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ASPECTOS DO TEATRO CONTEMPORÂNEO

Fábio Luis Hostert1


fabio_lh@furb.br
Valéria Maria de Oliveira2
valeria@univali.br

CONTEXTUALIZAÇÃO

As três últimas décadas do século XIX caracterizam o início de uma nova época para o
teatro. As transformações das condições técnicas, com o surgimento da iluminação elétrica,
aliadas ao desejo de romper com uma tradição declamatória e cheia de artifícios, e a organização
precária dos elementos que compõem uma produção, fizeram com que muitas teorias e práticas
surgissem. Alguns dos primeiros nomes que se pode relatar como teóricos e pensadores de teatro,
que iniciaram uma sistematização de suas teorias e experiências foram: Duque de Saxe-
Meiningen, Richard Wagner, André Antoine, Ibsen, Constantin Stanislavski, Vsévolod
Meyerhold, Adolphe Appia, Edward Gordon Craig, Jacques Copeau. ROSENFELD comenta
como estava o teatro no momento em que estas novas buscas foram surgindo:

Os novos problemas e concepções acabaram por romper as formas tradicionais


do teatro. Os estreitos limites do realismo e naturalismo não conseguiram
abarcar as novas experiências. Impunha-se a superação da cena tradicional,
comprimida e sufocada pelas convenções da verossimilhança, pelo
encadeamento rigoroso, lógico-casual, da ação linear, pelas unidades do
classicismo e da peça bem-feita, pelo ilusionismo – esforço de criar no palco a
ilusão da realidade empírica, tal como concebida pelo senso comum. (1993, p.
200)
Para estudo de todas estas modificações e evoluções, que se deram ainda em tempos
mais recentes, alia-se todas as características que dificultaram o seu registro e acesso: o caráter

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Ator/pesquisador da Cia Carona (Blumenau). Professor Especialista da graduação em Teatro da Universidade
Regional de Blumenau.
2
Atriz/pesquisadora do Grupo Porto Cênico da cidade de Itajaí. Professora Mestre da Universidade do Vale do Itajaí.
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efêmero e mutável dos espetáculos, poucos documentos e problemas na sua decifração, a


dificuldade que um novo fenômeno tinha para ser reconhecido por escalões acadêmicos defasava
cronologicamente a sua publicação, muitas vezes perdendo seu sentido, ficando situado fora do
contexto histórico-social em que se deu.
A luta contra o estereótipo presentes na pesquisa de Stanislavski, que continua e
complementa a de Antoine, se dá ao deparar-se com a tradição declamatória da Comédie
Française, com sua atuação descontraída, cheia de artifícios, gestos desembaraçados e dicção
suave, não passando de uma tradição que estava se fossilizando. Mas foi nesta mesma tradição
que Stanislavski percebeu elementos fundamentais que viriam a sustentar sua pesquisa, a
naturalidade e autenticidade.
As novas aplicações dos métodos desenvolvidos foram gerando inovações e evoluções
dessas técnicas e teorias. Embora, muitas destas novas aplicações não passassem de repetições do
que já se conhecia, assim, pouco ou nada contribuindo para a sua evolução.
Para o desenvolvimento de uma nova técnica, o trabalho é grande e árduo, desde sua
teorização, sua aplicação prática e no registro do processo e resultados. A cada pesquisa pode
haver um foco de atenção diferente, pois os estereótipos nascem tanto da sinceridade como dos
artifícios. Alguns estudiosos lutarão muitas vezes contra aquilo que seu anterior conquistou com
muita dificuldade.
Falando ainda de inovações e influências, um grande movimento artístico responsável
pelas modificações da arte teatral deste século foi o cinema. Ainda que os artistas de teatro
tenham identificado lentamente a influência que essa arte causou no público, esse confronto fez
com que todo movimento teatral redefinisse sua estética, identidade e sua própria finalidade.

