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NOTAS SOBRE O RECONHECIMENTO

Reflexões sobre o espectador no teatro pré e pós-dramático

Hans-Thies Lehmann
Tradução: Matheus Cosmo, Paula Bellaguarda e Sofia Vilasboas.
Revisão: Matheus Cosmo.

O teatro está em busca de seu público e esta é a preocupação de muitos dramaturgos:


deve fazer parte do teatro, propriamente dito, falando certamente do teatro contemporâneo mas
também sobre um possível teatro futuro, a procura por seu público? e, se sim, como deve buscá-
lo?
Por sua vez, o público está igualmente à procura – mas, ao invés de público, seria
melhor falar sobre espectadores, porque a homogeneidade do público, antes vista como relativa,
agora não passa de uma grande ficção. O público que certa vez assumiu o papel de
coprotagonista do teatro hoje se encontra dividido em numerosas frações de comunidades de
interesse – e isso muito revela sobre uma constante disposição solipsista frente a um teatro
como o de Robert Wilson, por exemplo. Certas fórmulas correntes da crítica, tais como aquelas
que sugerem que o teatro ignore “o” público, apresentam-se a priori como desdenhosas, ainda
que elas em nada sirvam a não ser a um conformismo frente à forma e conteúdo. Elas não
devem descansar até que os espectadores e o próprio teatro concluam suas buscas, sem antes
terem passado por crescentes desafios. E quando será que os dois se encontrarão?
Uma coisa é evidente: hoje, é cada vez mais raro que um potencial espectador de uma
obra teatral, coreográfica, ou de uma performance, tenha iniciado, por conta própria, a leitura
de algum dos clássicos. Ele ainda deve recordar-se de uma visita ao cinema, uma navegação na
Internet ou de algum aleatório vídeo assistido; talvez, não seja capaz de se decidir entre os
numerosos canais de televisão; talvez, recentemente, tenha visto uma instalação de vídeo, ou
pensado em comprar uma câmera digital. O espectador atual não é mais aquilo que achávamos
que era. Contudo, é com ele que o teatro deve contar. Aqueles que trabalham com o teatro
vivem dentro de um mundo habitado por este espectador, e, dentro deste mundo, o estatuto do
trabalho, particularmente do trabalho literário e, por consequência, do drama, vem se
deteriorando. Nesse contexto, lamentar-se se mostra pouco eficaz, ainda que a atitude possa
estar carregada de boas intenções ou de um defensivo desespero pronto a defender o teatro como
um gênero “démodé” e, precisamente por esta razão, digno de respeito. O trabalho literário,
parte de uma cultura de comunicação que não cessa de se ampliar, mesmo que por meio de
consideráveis achatamentos, também deve, cada vez mais frequentemente, atravessar o pequeno
espaço do furo da agulha da performance e do evento para alcançar seu público. A importância
cada vez maior atribuída ao performativo e a todas as formas de jogo de modo algum implica a
morte do texto ou do teatro – uma previsão que, embora feita com angústia, não cessa de ser
enunciada. Contudo, o teatro não pode nem deve ser fortalecido de modo a proteger sua suposta
natureza. Espectadores continuarão a solicitar certo teatro, e sempre com a mesma intensidade.
A despeito de todas as formas visuais e da proximidade das performances, é provável que eles
continuem a entender o teatro como o lugar do texto, como um modo específico de ler e encenar
um texto. O teatro de texto em muito sobrevive, bem como suas formas dramáticas. A expressão
“teatro pós-dramático” é certamente a primeira tentativa de caracterização das variadas
tendências do teatro contemporâneo, e apenas incidentalmente a certos modos de escrita
contemporânea – uma edição recente da revista Text & Kritik, intitulada Théâtre pour le 21º
siècle (ARNOLD, 2004), por sua vez, mostra que o conceito de “teatro pós-dramático” e certos
de seus aspectos são igualmente um leitmotiv para os debates acerca do novo drama. Se é
possível observar uma grande convulsão no campo cultural, por meio de rupturas constantes
com os modelos tradicionais de representação, também é possível afirmar que o teatro textual e
literário não se encontra em processo de desaparecimento. É preciso pensar essa grande
agitação sem favorecer o surgimento de um vasto pessimismo cultural.

