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O LIVRO DIDÁTICO, OS TEXTOS LITERÁRIOS E A FORMAÇÃO DO

LEITOR1

Eloísa Maciel Monteiro

Maria de Fátima Ferreira2

RESUMO

O presente artigo busca, não encontrar ou indicar saídas para a considerável


diminuição dos textos literários nos livros didáticos, mas sim, expor fatores e
razões que auxiliam na formação do leitor que, se se continuar no caminho
pelo qual se trilha, danos remediáveis, porém profundos, acarretarão prejuízos
não somente aos educandos, mas à sociabilidade de um todo.

PALAVRAS-CHAVE

Literatura, livro didático, textos literários, formação do leitor.

O quadro no qual está pintado o livro didático encontra-se num processo de

degradação contínua, pois, com toda a velocidade dos tecnológicos avanços e, por

conseguinte, o turbilhão de informações nem sempre aproveitáveis que cercam, e por

tempo sufocam a (quase) todos, pressiona o educador contra uma bifurcação em que um

caminho é largo e atrativo, e um outro que clama por estratagemas que não se equiparam à

sedução tecnológica daquele.

1
Trabalho apresentado à disciplina de Estética Literária, sob a orientação do Prof. Celdon Fritzen.
2
Acadêmicas da Especialização de Lingüística Aplicada da UNISUL, Campus Araranguá.
2

Referidos fatores, os quais são de reais acontecimentos, fazem impulsionar a

“máquina da educação” que, entre outros pontos influenciam no “giro do motor” do

intitulado ensino-aprendizagem, fazendo com que se adentre na era da “educação

comércio”, e não num tempo de ensino preocupado com o que é de relevância, qual seja, o

de formar cidadãos, e não somente cidadãos, mas seres críticos e autônomos de

pensamento, que saibam discernir o bom e o ruim, o correto e o errado, o aproveitável e o

refutável.

Sabemos, portanto, que o próprio ato de ler se transforma historicamente e que,


hoje, por influência, entre outros fatores, dos avanços tecnológicos, essas
mudanças são aceleradas. Entendemos também que, apesar das transformações,
livro e leitura mantém seu lugar específico. Só que não sabemos exatamente
como se lê hoje, nem quem são, como são, os leitores de nossos tempos
(CAMPOS, SOUZA, 1999, p. 147).

Sabe-se também que, em contra partida, o educador, enquanto mediador (palavra

perigosa), encontra-se como um dos “responsáveis” a tal formação e, no que concerne ao

presente artigo, cabe a ele separar o “joio do trigo” nos livros didáticos a respeito dos

textos neles inseridos.

Vale, antes de adentrar-se no terreno da formação do leitor, expor algumas

considerações acerca dos textos literários, ou melhor, em que realmente consiste a

literatura.

De acordo com Culler (1999), se está tentando por um lado a concluir e por outro

desistir que, literatura é “aquilo” que determinada sociedade entende por literatura – ou

seja, um conjunto de textos que “senhores culturais” anexam ao campo da literatura e, para

se definir um tanto melhor,

o que diferencia as obras literárias dos outros textos de demonstração narrativa


(ou não, grifo nosso), é que eles passaram por um processo de seleção: foram
publicados, resenhados e reimpressos, para que os leitores se aproximassem
deles com a certeza de que outros os haviam considerado bem construídos e “de
valor” (CULLER, 1999, p.33).
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Algo muito próximo, mas não necessariamente em semelhante procedimento,

ocorre com os livros didáticos, os quais passam por avaliações diversas até aportarem em

seu destino, encontrando, muitas vezes, mentes pré-determinadas a lhes dizer amém e

reverenciá-lo. Para que isso não se torne mais um cânone na vasta floresta das pré-

determinações, torna-se necessário, além de outros fatores que perpassam a renovação e

um revisar mais consistente, uma inserção em massa de textos literários nos didáticos,

para que desse modo à literatura consiga fazer o papel de despertar, suscitar

questionamentos, em quaisquer que sejam as esferas sociais, pois, para tanto, como afirma

Culler (1999), “a literatura foi vista historicamente como perigosa: ela promove o

questionamento da autoridade e dos arranjos sociais”.Ecce Homo!”. Não se deseja, afirmar

aqui, que este seja o motivo pelo qual os textos literários estão desaparecendo dos livros

didáticos, mas que, em suma, reserve-se um tempo para reflexão”.