Se nos limitarmos a colocar duas pessoas lado a lado num espaço vazio, a
atenção dos espectadores se estenderá aos mínimos detalhes. Para mim, aí está a
grande diferença entre o teatro, na sua forma essencial, e o cinema. Devido à
natureza realista da fotografia, no cinema a pessoa está sempre num contexto,
nunca fora de contexto... No teatro pode-se imaginar, por exemplo, um ator com
roupas normais sugerindo que está representando o Papa porque usa um gorro
branco de esquiador. Bastaria uma palavra para trazer o Vaticano ao palco.
(BROOK, 1993, p.22)
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As teorias presentes até os dias de hoje têm encontrado suas evoluções em estudiosos
que dão continuidade às pesquisas anteriores, experimentando novos caminhos e possibilidades
aprofundam ou até mesmo colocam em cheque o que se tinha visto, definindo o cenário do teatro
atual. Entre eles: Antonin Artaud, Bertolt Brecht, Tadeus Kantor, Peter Brook, Heiner Müller,
Jerzy Grotowski, Eugênio Barba, entre outros.
Um dos grandes marcos dessa era moderna do teatro e papel fundamental na construção
do espetáculo é o encenador. A ele cabe dar unidade e coesão ao espetáculo, apontando ou
determinando os caminhos que esta encenação terá, sendo muitas vezes quem coordena o grupo,
tornando-se responsável não apenas pelo espetáculo, mas por todo o movimento que estas
pessoas reunidas a favor da arte teatral possam vir a realizar.
Os próximos escritos tratarão de um apanhado embasado em teorias e estudos que
compreendem as pesquisas e experiências do fazer teatral contemporâneo, tratando de vários
aspectos que o abrangem, como: a formação de profissionais, realização de estudos e teorias e a
própria realização da encenação.

TEXTO DRAMÁTICO

As formas contemporâneas de construção de um espetáculo teatral não estão mais


limitadas a acreditar que o texto dramático seja o progenitor da encenação ou que contenha tudo
o que se pode dizer com o espetáculo. Hoje trata-se a obra teatral como fruto de todas as relações
criadas no espetáculo, colocando os sentidos dos elementos que ela comporta numa relação
aprofundada, criando então, uma obra que não está calcada somente no texto, mas sim em toda
esta estrutura de relações.
Até fins do século XIX grande parte das encenações estavam submetidas a
intransigência do autor, considerado criador de algo absoluto, o texto dramático, cuja natureza
literária acabava dominando uma arte que se caracteriza por uma estrutura bem mais complexa,
atores, cenários, figurinos, música, iluminação, que são postos em relação no estudo e montagem
do espetáculo.
Dizer que o texto dramático contém toda a complexidade que possa ter uma encenação,
seria dizer que o autor imprime nas profundezas do texto somente uma perspectiva a ser
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explorada e respeitada pelos encenadores, seria negar toda gama de relações que se estabelecem
com os diferentes elementos envolvidos num espetáculo, mesmo que a relação destes elementos
esteja em função do texto. O grupo pode enfatizar ou definir alguns temas presentes no texto para
serem priorizados na montagem. Desta forma o texto dramático pode ser um pretexto para que o
grupo possa falar de algum assunto determinado que já percorra sua linha de trabalho.
O que está sendo mostrado, não é a negação do texto dramático, nem tão pouco
abandoná-lo, ou pensar que de alguma forma ele não seja mais necessário para a encenação. De
certo modo grande parte das encenações possuem um texto dramático, o que difere, é o fato deste
não ser tratado como elemento único e principal para a produção do espetáculo. Sendo que ao
analisar o texto escrito em uma montagem, faz-se junto a todo o espetáculo, não o tratando como
um elemento independente. Pois, características deste texto dramático podem ter sido salientadas
ou não, para que falem o que se queira imprimir com o conjunto de elementos desta obra. Tratar
o espetáculo, somente por algum elemento que o texto dramático propõe, seria desconsiderar
todas as relações que definem uma obra teatral.

O texto é uma realidade artística, existente num sentido objetivo. Ora, se


o texto for suficientemente velho, e se preservou todas as suas forças até
hoje – em outras palavras, se o texto contém certas concentrações de
experiências humanas, representações, ilusões, mitos e verdades que
ainda são válidos para nós, hoje – então o texto torna-se uma mensagem
que recebemos das gerações anteriores. Todo o valor do texto já está
presente, uma vez escrito: isto é literatura, e nós podemos ler as peças
como parte da “literatura”. Na França, às peças publicadas em forma de
livro é dado o nome de Teatro – um engano, em minha opinião, pois isso
não é teatro, e sim literatura dramática. Diante desta literatura, podemos
tomar uma destas duas posições: ou ilustramos o texto, através da
interpretação dos atores, da montagem, do cenário, da situação da peça, e
nesse caso o resultado não é teatro, sendo o único elemento vivo, em tal
montagem, a literatura: ou ignoramos, virtualmente, o texto, tratando-o
apenas como um pretexto, fazendo interpolações e modificações, e
reduzindo-o a nada. Sinto que essas duas soluções são falsas, porque nos
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dois casos não estaremos cumprindo nosso dever como artistas, mas
tentando cumprir certas regras – e a arte não gosta de regras. As obras-
primas são sempre baseadas nas transcendência de regras. Embora, é
claro, o teste se verifique na montagem. (GROTOWSKI, 1992, p. 47)

