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25/10/2021 04:39 UNINTER

FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA
LITERATURA
AULA 1

Prof. Phelipe de Lima Cerdeira

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CONVERSA INICIAL

Estimado (a) aluno (a), receba as nossas boas-vindas!

Muito provavelmente, este é um dos primeiros contatos


– se não o primeiro – da área de
estudos literários com você. Após uma
trajetória de formação e de estudos no ensino médio, chega o

momento de abrir
um novo capítulo em sua história como estudante: a proposta é estreitar
relações

com temas que sempre lhe despertaram interesse; estar aberto para
entender que crescemos a partir

do diálogo; deixar-se surpreender por


discussões antes não imaginadas ou pouco aprofundadas; e,

ainda, (re)pensar a
cada momento as certezas cristalizadas.

A partir deste material, damos início à discussão da


nossa disciplina, um dos conteúdos que

dizem respeito à grade obrigatória do nosso


curso de graduação. Será possível perceber que esta

disciplina se apresenta como


uma grande possibilidade para rever determinados conceitos e alinhar
as principais
questões que terão de fazer parte do seu horizonte crítico. Isso significa que
tudo o que

abordaremos em cada um dos encontros terá a finalidade de lhe deixar


mais à vontade, com

segurança para cursar as demais disciplinas que farão parte


do módulo relacionado à literatura.

Ainda que falemos aqui em “disciplina obrigatória”,


precisamos esclarecer um ponto

fundamental desde o princípio: o nosso grande


desafio será, a todo momento, desconstruir a

sensação de exigência e de certo


monitoramento intelectual atrelada ao texto literário ao longo de

nossa
formação na educação básica. Ainda que ganhe foco de interesse teórico e
crítico por conta do

desenvolvimento de uma área específica, os estudos literários,


a literatura precisa existir sempre

como manifestação discursiva. A premissa


que, sim, merece valor inicial quando se alude à literatura

é a da fruição, do prazer
advindo da leitura. Ainda que se referindo pontualmente ao livro, ao objeto
que
personifica o plano literário, o poeta gaúcho Mario Quintana parece nos ajudar
a lembrar sobre

o poder da literatura: “O livro traz a vantagem de a gente


poder estar só e ao mesmo tempo

acompanhado” (Quintana, S.d.).

Para que possamos acompanhar toda a discussão com


atenção e tranquilidade, todas as nossas

aulas seguirão uma divisão bastante


intuitiva e pedagógica. A proposta é que todo o raciocínio possa

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ser
apresentado de maneira clara, facilitando a retomada de algum tema específico
que precise ser

revisado ou, ainda, que acabou lhe despertado maior interesse.


Nesta aula, por exemplo, o conteúdo

contará com a seguinte a proposta de


seções:

1. Contextualizando;

2. Antes de literatura, littera;

3. Literatura para quê?;

4. A literatura está em perigo?;

5. Literatura, um direito;

6. Na prática;

7. Finalizando;

8. Referências.

É sempre importante reforçar que, ao falar de


literatura, espera-se que a leitura seja uma ação

presente e necessária. Contamos


com a sua participação aqui e também em nossas conversas a partir

de videoaulas,
fóruns e atividades extra-curriculares que possam vir a ser oferecidas. Que possamos

estabelecer um diálogo profícuo até o final deste módulo, (re)descobrindo um mundo


chamado
literatura. Bons estudos!

TEMA 1 – CONTEXTUALIZANDO

É muito provável que você tenha ouvido falar em um


certo filósofo grego clássico chamado

Sócrates, não é mesmo? O que ele tem a


ver conosco, com as letras e com a literatura? Basicamente,

tudo. Em um momento
apropriado, em uma disciplina que verse sobre a literatura clássica, por

exemplo, será possível conhecer as contribuições socráticas para o


desenvolvimento dos estudos

literários. Por enquanto, o que nos interessa aqui


é retomar o nome de Sócrates para demonstrar a

importância de tomar a
literatura não com uma leitura ou interpretação pronta, decorada, mas

sempre
com uma boa desconfiança, com o interesse de querer ler e perceber diferentes
detalhes.

