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São Paulo:
EDUSP, T.A.Queiroz (Ed), 1989. Capítulo 1.
/. A CONCEITUAÇÃO DE ESTILÍSTICA
1
MARTINS, Nilce Sant`Anna. Introdução à Estilística. São Paulo:
EDUSP, T.A.Queiroz (Ed), 1989. Capítulo 1.
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MARTINS, Nilce Sant`Anna. Introdução à Estilística. São Paulo:
EDUSP, T.A.Queiroz (Ed), 1989. Capítulo 1.
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MARTINS, Nilce Sant`Anna. Introdução à Estilística. São Paulo:
EDUSP, T.A.Queiroz (Ed), 1989. Capítulo 1.
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MARTINS, Nilce Sant`Anna. Introdução à Estilística. São Paulo:
EDUSP, T.A.Queiroz (Ed), 1989. Capítulo 1.
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MARTINS, Nilce Sant`Anna. Introdução à Estilística. São Paulo:
EDUSP, T.A.Queiroz (Ed), 1989. Capítulo 1.
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MARTINS, Nilce Sant`Anna. Introdução à Estilística. São Paulo:
EDUSP, T.A.Queiroz (Ed), 1989. Capítulo 1.
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MARTINS, Nilce Sant`Anna. Introdução à Estilística. São Paulo:
EDUSP, T.A.Queiroz (Ed), 1989. Capítulo 1.
A – a1 . . . . a2 . . . . a3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . an
B – b1 . . . . b2 . . . . b3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . bn
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MARTINS, Nilce Sant`Anna. Introdução à Estilística. São Paulo:
EDUSP, T.A.Queiroz (Ed), 1989. Capítulo 1.
Contexto
Mensagem
Emissor Contacto Destinatário
Código
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A cada um desses fatores corresponde uma função linguística.
As funções se realizam simultaneamente, podendo-se notar a rele-
vância de uma em relação a outras, em diferentes enunciados, fato
que permite distinguir vários tipos de linguagem (comum, científi-
ca, convencional, lírica, épica, publicitária, etc.).
O pendor para o contexto (a realidade, a informação) constitui
a função referencial. (Esta função recebe de outros autores nomes
diversos: representativa, denotativa, cognitiva, nocional, intelecti-
va, ideacional.)
A função resultante do pendor para o emissor é a emotiva (ou
expressiva), cuja realização mais pura é a interjeição. É função cen-
trada no locutor, sendo, portanto, evidenciada pelos pronomes e
formas verbais da l f pessoa.
A função que incide sobre o destinatário (2f pessoa) é a conati-
va (a apelativa, de Bühler), realizada principalmente pelo vocativo
e pelo imperativo.
A função ligada ao canal é a fática, que diz respeito ao contac-
to entre emissor e receptor. É uma função básica, que fica subja-
cente a outras, pois se não houver contacto, não há comunicação.
Ela aparece quase isolada quando não se transmite conteúdo de
qualquer relevância: quando se visa a verificar se o canal está fun-
cionando (Você está me ouvindo?), quando se estabelece um con-
tacto (Bom dia, Oi) ou quando se encerra o mesmo (Até logo,
Tchau). As crianças que ainda não aprenderam a falar já manifes-
tam o desejo de contacto através de sons que não constituem lin-
guagem propriamente dita, ou seja, linguagem articulada.
Voltando-se a comunicação para a própria linguagem, sendo o
código o objeto da comunicação, ou o referente particular do enun-
ciado, tem-se a função metalinguística. Esta função pode ser consi-
derada implícita nas mensagens em que se nota que o emissor, ao
fazer sua escolha entre os meios de expressão, fez alguma reflexão
de ordem linguística. Em todo texto literário, que pressupõe uma
acurada seleção dos meios expressivos, a função metalinguística es-
tá subjacente, incorporada à função poética.
A função poética, que vem a ser o pendor para a própria men-
sagem, correspondendo à sua elaboração como um fim em si mes-
ma, pode sobrepor-se às demais funções, ou ainda estar presente no
texto sem ser a de maior proeminência. Jakobson refere-se não só à
concomitância das funções como à sua hierarquia. Considera obra
poética aquela em que a função poética tem a primazia, e Poética a
parte da Linguística que trata da função poética nas suas relações
com as outras funções da linguagem.
