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TEXTOS

FUNDAMENTAIS DE
POESIA EM LÍNGUA
PORTUGUESA
Caroline Costa Nunes Lima
Teoria literária: princípios,
objetos e objetivos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Discutir criticamente o que é a teoria literária, a sua história, e o seu


objeto.
„„ Comparar os princípios do formalismo russo e do new criticism a partir
da literariedade e da ambiguidade.
„„ Verificar os objetivos e procedimentos do estruturalismo.

Introdução
Neste capítulo, estudaremos sobre a história e os objetos de estudo
da teoria literária. Nesse estudo, teremos a oportunidade de comparar
diferentes princípios do formalismo russo e do new criticism a partir da
literariedade e da ambiguidade. Por fim, verificaremos o conceito de
estruturalismo, bem como o seu procedimento e os seus principais
objetivos.

História e objetos
O universo literário é amplo, complexo e oportuniza um encontro com a Arte, de
modo a despertar a reflexão sobre o mundo que nos cerca, os valores e os ideais
partilhados em diferentes tempos e sociedades. Para que possamos aprofundar os
conceitos nessa faculdade do conhecimento humano, é fundamental um aporte
teórico com vistas a oferecer ao leitor uma compreensão mais significativa acerca
da linguagem literária (BORGES; FERREIRA; GERCKE, 2017).
2 Teoria literária: princípios, objetos e objetivos

Em referência ao aporte teórico, de acordo com o crítico literário Sa-


muel (2002, p. 7), ele pode sofrer variações nas suas denominações: “[...]
a teoria literária reúne uma coleção de ciências que alguns tratam por
‘teoria da literatura’, outros de ‘teoria literária’”. Assim, a teoria literária
reúne conceitos e ferramentas que viabilizam o estudo dos processos que
abarcam produções literárias e os elementos que a cercam, como a obra
em si, os autores, os leitores e os conteúdos produzidos. Por meio dessas
informações, são construídas análises que resultam em críticas, resenhas
e reflexões com métodos que oportunizam a identificação das transfor-
mações ao longo dos processos histórico-sociais (BORGES; FERREIRA;
GERCKE, 2017).
Ao nos aprofundarmos nos estudos literários, poderemos verificar que
a preocupação em analisar os aspectos que envolvem a arte da escrita e da
oralidade existe desde a Grécia Antiga, com filósofos como Aristóteles, que
se dedicou a investigar os clássicos homéricos Odisseia e Ilíada. Assim nascia
a base teórica da literatura (BORGES; FERREIRA; GERCKE, 2017).
Contudo, apesar de toda essa bagagem literária perpassar séculos, as
áreas de teoria literária e literatura comparada no nosso País integraram as
grades curriculares dos cursos de Letras somente a partir do ano de 1961. De
acordo com Nitrini (1994, p. 1), “[...] percebeu-se que seu currículo carecia de
estudos gerais introdutórios e estudos teóricos especializados, indispensáveis
para uma boa formação acadêmica”. Assim, quando a teoria da literatura
assume o papel de disciplina ou área do saber, opta por investigar a obra
literária por si mesma por intermédio dos elementos inerentes ao texto no
lugar de apoiar-se na análise da literatura unicamente a partir de outros
campos de conhecimento.
Quanto à função da crítica literária, a partir dos aportes teóricos e me-
todologias, Soares (2000, p. 100) afirma que lhe cabe:

[...] desempenhar suas funções de caracterização da obra, através da distinção


dos elementos que a compõem e a identificam na sua diferença. Como ativi-
dade de investigação, a crítica se exerce no sentido de conduzir-se para dentro
dos vestígios deixados pelo poético. Objetivando reconduzir a obra literária
à sua origem, o seu fundamento, a crítica, qualquer que seja a via de acesso
escolhida (sociológica, psicológica, linguística...), não pode descartar-se de
sua dupla feição: enquanto crítica obedecerá ao rigor que lhe é garantido pelo
método de abordagem e, enquanto literário, incluirá literariamente o sentido
que na literatura ultrapassa o campo de conhecimento com o qual se articulou
na construção do modelo de leitura.
Teoria literária: princípios, objetos e objetivos 3

