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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Estética e Teoria do Teatro


Disciplina: Estudos da Imagem
Professora: Evelyn Furquim Werneck Lima

Thatiana Vieira Maciel Cardozo Lösch

Análise Semiológica do Espetáculo Teatral “BR-Trans”

Rio de Janeiro – RJ

Novembro / 2017
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INTRODUÇÃO:

O presente estudo tem como propósito uma análise semiológica da peça “BR-Trans”, de
Silvero Pereira, ator e responsável pelo projeto originariamente denominado “BR-Trans:
Cartografia artística e social do universo trans no Brasil”, cujo objetivo era a montagem de um
espetáculo teatral na temática.

Por grata coincidência, a peça escolhida para este trabalho encontrava-se em cartaz no Rio
de Janeiro quando da reflexão acerca do objeto sobre o qual recairia o estudo proposto pela
disciplina. Assim, o ponto de partida não poderia ser outro senão ir ao teatro, mas com o “olhar
armado” para ser invadido - sem qualquer resistência – à polissemia de signos, em toda a sua
espessura e superposição de sentidos, ou seja, em toda a sua teatralidade, definida por Roland
Barthes como sendo “uma espessura de signos e de sensações que se edifica em cena a partir do
argumento escrito, é esta espécie de percepção ecumênica de artifícios sensuais, gestos, tons,
1
distâncias, substâncias, luz que afogam o texto sob a plenitude sua linguagem exterior”.
(Barthes apud J. Teixeira Coelho Netto).

Também será utilizado como material de apoio o livro homônimo - BR-Trans -, no qual
encontramos, além do texto base da peça, informações sobre a construção da pesquisa que lhe
deu origem, contornos dos processos criativos da encenação e das experiências registradas e
selecionadas para a composição do espetáculo.

Assim, com o arcabouço minimamente preparado e sabedores de que, de todas as artes, é


no teatro que o signo se manifesta de forma mais variada, densa e rica, mergulhamos no universo
trans muito bem representado por Silvero Pereira, artista que empresta voz e corpo a esta minoria
tão discriminada e vítima de crimes bárbaros por todas as (rodovias) “BR´s” e cantos deste
Brasil.

MÉTODO DE ANÁLISE:
1
NETTO, J. Teixeira Coelho. Preliminar. In: Semiologia do Teatro. Organização de: J. Guinsburg, J. Teixeira
Coelho Netto e Reni Chaves Cardoso. São Paulo: Perspectiva, 2012. p. 12.
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Em se tratando de “artes do espetáculo”, falar em método ou sistematização de análise


semiológica significa se aventurar em uma jornada que poucos ousaram percorrer e, mais do que
isso, se dispor ao perigo de reduzir ou engessar a multiplicidade de signos – verbais, gestuais,
sonoros, visuais, etc. – afeta a esta vertente artística, cuja maior riqueza está assentada nesta
constelação de elementos que, estruturados e combinados, interpretados em conjunto ou
isoladamente, convidam o espectador a buscar o sentido do espetáculo através de uma “leitura
transversal” 2 e reflexão acerca da diversidade de informações propostas.

Tudo é signo em uma representação teatral e é justamente nesta fortuna e variedade


semiológica que reside a complexidade do seu estudo. Reduzir os problemas do signo à
linguagem, uma tendência nos dias de hoje, é preterir ainda mais à arte, em especial, a arte
teatral, seu lugar específico no tema, pois no vasto campo de significações por ela explorado nem
sempre se encontrará um equivalente linguístico. Mesmo a palavra pronunciada pelo ator que, em
regra, possui “óbvia” significação linguística, pode adquirir ou transformar seu valor e
significado, quando atravessada por uma infinitude de outros signos possíveis que lhe conferem
nuance e intensidade determinadas.

Um espetáculo teatral serve-se de variados sistemas de significação, linguísticos e não


linguísticos, que são alocados em tempo e espaço determinados, em função da atividade artística.
No teatro, signos auditivos e visuais tomados de toda parte raramente se expressam em estado
puro. Eles se combinam, se complementam, se reforçam, se especificam mutuamente ou, até
mesmo, se contradizem, atuando simultaneamente sobre o espectador, estabelecendo
comunicação.

Partindo-se do pressuposto desta complexidade de signos no teatro, seguiremos os


caminhos ofertados por Tadeusz Kowzan no texto “Os Signos no Teatro – Introdução à
Semiologia da Arte do Espetáculo” para a análise proposta neste trabalho, mas também nos
emprestamos de conceitos de outros estudos em referências, visando melhor compreensão e
desenvolvimento.