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Com ajuda de muitas das reflexões socráticas,


aprendemos que a única certeza possível é a

dúvida. O que isso quer dizer na


prática? Significa que, ao longo de toda a sua formação, você

perceberá o quanto
novas leituras podem ajudar a problematizar o que é apresentado, criando novas

perguntas
e possibilidades para se abordar um mesmo tópico. A partir das letras,
(re)escrevemos

novos caminhos para o aprender e descobrimos, como diria o


escritor argentino Jorge Luís Borges,

que um só jardim pode apresentar


diferentes caminhos que se bifurcam. O estudo da literatura,

assim, apresenta-nos
diferentes aspectos que podem ser estudados e esmiuçados, de acordo com o

nosso
recorte de atenção ou objetivo.

Como vimos desde a apresentação desta disciplina, a


literatura – seja a partir de um romance, de

um poema, de uma obra dramática,


de um conto, de uma crônica, de ensaio ou de qualquer outro
dos seus gêneros e
manifestações possíveis – nos convida a pensar. Não é segredo algum que a

melhor maneira para se começar a falar sobre a literatura é por meio da própria
literatura. Por conta

disso, antes de seguir com as nossas proposições, vale a


pena nos dedicarmos à leitura de um

fragmento de um verdadeiro clássico da


literatura brasileira. A alusão aqui é para o romance Grande

sertão: veredas,
de João Guimarães Rosa:

Sou só um sertanejo, nessas altas ideias


navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é
de uns conforme o senhor,
com toda leitura e suma doutoração. Não é que eu esteja analfabeto.
Soletrei, anos
e meio, meante cartilha, memória e palmatória. Tive mestre, Mestre Lucas, no
Curralinho,
decorei gramática, as operações, regra-de-três, até geografia e estudo pátrio. Em
folhas
grandes de papel, com capricho tracei bonitos mapas. Ah, não é por falar:
mas, desde do começo,
me achavam sofismado de ladino. E que eu merecia de ir para
cursar latim, em Aula Régia – que
também diziam. Tempo saudoso! Inda hoje, apreceio
um bom livro, despaçado. (Rosa, 2010, p. 30)

O excerto que você acaba de ler foi retirado de uma


das obras brasileiras mais lidas até hoje e

que, sem dúvida alguma, marcou


novos caminhos para o desenvolvimento do gênero romanesco

não somente no
Brasil. Publicada pela primeira vez no ano de 1956, a obra Grande sertão:
veredas nos

apresenta a realidade sertaneja a partir da perspectiva da


personagem Riobaldo, que é também o

narrador de toda a trama. Sem nos


preocuparmos em uma leitura mais crítica e especializada, ou

seja, apenas com o


compromisso de ter a experiência de ler o texto, o que será que este trecho nos

provoca? Tente responder esta pergunta voltando para a citação e relendo cada
frase como se

estivesse buscando o sabor das palavras. Como você poderia


descrever quem está falando? Seria

alguém novo? Viveria em qual parte do


Brasil? Conhece outras realidades? Este narrador está falando

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com alguém? Se
sim, a pessoa com quem ele fala é diferente? Existe algo que desperte o
interesse
deste narrador chamado Riobaldo?

De forma rápida e sem a preocupação de um rigor


crítico, fica evidente como um fragmento de
um romance nos permite elencar
diversas perguntas, aguçando a nossa criatividade, conectando-nos
com
informações e leituras anteriores, provocando a nossa imaginação e curiosidade.
Assim, fazendo
perguntas para nós mesmos, relacionando conhecimentos,
dialogando com demais leituras, fruindo o
texto, ou seja, permitindo realmente ter
prazer ao ler é que nos aproximamos do que deve ser a
literatura.

Entendidos tais compromissos iniciais, podemos nos


dedicar a uma pergunta pontual para o
nosso primeiro encontro: caso tivéssemos
lido aquele mesmo trecho, mas sem saber que ele faz
parte do romance Grande
sertão: veredas ou mesmo desconhecendo a informação de que se tratava
de
uma obra de Guimarães Rosa, teríamos as mesmas impressões iniciais?

Embora pareça simples, a provocação feita agora é uma


inquietude que faz parte da vida de
teóricos literários dispostos a refletir
sobre a natureza da literatura desde o século passado. Nomes
como Terry
Eagleton (1983), Tzvetan Todorov (2009), Antoine Compagnon (2009) e, no Brasil,
Antonio
Candido (2004) – este último, aliás, que será repetido nesta disciplina
e na grande maioria das que
você vai cursar ao longo do curso – têm pensado na
natureza e nas propriedades que caracterizam a
literatura há muitas décadas. Em
uma de suas reflexões, Todorov esclarece como “[a] literatura não
nasce no
vazio, mas no centro de um conjunto de discursos vivos, compartilhando com eles
numerosas características; não é por acaso que, ao longo da história, suas fronteiras
foram
inconstantes” (Todorov, 2009, p. 22, grifo nosso).