A própria forma de construção do texto dramático para um espetáculo pode seguir


inúmeras formas de realização. Podemos encontrar processos de construção, onde o autor
trabalha em conjunto com todo o grupo que está realizando a montagem. Partindo de uma idéia,
de uma partitura dos atores, de inúmeras formas que o grupo ou o próprio autor pode propor.
Os atores, começam a dar sentido ao texto dramático, a partir do momento em que, sua
elaboração individual, ou a simples memorização do texto, começa a ser colocada em relação:
com sua partitura física - que pode já existir -, com os outros atores, com a cenografia, com a
iluminação, e com todos os elementos que estão compondo a encenação, e claro ao olhar do
diretor, ao qual cabe o papel de discernimento maior de todo este processo. Falando ainda da
relação do ator com o texto, este nada é, se o ator não possui um sentido maior para o que diz, as
palavras deixam de ser importantes, o que se torna interessante é o que o ator faz com elas.

ATUAÇÃO

O ator é o elemento mínimo que se necessita para a composição de um espetáculo


teatral. Figurino, maquiagem, iluminação, e demais elementos técnicos podem nem estar
presentes, até mesmo o diretor pode não fazer parte de um processo, mas o ator é essencial, o que
tem a mostrar, agir e realizar.
Enquanto o diretor preocupa-se com o acabamento do espetáculo, na forma que este terá
ao chegar ao espectador, o ator preocupa-se com o seu trabalho individual e de relações com os
demais elementos, saber os propósitos do que está fazendo. Tudo que ele faz em cena deve ter um
motivo específico. Deitar-se, falar uma frase, caminhar, tudo deve estar preenchido destes
motivos, sentidos que o ator dá ao que está fazendo, isso é o princípio da ação.
Ao falar-se do ator contemporâneo, presume-se falar em ação. Antes se acreditava calcar
o trabalho do ator em suas emoções. Stanislavski passou parte de sua vida pensando no trabalho
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do ator diretamente ligado com suas emoções, mas ao longo de sua jornada, descobriu que as
emoções são independentes de nossa vontade, o que as torna inseguras para serem fundamentais
no trabalho do ator. Hoje se pode ensaiar um trecho de um espetáculo e sentir uma profunda
emoção, muito rica e forte neste momento, mas e amanhã? Não se sabe se a mesma emoção será
atingida, pois está livre de nosso controle. O que se tem para trabalhar então? O próprio
Stanislavski fala sobre o concreto no trabalho do ator que “o que quer que aconteça no palco,
deve ser com um propósito determinado. Mesmo ficar sentado deve ter um propósito, um
propósito especificado e não apenas o propósito geral de ficar visível para o público. Temos de
ganhar nosso direito de estar ali sentados.” (1996, p. 63)
Grotowski teve como marca maior em toda sua pesquisa teatral a arte da atuação, onde o
ator deixa de utilizar truques e imitações, não se esconde atrás de uma personagem, o seu
trabalho não é mais uma simulação de atos, mas sim o cumprimento de ações que brotam do seu
próprio aprofundamento sobre si mesmo.
Então, ao falar-se de atuação, faz-se presente a ação, onde o ator saiba o que e para que
está fazendo. Para que possa identificar e trabalhar a partir do que ele tem de mais real, mais
concreto, que é o seu corpo - onde encontrará o tônus necessário para a realização das ações, e de
seu repertório - que o ator coloca conscientemente na sua representação, o trabalho sobre si
mesmo. Quando se fala em repertório, refere-se ao que o ator tem de mais íntimo: suas memórias,
suas associações pessoais, o que ele tem de acumulado – vivências. Tudo que possa acrescentar
ao seu trabalho, para gerar sentidos.
Tratando do seu corpo, este tem de estar pronto para todos os momentos do processo.
Para que o ator possa identificar o tônus muscular justo para cada ação, para que ele consiga
organizar neste seu instrumento todo o material que está produzindo, para atingir esta qualidade
em seu trabalho, coloca-se em um caminho de estudo e descoberta. Com Stanislavski inicia-se a
construção de uma metodologia, uma das mais completas, que vem sendo aprofundada ou tomada
como ponto de partida por vários estudiosos, que consideram um treinamento específico
fundamental para o ator. Segundo Barba:

O treinamento é a semente escondida da qual, depois, brota a planta com os


frutos visíveis, isto é, o espetáculo. O treinamento permite atingir determinadas
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capacidades, determinados objetivos de condicionamento físico, mas, sobretudo,


é o momento da liberdade que permite se jogar à descoberta sem pensar nos
julgamentos. (BARBA. 1991, p. 73)

Muitos grupos seguem rotinas cotidianas de treinamento. É possível utilizar-se de


experiências de outros grupos ou estudiosos para ter um ponto de partida e encontrar o
treinamento que melhor corresponde às necessidades de seu grupo. Ou a partir de uma
necessidade específica produzir sua própria rotina de exercícios. Pois, cada grupo e cada pessoa
do grupo possuem uma problemática, um objetivo específico, para qual o estudo intenso e
pessoal podem ser voltados.
O treinamento é um conjunto de exercícios que tem como objetivo destravar o corpo do
ator deixá-lo livre, para que através da técnica adquirida, ele atinja um nível de espontaneidade
suficiente para que consiga imprimir no seu trabalho um grande nível de qualidade expressiva,
livrando-se de estereótipos e vícios que facilmente podem fazer parte de suas atuações. O ator
pode então, realizar atuações de várias linguagens e estilos, pois o treinamento não visa culminar
em um estilo, mas sim, numa preparação para o ator. Onde este possa descobrir-se, revelar-se
através do seu trabalho. “É o ato de desnudar-se, de rasgar a máscara diária, da exteriorização do
eu. É um ato de revelação, sério e solene. O ator deve estar preparado para ser absolutamente
sincero.”(GROTOWSKI, 1992, p. 180)
Este treinamento não tem um fim determinado ou limitado por um tempo. De acordo
com as necessidades de cada grupo que o realize, ele pode ser programado para que seja alvo de
avaliações constantes, o que definirá a suas próximas etapas. Ele parte do pressuposto que o ator
que pára de treinar, ou seja, que deixa de questionar-se, que não revê seu próprio trabalho, que
não coloca suas técnicas e experimentos em discussão, está parando de trabalhar, ficando
facilmente à mercê de vícios e estereótipos, abandonando seu comprometimento com o constante
desvendamento.
Quando o ator está em processo de trabalho, seja como função de estudo ou montagem
de um espetáculo, todo o material produzido, as ações e as relações construídas entre os atores
são organizadas e estruturadas para que sempre que sejam utilizadas, obtenham a mesma
qualidade de representação e busca de evolução em todo o tempo que este estudo ou espetáculo
durar. Para este material produzido e organizado que está em constante processo de estudo,
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chama-se partitura. Seguem as palavras de um grande ator de Eugenio Barba, Ryszard Cieslak,
contidas em BARBA:

A partitura é como um vaso de vidro dentro do qual uma vela queima. O vidro é
sólido, está ali, podemos confiar nele. Retém e guia a chama. Mas não é a
chama. A chama é meu processo interno de todas as noites. A chama é o que
ilumina a partitura. A chama é viva. Assim como a chama do vidro, a partitura
se move, palpita, cresce, diminui, está quase por apagar-se e imprevistamente
readquire esplendor, responde a cada hálido de vento, assim a minha vida
interna varia a cada noite, de momento a momento. (1994, p.185)

E complementam-se com as palavras de Schechner, citado em BARBA (1994, p. 186)


“e estou pronto para absorver o que sucede se estou seguro na minha partitura, sabendo que
ainda que não sinta nada o vidro não se romperá e a estrutura, trabalhada por meses, ajudar-me-á
até o final.”

DIREÇÃO

Em fins do século XIX as produções estavam em decadência, apresentavam ao público


um conjunto de elementos que ordenavam cenicamente as palavras de um autor, livres das
impressões pessoais de quem as representava, tentando reproduzir nos palcos uma realidade
cotidiana, objetivada na criação de uma ilusão, o que acabava sendo muito superficial. O
aparecimento e o fortalecimento do diretor, passando cada vez mais a ser um olhar que vá além
da leitura imediata das letras de um autor, contribuiu para que o desenvolvimento das técnicas
teatrais pudessem estar sendo analisadas e aprofundadas. O surgimento do diretor foi como um
simples ordenador dos elementos do espetáculo, e seu trabalho foi evoluindo e se consolidando
como chave indispensável para esta nova época do teatro.
Neste século o diretor assume a sua posição fundamental na participação em grande
parte da escala de produção teatral. Ele adquire um caráter muito maior do que uma marcador de
cena, ou um simples organizador, mas de um pensador no sentido maior do fazer teatral, estando
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a frente de inovações técnicas e de linguagens e de participação na prática social de formação


cultural. Seguem algumas palavras proferidas por André Luiz Antunes Netto CARREIRA, no
Encontro de Encenadores realizado durante o 29º Festival de Inverno da Universidade Federal de
Minas Gerais:

O diretor teatral adquire então uma característica que o coloca no centro das
discussões culturais do seu contexto cultural, pois, nestas condições o teatro é
muito mais que um fenômeno espetacular, é uma prática social de construção de
identidades, que se articula como prática cultural de resistência, pois, devido a
sua situação frente aos modelos hegemônicos, está impelida a construir um
discurso artístico-ideológico que combina o enfrentamento com os discursos
hegemônicos com a tentativa de construção de um espaço alternativo para suas
manifestações artísticas.

Esta tarefa de disseminador cultural que o diretor possui, no entanto se concretizará a


partir do momento em que encontrar um grupo de trabalho que possa estar colocando essas idéias
em discussão e em relação às opiniões e idéias do restante do grupo, que como força maior,
conseguirão expor melhor estes pensamentos, passando por toda sua prática, que é o que possuem
de mais palpável para mostrarem.
Muitas definições fundamentais partem do diretor, como, as técnicas utilizadas no
processo, a estética do espetáculo, que se compõe com a linha de atuação: os figurinos, cenários e
outros elementos, e mesmo que a definição seja a de construir esta estética durante o processo.
Esta última opção pode ser um campo muito fértil, pois a partir do momento que estas definições
que o diretor concebeu forem colocadas em processo junto aos outros integrantes, tudo começa a
entrar em relação e se modificar, principalmente quando tratamos de grupos que privilegiem o
trabalho dos atores.
O papel do diretor no cenário atual é fundamental, pois, à ele, está designada a função de
entendedor maior do que está sendo elaborado por todos do grupo, como: ensaios, trabalhos com
os atores, sua principal atenção, onde orienta desde a criação de suas ações até o aprofundamento
de suas partituras e relações e os estudos constantes de todo o material que o grupo está
produzindo.
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Muitas determinações partem da direção do espetáculo, o que não significa que durante
o processo não se discuta, se converse, concorde ou discorde com o que o diretor propõe. A
diferença de sua função, para os demais integrantes do grupo, se dá no nível de preocupação com
cada elemento que é trabalhado. Como o diretor acompanha todo o processo com um olhar mais
externo, acaba tendo uma visão mais clara do caminho que o trabalho está tomando.
As encenações são formadas por muitas camadas justapostas de elementos, atores,
cenários, figurinos, música, iluminação e outros elementos, que juntos compõe uma unidade
estética e orgânica, coerentes. Sendo muito defendido e praticado pelos grandes encenadores e
repercutindo como algo concreto e gerador das maiores possibilidades criativas no processo, é o
trabalho do diretor com os atores. Onde o encontro de propostas e práticas se dá de forma mais
ampla e profunda. O diretor propõe, o ator elabora e mostra algo a mais, e estes, então, entram
num processo dialético, onde juntos seguem afinando os questionamentos que surgirem no
decorrer da construção do espetáculo.

O ator só pode ser orientado e inspirado por alguém que se entrega de todo o
coração à sua atividade criativa. O diretor, enquanto orienta a inspiração do
ator, deve ao mesmo tempo permitir ser orientado e inspirado por ele. Trata-se
de um problema de liberdade, companheirismo, e isto não implica em falta de
disciplina, mas num respeito pela autonomia dos outros. (GROTOWSKI, 1992,
p. 213)

Esta organização de elementos e ideologias, vistos durante todo o processo do grupo e


das montagens, ocupa um lugar imprescindível na arte teatral atual. Pois, esta elaboração, quase
que artesanal, faz com que as intenções com o trabalho, que foi ou está sendo elaborado,
cheguem ao espectador em sua total realização e clareza, não ficando apenas na mente do grupo
que as concebeu.