Em suma, a teoria da literatura promove discussões e meios de compressão do texto


literário, bem como o modo como ele será apreendido pelos leitores, instituindo
métodos de estudo que partem das mudanças do objeto estudado. Ela se relaciona
também às diferentes perspectivas da crítica literária, à medida que utiliza ferramentas
desenvolvidas pela crítica para a análise do texto poético, promovendo discussões
teóricas que partem do que constitui o literário, mas que não se restringem a essa
problemática, envolvendo o seu papel na sociedade e os seus entrecruzamentos com
questões ideológicas, culturais, filosóficas e artísticas, por exemplo.

Apresentadas as ideias iniciais acerca da teoria literária, destacaremos


pontos importantes a respeito do seu objeto de estudo: a própria literatura. Se
você fizer uma rápida pesquisa, encontrará fundamentalmente que a literatura
é a arte da palavra, que é construída com funções capazes de recriar reali-
dades, implicando em uma representação simbólica, imaginativa, universal
e apresentando variações composicionais conforme o projeto estético de cada
escritor, que pode, ou não, se servir, em maior ou menor grau, de motivos e
procedimentos expressivos pertencentes a movimentos literários que lhe são
contemporâneos.

A historiografia literária brasileira passou por diversas transformações ao longo do


século XX, assim como a teoria e a crítica literária. Uma das principais questões a ser
debatida pelos estudiosos foi a delimitação de um objeto específico de estudo. Vocês
poderá ler mais sobre o desenvolvimento desse campo e suas relações com o New
Criticism e com o formalismo russo, por exemplo, no artigo “A historiografia literária
brasileira: História e Perspectivas”, do professor Flávio Leal, disponível no link abaixo:

https://qrgo.page.link/okm1q

Quando a leitura de uma obra literária é realizada por um especialista,


detalhes são analisados, como as relações entre o tempo da obra e o período
histórico em que ela foi escrita, os costumes expressos nas relações sociais,
os elementos estruturais textuais internos e externos, e o que eles dizem
4 Teoria literária: princípios, objetos e objetivos

sobre o seu autor e a sociedade na qual ele se insere (BORGES; FERREIRA;


GERCKE, 2017).
Uma obra apresenta aspectos contextuais complexos, sendo essencial que
a sua estrutura seja fruto de mudanças sociais, identificadas por meio de
elementos externos e aspectos internos relacionados ao modo como o texto se
estruturou. Assim, as normas estéticas investigadas nessas obras correspondem
aos critérios previamente estabelecidos para considerar o que de fato pode ser
classificado como obra literária. Esses elementos estéticos provocam o efeito
de perceber o mundo por uma ótica distinta. É a partir dessas relações entre a
obra e o leitor que se certifica um status como o de clássico literário, em que,
por meio de hábitos e preferências, certas obras continuarão a ser lidas no
mundo contemporâneo, perpassando séculos ou até mesmo milênios, como no
caso das obras homéricas já mencionadas, incorporadas ao cânone literário.
Os meios de análise de uma obra literária, as ações de criações e reações ou
recepções em relação a essas obras não podem ser confundidas com o que se
concebe como crítica literária ou um estudo que abarque o contexto histórico
interno. O estudo teórico de uma construção literária pode ser realizado por
meio de dois campos distintos, o científico e o filosófico, como afirmam
Borges, Ferreira e Gercke (2017, p. 162):

No científico, a produção literária é considerada apenas nos seus critérios mais


objetivos: a forma ou estrutura da obra literária, o comportamento do leitor ou
de um público específico influenciado pela obra. No nível filosófico, a obra
literária pode ser avaliada segundo aspectos não tão objetivos, aspectos que
devem ser admitidos como “reais”; por exemplo: a vocação literária, o ideal
literário, o estado emocional provocado por uma obra. No nível filosófico, as
conclusões teóricas podem ser um pouco especulativas e ir muito além. Nos
níveis científico e filosófico, é indispensável partir da análise dos aspectos
objetivos do mesmo fato. [...] Para a análise objetiva de uma obra literária, você
sempre tem que se orientar por métodos de trabalho. Esses métodos variam de
acordo com a obra a ser analisada (os fatores psicológicos que deram origem
à obra, as tendências literárias do momento, entre outros fatores, podem dar
a direção aos estudos).

