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Chá da Tarde

Conversas inspiradoras e cheias de natureza

Temporada 2021
Chá da Tarde
Temporada 2021

Criação, organização e editoração por 


Ana Carol Thomé

Revisão
Miriam Pires Keesse

Textos e Imagens:
Participantes das conversas
Chá da Tarde ao longo de 2021

Este e-book é um registro das conversas Chá da Tarde | Temporada 2021,


atividade idealizada e realizada pelo Ser Criança é Natural. Todos os textos e
imagens foram criados pelos participantes.

Trechos desta publicação e os links das conversas podem ser reproduzidos -


por qualquer forma ou meio, mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação,
etc. - sempre fazendo referência ao autor do texto e Ser Criança é Natural -
Instituto Romã. Para compartilhamento das conversas deve ser utilizado o
link original do canal Ser Criança é Natural no Youtube, indicado em cada
sessão.

Distribuição gratuíta realizada através dos canais do Ser Criança é Natural

ISBN 978-65-996899-0-1

Brasil | 2021
®Ser Criança é Natural é marca registrada de Ana Carol Thomé
Conversas inspiradoras
e cheias de natureza

Vamos tomar um chá?.............................................................................. 3


1. Família e natureza: refúgios em meio à pandemia................................ 6
2. Arte e ciência: natureza para além das fronteiras................................. 17
3. Quintais................................................................................................. 23
4. Escuta e Ação! Ações e transformações nos espaços da escola........... 31
5. O brincar na natureza com crianças bem pequenas em contextos coletivos... 36
6. Ciclos da natureza: crianças, abelhas e alimentos................................ 44
7. Crianças e natureza: vínculo, afeto e relação....................................... 51
O sabor do chá......................................................................................... 58
Vamos tomar um chá?
Ana Carol Thomé
@sercriancaenatural

Em 2020 o mundo estava em isolamento. momento em que estar do lado de fora


Professoras e professores precisaram ser não é opção, é saúde e segurança (e
criativos e transformar completamente para nós é um empurrãozinho para o que
seu trabalho. E eu, que acredito que a acreditamos: educação e natureza
escola é lugar de aprender sobre o juntas!)
mundo, de viver boas experiências e Em 2021 meu desejo foi conhecer novas
ampliar a relação com a natureza, fiquei práticas, novas pessoas, mais e mais
desejando que boas práticas que possibilidades. Assim, abrimos um edital e
considerassem esses valores surgissem. E educadoras e educadores do Brasil e do
surgiram! Senti um desejo imenso de Mundo se inscreveram. 16 foram
tomar um chá da tarde com quem estava escolhidas para tomar o Chá da Tarde
por trás dessas ações para saber mais! E comigo, ao vivo. Ao longo do ano, 7
por que não tomar um chá enquanto conversas inspiradoras aconteceram
estamos ao vivo, e compartilhar essa compartilhando práticas em educação
conversa para inspirar que mais e mais formal, não formal, e em família.
práticas como essa aconteçam? Cada conversa é um movimento. Cada
Foi assim que em Maio de 2020 conversa é um impulso. São pessoas,
começamos a série de lives Chá da Tarde grupos, encontrando maneiras de ter
- conversas inspiradoras e cheias de mais natureza em suas rotinas, de ampliar
natureza. A cada conversa uma a relação das crianças com o mundo.
inspiração para as ações remotas Esta publicação encerra a temporada
provocarem a relação com a natureza, ou 2021 do Chá da Tarde com a reunião
ainda repensar as ações presenciais num todas essas conversas com o desejo de
que
4
que mais pessoas bebam desse chá
conosco!
O livro está dividido pelos papos. Na
página que indica o nome da conversa
existe um QrCode. Se você estiver
usando a versão digital, basta clicar
sobre que será direcionado ao vídeo
correspondente. Se estiver usando uma
versão impressa, basta escanear.
Que cada uma dessas pessoas e dessas
conversas possa lhe inspirar a levar mais
e mais natureza para sua rotina e que
mais crianças tenham a oportunidade de
brincar com a natureza.
Vamos tomar um chá?

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Família e Natureza:
refúgios em meio a pandemia

Camila Izoli
Carolina Larrubia Guilen
Daniele Araújo Ferraro
Renata Laurentino

Prepare um chá e assista essa conversa


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Abril/2021
Achadouros da infância

Camila Izoli
@camilaizoli

Viver dias inteiros dentro de casa trouxe- lugar, como prioridade.


me um certo estranhamento e uma Nesse percurso, passamos a conhecer
infinidade de inquietações. Passei a cada canto, a olhar as nuances, as
perceber que aquele espaço tão íntimo sombras, as luzes, a perceber outros
era, ao mesmo tempo, um tanto seres que estavam partilhando o espaço
desconhecido, havia nele lugares conosco. Não estávamos sozinhos, havia
inabitados, outros supervalorizados, mas os pássaros, a goiabeira que nascera
o que mais me impactou foi observar que naturalmente (ou magicamente), o
era um ambiente de adulto, mesmo movimento do sol em nosso quintal, uma
tendo dois meninos percorrendo a casa. “aranha muito ocupada” que, entre as
Como uma educadora estudiosa da folhas do coqueiro, teceu sua teia e lá
infância não enxerguei isso antes? Às passou a viver despertando a
vezes é preciso fazer uma viagem curiosidade de todos os habitantes que
interna, adentrar em camadas mais passaram a acompanhar, diariamente, as
profundas e silenciosas, para se auto suas aventuras.
analisar, analisar as identidades das A vimos tecer a sua teia depois de um
coisas e a sua própria identidade. Eis vendaval, assim como reparamos o seu
que fui provocada por esse convite e ninho cheio de filhotes, observamos a
passei a olhar o meu lar, a minha casa, aranha se alimentar enrolando seu fio
como um sujeito de relação, dialogar sedoso num mosquito, como também a
com todas as suas nuances e fazer dela alimentamos levando alguns insetos até
um ambiente que colocasse as crianças a sua casa. E, assim, passamos a
(meus dois meninos), habitantes daquele acompanhar o seu cotidiano... Uma vida

7
dentro de nossa morada. certeza de que “Meu quintal é maior do
Dentro desse mesmo quintal, nasceu uma que o mundo.”⁣c
cozinha para os meninos criarem,
inventarem suas receitas de grãos, terra,
folhas, flores e os ingredientes que
encontravam em suas expedições pela
casa. Durante suas culinárias alguns
feijões escapuliram, rolaram e se
aconchegaram na grama do quintal.
Um quintal que habita experiências fez
brotar os feijões e florescer. Um percurso
da natureza que convida o olhar a
acompanhar as transformações, o
crescimento, a força da vida. Os feijões
cresceram, ganharam folhas, flores,
vagens, novos feijões. Um ciclo vivido ali,
diante de nós que ficaria registrados em
nossas lembranças de um tempo-espaço
de um lugar mais que especial, a
natureza do nosso quintal.
Agora, esse quintal possui uma
proporção ainda maior, divaga e viaja
por muitos outros lugares, com tempos
transitórios, outras percepções e
desimportâncias. Passamos a viver outros
quintais, fora de nossa casa, foi neste
instante, imersa num brincar peregrino
que percebi que na verdade o quintal
mora dentro de mim, de meus meninos,
de nós, e o levamos para onde for.
“Tenho abundância de ser feliz por isso”
pois me faz ter a sensação, quase que a

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Camila é mãe, educadora, estudiosa e pesquisadora sobre a cultura da infância e a
abordagem de Reggio Emilia. Continua trilhando seu percurso como transformadora de
cotidianos, investigando "Achadouros da infância” pelos quintais do mundo no seu motorhome.
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A descoberta de um refúgio

Carolina Larrubia Guilen


@carolina_larrubia_guilen

Em meio a mudança radical que o recebi essa imagem como resposta de


mundo vivenciou desde a chegada da meu desejo, um lugar para eu e minha
Pandemia Covid-19, nos vimos obrigados família respirarmos.
a nos isolar em nosso lar, um Passamos a frequentar o Morrinho
apartamento de 54m² localizado no diariamente, sem hora exata para estar,
bairro Caxambú na cidade de às vezes pela manhã, às vezes pela
Jundiaí/SP. No início, o desconhecido tarde, mas sempre estávamos lá. Ele
tomou conta então, nos sentíamos muito passou a ser nosso refúgio, para as
seguros em nosso lar: Eu, Hugo, Isabelle, meninas correrem, brincarem, estarem
Ana Lis e Lorena. Mesmo já o habitando em contato com a natureza, descobrirem
por cinco anos, nunca estivemos por suas sutilezas, sendo parte, ouvindo o
tantas horas e dias ininterruptos em seu canto das diversas aves que o
interior. Com o passar dos meses, habitavam, observando o céu, sentindo o
começamos a nos sentir sufocados, vento, contemplando o pôr do sol,
ansiosos e tensos, precisávamos respirar, sentindo as gotas da chuva, brincando
nos movimentar. com as sombras de nossos corpos. Ele
Então, um dia ao abrir a janela do meu também abrigou nossos momentos
quarto, bem em frente, avistei uma reflexivos, nossos choros, nossos risos,
pintura, um Morrinho todo verde, com desaceleramos nossa frequência,
árvores em sua extensão e um caminho meditamos, encontramos a paz,
de terra já desenhado no chão, o céu respiramos.
azul destacava as cores dos elementos o O Morrinho nem imagina a importância
tornando mais vivo. Naquele momento, que tem em nossas vidas, ele sempre
recebi bom
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esteve ali, nos faltava enxergá-lo. Que
bom, que abri a janela, que minha família
aceitou seu convite, que fomos a seu
encontro, ganhamos muito, vivemos e nos
abrigamos.
O desejo é que todos possam estar
atentos à natureza ao seu redor, que
possam se conectar com ela e viver seus
encontros!

