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FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA

LITERATURA
AULA 5

Prof. Phelipe de Lima Cerdeira


CONVERSA INICIAL

Estimado aluno, seja bem-vindo a mais uma de nossas aulas.


Este é, sem dúvida, um momento bastante expressivo de nossa disciplina.
Isso porque, juntos, já percorremos diversas questões que fazem parte dos
estudos literários e que, certamente, serão expandidas ao longo de toda a sua
formação na graduação em Letras. Desde o início, nosso desafio é fazer com
que possamos (re)pensar nossa relação com a literatura, valorizando a
importância da fruição e da leitura enquanto ação de construção de múltiplos
significados. Foi por meio dessas premissas, aliás, que discutimos eixos como a
ideia da literatura; a relação entre sociedade e o contexto literário; além de
explicitarmos questões como os gêneros literários, os estudos da narratologia e
os aspectos específicos do gênero lírico.
Para iniciar o nosso último terço da disciplina, é fundamental que você
resgate, em seu horizonte de leituras, todas as discussões realizadas, quando
dedicamos atenção para desconstruir a ideia de que a literatura pode ser
sistematizada apenas por conta de uma natureza estrutural específica ou aquilo
que os estruturalistas russos intitulavam como literariedade. A constatação de
que ao texto literário estão ligadas também propriedades extratextuais –
convenções no âmbito social e histórico, por exemplo – será o nosso ponto de
partida para que possamos estudar como se constituíram as historiografias
literárias e, por conseguinte, o cânone literário.
Após contextualizar brevemente a relevância das historiografias para
definir o que é – e, muitas vezes, o que deve ser – estudado, será possível
entender a formulação das chamadas escolas literárias ou movimentos literários.
Por conta de sua experiência na Educação Básica e, principalmente, nas aulas
do Ensino Médio, esse momento pode trazer à tona certa experiência de estudo,
que acabou fazendo com que a visão da literatura fosse apenas o resultado de
uma justaposição de datas e de nomes, sem que tensionamentos contextuais e
comparações pudessem ser realmente realizados de maneira interessante. Será
possível perceber que a intenção é fugir justamente do que o crítico brasileiro
Antonio Candido chamou de “exageros do velho método histórico”, responsável
por reduzir “a literatura a episódio de investigação sobre a sociedade, ao tomar
indevidamente as obras como meros documentos, sintomas da realidade social”
(Candido, 2000, p. 29).

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Pensar sobre as escolas literárias, sobretudo no que diz respeito à
literatura brasileira, é, pois, uma oportunidade. Trata-se de um momento
estratégico da nossa formação na graduação em Letras para relacionar
características de determinado período para o projeto narrativo e poético de cada
autor, pensando a literatura não apenas como fonte para demonstrar certo
espírito e registro do tempo, mas também como centro de enunciados, um
espaço de discursos e de conflitos.
A ideia não será nos aprofundar em cada escola literária, justamente
porque isso será estudado em detalhes em disciplinas como Literatura Brasileira.
O desafio será, mais uma vez, atribuir novos significados a conteúdos que
porventura já tenham sido vistos, garantindo um nivelamento das informações
mais importantes.
Como temos feito ao longo de toda a nossa jornada, esta aula também
contará com a divisão de seções, o que permite a consulta mais organizada e o
estudo por meio dos eixos temáticos que você procura. Neste encontro, todo o
nosso raciocínio estará dividido pelas seguintes etapas:

1. Contextualizando;
2. Historiografia literária: ainda um caminho possível para estudar?;
3. Cânone literário: seleção e recorte;
4. Formação da literatura brasileira: a visão de Antonio Candido;
5. Literatura brasileira: escolas literárias;

É importante reforçar que, ao falar de literatura, espera-se que a leitura


seja sempre uma ação presente e necessária. Contamos com a sua
participação aqui e em nossas conversas por meio de videoaulas, fóruns e
atividades extracurriculares oferecidas. Que possamos estabelecer um diálogo
profícuo até o final deste módulo, (re)descobrindo um mundo chamado literatura.
Bons estudos!

TEMA 1 – CONTEXTUALIZANDO

Desde o início, quando aludimos a críticos como Tzvetan Todorov,


Antoine Compagnon, Terry Eagleton e, no contexto brasileiro, Antonio Candido,
procurávamos salientar como cada um, à sua maneira, problematizou a ideia de
literatura condicionada a dado tempo histórico e social. Tal afirmação, bem
verdade, já está mais do que discutida em nossa disciplina. Resta-nos pensar,

