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Pós-graduação (Stricto Sensu) em Artes Visuais

Resenha crítica do livro “Razões da Crítica”,


de Luiz Camillo Osório

Elizeu do Nascimento Silva


SP, julho de 2009
Sumário

Apresentação .....................................................................................................................3

Possibilidades metodológicas ............................................................................................4

A escolha metodológica do autor......................................................................................6

A condição da crítica segundo o autor ..............................................................................7

Conclusão.........................................................................................................................14

Referências bibliográficas ................................................................................................15

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Apresentação

O autor do livro Raz esàdaàC íti a ,àpu li adoàe à àpelaàedito aàJo geà)aha ,à
do Rio de Janeiro, Luiz Camillo Osório apresenta credenciais consistentes para falar
sobre crítica de arte no Brasil. Além de uma intensa vida acadêmica voltada para a
Filosofia desde a graduação até o doutorado e da opção por pesquisas relacionadas à
estética e à crítica de arte, ele é crítico militante com atuação no jornal O Globo, do Rio
de Janeiro, desde 1997. Portanto, não apenas pesquisa as questões relacionadas à
crítica, com produção acadêmica materializada na forma de livros, capítulos em livros
e artigos publicados em periódicos, como também vive, fora da Universidade, as
vicissitudes e alegrias da crítica de arte – com a publicação de no mínimo duas críticas
por mês, como ele informa em seu currículo. Portanto, sem desconsiderar outros
estudiosos, Osório é um pesquisador que merece ser lido por quem pretende estudar
a crítica de arte contemporânea no Brasil.

áp ese ta doà o oào jetivoàdoàliv oà p àe àdis uss oàoàpapelàeàosàluga esàdaà


íti aà aàatualidade ,àoàauto àsuge eàu aàsituaç oàdeà iseàvividaàpelaàa te,à ueàexigeà
um repensar do seu modo de atuação e até mesmo de sua utilidade para a sociedade
contemporânea. Militante da crítica periodística, conforme previamente apresentado,
Osório observa que nas últimas décadas vem ocorrendo um encolhimento do espaço
destinado à crítica de arte nas páginas dos jornais diários e questiona pelas quais tal
fato se tem verificado. As perguntas-chave propostas pelo autor são: Por que isto se
deu? O problema afeta apenas a crítica? Por que se preocupar com a perda de espaço
nos jornais? Que outros suportes existem para a reflexão sobre as artes? As mídias
digitais são uma opção? Que mudanças a escrita da crítica sofreu nas últimas décadas?
Tem havido diálogo da crítica com os processos de criação artística? As obras têm
apelo de público? Qual a participação da crítica neste processo? O fato de cada vez
mais artistas frequentarem a universidade aproxima a crítica da criação ou a afasta?

Com tantas perguntas por responder, é de se esperar que o autor tenha se


munido de algum método científico para orientar a reflexão sobre o tema, de modo

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que não apenas conseguisse alcançar o objetivo desejado, como que suas reflexões e
seus pontos de vista pudessem ser aceitos como válidos.

Possibilidades metodológicas

Em Razões da Crítica, Osório não explicita o método utilizado, o que nos impõe a
necessidade de identificar a partir de pistas disponíveis no texto, à luz das
características e especificidades dos métodos que compõem a epistemologia aplicável
às ciências sociais.

As exposições do professor João Cardoso de Palma Filho no curso de Metodologia


da Pesquisa Científica em Ciências Humanas, no Instituto de Artes da UNESP,
corroboram a apresentação que RICHARDSON (2008:32) faz da epistemologia
científica, conforme publicado em Pesquisa Social – Métodos e Técnicas. Tanto o
professor como o autor indicam a existência de três matrizes epistemológicas, a saber:

a) Positivismo lógico, que estabelece uma rigorosa separação entre o


pensamento científico e os pensamentos teológico e metafísico, imputando
apenas ao primeiro a condição de fonte do verdadeiro conhecimento. Comte,
u àdosàfu dado esàdoàpositivis o,àdefe diaàaà i iaà o oà i vestigaç oàdoà
eal,àdoà e to,àdoài du it velàeàdoàdete i ado ,à a e doàaoàho e àape asà
interpretar a condição previamente dada. Sendo assim, resta ao pesquisador
apenas a observação dos fenômenos. Como não é possível observar toda a
realidade, mas apenas dados individuais, o conhecimento também não pode
ser completo, mas tão-somente restrito aos dados observados. Em seu
trabalho, o pesquisador deve procurar desvendar as características do
fenômeno estudado e observar as possíveis relações que estas características
estabelecem entre si.