Carolina é mãe de Isabelle, Lorena, e Ana Lis. Pedagoga, atuando na Educação Infantil,
atualmente com bebês em uma instituição pública. Amante da natureza.

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Do apartamento para o mundo

Daniele Araújo
@vidademae_vidadecrianca

Com o nascimento da minha filha mais trancados em casa, com a rotina louca
velha, a Bárbara, despertou em mim um de uma mãe que trabalha fora, cuida da
interesse sobre a educação na casa, das crianças, e também aulas
primeiríssima infância. Logo veio o online. Isso me fez repensar demais sobre
nascimento da segunda filha, a Laura, e a educação das meninas e como quero
esse interesse cresceu muito quando que seja no futuro.
percebi que as crianças de hoje em dia Com isso intensificamos nossos
estão tendo oportunidades bem momentos mais simples de lazer em
diferentes das que nós tivemos há 30 casa, abrimos os olhos para o mundo
anos atrás. pela janela, percebemos os pequenos
No meio dessa curiosidade crescente, detalhes da vida, e principalmente, a
conheci o Ser Criança é Natural que me natureza que somos.
inspirou a proporcionar para minhas Começamos com as propostas mais
filhas ainda mais, um aprendizado simples que vimos na "Experiência da
natural despertado pela natureza. E Semana" do Ser Criança é Natural, e
consequentemente, a disseminar esse com isso paramos para sentir o vento,
conhecimento para que mais crianças perceber as mudanças de cores, brincar
tenham acesso a importância que a com as formas das nuvens. Essa paixão
natureza tem nas nossas vidas, pela natureza foi crescendo a cada dia e
principalmente nos primeiros anos de montamos nossa horta em casa, fizemos
vida dos nossos pequenos. diversos vasos, cuidamos do jardim do
Durante a pandemia, como a grande prédio, aprendemos que existe a roupa
maioria das famílias, nos vimos tr certa para cada ocasião, criamos
tancados diversos
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bonecos gravetos e hoje nosso passeio
preferido é nos parques, com o pé
descalço, ao ar livre, e principalmente,
abertos ao aprendizado que a natureza
nos proporciona.

Daniele, formada em TI, mãe de 2 meninas e apaixonada por aprender. A maternidade


aumentou ainda mais meu amor por crianças e revelou-lhe uma paixão pelo aprendizado
natural despertado pela natureza
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UM convite para brincar com o céu

Renata Laurentino
@renatalaurentino

Estávamos em casa há muito dias, um possivelmente estava acontecendo lá


misto de sentimentos novos atravessavam fora, e não estava percebendo o que
meu corpo, minha mente e minha alma, estava se passando dentro de mim, nas
eu desconhecia essa experiência que sutilezas das relações com a única
chamamos de “isolamento”. criança que eu estava convivendo, e com
Um dia, minha filha Lina, começou a a natureza ao meu redor.
apontar para o céu. Ela me chamou com Então, resolvi criar um espaço-tempo
muita euforia e começou a mostrar os para viver essa experiência mais vezes e
pássaros que voavam, as nuvens, as de maneiras diferentes. Passei a me
pipas. presentear com uma ou duas horas
Quando me vi, estava deitada no chão, diárias, marcada na agenda, para estar
com meu corpo extremamente relaxado, comigo e com Lina, e ver o que
respirando lentamente, e olhando o aconteceria, se estivessemos em contato
movimento lento e sutil das nuvens. com nossa criatividade, curiosidade, e
Não me recordo a última vez que vivi em relação com a natureza e a arte.
uma experiência assim. Eu já tinha Na minha cabeça esse momento diário
observado as nuvens, a chuva, o nascer se tornou uma brincadeira, um jogo
da Lua, o pôr do Sol. Mas o que estou cotidiano, um experimento. Aos poucos
querendo contar, é sobre um sentimento fui refinando meu propósito e minhas
de integração, de êxtase, de presença intenções. Nos primeiros dias o tédio, as
em um tempo de medos e incertezas. preocupações, os julgamentos me
Foi nesse dia, que percebi o quanto eu acompanharam, mas em bem pouco
estava focada em tudo que tempo acontecimentos extraordinários se
possivelmente
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revelavam diante dos meus olhos, e nosso quarteirão e na praça do bairro, o
através das minhas emoções. O que nos revelou uma diversidade enorme
desconhecido que estávamos de plantas, bichos e seres humanos.
atravessando, se tornou mais confortável Pudemos observar as estações do ano, a
e aconchegante. diferença de luminosidade com o passar
Percebi que meu foco de atenção do dia e as fases da Lua.
começou a estar nas sutilezas Esse experimento durou
cotidianas. Desafiei-me a usar uma lente aproximadamente 400 dias ininterruptos,
imaginária, que me ajudou a encontrar e ainda segue em nossas vidas,
miudezas e grandezas. Lina, minha transformando muito a forma como nos
companheira de aventuras cotidianas, expressamos e nos relacionamos com a
esteve o tempo todo com suas lentes natureza que somos.
novas, com um foco muito refinado, Não quero que esse texto pareça a
capaz de ver a longa distância e romantização de um dos períodos mais
também os microdetalhes quase desafiadores da humanidade, junto com
imperceptíveis aos olhares de pessoas tudo que descrevo aqui, estava o luto, a
adultas, atarefadas como eu. indignação e uma sensação de
Nossas experiências/brincadeiras impotência.
aconteceram em todos os cômodos da O que trago é um relato sobre como
casa, em cantinhos inusitados, alguns apesar dos desafios internos e externos,
deles pouco explorados anteriormente. consegui me reconectar com a natureza
Pintamos no banheiro, cozinhamos no e com a vida que estava pulsando em
quintal, acampamos no quarto, mim, para me fortalecer, reconhecer e
transformamos nossa cozinha num ateliê me reconectar com a potência que
com elementos naturais, plantamos para existe na “comunidade vida”.
comer, e recebemos visitas que Esse tempo nos revelou muito sobre
chegaram através dos ares, como: arco- nossas escolhas cotidianas e coletivas,
íris, pássaros, insetos, borboletas e uma sobre nossa capacidade de criar e re-
diversidade de plantas que pousavam em criar realidades. Nos aproximou da nossa
nosso quintal depois que se fragilidade humana, e da nossa
desprenderam de suas árvores. grandeza como natureza. Nos deu a
Aos poucos foi possível estar do lado de oportunidade de estar, ver e escutar as
fora, e fizemos inúmeras expedições em crianças. Sinto que temos mais uma
chanc
15
chance nesse jogo, muita coisa para
aprender nessa brincadeira de viver na
Terra. É no dia-dia, hora-hora, minuto-
minuto que podemos ampliar nossa
consciência, nossas percepções e fazer
novas escolhas, nos inspirando e nos
fortalecendo para estarmos em
harmonia.
Se tiver interesse em ver um pouco
dessas experiências, acesse esses guias
que fiz na minha página do Instagram:
https://www.instagram.com/renatalaure
ntino/guides/

Renata é mãe da Lina, artista-educadora, brincante, mãe, e facilitadora de projetos


comunitários com foco nas infâncias.