ESPAÇO DA ENCENAÇÃO E CENOGRAFIA


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O início da busca por uma cenografia mais coerente com a nova forma representacional se
dá na rejeição dos painéis pintados, uma forma pictórica que imprimia na encenação uma ilusão
chapada.
As reflexões sobre o espaço da encenação tomam dimensões a reavaliar a própria
arquitetura do teatro, este que não é um espaço neutro, mas sim que também comunica
juntamente com o espetáculo, então, muitos encenadores têm procurado outros lugares, ou
adaptado o espaço convencional dos teatros, geralmente o palco a italiana, para estabeleceram em
sua encenação uma relação mais coerente entre o espetáculo e o espaço que este ocupará.
Assim, o diretor pode optar até por partir para a construção de uma encenação, tendo
como referência o espaço, seu público, o que o rodeia e o que possa vir a acontecer nessa
representação, que pode se dar como uma interferência teatral em algum espaço que não seja
determinado para apresentações, mas onde as pessoas circulam ou estão para outros fins. Neste
sentido, o espaço acaba dando à encenação uma série de elementos diferentes de uma sala
convencional de teatro.
Atualmente vê-se o aumento do número de lugares não convencionais de representação,
fora do palco italiano e até mesmo fora da estrutura básica das salas de teatro. O que o espetáculo
trata pode estar impresso em todo o espaço da encenação, por isso, é grande o número destes que
ocupam construções antigas ou abandonadas, prédios característicos, como prisões e hospitais e
até mesmo ruas de centros urbanos, para que o espetáculo esteja em harmonia com o espaço que
ocupa.
Seguem algumas palavras de ROUBINE que fala da visão de Brecht sobre o espaço de
encenação: “Não hesita em apoderar-se do teatro italiano para esvaziá-lo de tudo que lhe parece
inútil ou perigoso. Para enchê-lo com tudo que lhe parece necessário ou proveitoso. No fundo,
acha-se tão apegado à arquitetura tradicional que está literalmente pronto a fazer explodir o palco
italiano.” (1998, p. 90).
Não basta ser simplesmente uma ruptura com o espaço habitual, mas sim uma ruptura
que busque a coerência com relação estética e social que trata a encenação. Determinado
espetáculo pode tratar da fome: para quem este espetáculo deve ser apresentado? Qual o espaço
onde se encontrará este público que possa ser atingido? Muitas questões necessitam de atenção na
determinação de um espaço. E claro, até mesmo o espaço convencional imprime características
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que podem ser modificadas, ou não, para que estabeleça um código mais profundo com a
encenação.
Nas pesquisas de Grotowski, encontra-se claramente a rejeição ao espaço convencional,
principalmente aquele que separa e distancia os atores do público. A atuação tem de estar
diretamente relacionada ao público, para que este receba a intensidade dessa relação física, onde,
olhares, a respiração, as ações, tem sua participação fundamental. Isso não significa fixar um
novo espaço ou abolir os existentes, mas concentrar-se no aprofundamento da relação entre o
ator e espectador, sem a força de um grande equipamento ou maquinaria que impressionasse o
espectador que não fosse pela força expressada pelos atores. Para Roubine:

Se a teoria do teatro pobre desenvolvida e posta em prática por Grotowski impõe


uma ascese que impede a utilização de quaisquer objetos-instrumentos de que o
ator não tenha uma necessidade insuperável, nem por isso ele deixa de procurar
imprimir aos objetos utilizados um singular poder teatral, decorrente, sem
dúvida, da sua integração ao espaço e, sobretudo, à ação. (ROUBINE, 1998,
p.146).

Desta forma pode-se tratar o espaço como parte do cenário do espetáculo. Percebendo as
relações que os atores criam, e as necessidades que surgem do processo de montagem, o grupo
pode possibilitar que a criação desta cenografia se dê em função do que realmente seja preciso,
dessa forma eliminando elementos que estão no espetáculo e não tenham nenhuma relação com o
trabalho. Construir uma cenografia que surja do processo e não que seja imposta ao trabalho,
pode estabelecer um código de ligação e utilização muito mais cheio de sentido para os atores,
conseqüentemente para a encenação.