***

O teatro e a arte da performance são processos sociais, tanto como atividades de


representação como atividades de observação. A arte e o estilo de uma representação são
estreitamente ligados ao estilo do olhar depositado pelo espectador sobre essa mesma
representação. O horizonte de expectativas, os conhecimentos prévios, a atenção reservada a
este ou aquele aspecto do que é percebido, uma acentuação variadamente específica: tudo isso
impregna o estilo da percepção e se torna, pelo exercício, uma “arte de ser espectador”, a qual
Brecht, como se sabe, acreditava ser tão necessária ao teatro como “a arte de ser ator”. A
estética da recepção aprofundou a ideia de que a concretização de um texto, e mesmo de um
possível texto destinado ao jogo, se realiza através do leitor ou do espectador, que se transforma
em coautor da obra. Entretanto, esse tipo de crítica estava tão preocupado com a questão da
“construção do sentido” por meio do texto e de seus receptores que ele só pôde contribuir, com
moderação, a uma pequena parcela de compreensão da atividade espectadora. É que a
percepção do teatro, devido à característica particularmente carnal de seus significantes (corpo
humano, espaço, tempo, ritmo, etc.) obedece a outras leis que não as da leitura impressa. A
teatralidade, como tal, é o fundamento de toda constituição de sentido : isso acontece devido ao
fato de sua “matéria” ser composta por signos vivos, e também porque ela é uma ação real – e
não somente por conta de uma específica manipulação dos signos que, na modernidade e na
pós-modernidade, conduziu a uma significativa problematização e, até mesmo, a uma perda do
sentido do texto literário. Além disso, no teatro, ver é sempre um ver-com (Mit-Sehen),
compreender é sempre um compreender-com (Mit-Verstehen), abrindo uma categoria estética
ainda insuficientemente estudada. O olhar em comum, junto a outras pessoas, transforma
profundamente a compreensão do fenômeno. De modo semelhante, a transmissão dos afetos
que se produzem em cena, em direção aos espectadores, amplia-se e modifica-se através da
transmissão recíproca entre os próprios espectadores. Esta diferença entre compreender e
compreender-com permanece pertinente a todo momento, mesmo que se deva salientar que uma
atividade espectadora não equivale a outra, já que cada sujeito observa o mesmo fenômeno de
modo distinto a seu próximo.
A postura (Haltung) e a pré-compreensão exercem uma função fermentiva na atividade
espectadora. Este “ajuste” do olhar, melhor dizendo, é sensivelmente diferente no caso de uma
comédia, de uma ópera, de uma coreografia ou um tragédia. A questão do tipo do olhar tende a
colocar-se com maior intensidade quando os espectadores já não se encontram seguros acerca
do “teatro” ao qual eles se submetem: se os implicará (por exemplo) em uma atmosfera festiva e
divertida, ou se lhes apresentará mais uma narração ou uma coreografia abstrata,
rigorosamente formalizada. Ela aparece de modo ainda mais forte quando os espectadores não
sabem se o teatro vai lhes apresentar uma dança de imagens cênicas sem um encadeamento
específico de ações, direcionando-se mais, no que diz respeito à atividade espectadora, ao
amante da arte do que ao acostumado ao teatro da velha escola. Ou, ainda, ao contrário: uma
representação na qual um texto é recitado com uma precisão hiperbólica, exigindo, assim –
ainda que sem se transformar em um teatro de texto convencional –, a concentração de toda
sua atenção sobre o ato puro da linguagem. Que um ator nu acolha um número reduzido de
visitantes em um quarto de hotel tornado cena, ou que a representação teatral crie uma agência
de turismo a partir da arquitetura do próprio teatro: nenhuma “estrutura” é mais certa – cada
estrutura deve repetidamente ser renegociada. A dificuldade experimentada por numerosos
espectadores diante das formas atuais do teatro e da representação reside, essencialmente, além
do fato de que o teatro e a prática performativa contemporânea da arte acentuam e exploram
esta abertura e esta incerteza, e as reforçam conscientemente no lugar de as suavizar e de as
ultrapassar. Assim, nada é fácil para o espectador. Em revanche, ele goza de uma liberdade
não habitual, mesmo se esta não é apreciada por todos. Pode-se considerar como uma regra
que, no teatro pós-dramático, ou na arte da performance da época atual, é oferecida aos
espectadores a inconveniente oportunidade de uma experiência de determinação, a fim de que
eles mesmos possam construir suas posições e pré-disposições e possam decidir como se
comportar diante daquilo que lhes é apresentado, escolhendo seus focos e níveis de atenção e,
ainda, a intensidade de sua participação – a mesma que define sua própria posição dentro da