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Aproximando a teoria de Jakobson da de Bally, podemos di-
zer que, enquanto para este a Estilística se concentra na função
emotiva da linguagem em relação com a função intelectiva (referen-
cial), para Jakobson a Estilística, ou Poética, se concentra na rela-
ção da função poética com as demais funções. Podemos também
aproximar Jakobson de Amado Alonso, interessado, como vimos,
sobretudo no valor poético do texto literário. À teoria das funções
da linguagem prendem-se também os estudos da Linguística da
enunciação, a que nos referimos no capítulo 5.
Para explicar a realização da função poética, Jakobson entra
na estruturação da frase e do texto (Estilística estrutural), lembran-
do os dois modos fundamentais do comportamento verbal: a sele-
ção (eixo paradigmático) e a combinação (eixo sintagmático). Para
exemplificar ele toma uma frase tão simples como "O menino dor-
me". Sendo o tema da mensagem "uma criança", foi escolhido o
substantivo menino entre sinónimos vários (bebê, nenê, infante,
guri, etc.) e para comentar o tema um dos verbos aparentados (dor-
me, cochila, repousa, etc.). As duas palavras escolhidas se combi-
nam na cadeia falada. A seleção se dá na base da equivalência, da
similaridade, podendo ser também na base da dissimilaridade
(sinonímia/antonímia), enquanto a combinação, a construção da
sequência repousa sobre a contiguidade. Ele formula então o prin-
cípio da função poética: "A função poética projeta o princípio da
equivalência do eixo da seleção sobre o eixo da combinação." Quer
dizer que a equivalência, que é própria dos paradigmas da língua, é
transposta para o sintagma, que é elemento da fala, do discurso, o
qual é comumente constituído de elementos de natureza diferente;
por exemplo, o sintagma nominal constituído de artigo — adjetivo
— substantivo, com número de sílabas e acentuação geralmente di-
versos. Jakobson dá como exemplo de equivalência na sequência a
célebre frase de César: Veni, vidi, vici. E explica: "É a simetria dos
três verbos dissilábicos, com a consoante inicial e a vogal final idên-
ticas, que dá esplendor à mensagem lacónica da vitória de César."
A repetição de fonemas em palavras diversas (rima, aliteração,
etc.) de um mesmo padrão vocabular (palavras com número de síla-
bas e posição de acento equivalentes), a série sinonímica, os antôni-
mos, a repetição de um mesmo segmento melódico (pé métrico,
verso), a simetria, o paralelismo, são, pois, exemplos de equivalên-
cias transpostas para a sequência do discurso, constituindo recur-
sos poéticos. Pode-se observar, entretanto, que esse princípio, mui-
to preso à natureza formal do texto, não chega a abranger todos os
caracteres da linguagem poética.
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A especificidade estilística depende, pois, de uma relação das
formas no interior da mensagem (cf. Dâmaso Alonso) e é esta es-
trutura do texto (que não se deve confundir com a estrutura do có-
digo) que o pesquisador deve determinar. A Estilística estrutural
salienta que o valor estilístico de um signo depende de sua posição
no seio de um sistema. Todo signo pertence a duas estruturas, a do
código, que define seu lugar numa categoria (estrutura paradigmá-
tica), e a da mensagem, na qual ocupa uma posição determinada
(estrutura sintagmática). Daí as duas possibilidades: estudar a for-
ma do signo em relação ao texto ou em relação ao sistema linguísti-
co a que pertence; estudar os efeitos expressivos realizados no texto
ou estudar os recursos expressivos em potencial na língua.
Jakobson mostra que o efeito poético repousa sobre uma com-
binação das duas estruturas: a análise da mensagem não deve dis-
pensar a análise do sistema, do código. O efeito de um vocábulo de-
pende não só da frase, do contexto em que se encontra, como da to-
nalidade significativa que se sente em confronto com outros vocá-
bulos equivalentes. Aplicando essas considerações ao verso de Bi-
lac: "O ângelus plange ao longe em doloroso dobre", pode-se dizer
que o valor expressivo de plange, por exemplo, está no vocábulo
em confronto com chora, toca, ou outro que poderia ocupar a mes-
ma posição, mas esse valor é intensificado pelo seu relacionamento
com ângelus e longe, que contêm fonemas comuns, sendo especial-
mente expressivos os fonemas nasais, que sugerem som prolonga-
do, distante, lamentoso.