A ideia que temos a respeito da literatura, portanto,


corresponde a um determinado tempo,
contexto e realidade discursiva. Para o
crítico brasileiro Antonio Candido, por exemplo, a literatura
está ligada
diretamente a um acordo social:

Cada sociedade cria as suas manifestações


ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus
impulsos, as suas crenças,
os seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a
presença e
atuação deles. Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um
instrumento
poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada
um
como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza,
ou os que considera
prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da
ficção, da poesia e da ação dramática. A
literatura confirma e nega, propõe e denuncia,
apóia e combate, fornecendo a possibilidade de
vivermos dialeticamente os problemas.
Por isso é indispensável tanto a literatura sancionada
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quanto a literatura proscrita;


a que os poderes sugerem e a que nasce dos movimentos de negação
do estado de coisas
predominante. (Candido, 2004, p. 175)

Diante do que foi evidenciado por Candido, fica mais


fácil perceber como a literatura passou a

ser vislumbrada a partir de diversas


facetas, valorizando o quanto ela não se resume apenas a imitar

ou transformar
em ficção uma dada realidade, já que ela é, também, uma das responsáveis por

garantir tal existência. À vista disso, literatura não é nunca um fim, uma resposta,
mas,

essencialmente, um meio.

Se uma definição taxativa da literatura é inviável,


por que grande parte de nós insiste em

simplificar a literatura em uma espécie


de produção textual específica? Em uma busca no dicionário
eletrônico Michaelis,
será possível encontrar dez entradas diferentes. Vejamos as definições:

1. Arte de compor escritos,


em prosa ou em verso, de acordo com determinados princípios teóricos
ou práticos:
“Os tênues murmúrios suspirosos desdobravam-se em orquestra de baile, onde se
distinguiam
instrumentos, e os surdos rumores indefinidos eram já animadas conversas, em que
damas e cavalheiros discutiam política, artes, literatura e ciência”.

2. Atividade ou profissão de um homem de


letras; o trabalho, a arte do escritor: A literatura é a mais
sedutora e enganosa
das artes. Minha filha pretende fazer carreira na literatura.

3. O conjunto das obras literárias de um


país, um gênero, uma época etc. que, pela qualidade de
seu estilo ou forma e pela
expressão de ideias de interesse universal ou permanente, têm
reconhecido seu alto
valor estético: É um excelente professor de literatura norte-americana.

4. O conjunto das obras literárias de um


agregado social, ou em dada linguagem, ou referidas a
determinado assunto: As livrarias
hoje têm muitos livros bons na área da literatura infantil.

5. A história das obras literárias do espírito


humano.

6. O conjunto dos homens de letras em atuação


em determinada sociedade: A literatura brasileira
vem marcando presença nos colóquios
internacionais.

7. O conjunto de conhecimentos relativos


às obras literárias e a seus autores: A minha faculdade
tem um excelente curso de
literatura.

8. Disciplina escolar voltada para o estudo


da produção literária e dos escritores: Sempre teve boas
notas em literatura.

9. Qualquer dos usos estéticos da linguagem,


mesmo quando não escrita.

10. Palavreado artificial, desvinculado


do que se entende por realidade: No fundo, todo esse
discurso científico não passa
de literatura.

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Ao voltarmos às definições do Dicionário Michaelis,


não é difícil notar que, em sua grande

maioria, as explicações versam a


respeito da natureza da literatura com o plano escrito, da sua função
de
categorização e legitimação ou, ainda, da relação entre a literatura e uma dada
identidade

nacional. A entrada 3, pontualmente, evidencia a literatura como uma


espécie de estabelecimento de
norma, um parâmetro de classificação responsável
por definir o que é bom ou ruim, sendo

reconhecida, portanto, pelo seu “alto


valor estético”. Não há dúvidas de que essa proposição é válida
e nos
interessará em breve, em aula futura, quando falarmos da conexão entre a literatura
e a língua

e da instituição do que chamamos como cânone literário. Por ora, é


prudente apenas entender que
esse “alto valor estético” é um crivo estabelecido
por um determinado grupo, mediante interesses e

expectativas de diversas
instâncias.