16
Arte e ciência:
natureza para além
das fronteiras

Carolina Capanema
Ana Maria Rosa

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Maio/2021
Em tudo vejo natureza

Carolina Capanema
@emtudovejonatureza

Rubem Alves dizia que ostra feliz não faz que se inclui a própria pandemia do
pérola. Para ele, a criação é uma corononavírus, me senti impelida a dizer
resposta às nossas dores e a única capaz que a minha área de atuação, a história,
de transformar tragédia em beleza. Não também poderia contribuir na
a elimina, mas a torna suportável. Em elaboração de uma visão crítica sobre as
Tudo Vejo Natureza nasceu de uma crises que atravessamos e na construção
situação desafiadora, em meio a uma de um mundo socialmente menos injusto
pandemia que nos alçou, a todos/as, ao e ambientalmente mais equilibrado.
reino das incertezas e da falta de O nome “Em Tudo Vejo Natureza” surgiu
perspectiva. A página é, antes de tudo, do exercício de pesquisa em história
um desejo de comunicação, de contato; ambiental, mas também do meu gosto
o resultado de uma vontade de (desenvolvido desde a infância) em estar
comunicar ideias e reflexões que ao livre, na natureza, seja no meu quintal
fervilhavam internamente no momento ou a passeio. Ao longo dos anos, a união
em que fomos impedidos/as de nos destas duas perspectivas me levou a
comunicarmos da forma como fazíamos estar/ser cada vez mais atenta, curiosa
antes da imposição do isolamento social. e observadora das relações que nós,
A página também se originou do desejo humanos/as, estabelecemos com os
em divulgar minha área de interesse de bichos, as plantas, os fungos e os
estudo e pesquisa – a história ambiental microrganismos que coabitam este
–, que é pouco conhecida fora dos mundo conosco. Passei a ver natureza
espaços universitários. Em meio a tantas em tudo.
crises socioambientais do presente, em Na página faço reflexões que são
que geradas
18
geradas pelas minhas atividades com as outras vidas que nos cercam).
profissionais, divulgando resultados de Mas também pelo compartilhamento de
trabalhados acadêmicos em uma experiências pessoais.
linguagem mais acessível, mas também Em outra perspectiva busco, por meio da
pelas minhas vivências diárias, pelas história ambiental, incitar reflexões sobre
observações no meu quintal, e pelo como as relações entre sociedade e
contato com as pessoas que me natureza se constroem no tempo e são
acompanham. As experiências cotidianas forjadas por decisões que se vinculam
e a troca com o público contribuíram e aos contextos culturais, políticos e
contribuem para a constante sociais de cada época. Trato de assuntos
(re)invenção do projeto, pois a prática como: as diferentes formas pelas quais
vai apurando a criatividade e afinando o cada sociedade percebe e conceitua a
olhar. Muitas ideias surgem de natureza²; como as plantas podem nos
experiências comuns, onde eu aprendo ensinar sobre estrutura e relações de
pesquisando e dialogando com elas. poder, e até mesmo nos ajudar a
Manter a página tem sido um verdadeiro repensar preconceitos; como fazer
aprendizado e, como prática educadora, história com nossos quintais e abordar
tem comprovado o que Paulo Freire temas socioambientais de forma
dizia: “Quem ensina aprende ao ensinar interdisciplinar³.
e quem aprende ensina ao aprender”.
Penso que a atuação de Em Tudo Vejo
Natureza se dá em duas frentes ou
camadas: à primeira vista, procuro
trabalhar com a sensibilização das
pessoas para temas socioambientais,
buscando mobilizar sentidos e afetos por
meio de fotografias, músicas (geralmente
apenas nos stories do Instagram), ou da
literatura (com citação de trechos de
livros ou pelo podcast “Florilégio – uma
antologia da natureza”¹, em que leio
trechos de livros que tratam, direta ou
indiretamente, das relações humanas
com
19
Embora o foco da página não seja
diretamente as relações entre crianças e
natureza, como a maior parte das
experiências aqui compartilhadas,
acredito que a abordagem de Em Tudo
Vejo Natureza possa contribuir para a
geração de ideias e promoção de uma
educação ao ar livre e com a natureza,
como propõe o Ser Criança é Natural.
Convido vocês a virem comigo!
1- https://bit.ly/podcastflorilegio
2. https://bit.ly/natsecXVIII
https://bit.ly/arqearv
https://bit.ly/plantaseantropocentrismo
3. https://bit.ly/samambaiapoder
https://bit.ly/plantaepreconceito
https://bit.ly/histequintal

Carolina é mineira e historiadora que em tudo vê natureza. Formada em História pela UFMG,
com doutorado pela mesma instituição, atualmente é professora universitária.

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Arborecer: um projeto de dança
e meio ambiente

Ana Maria Rosa


@arborecer

Já imaginou ser uma árvore por um dia? Nossa proposta é contribuir ao processo
Como se sentiria? O que perceberia do de (re)conhecimento do eu-corpo, para
entorno? Como se comunicaria? então fomentar o olhar para o outro-
Como se movimentaria? corpo, para o outro-lugar, outro-
“Arborecer” surge justamente destas ambiente... para o mundo.
provocações e nas minhas reflexões Gostamos de definir “Arborecer” como
pessoais enquanto bailarina-educadora um projeto artístico-educativo que
ambiental-produtora cultural. explora a dança como ferramenta para
Acreditamos que o exercício de nos a sensibilização ambiental.
colocar no lugar do outro, neste caso, A dança que entendemos é aquela que
uma árvore, pode ajudar a gerar a reconhece a identidade única de cada
empatia e a conexão tão preciosa e um, que promove a participação de
necessária com a natureza. forma aberta, inclusiva e ativa de todas
Como bem dizia Manoel de Barros: “... no as pessoas. Uma dança de todos e para
estágio de ser árvore, meu irmão todos, onde o processo é mais
aprendeu de sol, de céu, mais do que na importante que o resultado.
escola... Seu olho no estágio de ser A árvore como motivação criativa
árvore aprendeu melhor o azul.”. (presente em todas nossas atividades)
Trabalhamos a partir da nossa natureza funciona como um ativador de
mais primitiva: nosso corpo, e nossos percepções e olhares ao meio ambiente.
movimentos, a partir de uma Trazemos a natureza para dentro e a
metodologia com foco no experienciar experimentamos através do corpo em
criativo e coletivo. movimento.

421
A árvore como motivação criativa
(presente em todas nossas atividades)
funciona como um ativador de
percepções e olhares ao meio ambiente.
Trazemos a natureza para dentro e a
experimentamos através do corpo em
movimento.
Confira o vídeo do trabalho Arborecer el
Cole no Qrcode.

Ana é bailarina, especialista em gestão de projetos culturais, engenheira ambiental e mestre


em ensino de ciências/educação ambiental. Natural de Campo Grande – MS, desde 2015 vive
em Madrid, Espanha, onde coordena o projeto Arborecer.
22
Quintais:
relações em espaços e tempos
maiores que o mundo

Movimento Quintais Brincantes


Lilian Villanova

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Junho/2021
Quintais brincantes: um movimento

Quintais Brincantes
@quintaisbrincantes

Em 2019 nasceu em terras brasileiras, o perguntar, as escolhas que iríamos fazer,


“Movimento Quintais Brincantes”. O primeiro escutar as diferentes ideias, respeitar o
encontro do MQB aconteceu no Voador, em tempo do outro, enfim, construir
Atibaia – SP, com o intuito de reunir diversos coletivamente. Percebemos a riqueza de
Quintais do Brasil, que vêm a natureza como viver processos de aprendizagem mais livres
principal território do brincar e que honram e de levar para nossas relações os valores
as crianças que os habitam. que vivemos em nossos quintais.
No Ano de 2020, por conta da Pandemia, o Participaram deste questionário 52 Quintais,
segundo encontro não pôde ser realizado e espaços de educação não formais, em sua
as trocas passaram a ocorrer por plataforma maioria. Por dois meses analisamos as
virtual. Passamos a nos encontrar respostas e realizamos uma apresentação
semanalmente: um espaço-tempo para nos com parte dos dados analisados. Com este
conhecermos melhor e, também, de amparo questionário pretendemos “coletar dados
e acolhimento neste momento tão para que sejam realizadas pesquisas
desafiador. Nessas apresentações foi ficando científicas, publicações, livros, filmes,
claro que tínhamos várias características políticas públicas, entre outras ações sociais
parecidas e desses encontros surgiu o desejo que fortaleçam as infâncias e promovam a
de formarmos um grupo de pesquisa. troca de experiências entre educadores,
Parte deste grupo, do qual eu faço parte, famílias e outros interessados”
trabalhou durante quase três meses O Movimento dos Quintais Brincantes
elaborando um questionário para conhecer continua seus encontros em 2021. Passamos
melhor o universo dos Quintais que surgiram a criar diferentes grupos de trabalho -
no Brasil nos últimos anos. Foi um percurso de comunicação, brincadeiras, pesquisa,
muita troca até afinarmos o que queríamos produção e formação - a partir das novas
saber, definirmos a melhor forma de necessidades. Esse é só o início de um
perguntar, movimento

Texto escrito por Isabela (Aldeia das Crianças) Bruna Silva (Quintal Obaobá) e Larissa (Nosso Quintal SL) 24
movimento coletivo de muita potência, que é resíduos recicláveis, 72% plantam ervas
constituído por pessoas maravilhosas que medicinais e 64% têm pomar.
vivem e trabalham em prol das crianças Também mapeamos a fauna e flora desses
desse Brasil. Também estamos nos espaços e percebemos a riqueza e
organizando para fazer uma publicação com diversidade que habitam nossos quintais.
os dados dessa pesquisa. Depois de analisar todos os dados da
Na pesquisa ficou evidente que a natureza é pesquisa podemos afirmar que os quintais
o principal território das brincadeiras das honram a natureza ao seu redor e entendem
crianças. 92,3% dos quintais de jardim. a natureza como mestra. Somos a natureza,
não estamos separados dela.
“A substância do brincar é a alegria. A Os quintais promovem uma infância com pés
natureza é seu território primordial” na terra, para as crianças terem profunda
Lydia Hortélio conexão com o que são.

