Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
LITERATURA
AULA 5
2
Pensar sobre as escolas literárias, sobretudo no que diz respeito à
literatura brasileira, é, pois, uma oportunidade. Trata-se de um momento
estratégico da nossa formação na graduação em Letras para relacionar
características de determinado período para o projeto narrativo e poético de cada
autor, pensando a literatura não apenas como fonte para demonstrar certo
espírito e registro do tempo, mas também como centro de enunciados, um
espaço de discursos e de conflitos.
A ideia não será nos aprofundar em cada escola literária, justamente
porque isso será estudado em detalhes em disciplinas como Literatura Brasileira.
O desafio será, mais uma vez, atribuir novos significados a conteúdos que
porventura já tenham sido vistos, garantindo um nivelamento das informações
mais importantes.
Como temos feito ao longo de toda a nossa jornada, esta aula também
contará com a divisão de seções, o que permite a consulta mais organizada e o
estudo por meio dos eixos temáticos que você procura. Neste encontro, todo o
nosso raciocínio estará dividido pelas seguintes etapas:
1. Contextualizando;
2. Historiografia literária: ainda um caminho possível para estudar?;
3. Cânone literário: seleção e recorte;
4. Formação da literatura brasileira: a visão de Antonio Candido;
5. Literatura brasileira: escolas literárias;
TEMA 1 – CONTEXTUALIZANDO
3
no entanto, como, durante séculos, uma perspectiva congelada do pensar
literário acabou sendo a responsável por concretar as bases para que
classificássemos e estudássemos a literatura. Trata-se de uma espécie de mapa
no qual nomes e obras poderiam explicar do que se trata certo conjunto literário.
O que isso quer dizer na prática? Ora, tente fazer um exercício rápido,
contando apenas com a sua memória. Se fosse para elencar, neste momento,
representantes da literatura brasileira, por exemplo, quais seriam os primeiros
nomes descritos? Você seria capaz de listar, rapidamente, ao menos três?
Diante de sua experiência como leitor médio e, claro, por conta de todo o trajeto
escolar, é muito provável que a resposta tenha sido afirmativa. É bem possível,
aliás, que, na lista imaginária de cada um, tenha surgido ao menos um destes
três nomes: Machado de Assis, José de Alencar e Gonçalves de Magalhães.
E, se juntamos o fato de que o desafio é feito a você, estudante de Letras, não
seria um exagero pensar que a lista não se contentou e parou apenas em três
nomes. Sem querer se aprofundar, para um leitor assíduo, não é difícil somar
aos exemplos anteriores os seguintes: Castro Alves, Olavo Bilac, Álvares de
Azevedo, Aluísio de Azevedo, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Euclides da
Cunha, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, João Cabral de Melo
Neto, Rubem Fonseca, Érico Veríssimo, Jorge Amado etc.
Mais do que propor um teste, a pergunta realizada anteriormente é uma
maneira de contextualizar como, ao longo dos anos, criamos um arcabouço de
referências. Em casos de leitores que não vivenciaram a literatura em sua
formação e rotina, é plausível que alguns dos nomes que serviram de exemplo
acabaram soando familiares, ainda que as suas obras não tenham sido lidas ou
que não estejam tão frescas na memória. Tudo isso ajuda a tocar em um ponto
crucial desta aula, e que deve fazer parte das suas reflexões como beletrista
daqui para frente: o que sabemos sobre a literatura pode, muitas vezes, estar
ligado não à nossa rotina leitura, mas ao que os manuais – as chamadas
historiografias literárias – selecionam como a representação de determinado
corpus ou conjunto literário.
Com base nessa constatação, poderíamos realizar outra pergunta: “mas,
afinal, conhecer o nome de Machado de Assis, por exemplo, mesmo que eu
nunca tenha lido uma de suas obras, é um problema?”. A resposta é complexa,
obviamente. O que se pode dizer, com toda a certeza, é que o problema não
está no saber ou reconhecer um nome, mas limitar esse conhecimento em um
4
dado cristalizado. A literatura existe efetivamente quando possibilitamos que ela
faça parte de nossa vida. Como estudante de Letras, é necessário sair da fase
de memorizar e começar a vivenciar os estudos literários. E como podemos fazer
isso? A resposta já é sabida: lendo, criando senso crítico, construindo
significados por meio de um texto literário.