Ainda no que diz respeito às entradas presentes no


dicionário, vale pontuar como a definição 10
nos ajuda a tomar a outra faceta
relacionada à literatura, a ideia equivocada de que à literatura

competem os
assuntos menos importantes, já que não se trata de uma ciência. A acepção
pejorativa
fará parte de discussões teóricas que vamos travar ao longo do
curso, por isso vale sempre a atenção

e a leitura crítica sobre tal ponto.

TEMA 2 – ANTES DE LITERATURA, LITTERA

Como vimos no final da seção de contextualização, a


conduta mais imediata quando se fala de
literatura está atrelada ao plano do
texto. O movimento não é, em todo caso, incoerente, afinal a

palavra literatura
advém do latim erudito littera, transformado depois para letera.
Está contido nesses
dois radicais algo relativo à arte de escrever ou mesmo à
erudição. Tal como relembra a pesquisadora

portuguesa Paula Cristina Lopes,

Nas línguas europeias, a palavra “literatura”


designou em regra, até ao século XVIII, o saber, o
conhecimento, as artes e as ciências
em geral. Até à segunda metade desse século, para designar
especificamente a arte
verbal, o corpus textual, eram utilizadas palavras como “poesia”, “verso” e
“prosa”
(que hoje reconhecemos enquanto classificação de géneros literários). (Lopes, S.d.,
p. 1)

Passa a ser inteligível, portanto, como a origem


etimológica do termo literatura acabou

explicando, mesmo que na


contemporaneidade, como muitos passaram a simplificar a literatura. É
bem
verdade que, na continuidade da história, sobretudo por conta das contribuições
de Voltaire, o

vocábulo literatura ganhou novas acepções, passando a ficar


relacionado a padrões estéticos. O
resultado, como é possível imaginar, parece
vigorar para alguns até hoje em dia. Cabe-nos, no
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entanto, questionar
resoluções fáceis, relembrando que, para pensar em literatura, é fundamental
não
apenas considerar certa conduta ao trabalhar com a linguagem, mas, sim, contemplar
o contexto

no qual ela é produzida e para quem ela está destinada.

TEMA 3 – LITERATURA PARA QUÊ?

Dentre os críticos dispostos a pensar no rumo do


ensino da literatura e na maneira como ela
passava a fazer parte da nossa
rotina como estudantes e leitores, merece destaque o nome do

francês Antoine de
Compagnon. O que motivava as preocupações desse pensador? Compagnon
percebia
que, cada vez mais, a literatura era tratada de forma secundária, transformando-se
em refém

de uma perspectiva que a transformava em ferramenta para identificação


de estruturas ou
simplesmente uma replicação de uma leitura engessada. Ora,
como vimos desde o início, tal postura
é exatamente o contrário do que se
espera para um discurso como o literário, que almeja o diálogo

constante e o
envolvimento dos leitores. Em uma sociedade cada vez mais utilitária, a
perspectiva
humanista e a concepção de que o estímulo à reflexão é a chave para
o desenvolvimento passavam a

ser ameaçadas pelo afã tecnicista e pela desculpa


da não praticidade. Ao perceber todo o cenário
francês de aprendizado – mas
que, decididamente, poderia ser replicado para a grande maioria dos

países
ocidentais – Compagnon dedica uma aula inaugural no Collège de France. Dos seus
apontamentos, surge o ensaio Literatura para quê?, traduzido e publicado
no Brasil em 2009.

A ideia de resgatar esse trabalho é demonstrar como o


crítico francês parte da provocação
daqueles que minimizam a relevância da
literatura para a formação humana. Ao longo dos seus
argumentos, Compagnon
atesta:

Não é que achemos na literatura verdades


universais, nem regras gerais, nem somente exemplos
límpidos. [...] Ora, a literatura
age diferentemente dos mandamentos, mas também das parábolas.
[...] A literatura,
exprimindo a exceção, oferece um conhecimento diferente do conhecimento
erudito,
porém mais capaz de esclarecer os comportamentos e as motivações humanas. Ela pensa,
mas não como a ciência ou a filosofia. Seu pensamento é heurístico (ela jamais cessa
de procurar),
não algorítmico: ela procede tateando, sem cálculo, pela intuição,
com faro. (Compagnon, 2009, p.
51)

Muito mais do buscar números ou resultados, cabe à


literatura o exercício de seguir oferecendo
possibilidades, de não se
contentar. É exatamente por conta disso que “A literatura nos ensina a
melhor
sentir, e como nossos sentidos não têm limites, ela jamais conclui, mas fica
aberta como um

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ensaio de Montaigne, depois de nos ter feito ver, respirar ou


tocar as certezas e as indecisões, as

complicações e os paradoxos que se


escondem atrás das ações [...]” (Compagnon, 2009, p. 51-52).