Além das diferenças de abordagem relacionadas à análise literária, os


métodos que atuam no aprofundamento dos conhecimentos acerca de uma
construção literária também sofrem variações e fazem parte do que se deno-
mina análise literária. Esses conhecimentos se sistematizaram em uma área do
saber denominada teoria da literatura, que se mantém em constante evolução
(BORGES; FERREIRA; GERCKE, 2017).
Teoria literária: princípios, objetos e objetivos 5

Além de considerarmos o caráter evolutivo mencionado acima, também


devemos verificar que a teoria literária não parte de um método limitado,
pois, apesar de partir de uma estrutura como base, existem variáveis quanto
aos modelos, teorias e denominações (BORGES; FERREIRA; GERCKE,
2017). Assim, concluímos que a teoria literária amplia a visão analítica por
meio de um método investigativo acerca dos elementos estruturais e dos
procedimentos expressivos contidos na criação literária. Além de ter um
potencial de provocar a sensibilidade, a obra passa a ser concebida também
como uma produção cultural e artística reveladora, capaz de ampliar o senso
crítico do leitor e, em consequência, da sociedade leitora como um todo.

Formalismo russo e new criticism


A palavra crítica está presente em nosso dia a dia em conversas que emanam
de ambientes familiares, sociais ou profissionais relacionada a outros segmen-
tos, tais como o artístico, o musical ou o literário, por exemplo. Veremos em
nossos estudos a respeito da crítica literária que, a partir da evolução social,
cultural e literária de diferentes sociedades, teorias surgem e adotam princípios
e métodos distintos para a análise das obras.
Antes de avançarmos com as análises desses métodos, trataremos de in-
formações sobre dois termos que se relacionam com as especificidades do
formalismo russo e new criticism: literariedade e ambiguidade.
De acordo com Jobim (2009, documento on-line), a respeito de literariedade:

No início do século XX, um grupo de teóricos da literatura, mais tarde de-


nominados formalistas russos (Cf. EIKHENBAUM, B. et alii. Teoria da
Literatura. Porto Alegre: Globo, 1976) imaginou que seria possível constatar
uma propriedade, presente nas obras literárias, que as caracterizaria como
pertencentes à literatura. Para denominar esta propriedade, criaram o termo li-
teraturnost, que foi traduzido para a língua portuguesa como literariedade.

Assim, observamos que literariedade é um esforço dos teóricos da época


para reconhecer na linguagem poética uma característica particular que a
diferenciasse das outras linguagens, como a presente em uma bula de remédio
ou em um texto histórico. Já sobre o vocábulo ambiguidade, encontramos
a seguinte definição disposta no E-Dicionário de Termos Literários (CEIA,
2009, documento on-line): “Termo que traduz a ocorrência de mais do que
um sentido em palavras, frases, proposições ou textos”. Para melhor ilustrarmos
essa definição, podemos considerar a seguinte frase: “minha amiga disse que
6 Teoria literária: princípios, objetos e objetivos