obra.
A situação se torna particularmente virulenta quando, ao invés de serem eliminadas, as
dúvidas se veem acentuadas: cabe aos espectadores a realização de uma inovação estética ou de
uma ação totalmente real? Os espectadores querem ser considerados como intérpretes de um
papel (tais como os atores clássicos) ou como indivíduos reais (tais como os artistas da
performance), que executam determinadas ações em sua literalidade? Os movimentos e gestos
eloquentes fazem parte dos jogos de papeis, “signos de” qualquer coisa, ou de ações que querem
ser tomadas por aquilo que são, em sua realidade material, e que retornam, assim dizendo, à
percepção, quando o espectador percebe-se, no quadro da manifestação, no bojo de uma
específica situação nesta estrutura, em relação às circunstâncias oferecidas? Isso não significa,
como alguns críticos conservadores fazem voluntariamente, que se deva excluir tais
alternativas para algum lugar fora do campo artístico, um espaço no qual a identidade estava
definida de uma vez por todas. Após Duchamp, ou antes ainda, a confrontação com a questão
de saber se é preciso fazer uma obra de arte é consubstancial à arte. Nesse contexto (mas não
somente nele), a função da atividade espectadora sofreu vastas modificações em seu escopo pós-
dramático. Para dar ainda mais um exemplo: a “estrutura” colocada em evidência pela ficção
do drama no teatro dramático burguês permite a exposição de intimidades, como se não
houvesse espectadores. Isto foi notadamente possível graças ao princípio da quarta parede.
Mas, em Quizoola, uma performance de seis horas realizada pelo grupo de teatro inglês Forced
Entertainment, um espaço íntimo (ou, em todo caso, que parece íntimo) de interação se
constitui por meio do jogo de perguntas-e-respostas de dois atores, de tal forma que a presença
dos espectadores, como coaudiência e co-conhecedores autorizados a deixar e reintegrar o
espaço a sua vontade, torna-se parte integrante deste espaço. A originalidade reside, aqui, na
característica pública, real e teatral, do auto-desvelamento efetivo ou representado dos atores.
Essa estética da indecidibilidade levanta uma série de questões sobre a identidade, a
autenticidade e o jogo das personagens: a estrutura é esburacada e não assegura mais, como
assegurara, uma habitual fronteira entre ficção e realidade. Dentre outros aspectos, tal
situação mostra-se possível pelo intermédio da estética duradoura do jogo, bem como pelo
abandono de uma ficção dramática homogênea. Não é por acaso que os espectadores, em
Quizoola, são maquiados como clows, com a ajuda de cores gritantes e grosseiras, e acabam por
lembrar o circo como “espetáculo vivo”: no circo, existia mais uma presença viva e fascinante
do que uma representação de eventos fingidos; no circo, a fronteira entre mundo real e mundo
ficcional, entre perigo real e jogo, é desfocada – e é justamente esta flutuação que oferece todo
o charme do evento. Mais ainda, em trabalhos como esse o jogo teatral se aproxima também de
uma autêntica situação social através da arte de interação com os espectadores. A todo
momento, naquele espetáculo do Forced Entertainment, o isolamento do jogo cênico é
deliberadamente quebrado pelo contato visual, pelas considerações de certas pessoas, pelo jogo
frontal. Existe lá alguma coisa extremamente distinta daquela ocasional inclusão do
espectador operada pelo ângulo dos monólogos, tais como, por exemplo, quando Richard III se
une ao público para melhorar a trama. No teatro dramático, tais rupturas de estrutra não
rompem realmente o contrato da ficção, apenas o suspendem, no espaço de um instante, para
voltar em seguida de modo mais seguro e profundo à identificação com o cosmos dramático
solicitado pelo teatro. Por sua vez, nas formas teatrais pós-dramáticas se joga incessantemente
sobre e em torno de essa fronteira que, no teatro dramático tradicional, era constituinte do
próprio processo estético.
Em uma produção recente de Jan Fabre, The Crying Body, os “choros” do corpo são
revelados de modo literal: transpiração, lágrimas, urina. Se é levado em conta o horizonte de
expectativa do público, pode-se dizer que esta representação ultrapassa amplamente todas as
expectativas. Tabus, pudores, bons costumes, decência e religiosidade: todos esses sentimentos
são impunemente transgredidos – mas, ao mesmo tempo, essas transgressões são mantidas em
ligação por formas fortes: elas se operam sob o selo de uma disciplina e de uma rigorosa
responsabilidade estética. Paradoxalmente, é justamente na corporalidade extremamente
agressiva, na auto-degradação e auto-desnudamento dos atores reais que uma espiritualidade
aparece para conduzir o espectador sobre um novo território fronteiriço no qual suas categorias
