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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

JUCIANA GALDINO DE ARAÚJO


Matrícula: 20171415017

Primeira avaliação da disciplina: Arte Política e Sociedade


Análise da obra: “O filho Natural” de Diderot a partir de aspectos
importantes de arte, política e sociedade em que a peça foi escrita.

RIO DE JANEIRO
2021.1
INTRODUÇÃO

A obra e suas inovações na estrutura dramatúrgica da época


A peça 'O Filho Natural' é um texto escrito no Século XVIII, por Denis Diderot,
filósofo, escritor e dramaturgo francês, publicada em 1757. Essa obra aborda temas
comuns aos ambientes privados, as relações familiares dentro das casas e
principalmente a discussão de valores que emprestam um cunho moral ao texto que
cabia naquela época.

A peça está estruturada em cinco atos e escrita em prosa. Embora nesse período
ainda não tenha surgido a figura do encenador, Diderot começa a trazer um
pensamento sobre a cena como algo a mais que a simples reprodução do texto.

Outra inovação na estrutura é a inclusão de rubricas que ganham uma importância


diferenciada nesse novo gênero. Trazem a descrição detalhada das ações e do
estado emocional, psicológico dos personagens, da localização do mobiliário, dos
deslocamentos em cena, da postura física.

Há também a inserção de pequenos monólogos, momentos de reflexão interna.


Esses monólogos ajudam a entender os conflitos interiores dos personagens, aquilo
que eles pensam e que eles sentem. Diderot defende que tudo deve ser informado
ao espectador para aumentar o interesse pela trama e para ele isso acontece
quando os pensamentos dos personagens são revelados quando estes estão
sozinhos em cena.

Nos monólogos, Diderot propõe a defesa de uma causa (no caso da peça a virtude)
o que dá ao texto uma qualidade de tratado moral e também uma forma do autor se
fazer presente em cena, expressando por meio do personagem suas idéias.

A seguir irei analisar os aspectos importantes da peça sob a perspectiva de arte,


política e sociedade daquela época.

O teatro como ferramenta para refletir a sociedade da época


Bernard Dot diz que para a representação cênica acontecer é necessário um palco e
uma plateia. Quando isso acontece aquele grupo de pessoas que estão ali para
assistir passam a funcionar como uma micro-sociedade. Sendo assim, cada teatro
tem seu público.

O teatro é considerado uma ferramenta para comunicar ideias que tem a ver com a
sociedade de cada época. E nesse espetáculo, o teatro, foi utilizado para favorecer
a moral e fortalecer a virtude, tendo assim um viés moralizante, um olhar moral
sobre a vida das pessoas-espectadoras, a platéia, poderia impactar para o bem. O
novo gênero traz conflitos de amor, educação dos filhos, relações entre as classes
sociais e são relatados de forma que desses conflitos a platéia possa extrair alguma
reflexão moral de aplicação prática, algo que possa ser levado para a vida cotidiana.

"Reciprocamente, é a platéia constituída como um todo que, afinal, dota o espaço


cênico de sua significação simbólica. E ela que eleva as relações cênicas das
personagens entre si, do plano do particular ao plano do geral, do anedótico ao
exemplar. E aqui nasce a climensão política do teatro. (BERNARD DOT, 2010. pag
368).

Os problemas retratados na cena é sobre pessoa comum, burguesa, com temas


familiares e conflitos existenciais. Essa mudança altera o ambiente cênico que deixa
de ser aquela do espaço público, à frente dos castelos e palácios, e passa para o
espaço privado, para as salas e salões das famílias burguesas. Refletindo assim o
momento social e político daquela sociedade naquele período.

O que é verdadeiro para todo o teatro liberadamente mostrar uma ação geral
exemplar [...] porque, exposta no palco, sob o olhar de centenas ou milhares de
espectadores que a decifram como sua própria ação - uma ação que lhes é comum -
a obra passa a significar a história destas centenas ou milhares de espectadores.
Fala por eles e em seus lugares. Exprime literalmente sua comunidade. Reflete o
acordo social, político, que fundamenta essa comunidade (BERNARD DOT, 2010.
pag 369).

Relação da obra com a realidade histórica daquela época

A peça se aproxima muito da realidade histórica daquele momento, trazendo temas


discutidos pelo movimento iluminista como a ênfase no protagonismo das pessoas
sobre suas decisões e questões referentes à industrialização e às diferenças sociais
da época. Ela também responde ao desejo da burguesia de se ver em cena. De ver
suas vidas, realidade e questões retratadas no palco, coisas que as tragédias não
espelhavam até então.

No entendimento da época, um homem correto e bom tem suas ações limitadas


socialmente e a virtude dos burgueses, ao contrário da dos nobres que era herdada,
era conquistada através de um sacrifício de si mesmo. A virtude se apresenta
principalmente pela capacidade da personagem de não se entregar aos seus
sentimentos, pois isso feriria um acordo social, tendo implicações em sua vida
pública.

