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Universidade de Brasília – Instituto de Artes

Departamento de Artes Cênicas


Professor: Pedro Dultra Benevides
Aluno: Rodrigo Ribeiro Bittes Matrícula: 15/0147181

TRABALHO 3 – ELEMENTOS DA ENCENAÇÃO – PEÇA: PARA DAR UM FIM


AO JUÍZO DE DEUS

Para dar um fim no juízo de Deus é uma peça escrita pelo encenador e
dramaturgo francês Antonin Artaud, que foi relida e montada pelo grupo paulista
Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona e teve apresentações em Brasília entre os dias 14 e 24 de
abril, no teatro da Caixa Cultural. Com direção de José Celso Martinez Corrêa e
Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, a peça utiliza de inúmeros recursos da encenação para
participar o espectador da dramaturgia reconstruída a partir do texto artauniano, e para
sustentar o seu posicionamento diante dos acontecimentos mais recentes no cenário
político brasileiro.
O recurso mais abundantemente utilizado para comunicar suas mensagens de
maneira direta e, às vezes, até abrupta ao público foi a utilização de todos os espaços do
teatro como espaço de cena: a cena não se bastava no palco, por vezes ela acontecia
atrás da plateia, ou nos corredores de acesso, ou, ainda, por cima das cadeiras do
público (nesse caso, os atores literalmente escalavam as cadeiras da plateia e iam se
apoiando ora no colo de um, ora no encosto de outro, para construírem as suas cenas).
Dessa forma, construía-se a noção de que o público estava inserido dento da cena, e não
somente assistindo-a de maneira passiva. Esse conceito se aproxima do que Artaud
desejava para a encenação teatral, de acordo com Roubine:
“Nem o próprio Artaud irá mais longe ao pedir, uns 20 anos depois, em O
teatro e seu duplo, que a arquitetura teatral permita à ação dramática
envolver o espectador sentado no centro do espaço, sobre cadeiras giratórias.
A ação se desencadearia em diferentes níveis e em quatro pontos cardeais,
graças a um complexo sistema de passarelas, escadas e planos de
representação. Já em 1924, aliás, Artaud aspirava a escapar às limitações da
estrutura à italiana e sonhava em abolir o caráter fixo da relação entre
espectador e espetáculo, em torna-lo ao mesmo tempo múltiplo e fluido:
“Seria necessário modificar a conformação da sala e fazer com que o palco
pudesse ser deslocado de acordo com as necessidades da ação”. (ROUBINE,
1982, p. 76).
Tudo isso reverberava de maneira intensa nos demais elementos da encenação.
Uma vez que há cenas acontecendo fora do palco, era necessário que luz, som, figurino,
maquiagem e recursos audiovisuais fossem adaptados para funcionarem nos outros
espaços de cena citados anteriormente. De acordo com Dultra:
“Escondidos nas coxias, nas cabines, no fosso e no urdimento, os técnicos
operam ferramentas que são construídas para servir ao espetáculo. Assim, nos
momentos mais expressivos, ou no intervalo entre as cenas, eles modificam o
espaço de representação, alterando a disposição dos elementos, que em
conjunto com a iluminação e a sonoplastia, preparam a atmosfera da cena.”
(DULTRA, ano não informado, p.23).
De todos os elementos da encenação, talvez o que mais tenha se adequado ao seu
uso fora do palco tenha sido a sonoplastia: havia músicos em cena, que permaneciam no
palco durante toda a peça e faziam a trilha sonora ao vivo. Além disso, os atores
também eram responsáveis por recursos acústicos (ora alguns instrumentos, como o
piano que o próprio Zé Celso toca em cena, ora sons vocálicos alterados por meio de
seus microfones) que passeavam por entre a plateia. O resultado final era de sempre
estar imerso em sons que provinham dos mais diversos pontos. Além de todos esses
recursos sonoros, ainda havia uma sonoplastia operada da mesa de som que arrematava
todos os outros sons produzidos e que contribuía para construir as diferentes atmosferas
desejadas. A sonoplastia era de responsabilidade de Gustavo Lemos e Murilo Gil; a
trilha sonora era de Marcelo Pellegrini e de Celso Sim; e os músicos, Felipe Massumi,
André Santana e Carina Iglecias. É importante ressaltar que muitas músicas foram
compostas em um idioma inexistente, e que, quando cantadas em cena, geravam uma
ideia ritualística.
Embora os recursos sonoros tenham sido utilizados com bastante êxito, o mesmo
não se pode dizer a respeito da iluminação. Há um ponto alto na peça, logo no início,
quando, para introduzir o culto à Yemanjá, as paredes do teatro, ao longo das cadeiras
da plateia, ficam tomadas por projeções de imagens do mar, com uma trilha sonora
muito intensa que provoca a sensação de embalar todo o público de acordo com o
movimento das ondas. Essa passagem demonstra uma utilização muito consciente e
elaborada dos recursos de iluminação, ultrapassando as barreiras técnicas de se construir
uma iluminação elaborada além do palco. O resto da peça, no entanto, não apresenta
muita inovação. Durante todo o desenvolvimento da peça, o que se verá, em termos de
iluminação, é uma luz geral sobre o público (que o ilumina sempre que os atores
interagem com ele) ou alguma luz que se limita a sugerir diferentes matizes no palco, de
acordo com o momento da peça (em trechos de grande intensidade, há uma luz