BR- Trans - UMA ANÁLISE SEMIOLÓGICA:

2
DEMARCY, Richard. A Leitura Transversal. In: Semiologia do Teatro. Organização de: J. Guinsburg, J. Teixeira
Coelho Netto e Reni Chaves Cardoso. São Paulo: Perspectiva, 2012.
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O espetáculo em análise tem contorno de teatro político, pois promove a reflexão sobre os
graves problemas enfrentados pelas comunidades trans – transexuais, transformistas,
transgêneros -, vítimas de toda sorte de preconceito, violência e marginalidade. A estética
adotada nos remete ao teatro Épico, de Piscator e de Brecht, com a presença do ator rapsodo que
narra, conta as histórias selecionadas nos dois anos que levaram ao palco o perfil social trans,
com interação e intervenção do público.

O conjunto dos signos utilizados - e valores significativos -, conforme passaremos a


expor, vai ao encontro dos objetivos do encenador: atingir o público de forma pungente; e, sob o
ponto de vista semiológico, se revela complexo em suas combinações, formando um espetáculo
por vezes propositalmente “caótico”, mas num todo coordenado e organizado no tempo e no
espaço.

Em uma classificação arbitrária, conforme Tadeusz Kowzan propõe, imbricaremos nos


principais sistemas de signos que se assentam a representação teatral, quais sejam: a palavra, o
tom, a mímica facial, o gesto, o movimento cênico do ator, a maquiagem, o penteado, o vestuário,
o acessório, o cenário, a iluminação, a música e o ruído.

- A Palavra:

Conforme já mencionado, em um espetáculo teatral a palavra ultrapassa a sua função


puramente semântica, sendo em regra atravessada por diversos sistemas de signos que a
complementam, transformam, agregam valor, conferindo função semiológica suplementar.

Partiremos do título da obra: BR – Trans. De plano, já associamos BR às rodovias


federais, onde há conhecida e intensa atividade de prostituição exercida por pessoas que, em
regra, vivem à margem da sociedade. O universo trans já nos é apresentado em sua face dura: de
exclusão, de preconceito, de busca pela sobrevivência na penumbra e submundo. O título da
peça, portanto, se reflete em tudo o que se quer revelar na proposta cênica.

A palavra é imposta em vários formatos no decorrer do espetáculo, desde a aproximação


com o público (o ator recebe os espectadores já em cena, informa e orienta o porvir, “quebra a
quarta parede” a todo tempo), mensagens musicadas, inscrição de nomes no corpo e em objetos,
legendas em projeções. Exemplos:
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Figura 1: Baú utilizado como "quadro negro" para falar sobre preconceito em escolas.

Figura 2: Nomes das personagens inscritos no corpo a cada mudança de história.


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Figura 3: Projeção em vídeo.

- O tom:

Agregando-se diretamente à palavra, o tom do intérprete engloba elementos como a


entonação, o ritmo, a velocidade, e a intensidade. As modulações, sobretudo da entonação,
conferem à palavra os mais variados signos.

Silvero Pereira empresta sua voz com precisão cirúrgica às nuances pretendidas em cada
quadro do espetáculo. Dá sexo ou gênero às personagens; se coloca como ator em diálogo com o
público; ressalta através do sotaque a região onde se passa o evento ou de onde provém a
personagem (Ex. Babi, transgênero gaúcha); acelera ou reduz a velocidade e desloca o ritmo da
narrativa para imprimir tensão, desassossego, relaxamento ou reflexão. Por vezes, se utiliza de
voz grave para dar tom de narrativa jornalística relacionada à morte ou violência contra trans.

- A mímica facial:

Companheira da palavra (e dos signos gestuais), a mímica facial (signo mímico e


cinestésico) pode torna-la mais expressiva, significativa ou, até mesmo, atenuá-la ou contradize-
la. Trata-se, portanto, de importante recurso do ator que pode alterar completamente o sentido
semântico do que se diz, mas também do que se silencia.

Nosso ator manipula de forma extraordinária tal elemento, misturando caricaturas e


personalidades às personagens, dando corpo às emoções expressas ou silenciadas. Sobretudo
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durante a música cantada, traz para o rosto (e corpo) a letra que se quer comunicar, se integrando
à função das músicas em estilo brechtiano.

- O gesto:

Assim como a mímica facial, o gesto integra a colônia de signos espaço-corporais do ator
(cinésicos) que, seguindo-se à palavra, constitui o meio mais rico e flexível de exprimir
pensamento. Os signos gestuais podem acompanhar a palavra ou, até mesmo, substituí-las, assim
como a algum elemento do cenário ou acessório.