FIGURINO E SOM

O figurino é como um parceiro vivo dos atores. Serve para que estes possam através do
figurino clarear e aumentar as possibilidades de seu trabalho. O figurino “Participa do corpo do
ator, dilata-o e oculta-o enquanto se transforma continuamente. O efeito de força e energia que o
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ator é capaz de manifestar é reforçado e elevado pela metamorfose do figurino em si, numa
relação recíproca de troca: ator-corpo, ator-figurino, ator no figurino.” (BARBA, 1995, p. 219).
As encenações do século XIX não demonstravam uma preocupação de estar integrando
o figurino ao espaço cênico. Eram representativos e estereotipados, quase que repetiam-se para
que generais, nobres ou camponeses fossem a grosso modo assimilados pelo público. Mas com as
primeiras rupturas destas formas, assim como para os demais objetos cênicos, o figurino também
passou a ser visto como integrante de toda a estética do espetáculo.
Além de contribuir para o ator, permitindo que este consiga se expressar livremente, e se
preciso colaborar para uma atuação precisa, ele deve oferecer ao público informações que
acrescentem e constituam um conjunto de formas e cores para que se unam e imprimam com
maior clareza o que está sendo mostrado, sem que ele ilustre ou se torne redundante, assim,
tornando-se um aliado na construção do trabalho, fazendo com que o espectador relacione e
decifre o signos que o figurino contém.
Como se pode observar a coerência entre os elementos que compõe um espetáculo é
ponto fundamental para a produção teatral. Também se inclui neste conceito a sonoplastia.
Até o final do século XIX os sons e músicas utilizadas em um espetáculo, não passavam
de passatempos entre uma cena, ou ato e outro. Desempenhavam a função única de ocupar um
espaço vazio.
No começo do século XX, pode-se perceber a ruptura com essa utilização, onde se passa
a ver a sonoplastia como um elemento que esteja participando efetivamente da encenação,
contribuindo para que o espectador receba uma carga emocional e expressiva que o espetáculo
pode transmitir.
Mas, este fato também pode dar a sonoplastia um tom ilustrativo ou redundante para a
representação, sendo seu uso muitas vezes desnecessário, ou ainda podendo ser utilizada como
uma resolução para o que os atores, ou a própria concepção do espetáculo não consiga resolver.
Essa concepção de sons e música era demasiadamente usada para que o espectador ficasse
iludido com a encenação, estando alucinado pelo efeito da música e sons, perdendo muitas vezes
o sentido mais profundo que contenha.
Brecht coloca-se totalmente contra essa utilização da música para iludir o espectador,
pois sua teoria sobre o teatro se dá ao contrário, faz com que o público esteja desperto e atento
para o que está sendo dito, não inibindo suas possibilidades de reflexão. Chega a apresentar a
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música como uma música de teatro, se preciso, colocando-a sob formas conhecidas como a ópera,
o cabaré. Manifestando-se muitas vezes como número isolado, ironizando ou comentando o que
está acontecendo no desenvolvimento do espetáculo. “A lógica, inversamente simétrica, da
dramaturgia brechtiana, conduz a fazer da música um discurso significante, uma expressão do
racional” (ROUBINE, 1998, p.162)
Pode-se ainda tratá-la como um elemento que surja da necessidade do ator, o que faz
parte dos estudos de Grotowski. Excluindo as intervenções mecânicas a sonoplastia se dá
somente com o que os atores possam produzir e manejar, utilizando a perfeição ou imperfeição
da execução, de um instrumento, por exemplo, como algo que parte do que o ator tem a
contribuir de verdadeiro.
O uso da sonoplastia parece estar muito relacionado à sua necessidade dentro da
encenação: que não seja posta a toa, ilustrando o que já está sendo falado, mostrado ou que tenha
um propósito superficial, a não ser que seja este o propósito e a encenação o sustente.
A sonoplastia pode ser mais um elemento que se una ao trabalho dos atores,
contribuindo assim na construção dos sentidos, tendo uma afinidade com o próprio ritmo dos
atores, e também do próprio espetáculo.

PÚBLICO

Toda essa organização dinâmica de elementos que formam o espetáculo se concretizará


