Você está na página 1de 6

UM PONTO DE ENCONTRO ENTRE CAMINHOS:

O PERFIL FILOLÓGICO DO TEXTO COMO LIMITE


DA FILOLOGIA STRICTO SENSU

Sílvio de Almeida Toledo Neto (Universidade de São Paulo)

Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Filologia stricto sensu. Perfil filológico do texto.

Resumo: Todos sabemos que o termo Filologia é polissêmico, na medida em que os limites da
disciplina podem ser mais amplos ou mais estritos, de acordo com a perspectiva de quem a
pratica. Há, por um lado, uma Filologia lato sensu e, por outro, uma Filologia stricto sensu.
Como disciplina autônoma, conforme argumentamos, somente a Filologia em sentido estrito
apresenta limites bem definidos, a ponto de podermos diferenciá-la de uma série de outras
disciplinas autônomas que lhes são contíguas, como, por exemplo, a Linguística, os Estudos
Literários e a História. A Filologia em sentido lato é mais difusa, porque pode sobrepor-se a
essas áreas limítrofes e confundir o pesquisador sobre o que, de fato, é a prática filológica.
Dentro dos limites da Filologia em sentido estrito, encontra-se o núcleo mais purificado e nítido
da prática filológica, a qual parte de uma série de disciplinas, solidárias entre si, que visam um
objeto comum: o texto e a sua história. São as chamadas disciplinas filológicas, das quais as
seguintes são as mais importantes: Codicologia, Bibliografia Material, Manuscriptologia,
Paleografia, Crítica Textual, Crítica Genética e Diplomática. Quando concentradas sobre um
mesmo texto, essas matérias, ou parte delas, permitem ao pesquisador exercer a curadoria e o
restauro necessários para a preservação e a reconstituição do texto. No âmbito da Filologia de
original ausente, em que se enquadram, como objeto de estudo, as obras da literatura medieval
portuguesa, a análise do texto subdivide-se em dois eixos: o do testemunho e o do texto. O
testemunho, materialização do texto em um determinado tempo e espaço, difere do texto,
entendido como sinônimo de obra, resultante de um processo de transmissão espaço-temporal
que produz o crescente distanciamento entre original e cópia. Para o exame de um aspecto e de
outro, são mobilizadas, necessariamente, as disciplinas filológicas. A conjugação de uma
perspectiva vertical, sobre o testemunho, com uma perspectiva horizontal, sobre o texto,
examinadas a partir da filologia stricto sensu, compõem, como resultado, o que denominamos
perfil filológico do texto, considerado em seus planos material, formal e substancial. Na
composição desse quadro, a Paleografia, a Codicologia e a Crítica Textual, por exemplo, em si
autônomas, - porque têm método, objeto e objetivo próprios – operam em conjunto, dado que
convergem para a fixação do retrato, da biografia e da genealogia de um texto. O cruzamento
de diferentes caminhos, compostos pelas disciplinas filológicas, em um ponto comum,
composto por um texto específico, define uma perspectiva nitidamente filológica, frente à de
disciplinas limítrofes, com as quais a Filologia é interdisciplinar. Ilustram essa constatação
exemplos retirados de obras com as quais temos trabalhado, tais como a Vita Christi, o Livro
de José de Arimatéia e a Demanda do Santo Graal. O conceito de perfil filológico é, portanto,
útil para os estudos filológicos, porque esclarece que eles concentram-se no texto, e não na sua
escrita ou materialidade como objetos de estudo em si, separados desse texto e da sua história.
Neste caso, já estaríamos no âmbito exclusivo da Codicologia ou da Paleografia, mas não mais
no da Filologia estrita. Dessa forma, a questão mais abrangente sobre a qual refletimos neste
trabalho é quais são os limites da Filologia como disciplina autônoma? Argumentamos que o
conceito de perfil filológico do texto pode ajudar a respondê-la.

REFERÊNCIAS

Avalle, D’Arco Silvio. 1972. Principî di critica testuale, Padova: Antenore.


