caboto, um marinheiro espanhol


(ca-
Sebastiäo
Registro Histórico.
cle captura
pitão) aporta em Bombinhas,a caminho da Argentina. Aqui,
quatro índios e os leva consigo.

um na areia, conver-
Cena.Três mulheres, sentadas em
barco
A
vinte
dos índios. Na
scquência,
SODre a história do lugar e a captura
a musica
as de sete a oito anos de idade, cantam e dançam Jajerojy,
uma terra ideal.A
ea esperança de encontrar
d sobre os sonhos entre as árvores
ao fundo de
aparecimento
On1a e interrompida pelo de Sebastião Caboto.
As crianças
O/ Doneco gigante,
caricatura
da cena.
8Ttam e se dispersam pelos vários cantos
81
O Sentido de Cerimônia. A composiça0 cenica, as quatro mulbo

sentadas em um lança ind


separandoo espaço circular da danca
barco,

das árvores e arbustos


onde aparece Caboto, e a dança da crianceindígena
s em
si,
se constituem como uma cerimónia Guarani.

O Sentido de Ritual. A dança mostra um ritual Guarani.

1780-O CÍRCULO DE SALOMÃO

NT
F

Registro Histórico. Histórias sobre bruxas povoam o imaginário das


comunidades pesqueiras, cujos ancestrais, açorianos, foram extraditados
de Portugal durantea Inquisição, acusados de bruxaria.

A Cena. O ano é 1780.As bruxas se divertem e desafiam Lúcifer,

que Ihes roga uma praga em forma de profecia sobre os tempos ruins
falta de
que irão chegar: problemas de saneamento, escassez da pesca,
terra, dificuldade de sobrevivência. A cena passa para 1960-um grupo
de mulheres açorianas, em lamentos, pede a uma benzedeira que asaju
de a enfrentar a profecia de Lúcifer, interrompendo o aparecimento de
seus sintomas. A cena acontece em um velho barracão para barcos, na
praia, um tipo de construção em extinção.

O Sentido de Cerimônia. A interação da curandeira com as ado


lescentes, dentro do círculo de Salomão, marcado por mariscos (pela part

82
conchas), seus apelos a
das c
Cxterna proteçao divina, se
ce
Ania teatral. Cerimöniaeitual se mesclanmconstituem como
uma nesta cena, mas
laneiamento foram pensados de acordo com
para suas característi-
distintas.
cas básicas

O Sentido de Ritual. o ritual se intercala


com a cerimôniaas
dalescentes, ao receber a curandeir,a fazem um ritual para protecão de-
ondevivem, ao final da cerimônia que se segue, chega Satä
las e do lugar
inicia um ritual
(o diabo) e a curandeira para mantê-lo à distância,Ao
final da apresentaçao
os espectadores se juntam aos participantes em uma
de dança ritualística.
espécie

1852A CASA DA FARINHA

enhos
nos engen
de poderpresentes de seu pro-
As relações violência
Registro Histórico. através da
de farinha de mandioca são apresentadas dad
e no tratamento
com sua família
CLario nas interacões 83
escravos.
A Cena. O dia a dia das mulheres da casa do engenho, ossonhos
de capoeira pelos jovens escravos, observados
das adolescentes, o jogo
das treliças de madeira da
las meninas da casa grande atraves varan-
a desmedida do
da. Em contrapartida, opressão capofamiglia.

OSentido de Cerimonia. Uma reteição, com toda grande familia


a
reunida, conduzida de acordo com as regras de comportamento ditadas
elo pai, e, à noite, a reuntäo de todos na sala de estar Para ouvir as
ordens dele quanto às inclusões ou exclusões na rede derelações sociais
da tamilia.

O Sentido de Ritual. A
roda de capoeira, observada à distância

pelas meninas do engenho, seguia um ritual claro a fim defacilitar sua

apropnaço pelas observadoras.

1910-ONTEMEHOJE

Registro Histórico. A
beleza natural de Bombinhas, hoje destino
turistico bastante procurado, trouxe transformações urbanas rápidas para
o local. A alta valorização dos espaços próximos às praias, vertentes d

84
retirada dos moradores tradicionaisque ven-
hociras, provocoua
gua
e para ssubir o nivel de vida e tentar suprir
erras para as necessida-
suas terras
deram
todos os filhos.
des de

Cena. Um dono de engenho


A
em
decadencia mostra sua
ligação
oS sua sobrevivência eman-
am sua terra e trabaiho, quais representam
Essa situaçao e controntada com outra, represen
rm os laços de familia.
da história de Bombinhas,onde os"locais
Pando um período posterior
a vender suas terras para rorasteiros interessados
em empreen-
começam
mostra as divergëncias entre os membros
imobiliariOs. A cena
dimentos
deum engenho.
de uma familia proprietária

inclui um fragmento de
O Sentido de Cerimônia.A primeira cena
uma cerimõnia para comemorar uma boa safTa.