No livro em questão, Razões da Crítica, não existem indicações do uso do


positivismo lógico. Seu uso exigiria uma descrição minuciosa da crítica contemporânea
e das peculiaridades de cada vertente para, a partir da observação, estabelecer
conclusões utilizando o processo indutivo – que o conduziria a proposições gerais –, ou
o dedutivo. Ora, este método baseado no observável não se ocupa dos processos
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constituintes do objeto estudado, o que o torna inadequado para analisar a condição
da crítica de arte na atualidade, uma vez que esta pesquisa pressupõe a historicidade
da crítica e suas transformações (processos) ao longo do tempo.

b) Estruturalismo, que entende os fenômenos como estruturas com leis próprias


e independentes, embora ligados entre si, de modo que qualquer alteração
em um dos elementos constituintes provoca alteração em todos os outros.
Deste modo, cada objeto deve ser estudado dentro de seu conjunto, de sua
estrutura, pois seu valor para o resultado da pesquisa depende da sua posição
na estrutura e da forma como ele é afetado pelos outros objetos.

Interessa ao estruturalismo, portanto, muito mais as relações entre os elementos


da estrutura e suas transformações causadas pela interação com os demais elementos,
do que as mudanças decorrentes dos processos históricos. Não me parece adequado a
utilização da metodologia estruturalista na pesquisa sobre a crítica de arte nos moldes
como o autor se propôs, ou seja, estudar a condição e os desafios da crítica atual em
face das transformações da produção artística nas últimas décadas. Mais uma vez, a
ausência da perspectiva histórica compromete a análise sobre a crítica, uma vez que é
indiscutível que a condição atual responde a um processo histórico e cumulativo.
Evidentemente, a crítica também pode ser estudada estruturalmente, como parte de
uma estrutura maior – talvez a Indústria Cultural ou Cultura de Massa –, mas esta seria
uma perspectiva bem diferente da proposta pelo autor.

c) A terceira matriz, materialismo dialético, é a que vai oferecer os meios


adequados para reflexão do autor. Considerada, segundo RICHARDSON
8: à aà i iaà dasà leisà ge aisà doà ovi e toà doà u doà exte io à eà daà
o s i iaà hu a a , a dialética se estrutura pelo debate entre posições
contrárias (tese x antítese = síntese), pela refutação mostrando as
contradições dos argumentos opostos, na busca da verdade. A palavra grega
dialektiké, da qual se origina a nossa dialética, indica discurso, debate, o que
corresponde à ideia atual sobre diálogo e dialética.

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A escolha metodológica do autor

O texto de OSÓRIO apresenta características dialéticas. O objetivo da obra


explicitado na primeira linha da Introdução (2005:7) afasta qualquer dúvida:à Esteàliv oà
p ete deàp àe àdis uss oàoàpapelàeàosàluga esàdaà íti aà aàatualidade . Em seguida,
o autor apresenta como verdade observável o encolhimento da crítica jornalística nas
últimas décadas e propõe as perguntas por meio das quais pretende debater sobre o
assu to:à Po à ueà istoà seà deu?à áà eduç oà doà espaçoà à u à p o le aà ex lusivoà daàà
crítica? Por que concentrar sua discussão na perda de um veículo? Que outras formas
de circulação, para além dos jornais, ganhou a reflexão sobre arte? Como se
transformou, nestas últimas décadas, a escrita da crítica e sua maneira de dialogar
com os processos de criação? Como as obras chamam o público para o interior de seu
campo de sentido, e como a crítica atua neste processo? A presença frequente dos
artistas nas universidades não seria uma aproximação da criação à crítica, e não um
afasta e to? .

No materialismo dialético, os fenômenos são analisados na perspectiva de seis


categorias, relacionadas umas às outras, sem necessidade que todas sejam aplicadas.
RICHARDSON (2008:50) as apresenta nos seguintes termos:

a) Individual – particular – geral: Os fenômenos têm características peculiares,


que os diferenciam dos demais. Por outro lado, não existem objetos ou
fenômenos que não guardem relações ou traços comuns com outros objetos
e fenômenos. Portanto, há extrema ligação entre o individual e o geral. áà
noção de homem é geral, mas não pode existir sem a noção de indivíduo ,à
afirma Richardson,à ueà o pleta:à ásà atego iasà deà i dividual,à pa ti ula à eà
geral ajudam a compree de àaàu idadeàdoà u do .

b) Causa – efeito: Um dado fenômeno-causa tem outro fenômeno como efeito.


