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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

JUCIANA GALDINO DE ARAÚJO


Matrícula: 20171415017

Segunda avaliação da disciplina: Arte, Política e Sociedade


Reflexão sobre alguns aspectos importantes de alguns elementos do
teatro épico de Brecht

RIO DE JANEIRO

2021.1
INTRODUÇÃO

Quando Brecht começa a escrever sobre teatro épico ele sabe que não está
inventando algo novo, que elementos como o distanciamento estão presentes já na
história do teatro. Ser o inventor de algo novo não é o objetivo. Segundo Dort, a
forma como Brecht escreve está vinculada a dois princípios muito importantes. O
primeiro princípio é que a produção teórica dele está totalmente ligada à prática, seja
em algo que ele mesmo montou ou em que ele assistiu. Já o segundo princípio é
que os apontamentos das obras de Brecht não são fechados em si, muito pelo
contrário, é aberto ao questionamento, está sempre disponível para a crítica. É como
se ele colocasse um problema em cena para quem assiste pensar sobre. Nunca é
um veredito.

"Ao expormos novos princípios artísticos e ao elaborarmos novos métodos de


representação, temos de tomar como ponto de partida as solicitações urgentes de um
período de mutação como este que atravessamos; a possibilidade e a necessidade
de uma nova organização da sociedade impõem-se. [...] Um teatro que seja novo
necessita, entre outros, do efeito do distanciamento, para exercer crítica social e para
apresentar um relato histórico das reformas efetuadas.” (BRECHT,1978, pág 66)

O teatro épico de Brecht é caracterizado por uma série de elementos e técnicas


significativos como: a relação direta entre artista e a plateia, rompimento da ação
com músicas, a exposição completa do teatro, ruptura do tempo e do espaço em
que a peça acontece, distanciamento, quebra da quarta parede, posicionamento não
emocional do ator em relação às personagens.

Esse tipo de teatro que Brecht propõe, ele vai em oposição às unidades de tempo,
espaço e lugar propostas na Poética de Aristóteles e que foram retomadas pelo
classicismo francês. Ao assistir uma peça na forma dramática, a sociedade daquela
época era levada a se identificar com a personagem que ali estavam assistindo.

"O ator ocidental esforça-se por aproximar o espectador tanto quanto possível dos
acontecimentos que estão sendo representados e das personagens que estão
representando.”(BRECHT,1978, pág 58)

E isso é algo que você não vai ver em Brecht. O que diferencia a forma épica da
dramática é como os elementos estruturais teatrais aparecem na hora da
encenação. Então, o palco, as interpretações dos atores, a relação plateia e ator vão
se modificar drasticamente.

Neste trabalho irei desbravar alguns deles em contraposição a forma dramática


usarei alguns exemplos da peça Santa Joana dos Matadouros.

O efeito do distanciamento na cena


A cena brechtiana não quer copiar a realidade, então ela utiliza-se do efeito do
distanciamento. O palco está desnudo, então as partes técnicas como bastidores,
tapadeiras, urdimento, varas de iluminação estão expostas para o público. Não há
identificação entre as personagens e quem assiste. As cenas podem acontecer sem
cronologia, sempre levar o público a reflexão a um pensamento crítico.

Então, se o público já começa a estranhar o próprio teatro onde se passa a


encenação, a forma como tudo está exposto isso acaba sendo um convite para ele
estranhar e repensar certos comportamentos da sociedade. A obra de Brecht não
vem para limitar e sim para abrir espaço para novos pensamentos, colocar a vida em
movimento. Despertar esse espectador para ver a peça de forma consciente.

"O objetivo dessas tentativas consistia em efetuar a representação de tal modo que
fosse impossível ao espectador meter-se na pele das personagens da peça. A
aceitação ou a recusa das palavras ou das ações das personagens devia efetuar-se
no domínio do consciente do espectador, e não, como até esse momento, no domínio
do seu subconsciente"(BRECHT,1978. Pág. 55)

A quebra da quarta parede


Ao assistir uma peça com a forma dramática, o espectador era preparado para
assistir algo fechado em si mesmo. Esse espaço fechado queria produzir um
mergulho intenso de identificação da plateia com as personagens. Ao assistir, é
como se o público estivesse lá vivendo tudo aquilo que os atores interpretam. De
certa forma esse efeito fechado não produzia nada fora daquele espaço tempo
produzido. Ao ir embora, tudo que foi emocionalmente experimentado fica ali
mesmo.