O Sentido de Ritual. A segunda cena inclui um ritual do trabalho


o confronto entre o dono
cotidianono engenho como pano de fundo para
e os torasteiros que tentam comprá-lo.
do engenho

1992 QUEM SABEFAZA HORA


PATICIPE

vOTE

sENAMAR

85
Registro
de
Histórico.
Antes

Porto Belo,
da emancpação Bombinhaseraa um hai
um bairrO
e seus moradores pagavam impostos altoe dada
.
do municipio e reclamavam que o dinheiro não revertioa na
de balneario,
sua condição
do meio anmbiente. A Situação gerou grand
de preservação espaçoe
forma
dos em prol de suaemancinaci
e participação pescadores
mobilização

de pesca na are1a da praia, eles acabaram de


ACena. Dois barcos
de e suas familias, que vieram ajudara
Um grupo pescadores
das redes, comentam sobre a pesca e o retorno
atracar.
os pexes
desembaraçar voltar no plebicito sobre
dos barcos para que todos pudessem
antecipado
andamento. Um contronto tem início entre aqueles
a emancipação,em
estão a favor e contra a emancipação.
A cena termina com um jovem
que
a discussão com a apresentação de "O analfa-
pescador interrompendo
beto político", deBrecht.

é in-
O Sentidode Cerimônia.A imagem da luta pela emancipação
centro da cena e outros que
troduzida pelos barcos à beira da praia (os do
ficaram à beira d'água) e um grupo de pescadores, seguidos por criançase
areia da praia, com cartazes sobre o plebici-
mulheres, se aproximando pela

to e cantando "Pra não dizer que não falei das flores", de Geraldo Vandré.

O Sentido de Ritual. O debate político tem ao fundo o ritual de


desenrolar a rede, desembaraçar os peixes, enquanto
uma mulher já ini-
cia o descame de um deles e seu corte, retirando as entranhas
ejogando-
as para os gatos.

RIBEIRÃO

Ribeirão da Ilha é o distrito de Florianópolis quemelhor preservou


as características açorianas, tanto cultural quanto fisicamente (caracteris
ticas urbanas e arquitetônicas). Portanto, realizar uma edição do 7ränsito
em Riberão foi uma consequência natural do projeto. Esta montagen
focalizou os aspectos culturais da tradição açoriana que consideramos as

que mantëm maior ressonância com a atualidade.


86
contou comn quatro Cenas (em ven das
edição
Esta cinco dos trånsi-
es)
Dor não ter sido possivel 1dentificar um
tosanteriore quinto local histo-
eiunificativo dentro do espaço VIAvel
ricamentesignífica
se caracteriza
um tránsito de pe-
como uma longa
para
terra àbeira-m
Ribeirão
Ri de faixa
destres.
mar;
cruzamento dos espectadodores, na hora de passar de
o
assifm uma cena a
fmitou o número das cenas, po1s 0slocaisdascenas necessi
outra
distanciados um do outropara quenão houvesse
estat interferência.
Outro problema desta ediçao toi sua
interrupção o
após ensaio ge-
fu vez que o apo1o financeiro nao fo1 liberado a
tempo para o alu-
do material de iluminação esom.
guel

As Cenas

1830-TRA TEIM

RegjotroHistórico. Ribeirãono século XVIII nomeado Fre-


da Ilha,
guesia de Novwa Senhora da
Lapa era o local onde as
baleeiras eram

XIX
e
Construídas de onde
partiam para o mar. Diz a história que no
século
KIX foi
criado um regulamento visando
impeder a construção de
barcos
un
ir que
rn
projeto. A história também aponta para a dificuldade em conse-
este
regulamento seja cumprido.
87
uma baleeira sem existir de uma
A Cena.

Ouem vê de
E possível
fora (no caso,
construir

quem mora na cidade) teima que não..


mora em ibeirao) teima que sim. A um os
planta?
e
quem
está dentro (no cas0, quem po
de pescadores retornando da pesca e dada a notícia que sua baleeira
ter sido construida sem respeitar o regulamento. Os pescad
apreendida por
res e o trouxe a informaçao contam vantagens e discutem for-
amigo que
mas de driblar a lei, enquanto
um grupo de mulheres, rendeiras, sentadas
em um muro ao lado, observa e comenta o comportamento dos homens.

O Sentido de Cerimônia e o Sentido de Ritual. Há um sentio de


cerimônia na maneira como homens e mulheres se dão a ver, uns aos

outros, os primeiros contando vantagens e planejando driblar a lei, as mu-


lheres observando e comentando os gestos e as manobras dos homens.

Os discursos, paralelos, se entrelaçam e cada fala remete a um ritual da


vida do pescador e da rendeira açorianos, seja através de uma descrição
ou de uma metáfora que expliquem sua visão de mundo.

