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TONET, Ivo. Método Científico: uma abordagem ontológica.

São Paulo: Instituto


Lukács, 2013, 136 p.1

Estevam Alves Moreira Neto2

Ivo Tonet, em sua mais nova obra, mais uma vez, indo além das discussões tópicas
que se tornaram moda na esquerda e ainda mais na academia, principalmente em muitos
trabalhos na área da teoria do conhecimento (epistemologia e sociologia do
conhecimento, por exemplo), vem responder com este estudo - como indica Belmira
Magalhães na apresentação do livro - “a uma necessidade sempre apontada pelos
estudiosos do marxismo, principalmente daqueles que exercem a docência, de uma
sistematização do método de Marx”. Entretanto, ao contrário do possa parecer num
primeiro momento, “não é um livro de introdução, porém um livro de fundamentos do
método de Marx, e por esse motivo só poderia ter sido escrito por quem domina o
conteúdo, transmitindo-o de forma clara e precisa” (2013, p. 7).

Sustentado em uma leitura imanente da obra Marx e também apoiado nas obras
maduras de G. Lukács e de I. Mészáros, nosso autor busca resgatar os fundamentos
ontológicos do método científico, seu enraizamento na reprodução do ser social e seu
fundamento no trabalho.

Tal complexo de questões, o conduziu a um rastreamento histórico de como o


método científico instaurado na modernidade, ao ser modificado, esteve sempre de acordo
com as exigências da forma socio-metabólica instaurada pela burguesia. E mais, de que
quando se refere a método científico, este é sempre pensado na sua forma moderna. Por
conseguinte, essa “maneira de abordar a questão do método se tornou tão avassaladora,
até pela sua frontal contraposição ao modo de pensar greco-medieval e pelos resultados
obtidos por seu intermédio, que método científico se tornou, pura e simplesmente,
sinônimo de método científico moderno”, o “caminho único e adequado de produzir
conhecimento verdadeiro” (2013, p. 9). Em outras palavras: a renúncia da perspectiva
ontológica (sustentada a partir da posição [standpunkt] do objeto) e o estabelecimento da
https://doi.org/10.36311/0102-5864.2015.v52n2.8270
1
Ivo Tonet é professor de Sociologia do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) e membro do Instituto
Lukács.
2
Mestre em Ciências Sociais pela UNESP, campus de Marília.
atividade científica a partir de uma perspectiva gnosiológica (sustentadas no ponto de
vista do sujeito) – já criticadas anteriormente por Tonet em Educação, cidadania e
emancipação humana (EDUFAL, 2014, prelo) e retomadas agora, numa proposta mais
didática -, segundo nosso autor, “induz a um falseamento da problemática do
conhecimento, com graves consequências para a compreensão da realidade social” (p.
10).

Nosso autor diz isso, pois não é por acaso que esta concepção de método científico
moderno anda lado a lado – tenham os pesquisadores consciência disso ou não – com a
ideologia de que a sociedade moderna (pós-moderna, para os de linha irracionalista) é a
forma mais avançada de sociabilidade. Esta organização societária seria a expressão
máxima de uma essência humana proprietária privada, que dada a priori, ao ter
desembocado no capitalismo pode expressar o egoísmo e a mesquinharia como
características exemplares do ser humano. Nas palavras do autor (2013, p. 45):

Como se sabe, o indivíduo singular, nessa concepção, precede ontologicamente a sociedade, isto
é, o que o define essencialmente como ser humano – a igualdade, a racionalidade, a liberdade e o
auto-centramento (egoísmo) – é ontologicamente anterior ao seu relacionamento com outros
indivíduos. Disso resulta que a sociedade é o resultado das relações que esses indivíduos –
ontologicamente anteriores a ela – estabelecem entre si. Isso faz com que a relação entre indivíduo
(singular) e sociedade (universal) se realize sem que as mediações particulares (diversos grupos
sociais) tenham um peso significativo. Em particular, essa forma de conceber a relação entre
indivíduo e sociedade cancela uma das mediações reais mais importantes e decisivas: as classes
sociais.

Dessa maneira, tomando a representação burguesa de como os indivíduos


estabelecem suas relações pelo mercado, a sociedade permeada pelo fetichismo da
mercadoria e a reificação é definida como a forma mais plena do desenvolvimento
humano, reflexo de uma essência que pré-determina os indivíduos como mônadas. Assim,
as mediações particulares (classes sociais) entre singularidade (indivíduo) e universidade
(sociedade) ficam profundamente comprometidas. Como expressa nosso autor (2013, p.
45):

O indivíduo pode até pertencer a alguma classe social, mas isso não interfere de forma substancial
na produção do conhecimento. A racionalidade é uma qualidade inata, ou seja, uma qualidade da
qual todos são portadores por nascimento. Nesse sentido, a razão é uma faculdade trans-histórica.
Todos os homens são portadores dela. Apenas fazem uso diferente em momentos históricos
diferentes. Por isso mesmo, quem produz o conhecimento é o indivíduo singular, sendo as suas
qualidades subjetivas as responsáveis últimas por aquilo que é efetivado.

Sendo esses os (falsos) fundamentos ontológicos que estão ocultos na perspectiva


gnosiológica, que tomados para sustentar a concepção de método moderno, colocar-se-ia
um fundamental impedimento na capacidade de apreensão dos efetivos interesses sociais,
fundamentalmente de classe, que permeiam a construção da cientificidade, ainda mais em
um momento tão crucial como este que vivemos, do período de crise estrutural do sistema
do capital. Nas palavras do autor: “Trata-se, pois de conhecer a realidade social não para
transformá-la radicalmente, mas para permitir a reprodução, certamente, com melhorias,
dessa forma de sociabilidade” (p. 55).