habituais não funcionam mais. Neste caso, a zona intermediária entre apresentação
representante e presença é mais física que psicológica, mas, não por isso, o desafio lançado em
favor de uma atividade espectadora diferente é mais válido aqui. Não é somente o espectador
que, como em cada evento teatral, se torna parte integrante da representação, mas também suas
reações mentais e reais que, mesmo que de uma maneira distinta em Forced Entertainment,
fazem aparência de componentes completos desta mesma representação. Pois, aqui, a
experiência estética reside justamente na interrupção da experiência estética. A destruição da
distância estética, a qual conduz a inauguração de um território experimentado em comum,
território de risco e de decisão sob o comportamento a adotar, aguça a insegurança e a
incerteza da atitude perceptora.
Em sua discussão sobre a co-presença corporal dos atores e espectadores no teatro,
Erika Fischer-Lichte distingue, notavelmente, os seguintes aspectos: as trocas de papel (os
espectadores tornam-se, de um modo ou de outro, e em níveis diversos, os atores); a comunidade
(a situação teatral conduz à produção de uma comunidade passageira de espectadores e atores);
o “contato” (no sentido da alternância, por vezes confusa, entre proximidade e distância). No
conjunto, esses aspectos fazem parte de toda representação teatral, mesmo que não se
manifestem sempre com a mesma clareza. Como aspectos de uma “estética do performativo”,
eles também podem ser pertinentes para caracterizar numerosas ações-performances. Para
certos artistas (Orlan, Sophie Calle) situados no limite entre performance, texto, artes
plásticas, fotografia documental e mídia, a questão que se coloca é saber como pensar a função
de espectadores que não realizam a co-presença corporal. Em todos os casos, pode-se constatar
que o teatro, porque ele “toca” o espectador não somente mentalmente, mas também
emocionalmente, afetivamente e nervosamente, e assim de uma certa maneira também
fisicamente, utiliza desde sempre estratégias “sensíveis” (no sentido amplo) para conduzir o
espectador pela obra. Na nova prática do teatro e da performance, isto significa, no fundo,
sempre a mesma coisa: uma tentativa de insegurança pela tematização e a problematização de
pressupostos ideológicos, morais e éticos, contidos na atividade espectadora como tal. Esta
inclusão do espectador é estética, mas ela foi tematizada, antes de tudo, na teoria da arte. O
fato de que o espectador se torne ator e parte integrante da representação performativa reporta-
nos invariavelmente à velha discussão em torno de Art and Objecthood e à crítica virulenta de
Michael Fried contra a nova arte minimalista de seu tempo: esta arte, chamada por Fried de
arte “literal”, seria dotada de uma complexidade interna tão “mínima” que ela se tornaria um
simples objeto inteiramente tributário da capacidade de percepção e reflexão do sujeito que
percebe. Em L’esthétique de l’installation, Juliane Rebentisch mostrou que a dualidade
referida pela distinção de Fried entre a densidade relacional, interna à obra de arte, e a
relação com o contemplador externo (relação diante da qual a obra, se não depende mais do
contemplador, torna-se simplesmente objecthood) é, em realidade, inerente a toda experiência
estética. Aquilo que estava designado e atacado por Fried como “teatralidade” (theatricality) de
uma nova arte dependente de seus espectadores não faz outra coisa, segundo Rebentisch, senão
sublinhar melhor esta dualidade ou esta indecisão da experiência estética. Seria o mesmo para
tais formas teatrais que podem ser qualificadas como “pós-dramáticas”, para a arte da
performance e para todas as práticas de arte com instalações ou ações se desejando artísticas:
estas medidas não reinventam completamente a dimensão performativa do teatro nem o desafio
ao espectador, mas elas deixam tais aspectos e contradições se manifestarem de modo bastante
evidente – tão evidente que acabam produzindo, ao mesmo tempo, uma transformação em uma
nova qualidade. A questão é então de saber se, seguindo esta evolução, o domínio do que é
ainda designado de maneira significativa pelos conceitos de arte e de estética, se vê
transcendido; se não se desenha aqui uma ultrapassagem da estética como tal que não se
efetuaria mais por meio do conceito de reflexão, contudo ainda essencial para a
conceitualização da experiência estética. De qualquer forma, o novo posicionamento da
atividade espectadora no teatro recente conduz em todos os casos à práticas teatrais que
rompam os fundamentos centrais de uma tradição multissecular da arte do teatro. A questão
do espectador deve ser colocada no bojo desta nova situação.

