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ESTILÍSTICA

Disciplina que se ocupa dos efeitos produzidos pela linguagem que se utiliza num dado
contexto e com um dado fim. Distingue-se habitualmente da gramática, porque  não se
ocupa das formas linguísticas e das funções que desempenham na comunicação verbal. É, no
entanto, de aplicação muito diversa no campo da linguística. Pode referir-se hoje a toda a
análise linguística do texto literário, procurando as marcas específicas (figuras de estilo ou
estruturas sintácticas, por exemplo) que ajudam a diferenciar um texto de outro, o que pode
permitir determinar o modo particular de um dado escritor se exprimir literariamente. A
estilística pode promover o estudo de todas as operações internas do texto literário,
servindo-se de outras disciplinas como a semiótica, a gramática, a sociolinguística, a
prosódia, a retórica, etc. A crítica literária e a história da literatura não dispensam este tipo
de análise no seu trabalho judicativo-performativo dos textos literários. Admitindo que se
trata de uma das grandes disciplinas da linguística em geral, a estilística recorre hoje às
terminologias e metodologias linguísticas para classificar, avaliar ou identificar recursos como
metro, ritmo, som, sintaxe, semântica, linguagem figurativa, simbologia, etc. Este trabalho
estilístico pode incluir, nos casos em que existe uma clara tentativa de produzir uma análise
científica e exacta do texto literário, o levantamento estatístico e computorizado da
frequência de certos recursos num dado texto ou na obra de um dado escritor. Um estudo
pioneiro em português neste campo é o de Maria de Lourdes Belchior Itinerário Poético de
Rodrigues Lobo (1959), exemplo de aplicação da estilística à construção do perfil literário de
um escritor através dos artifícios da sua escrita.
            Enquanto forma de estudo da literatura, podemos dizer que a estilística existe desde
os estudos retóricos de Aristóteles, Quintiliano e Cícero, que viam no estilo a melhor forma
de adornar o pensamento. Este pressuposto vai prevalecer até ao Renascimento e conduz,
inclusive, a várias tentativas de codificação dos artifícios literários. Neste sentido, a estilística
foi até ao século XX uma espécie de ciência exacta capaz de fornecer os dados técnicos
necessários à produção de um discurso literário. Não existe a rigor, distinção clara entre a
retórica e a estilística, porque o que importava era a apreciação de um estilo individual, por
exemplo, como nos códigos medievais, que distinguiam os estilos sublime, médio e simples.
Não, verdadeiramente, interpretação ou análise literária das características da expressão
linguística individual, mas apenas um inventário dos recursos obtidos pela linguagem num
dado contexto.
Primeiro La Stylistique (1955) e depois em Essais de stylistique (1969), Pierre
Guiraud subdividiu a história da estilística no século XX em vários tipos, que sintetizamos:
(1) Estilística estrutural ou da expressão, que corresponderá aos primeiros trabalhos de
Charles Bally e Karl Vossler. Bally (1865-1947), autor de Tratado de Estlística Francesa
(1909), discípulo de Saussure, serve-se de premissas da linguística saussureana para
inaugurar a linhagem linguística da estilística, interessada na pesquisa dos chamados
recursos expressivos do sistema da língua, isto é, aquilo que no fundo constitui o colorido da
expressão verbal. (2) Estilística genética ou do indivíduo, uma variante que tende a acentuar
o vínculo do texto literário a uma matriz psicológica. Destacam-se nesta acepção Leo Spitzer
(Études de style, 1970) , que reagiu à postura então predominante no estudo das obras
literárias, que eram vistas como veículos para esclarecimento de outras realidades, que não
as da própria obra, propondo então uma aproximação às teorias freudianas, associando a
criação literária ao psiquismo do autor, porque se parte do princípio de que a obra de arte
está dependente do temperamento do indivíduo, da sua cultura e da sua visão pessoalíssima
do mundo. Este tipo de estilística, que também toma o nome de idealista, inclui ainda os
trabalhos de K. Vossler (1972-1949), discípulo de Benedetto Croce (1866-1952), que
constrói a sua obra sobre a ideia da língua como continuada criação individual, fundando a
estilística como estudo de obras literárias individuais, a partir do conceito-chave de estilo
literário como desvio da norma linguística colectiva. Próxima desta variante da linguística,
podemos destacar a escola espanhola, com Dámaso Alonso e Amado Alonso à cabeça. Esta
escola procurará criar uma “ciência do estilo”, entendendo por estilo o que é peculiar e
diferencial numa fala. Para isso, existem três graus de conhecimento da obra: o do leitor,
através de uma intuição totalizadora, que reproduziria a intuição do autor, da qual se teria
originado a obra; o do crítico, como um leitor excepcional, capaz de exprimir artisticamente
as intuições profundas da obra; e o da análise científica, tarefa da Estilística, que, por ser
científica, não atingiria a essência na obra, somente acessível à intuição. Importante é a
revisão que D. Alonso faz do conceito de signo linguístico na teoria de Saussure, procurando
mostrar existem outros “significantes parciais” a ter em conta na definição redutora do
significante como simples resultado de uma imagem acústica e/ou visual, quando o tom, a
intensidade, a velocidade, a matiz vocálica, etc, podem interferir na expressão conceptual do
signo. Neste campo, são ainda importantes os estudos reunidos em Introduccion a la
estilística romance, de K. Vossler, L. Spitzer e H. Hatzfeld, que D. Alonso traduziu para
castelhano em 1932, oferecendo à escola espanhola uma obra de referência programática.
(3) Estilística funcional, representada nas teorias de R. Jakobson sobre a comunicação verbal
que afectaria todos os valores estílisticos; (4) Estilística textual, praticada por M. Cressot, J.
Marouzeau, M. Riffaterre, e outros, circunscrita à análise de textos do ponto de vista dos
seus aspectos estilísticos. A abordagem de Riffaterre é, contudo, mais próxima da chamada
Estilística estrutural, que procura aplicar ao texto literário os mesmos princípios da linguística
estrutural e da gramática generativa.
Regista-se ainda uma outra variante da estilística que insiste na sua ligação com a
literatura através de factores sociais e ideológicos. Estão neste caso Erich Auerbach e Carlos
Bousoño, este último um discípulo de Alonso. Bousoño evitou as análises literárias limitadas
ao momento de produção da obra de arte e propês que se alargasse a crítica literária à
investigação ou interpretação do eu individual do escritor em correspondência com o seu eu
social.
 