me esperaria perto do banco”, na qual o vocábulo banco pode ser um móvel


para se sentar ou uma instituição financeira.
Ao nos aprofundarmos nessa temática, identificaremos que, desde a pri-
meira metade do século XIX até a década de 1930, tivemos a presença de
três correntes de críticas literárias: a estilística, o formalismo russo e o new
criticism, que trazem em comum, segundo Souza (2003, p. 35), os critérios
de “[...] investigar não as causas exteriores supostamente determinantes do
texto literário, mas o próprio texto, entendido como um arranjo especial de
linguagem cujas articulações e organização podem ser descritos e explicados”.
Os primeiros registros do método de crítica do formalismo russo surgi-
ram no Círculo Linguístico de Moscou, que reunia formalistas com o intuito
de investigar cientificamente fenômenos linguísticos e obras poéticas. Essa
corrente, iniciada aproximadamente em 1914, estendeu-se até 1925. Nessa
época foi criada a Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética (Obs-
cestvo izucenija Poeticeskogo Jazyka), popularmente conhecida pela sua
sigla OPOJAZ.
O formalismo russo tem as suas raízes no modernismo, cuja tendência é a
quebra do automatismo. A definição da criação artística como literariedade
e estranhamento teve grande influência para a renovação da linguagem da
crítica literária. Além disso, encontramos, na perspectiva do formalismo
russo, a crença de que a poesia é uma função da linguagem e determina a
literariedade, que se configura como uma propriedade da linguagem literária
que a distingue dos outros tipos de discurso, ou o que faz de um texto uma
obra literária (SAMUEL, 2002).
De acordo com Samuel (2002, p. 78) a respeito dos princípios dessa teoria:

Suas principais colaborações se devem ao método de leitura de texto, ao


relacionamento da crítica literária com a linguística estrutural, que nasceu
na mesma época. Os que deixaram trabalhos pioneiros foram Chklovski,
Eikhenbaurn, Jakobson e Tinjanov. [...] Negavam que a literatura fosse reflexo
da sociedade, ou lugar de luta de classes e de ideias — como pensavam os
anteriores — ou como voltaram a pensar os posteriores críticos soviéticos. O
grande “problema” dos formalistas foi o excesso de concentração na forma,
afastando completamente a história, a psicologia, a sociologia, atacadas como
extraliterárias.

Além das considerações anteriores, é importante destacarmos que o forma-


lismo russo considera que a literatura possui uma função poética que enfatiza
a própria mensagem, o que denota uma contradição, visto que o estudo da
mensagem era omitido (SAMUEL, 2002).
Teoria literária: princípios, objetos e objetivos 7

Agora que já identificamos os princípios do formalismo russo, veremos


sobre outra corrente teórica chamada de new criticism, que teve início na
década de 1930 nos Estados Unidos. Esse método crítico, de acordo com
Martins (2009, documento on-line), “[...] refere-se aos nomes e aos trabalhos
dos críticos americanos John Crowe Ransom, William K. Wimsatt, Cleanth
Brooks, Allen Tate Richard Palmer Blackmur, Robert Penn Warren e ao do
filósofo Monroe Beardsley”, que produziram aportes teóricos significativos
entre as décadas de 1940 e 1950. Esses autores enfatizavam os aspectos formais
das obras literárias, adotando a “[...] posição de que os estudos literários devem
ser especificamente literários” (WELLEK; WARREN, 2003, p. 8).

Quadro 1. Aspectos formais da obra literária

Características Especificidades

Princípios „„ Aproximação intrínseca do objeto literário


„„ Aplicação mecânica de alguns princípios e ignorância
do contexto
„„ Exatidão, precisão e nitidez de descrição
„„ Exigência de objetividade no tratamento da obra literária
„„ Tendência antibiográfica e a-histórica

Propostas „„ Refazer a história literária em geral


„„ Fazer uma leitura microscópica (close-reading) da obra
„„ Utilizar algumas noções-chave para acender aos
diversos níveis de significação: ironia, ambiguidade,
paradoxo e metáfora
„„ Estabelecer o correlato objetivo, artefato linguístico que
seria capaz de produzir o efeito correspondente sobre
o leitor, na exegese dos poemas e na análise teórica de
outros gêneros
„„ Estabelecer categorias de classificação com lugar para
o individual
„„ Estabelecer critérios absolutos para um julgamento
crítico da obra literária

(continua)
8 Teoria literária: princípios, objetos e objetivos

(continuação)

Quadro 1. Aspectos formais da obra literária

Características Especificidades

Funções da „„ Auxiliar os leitores na compreensão intuitiva e completa


crítica objetiva dos poemas
„„ Reconhecer obras de considerável valor estético e
aquelas de valor estético não satisfatório
„„ Conhecimento total da obra literária
„„ Reconhecer as estruturas normativas permanentes na
poesia

Fonte: Adaptado de Nobre (2004, documento on-line).