***
Duas observações servirão para justificar a tentativa que se segue de considerar a
questão do espectador através da poética da tragédia. Por um lado, é sempre recomendado, em
um momento de crise de um gênero, reconsiderar seu ponto de partida. O conhecimento dos
elementos de base pode possibilitar uma visão mais livre – desde que nos guardemos daquela
tentação de querer facilitar nosso próprio caminho, reduzindo certa novidade inquietante
àquilo que se conhece há muito tempo. Por outro lado, é impressionante que numerosos
artistas diferentes, como Jan Fabre, Claudio Castellucci do Societas Raffaello Sanzio, Robert
Wilson ou Einar Schleef, se refiram mais explicitamente à tragédia antiga (talvez até ao
teatro barroco) do que à tradição dramática teatral inaugurada no século XVIII. A mesma
observação pode ser aplicada aos artistas da performance. Radicais autores contemporâneos,
como Heiner Müller e Sarah Kane, com textos particularmente correspondentes aos
paradigmas pós-dramáticos, também fazem essa referência à Antiguidade. Anagnorisis, o
reconhecimento, é, em oposição à catarse, já discutida com bastante exaustão, uma categoria
particularmente negligenciada da Poética de Aristóteles. Respeitando ao mito (plot) da
tragédia, que resulta da systasis pragmaton (a reunião das ações), Aristóteles aponta três
elementos substanciais a toda tragédia: a peripécia, um acontecimento patético (desencadeador
de uma profunda dor) e anagnorisis, o reconhecimento. “A peripécia”, escreve Aristóteles, “é a
reviravolta da ação, que agora caminha em sentido contrário [...]. O reconhecimento
(anagnorisis), como o próprio nome indica, faz passar da ignorância ao conhecimento,
mudando o ódio em amizade, ou inversamente, naquelas pessoas destinadas à infelicidade ou
ao infortúnio”. Em seguida, são distinguidos diversos tipos de anagnorisis, a partir da
qualidade do objeto de reconhecimento, sendo ora uma coisa ora um indivíduo, ou conforme a
condução dos episódios em direção a um bom final ou não, etc. O próprio comentário desses
aspectos já nos parece muito peculiar, mas, como estamos lidando com um conceito, iremos
ainda mais longe. Na verdade, é precisamente pelo reconhecimento de um sujeito que
Aristóteles se interessa. Porque, segundo ele, será principalmente um reconhecimento desse
tipo que produzirá eleos e phobos (piedade e terror) em grandes proporções – eleos e phobos
que, como ele diz, são o verdadeiro objetivo da tragédia. A tragédia mais bem-feita é aquela
onde anagnorisis coincide com a peripécia, como acontece em Édipo Rei, convocada como
modelo ideal pela Poética.
Anagnorisis é um reconhecimento. Contudo, esse reconhecimento não produz somente
um novo saber, mas também uma reação afetiva. Na Poética, ele é uma questão essencial ao
conteúdo da tragédia. Contudo, o que diz Aristóteles acerca dos heróis trágicos aplica-se, de
antemão, ao espectador. Aristóteles pensa em termos de efeito. Mas dois interesses, ao menos,
coabitam o peito do autor da Poética quando procura capturar o efeito da tragédia para pensá-
la. O primeiro aspira a uma racionalização radical. A tragédia (assim como o belo) é
incontestavelmente pensada por Aristóteles como algo que eu definiria como uma
representação paralógica: a construção da tragédia é projetada em uma progressão lógica, o
tema do reconhecimento figura ao centro, e a ideia de que o teatro deve transmitir um
ensinamento atravessa toda a Poética. Mesmo o prazer vivido pelo indivíduo diante da mimesis
ou da imitação, manifesto desde a infância, é explicado com a ajuda do verbo syllogizesthei –
portanto com a ajuda de um processo lógico-teórico: “nós sentimos prazer ao observar as
imagens pois aprendemos a observar e deduzir (syllogizesthei) o que representa cada coisa”. E é
assim que, a certa altura, o autor da Poética leva a cabo a tese bastante curiosa de que o teatro
seria uma responsabilidade daqueles que não gostam de pensar, uma vez que a grande maioria
da humanidade infelizmente sente nenhum desejo de aprender. Por conta disso, os filósofos, se
seguem a lógica de argumentação aristotélica, não têm a necessidade do teatro ou das imagens.
A tragédia se mostra como uma saborosa medicina inventada pelas massas em vista de lhes
proporcionar a compreensão de certas coisas, para que, em seguida, o próprio pensamento não
precise exercer esta função nem possuir tamanha obrigação. Desse modo, menos é exigido ao
teatro: com efeito, a famigerada catarse já se produz, segundo Aristóteles, no instante mesmo
da leitura da tragédia. O logos do texto é suficiente – no máximo, nós podemos considerar que
a voz propõe um jogo entre a prática antiga de ler o texto em voz alta e aquela que implica uma
leitura silenciosa, por si só. O teatro, de modo concreto, é considerado por Aristóteles como um
ingrediente largamente desprovido de valor artístico e, no fundo, absolutamente supérfluo.
(Platão, por sua vez, não se contenta em enunciar um simples caráter supérfluo ao teatro. Diz-
se que, ao invés disso, em seus discursos oficiais, o que ele condenava era a predominância das
reações afetivas, que acabaram por atribuir ao teatro um valor altamente nocivo.)
À primeira vista, a concepção de anagnorisis tende a obedecer à mesma lei de lógica
extrema da estética, presente na Poética; mas anagnorisis é um reconhecimento dos heróis que
desempenham uma importância decisiva para o desenvolvimento do conflito. Diz-se que o
herói trágico, ao menos em certos casos, é atirado sobre o espectador que não terá como entrar
em nenhum outro lugar que não mathesis, o conhecimento que antes não podia ter ou não
tinha. Wolfram Ette coloca este ponto em evidência:

Em Ifigênia [...], a ação não se encontra tão particularmente em função do


reconhecimento. Isso significa duas coisas: (1) que o reconhecimento, por fim, resulta
da própria ação; e que, sendo assim, (2) ele acabar por liberar todas as perspectivas
para quaisquer ações inesperadas. Assim, realiza-se na peça o que será apreendido por
ela mesma. O caso aqui considerado por Aristóteles se aproxima da mathesis trágica.
Em anagnorisis, assim entendido, o trágico destino de seu próprio curso, integrado no
desenvolvimento de toda a ação, oferece aquilo que havia sido planejado meramente
como um efeito.
Será que o reconhecimento, a mathesis, é para Aristóteles o objetivo esperado, o efeito
que a tragédia deveria suscitar no espectador? Se sim, então podemos verdadeiramente
dizer que com anagnorisis – ao menos, nas circunstâncias determinadas – tem lugar
uma sobreposição da “lógica da forma” sobre o conteúdo.

Se anagnorisis, como categoria que descreve uma experiência trágica, encontra-se


confinado à esfera do reconhecimento, então Aristóteles deve circunscrever, ao mesmo tempo,
um modo de fusão com o espectador, uma experiência possível no momento do reconhecimento
ou no ato de reconhecimento do herói. Esse quiasma entre cena e espectador implanta, no
entanto, certo potencial na medida dos dois interesses, do autor da Poética, que estão, aqui, em
jogo – seu sentido preciso e não menos admirável pelo efeito efetivo da tragédia. A catharsis é,
em todos os casos, um processo altamente afetivo – um remédio de cavalo, por assim dizer: à
pena e ao horror sucede a purgação. A tragédia age à maneira de um pharmakon que
desencadeia uma violenta febre dos afetos, mas que, no duplo sentido do conceito grego, não
age somente como um veneno, mas também como um medicamento, como um remédio
justamente contra aquilo que ela mesma provocou (e é obvio que esta é apenas uma dimensão,
uma leitura, da catharsis, que não dá conta de todas as complexidades conceituais da palavra).
O conceito de anagnorisis coloca-se a serviço da descrição deste efeito afetivo descrito. Se ele
pode parecer, à primeira vista, um simples processo racional de reconhecimento, a impressão
tende a ser alterada com as próprias memórias teatrais de qualquer sujeito que logo o
reconhece como um elemento central do efeito de uma representação teatral. Certamente, desses
momentos de (re)conhecimento partirão alguns dos momentos afetivamente mais fortes de uma
representação teatral – em uma medida incomparavelmente mais intensa do que aquela
manifesta durante a leitura. Porque aqui, no teatro real, a participação pessoal e a dimensão
espaço-temporal do teatro têm um papel decisivo a ser jogado: é uma certa “qualidade de
testemunho” que, no teatro, une os espectadores aos heróis pelo processo de identificação. “Sim,
é você quem é Orestes!” “Deus, sou eu mesmo que sou Édipo, aquele quem assassinou o rei!”.
Anagnorisis significa uma inversão súbita, um retorno que funciona como uma mudança
radical de iluminação. Como uma cesura. De um mesmo local, vários golpes: não é apenas uma
identificação de reconhecimento que se realiza, mas é o conjunto da situação dramática e a
marcha dos acontecimentos que se revela e que acaba por revelar novos sentidos. Todos os
elementos da nova situação estão disponíveis; os heróis, contudo, não sucederão a leitura da
escritura de seus destinos ou sua revelação virtual: eles permanecem ocultando a si mesmos e a
seu infeliz destino, como se esse estivesse recoberto por um véu. E, então, anagnorisis encontra
seu lugar – o reconhecimento, a compreensão posterior daquilo que já estava evidente. É, no
fundo, aquilo que os morfemas ana- e re- já indicavam: o conhecimento estava presente, mas,
com a ocorrência de anagnorisis, ele é novamente percebido e, somente agora, pode ser
verdadeiramente notado. O momento do reconhecimento é aquele no qual o espectador
reencontra repentinamente seu saber (um saber mais notável que a compreensão do próprio
herói), oferecendo a si mesmo o brilho que lhe é próprio. O conhecimento que, anteriormente,
não estava registrado senão inconscientemente, para além de um contexto, revela-se contextual,
como uma lógica eventual. Não é a partir desse momento que o evento trágico ganha forma e
cena?! E o sujeito dessa cena já não precisa mais se interrogar (nem decidir) se ele pertence à
cena e ao teatro ou se ele compõe aquela “outra cena”, da experiência interior do espectador.
Logo adiante, no passo seguinte em direção à elaboração dessa categoria, tudo se passa como se
Aristóteles, o inimigo do teatro que lê a tragédia como logos e somente como logos, tivesse
falado, como um ventríloquo, acerca de uma experiência teatral. Mas bem se sabe que o teatro
fala por si. Aquilo que, para o herói, significa a dor e invoca a compaixão do espectador torna-
se, ao mesmo tempo, para esse último, uma compreensão do desenrolar do conjunto; aquilo que,
para o herói, é uma compreensão do desenrolar do conjunto torna-se, para o espectador, o
disparador para criação dos afetos de terror e piedade. O aspecto patético dos momentos de
reconhecimento faz com que lágrimas sejam derramadas. Contudo, esse mesmo aspecto torna
complexo o prazer da compreensão com a piedade pelo herói e com o susto e o estremecimento
do terror (phobos) por seu destino, tecido pela ação dos dois. É nesse sentido que talvez nós