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no entanto, como, durante séculos, uma perspectiva congelada do pensar
literário acabou sendo a responsável por concretar as bases para que
classificássemos e estudássemos a literatura. Trata-se de uma espécie de mapa
no qual nomes e obras poderiam explicar do que se trata certo conjunto literário.
O que isso quer dizer na prática? Ora, tente fazer um exercício rápido,
contando apenas com a sua memória. Se fosse para elencar, neste momento,
representantes da literatura brasileira, por exemplo, quais seriam os primeiros
nomes descritos? Você seria capaz de listar, rapidamente, ao menos três?
Diante de sua experiência como leitor médio e, claro, por conta de todo o trajeto
escolar, é muito provável que a resposta tenha sido afirmativa. É bem possível,
aliás, que, na lista imaginária de cada um, tenha surgido ao menos um destes
três nomes: Machado de Assis, José de Alencar e Gonçalves de Magalhães.
E, se juntamos o fato de que o desafio é feito a você, estudante de Letras, não
seria um exagero pensar que a lista não se contentou e parou apenas em três
nomes. Sem querer se aprofundar, para um leitor assíduo, não é difícil somar
aos exemplos anteriores os seguintes: Castro Alves, Olavo Bilac, Álvares de
Azevedo, Aluísio de Azevedo, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Euclides da
Cunha, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, João Cabral de Melo
Neto, Rubem Fonseca, Érico Veríssimo, Jorge Amado etc.
Mais do que propor um teste, a pergunta realizada anteriormente é uma
maneira de contextualizar como, ao longo dos anos, criamos um arcabouço de
referências. Em casos de leitores que não vivenciaram a literatura em sua
formação e rotina, é plausível que alguns dos nomes que serviram de exemplo
acabaram soando familiares, ainda que as suas obras não tenham sido lidas ou
que não estejam tão frescas na memória. Tudo isso ajuda a tocar em um ponto
crucial desta aula, e que deve fazer parte das suas reflexões como beletrista
daqui para frente: o que sabemos sobre a literatura pode, muitas vezes, estar
ligado não à nossa rotina leitura, mas ao que os manuais – as chamadas
historiografias literárias – selecionam como a representação de determinado
corpus ou conjunto literário.
Com base nessa constatação, poderíamos realizar outra pergunta: “mas,
afinal, conhecer o nome de Machado de Assis, por exemplo, mesmo que eu
nunca tenha lido uma de suas obras, é um problema?”. A resposta é complexa,
obviamente. O que se pode dizer, com toda a certeza, é que o problema não
está no saber ou reconhecer um nome, mas limitar esse conhecimento em um

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dado cristalizado. A literatura existe efetivamente quando possibilitamos que ela
faça parte de nossa vida. Como estudante de Letras, é necessário sair da fase
de memorizar e começar a vivenciar os estudos literários. E como podemos fazer
isso? A resposta já é sabida: lendo, criando senso crítico, construindo
significados por meio de um texto literário.
Ter o nome de um escritor apenas como um pano de fundo, sem
conseguir relacioná-lo a uma obra, a um momento ou a uma temática é mais do
que comum. Na verdade, trata-se de um reflexo de como a literatura é
apresentada formalmente – e mecanicamente – por meio dos seus principais
manuais: as historiografias literárias. Tal como sugere o nome, uma
historiografia literária refere-se a um gênero específico, que usa toda a natureza
epistemológica – os conhecimentos e a forma de estudar determinado tema – do
discurso histórico para organizar e estudar o que uma sociedade ou cultura
entende como literatura. Veremos, na próxima seção, alguns dos nomes de
críticos e teóricos interessados nas historiografias literárias. Nesta fase de
contextualização, no entanto, já tomamos tal dado para demonstrar que aqueles
nomes que surgiram em nosso teste de memória estão diretamente relacionados
ao que é registrado e cultuado por esse tipo de obra.
Grande parte do nosso conhecimento da literatura, por isso, advém do
que foi selecionado e cultuado ao longo do tempo pelos responsáveis dessas
historiografias literárias. Em uma das historiografias literárias mais simbólicas
para os estudos literários brasileiros, Formação da literatura brasileira (1957),
Antonio Candido reforçará o fato de que a perspectiva histórica está presente
para a arquitetura desse tipo de obra, “[...] pressupondo que as obras se
articulam no tempo, de modo a se poder discernir uma certa determinação na
maneira por que são produzidas e incorporadas ao patrimônio de uma
civilização.” (Candido, 2000, p. 29, grifos nossos).
Perceba, pois, que a fala de Candido salienta a ideia de “patrimônio de
uma civilização”. Ao refletirmos sobre tal questão com atenção e espírito crítico,
ficará mais claro que a proposição trará questões positivas e negativas. No que
diz respeito à esfera positiva, bastaria dizer que tomamos sempre um patrimônio
como algo a ser cuidado, respeitado e perpetuado. É por meio de um patrimônio
que determinado local, grupo ou país pode ser reconhecido e admirado,
revelando características particulares, traços distintivos, representações
culturais, sociais e históricas. Ligar uma historiografia literária à responsabilidade