Beltrami, Pietro G. 2010. A che serve un’edizione critica? Leggere i testi della letteratura
romanza medievale, Bologna: Il Mulino.
Blecua, Alberto, 2001 [1983]. Manual de crítica textual, Madrid: Castalia.
Castro, Ivo. 1997. “Filologia.” In: Biblos, vol. 2, col. 602-609. [Lisboa:] Verbo.
Castro, Ivo. 2006. Introdução à história do português. 2.ª ed. rev. e muito ampl. Lisboa: Colibri.
Chartier, Roger 2014. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp.
Faria, Maria Isabel; Pericão, Maria da Graça. 2008. Dicionário do livro, Coimbra: Almedina.
Lanciani, Giulia, Tavani, Giuseppe (Orgs.). 1993. Dicionário da literatura medieval galega e
portuguesa. Lisboa: Caminho.
Spina, Segismundo. 1977. Introdução à edótica: crítica textual. São Paulo: Cultrix/Edusp.
O ESTUDO DA ESCRITA DO CÓDICE 132 E A MÃO DO MARQUÊS DE POMBAL

Rafael Marques Ferreira Barbosa Magalhães (Universidade Federal da Bahia)

Palavras-chave: Filologia, Crítica Textual, Paleografia, Análise Paleográfica, Códice 132.

Resumo:
Nesta comunicação são apresentados os resultados parciais da investigação em nível de
doutoramento com vistas à identificação da possibilidade de atribuição da autoria da escrita do
Códice 132 do Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia a Sebastião José de Carvalho e
Mello, o Marquês de Pombal. O mosteiro de São Bento da Bahia é um mosteiro beneditino
localizado em Salvador, reconhecido por perpetuar a tradição iniciada por São Bento de
produção e conservação documental, promovendo diversas ações e parcerias com
pesquisadores e instituições de fomento à cultura, que recebeu por meio de doação o Códice
132, manuscrito português adquirido por Cláudio de Britto Reis, advogado baiano, em Lisboa
no ano de 1984 e doado à atual instituição custodiadora em 2006. O documento em questão,
entendido como uma biografia, contém informações referentes às ações políticas e
administrativas do Marquês de Pombal, notadamente tratando das famosas Reformas
Pombalinas (a saber a reforma da Universidade de Coimbra; a Reforma da Marinha), da atuação
do Marquês com vistas a mitigar os efeitos do Terremoto de 1755, o litígio entre Pombal e os
Jesuítas, dentre outros. As hipóteses iniciais são que: a) o próprio Marquês de Pombal seja o
responsável pela escrita do manuscrito; b) a escrita tenha sido executada por terceiro, sob
desígnio do Marquês; c) a escrita tenha sido executada por terceiro, a quem não se possa
estabelecer vínculo com o Marquês de Pombal. Com base na edição de 2016, em que foi
minuciosamente caracterizada a mão que escreve o manuscrito, proceder-se-á a uma análise
paleográfica pautada no método comparativo, cotejando-se a mão do Marquês de Pombal e as
mãos de scriptores próximos a ele com a que escreve o documento sob análise. O corpus da
pesquisa foi constituído por um conjunto de 308 documentos organizados em dois volumes
(PBA713 e PBA714) manuscritos selecionados do acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa,
pertencentes à Coleção Pombalina, com base nos critérios de cronologia, proveniência e
unicidade. No volume PBA713, foram identificadas 12 mãos, em análise inicial, e no volume
PBA714 foram identificadas 8 mãos. As mãos encontradas em cada um dos volumes foram
cotejadas entre si, com vistas a verificar a existência recorrências, o que resultando em 15 mãos
identificadas, no total. O referencial teórico dessa investigação é fundamentalmente da área de
Filologia, ressaltando-se que se tomará a edição de 2016 do Códice 132 como base para os
estudos e análises desenvolvidos nessa investigação. Especificamente o conhecimento de
Paleografia, focando-se na técnica da análise paleográfica, será o fundamento para a
caracterização, descrição e análises necessários, baseando-se nos elementos constitutivos da
escrita, a saber: a morfologia, o ângulo, o ductus, o módulo, o peso, as ligaduras e nexos. O
principal resultado a que se espera chegar com essa investigação são a verificação da
possibilidade de atribuição da autoria da escrita do Códice 132 ao Marquês de Pombal ou a uma
das mãos próximas a ele. Secundariamente, ter-se-á caracterizado a mão do Marquês de Pombal
e de scriptores a ele vinculados, notadamente responsáveis pela escrita delegada de textos cuja
autoria intelectual é atribuída ao Marquês de Pombal.

