Você está na página 1de 7

A LITERATURA NA SALA DE AULA

PAULO JOSÉ VALENTE BARATA (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ).

Resumo
Conceituar “Literatura” compreende uma questão subjetiva que suscita definições –
algumas muito divergentes entre si – que buscam uma acepção una e definitiva,
excluindo, deste modo, qualquer outra precedente. Nesse sentido, vários são os
teóricos que se aventuraram a fazê–lo, surgindo, dessa forma, dissonâncias quanto
a tal conceituação, tornando–se, pois, um conceito muito fluído e que varia com
certa facilidade, dependendo de quem o aprecia e de suas respectivas
particularidades e idiossincrasias. Emerge, portanto, os conceitos subjetivos, tais
como Literatura é a expressão de conteúdos ficcionais, por meio da escrita (Moisés,
2007); Literatura é um sistema composto pela tríade obra, autor, leitor de dada
época histórica (Candido, 2006); Literatura é uma questão centralizada em
aspectos textuais e de linguagem, minimizando fatores extratextuais (Souza,
2005). Márcia Abreu, em seu texto Cultura letrada: literatura e leitura (2006),
revisita o termo na busca de uma definição mais esclarecedora. Na sua perspectiva,
não somente elementos intrínsecos ao texto o tornam literário, mas também o
espaço que lhe é dado pela crítica e a valorização dada pelas instâncias de
legitimação – universidades, escola, suplementos culturais de jornais, intelectuais –
baseada em posicionamentos político–ideológicos e sociais. Em posse de tal
conceito, fomos à Escola Estadual de Ensino Médio Pedro Amazonas Pedroso e, por
meio de questionários e oficinas, obtivemos o conceito dos alunos para Literatura, a
fim de que se contrastasse com o de Abreu. Tendo em mãos a definição dos
estudantes, objetivamos auxiliá–los na elaboração de um conceito mais condizente
com a crítica literária da referida autora e, também, auxiliar os alunos em seus
estudos literários.

Palavras-chave:
Conceituação Literatura, Márcia Abreu, Alunos Ensino Médio.

Ítalo Calvino, certa vez, conceituou “literatura” com critérios estéticos e


subjetivos, dando-nos uma acepção artística, diferenciando-se das definições
sustentadas pela crítica literária e ensinadas em sala de aula.

De acordo com Calvino (Calvino, 1997),

A literatura segue itinerários que costeiam ou transpõem as barreiras das


interdições, que levam a dizer o que não podia ser dito; inventar em
literatura é redescobrir palavras e histórias deixadas de lado pela
memória coletiva e individual. (p.77)
Conforme se observa, a definição de Calvino, dado seu caráter artístico, já
mencionado anteriormente, afasta-se do conceito científico da disciplina, sustentado
pelos manuais de ensino de literatura e programas de vestibulares.

No intento de esclarecer e determinar qual a definição de literatura adotada em


sala de aula, nas classes de literatura e/ou língua portuguesa, que direciona o ensino da
disciplina em turmas do ensino médio, analisamos os programas de literatura de
vestibulares das universidades públicas da capital paraense, com a tarefa de ministrar
oficinas, nas quais se trabalhassem a disciplina literatura.

Percebemos que tais programas exigem determinado número de leituras de


alguns clássicos da literatura em língua portuguesa pelos alunos: são grandes obras e
autores, identificados como representantes de textos literários ou Grande Literatura, que
precisam ser discutidos durante os três anos do ensino médio. No entanto, as mesmas
diretrizes curriculares não esclarecem porque as referidas obras e autores selecionados
constituem a Grande Literatura e devem ser estudadas e sequer conceituam a disciplina.

Nesse contexto, julgamos necessário, antes mesmo de ministrar as oficinas,


esclarecer com os alunos qual o conceito de literatura que possuíam/conheciam. Nesse
momento, esbarramos em outra problemática: se nem os programas que exigem o
trabalho com a literatura em sala de aula a conceituam, como poderíamos requerer esse
conceito dos estudantes?

Nessa seara, então, percebemos a importância de, ao se trabalhar com obras


literárias em sala de aula, explicar porque as referidas obras são alvo de estudo e
constituem o cânone literário; para tanto, é necessário, pois, conceituar “literatura”,
outra tarefa nada amena, dada a polivalência do termo que, somente na edição eletrônica
do dicionário Houassis da Língua Portuguesa[1] admite, entre acepções e locuções,
mais de vinte significados.