Na pesquisa percebemos algumas diferenças Viva as Crianças, Viva a Natureza e Viva


entre os espaços físicos dependendo da o Brasil!
localização. Em relação à área interna, vimos
que não há muita diferença entre os quintais No percurso da pesquisa um dos tesouros foi
do interior e das capitais onde a média de poder viver na relação dos adultos os
tamanho é de 277m2. Já a área externa varia mesmos valores que vivemos com as crianças
muito! Vai de 50m2 a 180.000m2. Com isso em nossos quintais.
percebemos que o tamanho dos espaços não Participar da rede de Quintais nos movimenta
é um limitante para práticas transformadoras e impulsiona a continuar lutando pela
mudança que precisamos para uma
com as crianças. Quintais do interior são, em
educação com olhar para a infância e a
média, 30 vezes maiores que os quintais das
natureza.
capitais em suas áreas externas. A rede se torna potente pois nela vários
Também investigamos sobre práticas que sotaques, experiências e brasilidades se
rompem os muros físicos dos quintais e encontram diariamente nos grupos de ninho,
utilizam as cidades como espaços pesquisa, comunicação, formação, mentoria,
educativos. A maior ocorrência está na ida à brincadeiras e o grupão que nos permite uma
praças e parques, com 61,5% dos quintais escuta ativa, abraçamos nossas angústias e
realizando essa ação. resolvemos problemas em comunidade.
Algumas ações permaculturais também Quando de forma coletiva escutamos o
fazem parte dos quintais, as que mais outro, contribuímos para o bem comum de
aparecem são: 88% têm horta, 74%fazem todos os quintais, fortalecendo cada ser ativo
compostagem, 74% fazem separação de
residuos
25
que faz parte do movimento.
Hoje o movimento ganha ainda mais
força tanto nas redes sociais quanto de
forma física nas cidades que habitam,
pois quanto mais nós apoiamos nos
fortalecemos!
O quintal mora dentro de nós!
Um quintaleiro, faz um quintal acontecer
em qualquer lugar!

Quintais Brincantes é um movimento que propõe práticas educativas brasileiras amparadas


pelo brincar livre e a natureza.

26
Ubuntu Nation - Um quintal no malawi

Lilian Villanova
@educandoesonhandopelomundo

No dia 20 de junho, dia internacional do lugar. Vejo hoje como é relevante dar
refugiado, tive a honra de compartilhar num visibilidade ao que se passa nos campos de
Chá da Tarde do Ser Criança é Natural um refugiados mundo afora, pois esse é o
pouquinho sobre um projeto que tenho a destino que cada vez mais encontra uma
felicidade de participar in loco há mais de parcela considerável da população mundial,
dois anos, a Ubuntu Nation School. Esse de diferentes origens, por motivos diversos.
projeto social de educação tem como Uma vez que uma pessoa deixa o seu Estado
particularidade servir a comunidade de um nacional, perdem-se todos os direitos
campo de refugiados de guerra – Dzaleka individuais e sociais que lhe eram garantidos
Refugee Camp - localizado no Malawi, país (mesmo com todos os problemas internos que
do sudeste africano. Nesse lugar, vim me já existem nos seus países de origem). A
estabelecer com minha família em 2019, para maior parte das pessoas que se encontram
contribuir na construção coletiva de uma concentradas em um campo de refugiados
escola que tem como valores os princípios da passa a depender unicamente da ajuda
filosofia Ubuntu, filosofia de origem sul- humanitária oferecida pela ONU, sem
africana que tornou-se a bandeira de quatro amparo de qualquer Estado-Nação
jovens refugiados de Dzaleka, fundadores e específico. Enquanto refugiado, você se
líderes do projeto Nação Ubuntu. torna, na prática, um pária da humanidade.
A crise dos refugiados é uma das crises Dzaleka abriga quase 50.000 pessoas, vindas
humanitárias mais importantes da atualidade principalmente da República Democrática do
e, apesar disso, ela passa despercebida pela Congo, mas também de outros países da
maioria das pessoas. Tudo o que sei hoje África Central. Pessoas forçadas a fugir de
sobre o assunto aprendi estando aqui. Esse seus países em função de conflitos civis,
nunca foi um tema na escola, na faculdade, guerras, conflitos étnicos, perseguições
nos meus círculos de convivência, em nenhum políticas etc. No mundo de hoje, são mais de
lugar.

27
80 milhões de pessoas forçadas a deixar 1. O aprender é natural e toda criança se
seus países – deslocados internos e desenvolve plenamente quando lhe é
refugiados. Isso significa oferecido um ambiente (físico e de
aproximadamente 1 em cada 95 pessoas relações) de segurança, não-violência,
no mundo. 85% dessas pessoas vivem em afeto e confiança para livre exploração
campos de refugiados localizados em e brincar;
países muito pobres. 50% dessas pessoas 2. Nesse sentido, o brincar apresenta-se
são menores de 18 anos. como o eixo pedagógico principal da
Em Dzaleka, dado o elevadíssimo número nossa proposta;
de crianças em idade escolar, a falta de 3. O espaço privilegiado desse brincar é
vagas na escola é algo que compromete o lado de fora;
o sonho de muitas famílias de pavimentar 4. A criatividade, a expressão cultural e
o caminho para um recomeço de artística e os saberes comunitários são
maiores oportunidades no futuro. Foi elementos centrais do nosso fazer
diante dessa demanda comunitária que quotidiano;
o projeto Nação Ubuntu nasceu, com a 5. Em uma comunidade multicultural, o
firme crença de que a educação tem o respeito e a valorização das diversas
mais poderoso potencial de manifestações de visões de mundo e
transformação da realidade. Depois de modos de vida são fundamentais para o
muitos desafios e muita maturação em aprimoramento das relações humanas e
relação ao projeto de escola adequado para uma cultura de paz.
ao contexto local, a Ubuntu Nation
School abre as portas no início de 2020
para mais de 200 crianças refugiadas e
malawianas dos vilarejos rurais vizinhos,
inicialmente como uma escola de
Educação Infantil. Uma escola gratuita e
de qualidade, sustentada pela ONG
brasileira Fraternidade Sem Fronteiras,
que viabilizou a realização desse sonho.
Na EI da Ubuntu Nation School,
acreditamos nas seguintes premissas
para uma educação de qualidade:

28
Propomos uma visão integradora do de África. Somos todos, essencialmente,
desenvolvimento humano, que valoriza na educadores-artistas, ou melhor dizendo,
mesma medida competências educadores-brincantes!
socioemocionais, físicas, cognitivas e Essa é, em poucas palavras, a mensagem
criativas. Acreditamos que esse é o que eu poderia deixar nesse dia tão
caminho adequado para qualquer importante. Como diz um dos fundadores
contexto, mas especialmente em um do projeto Nação Ubuntu, Maick Mutej,
lugar onde as crianças convivem com em relação à população refugiada de
traumas crônicos. Privilegiamos a Dzaleka: "A única coisa que nos impede
utilização de materiais simples e da de fazer mais é a falta de
natureza, bem como o contato diário oportunidades. Tendo oportunidades de
com espaços naturais. aprender e mostrar nossos talentos, o
Entendemos a escola em contextos de mundo todo se surpreenderia com o que
alta vulnerabilidade social como um somos capazes".
lugar privilegiado para promover a
proteção da criança, seja garantindo sua
segurança alimentar (aqui, elas se
alimentam duas vezes por dia), seja
disseminando informação e combatendo
as diversas formas de abuso infantil e
violações aos direitos da criança.
Acima de tudo, consideramos o afeto e a
qualidade das relações entre todos os
membros da comunidade escolar o
elemento-chave para o sucesso de nossa
prática. Apesar de todos os desafios já
mencionados da vida em um campo de
refugiados, somados ao contexto de uma
pandemia global, nutrimos um ambiente
de trabalho de leveza e alegria,
permeado de muitas gargalhadas,
música, dança, canto, histórias, como
não podia deixar de ser em se tratando
de
29
Lilian é mão de Lis, Luna Rosa e Amani, companheira de Gabriel, diretora da Ubuntu Nation
School, em Dzaleka - Malawi.