Uma mesma causa pode provocar efeitos variados, assim como determinados
fenômenos podem ter mais de uma causa. Entretanto, a relação de
causalidade sempre est à p ese te.à Ri ha dso à afi aà ueà o he e doà asà
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causas, o homem pode contribuir para a ação dos fenômenos. (...) Enquanto
não for descoberta a causa de um fenômeno, permanece oculta a sua
atu eza .

c) Necessidade – casualidade: A necessidade é apresentada como fenômenos


que devem ocorrer em determinadas condições, enquanto a casualidade
pode ou não ocorrer, dependendo de condições prévias.

d) Essência – aparência: A primeira impressão sobre um objeto ou fenômeno é


determinado por sua aparência exterior. Com um estudo mais profundo, é
possível chegar à essência do fenômeno, favorecendo a sua compreensão.
Enquanto a aparência é superficial e mutável, a essência é mais estável.

e) Conteúdo – forma: Enquanto o conteúdo é o conjunto de elementos,


interações e mudanças de um dado fenômeno ou objeto, a forma é a relação
harmônica entre os elementos do fenômeno ou objeto.

f) Possibilidade – realidade: A possibilidade é um fenômeno latente, potencial,


ainda não tornado realidade. Já a realidade é o fenômeno efetivado.
Richardson explica que os objetos ou fenômenos podem surgir, tornar-se
realidade, quando encontram as condições necessárias. O conjunto dessas
condições representa a possibilidade de surgimento do objeto ou fenômeno.

A condição da crítica segundo o autor

Se fosse possível reduzir o livro inteiro de OSÓRIO a apenas uma frase, esta seria:
aà íti aà àes itaàpa aàoàpú li o,à asàaàse viçoàdaàa te . (2005:17) Contudo, a leitura
sequencial da obra revela um autor em busca de respostas para a condição atual da
crítica, em suas palavras, pressionada entre a desinformação generalizada e o
isolamento provocado pela linguagem especializada. O autor começa apontando como
possível causa para a crise da crítica – e também da política, irmanadas que estão
ambas pelo debate – uma possível falta de disposição para a reflexão, que levaria as
pessoas comuns a rejeitarem o que veem nas galerias e museus de arte
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contemporânea, condição perfeitamente compreensível no contexto da pós-
modernidade niilista,à doà desejoà deà ada,à o teà e à vida, falta de valores para agir,
des e çaàe àu àse tidoàpa aàaàexist ia ,à asàpalav asàdeàJair Ferreira Santos, autor
do livro O que é pós-modernidade, publicado pela Editora Brasiliense na Coleção
Primeiros Passos. (1986:72)

Evidentemente o ponto de vista de Osório é absolutamente plausível, sem,


contudo, ser absoluto. Ficam de fora causas mais prosaicas, mas não menos
importantes, como as limitações culturais e intelectuais de muitos dos jornalistas que
se ocupam da crítica atualmente, as reestruturações administrativas das principais
empresas jornalísticas, que resultaram em redução de pessoal e, não raramente, na
dispensa de grandes nomes do jornalismo cultural, e, concomitantemente, na
utilização cada mais integralmente dos press-releases enviados pelas assessorias de
imprensa dos artistas e das galerias. Ou seja, este é um fenômeno de muitas causas,
que não pode ser analisado por apenas algumas perspectivas.

OSÓRIO estabelece em Kant os fundamentos da crítica moderna, justificando esta


assertiva com a constatação de que para o referido filósofo o fim da arte é a
o p ee s oà íti aàeàp o le ti aàdeàseusàli ites .à :

No primeiro capítulo, Crítica, fronteiras e intersecções, o autor dá o tom das


eflex esà ueà seà segui o:à P essio adaà e t eà aà desinformação generalizada e o
isolamento provocado pela linguagem especializada, a crítica parece ter perdido o
território comum da discussão pública – determinante para o seu nascimento .
(2005:10)

Referindo-se tanto à crítica especializada como à não-especializada, OSÓRIO


estabelece uma relação destas com a política, também em crise, segundo o autor, para
indicar a ausência generalizada de debate e de pluralidade. Ele aponta a inexistência
deà disposiç oà pa aà t a sfo a à deso ie taç oà e à exe í ioà eflexivo ,à ul i a doà
invariavelmente em simples rejeição do novo e do desconhecido – quando não
apresentados espetacularmente, pode-se acrescentar. Ora, a indiferença para com a
alteridade não é justamente uma das principais características da pós-modernidade?