No Brasil, o new criticism foi apresentado por Afrânio Coutinho. Em


função da sua permanência nos Estados Unidos nos anos de 1942 a 1947
e por ter convivido com professores universitários e intelectuais literários,
“[...] pôde conhecer as novas tendências da crítica literária: o formalismo de
Jakobson, os estudos de René Wellek, Leo Spitzer e Helmut Hatzfeld” (LIMA,
2010, p. 1). Em 1955, Coutinho publica A literatura no Brasil, defendendo
que a crítica “[...] deveria destacar e valorizar a qualidade estética da obra,
deixando em segundo plano os fatores históricos e biográficos tidos por
exteriores à criação literária” (BOSI, 2002, p. 27).
Dessa forma, a nova crítica no nosso País favoreceu uma evolução, já que
o foco passou dos fatores históricos extrínsecos às obras literárias para os
valores intrínsecos e estruturais delas. Essa nova tendência da crítica literária
era mais que um mero instrumento de análise, segundo Coutinho (1975, p. 94
apud LIMA, 2010, p. 3) progredindo para:

[...] um conjunto de ideias e princípios, no plano da estética geral e da doutrina


literária; no plano da estética particular dos gêneros; e no plano da análise e
do método de investigação. Ela inclui postulados de ordem geral, a respeito do
conceito de literatura, sua natureza, função e finalidades, inclusive com uma
série de conceitos, como ironia, objective correlative, paradoxo, relevância,
sinal, estrutura, símbolo, textura, tensão, ambiguidade, alguns antigos com
sentido diferente, outros novos.

Em resumo, essas transformações levaram os críticos a se preocuparem


com a natureza científica das suas análises. Assim, a nova crítica (new criti-
Teoria literária: princípios, objetos e objetivos 9

cism) buscou alcançar uma rigorosidade intelectual aprofundada nos estudos


das obras literárias por meio de uma investigação detalhada e minuciosa das
estruturas textuais de modo isolado e das estruturas formais conjuntamente
com os seus recursos expressivos e linguísticos.

Estruturalismo
Você observou que, nas primeiras décadas do século XX, surgiram novas
correntes teóricas, como o formalismo russo e o new criticism. Assim como
eles, o estruturalismo, corrente que abordaremos nesta seção, também se
preocupou em destacar a necessidade de investigar a composição interna das
construções literárias.
Na Figura 1, você pode observar um exemplo de estrutura narrativa proposta
por Freytag que descreve alguns pontos principais de uma narrativa curta.

Clímax

Elevação Declínio
da ação da ação

Introdução Dénouement
Figura 1. Exemplo de estrutura narrativa. (A tra-
dução literal de dénouement é “desfecho”.)

A primeira questão a ser considerada é que o termo estruturalismo é ado-


tado em diferentes campos do saber, como nas ciências sociais e nas biológicas,
na psicologia da Gestalt e na linguística. De acordo com Silva (1968, p. 636):

O Estruturalismo não é, portanto, um fenômeno isolado dos estudos literários.


Em linhas gerais, estrutura significa que um ser, um objeto ou uma entidade
apresentam caracteres sistemáticos, possui uma “organização”, um “arranjo”
que os diferenciam de conjuntos formados pela mera justaposição.