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de reunir um patrimônio é, portanto, algo de extrema relevância. A grande
questão é que tudo aquilo que não estará contemplado por uma historiografia
literária pode ser tomado por alguns como “não importante, desnecessário ou de
baixo valor”. Isso é negativo? Evidente que sim. Sobretudo porque, juntos, já
descobrimos que a ideia de literatura transcende a questões formais, ao uso
criativo da linguagem. Ao estar também ligada a escolhas e convenções de um
grupo, há o risco de que nomes e obras acabem não sendo os escolhidos pelas
historiografias literárias. Nesse caso, o que estudamos como literatura não é o
todo, mas apenas uma parte.
Fica mais clara agora nossa afirmação na seção de apresentação,
quando foi dito que seria necessário retomar as nossas discussões do início da
disciplina? Toda a nossa discussão a respeito do que é considerado literatura
acaba encontrando, nas historiografias literárias, uma espécie de centro único
de referência. Aí está o perigo: não podemos tomar como verdade absoluta
apenas o que figura em um compêndio, uma vez que, como todo produto
resultado de uma narrativa, as historiografias literárias traduzem um tempo, um
olhar e, principalmente, um recorte. Isso significa que os estudos literários não
consideram as historiografias literárias? Como veremos a seguir, não,
absolutamente. Essa reflexão ratifica apenas que a relação com tais obras, seja
enquanto estudante de Letras, seja enquanto pesquisador, deve ser sempre
balizada por um comportamento crítico e relativizador.

TEMA 2 – HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA: AINDA UM CAMINHO POSSÍVEL


PARA ESTUDAR?

No tema Contextualização, iniciamos uma reflexão a respeito das


historiografias literárias e de como tais obras acabam concentrando e definindo
padrões e caminhos para se pensar a literatura de determinado país, por
exemplo. Por essa razão, o crítico literário argentino Saúl Sosnowski faz questão
de relembrar que a criação de toda e qualquer historiografia literária é um “acto
político” (Sosnowski, 2015, p. 109, grifos nossos), voltado a criar certa tradição
ou “formular un legado” (Sosnowski, 2015, p. 36). Cabe-nos, agora, dedicar mais
tempo para pensar em como se constituem essas obras e, no caso da literatura
brasileira, quais nomes e historiografias literárias podem ser tomadas como
referência para os nossos estudos e discussões.

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Antes disso, concentremo-nos em uma breve explicação a respeito da
história relacionada às historiografias literárias. Com base na alusão à figura de
Aristóteles e à obra Poética, havíamos comentado sobre como os discursos
histórico e ficcional acabam comungando uma narratividade comum, bem como
que sua diferenciação está ligada, muitas vezes, ao grau de observação de quem
é responsável por relatar. No caso específico da literatura, descobrimos que o
seu discurso está diretamente ligado com o conceito da mimese ou
representação e imitação de dada realidade. Pois bem, pensando no contexto
de países da América Latina, é interessante salientar como os agentes
responsáveis por legitimar o nascimento das novas nações, sobretudo a partir
do início do século XIX, acabaram sendo os responsáveis por consolidar ora o
discurso histórico, ora o discurso ficcional. Em sua obra Ficções de Fundação
(2004), a crítica Doris Sommer discorrerá exatamente sobre isso, relembrando a
participação de estadistas e de ilustrados para a formulação de obras como
gramáticas linguísticas e das historiografias. Em caráter anedótico, poderíamos
citar, aqui, nomes como os de Domingo Faustino Sarmiento, Andrés Bello e, no
Brasil, de certa forma, do próprio escritor José de Alencar. Ficou a cargo de
alguns representantes do discurso oficial a função de contar uma perspectiva
dos relatos e, ao mesmo tempo, criar novas expressões por meio da literatura.
Além de registrarem nessas obras apenas uma versão ou perspectiva, vale
lembrar que esses nomes da história e da literatura acabavam representando
uma fração da realidade do país, estando concentrados em poucas cidades ou,
como diria o sociológico francês Pierre Bourdieu, em campos intelectuais de
poder, responsáveis por sacramentar o fenômeno de “conservação cultural”
(Bourdieu, 2002, p. 38).
No contexto ocidental, sabe-se que foi justamente ao longo de todo o
século XIX, ou seja, no período do Romantismo (ocorrido a partir da Revolução
Francesa de 1789), que a história da literatura acabou se consagrando também
como um gênero literário. Um nome, no entanto, é o grande responsável para
fundar as bases da criação das historiografias literárias é o de Quintiliano.
Professor de retórica e escritor do período romano, Quintiliano foi um dos
primeiros pensadores a buscar a sistematização e a construção de um catálogo
de textos e de escritores que deveriam ser estudados. A partir dele e do ímpeto
de reunir apenas alguns “merecedores”, como bem lembra Otto Maria Carpeaux,
nasce o conceito de “Tábua de Valores” para a literatura. Mediante postura

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cristalizada e que não permite relativizações, as historiografias literárias
transformam-se em um instrumento sagrado de legitimação, demonstrando o
quanto os seus responsáveis

intervienen sobre todo para resguardar las fronteras de la literatura,


cuyo cuidado se adjudican, como si éstas fueran “sagradas” y ellos,
sus sacerdotes. Usan así su bien ganado prestigio, su merecido poder,
para impedir entrar a la mayor parte de lo que se escribe al reino de la
literatura, y designan a dos o tres “elegidos” a los que sí dejan entrar,
son la necesaria excepción a la regla y subrayan el poder de los
sacerdotes y la ignominia que cae sobre los que se quedan afuera1.
(Drucaroff, 2011, p. 39)