Como se vê, conceituar “literatura” compreende uma tarefa árdua e de


definições subjetivas, visto que não há consenso entre as correntes literárias e os críticos
que se determinam a fazê-lo, sendo, então, poucos que alcançam um objetivo que
satisfaça o entendimento dos leitores comuns. Tampouco há uma definição, por mais
completa e substancial que seja, que anule as demais e possa, então, ser tomada como
correta e única viável. Dessa forma, surgem dissonâncias quanto a tal conceituação,
tornando-se, pois, o referido termo um conceito muito fluído e que varia com certa
facilidade, dependendo de quem o aprecia e de suas respectivas particularidades e
idiossincrasias.

No entanto, toda e qualquer disciplina, ao ser estudada, merece uma definição


que aponte caminhos e dê subsídios para seu estudo; e com a Literatura não seria
diferente. Nesse contexto, quando se trata de estudá-la, a definição que tomamos
direciona conceitos determinantes para se afirmar que um texto é (ou não) literário.
Desse modo, o primeiro contato que o estudante tem com a disciplina “Literatura” pode
determinar a forma como este aprecia e conceitua um texto literário. Esta primeira
experiência é, geralmente, mediada por um professor; logo, cabe a este profissional
adotar uma definição que explicite ao aluno o real objeto de estudo da Literatura e que
lhe sirva de base para discernir um texto literário de outros não-literários, ou seja, tornar
o aluno apto a perceber o que aquele tem de literatura/literário que os outros não têm.

Nesse sentido, qualquer que seja a teoria e definição adotadas pelo professor de
Língua Portuguesa ou de Literatura, quando de sua prática docente, é passível de
críticas e constantes reformulações.

Sendo assim, conforme a corrente de estudos literários que adotemos para


análise e ensino de textos literários, na escola, o próprio conceito de Literatura se
modifica, ganhando definições que se diferenciam umas das outras. Assim, ao se
trabalhar Literatura em sala de aula, enquanto corrente de estudos de uma produção
bibliográfica em dado momento e território, o profissional de Letras pode lançar mão de
diversas concepções para o termo, as quais orientarão seu trabalho didático e
consequente entendimento e apropriação do objeto de estudo pelos alunos. Acresce-se a
isso os conhecimentos prévios trazidos pelos estudantes à escola acerca da disciplina,
sua importância e objeto de estudo.

Nesse momento, diversos são os autores que podem orientar o trabalho docente
e pautar a definição do termo, emergindo, portanto, conceitos subjetivos, tais como
Literatura é a expressão de conteúdos ficcionais, por meio da escrita (Moisés, 2007);
Literatura é um sistema composto pela tríade obra, autor, leitor de dada época histórica
(Candido, 2006); Literatura é uma questão centralizada em aspectos textuais e de
linguagem, minimizando fatores extratextuais (Souza, 2005). Os referidos conceitos,
eleitos pelo cânone, tornam-se insuficientes para definição de literatura, visto que
consideram apenas aspectos imanentes ao texto.

Márcia Abreu, por seu turno, no livro Cultura letrada: literatura e leitura (2006),
revisita o termo na busca de uma definição mais esclarecedora, ressaltando o valor
social como critério para classificação de textos, conforme esclarece (Abreu, 2006):

(...) na maior parte das vezes, não são critérios lingüísticos, textuais ou
estéticos que norteiam essa seleção de escritos e autores. Dois textos
podem fazer uso semelhante da linguagem, podem contar histórias
parecidas e, mesmo assim, um pode ser considerado literatura e outro
não. (p.39)

Na perspectiva da autora, portanto, não somente elementos inerentes ao texto o


tornam literário, mas também elementos extralingüísticos como, por exemplo, o espaço
que lhe é dado pela crítica e a valorização dada pelas instâncias de legitimação –
universidades, escolas, suplementos culturais de jornais, intelectuais – baseada em
posicionamentos político-ideológicos e sociais. Ou seja, um texto se consagra como
literário por meio de aspectos outros que fogem ao texto em si, logo, o caráter literário
não está somente na linguagem, na forma, em elementos intrínsecos, mas também no
modo como o leitor e, principalmente, a crítica lidam com esse texto, pois segundo
Márcia Abreu (Abreu, 2006),

Estamos tão habituados a pensar na literariedade intrínseca de um texto


que temos dificuldade em aceitar a idéia de que não é o valor interno à
obra que a consagra. O modo de organizar o texto, o emprego de certa
linguagem, a adesão a uma convenção contribuem para que algo seja
literário. Mas esses elementos não bastam. A literariedade vem também
de elementos externos ao texto, como nome do autor, mercado editorial,
grupo cultural, critérios críticos em vigor. (p.41)

Em posse de tal conceito e estudo propostos por Abreu, fomos, finalmente, aos
alunos de ensino médio da Escola Estadual de Ensino Médio Pedro Amazonas Pedroso,
em Belém do Pará, público interessado em aprender, afinal de contas, o que se estuda
em literatura e o que é um texto literário. O primeiro contato com o grupo se deu por
meio de questionários, por meio dos quais obtivemos conceitos dos alunos para a
disciplina.

