Você está na página 1de 3

Disciplina: Metodologia de Pesquisa em Artes Cênicas 1 (código 343455) Curso: Mestrado

Professores: Gilberto Icle e Sulian Vieira


Período: intensivo
Aluno: Rodrigo Ribeiro Bittes
Matrícula: 21/0025212

FICHAMENTO 2
Fortin e Gosselin – Considerações metodológicas para a pesquisa em arte no meio acadêmico.

Sylvie Fortin e Pierre Gosselin fazem um interessante e amplo panorama da pesquisa em


artes no artigo “Considerações metodológicas para a pesquisa em arte no meio acadêmico”. Cientes
da dificuldade de encontrar uma definição do que é a pesquisa em artes dentro da academia, os
autores a definem como “uma forma de abordar artistas, seus processos e os seus produtos”
(FORTIN e GOSSELIN, 2014, p. 1). Essa pesquisa pode compreender a pesquisa sobre, para e em
artes, definições que são detalhadas pelos autores (Idem, ibidem).

Em seguida, faz-se uma importante distinção entre dois grandes tipos de pesquisa no mundo
acadêmico ocidental, a partir do paradigma positivista: o primeiro tipo, por certo, de cunho
positivista, fortemente baseado na objetividade dos dados e na impessoalidade, e o segundo de
caráter pós-positivista, que permite a presença da subjetividade do artista na pesquisa em arte
(Idem, p.2). Nas palavras dos autores:

“Um paradigma é um conjunto de pressupostos, de crenças e de valores que determina o


ponto de vista de uma disciplina ou de uma área do conhecimento. Paradigmas são
molduras que padronizam a condução do conhecimento. De acordo com o paradigma
positivista, existe uma realidade observável e mensurável, que é divisível em variáveis que
podem ser estudadas de acordo com os modelos hipotético e dedutivo. Todo fenômeno pode
ser explicado em termos do efeito de determinadas variáveis. A realidade independe das
observações e dos valores daqueles que a descrevem. Os procedimentos metodológicos
baseiam-se em grandes amostras representativas, a fim de tornar as teorias generalizáveis a
grandes populações. O objetivo da pesquisa é de predizer e controlar os fenômenos. (Idem,
p.3)”
Enquanto que:

“Por outro lado, um estudo no paradigma pós-positivista não tentará predizer um fenômeno
ou buscar leis gerais. O paradigma pós-positivista /qualitativo postula a existência de
múltiplas construções da realidade segundo os pontos de vista dos pesquisadores” (Idem,
ibidem).
Assim, em linhas gerais, o paradigma da pesquisa positivista se caracteriza por uma pesquisa
livre de valores, um método pré-determinado com uma grande amostragem aleatória e um
entendimento ontológico de que a realidade é algo apreensível e externo ao pesquisador. Já o
paradigma pós-positivista terá um outro entendimento sobre o sujeito pesquisador, por exemplo.
Nele, a realidade não está à parte do pesquisador, mas ela é subjetiva e múltipla, o método é flexível
e alterável e o pesquisador é instrumento primário da pesquisa (Idem, p.5).

Uma vez que o trabalho de arte é polissêmico, isto é, proporciona ou adquire sentidos
distintos para pessoas distintas, a pesquisa em arte adota frequentemente o paradigma pós-
positivista. É importante salientar que, quando a arte adentra o universo da academia, há um
conflito natural entre objeto artístico e texto acadêmico, vez que esse último é produzido com o
intuito de possuir uma interpretação convergente (Idem, ibidem).

Pois bem. Dado o panorama pós-positivista e o conflito inerente à pesquisa em artes dentro
do seio acadêmico, os autores passam a dissertar sobre três principais tradições filosóficas que
orientam as referidas pesquisas (esse é o instante em que o pesquisador que ora vos escreve começa
a se questionar sobre a aplicabilidade de tais paradigmas, ou tradições, ou modos de pesquisa ao seu
próprio trabalho – e que vos confessa, talvez de maneira até ingênua, não ter, ainda, segurança e
profundidade teórica suficientes para realizar essa escolha). A primeira das tradições abordada é o
pensamento fenomenológico ou hemenêutico, representado por filósofos como Husserl e Gadamer.
Nela, a pesquisa é focada na descrição e na compreensão da situação. A segunda tradição é a do
pensamento crítico, ou da teoria crítica, caracterizada pela pesquisa que visa à “produção de
mudanças em uma situação concreta, integrando ação no processo de investigação” (Idem, p. 8).
Essa vertente tem como premissa que há estruturas sociais e políticas envolvendo relações de
dominação que mascaram a realidade. São nomes importantes dessa vertente a Escola de Frankfurt,
a Escola de Chicago e Paulo Freire (Idem, ibidem). Por fim temos a que talvez seja a mais
desafiadora para pesquisadores em arte, a linha do pensamento pós-moderno e pós-estruturalista,
caracterizada por “pesquisas que questionam os próprios fundamentos do conhecimento e da
realidade, seja apresentando a pluralidade de pontos de vista, seja mostrando os processos de
subjetivação, seja jogando com a polissemia da linguagem” (Idem, ibidem). São autores relevantes
desse pensamento: Lyotard, Foucault, Derrida e Deleuze.