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SANTOS (1986:88) defi eàaàso iedadeà o te po eaà o oàu aà assaà satu adaàdeà
i fo aç oà eà se viços ,à i dife e teà aà tudoà ueà oà lheà e efi ieà i dividual e te,à
total e teà ap ti aà f e teà aosà g a desà p o le asà so iaisà eà hu a os . OSÓRIO
considera esta indife e çaà o oàu à et o essoà ivilizat io ,à ueàali e taàu à li aà
antiintelectual. A crítica, ao contrário, é apontada como salvaguarda contra a
desorientação (2005:11).

A partir desta constatação, OSÓRIO passa a discutir a necessidade de a crítica


repensar a sua atuação de modo a criar novos espaços e novas formas de reflexão,
transformando sua maneira de se apresentar – possivelmente por meio de textos mais
curtos, sem se tornarem superficiais e destituídos de fundamentação. O autor afirma:

“eàaàa teàte àmudado radicalmente, desde pelo menos a década de 1960, seja do
ponto de vista dos procedimentos, seja das expectativas de recepção, é fundamental
que a crítica também se ponha em questão, redefina seus métodos, interesses e
fo asàdeàdisse i aç oàpú li a (Idem 2005:13),

com o que concorda Maria José JUSTINO, crítica de arte, professora e pesquisadora
nas áreas de Estética e Ciências das Artes, pa aà ue à áà iseàdoà ito,àdaà iaç o,àdaà
originalidade, das narrativas históricas, da desmistificação das ideologias, da afirmação
daà itaç oàeàdoàe letis o,à e la a àu aà ovaà íti a (2005:30). Ora, a definição do
que é ou não arte é justamente um dos problemas a ser equalizado pela crítica
contemporânea, que deve ser capaz não apenas de se posicionar em relação aos
objetos e/ou aos conceitos por eles representados e expandir as suas possibilidades de
leitura, como também de aquilatar seus valores intrínsecos e situá-los no contexto
geral da época, de modo que sejam assimiladas pela história da arte. Neste sentido,
OSÓRIO (2005:16) sugere uma escrita crítica que seja muito menos sobre a obra e
muito mais com a obra,

pa ti ipa doà doà p o essoà a e toà deà iaç oà deà se tido ,à o que implica numa
substancial mudança de paradigma, na qual a crítica se desloca da posição de juiz
para a de testemunha atenta que traz os fatos [artísticos] a público, sob a
justifi ativaà deà ueà aà íti aà à es itaà pa aà oà pú li oà [ ueà aà l à osà jo ais],à asà aà
se viçoàdaàa te à(Idem, 2005:17).

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No segundo capitulo, Crítica e estética em Kant: de volta ao começo, OSÓRIO
estabelece a concepção moderna de crítica ligando-a ao pensamento do filósofo
alemão Immanuel Kant e às suas Críticas, a saber, Crítica da razão pura, Crítica da
razão prática e Crítica da faculdade do juízo, nas quais discute o conhecimento e a
apreciação estética dos fenômenos pelos indivíduos. Segundo o autor, Kant entende a
íti aà daà az oà o oà u à ovi e toà deà deli itaç o à (2005:21) que pressupõe o
esta ele i e toà deà fi sà pe ti e tesà aà adaà itoàdoà espí itoà hu a o,à aà i ia, a
ética e a arte – aàve dade,àoà e àeàoà elo .

OSÓRIO afirma que na primeira Crítica Kant reconhece a sensibilidade como


instrumento essencial na construção do conhecimento, a ela se somando a imaginação
e o entendimento – esta,à si ,à dete i a teà pa aà o p o essoà deà o he i e to .à
Entretanto, o autor identifica na Crítica da faculdade do juízo uma problematização em
to oà doà e te di e to ,à ueà oà deveà prevalecer sobre a sensibilidade no que
concerne à experiência estética. Oà auto à e fatizaà ueà aà ue a deà hie a uias à
presente na Terceira Crítica – denominada por Kant como livre-jogo entre imaginação
e entendimento – apresenta traços do ideal de liberdade conquistada recentemente
com a Revolução Francesa.