Referências:
Berwanger, Ana Regina; Leal, João Eurípedes Franklin. 2012. Noções de Paleografia e de
Diplomática. 4. ed. Santa Maria: Editora da UFSM.
Bibliotheca Nacional de Portugal. 1891. Inventario dos manuscriptos (seocção xiii): Collecção
Pombalina. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal.
Figueiredo, Manuel de Andrade de. 1722. Nova Escola para aprender a ler, escrever, e contar:
Offerecida á Augusta Magestade do Senhor Dom Joaõ V. Rey de Portugal. Primeira parte.
Lisboa Occidental : na Officina de Bernardo da Costa de Carvalho.
Petrucci, Armando. 2003. La ciencia de la escritura. Primera lección de Paleografía. Buenos
Aires: Fondo de Cultura Económica de Argentina.
Prou, Maurice. 1890. Manuel de Paleographie Latine et Française: Du VIe au XVIIe Siècle
Suivi d’un Dictionnaire des Abreviations. Paris: Librairie des Archives nationales et de la
Société de l’École des Chartes.
Samara, Eni de Mesquita. 2010. Paleografia, documentação e metodologia histórica. São
Paulo: Humanitas.
Samara, Eny de Mesquita; Tupy, Ismenia Spínola Silveira. 2010. História & Documento e
metodologia de pesquisa. Belo Horizonte: Autêntica.
QUE TEXTOS LEEM OS ESTUDOS FILOLÓGICOS?

Gérsica Alves Sanches (Universidade Federal da Bahia)

Palavras-chave: Estudos Filológicos, Teorias de Edição, Língua, Texto.

Resumo:
Apresentaremos parte dos estudos que estão sendo desenvolvidos na pesquisa de doutorado
realizada no âmbito dos Estudos Filológicos e que tem como um dos principais objetivos
compreender que implicações epistêmicas são acarretadas quando questionamos a centralidade
da escrita nas atividades filológicas; e é este o alvo desta comunicação.
Histórica e genericamente, a filologia tem se dedicado a estudar patrimônios textuais de
determinados povos e/ou grupos que encontram na escrita o lugar primordial de expressão de
sua erudição e, por isso, desenvolveu teorias que tornaram possível entender o processo de
produção, circulação, transmissão e recepção desses mesmos patrimônios textuais. Disto,
surgem teorias de edição que buscam dar conta desses patrimônios: 1. Crítica Textual
Tradicional e Moderna; 2. Crítica Sociológica; e 3. Crítica Genética.
Revisitando os constructos de tais teorias, entendemos que elas estão basilarmente assentadas
a partir das noções de língua e texto e que tais noções são estruturantes para as atividades de
leitura filológica e editorial empreendidas, sejam elas sejam elas baseadas em tradição textual
mono ou politestemunhal.
Ao analisar essas noções, percebemos a influência sofrida pelas principais correntes teóricas da
linguística. As noções de língua como expressão do pensamento humano (percepção
imanentista proposta pelos neogramáticos e, posteriormente, revistada e apropriada pelos
estudos formalistas, especialmente os gerativistas) (Chomsky, 1980; Faraco, 2005) e da língua
como sistema (Coseriu; 1979; Saussure, 2012) podem ser relacionadas às leituras editoriais
orientadas pelos pressupostos da Crítica Textual Tradicional e da Crítica Textual Moderna, que
compreendem o texto filológico como algo fechado e autônomo, sendo uma expressão da
vontade do autor (Blecua, 1990; Castro, 1991). A noção de língua como fenômeno social e
também como sistema simbólico (Bourdieu, 1996; Eagleton, 2006) pode ser articulada às
propostas editoriais empreendidas a partir da Crítica Sociológica, que entende o texto filológico
como um produto social, estando imbricado à sua historicidade (Mckenzie, 2005). A noção
dialógica (interacional) de língua, mais alinhada a uma perspectiva funcionalista (Bakthin,
1979; Dijk, 2008), pode ser vinculada às propostas de leitura editorial da Crítica Genética, que
entende o texto como processo, aberto, inacabado (Grésillon, 2007; Genette, 2010), como o
próprio espaço da interação pela linguagem.
Num exercício de articulação entre correntes teóricas, pudemos notar que a escrita ocupa para
elas um lugar central de produção, transmissão e recepção de texto, embora as teorias articulem
noções de língua e texto mais ou menos distintas entre si – faz-se a ressalva para a Crítica
Genética, que tem abarcado atividades editoriais que se debruçam sobre tradições textuais que
são produzidas em diferentes linguagens, mas se atendo ao momento da gênese textual.
Assumindo um entendimento defendido por Levi-Strauss (1957), Reynolds e Wilson (1991),
Burke e Porter (1993), Cavallo (1998) e Rosalind Thomas (2005), ao tratar da história da cultura
escrita e da erudição, consideramos que a escrita parece ter desempenhado um papel que mais
tem a ver com projetos de dominação e de exercício de poder de um grupo/povo sobre o outro
do que com processos mnemônicos de registros de história e de cultura, desempenhando um
papel antes sociológico do que intelectual.
Desta forma, colocamos em suspeição a opção epistêmica que a filologia fez e, genericamente,
continua a fazer pela escrita como lugar primordial de produção, circulação, transmissão e
recepção do texto filológico; e propomos uma outra filologia por meio da formulação de suas
noções basilares (língua, texto e cultura), mais aproximada das contribuições advindas dos
Estudos Decolonais e da Teoria Oral, para que possamos nos dedicar a patrimônios textuais que
encontram na oralidade o espaço genuíno de produção, circulação, transmissão e recepção de
suas narrativas e saberes, como é o caso das comunidades quilombolas e para povos indígenas
brasileiros.