1888-SEM EIRA NEM BEIRA

MA
Registro Histórico. Ribeiräão foi um dos primeiros assentamentoOS
açorianos em Florianópolis. Amplas extensões de
terra foram distribui
88
central para aqueles que para ca vieram a fim de pre-

laspelo
das o
owoverno centra
governo espanhola. Com os colonizadores chegaram seus escra-
metade do século AX indicam que o procon-
Venira ictrOs da primeira
l
vOs. Registroe racial
social
e.
em Ribeirão manifestava-se também na separação
e uso dos1negrros.
ceito uso dos brancos praias para
praias para
entre

Os participantes
desta cena decidiram deslocar sentido o
A Cena.
e
de uma relaçao entre bDrancos negros para uma relação
"escravidão" ques-
os que detëm poder e Os destituidos destepoder. Procuraram
o
a
nao seriamos tOdosescravos. Nesse sentido, cena
entre

tionar

de
até que
desenvolveu

lizada por
ponto
em torno da organizaçao deumaluta de libertação
uma dança africana, cantada em "afrikaner lingua
em diversos países
, simbo-
atualmente

da Africa, como possibilidade de


sendointroduzida culturas e distintas.Esta danca e
entre línguas
promover comunicaçãointroduzida e ensaiado pelas estudantes norue-
a

cantoem "atrikaner
foi

e brancos,participaram dacena.
guesas-adultos e crianças, negros
ea inclusão gra-
O Sentido de Cerimônia. A apresentaçãodadança
de contraternização.
servista uma cerimônia
dual dos espectadores pode

de uma adolescente
O Sentido de Ritual. A cena mostrao ritual
namorado
a festa e sonhando com seu pretendido
preparando-se para
falando sozinha, em voz alta).

1947-TANTO FAZ COMO TANTO


FEZ

89
Dados da cleição de 1947,usadosem Santo
Registro Histórico.
foram também usadoOS aqui, por insistência dos atoro
António de Lisboa,
devotos a situação reiterada,historicamen
que consideraram "a compra

mais propícia a uma


discussão sobre ética. Como o foco desta edici
te,
centro-distrito distante do centro,
do trânsito era a relação investigou-se
a intendëncia local (tipo de subprefeitura)
dados sobre as relações entre
ca prefeitura.

A Cena. Num da Freguesia do Riberrão, no ano de 1947, dois


bar

dos partidos PSD e UDN se enfrentam, tentando con-


representantes
vencer os eleitores a votarem em seus candidatos. Há muitas promessas
de favores em de votos. Os dois se insultam e chegam
e oferta troca

quase à agressão fisica. No meio deste conflito há o eleitor desinforn


do, descrente e desinteressado, é tudo
que acha que político igual e que
tanto faz como tanto fez (o subtexto para a criação deste eleitor foi
"O analfabeto usado em Santo António
político" de Bertolt Brecht, já
e

Bombinhas).

O de Cerimônia foi discutido e decidido em relação ao con-


Sentido
texto do bar, às apresentações das propostas dos dois partidos, um por

vez, parao público presente, à apresentação de suas plataformas deges-


tão e às feitas ao público, entre brindes e ironias dirigidas ao
promessas
grupo opOsto.

O Sentido de Ritual foi planejado em


relação ás promessas feitas
men-
pelos candidatos, um por vez, e intercalados com as apresentações
Cionadas acima.

90
960-SAPUCADIQUÉ

Registro Histórico. Confrontos em torno da herança dacasa da fa-

mia são muito comuns, pois os casaisaçorianos têm muitos filhos.A cena
desta
baseada em história real, e ambientada na casa quefoi o pivó
os
história,hoje em ruinas.
uma
Numa casa do Ribeirão daIlha, em 1960,
acontece
ACena.
de casamento. Entre sombras de um passado em ruinas,cenas do
Ctdiano e bolinhos em folha de bananeira, surge aquestao: vende-se
da-
o
20 2 casa? A festa parou., 2música acabou e barraco começou.
pucadique
as falas dos padr
foi a do casamento,
Sentido de Cerimónia
nhos, cumprimentos, os bolinhos em folha debananeira
local para
do "mané"(caipira)
21 Sapucadique" é a fonética
pressão
sabes por causa 91
dequër
O Sentido de Ritual esteve em parte embutido na cerimá