 
http://www.filologia.org.br/anais%20III%20CNLF%2027.html
 
BIB.: Anna Maria Viegas: “Conceitos de Estilística”, Cadernos de Linguistica e Teoria da
Literatura (1982); Bennison Gray: “Stylistics: The End of a Tradition”, Journal of Aesthetics
and Art Criticism, 31 (1973); Francisco Bueno: Estilística Brasileira (1964);Gladstone Chaves
de Melo: Ensaio de Estilística da Língua Portuguesa (1979); G. Molinié : La Stylistique
(1989); Helmut Hatzfeld: A Critical Bibliography of the New Stylistics applied to Romances
Literatures: 1953-1965 (1966); Laura Wright e Jonathan Hope: Stylistics: A Practical
Coursebook (1995);  M. Rodrigues Lapa: Estilística da Língua Portuguesa (1977); Michael
Riffaterre: Essais de stylistique structurale (1971); Pelayo H. Fernandez: Estilistica: Estilo,
figuras estilisticas, tropos (1981); Pierre Guiraud: La Stylistique (1955; 8ªed.,1975); Id..
Essais de stylistique (1969) ; Pierre Guiraud e Pierre Kuentz: La Stylistique (1970) ; Richard
Bradford: Stylistics (1997);

Carlos Ceia

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