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Texto 02: ARTE E ATITUDE POLÍTICA

Terror e Miséria no Terceiro Reich é uma peça de autoria do poeta, dramaturgo e diretor alemão Eugen
Friedrich Brecht (1898 – 1956), mais conhecido somente como Bertolt Brecht. Brecht foi um dos artistas mais
importantes da história do teatro mundial, pois revolucionou a forma com que o teatro era encarado na época,
de maneira bastante polêmica e ousada, representando uma fundamental referência até os dias de hoje.
Para Brecht uma peça de teatral deveria ir muito além de divertir ou entreter o público, tornando-se um
instrumento de reflexão. No teatro de Brecht, o palco representa uma espécie de tribuna, onde as relações
humanas e as questões sociais são discutidas, sempre contextualizadas historicamente.

Bertolt Brecht

Uma das principais características da obra de Bertolt Brecht é a crítica ao sistema político baseado nas relações
financeiras, o capitalismo, e ao modo como esse sistema, na opinião dele, desfavorece a maior parte dos
trabalhadores, em função do lucro de poucos. Brecht, na época, buscou direcionar suas obras para falar
diretamente ao público operário, às grandes massas de trabalhadores, que julgava carente desse tipo de
reflexão. O teatro era o veículo capaz de fazer com que o trabalhador pudesse se enxergar na situação mostrada,
para poder agir sobre a sua própria condição, sobre o mundo em que vivia, enxergando-se capaz de realizar
mudanças.
O poema a seguir explicita o pensamento de Brecht em relação a essas possibilidades de mudança do que quer
que fosse:
NADA É IMPOSSÍVEL DE MUDAR
Desconfiai do mais trivial na aparência do singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece [habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceitais o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.
BRECHT, Bertolt. Antologia poética – Bertolt Brecht. Seleção e tradução de Edmundo
Moniz. 2. ed. Rio de Janeiro: Elo, 1982.
REALISMO
A arte em muitos momentos propôs mudanças, contrapondo-se a um modelo artístico anterior ou mesmo
dialogando com o contexto social e político em que estava inserida. Na segunda metade do século XIX, em
oposição ao Romantismo, alguns artistas começaram a apresentar um interesse em trabalhar a partir da
realidade, ou seja, sem os excessos e ímpetos agressivos do Romantismo, mas criando obras que retratassem
a realidade de fato, aludindo ao indivíduo em sua vida cotidiana. Esse momento chamou-se Realismo. Surgido
na França, rapidamente espalhou-se para outros países em diversas linguagens artísticas. Teve muito destaque
na literatura e no Brasil Memórias póstumas de Brás Cubas, de 1880, do escritor Machado de Assis (1839 –
1908), é considerado o romance inaugural da estética.
Nas artes visuais, as obras passaram a negar a idealização e artificialidade da arte e do passado, em busca de
uma representação mais fiel à realidade. Temas tradicionais como imagens alegóricas e mitológicas ou dos
indivíduos das altas classes cederam espaço a temas sociais, de situações simples da vida cotidiana, cenas de
trabalho, assuntos que não eram considerados dignos pelos artistas tradicionais. Gustave Coubert (1819 –
1877) e Jean-François Millet (1814 – 1875) são alguns dos principais pintores realistas.