Assim como possuem diferentes pressupostos e ontologias, as etnografias de cada tradição


filosófica também serão distintas, bem como as metodologias adotadas. Em linhas gerais, a tradição
da fenomenologia hermenêutica adotará a etnografia interpretativa, e lançará mão de recursos como
a entrevista, a coleta de dados, atividades de descrição e compreensão da realidade. Já a teoria
crítica, embora possa usar métodos semelhantes de coleta de dados, tem como objetivo a mudança,
a emancipação, a ação política. A sua etnografia é chamada de etnografia crítica. O pensamento
pós-moderno, enfim, adota a etnografia pós-moderna, que tem o intuito de desestabilizar e
desconstruir e que pode adotar métodos diversos como: escrituras criativas, autoetnografia, escrita
criativa, dentre outros (Idem, p. 9 – 12): na “perspectiva de pesquisa pós-moderna, a linguagem não
reflete uma realidade social, ela, literalmente, cria essa realidade. (Idem, p. 13)”.

Sempre que leio textos e artigos acadêmicos, como o aqui analisado, que abordam questões
metodológicas da pesquisa acadêmica, me pergunto sobre a sua aplicabilidade na minha pesquisa
específica. Por certo nem tudo pode ser utilizado. E, considerando que investigarei um processo
composicional de dramaturgias de ator em Teatro Físico, bem como o universo da sonoplastia que
acompanha a obra “O Ronco” (solo que criarei durante o mestrado), a linha filosófica pós-moderna
me parece curiosamente atrativa pela aparente liberdade que confere ao pesquisador. Porém não me
engano e nem me iludo pensando que, ao escolher o pensamento pós-moderno (se assim se
confirmar, pois nessa altura do mestrado pouco sei sobre a metodologia que adotarei, ou sobre os
paradigmas filosóficos da minha pesquisa) terei “menos” trabalho. Mas desconfio que talvez uma
pesquisa prática como a minha, que será caracterizada por longas – e muitas vezes solitárias – horas
de pesquisa em sala de ensaio, além da residência com a Companhia Dos à Deux e eventuais
parcerias com outros artistas, não se enquadre em vertentes metodológicas que utilizam como
método de produção de dados entrevistas ou ações críticas que visam mudança social. De toda
forma, os autores do texto aqui analisado referem Richardson e St. Pierre que estabeleceram

"cinco critérios de qualidade de práticas analíticas criativas:


a) Contribuição substancial: o texto auxilia no aprofundamento da nossa compreensão sobre
o fenômeno?
b) Mérito estético: o texto está bem trabalhado artisticamente, satisfatório e complexo? Ele
não é tedioso?
c) Reflexividade: como os autores foram levados a escrever este texto? d) Impacto: como o
texto provavelmente afetará seu leitor?
e) Expressão de uma realidade: o texto exprime alguma noção do real, do indivíduo ou de
uma credibilidade coletiva?
Estes critérios estão longe de serem os usuais utilizados em etnografia interpretativa e crítica,
que são geralmente baseados em três aspectos: 1) credibilidade, ou seja, o envolvimento
prolongado do pesquisador no campo de pesquisa; 2) transferência, alguns resultados do
estudo podem ser transferidos para diferentes contextos graças às descrições ricas do estudo,
3) confiabilidade, a comprovação de múltiplas instâncias e a triangulação de instrumentos de
coleta de dados”(Idem, p.15).

Seria a minha pesquisa adequada para uma metodologia pós-moderna? Estaria o meu
trabalho à altura das exigências que essa metodologia impõe? No momento ainda não tenho a
resposta, mas, depois da leitura desse artigo me vejo instigado a descobrir.

Bibliografia:
FORTIN, Sylvie; GOSSELIN, Pierre. Considerações metodológicas para a pesquisa em arte no
meio acadêmico. Art Research Journal. V.1 n.1 (2014). Disponível em:
https://doi.org/10.36025/arj.v1i1.5256

Você também pode gostar