Esquematizando a doutrina, tem-se:
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ca a unificação do poema. E, em relação ao grau desejável do seu
emprego em poesia, adverte que seria um erro concluir que quanto
mais acoplamentos se encontrem num poema tanto melhor será ele.
Pelo contrário, poderá ser um poema banal. O efeito do processo
depende da ação e interação simultânea de todos os outros fatores
que atuam sobre o poema. Depois de expor o seu método, Levin
aplica-o na análise de um soneto de Shakespeare, mas esclarece não
pretender uma interpretação global do texto, e sim uma demonstra-
ção do papel desempenhado pelo acoplamento. Na conclusão da
análise diz ser a sua função principal unificar o texto e facilitar a
sua memorização.
Para deixar mais claras estas ideias formuladas pela Estilística
estrutural, tomemos o exíguo texto de um haicai de Guilherme de
Almeida, "Pensamento":
O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.
(Toda a poesia, VI, p. 131)
O texto, de 17 sílabas poéticas, é formado por 5 frases nomi-
nais, havendo, portanto, equivalência estrutural: as três primeiras
com a sobriedade de artigo definido mais substantivo, e as duas úl-
timas, um pouquinho mais desenvolvidas, iniciadas por um sintag-
ma nominal preposicionado com a ideia de lugar, destacado por
pausa. Estes sintagmas preposicionais apresentam uma equivalên-
cia de sentido, visto que designam uma superfície e os sintagmas
que a eles se seguem indicam a linha, o traço que se forma nas su-
perfícies. Temos, portanto, equivalência de posição e equivalência
de significado, o que vem a ser um acoplamento. Note-se também a
equivalência dos artigos: definidos nas três frases do primeiro ver-
sos e nos sintagmas adverbiais, e indefinidos nos sintagmas subor-
dinantes dos 2º e 3º versos. Quebrando levemente a simetria entre
o segundo e o terceiro versos, o substantivo círculo, que ocupa o
centro do "círculo" formado pelo poema, é o único acompanhado
de adjetivo. Representando por X o sintagma nominal formado
por artigo definido e substantivo e por Y o sintagma com artigo in-
definido, por p a preposição e por A o adjetivo, tem-se este esque-
ma que evidencia a equivalência estrutural:
x.x.x.
pX, Y A
pX, Y.
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Outros acoplamentos de posição/natureza, observamos em:
folha e fuga, que além de estarem em posição equivalente, se rela-
cionam pela aliteração do /f/ e pela vogal final comum (que se pode
chamar rima atônica); associam-se ainda pelo sentido já que é
sugerida a fuga da folha pelo ar, como símbolo do pensamento.
Fuga acopla-se ainda a ruga pela rima e pela posição final no verso.
No segundo verso temos uma rima entre palavras colocadas no iní-
cio e no final (equivalência por oposição): no lago /vago. O terceiro
verso apresenta ainda o acoplamento rosto/ruga, que têm a alitera-
ção do /r/, o mesmo número de sílabas, a mesma posição do acen-
to, e ainda se encontram em relação metonímica (ruga = traço do
rosto).
A analise das equivalências e convergências da sintética com-
posição revela como elas enriquecem o poder sugestivo das pala-
vras.
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mo, o qual concorre para que o discurso ganhe majestade e realize
a sua função de comover. O discurso deve ter ritmo, mas não me-
tro, pois neste caso se tornaria poema. São comentados os valores
ritmicos de vários tipos de frases, as construções antitéticas, simé-
tricas, sempre com fartos exemplos. Os últimos capítulos da Retó-
rica tratam das partes do discurso, suas finalidades e característi-
cas.
Na Poética, que é pouco posterior à Retórica e que nos chegou
incompleta, Aristóteles trata da conceituação de poesia como imi-
tação da realidade (mimese), dos géneros poéticos (tragédia e epo-
peia, sobretudo) e da elocução poética, mencionando aspectos co-
muns à oratória, como a clareza; refere-se aos desvios da linguagem
comum que tornam a linguagem da poesia mais elevada, e enfatiza
especialmente o valor da metáfora: "É importante saber empregar
a propósito cada uma das expressões por nós assinaladas, nomes e
glosas; maior todavia é a importância do estilo metafórico. Isto só,
e que não é possível tomar de outrem, constitui a característica dum
rico engenho, pois descobrir metáforas apropriadas equivale a ser
capaz de perceber as relações." (Cap. XXII).