como uma cerimônia social, ou um ritual social, quando o trabalho for colocado em presença do
público. É nesta fase do trabalho, a exposição ao público, onde tudo que foi discutido quanto ao
que o espetáculo quer transmitir será então posto em relação aos espectadores, de certa forma,
posto a prova.
Um espetáculo que privilegie a qualidade no tema abordado e em todos os elementos
que percorrem a sua montagem se mostra com um repertório que permite a participação efetiva
do público na construção de um pensamento crítico, relacionado a questões sociais do seu tempo.
Nesse sentido, as pessoas que hoje fazem teatro podem usufruir uma dinâmica de grupo onde a
discussão e a busca do fazer teatral comprometido com essa qualidade espelhe em sua obra a
seriedade com que todos os elementos foram tratados, mais especificamente na relação entre a
direção e a atuação a linha mais forte para que isso aconteça. BROOK completa: “o ator possui
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um extraordinário potencial para criar vínculos entre a sua imaginação e a do público, fazendo
com que um objeto banal possa transformar-se num objeto mágico”. (1999, p.38).
Tornar o espectador parte das ações do espetáculo é fazê-lo participar como cúmplice,
fazendo com que as informações mostradas na cena sejam mais que uma simples demonstração,
mas sim, que o espetáculo consiga agir de forma a mostrar ao público todo o aprofundamento dos
questionamentos abordados no processo de montagem. Participação física do público no
espetáculo, como subir ao palco, participar interferindo na encenação, pode caracterizar uma
outra forma de teatro, que pode ser interessante, mas pode não passar de uma participação
ingênua do espectador ou meramente formal.
Hoje em dia o público está muito condicionado ao seu grande ponto de referência, que
são programas televisivos, que geralmente estão entupidos de informações gratuitas e presos a
esquemas prontos, onde não se pode encontrar nenhum tipo de renovação, nem no que se diz,
nem como se diz. O que acontece com esse público é que a sua referência é outra, não se pode
afirmar sobre a sua capacidade de discernimento, mas sim, avaliar o seu repertório. WAGNER
comenta:

O cinema e a televisão libertam o público de todo o esforço mental. A câmara


guia a atenção do espectador, mostrando-lhe só aquilo em que se deve fixar. A
participação do público é completamente passiva. Ora um público assim viciado
acha evidentemente fatigante uma representação teatral. (1978, p. 13).

Os elencos estelares estão se transformando em ponto de referência para o público, que


acaba indo ao teatro para ver determinado ator ou atriz. Este fato, cada vez mais presente, está
gerando uma série de espetáculos onde o único atrativo realmente é a figura do artista em
questão, e muitas vezes este espetáculo já é concebido com este objetivo. O fato é que, de uma
certa forma, esta fórmula está funcionando, pois está movendo uma camada da sociedade para o
teatro; até quando dura o “encantamento” não se sabe. “Os ídolos em carne e osso no palco são
um atração que o produtor vende como bicho raro enjaulado num circo. É difícil saber até quando
isso dura. O ídolo, em casa, no vídeo, regularmente no horário certo é mais fascinante (...) E em
todo o caso é um tipo de teatro que se dirige a uma faixa estreita e estática.” (PEIXOTO, 1989,
p. 303).
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O que acontece é que muitos grupos, ingenuamente ou objetivando isso, se aproveitam


dessa condição do público e deste momento frágil do comprometimento do artista com sua obra,
estampando em seu trabalho algo que artisticamente falando possui muitos elementos
questionáveis, não contribuindo para a evolução do repertório das pessoas que entram em contato
com esta obra.
Pode este ser o momento da classe teatral se fortalecer e assumir o fazer teatral
comprometido em todos os aspectos, sem subjugar o público e tratá-lo como um mero depósito
de informações. E de fato sair do lugar comum de reclamadores, dizendo, somente, que o teatro
está em crise. Esta, que não passa de um reflexo da qualidade dos espetáculos que estão
circulando no mercado. Espetáculos alienados e alienantes, o que é pior, somados a uma crise
econômica constante, estão dando à classe teatral muletas para ficarem somente reclamando de
não poderem caminhar. E o que está acontecendo é que a maioria não quer largar estas muletas,
contribuindo assim para que esta situação se alastre cada vez mais. “ O teatro se transforma,
então, num verdadeiro reflexo de uma condição que se faz necessário destruir, a começar pelo
próprio teatro. O espectador sorri diante de tal espetáculo e se sente seguro: este lugar não é
perigoso e a mentira continua.” (BARBA, 1991, p.33)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBA, Eugenio; SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator. Campinas, SP: Hucitec,
Unicamp, 1995.

______. A canoa de papel. São Paulo, SP: Hucitec, 1994.

______. Além das ilhas flutuantes. Campinas, SP: Hucitec, 1991.

BROOK, Peter. A porta aberta. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1999.

GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. Rio de Janeiro, RJ: Civilização


Brasileira, 1992.
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PEIXOTO, Fernando. Teatro em pedaços. São Paulo, SP: Hucitec, 1989.

ROSENFELD, Anatol. Prismas do teatro. São Paulo, SP: Perspectiva, 1993.

ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro, RJ: Jorge


Zahar, 1998.

STANISLAVSKY, Constantin. A preparação do ator. Rio de Janeiro, RJ: Civilização


Brasileira, 1996.

WAGNER, Fernando. Teoria e técnica teatral. Coimbra: Almedina, 1978.

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