O fato de o Romantismo demarcar um momento de anseio de construção


de identidades e de bases de uma nova tradição para os novos países explica,
portanto, a razão de as historiografias literárias terem vivido uma espécie de
época de ouro, que, no caso brasileiro, prosseguiu até as primeiras décadas do
século passado. Segundo o crítico Paulo Franchetti, o século XX no Brasil foi
palco da formulação de diferentes historiografias literárias (muitas utilizadas até
hoje nas aulas de literatura), tais como as escritas por Afrânio Coutinho, Nelson
Werneck Sodré, Alfredo Bosi e, claro, Antonio Candido. Poderíamos somar a
essa lista nomes que já se dedicavam às historiografias no final do século XIX,
tais como Silvio Romero, Ronald Carvalho e José Veríssimo, responsáveis,
respectivamente, pelas obras História da Literatura Brasileira, Pequena História
e História da Literatura Brasileira.
O afã romântico pela busca do nacional, que tanto se afasta da premissa
universal neoclássica, passou a se concentrar no que seria particular,
conduzindo, assim, a lógica de diversas histórias da literatura. A grande questão
é que, diante de um contexto pós-moderno que tanto fissura a visão homogênea
da identidade e que questiona a todo tempo o que é “nacional”, a impressão de
que historiografias literárias congregam uma verdade já não poderia mais ser
defendida e aceita. É notável que, pelo menos desde a década de sessenta do
século XX, diversos críticos literários já desenvolviam reflexões sobre a
viabilidade de se pensar em uma história da literatura que fosse singular. Entre
posições mais catastróficas como as de Paulo Franchetti – que acredita que a

1 Tradução: “intervêm, sobretudo, para resguardar as fronteiras da literatura, cujo cuidado se


atribuem, como se estas fossem “sagradas” e eles os seus sacerdotes. Usam, assim, o seu
prestígio conquistado, o seu poder merecido, para impedir que entrem a maior parte do que se
escreve no reino da literatura, designando a dois ou três “eleitos” que, sim, devem entrar, afinal,
é necessária a exceção à regra; e destacam o poder dos sacerdotes e o aviltamento que cai
sobre os que acabaram ficando fora dessa seleção”.
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disciplina de história da literatura teria morrido com o tempo –, acabamos
encontrando chaves de leitura como a do professor e pesquisador Luís Bueno,
ponderando que historiar a literatura ainda segue sendo possível, desde que a
postura enciclopédia e unilateral seja abandonada por contribuições constantes,
por meio de trabalhos mais específicos, como artigos científicos, dissertações de
mestrado, teses de doutorado, entre outros. Segundo Bueno,

se eliminarmos a pretensão de se elaborarem as tais “grandes


sínteses”, o próprio crítico abre uma brecha para que o óbito seja
revertido, e a resposta, quem sabe, pode ser a de que sim, ainda há
algum conhecimento a que só a história literária pode conduzir: aquele
que, motivado por uma questão levantada pelo tempo presente, ou
seja, o do historiador da literatura, dependa da consideração de um
conjunto de experiências pertencentes a uma tradição literária. Afinal,
abandonar a pretensão de uma visão totalizadora, como se vê, não
implica necessariamente abandonar uma visão de conjunto, mas sim
assumi-la, com uma tarefa adicional: definir esse conjunto a partir de
critérios e problemas específicos. É buscar sintetizar um movimento e
não o movimento geral. (Bueno, 2012, p. 214)

TEMA 3 – CÂNONE LITERÁRIO: SELEÇÃO E RECORTE

Apostar que uma história da literatura – seja ela qual for,


independentemente da literatura que ela trate – seria capaz de sintetizar toda a
produção literária de um espaço discursivo, como vimos, é, no mínimo, ingênuo.
Ainda assim, sabemos que, por conta das historiografias literárias e de sua busca
por escrever certa tradição, acabamos nos acostumando a ler e falar de apenas
alguns autores. Lembra-se do nosso desafio inicial de compor uma breve lista
de nomes que representassem a literatura brasileira? Pois bem, ao
estabelecerem certos valores, estilos e momentos literários, as obras que traçam
a história da literatura acabam definindo o que chamamos nos estudos literários
de cânone literário. O que seria exatamente um cânone? Ao buscar uma
definição objetiva, poderíamos defini-lo como uma sistematização, um conjunto
de nomes e obras que podem ilustrar um determinado período de produção
literária. Dito de outra forma, em seu ensaio “Algunas cuestiones en torno del
canon” (2006), a escritora argentina María Teresa Andruetto ponderará que um
cânone “[...] es una lectura del presente hacia el pasado, para decidir qué
enseñar, qué antologar, cómo hacer para que ciertos libros permanezcan vivos
y sean leídos por las generaciones que nos siguen”.2 (Andruetto, 2013a, p. 07).

