Você está na página 1de 2

Universidade Federal de Alfenas

Prática de Pesquisa Histórica I

Rodolpho Ferreira Borges

O livro didático como objeto e fonte de pesquisa histórica e educacional

O tratamento do livro didático como fonte de pesquisa é algo recente na


historiografia, principalmente no Brasil. O autor, André Mendes Salles, procura, em seu
artigo “O livro didático como objeto e fonte de pesquisa histórica e educacional”,
elucidar sobre os motivos que levam o livro didático a deixar de ser encarado como um
simples manual escolar e passa a ser visto como um complexo objeto cultural que enseja
novas possibilidades de pesquisa. Para isso oferece um panorama historiográfico
ocidental, se amparando, principalmente, nas abordagens de Vainfas e Rojas, e, em
seguida, contextualiza a História da Educação no Brasil nesse quadro. Sendo assim,
apresenta uma série de reflexões acerca dos métodos e das possibilidades de estudo dos
livros didáticos e seus discursos.

Logo de início, o autor afirma que a História da Educação passou por


reformulações recentemente, assim como o próprio ensino de história,teve suas bases
teórico-metodológicas repensadas. Apenas depois do alargamento das possibilidades de
temáticas e da diversificação do tratamento de fontes possibilitada pelo movimento do
Annales e, posteriormente, com o advento recente da Nova História, as possibilidades
de trabalho com os livros didático começaram a ser refletidas e situadas. No entanto,
devido a diversos fatores históricos, as alterações que permeavam a Nova história,
demoraram a se materializar nas discussões historiográficas brasileiras. Segundo Salles,
Vainfas nos alerta sobre a utilização do famoso discurso “país de terceiro mundo”, para
explicar tal demora.

Passada essa reflexão panorâmica e a contextualização brasileira, Salles começa


a explanar sobre as reflexões e as formulações feitas pelos historiadores que estudaram
o tratamento de livros e livros didáticos como objetos e fontes de pesquisas históricas.
Partindo da análise do livro feita por Chartier, o nosso autor destaca que a preocupação
das recentes pesquisas e tratar não somente do que está escrito, mas, sobretudo das
condições de produção e de circulação, e das formas de leitura e recepção dos discursos
e ideologias contidos nas páginas. Desse modo, muitos outros agentes, além do autor,
tem de ser investigados.
A respeito dos livros didáticos em si, Salles destaca uma série postulações
importantes a se perceber nas pesquisas com tal fonte. Primeiramente, apesar das
diversas possibilidades de apropriação do discurso, há uma condição objetiva já dada
repousada no fato de que os leitores fazem suas leituras valendo-se do próprio material.
Outra reflexão recente se a partir da desconstrução da rígida divisão sociocultural
acerca da penetração da literatura erudita nas camadas populares; a circulação de
escritos entre grupos sociais é mais comum do que se imaginou. Por fim, Salles afirma
sobre as influências que se dão sobre a produção dos livros didáticos, as políticas
educacionais, as condições mercadológicas e o repertório teórico do autor.

O autor também discorre acerca da multiplicidade de funções que são dadas aos
livros escolares. A primeira que a ser tratada é a “função curricular”. Acerca dessa, ele
chega a conclusão de que nenhum material escolar sofreu tanto as influências do
mercado quanto esse, pois ele relaciona interesses tanto de ordem estatal quanto
privada. Em seguida, trata da “função instrumental”, o livro como suporte de técnicas e
métodos de aprendizagem. Por último há a “função ideológica ou cultural”, o livro
didático como portador de sistemas de valores e ideologias, desse modo, apresenta
implicações políticas, econômicas, ideológicas e teóricas. Acerca dessas funções,
dialogando com Correa, Salles reflete:

“Deste modo, entendemos o livro didático como um produto


produzido por grupos sociais que, intencionalmente ou não, perpassam sua
forma de pensar e agir, portanto suas identidades culturais e tradições. Além do
mais, esse instrumento de ensino é “organizado, veiculado e utilizado com uma
intencionalidade, já que é portador de uma dimensão da cultura social mais
ampla” (CORRÊA, 2000:19). E ainda, “serve como instrumento, por
excelência, da análise sobre a mediação que a escola realiza entre a sociedade e
os sujeitos em formação, o que significa interpretar parte de sua função social”
(Ibdem).”(p.10)

Pensar o livro como objeto de múltiplas leituras permite considerar que alunos e
professores utilizem o livro didático, de diversas formas que se relacionam diretamente
com os protocolos de leitura dos autores e editores dos livros. Já pensar o livro como
mercadoria torna-se essencial para compreendermos a sua proposta de utilização e como
isso é efetivado na prática. Por fim, acerca do âmbito ideológico e cultura, o livro
funciona como um ponto de cruzamento, uma representação de várias ideias de um
determinado grupo de uma determinada época. Relacionando-se essas possibilidades, o
livro didático se torna uma fonte rica para o estudo do historiador.

Você também pode gostar