vermelha, em trechos mais dissertativos, uma luz branca, que ilumina os atores em cena,
em cenas que simulam rituais, há luzes amarelas). É interessante, no entanto, que os
próprios atores produzem luz em cena, já que eles trabalham com fogo, com velas e
com outros elementos que alteram a iluminação do palco. Por fim, o público tem
dificuldades de perceber as nuanças da iluminação justamente porque há uma luz geral
sobre ele por quase toda a peça. São responsáveis pela luz: Renato Banti, Pedro Felizes,
Greta Lis e Luana Della Crist.
Outro recurso utilizado durante todo o espetáculo é a projeção audiovisual, feita
por Igor Marotti. Ele é um câmera-man que filma toda e peça ao vivo e o vídeo é
projetado em dois telões que ficam nos lados do palco. Assim, o público pode ver a peça
olhando diretamente para os atores em cena ou para um dos telões. Esse excesso de
informações visuais no palco é, certamente proposital: por vezes é impossível
acompanhar tudo o que acontece ao mesmo tempo, já que há cenas acontecendo atrás do
público enquanto a projeção ocorre nos telões ao lado do palco. O vídeo foi utilizado de
maneira muito inteligente, uma vez que todos os momentos de maior intensidade da
peça são evidenciados, escancarados, denunciados pelo vídeo (e não faltam momentos
de grande intensidade na peça; Zé Celso não economiza em escatologia para produzir os
efeitos que deseja; assim, nos momentos em que os atores defecam, tiram sangue com
agulhas, se masturbam etc., são dilatados pelo vídeo e quase que obrigam aqueles
espectadores mais sensíveis a testemunharem-nos).
Diante de tantos recursos que atingem e afetam o público diretamente, a
cenografia fica em segundo plano e passa quase que despercebida. Não há uma
cenografia robusta. O palco é composto em boa parte da peça por poucos elementos
cenográficos com grande carga semântica (uma grande cruz; velas no proscênio; um
piano velho no canto do palco; um grande prato de som no fundo). Assim, a cenografia
é o oposto da de gabinete: a sua intenção é a de permitir que os atores quebrem a quarta
parede incessantemente e de subsidiar a ação sempre que necessário, mais do que de
criar uma atmosfera de um lugar específico. O curioso é observar que, ao mesmo tempo
em que se percebe uma menor complexidade da cenografia, se comparada aos demais
elementos da encenação, não há um cenógrafo relacionado na ficha técnica, mas
somente um “Stage Manager” (Otto Barros), que, numa tradução livre significaria
“Gerente de Palco”. Não sei até que ponto essa função se diferencia do cenógrafo em
termos de cenotécnica ou de idealização cenográfica. Ainda que a cenografia seja mais
reduzida, ela é bastante funcional e serve para os fins propostos:
“O uso de mobiliário ou objetos em um espaço dramático e com atores é
parte fundamental da cenografia e é o modo pelo qual o espaço cênico é
descrito. O ator constrói sua área por meio da presença no palco. O
mobiliário contém e mantém o espaço específico menor dentro de um outro,
maior e mais abstrato” (PAMELA, 2015, p. 39).
Por fim, o figurino, a maquiagem e os adereços de cena são dignos de nota. Há
um uso muito claro de signos ao decorrer da montagem. O uso das cores nos figurinos é
intencional e faz referência clara a diferentes figuras religiosas e políticas. O próprio Zé
Celso permanece de vermelho todo o tempo, aludindo ao orixá Exu, do Candomblé e da
Umbanda. Em determinado momento da peça, um dos atores dança com um pedaço de
carne pendurado em seu pescoço, como se fosse um grande colar, e, ali, a carne é o seu
figurino. O cidadão comum é retratado como um homem de roupão marrom que só fala
quando está sentado no vaso sanitário (e, ao fim dessa cena, ele defeca diante do
público); todo o seu figurino remete à ideia desse personagem estar imerso nessa
atmosfera “fecal”. O uso diferenciado das cores tem o seu início, no teatro ocidental,
com o movimento simbolista: “(...) o cenário simbolista propõe uma nova concepção de
cor. Não passando até então de instrumento de uma figuração, ela assume agora uma
função simbólica. Torna-se consciência da repercussão da cor sobre a sensibilidade do
espectador” (ROUBINE, 1982, P. 32).
Máscaras também são utilizadas para fazer referência a políticos
contemporâneos como Eduardo Cunha, Michel Temer, Renan Calheiros... O que mais
salta aos olhos é a utilização de fluidos e dejetos humanos, como o sêmen, o sangue e as
fezes como adereço cênico: depois de produzidos em cena pelos próprios atores, essas
excreções são usadas para o desenvolvimento da narrativa, como parte de um ritual (no
caso do sangue), ou como metáfora para Deus (no caso das fezes), por exemplo.
De todo modo, o figurino, a maquiagem e os adereços são sempre feitos e
utilizados de maneira a comunicar mensagens específicas ao público, em harmonia com
os demais elementos da encenação.
Referências bibliográficas:
ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1982.
PAMELA, Howard. O que é cenografia?. Tradução de Carlos Szlak – São Paulo:
Edições Sesc São Paulo, 2015.
DULTRA, Pedro. O Iluminador. Local não informado: Seminaluz, ano não informado.

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