30
Escuta e Ação!
Ações e transformações nos
espaços da escola

Débora Robles
Rosilda Maria dos Santos Araújo

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Agosto/2021
Guardiões da Natureza

Débora Robles
@deborarobles

Acreditar que a semente plantada hoje será impacto direto na natureza, consequência
o fruto de amanhã, trabalhar a direta nos animais, principalmente os
conscientização ambiental de forma fluída e marinhos eram pontos levantados
descomplicada, gerar nas crianças um olhar frequentemente pelos alunos.
diferenciado para os resíduos gerados dentro Este engajamento imediato nos mostrou a
da instituição de ensino despertando a importância de trabalhar o tema logo na
atenção delas para o impacto e sua primeira infância. É a nossa própria
responsabilidade com o meio ambiente em conscientização e postura sobre o tema que
que estão imersas. Este tipo de determinará a evolução deles. Enquanto não
conscientização possibilita a formação de transformarmos estas ações em atitudes
adultos mais responsáveis ambientalmente, presentes do nosso dia-a-dia como uma
trazendo para a sociedade toda uma cadeia rotina, algo realizado sem esforço, será difícil
diferenciada de indústrias e pequenos e convencê-los, pois ao meu entender, é o
médios negócios, além de ambientes como nosso comprometimento que passará a
condomínios e casas ecologicamente mais verdade de que eles precisam, para seguirem
responsáveis. este caminho.
Algumas rodas de conversa e reflexões foram
feitas até que chegamos a conclusão que
deveríamos comunicar as outras crianças da
escola. O pequeno projeto começou a se
espalhar despertando um interesse maior do
que imaginávamos e novas vertentes
relacionadas ao assunto começaram a surgir.
Coleta, classificação dos materiais
recicláveis, tempo de decomposição,
impacto

32
Débora é pedagoga, fotógrafa e cursa pós-graduação em Educação Ambiental. Em seu canal
no Youtube traz informações e dicas sobre responsabilidade social e sustentabilidade.

33
Novos olhares. Novos Espaços.

Rosilda M. S. Araújo
https://donajota.com/

As brincadeiras e interações estão presentes crianças pudessem desenhar entre as árvores


no dia a dia da escola de educação infantil, e as flores, nossa intenção é que elas se
é por meio delas que as crianças movimentassem, por isso, não tem cadeiras.
compreendem o mundo ao qual estão A intervenção mais ousada que realizamos,
inseridas. Acreditamos que todo o espaço foi quando resolvemos transformar parte do
escolar tem que ser pensado como espaço, campo de futebol, um espaço antes
de vivências, possibilidades e de utilizados apenas para correr, ganhou árvores
aprendizagem, que busca escutar uma frutíferas, na qual podemos observar o nascer
criança protagonista, curiosa, inquieta, que da flor até o momento de colher a fruta no
investiga a todo o momento. pé, neste espaço também transformamos a
Nosso papel como professor é ter esse olhar trave do gol em uma barraca, criamos um
atento e cuidadoso, ouvir a criança, mesmo espaço sonoro com panelas e construímos
quando nenhuma palavra é pronunciada, um caminho sensorial.
buscando maneiras de mudar o espaço A transformação do espaço externo e
externo da escola, enxergar possibilidades, coletivo exige além da coragem de apostar
transformar espaços pouco utilizados ou na mudança, a parceria da gestão, do corpo
abandonados em espaços de aprendizagem, docente, dos demais funcionários da unidade
de brincadeiras prazerosas e significativas escolar, das crianças e das famílias. Para que
que potencializem as vivências e o trabalho desenvolvido seja coletivo, no qual
experiências. Desta maneira começamos a todos entendam a importância e os objetivos,
realizar pequenas intervenções no nosso sentindo-se coautores do que está sendo
espaço externo, como por exemplo, pintar desenvolvido, transformando a escola em um
pista de carrinhos e diferentes amarelinhas lugar prazeroso.
no quintal cimentado próximo do parque. Deixo um convite para você educador, olhe
Acrescentamos no jardim mesas para que as de novo para o espaço externo da sua
escola

34
escola, mesmo que seja apenas um corredor
e imagine, pense e se arrisque a fazer uma
intervenção. No início pode parecer difícil ou
até mesmo impossível, mas eu garanto que
valerá a pena todo o empenho.

Rosilda é professora de Educação Infantil, curiosa e otimista, sempre buscando novas formas
de aprender.

35
O brincar na natureza com
crianças bem pequenas em
contextos coletivos

Marcela Chanan
Viviane Marcondes

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Agosto/2021
O cotidiano de um quintal da infância

Marcela Chanan
@culturainfantil

Essa experiência aconteceu em um espaço explorações e descobertas no quintal, foi


de educação chamado Ori-Mirim necessário construir uma relação de vínculo
Comunidade de Aprendizagem, localizado com o adulto, assim eles se sentiram seguros
na zona oeste de São Paulo, no ano de 2019. e confiantes. Começamos as explorações em
Todas as manhãs encontrava um quintal uma varanda integrada ao quintal e dias
cheio de natureza, um grupo de bebês e depois estavam à vontade para brincar por
crianças pequenas com idades entre 1 e 4 todo o espaço.
anos e uma equipe de mais dois educadores. Diariamente, os bebês e as crianças
O espaço físico possibilitava a integração chegavam, faziam suas escolhas e
dos ambientes e de qualquer um deles era começavam a brincar. O tempo parecia
possível observar os bebês, as crianças e os suspenso, demorava para passar, pois
adultos em ação. fazíamos de tudo no quintal: brincar, cantar,
Um quintal para brincar, investigar e se tocar instrumentos, ouvir história, descansar,
movimentar com liberdade a partir da tomar lanche. Embora usássemos outros
atividade autônoma das crianças. Os espaços, estar ao livre em relação com a
educadores se mantinham atentos em suas natureza se tornou o ambiente preferido das
observações e escutas para organizar e crianças e logo dos educadores.
compor os espaços com intencionalidade em Nesse quintal havia muitas árvores frutíferas
relação as escolhas de materiais naturais, (jabuticaba, acerola, romã, cereja, pitanga,
reaproveitados e do cotidiano; goiaba, amora, caqui), chão de terra com
proporcionando experiências significativas parte íngreme, tanque de areia e diversos
aos bebês e as crianças pequenas, brinquedos para escalar e se balançar. Ao
considerando suas pesquisas, singularidades olhar para cima o cenário eram as copas das
e ritmos. árvores, pássaros cantantes e o vento a
Para os bebês se lançarem em suas balançar as folhas e os galhos, um som muito
explorações

37
agradável que parávamos para ouvir intensas, mesmo nos dias frios e úmidos,
com frequência. Acompanhar as não deixávamos de estar do lado de
transformações das árvores, o fora, nem de brincar com água e sentir
desenvolvimento dos frutos e a mudança as diferentes temperaturas. Algumas
do tempo foram experiências que vezes os caminhos e poças de água
aconteceram inicialmente com a construídas pela turma da tarde
mediação de um adulto, chamando a despertavam interesse e geravam novas
atenção para um destes fenômenos e brincadeiras, outras vezes exploravam
depois os bebês e as crianças faziam pequenas doses de água em potes,
observações por elas mesmas e panelas e bacias. Outra opção era uma
compartilhavam com os educadores. torneira acessível no quintal com água
Também era comum olhar para cima por captada da chuva para as crianças
conta de colher frutos para comer na brincarem à vontade.
hora: os bebês paravam embaixo das Em um trecho em que o terreno do
árvores, apontavam para cima e quintal era íngreme, gerava um grande
balbuciavam algo. desafio para os bebês, pois tentavam e
Muitos encontros com borboletas, desciam por iniciativa própria: criavam
lagartas, caracóis, lesmas, formigas, estratégias e descobriam com o próprio
abelhas e outros. Sempre despertando corpo, ao invés do adulto pegar no colo
muita curiosidade, medo e euforia. e fazer essa descida pelo bebê.
Algumas crianças só observavam, outras É comum que os bebês conheçam o
gostavam de sentir nas mãos, fazer mundo pela boca, então me mantive
casinhas e até procurar as casinhas de próxima e atenta ao observar como eram
caracol vazias para brincar. Tínhamos as explorações, por exemplo, se levava
uma composteira onde as crianças uma pedra, uma folha, um graveto à
colocavam as cascas dos alimentos na boca qual era a expressão? Quanto
caixa e gostavam de mexer com as tempo durava essa experimentação? De
minhocas. Portanto, era comum que as que forma? Qual era reação as
crianças comentassem suas ideias e sensações? Entre os bebês, o mais novo
observações sobre a vida e a morte, os colocava com maior frequência na boca,
ciclos da vida, por essas vivências com um preferia os materiais e os momentos
as plantas e os insetos. com tinta, outro não levava nada à boca
As experiências com a terra foram e o outro parecia ter uma certa
intensas intencionalidade
38
intencionalidade mesmo de investigar. os espaços e os tempos foram muito
Quanta singularidade! importantes para testemunhar a
Pé na terra, na areia, na água, nas potência e a construção de
pedras, nos cascalhos é importante que conhecimento de bebês e crianças
bebês e crianças fiquem descalças! Nos pequenas sobre si, o outro e o quintal
dias mais frios optávamos por meias com como seu pequeno mundo.
antiderrapante ou calçado confortável. Neste quintal aprendi muito sobre a
Para algumas crianças esse processo de autoobservação na prática, aprendi a
ficar descalço demorou para acontecer, acreditar e confiar mais nos bebês e nas
foi preciso acolher sem forçar e seguir crianças pequenas. Descobri outras
com um processo de sensibilização, um infâncias possíveis, aprendi, vivi junto,
pouco de cada vez. aprimorei meu olhar para o que surge
No tanque de areia era descalço delas e para minha postura como
sempre! Um lugar de muita pesquisa, os educadora.
bebês e crianças exploravam a areia Foi uma experiência transformadora e
molhada e seca com os materiais continua reverberando na minha prática
criando várias possibilidades. Também se docente, atualmente sou Professora de
enterravam, rolavam, nadavam e Educação Infantil da Prefeitura de São
descansavam. Paulo e tenho vivido muitas aventuras
Brincar com as folhas, amassar, jogar com os bebês e crianças pequenas em
para cima, deixar as folhas, flores, frutos relação com a natureza.
e gravetos no chão ao invés de varrer,
natureza não é sujeira e possibilita
muitas experiências. Plantas, pedras,
ferramentas, baldes, bacias, brincar com
as sombras, poder viver uma fogueira e
saber como se comportar, os cuidados e
rituais de acender e apagar. São muitas
vivências!
Os desafios corporais que o ambiente
ofereceu, o contato com a natureza, as
interações e relações com os materiais,
os