2Tradução: “[...] É uma leitura do presente em direção ao passado, para decidir o que ensinar, o
que antologar, como fazer para que certos livros permaneçam vivos e sejam lido pelas gerações
que nos seguem”.
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Em sua reflexão, Andruetto esclarece como a proposta de criação de um
cânone literário está diretamente ligada ao que ensinar, o que mostrar e,
principalmente, como ler determinadas obras. Cânone literário, portanto, está
ligado a um processo duplo de seleção e recorte. Quando uma historiografia
seleciona certas obras, ao mesmo tempo, recorta uma parte, excluindo outros
tantos textos e escritores possíveis. Para nós, estudantes e pesquisadores de
Letras, tal compreensão passa a ser fundamental e deve nos alertar,
diariamente, sobre a importância de que possamos estabelecer diálogos e nos
comprometer em querer pesquisar. Tal como aponta o teórico brasileiro Eduardo
Coutinho, é preciso sempre ter em mente que “[e]l canon literario, […] no es una
entidad fija, natural, sino una construcción como otra cualquiera,
ideológicamente marcada y sujeta a intereses de un orden eminentemente
político; de este modo, él es mutable y enteramente dependiente de la mirada
que le da forma”3 (Coutinho, 2005, p. 123).
Sobre a questão do recorte que acaba por relativizar a objetividade crítica,
Antonio Candido, em uma passagem do seminal Formação da literatura
brasileira, traça a seguinte reflexão:

há forçosamente na busca da coerência um elemento de escolha e


risco, quando o crítico decide adotar os traços que isolou, embora
sabendo que pode haver outros. Num período, começa por escolher os
autores que lhe parecem representativos; nos autores, as obras que
melhor se ajustam ao seu modo de ver; nas obras, os temas, imagens,
traços fugidios que o justificam. Neste processo vai muito da sua
coerência, a despeito do esforço e objetividade. Sob este aspecto,
a crítica é um ato arbitrário, se deseja ser criadora, não apenas
registradora. Interpretar é, em grande parte, usar a capacidade de
arbítrio; sendo o texto uma pluralidade de significados virtuais, é
definir o que se escolheu, entre outros. (Candido, 2000, p. 37, grifos
nossos)

TEMA 4 – FORMAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA: A VISÃO DE ANTONIO


CANDIDO

Não foram poucas as vezes que, ao longo de nossa disciplina de


Fundamentos Teóricos da Literatura, contamos com o nome e com as reflexões
críticas de Antonio Candido. O seu nome, como já dissemos, é mesmo uma
referência para os estudos literários, não apenas pela proposta de ler o texto
literário, mas pelo fato de o pesquisador estabelecer diferentes eixos discursivos

3“[O] cânone literário, [...] Não é uma entidade fixa, natural, mas uma construção como outra
qualquer, ideologicamente marcada e sujeita a interesses de uma ordem eminentemente política;
desse modo, ele é mutável e inteiramente dependente da perspectiva que lhe dá forma”.
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entre literatura e sociedade. Segundo o próprio Antonio Candido, há diferentes
maneiras de se estudar a literatura, um reflexo das contribuições recebidas entre
os séculos XIX e XX, “[...] graças à intervenção da filosofia e da história, que a
libertaram dos gramáticos e retores. Se esta operação de salvamento teve
aspectos excessivos e acabou por lhe comprometer a autonomia, foi ela que a
erigiu em disciplina viva.” (Candido, 2000, p. 32).
Para esta aula é fundamental que nos detenhamos a uma obra particular,
a historiografia literária Formação da literatura brasileira, redigida entre as
décadas de 1940 e 14950 e publicada em dois volumes. Desde o prefácio para
a primeira edição de 1957, Antonio Candido será categórico ao afirmar que
“[c]ada literatura requer tratamento peculiar, em virtude dos seus problemas
específicos ou da relação que mantém com outras. A brasileira é recente,
gerou no seio da portuguesa e dependeu da influência de mais duas ou três
para se constituir.” (Candido, 2000, p. 09, grifos nossos). A percepção de que
a literatura brasileira seria “recente” está diretamente ligada a uma maneira de
estudar a literatura, a um preceito de anterioridade, afinal, e Candido acaba
fazendo relações com literaturas forjadas anteriormente. A perspectiva de
filiação à literatura do colonizador e de outros ramos da literatura ocidental fez
com que a obra Formação da literatura brasileira gerasse certa polêmica,
sobretudo diante de afirmações tão taxativas como a retratada a seguir:

podemos imaginar um francês, um italiano, um inglês, um alemão,


mesmo um russo e um espanhol, que só conheçam os autores da sua
terra e, não obstante, encontrem neles o suficiente para elaborar a
visão das coisas, experimentando as mais altas emoções literárias.
Se isto já é impensável no caso de um português, o que se dirá de um
brasileiro? A nossa literatura é galho secundário da portuguesa,
por sua vez arbusto de segunda ordem no jardim das Musas... Os que
nutrem apenas delas são reconhecíveis à primeira vista, mesmo
quando eruditos e inteligentes, pelo gosto provinciano e falta do senso
de proporções. Estamos fadados, pois, a depender da experiência
de outras letras, o que pode levar ao desinteresse e até
menoscabo das nossas. (Candido, 2000, p. 9, grifos nossos)