Estaàli e dade vai estimular o rompimento com os preceitos técnicos e normativos


das academias de belas-artes que regiam as práticas artísticas, gerando, por um
lado, um novo território de liberdade e originalidade e, por outro, uma
desorientação frente aos parâmetros que garantiam a priori o estatuto artístico das
o as (2005:24).

É neste vácuo, entre a aceitação ou não das manifestações do espírito humano


como obra de arte, que a crítica e a capacidade de julgamento surgem como exercício
intelectual necessário à legitimação e à expansão dos significados da obra.

áà íti aàdeàa teàdeixaàdeàse àto adaà oàse tidoà o atizado à ueàdete i avaàoà
modo de ser das obras, e passa a ser um esforço reflexivo que busca qualificar uma
expe i iaàsi gula àdoà u do (Idem, 2005:24).

Entretanto, a mesma liberdade que permitiu à sensibilidade balizar a experiência


estética surge como obstáculo a ser transposto quando se pretende que suas

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impressões sejam aceitas universalmente. A questão é transposta pelo autor com a
afi aç oàdeà ueà oà ueài po taà oà àseàaàu ive salidade vai se dar de fato, mas que
elaàseàd àdeàdi eito à(OSÓRIO, 2005:26) sob o argumento de que o juízo de gosto é um
prazer subjetivo que não diz nada, preliminarmente, em relação ao objeto,àouàseja,à oà
juízo de gosto é subjetivo, mas isto a princípio só implica o fato de ele ser uma
expe i iaà se tidaà peloà sujeitoà eà oà u à p edi adoà doà o jeto à (Idem, 2005:27).
Estranhamente, o autor não relativiza esta afirmação, pois apesar do gosto estético ser
de fato subjetivo e não influir diretamente sobre as características gerais do objeto, o
juízo do crítico reconhecido publicamente como tal, tende a ser acompanhado por
uma grande quantidade de pessoas, número que cresce exponencialmente quando a
crítica é publicada em veículos jornalísticos de grande circulação. Afinal, esta é uma
das formas como as ideias se legitimam no contexto da cultura de massa: os indivíduos
seà o ve e à deà algoà aà pa ti à dosà po tosà deà vistaà deà age tes autorizados à e
tornados públicos em veículos de grande circulação. Referindo-se à construção da
realidade no contexto da comunicação de massa, DEFLEUR e BALL-ROKEACH afirmam:

E uditosà eà pes uisado esà ueà estuda à oà p o essoà eà efeitosà daà o u i aç oà deà
massa criaram diversas formulações baseadas no princípio de que significados e
interpretações da realidade são construídos socialmente1. Cada vez vem se
tornando mais claro que, como os homens na caverna de Platão, estamos
crescentemente experienciando um mundo intermediário em vez da própria
ealidade à 1993:277).

Embora o papel da crítica oàsejaàoàdeà ia à it ios ,à o oàdesta aà OSÓRIO,


asà pa ti ipa àdoàp o essoàdeà o stituiç oàdeàse tido,àse p eà heioàdeà ego iaç esà
eà desdo a e tosà i p evisíveis à 2005:31), estes acabam por se estabelecer,
conforme as afirmações dos teóricos da comunicação de massa.

No terceiro capítulo, A arte como crítica e a crítica como arte, OSÓRIO discute a
natureza da arte e da crítica na perspectiva kantiana, afirmando que aàfo aç oàdoà
gosto [em relação à obra de arte] vai se dar com a participação e a circulação no
espaçoà pú li oà e à ueà seà p oduze à osà juízos .à Le a doà ueà Ka tà afi aà ueà oà

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Grifo acrescentado.

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gosto à ape asà u aà fa uldadeà deà ajuiza e toà eà oà u aà fa uldadeà p odutiva ,à ouà
seja, o que resulta do gosto não se materializa em obra de arte, o autor propõe que
nãoà astaà seà fia à oà gostoà pa à ajuiza à asà o asà deà a te,à se doà e ess iaà u aà
disposição reflexiva, e até mesmo criativa, que ponha em movimento a imaginação, o
e te di e toàeàaàse si ilidade (2005:37) para que seja possível produzir uma crítica
que de fato amplie as possibilidades de apreensão da obra.