Referências:
Bakhtin, M. 1979. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud, Yara Frateschi Vieira. São
Paulo: Hucitec.
Blecua, Alberto. 1990. Manual de Crítica Textual. Madri: Castalia.
Bourdieu, Pierre. 1996. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. 2. ed.
Tradução Sergio Miceli et al. São Paulo: Edusp.
Burke, Peter e Porter, Roy. 1993. (org.). Linguagem, indivíduo e sociedade: história social da
linguagem. Tradução Álvaro Luiz Hattnher. São Paulo: Editora Unesp.
Castro, Ivo. 1991. Curso de história da língua portuguesa. Lisboa: Universidade Aberta.
Cavallo, Guglielmo. 1998. Entre o volumen e o codex: a leitura no mundo romano. In:
Cavallo, Guglielmo e Chartier, Roger (org.). História da leitura no mundo ocidental. v.1.
Tradução Fulvia Moretto, Guacira Machado, José Soares. São Paulo: Ática.
Chomsky, 1980. Reflexões sobre a linguagem. Tradução Carlos Vogt et al. São Paulo: Cultrix.
Coseriu, Eugenio. 1979. Sincronia, Diacronia e História: o problema da mudança
linguística. Tradução Carlos Alberto da Fonseca e Mário Ferreira. Rio de Janeiro:
Presença/Editora da Universidade de São Paulo.
Dijk, Teun A. Van. 2008. Discurso e poder. Tradução Judith Hoffnagel, Karina Falcone. São
Paulo: Contexto.
Eagleton, Terry. 2006. O pós-estruturalismo. In: ___. Teoria da Literatura: uma introdução.
6. ed. Tradução de Waltensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes.
Faraco, Carlos Alberto. 2005. Linguística Histórica: uma introdução ao estudo da história das
línguas. 2. ed. São Paulo: Parábola Editorial.
Genette, Gérard. 2010. Palimpsestos: a literatura de segunda mão. Tradução Luciene
Guimarães, Maria Antônia Ramos Coutinho. Belo Horizonte: FALE/UFMG.
Grésillon, Almuth. 2007. Elementos de Crítica Genética: ler os manuscritos modernos.
Tradução Cristina de Campos Velho Birck et al. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007.
Lévi-Strauss, Claude. 1957. Lição de escrita. In: ___. Tristes Trópicos. Tradução Wilson
Martins. São Paulo: Editora Anhêmbi limitada.
Mckenzie, D. F. 2005. Bibliografía y sociología de los textos. Trad. Fernando Bouza. Madrid:
Ediciones Akal, Cambridge University Press.
Reynolds, L. D. e Wilson, N. G. 1991. Scribes and Scholars: a Guide to the Transmission of
Greek and Latin Literature. 3. ed. New York: Oxford University Press.
Saussure, Ferdinand de. 2012. Curso de Linguística Geral. 28. ed. Tradução Antônio Chelini,
José Paulo Paes, Izidoro Bilkstein. São Paulo: Cultrix.
Thomas, Rosalind. 2005. Letramento e oralidade na Grécia antiga. Tradução Raul Fiker. São
Paulo: Odysseus Editora.

Você também pode gostar