casamento, e em parte foipensado ao desfile de acusacões roels


relacionadas
envolvidos na possível venda da casa.
com os interesses

Parametro Estéticos eArtisticosaspectos comuns

O primeiro aspecto convergente entre as cenas destas quatro edi


ções do Projeto Teatro em Iránsito foio distanciamento
histórico, a irreye-
rência ou ironia na escolha do contratexto e da contramemória, a fim de
facilitar a percepção crítica das situações apresentadas sem que fossem
criados possíveis constragimentos ou associações com parentes próximos
A
questão da "identidade", usualmente privileg1ada na análise e
desenvolvimento de processos de teatro na comunidade, não entrou em
foco. Em contrapartida, a noção de diferença como originalidade ouopi-
nião/postura pessoal (nosrituais e cerimônias), tornou-se central. A dife-
rença enquanto postura foi investigada para representar a voz social do
ator, e, enquanto originalidade, suavoz expressiva.
O planejamento das cenas e a discussão dos parâmetros estéticos
e artisticos dos tránsitos, em conjunto pela equipe de pesquisa e diretores
de cena, procurou privilegiar:
processos de construçao de cenas que considerassem as opçoes
do elenco, após a discussão das convenções teatrais (consideradas ante-
riormente como formas interativas),o que foi considerado uma estratégia
democrática para promover a interação do grupo e sua responsabilidade
em face do trabalho coletivo;
o das múltiplas leituras dos argumentosou roter
levantamento
ros da cena, a fim de ampliá-los ou verificar possível necessidade de mo-
ou redirecionamentos.
dificações
levantamento de sugestões e/ou análise de possíveis formasde
contextualização e atualização das situações a serem encenadas.
de fragmentos de textos, notíc1as, S1
Focalizar diferentes leituras

tuaçoes,cenas, atitudes, espaços, no transcorrer do processo,podera am


pliar tanto a interação quanto a percepção das formas interativas de pro
mover o trabalho de teatro em grupo. A interpretação deixaria de seruna
92
individual para adquirir
um sentido de
exploração coletiva.Os par
tarefa
aundo no papel de espectadores,
quando
n

ajudariam a remover on "pon


ticipantes,
tos cegos"
do trabalho de interpretação22
leitura em process0 poderia prevenir tres
problemas conuns ao
Com elenco, a maior parte sem
safro grande experiència anterior
a
separação entre conhecimento e açao-a qual leva focalizar a
omportamentos
em vez de conbecimento em artes. Por exemplo, valoriza-
comp
de atores superativos e extrovertidos em detrimento
ção daqueles que
mais minuciosos ou sistemáticos de trabalho.
ceouem processos

marcacão
a

-
intervenção do
professor/diretor
na identificação de subtextos e
cabe ao diretor a edição do trabalho, uma vez que uma pro-

de montagem inclui sua estética teatral. Entretanto, mesmo em pro-


DOsta

cessos que incluem atores sem experincia anterior,levar o


de curta direção
na narrativa, favorece um
grupo a desvendar contradições e incoeréncias
informa a prática.
relacionamento diretor-aluno no qualoargumento

que a dimensão temporal da atividade seja negligenciada que e


circunstâncias contextuais sejam desconsideradas-o consenso degru-
do texto, facilita a identifi-
po, quando informado pela investigação
física

caçãocom cenaea espontaneidade na apresentaçao.


a

acima parte do entendimento de que a


A
atençao aos problemas
em
não é neutra; ela reflete os valores operando no campo
1nterpretação são
é realizada. Com a leitura em processo, os valores antagônicos
que
e isso traz consequencias importantes para construçao da a
explicitados
não só em termos da dramaturgiae da performance deseus atores,
cena, e
mas também da
identificação de um possível sentido de cerimónia n
das vo-
a voz coletiva às singularidades
uais que permitissem contrapor
es individuais (vozes sociais e expressivas).

é a base da metodologia
de interação, tal como descrito aqui,
aDalho proposta por Viola Spolin.
Embora outros autoresdeaprcsc
forma que
aabordagens
805 teatrais,
e detalhou sua pesquisa
semelhantes, Sp investigou
aDrangesse como
detalhese implicações únicas. sido considerado
aquilo que tem
que tem S cunhada
1Ctura em
Pupelprodutivo do leitor,
processo aponta para aquilo
no sentido de "leitura como construção",
expressão
de ticga
dos textos
T.
10dorov (1980), como uma
peculiaridade 93
Assim, ao investigar e visualizar a diferença em cenaao
projeto tea-
em trànsito partiu de fragmentos históricos que foram
tro
modificados e
lugares que foram resSignificadoS por componentes linguísticos
ee sonoros
a linguaea fala, acrescidos do gesto, como variaçoes contínuas.
A hie.
is-
tória e o lugar deixaram de ser representados, e o outro lado da
histór
com suas possíveis agendas ocultas, foi apresentado. A história,
identidade da
dife-
renca ao estar centrada na apresentaçao das
singularidades sociais eev.ex-
pressivas, evitou a priorização de um conflito,pois este, tal como
o
habitus
ao ser introduzido, já chega normatizado, codificado e
institucionalizado.
O movimento da repetição to1 portanto caracterizado pelo movimento da
interpretação.

94

Você também pode gostar