Ter o nome de um escritor apenas como um pano de fundo, sem
conseguir relacioná-lo a uma obra, a um momento ou a uma temática é mais do
que comum. Na verdade, trata-se de um reflexo de como a literatura é
apresentada formalmente – e mecanicamente – por meio dos seus principais
manuais: as historiografias literárias. Tal como sugere o nome, uma
historiografia literária refere-se a um gênero específico, que usa toda a natureza
epistemológica – os conhecimentos e a forma de estudar determinado tema – do
discurso histórico para organizar e estudar o que uma sociedade ou cultura
entende como literatura. Veremos, na próxima seção, alguns dos nomes de
críticos e teóricos interessados nas historiografias literárias. Nesta fase de
contextualização, no entanto, já tomamos tal dado para demonstrar que aqueles
nomes que surgiram em nosso teste de memória estão diretamente relacionados
ao que é registrado e cultuado por esse tipo de obra.
Grande parte do nosso conhecimento da literatura, por isso, advém do
que foi selecionado e cultuado ao longo do tempo pelos responsáveis dessas
historiografias literárias. Em uma das historiografias literárias mais simbólicas
para os estudos literários brasileiros, Formação da literatura brasileira (1957),
Antonio Candido reforçará o fato de que a perspectiva histórica está presente
para a arquitetura desse tipo de obra, “[...] pressupondo que as obras se
articulam no tempo, de modo a se poder discernir uma certa determinação na
maneira por que são produzidas e incorporadas ao patrimônio de uma
civilização.” (Candido, 2000, p. 29, grifos nossos).
Perceba, pois, que a fala de Candido salienta a ideia de “patrimônio de
uma civilização”. Ao refletirmos sobre tal questão com atenção e espírito crítico,
ficará mais claro que a proposição trará questões positivas e negativas. No que
diz respeito à esfera positiva, bastaria dizer que tomamos sempre um patrimônio
como algo a ser cuidado, respeitado e perpetuado. É por meio de um patrimônio
que determinado local, grupo ou país pode ser reconhecido e admirado,
revelando características particulares, traços distintivos, representações
culturais, sociais e históricas. Ligar uma historiografia literária à responsabilidade
5
de reunir um patrimônio é, portanto, algo de extrema relevância. A grande
questão é que tudo aquilo que não estará contemplado por uma historiografia
literária pode ser tomado por alguns como “não importante, desnecessário ou de
baixo valor”. Isso é negativo? Evidente que sim. Sobretudo porque, juntos, já
descobrimos que a ideia de literatura transcende a questões formais, ao uso
criativo da linguagem. Ao estar também ligada a escolhas e convenções de um
grupo, há o risco de que nomes e obras acabem não sendo os escolhidos pelas
historiografias literárias. Nesse caso, o que estudamos como literatura não é o
todo, mas apenas uma parte.
Fica mais clara agora nossa afirmação na seção de apresentação,
quando foi dito que seria necessário retomar as nossas discussões do início da
disciplina? Toda a nossa discussão a respeito do que é considerado literatura
acaba encontrando, nas historiografias literárias, uma espécie de centro único
de referência. Aí está o perigo: não podemos tomar como verdade absoluta
apenas o que figura em um compêndio, uma vez que, como todo produto
resultado de uma narrativa, as historiografias literárias traduzem um tempo, um
olhar e, principalmente, um recorte. Isso significa que os estudos literários não
consideram as historiografias literárias? Como veremos a seguir, não,
absolutamente. Essa reflexão ratifica apenas que a relação com tais obras, seja
enquanto estudante de Letras, seja enquanto pesquisador, deve ser sempre
balizada por um comportamento crítico e relativizador.
