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Estudos Literários II (EL II) – 4º Ano/Curso de Licenciatura em Ensino de Português

UNIDADE I: O Campo dos Estudos Literários

1. O que é um campo de conhecimento?

 Um campo de conhecimento é um “domínio de actividade cognoscitiva do


homem no qual se elaboram, utilizam e difundem conhecimentos respeitantes a
determinados objectos de estudo, a partir de um conjunto de axiomas e
pressupostos, utilizando um adequado conjunto de métodos para atingir
determinados objectivos” (SILVA, 2001: p.13).

2. O campo dos estudos literários é um campo:

 de investigação e ensino

 que tem como objectos:

- sistema semiótico (relativo a signos verbais/não verbais)

- a literatura como - instituição

- campo intelectual

A literatura guia-se tanto numa perspectiva diacrónica (estudo extensivo a todo tempo) como
sincrónica (estudo limitado a um período de tempo), incluindo a descrição, a explicação e a
interpretação dos textos literários, bem assim, a elaboração das metalinguagens, dos métodos e
dos instrumentos necessários à realização destas operações cognitivas.

A constituição do campo dos estudos literários contou com um longo processo de realização de
acções de:

- teorização;

- investigação;

- crítica literária;

- ensino e divulgação, tendentes a legitimar e institucionalizar os estudos literários.

Essas acções foram empreendidas pelas escolas ou movimentos, como:

 Formalismo russo;
 Circulo Linguístico de Praga;
 New criticism anglo-norte americano;
 Estilística.

As actividades de institucionalização incluiram as áreas como:

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 Filologia (seu objecto de estudo é texto: sua leitura, interpretação, apuramento,


explicação e publicação. Sua finalidade é fixar, interpretar e comentar textos);
 Linguística (seu objeto é a língua em si mesma e língua como facto social da
linguagem);
 Poética (estudo das obras literárias – narrativas – sua caracterização,
literariedade e respectiva conceptualização);
 Filosofia;
 História da Literatura, entre outras.

Nessa acção de legitimação do campo envolveram-se os estudiosos da teoria literária e


Linguística, tais como:
 os jovens formalistas russos publicaram uma colectânea de estudos intitulada Poética (1919);

 Gregorij Vinokur publicou a obra Poética. Linguística. Sociologia (1923, linguísta do


formalismo russo);

 Boris Tomaševskij explica que “o objectivo da poética (ou da teoria da arte verbal/
literatura) é o estudo dos modos como são construídas as obras literárias” (1925, no
inicio da sua Teoria da Literatura);
 René Wellek que, em 1949, publicou a sua obra intitulada Teoria da Literatura;
 Roman Jakobson, que criou o termo e conceito de Literariedade, como sendo “aquilo
que faz de uma determinada obra uma obra literaria”, etc.

Além dessas contribuições, por exemplo:


 as universidades alemãs e francesas (na primeira metade do século XIX)
contribuiram para a institucionalização dos estudos literários ao acolher o ensino e a
investigação nos domínios da Filologia e da História literária;
 as universidades Anglo-Saxónicas (último quartel do século XIX) contribuiram
para a institucionalização dos estudos literários através da criação de departamentos
de literatura inglesa e de outras literaturas nacionais.
A par disso foram-se constituindo comunidades universitárias de professores e investigadores no
âmbito dos estudos literários, com bibliotecas e revistas especializadas e organizando-se em
associações nacionais e internacionais.
As disciplinas que formam o campo dos estudos literários são:

1. Poética é entendida como:

 um conjunto de normas e preceitos que ensinam e orientam o poeta na criação das suas
obras (equivalendo à TL);

 um conhecimento teórico e sistemático sobre a poesia, os géneros poéticos e os poemas


(uso especfiíco do termo e conceito de Poética, o qual se refere aos textos em verso).

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 Mas também pode ser entendida como qualquer exposição ou compêndio de regras, de
convenções ou de preceitos respeitantes à composição dos poemas líricos ou
dramáticos ou ainda à construção dos versos.

2.Teoria da Literatura: disciplina que estuda o sistema literário, enquanto uma entidade
teorética equivalente à langue saussureana, e não tem como seu objecto de estudo a obra literária
individual e concreta, mas sim, elaborar os conceitos, as hipóteses explicativas, os métodos e os
instrumentos da descrição e análise que permitirão conhecer com rigor sistemático a obra
literária concreta e individual (SILVA,2001: pp. 16-18).

3. Ciência da Literatura

Na 2ª metade do séc XIX, nas principais línguas europeias distinguia-se crítica/análise literária
produzida e dirigida para leitores não especializados daquela dirigida para público especializado.
Por exemplo, na alemã o termo literaturkritik-era a crítica para público não especializado; e
literaturwissenschast – para público especializado); na língua inglesa, a par de literary criticism
– dirigida tanto ao público não especializado como para o especializado, usava-se
frequentemente o termo literary scholarship – produzida a partir de projectos de investigação
regidas por padrões de cientificidade); na língua francesa a expressão Critique littéraire
designava a crítica publicada fora das universidades, enquanto que critique littéraire
universitaire, referia-se a publicada em contextos univesitários.

