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ABREU, Márcia.

Cultura letrada: tura, leitura e cultura e é constituída de


literatura e leitura. Coleção seis breves capítulos que contem exem-
Paradidáticos. São Paulo: Editora plos simples, mas fundamentais para as
UNESP, 2006. reflexões de cunho teórico, inseridas no
campo de conhecimento da Teoria da
Em 2006, o público brasileiro foi Literatura.
agraciado com o lançamento da obra Estamos habituados a conviver
Cultura letrada: literatura e cultura, de com práticas sociais imersas na cultura
Márcia Abreu. letrada, e por ela determinada, e rara-
Pesquisadora reconhecida nacio- mente paramos para refletir sobre os
nal e internacionalmente, Márcia Abreu mecanismos ideológicos que impregnam
é professora do Departamento de Te- nossa forma de pensar, de agir e de cons-
oria Literária do IEL – UNICAMP e co- truir o conhecimento. Portanto, a leitura
ordenadora do Projeto Práticas e lei- do texto é um excelente ponto de parti-
turas libertinas no mundo luso-brasi- da para empreendermos um exercício de
leiro. Como publicação importante, desconstrução de saberes já constituídos
destaca-se o livro Histórias de Cordéis e muitas vezes naturalizados como ver-
e Folhetos, cuja temática traz à tona as dades absolutas, principalmente no meio
discussões teóricas acerca da acadêmico.
dicotomia entre a cultura popular e a Uma destas ‘cláusulas pétreas’ re-
cultura erudita. fere-se às estratégias e mecanismos da
O título faz parte da “Coleção constituição dos cânones literários e
Paradidáticos”, que a Editora UNESP aos espaços existentes que os legiti-
vem publicando desde 2004, contem- mam socialmente. Levando-nos a pen-
plando uma série de livros, apoiada em sar sobre esses espaços de
temas científicos e culturais, com o ob- legitimação, que definem o que deve
jetivo de motivar os leitores, principal- ser classificado como literatura ou não,
mente as novas gerações, acerca de a autora pergunta: Quem formula estas
questões que circundam nossos espa- listas? Baseadas em quais critérios
ços, tanto da vida social, quanto do pode-se dizer que esta obra é literária
âmbito da universidade. ou não? São perguntas simples, cujas
Dentre estes temas destaca-se a respostas não foram formuladas de
“Série Cultura”, com os seguintes maneira simples. Em suas palavras,
exemplares: Culturas Juvenis: múltiplos Márcia Abreu expõe que as listas refle-
olhares, de Afrânio Mendes Catani e tem a média dos gostos particulares de
Renato de Sousa Porto Gilioli; Indústria algumas pessoas e não um padrão esté-
Cultural, de Marco Antônio Guerra e tico universalmente aceito.
Paula de Vicenzo Fidelis Belfort Outro questionamento importan-
Mattos; A persistência dos deuses: reli- te remete a um assunto caro para os
gião, cultura e natureza, de Eduardo estudos literários sobre a clássica per-
Rodrigues da Cruz. gunta ‘o que é literatura’? Sabe-se que
A obra Cultura letrada: literatura e desde Aristóteles – primeiro filósofo a
cultura aborda as relações entre litera- teorizar acerca da necessidade humana

Revista de C. Humanas, Vol. 7, Nº 2, p. 283-285, Jul./Dez. 2007 283


de representar a realidade – este tem hipóteses teóricas da Sociologia da
sido um tema recorrente para os estudi- Leitura que compreende os estudos li-
osos da linguagem literária, que rechaçam terários não apenas através da cons-
uma visão simplista para se definir cate- trução de sentidos imanentes do texto,
goricamente a literatura. mas também pelos mecanismos que,
A dificuldade de se criar concei- mesmo indiretos e externos, interferem
tos e definições padrões e modelares na elaboração de um juízo crítico do
para explicar a literatura é reafirmada texto literário.
nas discussões que o livro apresenta, sa- A seleção de livros e os critérios
lientando o caráter do dinamismo his- que balizam a publicação; o mercado
tórico e do aspecto circunstancial e re- editorial; a influência do meio acadêmi-
lativo da literatura. Em outras palavras: co e o suporte de veiculação de um tex-
a definição de literatura não é algo ob- to são elementos a serem considerados
jetivo e universal, mas sim cultural e his- numa análise mais global e abrangente
tórico, como demonstra tão bem a au- da literatura. Assim, a autora demons-
tora na análise sobre as listas de melho- tra que dependendo do suporte/veículo
res livros e/ou autores do século XX, – revista, livro, jornal, periódico acadê-
retiradas dos veículos impressos de in- mico – a ser publicado um texto, este
formação, em nível nacional. pode, à priori, ser caracterizado ‘lite-
Além disso, o livro também men- rário’, pelo leitor.
ciona, mesmo que de forma superfici- As discussões presentes no livro
al, o papel da escola na formação do apontam para o fato de que a literatura
leitor e do conhecimento literário quan- não está imune às relações ideológicas
do articula a relação entre os melho- e às articulações de poder que envol-
res livros e/ou autores de uma lista, e vem qualquer sistema social. Portanto,
as recomendações e/ou sugestões ge- nas linhas finais do livro, Márcia Abreu
ralmente feitas pelas escolas. Uma de conclui que literatura não é apenas uma
suas argumentações expõe que a esco- questão de gosto: é também uma questão
la ensina a ler e a gostar de literatura. política.
Alguns aprendem e tornam-se leitores li- Vale destacar a estrutura didática
terários. Entretanto, o que quase todos adotada pelos editores. Como parte do
aprendem é o que devem dizer sobre de- objetivo pedagógico da Série, o livro
terminados livros e autores, independen- propicia uma leitura fluente e prazerosa
temente de seu verdadeiro gosto pesso- na medida em que as reflexões teóricas
al, ponto este importante porque con- são ilustradas com exemplos próximos
sidera a existência do leitor, com seu das nossas vivências contextualizadas na
repertório cultural prévio e seu conhe- cultura letrada.
cimento de mundo. Além disso, as páginas finais do
Tal discussão desencadeia um se- livro trazem um Glossário; Sugestões
gundo ponto de real importância pre- de leitura e um roteiro de Questões
sente no livro referente aos fatores in- para reflexão e debate. Orientações tão
diretos que circundam o mundo da li- ao molde dos manuais didáticos de an-
teratura. A autora corrobora com as tigamente, mas importantes quando se

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pensa num público cada vez menos fa- ções científicas voltadas não apenas
miliarizado com o conhecimento lite- para o campo da Teoria Literária, mas
rário e com a experiência de leitura es- também para a História da leitura e da
tética, oportunizada pela literatura Sociologia da leitura.
propicia.
Finalmente, cabe dizer que esta é Elisa Cristina Lopes
uma leitura imprescindível para aqueles Professora do Departamento de Letras da
que desejam trabalhar com investiga- Universidade Federal de Viçosa

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