Em BR-Trans, o ator traz à carne variados sentimentos, pensamentos e emoções,


entregando-se de corpo à alma do espetáculo. Ao mapear em seu corpo as personagens trans,
cujas histórias são contadas no espetáculo, Silvero exibe vigorosamente ao público seus nomes
para chamar atenção especial à existência e personificando em cena os excluídos, acentuando a
importância do debate. Tal marca do espetáculo também adquire caráter funcional, já que sinaliza
ao público a mudança de quadro ou de lugar da ação.

Nos reportando mais uma vez às músicas, que mais adiante receberão tratamento
específico, os gestos corporificam o conteúdo ou deslocam o espectador para uma realidade que
se quer revelada, tais como, as performances de trans em boites e casas noturnas de fama
questionável.

Uma cena em especial tem como destaque a capacidade de traduzir em gesto o homicídio
de dois travestis no nordeste do país. De forma performática, que se aproxima de uma coreografia
de balet, Silvero desenha no chão os corpos estendidos após o assassinato. Com vigor e beleza,
traz poesia à cena forte que é ao mesmo tempo narrada ao espectador. Uma mistura de gozo e
horror se estabelece a partir da combinação e complementação dos signos que se atravessam de
forma voraz na cena.
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Figura 4: Desenho com giz em torno no próprio corpo.

Figura 5: Resultado final.

Outra cena em que o gesto merece destaque é a icônica representação do “Ser ou Não
Ser”, emprestada do clássico Hamlet, de Shakespeare, com toda a intensidade da questão dos
trans depositada em um abacaxi.
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Figura 6: “Ser ou Não Ser”.

- O movimento cênico do ator:

Trata-se do terceiro sistema de signos cinestésico apresentado neste trabalho. O


movimento cênico do ator está associado a ocupação do espaço e aos deslocamentos feitos pelo
intérprete em cena, seja em relação a outros atores ou, na hipótese de BR-Trans, aos acessórios,
aos demais elementos do cenário e ao público.

Neste quesito, Silvero Pereira se apropria de funções que em regra são afetas a outros
profissionais do teatro. É ele quem manipula a iluminação e, também, a maioria dos efeitos
sonoros, a partir de interruptores e equipamentos colocados no espaço palco. A partir disso, já se
depreende a intensa movimentação e deslocamentos feitos pelo ator em cena somente para este
fim. No mais, há uma exploração intensa dos vários planos e todo o espaço é ocupado de forma
harmoniosa, dando dinamismo especial ao espetáculo.

O ator não se limita ao palco e, por vezes, invade a plateia estabelecendo relações mais
próximas. Ao fundo e ao canto, um músico ocupa o seu espaço fixo com o instrumento que
embala as músicas cantadas por Silvero, mas mantendo-se aparte da encenação em si, salvo nos
poucos momentos em que o ator se dirige ao mesmo por sinais, afirmando a sua presença em
cena.
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Tem-se a sensação de que não cabe mais ninguém no espaço com Silvero, tamanha a sua
grandiosidade e capacidade de deslocamento em meio ao cenário e acessórios que parecem
desviar da precisão de seus movimentos, ora em câmera lenta, ora com agilidade exemplar. A
manipulação dos acessórios e elementos do cenário, transformando ou exaltando as suas funções,
também merecem destaque, pois a economia associada à multifuncionalidade desatravanca o
palco e liberta o ator em seus movimentos.

Figura 7: Plano alto.

Figura 8: Plano médio.


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- A maquilagem:

A maquilagem teatral tem como função valorizar o rosto do ator sob a luz, mas também
contribui para a mímica facial e constituição da fisionomia da personagem.

Em BR-Trans, a maquilagem é utilizada de forma comedida, sem que com isso fossem
comprometidas as diversas faces encenadas. Acreditamos que tal escolha tenha como propósito,
além do evidente objetivo funcional, ressaltar que o “eu” apresentado tem correspondências em
inúmeros anônimos, não permitindo que este ou aquele cosmético fosse associado ao sexo ou ao
gênero específico.

Tal suposição se firma, sobretudo, logo no início do espetáculo, em que Silvero remove a
maquiagem do rosto freneticamente, deixando o rosto limpo ou apondo pequenas intervenções
(batom, por exemplo) no decorrer da peça, independentemente do gênero ou do sexo que se quer
apresentar.

- O penteado:

Inobstante o poder semiológico do penteado, que pode significar estilo, momentos


históricos ou condições sociais, em BR-Trans também há uma economia neste quesito. Cabelos
soltos ou presos (por elástico ou gorro) servem não somente para indicar quem “está” em cena –
ator ou personagem - e seus deslocamentos, mas também para sinalizar arquétipos (ex. bandido,
assassino) ou situações emocionais (ex. o ato de pentear os cabelos frente ao espelho, com
angústia ou raiva).