Já na forma de teatro épico, Brecht resgata uma comunicação direta com o público e
atores, esse resgate é chamado de “quebra da quarta parede”. Quando o ator fala
com o público, ele automaticamente está rompendo com o espaço fechado em si
mesmo. Então, o espectador não fica hipnotizado com a obra. Ao se deparar com a
ação relatada ali no palco através dessa “quebra de quarta parede”, ele é convocado
a pensar sobre, a questionar, a se perguntar sobre o que é e o que não é, ou seja,
ele é totalmente consciente enquanto assiste. Como podemos ver na peça Santa
Joana dos Matadouros quando os ‘boinas pretas’ cantam seu hino de guerra eles

"Atenção, atenção, atenção! Eis ali um homem falido. Vede esta moça reduzida a
trapo! E o pranto deles não foi ouvido. Calem-se as buzinas, cesse o ronco dos
motores! Pelo amor de Deus, alguém atenda os sofredores![...] Pois o vosso número,
pobres da terra De tão horripilante Fará do governo o nosso ajudante. Em frente,
pois, ao assalto, o coração sem rancores! Pelo amor de Deus, alguém atenda os
sofredores”(BRECHT, 2001. Pág. 61)

A relação entre o ator, personagem e o público

Brecht critica a ideia de metamorfose, característica do ator dramático, onde o ator


junto com suas emoções tem que entrar na personagem e assim fazer com que o
público também entre e sinta o que o ator está sentindo. A centralidade da cena é
toda essa emoção para gerar identificação em quem assiste. Isso de certa forma
para Brecht contribui mais ainda para a alienação de quem assiste, pois é um
reforço dos códigos que são propostos pela sociedade, algo que a gente torna
natural, passivo.

Já o ator épico, utiliza- se do distanciamento entre ator e a personagem, para que


assim possa elevar a cena para um outro caminho. Não há esse processo de
identificação e isso permite que possa ter rompimento, intervenção ao decorrer do
espetáculo. A forma épica esfria a emoção, ou seja, tira a centralidade dela e iguala
aos outros elementos que conversam ali com aquela cena. Não há fusão entre ator
personagem e assim o público também fica livre para sentir algo diferente do que o
ator está sentindo.

"Esta aparente frieza de sentimentos é consequência do referido distanciamento do


ator em relação à personagem que apresenta. Evita, assim, que as sensações das
personagens se tornem sensações do espectador. O indivíduo que o ator representa
não exerce qualquer violência sobre ninguém, não é o próprio espectador, é antes,
um seu vizinho.”(BRECHT, 1978. Pág. 58)

Então, se a cena é de amor, o público pode entender e sentir raiva, outra pessoa
angústia,etc. E isso contribui bastante para o processo de desalienação, tendo em
vista que é preciso que a plateia estranhe e se distancie daquilo que está vendo. Ao
se distanciar das convenções compartilhadas da sociedade, ela pode criar um
próprio pensamento sobre e se questionar e não mais pensar e concordar
simplesmente por algo ser assim há muito tempo.

"o artista representa acontecimentos que contêm uma forte tensão emocional;
todavia, o seu desempenho jamais denota qualquer calor. [...] Estamos perante a
clara repetição de um acontecimento feita por terceiros, perante uma descrição, na
verdade, engenhora.”(BRECHT, 1978. Pág. 58)

A própria personagem Joana passa por esse processo de questionamento. No início


da peça ela acredita que os trabalhadores estão passando fome por conta da “falta
de espiritualização.” Durante o discurso sobre quem são os “boinas pretas” e
enquanto distribui sopa ela diz:

"[...]E enquanto estiverem pensando, verão que é Ele a solução definitiva: ambições
altas, sim; vulgares, não. Disputar um bom lugar lá em cima, e não aqui embaixo. O
importante é ser o primeiro no céu, e não na terra, que não resolve. Aliás, vocês
mesmos estão vendo como é precária a felicidade terrena. Ela é inteiramente incerta.
A desgraça cai sobre nossas cabeças de repente e sem explicação, como a chuva
que nos molha sem que ninguém seja culpado. Haveria acaso uni responsável pelas
suas desgraças? ”(BRECHT, 2001. Pág. 11)

A realidade em que Joana se encontra não deixa ela ver o que realmente está
fazendo aqueles trabalhadores estarem passando dificuldade. Mas no decorrer da
peça, Brecht através do recurso de descer a Joana nas profundezas faz com que ela
passe a se questionar sobre o que ela estava pensando e sobre o que é no
momento. Em um determinado momento ela pergunta ao personagem Bocarra
“Mister Bocarra, por que o senhor fechou as portas do matadouro? Eu quero saber a
razão.”(BRECHT,2001, Pag 20). Aqui há uma vontade dela de entender o que de
fato levou os trabalhadores a estarem naquela situação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho procurou responder à proposta da segunda avaliação da disciplina


Arte, Política e Sociedade.

REFERÊNCIAS

DORT, Bernard. “Distanciamento”, para quê? (p.313-321)


BRECHT, Bertolt. Efeitos de distanciamento na arte dramática chinesa. (p.55-66)
BRECHT, Bertolt. A Santa Joana dos Matadouros.

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