possamos explicar o desdobramento particular dos efeitos na Poética, de Aristóteles. Os dois
efeitos são complementares, uma vez que possuem os mesmos vetores: a piedade (eleos) refere-se
a uma linha horizontal entre homem (o espectador) e homem (o personagem trágico) – e ela
preocupa o homem. Quanto ao terror (phobos), aplica-se a uma segunda linha, que parte do
homem, verticalmente para o alto, e indica o céu dos deuses. Phobos é o terror que captura o
espectador face a anagnorisis, como a entrada de ações de forças que lhe são incompreensíveis.
A experiência da tragédia pelo espectador não é então reduzida, por sua poética, a um
saber, um reconhecimento, um logos: ela tem em vista uma concepção paralógica da imagem
estética da tragédia. Mesmo que Aristóteles relegue o teatro a um segundo plano, visando
apenas a leitura de peças, nós ainda podemos falar de uma teatralidade implícita à anagnorisis
– algo que se torna mais evidente quando alcançamos a consciência de que tal categoria não
significa apenas “re-conhecimento”, no sentido de um saber adquirido de uma vez por todas.
Sobretudo, a palavra anagnorisis indica o momento do reconhecimento, uma iluminação que
nós podemos qualificar como fulminante. Esta comparação deve relembrar o Pseudo-Longin
que, no ensaio Peri Hypsous, compara a dimensão performativa (no sentido moderno do
termo) da retórica a um relâmpago. A arte da locução aterra o ouvinte. Tanto o convence que é
como se lhe tomasse como a descarga energética de um raio, apossando-se de todo seu ser. Nesse
sentido, essa descarga coloca à prova nossa tese na qual anagnorisis não é apenas uma categoria
dramatúrgica, mas deve ser utilizada como um nome para o momento verdadeiramente teatral,
para designar o coração da experiência teatral trágica do espectador, o “amor” ao teatro – em
um sentido parecido com aquele com o qual Aristóteles também descreveu o mito como o
amado da tragédia (seu contrário seria o riso da comédia, representando uma tomada de
consciência rompante da não-compreensão que, contudo, se efetua sobre os signos de um prazer
que marca certa reconciliação com o mundo). Também anagnorisis será o nome apropriado a
um mesmo chão que atravessa de modo subterrâneo todos os aspectos da experiência dos
espectadores, certamente sob uma condição: que nós nos permitamos a tal interpolação e que
nós leiamos, nos textos de Aristóteles, algo que ali se encontrava implícito, mas que ele próprio
não tinha a intenção de esclarecer, mesmo que, não obstante, pudesse ser facilmente lido entre
as linhas da Poética. Retornaremos mais uma vez ao caso modelo de Édipo, à situação do
reconhecimento. “Oh, oh, tudo aconteceu para o melhor”. O que se passa ao fundo? Édipo
reconhece. Ele captura, ele compreende agora aquilo que, antes, não conseguia compreender –
se dirá, como se diz, que ele não queria compreender. Mas agora ele compreende melhor e não é
sobre ele que falaremos aqui: é sobre a coerência a que está subordinada sua existência; cada
falha malograda em todas as promessas feitas logo no começo. O objeto de anagnorisis não se
esgota nas considerações aqui elaboradas para o reconhecimento daquilo que ocorre entre cada
um dos eventos. Contudo, em uma palavra, Édipo compreende que ele não compreenderá.
Compreensão da não-compreensão. E os espectadores compreendem, com ele, que os signos
estão todos lá, mas que não podemos decifrá-los. E porque os espectadores, por causa da “ironia
trágica”, veem, melhor que o próprio herói, aquilo que acontece entre as coisas também acabam
por compreender que, ao penetrar no domínio do incompreensível, não se deixa somente um
caos para trás, mas libera-se, antes de tudo, a nova visão sobre uma outra lógica
necessariamente impenetrável ao homem e a seu tempo. Está associada a essa lógica o fato de
que a transição da compreensão para não-compreensão sobre o espectador abala aquela que
havia sido sua possível compreensão sobre todo o resto da obra. Portanto, a forma, aqui
investigada, ao ler anagnorisis como núcleo da experiência trágica se distingue claramente da
ideia de “ironia trágica”, na qual não é possível, me parece, fazer a abstração (hegeliana) de
uma última e soberana visão do conjunto. Anagnorisis, como a peripécia, designa algo contra a
compreensão da não-compreensão também por parte dos espectadores. Ela designa uma tomada
de consciência traumática em que os dois, o destino e o azar, reservados para nós, não se
encontram na obscuridade, mas em grande parte, em qualquer dia, embora não sejam, por ora,
decifráveis. Do mesmo modo, podemos nós dizer que o dia seguinte já está presente e disponível
no de hoje. Embora seja óbvio, vale dizer: todas as condições e os germes existem aqui e agora,
mas nós não poderemos lê-los senão posteriormente. Disso, o que devemos compreender é que,
embora iluminados por aquela plena claridade do dia que habitava a cena exposta no teatro
antigo, não resta diante de nós a possibilidade da legibilidade – do mesmo modo como o
oráculo que já estava lá, mesmo que ilegível, revela sua significação mortal na anagnorisis.
Toda a perspicácia e todo o saber advêm, assim, de um mesmo espaço de dúvida: sua segurança
é a mera descrição. Anagnorisis no sentido desta definição da compreensão para a não-
compreensão é, para falar como Karlheinz Bohrer, algo “repentino” – um discernimento que
rompe com a compreensão.