Com isso, poder-se-ia apenas aperfeiçoar a ordem vigente. Assim, a concepção


reformista - apresentada na forma de voluntarismo e politicismo - é a única alternativa. A
revolução social seria uma utopia.

É nesse momento, com o clima de consolidação da nova ordem burguesa é que


surgem as chamadas Ciências Sociais. Nas palavras do autor:

De então até hoje, tanto o processo social, quanto, mais especificamente, a cientificidade
dominante do social – aquela que é demarcada pela perspectiva gnosiológica – assumiu as mais
variadas formas, sem nunca deixar de ter a sua efetivação delimitada pelos elementos que
caracterizam de modo essencial essa perspectiva. (...) Assim como no campo das Ciências da
Natureza o debate foi intenso acerca dos fundamentos do conhecimento, também nas Ciências
Sociais aconteceu o mesmo. Entre positivismo, nas suas mais variadas expressões, e
neopositivismo, historicismo, estruturalismo e inúmeras outras correntes, o debate foi e continua
a ser acirrado. Mesmo grande parte do pensamento que se reclama de Marx foi afetada, das mais
diversas maneiras, por essa perspectiva da subjetividade (p. 55, grifo nosso).

Por isso, a preocupação do nosso autor em fazer uma exposição histórica desde a
concepção greco-medival até a moderna para demonstrar ontologicamente como o
postulado marxiano do trabalho como categoria fundante (aquela que funda, não aquela
que vem primeiro) do ser social é o ponto de partida e fio condutor efetivo para desvelar
a determinação do chão social dessas formas de pensamento e os limites/possibilidades
de suas concepções de método científico. Isso é de suma importância, já que as leituras
que são feitas das obras de Marx através das Ciências Sociais – disciplinas especializadas,
autônomas e que possuem a função social de apologia indireta da ordem (Lukács) –
terminam tomando categorias fundamentais como a de totalidade e a de essência, que já
tinham sido abandonadas pelos gnosiológicos, como sendo “resquícios hegelianos de
Marx”.

Desse modo, as Ciências Sociais – filhas do período de decadência ideológica


burguesa (Lukács) - além de serem forjadas tipicamente como gnosiológicas, terminaram
por reduzir Marx a mais um epistemólogo e, pior, que deve ser lido com cuidado devido
aos seus “desvios idealistas” – aqui não estamos nos referindo apenas ao preconceito
contra Hegel e, sim, a concepção (neo)positivista de separação entre ciência e concepção
ideo-política. Como lembra nosso autor (2013, p. 56):

Se nada mais existe para além dos dados empíricos; se esses dados são o elemento último e
irredutível da realidade; se o sentido deles está inscrito na sua própria natureza; se a realidade
social não é uma totalidade objetivamente existente; se não existe um fio condutor que articule
objetivamente os diversos momentos que constituem a realidade, então o sujeito se verá obrigado
e estará livre para construir um objeto teórico apenas segundo o seu arbítrio.
Disso decorre que o critério para decidir o que é ou não verdadeiro não pode ser buscado na
correspondência da teoria com o objeto real, mas apenas na aplicação rigorosa dos preceitos
metodológicos. Deste modo, rigor lógico e metodológico e vigilância epistemológica serão os
elementos que garantirão – sempre de modo relativo – o sucesso da empreitada da produção do
conhecimento científico.
Não é por outro motivo que a problemática da linguagem ganhou tão grande importância na
reflexão sobre o processo científico. Busca-se estabelecer, a exemplo das Ciências da Natureza,
também nas Ciências Sociais uma linguagem o mais possível isenta de ambiguidades.
Por tudo isso, a neutralidade científica se põe como uma exigência inescapável.

Tonet, ao tratar de Marx, resgata o argumento, já exposto em outras de suas obras,


de que uma forma particular de trabalho é o modo pelo qual os seres humanos conseguem
transformar a natureza, determina em larga medida – portanto, não totalmente – a forma
como a sociedade se reproduz. Assim, cada modo particular de trabalho funda um modo
de produção.

Esta fundamentação histórico-ontológica busca, desde o primeiro momento, já


amarrar a crítica contra daqueles que abandonaram a esfera da produção, tornando-a
secundária na determinação das bases do processo de conhecimento.

Desse modo, nosso autor volta a argumentar que o reconhecimento histórico-


ontológico de que o trabalho, sendo a categoria fundante de toda forma sociedade, é
também a categoria decisiva para o desvelamento de como “Marx, respondendo às
demandas essenciais da classe trabalhadora, lançou os fundamentos de um paradigma
científico-filosófico radicalmente novo e que este (...) é o melhor que melhor permite
compreender a realidade social” (2013, p. 10), ainda mais – voltamos a repetir – em um
período de crise estrutural da ordem do capital.

Portanto, Tonet recoloca novamente o estudo sobre a questão do método científico


sobre os pés e não mais sobre a cabeça, como em geral vem fazendo. Isto é, resgata a
centralidade do trabalho, da humanidade como ser social, da crítica radical e da revolução
social diante centralidade da política, do individualismo, da resignação e do reformismo.
Por fim, esta resenha, como toda, não se propõe em esgotar os argumentos da obra,
mas estimular a leitura da mesma e do estudo desta candente questão da teoria
revolucionária. Se isso ocorrer, nosso limitado objetivo terá sido alcançado.

RECEBIDO EM 12-01-2015

APROVADO EM 31-08-2015

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