Com o seu gênio classificatório, Aristóteles ordena, divide,
subdivide os múltiplos elementos da arte oratória e da poética, mas
não se detém numa classificação pormenorizada das figuras de lin-
guagem. Seriam os retóricos posteriores que iriam multiplicar as
observações sobre os fenómenos da expressão, elevando incessante-
mente o número das denominações e complicando a sua classifica-
ção. O estudo da elocução chegará a sobrepor-se ao das demais
partes da Retórica (invenção, disposição, ação e memória), ficando
ela confinada às figuras do discurso (cf. Fontanier: Les figures du
discours), quando não aos tropos (cf. Dumarsais: Traité des
tropes).
Nos grandes retóricos do Classicismo, a Retórica já se confun-
dira com a Poética, oferecendo orientação para a elaboração literá-
ria em geral e estabelecendo critérios para o julgamento das obras.
Com a profunda mudança de ideias que se dá a partir do sécu-
lo XVIII (Romantismo), com a valorização do individual e repúdio
de normas estabelecidas e da imitação como princípio artístico, a
Retórica cai em desprestígio, passa até a ser ridicularizada. Muito
contribuiu para isso a obsessão da nomenclatura, da classificação
pela classificação, que fazia do texto literário um pretexto para a
identificação e denominação das figuras, com prejuízo da emoção e
do prazer que ele deveria proporcionar. Charles Bally, por exem-
plo, rejeita a complicação retórica para classificar aquilo que ele
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chama simplesmente "categorias expressivas" com termos técnicos
rebarbativos e pedantes e que não designam tipos definidos. "Se
uma terminologia é necessária, é preciso refazê-la; para nós, que só
procuramos a razão de ser e as formas naturais e expressivas das
imagens, nossa classificação será muito mais simples." (Traité, p.
187.) Não obstante os repetidos ataques à nomenclatura retórica,
termos como metáfora, metonímia, onomatopéia, prosopopéia,
alegoria, hipérbole, anacoluto, zeugma, etc. continuaram a ser usa-
dos, não tendo sido nem substituídos nem dispensados.
Por volta dos anos sessenta, pode-se presenciar um movimento
de revalorização da Retórica, uma nova avaliação da sua contribui-
ção ao estudo dos fatos da linguagem. Pierre Guiraud, depois de
apresentar as linhas principais que nortearam a Retórica nos seus
vinte e tantos séculos de desenvolvimento, dá um balanço do seu le-
gado: "A Retórica é a Estilística dos antigos; é uma ciência do esti-
lo, tal como então se podia conceber uma ciência. A análise que nos
legou do conteúdo da expressão corresponde ao esquema da lin-
guística moderna: língua, pensamento, locutor. As figuras de dic-
ção, de construção e de palavras definem a forma linguística em seu
tríplice aspecto fonético, sintático e léxico; as figuras de pensamen-
to, forma do pensamento; os géneros, a situação e as intenções do
sujeito falante. Alguns dos seus aspectos podem parecer-nos ingé-
nuos T- muito menos do que se poderia julgar à primeira vista —
mas de todas as disciplinas antigas, é a que melhor merece o nome
de ciência, pois a amplidão das observações, a sutileza da análise, a
precisão das definições, o rigor das classificações constituem um es-
tudo sistemático dos recursos da linguagem, cujo equivalente não
se encontra em qualquer dos outros conhecimentos daquela
época." (A Estilística, p. 36; La stylistique, p. 20.) É possível que
esse julgamento seja excessivamente favorável, mas é inegável a im-
portância da contribuição da Retórica para o conhecimento dos fa-
tos da linguagem em geral (visto que as figuras não são exclusivas
da linguagem literária) e da linguagem artisticamente elaborada em
particular.