Assim, de modo geral, a Ciência da Literatura designava a investigação e análise universitárias


da Literatura, orientadas e regidas por exigências, métodos e critérios de ordem científica e
destinadas a um circunscrito público de especialistas ou candidatos a especialistas, opondo-se-
lhe aos trabalhos da crítica literária publicados em jornais e revistas e destinados a um largo
público não especializado

Contudo, hoje, a Ciência da Literatura tal como a Poética como a Teoria da Literatura
coincidem tanto em fundamentos teóricos como nos métodos e objectivos, pois ambas
disciplinas procuram construir a gramática do discurso literário, visando alcançar a
inteligibilidade da obra literária concreta e individual (SILVA, 2001: pp.18-21).

4.Retórica é uma técnica (technē rētorikē) ou arte (ars oratoria) que consiste num sistema de
normas que ensinam a utilizar adequadamente a língua com a finalidade de produzir textos
persuasivos, ou, segundo Aristóteles, uma técnica cuja função é “ver os meios de persuasão que
existem relativamente a cada argumento”

CHAIM PERELMAN & OBRECHTS-TYTECA (1958) seguindo um modelo neo-aristotélico e


com a visão neo-retórica expõem a teoria geral da argumentação e estudam as técnicas
discursivas adequadas a provocar e a intensificar a adesão dos espíritos às teses apresentadas,
prestando especial atenção às relações existentes entre a situação comunicativa, os destinatários e
o discurso.

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5. Crítica Literária – crítica deriva do grego krinō, que significa ‘separar’, ‘distinguir’,
‘julgar’. Dos humanistas renascentistas extrai-se o significado da arte crítica, que é o saber
respeitante a reconstituição, correcção, edição de textos antigos, separando, p.ex., versos
interpolados dos versos autênticos, apurando autorias, etc. Deste significado, o termo crítica
passou a significar ‘apreciação e juízo de um autor ou de uma obra baseados no bom gosto e
na cultura, autonomizando-se o seu uso em relação à gramática e à retórica.

A crítica literária deve ser entendida como o estudo de um texto literário concreto ou de um
determinado conjunto de obras literárias diferentemente da TL e HL, e pode apresentar tanto
uma orientação diacrónica como uma orientação sincrónica, pode ocupar-se tanto de aspectos
estilísticos e retóricos como de aspectos temáticos ou semânticos, pode constituir-se quer
psicocrítica, quer sociocrítica, etc.

A crítica literária:

 é um discurso objectivo, estritamente descritivo e analítico, sem referência de


subjectividade do crítico e dos seus juízos e apreciações de valor

 é um processo de conhecimento e como um discurso que se integra no âmbito da escrita


científica.

 Deve exprimir impressões desencadeadas na sensibilidade do crítico pelos textos literários.

 Pode e deve utilizar elementos e instrumentos de ordem científica que a TL elabora, cultivando
a precisão terminológica e conceptual e o rigor metodológico;

 Tem de desenvolver operações interpretativas que co-envolvem a subjectidade, a historicidade


e o universo de valores do crítico-leitor.

Assim entendida

6. História da Literária nasce, simbolicamente, com a publicação, em 1815, da obra de


FRIDRICH SCHLEGEL, intitulada HISTÓRIA DA LITERATURA ANTIGA E MODERNA.
Este pensador estuda a literatura como expressão e manifestação das nações e dos povos, ligada
a outras manifestações da civilização e da cultura como a língua, a religião, a folclore.

Segundo SCHLEGEL apud SILVA, (2001: P.27). “a literatura devia ser estudada no seu
desenvolvimento orgânico, nas suas várias épocas, procurando-se reconstituir a complexa
interacção existente entre a herança e a criatividade individual e relacionar os autores e as
obras com os grandes movimentos espirituais e culturais da sua época, com os acontecimentos
políticos do seu tempo, com a sociedade de que faziam parte, etc.”.

A História literária estabelece relações interdisciplinares com a FILOLOGIA, visando a


reconstituição e compreensão dos textos do passado, com ênfase para os textos literários
Medievais; por outro lado, recolheu da erudição do século XVIII o seu pendor factualista. O

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factualismo apoiado no Positivismo e na crítica literária impressionista será deveras importante


para a solidez dos planos epistemológico e metodológico da história literária. O respeito pelos
factos será encarado como garantia da objectividade da história literária.

A crise do conceito da história literária, que começa nas primeiras décadas do século XX, foi
derivada pelos exageros e usos abusivos da erudição, factualismo, biografismo (designado por
método histórico-literário) em detrimento dos elementos estéticos, bem como pela crise do
próprio conceito de história que o Romantismo construiu. Mas também esta crise tem a ver com
a própria ontologia dos textos literários e com a resistência que essa ontologia oferece à
indagação e à análise históricas.

Esta crise propiciou a renovação da própria história literária.