39
Marcela é Pedagoga, Arte Educadora, Especialista em Educação de 0 a 3 anos, Formadora de
Professores e idealizadora do Blog Cultura Infantil

40
Arte Contemporânea da Natureza: um
percurso investigativo e criativo com
crianças de 2 a 3 anos
Viviane Marcondes
www.ceivilainglesa.org

O presente artigo tece algumas interagir e criar com os elementos da


considerações sobre o projeto “Arte natureza era imensa. Uma vez que as
Contemporânea da Natureza”, desenvolvido crianças solicitavam expressar-se em três
no ano de 2019 em um Centro de Educação dimensões, tinham interesse e curiosidade
Infantil localizado na Zona Sul da cidade de com os elementos naturais, o projeto focou
São Paulo. O projeto surgiu a partir da em desenvolver experiências de criação e
observação dos interesses do grupo, expressão com a natureza.
conforme orienta o Currículo da Cidade: Realizamos muitas experiências em conjunto
Educação Infantil (SÃO PAULO, 2019). A com as crianças e pudemos sentir a natureza
turma mostrava preferência em se expressar em sua plenitude, de forma multissensorial.
artisticamente em objetos tridimensionais. Aliamos o processo criativo com as
Nos cantos pedagógicos, era comum que experiências, uma vez que compreendemos a
deslocassem riscantes para desenhar em arte como processo e expressão dessa
embalagens do kit de médico, por exemplo. A vivência. Sair para o parque na chuva,
partir dessa percepção, as professoras coletar gotas, pintar com terra molhada,
seguiram sondando para compreender como experimentar e observar gelo de água da
esse interesse se desdobrava. chuva e de folha de boldo, pintar junto com o
Nos momentos de parque, percebeu-se que a vento e o fogo foram apenas algumas das
ideia de riscante se expandia: descobriu-se muitas propostas realizadas.
que se desenha não apenas com canetinhas As crianças vivenciavam profundamente a
e lápis, mas também com gravetos e os natureza, sem pressão por fazer registros
próprios dedos na terra. Como parte da para serem enviados para casa, pois
sondagem, participamos do projeto Caixas entendemos que o que a criança vive é o
da Natureza[1], oportunidade na qual bem mais precioso para seu desenvolvimento.
percebemos que o interesse em descobrir, As famílias eram comunicadas diariamente
interagir sobre

41
sobre o desenvolvimento do projeto via para criar outras obras. Estamos falando
agenda, o que incentivava que a de um grupo muito apaixonado pela
experiência vivida na unidade fosse natureza. Sentir o vento não era algo
contada e recontada em casa, quase simples, mas um evento repleto de
que vivida novamente pela memória. simbologia. Experenciar e criar com a
Após essas vivências, as professoras natureza, no sentido de conjunto, de
organizavam rodas de conversas para parceria, fez com que as crianças
falar de tudo o que, durante o período, desenvolvessem ainda mais carinho por
produziram. ela: passaram a abraçar e beijar árvores,
Na unidade temos o costume de expor as oferecer suco e muito mais. Estendiam os
produções das crianças, mas processos de cuidado aos seus colegas
percebemos que a necessidade da turma de criação: os elementos da natureza.
era maior do que simplesmente expô-las, Anne Marie Holm (2017) pontua que a
mas organizá-las de uma forma que a Eco-Arte tem um envolvimento com o
experiência pudesse se prolongar. Nesse processo natural de criação da criança:
sentido, o projeto contou também com basta propiciar momentos para explorar,
instalações, que reunia as produções de criar e compartilhar de forma interativa,
temáticas específicas (sobre os quatro pois tudo é possível construir com
elementos da natureza) em organizações elementos ao nosso redor. As crianças
também feitas pelas próprias crianças. O evidenciaram isso, ressaltando que a
adulto, neste momento, era encarregado beleza da arte está justamente no
de colaborar com a organização processo, na vivência do autor e dos
mecânica de pendurar tais produções, leitores que, ao interagir com a obra,
não na elaboração final, que respeitava tornam-se, também, autores de uma arte
os desejos do grupo, que decidia o que que, como nós, não é perene, mas
utilizar, onde colocar, a que altura e mutável e transformadora, afinal a arte é
posição. própria experiência (DEWEY, 2010).
Assim, a experiência com a arte se
DEWEY, J. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
prolongava e era também ampliada para HOLM, A.M. Eco-arte com crianças. 2. ed. São Paulo: Ateliê
Carambola,
outras turmas, uma vez que as crianças 2017.
convidavam outros grupos a interagir SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria
Pedagógica
com as obras depois de prontas e Currículo da Cidade: Educação Infantil. São Paulo: SME/COPED,
2019.
também exploravam o espaço externo
para
42
Viviane é pedagoga, professora de Educação Infantil em um CEI conveniado da Prefeitura de
São Paulo. Atua com crianças de 0 a 3 anos.

43
Ciclos da natureza:
crianças, abelhas e alimentos

Elaine Petterman
Marina Vianna Ferreira

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Setembro/2021
Alimentociclo

Marina Vianna Ferreira


@alimentociclo

Você já parou pra pensar que tipo de E o que isso tem a ver com crianças,
relação promove entre as crianças e os alimentos e ciclos da natureza?
alimentos? Por muito tempo, acreditamos que bastava
Quando comecei a atuar com educação ter clareza sobre o que é saudável ou não, e
ambiental, lá pelo início dos anos 2000, eu assim ensinar às crianças para que elas
me deparava muito com a frase “conhecer fossem saudáveis. Veja quanto tempo
para preservar”. Até que ela fazia algum passamos tentando desvendar o que é
sentido, mas no fundo no fundo, eu sentia saudável, quando não nos resta dúvida dos
nela um “quê de parachoque de caminhão”. benefícios dos vegetais da horta? Quanto
Tempos depois, estive em um encontro com tempo passamos criando narrativas sobre
povos do mundo todo que compartilhavam vitaminas para convencer crianças a
suas comidas cheias de cores, sabores das comerem frutas, quando ninguém vai à feira
mais diversas culturas e saberes, e ouvi uma escolher fruta pela vitamina?
palestra do filósofo e educador chileno Você tem alguma memória afetiva com
Manfred Max-Neef. Uma frase proferida me algum pé de fruta? Algum chá de ervas do
chamou tanta atenção, que trago até hoje quintal?
como pano de fundo pra muito do que faço: Será que é mais provável alguém aprender a
gostar de jabuticaba porque sabe das
“Sabemos muito, mas compreendemos muito informações ecológicas e nutricionais, ou
pouco. Você pode estudar tudo que pode ser porque teve experiências divertidas e
conhecido sobre o amor: a antropologia do afetivas subindo numa jabuticabeira?
amor, a sociologia, a bioquímica etc. Mas As crianças só vão compreender e formar
enquanto você não sentir o amor, você nunca hábito alimentar saudável sobre o que elas
o compreenderá.” verdadeiramente vivenciarem de forma leve,
engajadora, afetiva e sensorial. O
conhecimento per se não tem esse poder.