Se insistirmos na mesma pergunta, na razão pela qual


estudamos literatura, será bastante
oportuno considerar uma ponderação mais
recente, advinda da Argentina, a partir da escritora e

crítica María Teresa


Andruetto:

[…] la literatura es todavía esa metáfora


de la vida que sigue reuniendo a quien dice y quien
escucha en un espacio común,
para participar de un misterio, para hacer que nazca una historia que
al menos por
un momento nos cure de palabra, recoja nuestros pedazos, acople nuestras partes
dispersas, traspase nuestras zonas más inhóspitas, para decirnos que en lo oscuro
también está la
luz, para mostrarnos que todo en el mundo, hasta lo más miserable,
tiene su destello[1].

(Andruetto, 2013, p. 25)

TEMA 4 – A LITERATURA ESTÁ EM PERIGO?

Da mesma forma que Antoine Compagnon, o teórico


Tzvetan Todorov dedicou espaço para

pensar sobre o assunto, utilizando as suas


impressões de como a literatura passou a ser tratada nas
salas de aulas
francesas a partir da década de 1960. De forma mais incisiva, Todorov parece
denunciar

como a literatura passou a ser pensada não por conta das leituras das
obras e do diálogo entre os
leitores, mas simplesmente pela impressão daquilo
que pensavam os críticos. O perigo passado pela

literatura começava a ser,


portanto, que a sua existência estivesse limitada ao conhecimento do que
outro
escreveu, não necessariamente do prazer e da oportunidade de conhecer uma obra
(seja ela

um romance, um livro de poesia, de contos, ou uma peça de teatro).

Se fôssemos pensar em nosso contexto, talvez seria


exatamente o perigo que poderíamos passar
ao limitar a nossa experiência apenas
na leitura de um artigo sobre uma obra ou, muito pior, basear

as nossas
impressões simplesmente a partir de um resumo ou resenha. Isso soa familiar
para você? É
exatamente isso o que queremos combater a partir desta disciplina,
reforçando o quanto o caminho

pode – e deve – ser muito mais prazeroso quando


apostamos na literatura como uma experiência
discursiva.

Em nossa realidade de estudantes e pesquisadores de letras,


é preciso lembrar que o único e
grande perigo que a literatura corre é quando o
direito ao prazer de ler é negado.

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TEMA 5 – LITERATURA: UM DIREITO

Por falar no direito ligado à literatura, seria


impossível não reservar a última seção da nossa aula
para abordar o nome do
crítico literário brasileiro mais profícuo e presente em nossos estudos:

Antonio Candido. Em sua obra Vários escritos (2004), é possível


encontrar um ensaio chamado O
direito à literatura, um exame minucioso a
respeito de como a literatura deve ser encarada como um

verdadeiro bem de
primeira necessidade.

Para alicerçar os seus argumentos, Candido retoma a


teoria do sociólogo Louis-Joseph Lebret,

baseada na diferença entre os bens


compreensíveis e os bens incompreensíveis. Esses seriam todos e
quaisquer bens que
jamais deveriam ser negados a alguém, tais como alimento, casa, roupa e a
própria literatura! Para justificar a sua afirmação, Candido endossa exatamente
tudo o que discutimos

até aqui, demonstrando a necessidade de se entender como


a ideia de literatura acabou se
transformando ao longo do tempo. Para aclarar,
então, a sua perspectiva, o crítico brasileiro define:

Chamarei de literatura,
da maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético,
ficcional ou
dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde
o
que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis
da produção escrita
das grandes civilizações.