Na trama, Dorval, o protagonista, está apaixonado por uma mulher, Rosali, com a
qual a princípio não poderia se relacionar uma vez que é a noiva e o grande amor de
seu melhor amigo, Clairville, cuja irmã, Constance, por sua vez, está apaixonada e
deseja casar-se com Dorval. Ele precisa decidir se continua na casa deste amigo,
onde está hospedado e onde encontra-se regularmente com Rosali ou se vai
embora. A situação se resolve quando Rosali e Dorval descobrem que são irmãos.
Um dos principais questionamentos levantados é em relação ao que é desejado pela
pessoa e o que é desejado pela sociedade. Deve-se ser fiel aos sentimentos ou abrir
mão deles, sacrificar-se e honrar a amizade e a reputação? Deve-se entregar ao
amor ou trair relações pessoais? A fala abaixo ilustra o dilema:
"DORVAL - Afinal o importante é o que as pessoas vão achar ou o que é correto
fazer? Mas no fim das contas, por que eu não veria Clairville e a irmã dele? Será que
não é possível deixá-los sem ter que revelar o motivo da partida?... E Rosali? Vou
embora sem vê-la?...Não, neste caso, o amor e a amizade não impõem os mesmos
deveres, sobretudo em se tratando de um amor insensato, ignorado por todos e que
é preciso sufocar... Mas o que é que ela vai dizer? O que vai pensar?...Amor, sofista
perigoso, eu te entendo." (DIDEROT, 2008. Pág. 36)

Outro valor de peso na trama é a opinião da sociedade e reputação das pessoas


como exemplificado a seguir, onde Constance fala sobre a importância da imagem e
o temor de uma vergonha social. Teme-se o desprezo da sociedade até mesmo mais
que a própria morte.
"CONSTANCE - Mas o senhor não teria esse medo, se pensasse que o efeito da
virtude sobre nossa alma não é nem menos necessário nem menos potente que o da
beleza sobre nossos sentidos; se pensasse que há no coração do homem um gosto
pela ordem mais antigo que qualquer sentimento refletido; que é esse gosto que nos
torna sensíveis à vergonha; a vergonha que nos faz temer o desprezo até mais do
que a morte!" (DIDEROT, 2008. Pág. 76)

O texto destaca que a virtude é fundamentalmente sociabilidade e não se baseia em


valores cristãos ou o que é bom ou mau. É uma noção que não é abstrata nem
absoluta. Não é um princípio descolado da vida social. O bom relacionamento com o
outro é que define o que é virtude.

Relação da obra e a tendência política e econômica do período


Como pano de fundo para esse debate, a peça visita vários outros temas da época.
Seguindo a tendência política e econômica do período, a de destronar a dominância
da nobreza e refletir a nova sociedade em cena apresentando o momento de
transição para a industrialização que implica novas formas de relações e arranjos
comerciais e dissemina novos valores. A fala de Clairville destacada a seguir ilustra
essa transição e os valores inerentes ao momento, o enriquecimento por mérito e
não por benção divina ou desígnio do destino:
"CLAIRVILLE - Há outras profissões que levam rapidamente à riqueza; mas o
comércio é praticamente a única em que as grandes fortunas são proporcionais ao
trabalho, à habilidade, aos perigos que a dignificam [...]." (DIDEROT, 2008. Pág. 80)

O texto parece retratar a figura do nobre falido (Clairville) que se propõe a trabalhar
e a se adaptar ao novo cenário econômico enquanto sua noiva (Rosali) acredita ter
perdido a herança e assim não poder casar-se mais. Ou seja, à parte o sentimento,
sugere-se que o casamento também seria uma solução financeira para Clairville.
A meritocracia também é abordada quando se faz menção sobre o enriquecimento
do pai de Dorval e Rosali, que teria acontecido nas Antilhas após ser enviado para lá
pela família da mulher que amava. Aqui tem-se o relato de uma transição histórica e
uma ascensão econômica e social a partir de novas oportunidades.
A peça também traz questionamentos sobre a desigualdade social e econômica e
sobre como pessoas das classes menos favorecidas são tratadas. Essa abordagem
vem com o personagem André, empregado do pai de Rosali e Dorval, que chega
antes deste e relata as condições à qual foram submetidos na viagem.
Outro tema emergente é a possibilidade de casar-se por amor, de fazer escolhas
sentimentais próprias. Esse costume também surge com a revolução industrial e
rompe com os modos anteriores de casamentos articulados por interesses familiares
ou políticos. Embora tenham um conflito para seguir ou não seus corações, os
personagens estão diante dessa possibilidade de escolha. Nenhum dos casamentos
é imposto ou negociado. Há uma identificação de vínculo e afinidade como na fala
de Rosali:
"ROSALI: (...). Os traços, o espírito, o olhar, som de voz tudo nesse objeto doce e
terrível parecia responder a não sei que imagem que a natureza havia gravado em
seu coração…como não o amar?... o que ele dizia era o que eu pensava. Ele nunca
deixava de criticar aquilo que ia me desagradar. " (DIDEROT, 2008. Pag. 46)

Consideração final

Esse trabalho procurou responder à questão proposta pela atividade de analisar


uma obra a partir de temas abordados na disciplina Arte, Política e Sociedade.

Bibliografia

DIDEROT, Denis. Paradoxo sobre o comediante. In: Textos escolhidos /


Diderot. Traduções e notas: Marilena de Souza Chauí, J. Guinsburg. São
Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 352-426. (Os pensadores)

DIDEROT, Denis. Discurso sobre a Poesia Dramática. SP, Cosac e Naify,


2006.

DIDEROT, Denis. Obras V: O Filho Natural ou As Provações da Virtude;


Conversas sobre O Filho Natural. Tradução e notas: Fátima Saadi.
Organização: J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2008. (Textos, 12)

DORT, Bernard. O teatro e sua realidade. Tradução: Fernando Peixoto.


Revisão de texto: J. Guinsburg. 2.ed. São Paulo: Perspectiva; 2010.

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