Obras modernas que tratam da Retórica com profundeza e
amplitude consideráveis são Elementos de Retórica Literária, de
Heinrich Lausberg (Elementer der Literarischen Rhetorik, Mun-
chen, 1963; l? ed. 1949; tradução portuguesa, 1965), modestamente
considerada pelo autor um manual introdútório, e o Dictionnaire de
Poétique et de Rhétorique, de Henri Morier(lª ed. 1961; 2ª ed.,
consideravelmente aumentada, 1975).
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Vários autores, como Roland Barthes, Gerard Genette, J. Co-
hen, Chaim Perelman e L. Olbrecht-Tyteca, entre outros, têm re-
novado os estudos retóricos em obras de real importância. Grande
repercussão tem tido a retomada da Retórica em nova base
científica por um grupo de professores da Universidade de Liege,
Bélgica, na obra Rhétorique générale. Os autores (J. Dubois, F.
Edeline, J.M. Klinkenberg, P. Minguei, F. Pire e H. Trinon)
propõem-se a estudar a função retórica (denominação que
preferem à função poética de Jakobson), considerando que essa
função implica alterações múltiplas da linguagem, e denominam
metábole "todo tipo de mudança de um aspecto qualquer da
linguagem". Essas mudanças se enquadram em quatro tipos: as
alterações da expressão (signifi-cantes) são os metaplasmos
(alterações de palavras) e metataxes (alterações de frases); as
alterações de conteúdo (significado) são os metassememas
(palavras) e metalogismos (frases). Essas alterações podem dar-se
por supressão, por adjunção ou acréscimo, ou por supressão-
adjunção de elementos linguísticos (alterações substanciais) ou
podem ocorrer na ordem dos elementos (alterações relacionais).
Os metalogismos — que correspondem às figuras de pensamento
— não alteram os elementos linguísticos mas afetam a lógica do
enunciado. A descrição das figuras retóricas ou metáboles se
baseia em conceitos operatórios não muito precisos, de difícil de-
finição, a saber: grau zero, desvio, marca, redundância, autocorre-
ção e invariante. O resumo do item 2 (conceitos operatórios) do ca-
pítulo I dá uma ligeira ideia da orientação da obra e do seu objeto:
"Em resumo, a retórica é um conjunto de desvios suscetíveis
de autocorreção, isto é, que modificam o nível normal de redun-
dância da língua, transgredindo regras, ou inventando outras no-
vas. O desvio criado por um autor é percebido pelo leitor graças a
uma marca, e em seguida reduzido graças à presença de um inva-
riante. O conjunto dessas operações, tanto as que se desenvolvem
no produtor como as que têm lugar no consumidor, produz um
efeito estético específico, que pode ser chamado ethos e que é o ver-
dadeiro objeto da comunicação artística. A descrição completa de
uma figura de retórica deve então obrigatoriamente comportar a de
seu desvio (operações constitutivas do desvio), a de sua marca, a de
seu invariante e a de seu ethos." (p. 66-67) (Entretanto o estudo
mais desenvolvido do ethos não chegou a entrar neste volume.)
A Retórica Geral toma exemplos, não muito numerosos, quer
da linguagem literária, quer da jornalística. É uma obra sobrecarre-
gada de teoria, que exige do leitor certo tirocínio nos estudos lin-
guísticos ou. retóricos.
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1.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo muito numerosos os autores que se ocuparam ou que se
vêm ocupando de Estilística e Retórica, apresentando novas ideias
e teorias, e não .sendo a intenção deste trabalho fazer um histórico
minucioso do seu desenvolvimento, muitos estudiosos de vulto, co-
mo Roland Barthes, Carlos Bousono, Gérard Genette e outros, não
foram mencionados. Acreditamos, entretanto, que a síntese apre-
sentada seja suficiente para dar ideia das teorias principais, bem co-
mo da complexidade e da importância da matéria.
Pela incursão feita através das obras mais significativas da Es-
tilística e da Retórica, pode-se ver que noções fundamentais da
pri-.meira já se encontravam na segunda, como a de desvio e
escolha, das variedades de linguagem conforme a situação ou
estado emotivo do falante, da expressividade, e do efeito suscitado
no leitor ou ouvinte.
A Estilística tem um campo de estudo mais amplo que o da Re-
tórica: não se limitando ao uso da linguagem com fins exclusiva-
mente literários, interessa-se pelos usos linguísticos corresponden-
tes às diversas funções da linguagem, seja na investigação da poeti-
cidade, seja na apreensão da estrutura textual, seja na determina-
ção das peculiaridades da linguagem devidas a fatores psicológicos
e sociais.