Partindo desse pressuposto, os críticos dessa corrente não investigam o


sentido de uma obra, mas as estruturas produtoras de sentido, as relações que
uma criação literária possui com determinadas estruturas e processos ineren-
tes às “[...] linguagens e estruturas, em vez de um eu ou de uma consciência
autoral, tornam-se a principal fonte de explanação” (CULLER, 1997, p. 26).
10 Teoria literária: princípios, objetos e objetivos

O etnólogo Claude Lévi-Strauss desenvolveu uma construção teórica e, em diálogo


com o estruturalismo linguístico, como o de Ferdinand de Saussure, apresentou a
seguinte proposta (CLAUDE, 1962 apud CHERQUES, 2006, p. 141):

Considerar não o fenômeno consciente e as relações que mantêm entre si


os elementos diretamente observáveis, mas a voltar-se para a estrutura —
inconsciente — que sustenta e ordena estes elementos e estas relações;
Estudar não mais os elementos, mas, ao contrário, privilegiar a descrição
e a análise das relações entre os elementos;
[...]
Se restringir aos sistemas efetivos, isto é, aos sistemas de relações simul-
tâneas em um tempo dado (os sistemas sincrônicos), e abandonar toda
a ideia de origem e formação histórica dessas estruturas (a diacronia).

Em síntese, a crítica adota como foco “[...] as condições de significação, os


diferentes tipos de estruturas e processos envolvidos na produção de sentido”
(CULLER, 1997, p. 24). Assim, o objeto de estudo se volta para as estruturas
e as suas relações de sentido a partir dos efeitos dos jogos linguísticos “[...] e
tentam desenvolver ‘gramáticas’ — sistemáticos inventários de elementos e
suas possibilidades de combinação — que dariam conta da forma e do sentido
das obras literárias” (CULLER, 1997, p. 27).
Outro especialista no assunto, Robert Lawrence Trask (2004, p. 100),
apresenta a seguinte visão a respeito do estruturalismo, traçando um panorama
histórico acerca dos estudos linguísticos:

O estruturalismo é uma abordagem no estudo da linguagem que considera


os idiomas como sistemas estruturados. Antes do século XX, os linguistas
adotaram a respeito das línguas uma perspectiva atomística: eles assumiram
os idiomas essencialmente como coleções de elementos individuais tais como
os sons da fala, as palavras e as desinências gramaticais.

No início do século XX, Saussure, após investigações sobre fenômenos


linguísticos, afirmou que as línguas são sistemas estruturados. Cada ele-
mento desse sistema é definido de acordo com a sua relação com os outros
elementos. Com base nesse conceito, chamado de estruturalismo, o sistema
é o objeto a ser analisado.
Teoria literária: princípios, objetos e objetivos 11

Ao refletirmos sobre o fragmento anterior, observamos que a abordagem


a respeito do estruturalismo revela que essa corrente teórica crítica defende
que o foco dos estudos de uma obra é o sistema cuja estrutura é investigada
de acordo com as relações que possui com outros elementos que a compõem.
Concluímos, assim, que, por não existir um método estrutural capaz de traduzir
as múltiplas áreas nas quais o estruturalismo se fez presente, não existe um,
senão vários estruturalismos.

A partir da ótica estruturalista, a obra literária se traduz por meio de modelos linguísticos.
Assim, a sua base de análise distancia-se dos contextos sociais, políticos e históricos
para limitar-se ao campo da língua, bastando o sistema literário para compreender
e analisar a obra.

BORGES, F.; FERREIRA, G. S.; GERCKE, K. R. Literatura comparada. Porto Alegre: SAGAH,
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CHERQUES, H. R. T. O primeiro estruturalismo: método de pesquisa para o primeiro
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12 Teoria literária: princípios, objetos e objetivos

LIMA, M. H. Afrânio Coutinho e o new criticism no Brasil. Darandina, v. 2, n. 2, 2010.


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WELLEK, R.; WARREN, A. Teoria da literatura e metodologia dos estudos literários. São
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Leitura recomendada
SOARES, A. M. S. A crítica. In: SAMUEL, R. (Org.). Manual da teoria literária. Petrópolis:
Vozes, 1997. p. 90-100.

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