Esses questionários contêm vinte e seis perguntas, em um total de vinte e uma


subjetivas, dentre as quais consta “O que você entende por literatura?” Em um universo
de amostragem de sessenta questionários, distribuídos entre alunos dos três turnos
(manhã, tarde e noite) da escola, obtivemos as mais variadas respostas para o referido
questionamento. Desse total de sessenta respostas, escolhemos dez por cento,
agrupando-as por semelhanças em dois grupos distintos, os quais aqui chamaremos de
grupo A e grupo B[2]. Aquele correspondendo às respostas mais condizentes com o que
determina o cânone e o outro apresentando respostas incoerentes.

Grupo A

1. “As formas de expressões dos poetas, músicos, artistas e etc...”

2. “Clássicos literários... de grandes autores.”

3. “Uma época de transição onde vários autores e obras se


firmaram nessa época e marcaram a história e que são importantíssimos para a
aprendizagem nos dias de hoje.”

Grupo B
1. “Nada.”

2. “Que a literara (literatura) é a disciplina que estuda as obras de


todos os autores que tinham uma boa leitura.”

3. “A literatura lida muito com as leituras.”

Podemos perceber, portanto, que as respostas do grupo A seguem o padrão de


um aluno que tem pouco conhecimento acerca do conceito de literatura, mas que já se
apodera de algumas noções, com respostas óbvias, as quais não formulam uma
definição clara, mas, apenas, alinham exemplos, o que não constitui um conceito restrito
e abstrato.

O grupo B, no entanto, mostra total desconhecimento sobre o que se estuda em


Literatura, limitando-se apenas a apresentar respostas que demonstram completa
inconsistência e impertinência ao conceito de literatura.

Assim, as respostas à referida pergunta divergem muito umas das outras, o que
demonstra desde um juízo parcial sobre o que os estudantes entendem por literatura até
a completa desinformação.

Tendo em mãos essas definições dos estudantes, objetivamos, então, auxiliá-los,


por meio de oficinas, na apropriação do conceito de literatura definido pelo cânone, por
meio de discussões, chegando, então, à elaboração de um conceito próprio dos
estudantes mais condizente com a apreciação de Márcia Abreu e, também, assessorá-los
em seus estudos literários para que possam, seguramente, diferenciar um texto literário
de outro não-literário e afirmar porque um é literatura, enquanto outro não o é.

Esperamos, por fim, que os alunos, ao término das oficinas, consigam analisar
obras literárias de modo crítico e possam identificar quais as instâncias de legitimação
propostas por Abreu, as quais determinam o caráter literário de determinado texto. E,
assim, definir o que assegura à dada obra seu lugar na Grande Literatura em detrimento
de outras, por mais que ambas apresentem temáticas e trabalho com a linguagem de
forma semelhante.
Referências

ABREU, M. Cultura letrada: literatura e leitura. São Paulo: UNESP, 2006.

CALVINO, I. A combinatória e a arte da narrativa. In: LUCCIONI, G. et. al. A


atualidade do mito. São Paulo: Duas Cidades, 1977. p. 75-80.

CANDIDO, A. Literatura como sistema. In: _____. Formação da Literatura


Brasileira momentos decisivos, 1750-1880. 10 ed. Rio de Janeiro, Ouro sobre Azul,
2006. Cap. 1, p. 25-27.

LITERATURA. In: DICIONÁRIO Houassis da língua portuguesa. Disponível em:


<http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=literatura&stype=k>. Acesso em 08 jul.
2009.

MOISÉS, M. A análise literária. 16 ed. São Paulo: Cultrix, 2007.

SOUZA, R. A. de. Teoria da literatura. 9 ed. São Paulo: ática, 2004.

[1]HOUASSIS. Disponível em:


<http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=literatura&stype=k>
. Acesso em 08 de julho de 2009.

[2] Optamos, nesse trabalho, por manter a escrita fiel dos alunos,
nos exemplos citados.

Você também pode gostar