Vista deste modo a literatura aparece claramente


como manifestação universal de todos os homens
em todos os tempos. Não há povo e
não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a
possibilidade de entrar em contacto
com alguma espécie de fabulação. Assim como todos sonham
todas as noites, ninguém
é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos
de entrega
ao universo fabulado. (Candido, 2004, 174, grifo nosso)

A relação indissociável entre a nossa vida e a


literatura fica evidente na justificativa crítica de

Candido, mas seria mesmo a


literatura um bem incompreensível? Exagero do professor Candido? Em
nossa perspectiva,
muito pelo contrário, trata-se de um acerto, sobretudo por entender a
literatura

como um discurso que viabiliza (re)significar e fazer pensar sobre a


realidade. Ao destacar projetos
ficcionais, como a poesia de Castro Alves,
Antonio Candido demonstra como a literatura é capaz de

demarcar um quadro do
tempo e seguir sendo atual para a discussão não apenas do plano estético.
Sendo
assim, “[u]ma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a
fruição da arte e

da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é


um direito inalienável” (Candido, 2004,
p. 191).

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NA PRÁTICA

A partir de toda a nossa discussão nesta aula, passa a


ser possível entender como a ideia a

respeito da literatura foi se


transformando ao longo do tempo. Com base nessa discussão, reflita a
respeito
das duas questões a seguir:

1. A que se deve o fato


de que, muitas vezes, as pessoas acabam simplificando a ideia de

literatura
para um sinônimo de texto escrito?

2. Como é possível
relacionar as perspectivas de teóricos como Todorov, Compagnon e

Candido para
pensar a literatura? Quais são os principais pontos de contato entre os três
teóricos no que diz respeito à compreensão da literatura?

FINALIZANDO

Como beletristas, estudantes de letras, precisamos


estar atentos para não minimizarmos a
literatura apenas como um amontado de
conceitos ou classificações. Ao longo de toda esta aula, foi

possível ponderar
como a ideia de literatura é flexível e mais ampla do que simplesmente um texto

que utiliza a linguagem sob uma proposta não usual. Por meio de reflexões como
as de Antoine de
Compagnon, Tzvetan Todorov e Antonio Candido, começamos a
perceber como a compreensão a

respeito da literatura passa a se adaptar


conforme o tempo e o contexto de enunciação,

demonstrando, ainda, a relevância


do plano ficcional para tensionar a realidade e fazer com que ela

seja
questionada a todo instante.

Tal como lembrado pelo crítico literário Antonio


Candido, vale a pena pensar na literatura
também como um direito de todos nós,
humanos. Que ao final desta disciplina introdutória, esse

sentimento faça parte


do seu horizonte de expectativas e que lhe estimule enquanto leitor (a) e,

claro, futuro (a) professor (a)! Nunca é demasiado lembrar que uma sociedade leitora
se faz,

verdadeiramente, quando a literatura passa a fazer parte do nosso dia a


dia, de nossas conversas, não
se restringindo a um conteúdo a ser medido por imposições
estruturalistas ou expectativas que

apenas reduzem o potencial de um texto.

Para falar de literatura, temos, portanto, que vivê-la


intensamente! Ou, dito de outra forma,

“[a]ssim como não é possível haver equilíbrio


psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja

equilíbrio social sem a literatura”


(Candido, 2004, p. 175).

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REFERÊNCIAS

ANDRUETTO, M. T. Hacia
una literatura sin adjetivosM. Córdoba: Comunic-Arte, 2013.

CANDIDO, A. Vários escritos. São Paulo:


Duas cidades, 2004.

BANDEIRA, M. Estrela da vida inteira. Rio


de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

COMPAGNON, A. Literatura
para quê? Belo
Horizonte: UFMG, 2009.

EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma


introdução. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

LOPES, P. C. Literatura e linguagem


literária. BOCC – Biblioteca On-line de Ciências da

Comunicação. Disponível em:


<http://bocc.ubi.pt/pag/bocc-lopes-literatura.pdf>. Acesso em 12 mar.

2019.

MICHAELIS DICIONÁRIO BRASILEIRO DA


LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em:

<https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/>.
Acesso em: 12 mar.
2019.

ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. Rio


de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.

TODOROV, T. A literatura em perigo. Rio


de Janeiro: DIFEL, 2009.

[1] “[...] a literatura é


ainda essa metáfora da vida que segue reunindo a quem disse e a quem

escuta em
um espaço comum, para participar de um mistério, para fazer que nasça uma
história que,

ao menos por um momento, nos cure da palavra, recolha os nossos pedaços,


junte as nossas partes
dispersas, transpasse as nossas zonas mais inóspitas,
para nos dizer que, no escuro também há luz,

para nos mostrar que tudo no


mundo, até o mais miserável, tem o seu brilho” (Tradução-livre).

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