Novamente, mais do que marcar o sexo ou o gênero, mas sem se desfazer dessa função, o
penteado agrega outros valores e estabelece a atemporalidade dos eventos.

- O Vestuário:

No teatro, o vestuário é o meio mais convencional de definir o indivíduo, podendo


significar desde a situação financeira da personagem até as suas preferências e caráter. Também
encontramos neste elemento o indicativo do clima, do momento histórico, da idade, do estilo.

Aqui, ao contrário do que se espera de uma peça que pretende explorar o universo trans,
somos surpreendidos mais uma vez com a parcimônia deste elemento, mas não de forma aleatória
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– nada no teatro é aleatório -, mas sim, o mesmo podendo se dizer da maquilagem e do penteado,
o vestuário é funcional e sua economia pretende manter o foco do espectador no tema proposto.
O que se quer é apresentar seres humanos e seus problemas sociais, a reflexão sobre o assunto
dispensa o espetacular ou o “dar forma” às diversas possibilidades que cintilam no estereótipo
trans.

Há na peça em análise um verdadeiro “despir” que mostra a humanidade das figuras


representadas. Logo de início, “montado” em um vestido vermelho, Silvero se liberta de tal
vestimenta e se coloca em “tom neutro” – calça e blusa pretos – para, no decorrer do espetáculo,
gradativamente e intercalando assessórios, se colocar semi nu em cena. Assim, nos deparamos
com o humano, e não com o homem ou a mulher, com o masculino ou o feminino, mas com o ser
empático que se exige respeito.

Figuras 9, 10, 11

- O acessório:

Os acessórios se mesclam com o vestuário e o cenário, pois em numerosos casos se


colocam limítrofes a estes elementos, aproximando-se de um ou de outro.

Em BR-Trans, encontramos esta imbricação com vestuário (ex. Botas utilizadas com
frequência por Drag Queens, mas apresentadas em cena no corpo semi nu, adquirindo valor
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diferenciado) e com o cenário (ex. microfone que, uma vez reclamado pelo ator, transforma-se de
cenário – fixo – em acessório para a performance).

A toalha/lençol que antes servia como acessório, rapidamente se transforma em figurino,


dando apoio à cena em novo valor.

Figura 12: A cantora em concurso de novos talentos.

O abacaxi, já visitado anteriormente quando da citação de gesto, é um acessório que serve


ao ator para indicar a “coroa das princesas”, sua casca grossa e espinhosa é associada às marcas
de sofrimento na pele dos trans, e seu suco, doce e ácido, é comparado aos sentimentos das
personagens.

Por fim, com grande efeito significativo, dando destaque às informações comunicadas,
também colocamos em ressalto o uso de projeções com vídeos reais ou legendas, que despertam a
atenção do espectador para o tema (vide figura 3).

- O cenário:

Com importante função semiológica de determinar a ação no espaço e no tempo, o cenário


abrange signos que podem se combinar nas mais variadas circunstâncias.
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Na peça em análise, além de nos remeter aos elementos estéticos atrelados ao teatro
Épico, o cenário adquire funcionalidades que servem ao ator em cena. Não fixa geograficamente
o local da ação e também não se prende à época determinada, dando liberdade às diversas
narrativas propostas.

O espelho com cerco de luz, típico de um camarim ou de uma casa exótica; os baús que
servem desde a guarda de acessórios, como palco para performances; o microfone que embala os
cantos do ator ou das personagens, também se serve às narrativas densas emblemáticas; o biombo
que abriga mudanças de personagens ou entradas triunfantes em “novos palcos”; o aparelho de
som, a mesinha com pequeno abajur, encontrados em qualquer casa “de família” ou do
submundo. Tudo isso recebe tratamento semiológico diferenciado, adquirindo significações
amplas ou reduzidas, dependendo da mensagem que se pretende passar no momento do
espetáculo.

Figura 13: Cenário

- A iluminação:

A iluminação tem o condão de ocupar função especial no espetáculo teatral, podendo


substituir diversos elementos que, em regra, tem-se como essenciais ao teatro. A luz é capaz de
delimitar o espaço teatral, isolando o ator ou parte do cenário ou o acessório que se pretende
destacar em dado momento; também é através dela que se pode determinar o lugar e o tempo da
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ação, dispensando cenários ou falas desta função. O signo de importância da iluminação


igualmente pode “esclarecer” pensamentos ou sentimentos das personagens, propondo tensão ou
melancolia à cena.