***

Na Poética, tudo isso se transforma em uma questão acerca do conteúdo da tragédia.


Mas, como foi recordado, Aristóteles pensa em termos de efeito, e pode deduzir que, no fundo, é
o espectador quem, por meio do desenvolvimento da ação e da identificação com as dramatis
personae, vê o momento de agnorisis como o ponto culminante e como núcleo de sua
experiência trágica. A Poética é clara em seu diagnóstico acerca de uma teoria da experiência
teatral. Tendo nossa reflexão chegado a este ponto, seria preciso reescrever toda a tradição do
teatro dramático à luz deste pulsante questionamento: será agnorisis, ou, se preferirmos, o
choque entre a compreensão e a não-compreensão, algo que se reflete em todos os tempos? Se
sim, de que modo e quais são suas variantes?
Para finalizar, permitam-me um rápido salto sobre o presente da prática teatral pós-
dramática. Depois da visão radical de Artaud sobre um teatro neocatártico, a experiência de
uma certa crueldade conseguiu romper com algumas das amarras do logos e da doxa, dirigindo
a compreensão a um vazio. Hoje, é por meio de algumas performances e de algumas formas
múltiplas de ação, radicais práticas performativas e formas do teatro pós-dramático, que o
convite ao pensamento é feito: com e contra Aristóteles, a tradição dramática une suas
reivindicações e clama por outra forma de anagnorisis. Chegamos, assim, ao coração da
questão: saber como determinar concretamente a estética – ou, melhor, as estéticas – do
performativo, de modo a revelar os pilares do evento em sua virtualidade e manifestação.
Podemos agora, olhando-nos, uma vez mais, pela lente da tragédia antiga, ativar as
questões acerca da representação e de suas técnicas. Poderíamos até considerar a hipótese de
que a particularidade da experiência da tragédia antiga consistia na emancipação da esfera do
jogo teatral puramente estético – menos no que diz respeito às esferas de responsabilidade
religiosa, política e ritual: a completa autonomia estética ainda não era possível. Em muito, o
teatro ainda poderia ter como símbolo a tragédia porque ainda é culto e ritual, embora tenha
evoluído em seus contextos. Apesar de uma possível emancipação do próprio culto teatral, os
elementos da tragédia ainda permanecem gerando uma tensão contínua entre os meios cênicos;
apesar da forte crítica do teatro aos mitos, a tragédia não deixou de continuar suas
manifestações por meio deles. Enquanto o público ainda estima seu mérito artístico e mesmo a
forma e os sentidos profundos da poesia trágica antiga, a tragédia ganhou maior relevância
justamente com sua disposição a não ser mero instrumento estético, mas um jogo entre a
experiência estética de agnorisis e a tendência inevitável de alternância frente à esfera não-
estética. Mais precisamente, a compreensão de que não é necessário se preocupar com todas as
esferas implícitas à tragédia antiga, uma vez que a religião, a política e o culto já estavam
intrinsecamente integrados a ela. Nesse contexto, também se mostra necessário situar o
processo de autonomização da estética. Com tal autonomia, rende-se o espectador ao campo
artístico. No entanto, diante de seus questionamentos em torno daquilo que será visto ou
apresentado, a autonomia da estética libera-se do âmbito circunscrito socialmente para
apresentar-se como uma categoria cada vez menos suficiente. Cria-se uma correspondência
particular entre o efeito de anagnorisis e a disposição estética que começa, novamente, a
tornar-se problemática, embora de modo distinto de outros momentos. Não se diz, aqui, que
estamos diante de um abandono dos processos estéticos, mas, sim, de uma interrupção. O
reconhecimento lampejante refere-se ao teatro contemporâneo sempre de modo semelhante (e
sempre de modo distinto): ao inacessível, ao problemático, em breve insuportável,
comportamento estético cerrado. Por consequência, anagnorisis encontra seu lugar – por uma
analogia com a capacidade trágico-antiga, mortal e esmagadora, de discernimento em meio à
cegueira – através de uma interrupção da estética e de um abalo nas ordens categoriais (sempre
nos prometendo um resultado) que não nos permite distinguir a estética do real e da ética.
Mais uma vez, o teatro se encontra confrontado ao instante de compreensão da não-
compreensão. Contudo, dessa vez parece que tal experiência não se encontra encerrada na
ambiguidade entre o culto e a esfera dramática do Agon, mas diz respeito à suspensão do
processo de enclausuramento da própria experiência estética. Desse modo, apesar das radicais
diferenças e da enorme distância entre as épocas, ainda hoje a atividade espectadora pode ser
elucidada por meio de uma boa reflexão sobre a categoria de anagnorisis.

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