A consideração de que a literatura brasileira seria uma espécie de primo


pobre, de apêndice de outra, que, por sua vez, também estava sob a égide de
literaturas mais relevantes marca um olhar crítico datado e, ao mesmo tempo,
oferece certa provocação que merece ser ouvida. Da afirmação de Candido,
parece seguir valendo não apenas o incômodo causado pela sua perspectiva,
mas o fato de que somos nós os responsáveis por reconsiderar e (re)posicionar
a nossa literatura, sem a necessidade de tomar uma literatura anterior como
necessariamente mais desenvolvida. O vinco romântico de progressão e
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evolução, bem como a necessidade de um passado épico, tão característicos de
historiografias literárias do século XIX, pode ser transformado em um afinco por
buscar outras realidades. Nesse caso, Antonio Candido planta em nosso
imaginário crítico uma irrequieta semente.
O que está registrado na historiografia de Candido e que merece a nossa
atenção passa a ser sua maneira de ver a literatura de forma geral, o que
explicará a sua linha do tempo para diferenciar o que seriam manifestações
literárias de uma literatura brasileira propriamente dita. Quando indagado a
respeito do que seria, então, a literatura, Candido a compara como “um sistema
de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas
dominantes duma fase.” (Candido, 2000, p. 23). Mesmo que aberto ao postulado
de que a literatura pode ser lida de diferentes maneiras, Candido escolhe uma
específica, calcada em uma tríade: autor, leitor e obra. Esses três eixos fundam
o que o teórico chamará de sistema literário, caracterizado pela

existência de um conjunto de produtores literários, mais ou menos


conscientes do seu papel; um conjunto de receptores, formando os
diferentes tipos de público, sem os quais a obra não vive; um
mecanismo transmissor, (de modo geral, uma linguagem, traduzida em
estilos), que liga uns a outros. (Candido, 2000, p. 23)

O impacto causado pelo estabelecimento do sistema literário é muito


maior do que alguns poderiam imaginar. Com base no pressuposto de que, para
ser literatura, é necessário que estejam ativos os elementos autor, obra e
leitor, Candido acabou inviabilizando que muitas expressões literárias
enunciadas no Brasil desde o século XVI fossem contempladas em sua
historiografia. Das crônicas de viajantes até poéticas do Barraco, tudo passou a
ser entendido como manifestação literária e não como literatura propriamente
dita. A explicação é a de que, entre os séculos XVI e a primeira metade do século
XVIII, não havia um sistema literário no país consolidado, ora por conta de obras
fora do escopo da mimese literária, ora pela não profissionalização dos autores,
ora por leitores rarefeitos ou pela ausência de uma cadeia editorial. Sobre isso,
Candido apregoa:

Salvo melhor juízo, sempre provável em tais casos, isto ocorre a partir
dos meados do século XVIII, adquirindo plena nitidez na primeira
metade do século XIX. Sem desconhecer grupos ou linhas temáticas
anteriores, nem influências como as de Rocha Pita e Itaparica, é com
os chamados árcades mineiros, as últimas academias e certos
intelectuais ilustrados, que surgem homens de letras formando
conjuntos orgânicos e manifestando em graus variáveis a vontade de
fazer literatura brasileira. Tais homens foram considerados fundadores

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pelos que o sucederam, estabelecendo-se deste modo uma tradição
contínua de estilos, temas, formas ou preocupações. Já que é preciso
um começo, tomei como ponto de partida as Academias dos Seletos e
dos Renascidos e os primeiros trabalhos de Cláudio Manuel da Costa,
arredondando, para facilitar, a data de 1750, na verdade puramente
convencional. (Candido, 2000, p. 25)

Dito anteriormente, o crítico brasileiro faz uma distinção entre


manifestações literárias (esforços individuais e não relacionados a um
movimento predominante) e literatura. Segundo Candido, o período que
compreenderia as manifestações literárias no Brasil

vai das origens, no século XVI, com os autos e cantos de Anchieta, às


Academias do século XVIII. Período importante e do maior interesse,
em que se prendem as raízes da nossa vida literária e surgem, sem
falar dos cronistas, homens do porte, de Antônio Vieira e Gregório de
Matos [...] Com efeito, embora tenha permanecido na tradição local da
Bahia, ele [referindo-se a Gregório de Matos] não existiu literariamente
(em perspectiva histórica) até o Romantismo, quando foi redescoberto,
sobretudo graças a Varnhagen; e só depois de 1882 e da edição Vale
Cabral pôde ser devidamente avaliado. (Candido, 2000, p. 24)

Na obra Literatura brasileira: uma perspectiva histórica, os autores


Ewerton Kaviski e Maria Luísa Carneiro Fumaneri ratificam a opinião de Candido,
argumentando que

não é possível falar em literatura brasileira nesses primeiros séculos,


não só porque o país era uma colônia de Portugal, mas principalmente
porque as condições básicas de articulação do sistema literário não
estavam estabelecidas, em razão, principalmente, da ausência de
público. (Kaviski; Fumaneri, 2014, p. 23)

Por certo, a postura crítica de Candido não é uma unanimidade. A


exclusão de produções do Barroco da literatura brasileira e, principalmente, o
não-olhar para a obra de Gregório de Matos acabou dando origem a uma ácida
crítica desenvolvida por Haroldo de Campos em seu ensaio O sequestro do
barraco na formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Matos (1981).
Seja como for, retoma-se a historiografia literário de Candido e sua perspectiva
de sistema literário justamente pelos efeitos causados para a nossa
compreensão do objeto literário e da sua influência até a contemporaneidade
para os estudos da literatura brasileira.