6
Antes disso, concentremo-nos em uma breve explicação a respeito da
história relacionada às historiografias literárias. Com base na alusão à figura de
Aristóteles e à obra Poética, havíamos comentado sobre como os discursos
histórico e ficcional acabam comungando uma narratividade comum, bem como
que sua diferenciação está ligada, muitas vezes, ao grau de observação de quem
é responsável por relatar. No caso específico da literatura, descobrimos que o
seu discurso está diretamente ligado com o conceito da mimese ou
representação e imitação de dada realidade. Pois bem, pensando no contexto
de países da América Latina, é interessante salientar como os agentes
responsáveis por legitimar o nascimento das novas nações, sobretudo a partir
do início do século XIX, acabaram sendo os responsáveis por consolidar ora o
discurso histórico, ora o discurso ficcional. Em sua obra Ficções de Fundação
(2004), a crítica Doris Sommer discorrerá exatamente sobre isso, relembrando a
participação de estadistas e de ilustrados para a formulação de obras como
gramáticas linguísticas e das historiografias. Em caráter anedótico, poderíamos
citar, aqui, nomes como os de Domingo Faustino Sarmiento, Andrés Bello e, no
Brasil, de certa forma, do próprio escritor José de Alencar. Ficou a cargo de
alguns representantes do discurso oficial a função de contar uma perspectiva
dos relatos e, ao mesmo tempo, criar novas expressões por meio da literatura.
Além de registrarem nessas obras apenas uma versão ou perspectiva, vale
lembrar que esses nomes da história e da literatura acabavam representando
uma fração da realidade do país, estando concentrados em poucas cidades ou,
como diria o sociológico francês Pierre Bourdieu, em campos intelectuais de
poder, responsáveis por sacramentar o fenômeno de “conservação cultural”
(Bourdieu, 2002, p. 38).
No contexto ocidental, sabe-se que foi justamente ao longo de todo o
século XIX, ou seja, no período do Romantismo (ocorrido a partir da Revolução
Francesa de 1789), que a história da literatura acabou se consagrando também
como um gênero literário. Um nome, no entanto, é o grande responsável para
fundar as bases da criação das historiografias literárias é o de Quintiliano.
Professor de retórica e escritor do período romano, Quintiliano foi um dos
primeiros pensadores a buscar a sistematização e a construção de um catálogo
de textos e de escritores que deveriam ser estudados. A partir dele e do ímpeto
de reunir apenas alguns “merecedores”, como bem lembra Otto Maria Carpeaux,
nasce o conceito de “Tábua de Valores” para a literatura. Mediante postura
7
cristalizada e que não permite relativizações, as historiografias literárias
transformam-se em um instrumento sagrado de legitimação, demonstrando o
quanto os seus responsáveis
2Tradução: “[...] É uma leitura do presente em direção ao passado, para decidir o que ensinar, o
que antologar, como fazer para que certos livros permaneçam vivos e sejam lido pelas gerações
que nos seguem”.
9
Em sua reflexão, Andruetto esclarece como a proposta de criação de um
cânone literário está diretamente ligada ao que ensinar, o que mostrar e,
principalmente, como ler determinadas obras. Cânone literário, portanto, está
ligado a um processo duplo de seleção e recorte. Quando uma historiografia
seleciona certas obras, ao mesmo tempo, recorta uma parte, excluindo outros
tantos textos e escritores possíveis. Para nós, estudantes e pesquisadores de
Letras, tal compreensão passa a ser fundamental e deve nos alertar,
diariamente, sobre a importância de que possamos estabelecer diálogos e nos
comprometer em querer pesquisar. Tal como aponta o teórico brasileiro Eduardo
Coutinho, é preciso sempre ter em mente que “[e]l canon literario, […] no es una
entidad fija, natural, sino una construcción como otra cualquiera,
ideológicamente marcada y sujeta a intereses de un orden eminentemente
político; de este modo, él es mutable y enteramente dependiente de la mirada
que le da forma”3 (Coutinho, 2005, p. 123).
Sobre a questão do recorte que acaba por relativizar a objetividade crítica,
Antonio Candido, em uma passagem do seminal Formação da literatura
brasileira, traça a seguinte reflexão:
3“[O] cânone literário, [...] Não é uma entidade fixa, natural, mas uma construção como outra
qualquer, ideologicamente marcada e sujeita a interesses de uma ordem eminentemente política;
desse modo, ele é mutável e inteiramente dependente da perspectiva que lhe dá forma”.
