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Deus fora da Unicamp

Grupo de ateus impede que evento religioso com especialista dos EUA se realize
na universidade e dificulta o debate acadêmico
Andres Vera

EMBATE
O arqueólogo Rodrigo Silva (à esq.), um dos palestrantes do evento cancelado,
e o físico Leandro Tessler, que mobilizou acadêmicos contra o Fórum
Marcado para a quinta-feira 17, o “1° Fórum de Filosofia e Ciência das Origens”, na Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), foi cancelado na véspera, sob uma enxurrada de e-mails
indignados de professores da própria instituição de ensino, uma das mais respeitadas do País. O
motivo? Os cinco convidados a falar sobre filosofia e ciência eram nomes ligados ao “criacionismo
científico”, que nega a teoria da evolução de Charles Darwin, mas, ainda assim, busca evidências
científicas para desvendar o universo – sem contradizer a existência de Deus ou os preceitos da
Bíblia. “Que façam isso numa igreja”, disse o professor de física Leandro Tessler. “É embaraçoso
dar credibilidade a esse tipo de doutrina não científica.” Seu blog chamou a atenção de outros
professores. A pró-reitoria, que havia dado aval ao evento, recuou. O físico americano Russell
Humphreys, convidado internacional, já tinha passagem comprada. Veio então a resposta dos
palestrantes.“Fomos boicotados por um grupo de professores ateus”, afirma o professor de
arqueologia Rodrigo Silva, da Universidade Adventista de São Paulo (Unasp). “Hoje, quem
discorda de Darwin é queimado na fogueira.”
Em nota oficial, a Unicamp justificou o cancelamento dizendo que “faltavam integrantes que
pudessem debater o tema sob todos os pontos de vista”. Além de Silva e Humphreys, o fórum
também teria a presença de um geólogo, um jornalista e um bioquímico, Marcos Eberlin, o único
pertencente aos quadros da Universidade. Após a polêmica, Eberlin escreveu em um blog: “É
interessante notar que, em uma universidade pública, pessoas que se autointitulam ‘guardiões do
saber’ cancelem palestras”. Outro que reclamou à reitoria, o professor de matemática Samuel
Oliveira, negou a “orquestração” de um “lobby ateu” nos bastidores. “Criacionistas não têm
formação para falar de ciência”, diz.

A “batalha da fé” em uma faculdade como a Unicamp, reconhecida pela qualidade da pesquisa
científica, chama a atenção. Mas esse tipo de conflito não é novidade no meio acadêmico. Em 2008,
depois de uma série de reclamações, a Universidade Federal de São Carlos (SP) cancelou uma
palestra do físico Adauto Lourenço sobre “criacionismo e teoria da evolução”. Em 2007, o
bioquímico americano Fazale Rana esteve na mesma Unicamp para falar de “design inteligente”,
linha de pensamento que atribui a um criador a existência da vida na Terra. Professores
conseguiram retirar o logo da universidade dos cartazes da palestra de Rana, mas não impediram a
conferência.

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