TEMA 5 – LITERATURA BRASILEIRA: ESCOLAS LITERÁRIAS

Quando abrimos manuais de literatura ou uma historiografia literária


brasileira, em geral, descobrimos uma perspectiva da literatura ordenada,
seguindo uma espécie de progressão. Além de uma proposição pedagógica e
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didática, a ordem proposta é uma herança de Quintiliano, nome já estudado por
nós nas seções anteriores. Dentre tantos conceitos e classificações, “[n]o
arsenal da história literária, dispomos, para o nosso caso, de conceitos como:
período, fase, momento; geração, grupo, corrente; escola, teoria, tema; fonte,
influência.” (Candido, 2000, p. 36).
Com base nas chamadas escolas ou correntes literárias, passa a ser
possível sistematizar certas nuances temáticas e formas predominantes para
construir a diegese, ou seja, o plano ficcional por meio da realidade imitada. No
que diz respeito ao contexto literário brasileiro, será frequente encontrar uma
divisão preliminar, ligada ao que Candido chamou de manifestações literárias e,
depois, às escolas literárias propriamente ditas:

 Quinhentismo: produção voltada às cartas e crônicas de viajantes, com


verve bastante documental e apelo para o registro, tal qual um documento
histórico.
 Barroco: Período que engloba as produções estéticas e literárias dos
séculos XVI, XVII e primeiras décadas do XVIII. Há, ainda, uma grande
influência advinda de Portugal, seja por questão de ordem linguística, seja
pelos temas de interesse e pela perspectiva ao pensar a literatura. A
presença jesuíta e a eventual concentração de conhecimento em torno de
sua órbita, acaba justificando a temática religiosa e a tradição oral com
base em formas como o sermão ou mesmo a poema oral. É sempre
preponderante relembrar que o período é marcado pelo choque de claro-
escuro, as descobertas da nova terra, as antíteses entre a razão e a
religião. O pesquisador Ewerton Kaviski relembra que a “visão religiosa”
e a “visão transfiguradora” são os dois principais traços estéticos do
período (Kaviski, 2014). Destaca-se, nessa fase, a proliferação de
ilustrados em redutos como a Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Desses séculos, são frequentes as alusões para as produções do padre
Antonio Vieira, Bento Teixeira e, sem dúvida, Gregório de Matos.
 Arcadismo: trata-se do movimento literário que demarca o início do que
Antonio Candido chamará de sistema literário no Brasil. Para o crítico, o
Arcadismo não pode ser entendido como um período de alienação
vivenciado pelos seus representantes. Tratar-se-ia, na verdade, de um
argumento romântico de que os árcades fizeram literatura por
empréstimo. É nesse momento que se consolida um grupo de intelectuais
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(Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio de Gonzaga, Alvarenga
Peixoto, Silva Alvarenga e Basílio da Gama) dispostos a buscar certa
renovação estética, sendo intitulados como Escola Mineira.
 Romantismo: a escola literária é, sem sombra de dúvidas, o ponto de
inflexão para a produção da literatura brasileira, sobretudo por demarcar
a consolidação do chamado sistema literário aludido por Antonio Candido.
A estética romântica assumirá, no país, diferentes nuances, o que explica
que muitas historiografias dividam o movimento literário em três gerações
específicas. Seja como for, é uma característica comum à estética
romântica o apelo à nação em formação e à criação de certo espírito de
comunhão. Diversos fatos históricos, tais como a vinda da família real em
1808, vão marcar e influenciar a produção literária, justamente por
demarcar a liberação da produção literária e a disseminação dos livros.
De forma objetiva, poderíamos aludir os seguintes nomes para ilustrar o
Romantismo brasileiro: Primeira Geração romântica – Gonçalves de
Magalhães, Manuel Araújo Porto-Alegre, Gonçalves Dias, Teixeira e
Sousa e Joaquim Manuel de Macedo; Segunda Geração romântica ou
Geração Ultrarromântica – Álvares de Azevedo, Junqueira Freira,
Casimiro de Abreu, José de Alencar, Bernardo Guimarães e Manuel
Antônio de Almeida; Terceira Geração romântica – Castro Alves,
Fagundes Varela, Sousândrade e Machado de Assis.
 Realismo-naturalismo: As escolas têm ao seu favor o sistema literário
bastante desenvolvido. Em questões estéticas, o interesse passa a ser de
narrar certa realidade e costumes vivenciados no final do século XIX.
Machado de Assis segue sendo referência para essa escola, assim como
os nomes de Aluísio de Azevedo e Visconde de Taunay.
 Simbolismo: muitas historiografias apontam dificuldades para pensar a
escola, muito por conta de sua produção concentrada apenas na última
década do século XIX. O nome de Cruz e Sousa é, sem dúvida alguma, a
grande referência para o movimento literário e para a produção poética da
época, com estética semelhante à parnasiana, com influência do espírito
decadentista do final do século. Vale ressaltar que muitas das
contribuições simbolistas serão retomadas em uma primeira fase de
modernistas, como Manuel Bandeira ou mesmo Mario de Andrade.