As várias teorias estilísticas, cada qual com a sua contribuição,
podem ser compreendidas em dois grupos: as que consideram o fe-
nômeno estilístico como objeto de pesquisa em si mesmo, e as que o
consideram como o meio privilegiado de acesso à interioridade do
escritor. A primeira é a Estilística de expressão ou linguística, a se-
gunda a do indivíduo, a literária. Em ambos os casos se reconhece
na linguagem uma função representativa (intelectiva, referencial,
denotativa), que diz respeito a um conteúdo objetivo, nocional, e
um função expressiva, apoiada na primeira, que diz respeito a um
conteúdo subjetivo, o qual constitui o fato estilístico, atingindo sua
intensidade máxima na língua literária (cf. P. Barucco, Éléments de
stylistique).
O caráter científico da Estilística — ou a sua pretensão de atin-
gir o estatuto de ciência — advém do seu objetivo de explicar os
usos da linguagem que ultrapassam a função puramente denotati-
va, com maior exatidão e sem o propósito normativo que caracteri-
zou a Retórica. Contudo, não se logrou ainda um método rigoroso
que assegure sua condição de ciência e o seu objeto não está satisfa-
toriamente delimitado.
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O estudo que ora apresentamos trata da expressividade da lín-
gua portuguesa, isto é, os meios que ela oferece aos que falam ou
escrevem para manifestarem estados emotivos e julgamentos de va-
lor, de modo a despertarem em quem ouve ou lê uma reação tam-
bém de ordem afetiva.
Seguimos, pois, a linha descritiva, iniciada por Bally, com
aproveitamento das lições de mestres diversos, especialmente Ja-
kobson, que tão bem relacionou a arte literária com os elementos
linguísticos. Evidentemente, só será apresentada uma parte do uni-
verso expressivo de nossa língua, sendo impossível, mesmo em obra
de maior proporção e ambição, apresentar a totalidade (ou quase)
dos recursos que constituem o seu potencial, mesmo porque esse
potencial está em constante renovação.
Embora com alguma frequência se examinem fatos de lingua-
gem comum, é principalmente dos textos literários que são toma-
dos exemplos que permitem deduzir as possibilidades estilísticas do
português nos três níveis: fonético, léxico, sintático. Esses exem-
plos são forçosamente destacados do seu contexto, o que impede
que se perceba a plena extensão do seu valor expressivo, relaciona-
do a outros elementos da rede estilística. Entretanto, pela indicação
das obras de que foram extraídos, poderá o leitor ir ao texto origi-
nal nos casos que lhe despertem maior interesse.
Os procedimentos expressivos, de natureza vária, que apare-
cem combinados na sequência do discurso, são examinados separa-
damente nos diferentes capítulos por motivo didático. Mas muitos
exemplos tomados para ilustrar um determinado fato, podem ser
aproveitados para observação de outras particularidades que neles
convergem. Nos três capítulos dedicados à Estilística fônica, léxica
e sintática, são estudados respectivamente os valores ligados à so-
noridade, à significação e à formação das palavras, à constituição
das frases; no capítulo final, são focalizados alguns aspectos do
discurso, particularmente os processos de citação e de apresentação
da fala nas narrativas de ficção. Enquanto neste predomina a Esti-
lística da enunciação, nos outros tem mais destaque a Estilística do
enunciado.
Não tem este trabalho a pretensão de ensinar os leitores a es-
crever ou orientá-los na formação de uma estilo; tampouco visa a
análises literárias integrais. Seu objetivo é despertar maior cons-
ciência das imensas possibilidades de expressão da nossa língua, as
quais têm sido desenvolvidas e exploradas pelos seus milhões de
usuários. O conhecimento da língua do ângulo da expressividade
constitui o passo inicial para a compreensão e valoração dos textos
23
literários. Como bem diz Guiraud, "sem ser o objeto nem o fim
único da análise estilística, os estudos dos valores expressivos e de
seus efeitos é a tarefa maior do estilólogo e o ponto de partida in-
dispensável de toda crítica de estilo" (Essais de stylistique, p. 75).
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