45
conhecimento "per se" não tem esse alimentação totalmente distante dos
poder. ciclos naturais e da natureza humana,
O que precisamos é propiciar que elas teremos consequências, tanto na saúde
vivenciem e criem conexões com os das pessoas quanto do planeta.
ciclos da natureza, de onde provém Uma importante “aquisição” nesse
alimentos saudáveis pra nós e pra todo o processo evolutivo é que nós ganhamos
planeta. Do plantio à colheita, das ferramentas incríveis, que são os nossos
degustações e experimentações à volta sentidos. Eles começam se desenvolver
pro solo. Tantos outros ciclos que na vida intrauterina e estão em
conhecemos, outros que não constante desenvolvimento e mudança
conhecemos, até mesmo os que surgem até idade adulta. É do instinto natural
no universo simbólico e afetivo de cada das crianças aprender a usá-los para
um. Assim, alimentação saudável se analisar o que é apto a fazer parte do
torna uma encantadora consequência. corpo dela através da ingestão, e o que
Na evolução da nossa espécie, a não parece seguro. Através dos sentidos,
alimentação sempre teve um papel muito ela constrói um repertório sensorial de
central, o que se evidencia pelo tempo caraterísticas que são familiares a cada
que era primordialmente investido em um. O que mais vai fortalecer esse
caçar, pescar, produzir, preparar o fogo, repertório e essa familiarização é o
por vezes as técnicas de conservação e contato com a natureza desde
o preparo dos próprios alimentos. Era pequenos. Frequentemente, subjulgamos
esse o modo de vida, permeado por a capacidade deles em aprender com os
essas relações em todas suas dimensões. próprios sentidos.
O nosso corpo se adaptou à essas Nesse contexto todo que o
condições e aos alimentos da natureza. ALIMENTOCICLO foi idealizado. Tudo
Mas na história recente, o que fizemos começou com pesquisas sobre como
foi nos afastar cada vez mais desses algumas comunidades tradicionais lidam
ciclos, reduzir a alimentação ao com os alimentos. A cada visita, a cada
momento das refeições. entrevista, descobríamos tesouros da
Seria mesmo de se esperar que, depois alimentação de comunidades do litoral
de milhares de anos de evolução, ter 50 – sul de São Paulo. Muitas vezes, esses
100 anos de intensificação de uma tesouros nem mesmo eram conhecidos
alimento pelos jovens das próprias comunidades.

46
Então surgiu a ideia de circular com um Assim, deixo meu convite para cada um:
carrinho ambulante, como os de pipoca Tornar as características da natureza
ou tapioca, mas adaptado para familiares aos nossos sentidos.
desenvolver atividades sensoriais, Tornar as experiências alimentares caras
saborosas e divertidas para que às nossas memórias e
crianças, jovens e adultos pudessem Tornar os fazeres e preparos especiais
vivenciar esses ciclos, conhecer melhor aos nossos afetos.
os preparos e ingredientes da própria Vamos nessa?
região, colocar a mão na massa. Que
pudessem encontrar os próprios tesouros
escondidos da alimentação em cada
região, cada cultura, cada família e
todos os seus encantos. Com o passar do
tempo, Alimentociclo ganhou outros
formatos e possibilidades mais flexíveis,
para estar em outra regiões, em outros
grupos, escolas, praças...
O que queremos é que as pessoas se
encantem pelos aromas, cores, texturas e
sabores, pelos processos de
transformação, pelas histórias da
cozinha, pelas relações que o alimento
da natureza nos proporciona com o
mundo e com os outros. E se quizermos
fomentar uma relação boa com os
alimentos, que seja saudável pras
pessoas e pro planeta, precisamos nos
aproximar da origem deles. Criar mais
familiaridade das crianças com a terra,
do que com os pacotes. Mais
reconhecimento pelos cheiros dos
alimentos da terra e da água, do que
com as essências de tutti fruti.

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Marina é bióloga e dra. em ecologia, pesquisa as interações entre pessoas e os alimentos, e
atua em projetos e atividades socioambientais. Gosta de cozinhar comidas cheirosas, de
comer mirtáceas e outras frutinhas da nossa biodiversidade.
48
Escola amiga das abelhas

Elaine Petermann
@escolaekz

As abelhas são fundamentais para o O objetivo do projeto é despertar nas


equilíbrio do ecossistema e do planeta. É crianças e comunidade o interesse e a
através da polinização que cerca de 80% consciência em relação à importância das
das plantas se reproduzem. O Brasil é o país abelhas, para que possam vivenciar e
com a maior diversidade, abriga cerca de experienciar o reconhecimento da função
300 espécies de abelhas nativas, conhecidas desses agentes polinizadores para o meio
como “abelhas indígenas” ou “sem ferrão”. ambiente. A contribuição vai muito além do
Constatou-se uma redução significativa da mel, por isso o principal é a polinização,
população das abelhas, as principais causas todos além do âmbito escolar têm muito a
são uso excessivo de agrotóxicos, aprender.
desmatamento e alterações climáticas. Todas as crianças tiveram experiências na
O Projeto “Escola Amiga da Abelhas” é construção de iscas para a captura das
desenvolvido pela Escola de Ensino abelhas, produção dos panos e verniz
Fundamental Edith Krieger Zabel, na Rede ecológico e da loção atrativa, cuidado com
Municipal de Educação de Brusque, com as colmeias, alimentação, cultivo de plantas
alunos do berçário I ao 5º ano do Ensino melíferas para o jardim de mel e visita ao
Fundamental. O projeto iniciou-se a partir da meliponário da região.
observação de um caninho comprido e cheio A escola também possui um meliponário com
de insetos voando no muro da escola, onde treze colmeias espalhadas pelo quintal e sete
causou a curiosidade das crianças e espécies de abelhas, sendo: jataí, mirim,
professores. Contudo, a equipe escolar nigriceps, mandaçaia, guaraipo, boca-de-
descobriu que nesse caninho moravam as renda e bugia. O jardim implantado na
abelhas jataí e dali em diante os estudos escola com o cultivo de plantas melíferas
sobre elas fizeram parte do cotidiano possibilita as abelhas maior agilidade e
escolar. menos gasto de energia na procura de
alimento

49
alimento. Às crianças foi proposto a
responsabilidade de “guardiões das
abelhas” mantendo a cultura dos povos
indígenas.
O projeto conscientiza a todos sobre a
importância das abelhas e de sua
conservação, por isso a possibilidade da
criação desses insetos na casa das
famílias, superando a abordagem
clássica de ensino sobre as abelhas.
Referências
https://sosabelhassemferrao.com.br/site/
https://abelha.org.br/
SOUZA, Genna. Meliponicultura Básica para Iniciantes,

Elaine é pedagoga, gestora da escola EEF Edith Krieger Zabel há 8 anos e mais de 14 de anos
de experiência em Escolas do Campo. É especialista em Gestão Escolar, Psicopedagogia e
Metadisciplinaridade em Educação Infantil, Anos Iniciais e Inclusão 50
Criança e Natureza: vínculo,
afeto e relação

Mogar Damasceno
Maria Bottega

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Outubro/2021
HORTA E TRILHA

Maria Bottega
@colegio.atitude

O Projeto Horta e Trilha foi desenvolvido no saudável com o propósito de estimular o


Colégio Atitude, localizado no bairro desenvolvimento de uma boa imunidade, pois
Canasvieiras, na cidade de Florianópolis/SC, em tempos de pandemia, é fundamental
no período de setembro à dezembro de estar com a saúde equilibrada. Sendo assim,
2020. Esse projeto foi vivenciado na as famílias foram incentivadas ao consumo
conhecida “Área Verde” que inclui a área de de hortaliças, temperos, medicinais e
horta, viveiro de mudas, agrofloresta e mata frutíferas.
secundária do Bioma Mata Atlântica, No espaço da horta ecológica as famílias
totalizando aproximadamente 30.000 metros vivenciaram plantio, colheita, compostagem,
quadrados (3 hectares). a prática da criação de minhocas da
O Colégio Atitude é da Rede Privada de Califórnia, além de conhecerem as dinâmicas
Ensino atende 198 alunos, incluindo os ecológicas que acontecem nesse
segmentos de educação infantil, séries ecossistema cheio de potência e
iniciais e finais. Sua proposta pedagógica oportunidade de relações diversas de afeto,
tem por base os princípios sócio- vínculo e natureza. Ainda aproveitaram para
interacionista de Vygostky, agroecologia, caminhar na Trilha Miramar para conhecer a
agrofloresta, conceitos de Pestalozzi, bem fauna e a flora e contemplar uma vista
como a filosofia de educador naturalista de panorâmica tendo o mar e a floresta como
Joseph Cornell. espetáculo.
Esse projeto teve por objetivo oportunizar as As vivencias no território da Área Verde
famílias do Colégio Atitude vivenciarem foram experenciados por 32 famílias que
momentos junto à natureza de forma brincaram com seus filhos junto à natureza,
sustentável e assim, amenizarem um pouco o tomaram chimarrão, chá, brincaram de
isolamento social em tempos de pandemia. balanço, rolaram na grama, plantaram mudas
Também incentivou a alimentação orgânica e trazidas de suas casas e também levaram