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 Parnasianismo: da mesma forma que a escola Simbolista, o
Parnasianismo bebe da inspiração de poetas como Charles Baudelaire e
Mallarmé, reverberando o espírito decadentista do final do século XIX e a
ideia de que a poesia deveria se afastar do cotidiano endurecido pelo afã
burguês. As contribuições para o gênero lírico são, sem dúvida, mais
proeminentes, com grande interesse pelo rigor, pela forma e pela
sonoridade. Destacam-se, aqui, nomes como Olavo Bilac, Alberto de
Oliveira e Raimundo Correia.
 Modernismo: a escola modernista brasileira abre um capítulo novo para
a literatura. Alicerçada por seu manifesto e voltada à busca da
experimentação e inovação constantes, o Modernismo demarca um
período de grandes transformações no plano literário, cada vez mais
disposto a uma expressão de identidade. Em muitas historiografias, será
possível observar a atuação de uma fase intitulada de pré-modernista,
anterior à Semana de Arte Moderna Brasileira de 1922, da qual fizeram
parte escritores como Euclides da Cunha, Lima Barreto e Monteiro
Lobato. Da mesma forma que no Romantismo, por conta das
idiossincrasias e particularidades de alguns projetos, a escola modernista
acaba sendo dividida pedagogicamente em três momentos ou gerações.
Primeira Geração: Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel
Bandeira, além dos pintores Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Menotti Del
Picchia; Segunda Geração: Carlos Drummond de Andrade, Manuel
Bandeira, Cecília Meireles, Jorge de Lima, Murilo Mendes, José Lins do
Rego, Jorge Amado, Raquel de Queiroz, Érico Vérissimo; Terceira
Geração: Clarice Lispector, Guimarães Rosa, entre outros.

Vale lembrar que as escolas apresentadas anteriormente seguem certa


predominância registrada pelas historiografias literárias. Evidentemente, após o
Modernismo, será possível registrar como expressão da literatura
contemporânea outras escolas literárias, como o caso do concretismo, o
neoconcretismo etc. Os nomes citados dos escritores, portanto, são o reflexo do
que estudamos como cânone literário, não significando que sejam os únicos.

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NA PRÁTICA

Com base nas discussões estabelecidas ao longo deste encontro, reflita


sobre as seguintes questões:

1. De que forma uma historiografia literária pode ser utilizada por um


estudante de Letras ou pesquisador da área? Diante de uma obra desse
gênero, qual é o tipo de comportamento esperado?
2. Como se constitui um cânone literário? Quais são as variáveis envolvidas
para a definição de certo conjunto de obras a ser estudado em
determinada literatura nacional?
3. Segundo a perspectiva do crítico Antonio Candido, quais são os pilares
do chamado sistema literário? Com as suas palavras, comente de que
forma esse olhar para pensar a literatura entende as cartas do
descobrimento e outras produções do Quinhentismo, por exemplo.

FINALIZANDO

Este encontro teve como objetivo apresentar como a literatura foi


sistematizada ao longo dos séculos por meio das chamadas historiografias
literárias. Com base em nomes como Quintiliano, as histórias da literatura
passaram a reunir o que, até então, os historiadores literários julgavam ser os
escritores e obras que deveriam ser a base e a tradição. Sobretudo no período
romântico, no final do século XVIII e início do século XIX, as historiografias
literárias ganharam uma fase de ouro, servindo de referência para a construção
da identidade das nações.
Pelos processos de seleção e recorte, foi possível entender como é criado
um cânone literário, valorizando que, mais do que critérios estéticos, estão
também em jogo – como não poderia deixar de ser em toda e qualquer
enunciação – parâmetros políticos. Diante de toda essa discussão, pensamos
especificamente no contexto brasileiro, dando especial atenção para Antonio
Candido e sua Formação da literatura brasileira. Dentre tantas contribuições
para a crítica e para os estudos literários, Candido descortinará como o pensar
literário está ligado diretamente a um sistema literário, um complexo
alicerçado por eixos como autor, leitor e obra. Outrossim, tivemos a
oportunidade de retomar a ideia das escolas literárias na literatura brasileira,

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listando, de forma objetiva e panorâmica, alguns dos nomes que voltarão a ser
estudados em outras disciplinas.

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REFERÊNCIAS

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<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000005.pdf>. Acesso em:
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Rio de Janeiro, v. 19, n. 31, jul./dez. 2012.

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_____. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6 ed. Belo


Horizonte: Editora Itatiaia, 2000.

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brasileira: o caso Gregório de Matos. Salvador: FCJA, 1989.

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COUTINHO, E. La reconfiguración de identidades en la producción literaria de


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KAVISKI, E.; FUMANERI, M. L. C. Literatura brasileira: uma perspectiva


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Disponível em: <http://bocc.ubi.pt/pag/bocc-lopes-literatura.pdf>. Acesso em: 7
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OLIVEIRA, S. Análise de textos literários: poesia. Curitiba: InterSaberes, 2017.

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