 Note-se que o formalismo russo, o new criticismo anglo-americano e a estilística


subestimaram a DIACRONIA (perspectiva histórico-evolutiva na análise dos textos
literários), prestaram reduzida atenção ao contexto histórico-cultural e à cronologia,
valorizando, em contrapartida, a SINCRONIA (perspectiva sistémico-funcional), a qual
ignora a história como processo de mudança, o estudo imanente dos textos, (isto é,
estudo dos textos na sua estrutura formal e semântica, sem recurso a factores intrínsecos
(biografia e intencionalidade autoral, fontes, influências).

 O formalismo russo reconheceu posteriormente que o conceito de sistema literário não é


refractário ao tempo histórico e que se torna necessário superar a oposição entre diacronia
e sincronia, entre a noção de sistema e noção de evolução, pois “cada sistema nos é
obrigatoriamente apresentado como uma evolução e que, por outro lado, a evolução tem
inevitavelmente um carácter sistemático”.

 Em suma, como nos ensina GUSTAVE LANSON, citado por SILVA (2001:p.28-29), a
história literária tem de se ocupar dos fenómenos que configuram a literatura como
instituição. Tem de analisar os agentes e os mecanismos da produção literária (quem
escreve, quem edita, círculos difusores, instâncias do poder intervenientes no processo
produtivo), e os agentes e os mecanismos de recepção literária (quem lê, como se lê, onde
se lê, quem ensina/orienta a leitura).

7. Estilística deve ser entendida como o “estudo dos textos literários e do seu estilo, do modo
peculiar como em cada obra está plasmada e utilizada a linguagem verbal” (SILVA, 2001:
p.29).

CHARLES BALLY (linguista suíço, e discípulo de SAUSSURE e um dos fundadores da


Estilística), na sua obra publicada em 1909, explica que

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“a linguagem constitui um sistema de meios de expressão ‘que exterioriza a parte intelectual do


nosso ser pensante’; todavia, como o homem está escravizado pelo seu ‘EU’, no qual se refracta
toda a realidade, a linguagem exprime não só ideias, mas principalmente sentimentos”. Assim, à
disciplina que estuda os valores afectivos da linguagem de acordo com BALY chama-se
ESTILÍSTICA.

Depois de delimitar e identificar os factos expressivos, em seguida, a estilística passa a analisar


os seus caracteres afectivos, os meios utilizados pela língua para os produzir e, finalmente, o
sistema expressivo de que tais factos fazem parte integrante.

BALLY excluía a Estilística do campo literário, passando a vinculá-la somente ao campo


puramente linguístico. Como explica SILVA citando BALLY “o objecto de estudo da estilística
deverá ser constituída tão-somente pelos factos de expressão de um idioma particular”,
considerados num determinado estádio da sua história e colhidos na língua falada e espontânea.

De harmonia com o que ficou afirmado acima, a estilística de BALLY “é uma disciplina
estritamente linguística, deliberadamente alheada dos problemas suscitados e afectivos”.

A estilística literária ou crítica estilística tem a sua origem na linguística idealista de KARL
VOSSLER (1872-1949) e, indirectamente, no pensamento estético de BENEDITO CROCE
(1866-1952).

8.Interdisciplinaridade

De acordo com SILVA (2001: p.31) a Interdisciplinaridade no campo dos estudos literários
processa-se pela busca frequente que as diferentes disciplinas fazem dos fundamentos, conceitos
e instrumentos operatórios, modelos descritivos e analíticos, noutras disciplinas, estabelecendo
com elas uma articulação mais ou menos profunda.

Estas interacções disciplinares podem ocorrer com a Linguística, a semiótica, a filosofia, a


história das ideias, a sociologia, a psicanálise. Note-se que as referidas interacções disciplinares
são requeridas pela natureza plurímoda da própria literatura, a qual ora é entendida como sistema
semiótico, ora como instituição, ora como corpus textual.

PROFISSÃO DA FÉ

Invejo o ourives quando escrevo:

Imito o amor

Com que ele, em ouro, o alto relevo

Faz de uma flor.

Imito-o. E, pois, nem de Carrara

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A pedra firo:

O alvo cristal, a pedra rara,

O ônix prefiro.

Por isso, corre, por servir-me,

Sobre o papel

A pena, como em prata firme

Corre o cinzel.

Corre; desenha, enfeita a imagem,

A ideia veste:

Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem

Azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, lima

A frase; e, enfim,

No verso de ouro engasta a rima,

Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina,

Dobrada ao jeito

Do ourives, saia da oficina

Sem um defeito:

E que o lavor do verso, acaso,

Por tão subtil,

Possa o lavor lembrar de um vaso

De Becerril.

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E horas sem conto passo, mudo,

O olhar atento,

A trabalhar, longe de tudo

O pensamento.

Porque o escrever – tanta perícia,

Tanta requer,

Que oficio tal… nem há noticia

De outro qualquer.

Assim procedo. Minha pena

Segue esta norma,

Por te servir, Deusa serena,

Serena Forma!

Olavo Bilac (poeta brasileiro)

Questionário

1. Com quem se compara o poeta neste texto?

2. Com que se compara o material do poema?


3. Que concepção o poeta tem sobre a poesia?
4. Qual é a origem da concepção de poesia do poeta?
5. Nas estrofes 6, 9 e 10, o poeta traça o seu projecto de produção estética. Refira-se
desse projecto estético do poeta.

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