52
mudas do Colégio para suas residências; orgânicos, incentivando as famílias a
conheceram as tocas dos lagartos da produzirem em pequenos espaços
espécie teiú, apreciaram os tiés pretos temperos, chás e hortaliças com o intuito
comendo amoras, as flores vermelhas de fortalecer a imunidade, já que
dos hibiscos, o caminhar das formigas, o vivemos e estamos ainda convivendo com
sabor das pitangas, a proteína vegetal a pandemia do Covid-19. Essa relação
das ora-pró-nóbis, experimentaram as imunidade e alimentação equilibrada já
flores vibrantes das capuchinhas, que é são comprovadas pela ciência por meio
conhecida como uma PANC (Planta de inúmeras pesquisas. Sendo assim,
Alimentícia não Convencional), o muitas famílias aproveitaram o Projeto
perfume do orégano francês, as Horta e Trilha, produziram suas mudas
peripécias dos saguis e tantas outras de plantas no Colégio e levaram pra
relações afetivas e ecológicas tão casa.
especiais e de extrema importância para Portanto, projetos similares ao Horta e
fortalecer os vínculos, os aprendizados e Trilha se fazem necessário para
a imunidade. Já é comprovado incentivar o desemparedamento das
cientificamente que hoje uma boa parte escolas e assim, proporcionar às
da população vive o Déficit de Natureza, crianças, adolescentes e adultos o
o que ocasiona uma série de transtornos conhecimento junto à natureza.
psíquicos e físicos. Esse conceito foi
trazido pelo americano Richard Louv. Sua
pesquisa foi realizada com 3 mil pais e
educadores e o resultado foi que os pais
não conseguem tirar seus filhos de casa,
mesmo estando próximo das áreas
verdes. Esse distanciamento das crianças
da natureza tem proporcionado o
desenvolvimento de transtornos psíquicos
e físicos, resultando em dificuldades de
aprendizagem e de convívio social.
O projeto Horta e Trilha também
enfatizou muito a importância de primar
por uma boa alimentação com produtos

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Maria é educadora e aprendente junto a natureza. Desenvolve projetos em Educação
Ambiental da Educação Infantil às séries finais do Ensino Fundamental no Colégio Atitude em
Florianópolis/SC.
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Um quintal e um chá da tarde:
muitas histórias para contar

Mogar Damasceno
@cemeanestor

Um grande quintal, ou vários quintais a presença dos pais, em uma manhã de


interligados por pequenas pontes, muitas sábado.
delas deixadas pelas crianças e No Inverno, as fogueiras tomam conta dos
adolescentes, que de forma livre, brincante e espaços nas manhãs e tardes frias. É tempo
autônoma, vão ligando os espaços. Hortas de ficar mais pertinho do fogo. Não que ele
agroecológicas, com árvores, folhas, flores e não esteja presente todo o ano, mas nessa
frutos, um galinheiro e uma floresta para época ele se faz potente e aproxima as
brincar, correr cair e se jogar no chão. crianças, os adolescentes e os adultos que
Quando chega as proximidades do verão, lá convivem nos quintais. Em uma noite fria,
estão as crianças com olhares apurados em geralmente, no final do segundo semestre,
busca de avistarem a família de lagartos que acontece a Festa do Inverno com o Festival
moram embaixo do prédio: uma esquina de Lanternas e acendimento de uma linda
cheia de histórias. Essa é a época de dar fogueira com a presença de toda a
potência aos chuveiros de baldes comunidade.
pendurados nas árvores, escorregar na lona O outono chega logo que as vivências
que é colocada no barranco com sabão e começam. As folhas começam a se
mangueira, e de se deliciar com um banho de desprenderem de algumas árvores. É tempo
lama no Poço de Lama. de brincar com as folhas amareladas,
Na primavera, as cabanas tomam conta dos alaranjadas e com as que ficam da cor do
espaços. Tem cabana de folha de palmeira, solo em diversos tons de marrom. Nesse
de tecido, de caixas e até de mesa. As período, temos o Festival de Comidinhas na
cabanas tomam conta da Praça dos Ventos, Floresta, realizado numa manhã onde
da Praça do Fogo, da Floresta. Por todo o recordamos junto com as famílias as práticas
canto tem cabana. No dia do Festival das brincantes de fazer comidinhas com barro,
Cabanas elas se multiplicam ainda mais com com terra, com areia e com muitas folhas e

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flores, que por sua vez, decoram os Ele está localizado ao lado do “Arroio
bolos, sopas, sanduíches e muitas outras das Pedras” que corta a cidade. Nas
receitas que saem da imaginação das suas margens, as crianças espelham suas
crianças e dos adultos. infâncias, jogam pedras e gravetos na
Mas é na hora do lanche que os sabores água e se deliciam com as sombras das
se encontram! Cada época com as suas árvores. No CEMEA se cultiva as
receitas que partem da cozinha, que na infâncias, a natureza e o brincar. Nesses
maioria das vezes, tem como cozinheiro quintais vivemos encontros potentes
as próprias crianças. Bolos de laranjas, entre crianças, adolescentes, adultos e
de bergamotas, de amora, de hortelã, idosos. Todos com suas crianças
pão de batata cará, de urtiga, de aipim, brincantes, como naquele quintal da avó,
biscoitos de aveia com casca de laranja com seus canteiros aromáticos, com seu
e até café passado feito no fogo de fogão à lenha e uma chaleira com água
chão. Às vezes, tem pizza feita no forno quente para servir um chazinho para
de barro e geleias feitas no fogão quem chegar.
ecológico. Assim é o CEMEA, um guri de 10 anos!
Na horta central, que tem formato de
uma mandala, tem muitas vivências, tem
semeaduras, cuidados e colheitas. Tem
girassol na agrofloresta, milho,
manjericão, tem as mudas de cactos e
suculentas no viveiro, tem arruda e
alecrim no Espiral de Ervas.
Temos muitos esconderijos, histórias para
contar nos pátios, quintais e territórios do
CEMEA, assim como é carinhosamente
chamado por todos. O CEMEA é o
Centro Municipal de Educação
Ambiental Nestor Weiler, localizado no
centro da cidade de Campo Bom, Rio
Grande do Sul, no Vale dos Sinos.

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Mogar é educador da natureza junto às infâncias brasileiras. É guri do campo na busca das
educações nos territórios e nos quintais das infâncias. Diretor do Centro Municipal de
Educação Ambiental Nestor Weiler.
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o sabor do chá
Ana Carol Thomé
@sercriancaenatural

Quem entende de fazer chá sabe encontrar Viver, sentir, perceber, brincar, pesquisar,
boas combinações para diferentes intenções: descobrir, dançar, experimentar, conhecer,
Se você quer descansar, se quer curar saber, comer, cheirar, criar, transformar,
alguma dor, se quer mais agitação. olhar, tocar, são verbos que não conectam
Eu não entendo de fazer chá para cada sujeito e objeto, mas que conectam muitos
intenção, mas conheço muito bem a minha sujeitos, muitas relações. Que CONECTAM.
intenção: inspirar mais e mais pessoas a Encerro essa temporada com o sabor de
promover a relação entre criança e natureza cada um desses verbos, com os movimentos
nos mais diversos contextos. Fazer as de cada uma dessas pessoas e com o
combinações entre pessoas e trabalhos foi desejo que elas sigam inspirando novas
como criar bons chás. Inspirar ações com ações.
crianças bem pequenas, nas famílias, com a Em 2022 teremos mais conversas
arte, com os espaços, nas ruas. inspiradoras e cheia de natureza. Quem
Enfim, eu descubro que o sabor de cada Chá sabe não é você que fará parte de alguma
da Tarde que tomamos está na relação que delas?
foi criada entorno dele.
Eu acredito que sempre é possível fazer a
relação com a natureza acontecer um
pouquinho mais. Sempre é possível abrir mais
possibilidades para apresentarmos o mundo
vivo para as crianças e para nós.
Fazer a relação entre criança e natureza
acontecer é preservar a nossa própria
espécie dentro desse organismo vivo que é o
planeta Terra.

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realização

www.sercriancaenatural.com
ISBN 978-65-996899-0-1

Brasil, 2021

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