Em BR-Trans, cuja iluminação é essencialmente branca, há um jogo de distorções,


sombras, intermitências que, agregadas ou não ao texto, transportam o espectador para dado lugar
ou situação. Sempre manipulada pelo ator, conforme já mencionado, a luz auxilia nas mudanças
de quadros e complementam informações que se quer realçar, tais como, as penumbras da
violência (ex. as sombras da madrugada), o submundo da prostituição, o esplendor do show
noturno (ex. a ribalta que também delimita o palco), o anonimato das vivências (ex. a lanterna no
rosto e cena de crime).

Figura 14: Jogo de luz x sombra

Figura 15: Luz difusa


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Em dado momento, uma narrativa de morte e de violências diversas é iluminada por uma
lanterna com luz vermelha intermitente, assemelhada às utilizadas em investigações policiais,
dando vigor e tensão à cena. Ao fundo, uma projeção com nomes, números e imagens de trans
vítimas de violência física.

- A música:

Este elemento, quando agregado ao espetáculo, tem em regra a função de ampliar,


ressaltar, complementar, substituir ou, até mesmo, desmentir os signos de outros sistemas.

Aqui, a música ocupa função especial como marca típica ao teatro Épico, conforme já
mencionado. Acompanhada de gestos, movimentos, e expressões corporais e faciais diversos,
sobretudo quando agregada à palavra, intervém e ressalta a narrativa. Ao silêncio, firma o
sentimento que se quer provocar, apelando aos sentidos e reforçando a mensagem cênica.

- O ruído:

Neste quesito, nos interessam os ruídos que, sendo signos naturais ou artificiais, são
reproduzidos artificialmente com propósito certo no espetáculo.

Em BR-Trans, destacamos os ruídos de um “monitor cardíaco” que atravessa narrativa de


assassinatos e violências perpetrados contra trans, tendo ao fundo projetado, em ritmo similar,
um vídeo com cenas, nomes e números de vítimas. Ao final, como soa uma “parada cardíaca”,
após contínuo sinal segue-se o silêncio mortal.
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CONCLUSÃO:

Verificamos que o tratamento cênico da peça BR-Trans é um exemplo da importância do


conhecimento e do uso adequado por parte do encenador da polissemia de signos teatrais que,
pela peculiaridade da representação, não podem ser definidos de forma estática e isolada.

É com maestria própria do Diretor e do Ator que na obra em questão nos vemos diante da
verdadeira teatralidade, composta pela conjugação de signos auditivos e visuais que formam um
sistema complexo e organizado, inferindo-se o cuidado extremo de suas inserções em uma
sequência que adquire sentido.

A postura do ator, sua movimentação junto ao público, as músicas, o uso de projeções de


vídeo com frases e imagens, e narrativas que auxiliam na identificação do contexto social de
exclusão, preconceito e desumanização, acentuam a inspiração brechtiana impressa no
espetáculo, tendo como função não apenas o distanciamento que desperta a reflexão crítica, mas
também conferir significado ao conjunto de símbolos expostos.

Efeitos sonoros e visuais (músicas, ruídos, projeções, escritos), associados muitas vezes às
performances corporais e expressões do ator, adquirem especial significado e dão ênfase a
determinadas cenas. Este conjunto de signos, combinados ou não, ressaltam o objeto principal da
peça: a informação e a reflexão sobre o problema social das comunidades trans. Tratam-se de
meios que despertam de sobremaneira o destinatário da representação, intensificando a
expectativa e o ritmo das ações.

Por fim, e longe do exaurimento da merecida análise, insta destaque especial para uma
cena que chama atenção pela perfeita ordenação, estrutura e sequência de signos, cujo sentido
maior alcança a plenitude da mensagem da encenação. Os corpos desenhados no chão, unindo
performance, narrativa, música e signos visuais (projeção e desenhos), atingem de forma
pungente a questão: a violência e o descaso com as vítimas, que vivem e morrem no anonimato e
a covardia do preconceito. O Brasil é o país que mais mata trans no mundo, devemos falar sobre
isso!
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BIBLIOGRAFIA:

BARTHES, Roland. A Aventura Semiológica. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2001. P. 205 - 218

GUINSBURG, J; NETTO, J. Teixeira Coelho; CARDOSO, Reni Chaves (orgs.). Semiologia do


Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2012, 2ª edição.

PEREIRA, Silvero. BR-Trans. Rio de Janeiro: Ed. Cobogó – Coleção Dramaturgia, 2017, 2ª
edição.

LINKS ESPETÁCULO COMPLETO:

https://www.youtube.com/watch?v=QEGKIAaAluI

https://www.youtube.com/watch?v=0z902cy4Jpc

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