O homem desesperado (Auto-Retrato) - Gustave Courbet

No teatro, o Realismo foi precedido por um movimento teatral que surgiu na França entre 1843 a 1853,
chamado École du bom sens [Escola do senso comum ou Escola do bom senso]. Esse movimento é exemplo
de um momento histórico em que a arte esteve a serviço do interesse de uma classe dominante: a burguesia.
Patrocinada pelo estado, a École du bom sens tinha o objetivo de transformar as produções teatrais em
instrumentos de propaganda da ideologia burguesa, disseminando seus princípios econômicos, sociais e
morais, pautados nos chamados “bons exemplos”, na moralização dos costumes, nas ideias sãs, na hierarquia,
no conceito de propriedade, a fim de regenerar a sociedade dos desvarios e subjetivismo do período romântico.
Aos olhos desse governo, essa era uma forma de criar oposição ideológica aos movimentos da classe operária,
que naquele momento participavam ativamente de lutas e revoluções em prol dos direitos dos trabalhadores.
Da École du bom sens foi criada a comédia realista, chamada de “comédia” por ter os finais sempre felizes.
Esse movimento durou pouco tempo, mas foi fundamental para o teatro realista, que no princípio manteve
resquícios do ideário burguês.
O teatro realista tinha como parâmetro estrutural a identificação emocional do espectador com a história e a
obra, ou seja, no teatro realista a peça reconstitui de modo ilusionista a realidade e os espetáculos são
construídos sob certas regras: os atores agem, vestem-se, comportam-se como se fossem reais; a narrativa é
sempre linear, com começo, meio e fim compreensíveis; os objetos e cenários buscam representar com
fidelidade o local onde a peça se passa; a música e a iluminação têm a função de colorir” simplesmente a cena.
O público não participa ativamente, não tem nenhuma interação com a cena; pelo contrário, deve ficar em
silêncio. A luz da plateia é apagada para reforçar a atenção à cena; e a quarta parede “reforçada”.
A “quarta parede” é uma expressão usada no teatro até os dias de hoje. Ela representa uma divisão imaginária
entre o público e os atores. Quando se diz que um espetáculo utiliza a quarta parede, isso referese geralmente
a uma peça realista, que cria a ilusão no espectador de estar vendo algo real e, por isso, não mantém contato
com o público, não dialoga com ele.
O teatro realista, aos poucos, modificou-se e muitos autores se contrapuseram a esse modelo do Realismo
burguês. Associaram às peças as problemáticas sociais, mais próximas do ser humano real, representado não
só pela classe mais abastada, mas por todas as camadas sociais, estabelecendo críticas intensas aos sistemas
sociais e políticos dominantes. Alguns desses autores, por esse motivo, foram chamados não mais “realistas”,
mas de “naturalistas”.
Formas realistas são predominante até os dias de hoje na arte teatral e ultrapassam a barreira dessa linguagem,
manifestando-se também no cinema e, principalmente, na televisão, na qual os seus maiores representantes
são as telenovelas.
O TEATRO ÉPICO
No início do século XX, com os rompimentos propostos pelos movimentos artísticos de vanguarda, as formas
realistas de representação são questionadas, iniciando um processo de quebra de parâmetros.
Brecht faz parte do movimento expressionista durante algum tempo, mas depois desligou-se dele para criar
sua própria forma de representação: o teatro épico. Brecht, bastante influenciado pelas ideias de outro
importante diretor alemão, Erwin Piscator (1893 – 1966), concretizou no teatro épico uma maneira
completamente diferente do teatro realista em muitos aspectos: na interpretação dos personagens; na forma
com que as cenas eram construídas; na maneira como o texto era escrito e, consequentemente, no jeito com
que o público compreendia tudo isso.

Adaptação da peça Alma Boa de Setsuan, de Brecht, em 2010, com Denise Fraga no papel principal.

No teatro épico, não existe a ideia de quarta parede – as cenas são desenvolvidas em conjunto entre atores e
público – e toda a teatralidade é explicitada: o ator muda de roupa, de adereços ou comenta a história na
frente do público, pois não precisa manter nenhuma ilusão de realidade. Ele não é somente o intérprete do
personagem, mas também o mediador entre a história e público, nem sempre as cenas são vividas pelos atores
– muitas vezes são apenas narradas – e os assuntos são sempre de abrangência social, visando a politização do
espectador. Há também a utilização de outras linguagens artísticas, como projeção de filmes; a narrativa não
é, necessariamente, linear, podendo passar do presente ao passado em qualquer momento; e o motivo principal
da peça não é um conflito individual, mas algo de importância social e histórica.

Encenação contemporânea para a peça Terror e Miséria no Terceiro Reich, de Brecht

Brecht se opunha ao fato de, no teatro tradicional realista, o espectador ser levado a certo estado de fascínio,
em que a saída de sua realidade, entrando como em um sonho, para assistir passivamente à realidade mostrada
na peça. Para ele, emoção e senso crítico deveriam caminhar juntos. O teatro épico procura mostrar que as
coisas as quais julgamos aparentemente naturais e imutáveis nunca são necessariamente assim. Sempre poderia
haver a mudança. A isso Brecht chamou “estranhamento”.
O estranhamento, ou seja, colocar uma questão em cena de forma não habitual, leva o espectador a um
processo de “distanciamento”, que é um “olhar de fora”, não mais submerso em sonhos, um olhar crítico, que
desperta o espectador para uma atitude diferente da habitual, uma atitude política diante da sua própria
realidade. Para Brecht, a arte deveria ter uma função crítica, dialética1 e libertadora.

1
Dialética: oposição, conflito gerado pela contradição de ideias diferentes, com o intuito de resultar em outras novas.

Referência: FRENDA, Perla. Arte em interação/ Perla Frenda, Tatiane Cristina Gusmão, Hugo Luis Barbosa Bozzano. 1 ed. São
Paulo: IBEP, 2013. (pp. 251 - 256)

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