Tomando a edificação do sujeito, “vislumbra-se”, em um tempo mais próximo que

se possa imaginar, o deteriorar do leitor (enquanto educando) em virtude da escassez,

confusão ou total extinção dos textos literários nos didáticos, como ressalta Yunes (1984,

p. 128), em dois momentos; um que oblitera, e o outro que solidifica a literatura como a

sublimação do ser que dela se nutre.

O risco por que passa a literatura na escola é o da manipulação com vistas à


discussão do código, da estrutura da língua, ou de modelos de comportamento;
quando muito, a caça das figuras de linguagem e dos procedimentos estilísticos
configuram a meta máxima do professor. (...) Mas não será fortuita a forte
relação estabelecida entre escola – leia-se o aparelho que a sociedade mobiliza
como núcleo de processo educacional – e a literatura. Esta, como vimos, carrega
em suas letras, noções e valores, pensamentos e ações que testemunham o
tempo e a vida dos homens; numa palavra, a tradição cultural de uma sociedade,
com suas contradições e ambigüidades. Desfeitas as últimas, por um
desbastamento dos liames históricos e ideológicos do texto, a literatura pode
servir à alienação, já que suas qualidades de ordem retórica agem
persuasivamente no contexto sacralizante das verdades escolares, para a
“formação de hábitos sociais”. Por isto a literatura é recortada em manuais de
texto, transformada em livro escolar e confundida com texto didático.

Assim sendo, não se quer que a significação do processo de se formar leitores

(leia-se críticos e “buscadores”), encontre detrimento na diminuição dos textos literários


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inseridos nos livros didáticos, pois, além da literatura promover o hábito de ler, lança o

leitor a horizontes dantes inimagináveis. Desse modo, as atividades de leitura devem

estimular e apresentar o prazer e fruição do ato de ler, habituando o educando a perceber a

proposta do texto bem como sua intencionalidade, dotando-o, por sua vez, da capacidade

autônoma de compreensão e interpretação.Constrói-se então, se a diminuição dos textos

literários nos livros didáticos continuar, leitores, quando muito, de horóscopos, revistas

teens ou, quando pouco, espectadores de telenovelas...

É provável que poucas leituras, mais densas e bem acompanhadas, sirvam


melhor à formação de leitores, do que a exposição a um grande número de livros
banais, iguaizinhos, sem maior emoção ou desafio (CAMPOS, SOUZA, 1999,
p. 162).

A citação acima impulsiona à lembrança, uma consideração de Schopenhauer

contida no seu “Sobre livros e leituras”, em que o filósofo alemão diz que aquele que lê

em demasia (muitas vezes leituras improdutivas), perde, morosamente, a capacidade de

pensar por conta própria, como quem anda sempre a cavalo acaba esquecendo como se

anda a pé, pois, uma condição para ler o bom é não ler o ruim, “porque a vida é curta e o

tempo e a energia são escassos”.

Abre-se então, a necessidade de o educador filtrar as leituras e em momentos

paralelos proporcionar aos educandos atividades de produção, para que desse modo, supra

suas mentes não apenas de conhecimentos, mas, primordialmente de possibilidades e

chances de criar, fazendo com que o mesmo possa, por conta própria selecionar suas

leituras.

Assim sendo, para tornar os educandos bons leitores, para desenvolver muito mais

do que a capacidade de ler (o que é bom), o gosto e o compromisso com a leitura (boa), a

escola, e os patamares acima dela terão de mobilizar-se nas relevâncias com intensidade e

abandonar as pré-determinações. Para tanto, faz-se necessário uma revisão nos livros

didáticos e nos textos neles contidos, possibilitando aos educandos uma formação com
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criatividade, autonomia e discernimento nas leituras, não somente de textos como também

de mundo, sabendo-se que esta, entre tantas outras, é virtude inerente à literatura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CULLER, Jonathan. Teoria literária – Uma introdução. São Paulo: Beca, 1999.

DIETZSCH, Mary J. M. Espaços da linguagem na educação. São Paulo: USP, 1999.

KHÉDE, Sonia Salomão. Os contrapontos da literatura. Petrópolis: Vozes, 1984.

SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre livros e leitura. Porto Alegre: Ed. Paraula, 1994.

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