10
entre literatura e sociedade. Segundo o próprio Antonio Candido, há diferentes
maneiras de se estudar a literatura, um reflexo das contribuições recebidas entre
os séculos XIX e XX, “[...] graças à intervenção da filosofia e da história, que a
libertaram dos gramáticos e retores. Se esta operação de salvamento teve
aspectos excessivos e acabou por lhe comprometer a autonomia, foi ela que a
erigiu em disciplina viva.” (Candido, 2000, p. 32).
Para esta aula é fundamental que nos detenhamos a uma obra particular,
a historiografia literária Formação da literatura brasileira, redigida entre as
décadas de 1940 e 14950 e publicada em dois volumes. Desde o prefácio para
a primeira edição de 1957, Antonio Candido será categórico ao afirmar que
“[c]ada literatura requer tratamento peculiar, em virtude dos seus problemas
específicos ou da relação que mantém com outras. A brasileira é recente,
gerou no seio da portuguesa e dependeu da influência de mais duas ou três
para se constituir.” (Candido, 2000, p. 09, grifos nossos). A percepção de que
a literatura brasileira seria “recente” está diretamente ligada a uma maneira de
estudar a literatura, a um preceito de anterioridade, afinal, e Candido acaba
fazendo relações com literaturas forjadas anteriormente. A perspectiva de
filiação à literatura do colonizador e de outros ramos da literatura ocidental fez
com que a obra Formação da literatura brasileira gerasse certa polêmica,
sobretudo diante de afirmações tão taxativas como a retratada a seguir:
Salvo melhor juízo, sempre provável em tais casos, isto ocorre a partir
dos meados do século XVIII, adquirindo plena nitidez na primeira
metade do século XIX. Sem desconhecer grupos ou linhas temáticas
anteriores, nem influências como as de Rocha Pita e Itaparica, é com
os chamados árcades mineiros, as últimas academias e certos
intelectuais ilustrados, que surgem homens de letras formando
conjuntos orgânicos e manifestando em graus variáveis a vontade de
fazer literatura brasileira. Tais homens foram considerados fundadores
12
pelos que o sucederam, estabelecendo-se deste modo uma tradição
contínua de estilos, temas, formas ou preocupações. Já que é preciso
um começo, tomei como ponto de partida as Academias dos Seletos e
dos Renascidos e os primeiros trabalhos de Cláudio Manuel da Costa,
arredondando, para facilitar, a data de 1750, na verdade puramente
convencional. (Candido, 2000, p. 25)
15
Parnasianismo: da mesma forma que a escola Simbolista, o
Parnasianismo bebe da inspiração de poetas como Charles Baudelaire e
Mallarmé, reverberando o espírito decadentista do final do século XIX e a
ideia de que a poesia deveria se afastar do cotidiano endurecido pelo afã
burguês. As contribuições para o gênero lírico são, sem dúvida, mais
proeminentes, com grande interesse pelo rigor, pela forma e pela
sonoridade. Destacam-se, aqui, nomes como Olavo Bilac, Alberto de
Oliveira e Raimundo Correia.
Modernismo: a escola modernista brasileira abre um capítulo novo para
a literatura. Alicerçada por seu manifesto e voltada à busca da
experimentação e inovação constantes, o Modernismo demarca um
período de grandes transformações no plano literário, cada vez mais
disposto a uma expressão de identidade. Em muitas historiografias, será
possível observar a atuação de uma fase intitulada de pré-modernista,
anterior à Semana de Arte Moderna Brasileira de 1922, da qual fizeram
parte escritores como Euclides da Cunha, Lima Barreto e Monteiro
Lobato. Da mesma forma que no Romantismo, por conta das
idiossincrasias e particularidades de alguns projetos, a escola modernista
acaba sendo dividida pedagogicamente em três momentos ou gerações.
Primeira Geração: Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel
Bandeira, além dos pintores Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Menotti Del
Picchia; Segunda Geração: Carlos Drummond de Andrade, Manuel
Bandeira, Cecília Meireles, Jorge de Lima, Murilo Mendes, José Lins do
Rego, Jorge Amado, Raquel de Queiroz, Érico Vérissimo; Terceira
Geração: Clarice Lispector, Guimarães Rosa, entre outros.
16
NA PRÁTICA
FINALIZANDO
17
listando, de forma objetiva e panorâmica, alguns dos nomes que voltarão a ser
estudados em outras disciplinas.
18
REFERÊNCIAS
20