As relações entre obra de arte e crítica são aprofundadas pela afirmação de que
aài agi aç oà ueàatuaà oàfaze àdoàg io,àatuaàta à aà e epç oàdaào a (Idem,
2005:41), indicando a necessidade de o crítico estar imbuído da mesma motivação
transformadora do artista – que o impele em busca de novos olhares e novas poéticas
– para que possa se entregar à íti a,à espo sa iliza do-se pelo exercício
expe i e talàsu ja e teàaoàp o essoà iativo (Ibidem, 2005:42).

No quinto capítulo, O lugar do juízo (e da crítica) na arte contemporânea OSÓRIO


põe em debate o difícil papel da crítica na contemporaneidade, quando os próprios
conceitos que fundamentam o direito de algo ser ou não considerado arte são a cada
dia pulverizados pelas novas propostas artísticas. Como delimitar o que pode ser
considerado arte?

O autor começa o capítulo lembrando que um dos efeitos colaterais da crítica foi
esta passar a ser vista como censura à liberdade de expressão artística, cujos pareceres
acabavam tolhendo o desejo do artista de experimentar o novo. Segundo OSÓRIO, isso
resultou da incompreensão da distinção que Kant faz entre juízo cognitivo e juízo
estético, sendo o primeiro o julgamento orientado por conceitos e, o segundo, o
julgamento baseado na singularidade dos fenômenos. Ora, a primeira forma de juízo
procura esquadrinhar as obras de arte apoiada em conceitos pré-existentes. Nessa
perspectiva, quanto mais as obras de arte se aproximem de parâmetros pré-
estabelecidos, melhores são do ponto de vista artístico. Já o julgamento estético se
prende à obra em si, julgando justamente pelo dissenso, buscando a diferença
(diferencial) e evitando o consenso.

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Ora, se não há mais parâmetros válidos para que a crítica possa avaliar a obra,
não caberia ao próprio artista a tarefa de criticar a sua arte? O autor rebate a tese de
forma contundente – á ha à ueà ue àfaz,àouàseja,àoàa tista,àte à aisà o diç oàpa aà
julga à doà ueà osà de aisà à u aà fal iaà e o e te (OSÓRIO, 2005:43) – e completa
adia te:à Oà espe tado à julgaà o oà espe tado à eà oà o oà ato .à Istoà lheà d à u aà
liberdade fundamental para retirar da capacidade de julgar os entraves normativos da
consciência moral e, assim, poder encarar os fenômenos na sua singularidade e não na
sua concord iaà o àaàlei (Idem, 2005:45).

A singularidade – com a consequente ausência de parâmetros – cria o problema


daà su jetividadeà daà íti aà e à seuà liv e-jogoà dasà fa uldades ,à ueà passaà aà se à
orientada pelo gosto ou pelos valores individuais do crítico. O autor afirma que é assim
es oà ueà deveà se :à Naà edidaà e à ueà osà a i osà eà osà o f o ta osà o à aà
diferença e, a partir disso, buscamos sentidos comuns, evidenciamos o quanto há de
políti oà oà ajuiza e to à Ibidem, 2005:46). A alegação de que o gosto é pessoal e,
como tal, indiscutível, não se sustenta pois, segundo Kant, em matéria de gosto
se p eà ue e osà oà o se ti e toà doà out o.à Deà algu à odo,à oà gostoà us aà oà
o se so,à asàeleàp efe e,àouà elho ,àeleàha itaàoàdisse so (Ibidem, 2005:46). É esta
exposição ao crivo alheio que permite a expansão de sentidos à obra e também
esta ele eàaà espo sa ilidade à oà liv e-jogoàdasàfa uldades àno exercício da crítica.
Com o tempo, na medida em que se sedimenta um gosto em torno de determinada
obra, de determinado artista ou grupo de artistas, ou de determinada tendência,
começa a surgir um cânone aplicável a outras obras do mesmo artista ou do seu grupo,
ou ainda da tendência. Segundo o autor, isto se dá naturalmente, de forma não
p og a ada,à se à aà i te ç oà deà o gela à u aà fo aà deà julga e to ,à exi i doà asà
novas produções do exercício crítico. Ao contrário, na medida em que determinadas
manifestações são aceitas – eventualmente ganham espaços nos museus – estas são
expostas ao contágio com outras formas de arte e estabelecem novos patamares para
a investigação artística e crítica. áoàseài stitu io aliza e ,àasào asàga ha àu àdevir
histórico e passam a conviver em um território onde convivem tempos artísticos e
fo asàdeà e epç oàva iados ,àafi aàOSÓRIO (2005:49).

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No último capítulo, A crítica genética e as transformações da arte, OSÓRIO
discute os desafios da crítica contemporânea ante a possibilidade de tudo poder ser
arte. Na verdade, esta condição – ausência de limites claros entre arte e não-arte –
eleva o papel da crítica, cuja atuação potencializa o surgimento do novo e a descoberta
de novos significados para o já existente, aumentando o vocabulário coletivo.

“e doà aà a teà algoà a e toà aà to a -se outra coisa, a inventar maneiras de ser
distintas daquelas que haviaà sidoà pe sadaà peloà seuà iado (2005:56), sempre será
e ue ido,à e t o,à aà e epç o,à algu à tipoà deà exe í ioà iativo,à algu à esfo çoà
i te p etativo,àalgu aàe t egaàespi itual (idem) na medida em que a arte deixa de ser
algo meramente a ser visto, asà ta à aà se à se tidoà eà t a alhado à de maneira
peculiar por cada indivíduo, tanto com o corpo como com o intelecto. Na arte
contemporânea a função simbólica toma cada vez mais força, indicando leituras que
oà seà expli ita à i ediata e te,à exigi doà u à engajamento interpretativo, uma
dispo i ilidadeài te aàeàu aàate ç oàe p ti aàeà íti aàespe ífi a à Idem, 2005:55).
Esta arte que tende sempre a se tornar outra coisa, a ser diferente inclusive daquilo
que foi pensado por seu criador exige também uma crítica capaz de interpretá-la
desde a sua gênese e aprofundar à exaustão suas possibilidades interpretativas. O
auto à o luià afi a doà ueà aà a teà oà veioà pa aà expli a à ouà pa aà o fi a à ada,à
mas para nos fazer pensar e falar à Ibidem, 2005:64) indicando a relevância da crítica,
principalmente diante de horizontes tão amplos propostos pela arte.

Conclusão

O livro de Luiz Camillo Osório foi um achado importantíssimo para a minha


pesquisa em desenvolvimento, por constituir-se a visão não apenas de um crítico de
arte militante, mas também de um pesquisador e professor de Estética e História da
Arte preocupado com a configuração que a crítica vem assumindo nos dias atuais. Os
desafios são grandes: por um lado, a crítica precisa dar conta do seu papel de
intérprete da arte contemporânea, com todas as novas propostas de conceitos e
linguagens que (felizmente) teimam em subverter o conhecido e estabelecido,

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exigindo do crítico uma atualização constante; por outro, o desafio de cumprir
satisfatoriamente com o seu papel de interface do mundo das artes com o grande
público, cada vez menos afeito aos longos textos analíticos. Como refletir
suficientemente sobre a arte, cumprindo o papel da crítica de aumentar suas
possibilidades interpretativas e estabelecer conexões históricas, se o público se
interessa cada vez menos por estes assuntos? Será um problema de linguagem? Ou
será a abordagem que está equivocada? Ou, quem sabe, o jornal diário não seja mais o
suporte adequado para os problemas da arte? Estas e outras são questões levantadas
pelo autor e que também permeiam o meu projeto de pesquisa.

Referências bibliográficas

DEFLEUR, Melvin Lawrence; BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da comunicação de


massa. Tradução da 5ª ed. Norteamericana (Octavio Alves Velho) – Rio de Janeiro :
Jorge Zahar Ed., 1993

JUSTINO, Maria José. Criticar... é entrar na crise. IN: GONÇALVES, Lisbeth Rebollo;
FABRIS, Annateresa (Org.) Os lugares da crítica de arte. São Paulo : ABCA : Imprensa
Oficial do Estado, 2006.

OSÓRIO, Luiz Camillo. Razões da crítica. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 2005.

RICHARDSON, Roberto Jarry (e colaboradores). Pesquisa social – métodos e técnicas. 3ª


edição, São Paulo : Atlas, 2008.

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