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Ivo Tonet, em sua mais nova obra, mais uma vez, indo além das discussões tópicas
que se tornaram moda na esquerda e ainda mais na academia, principalmente em muitos
trabalhos na área da teoria do conhecimento (epistemologia e sociologia do
conhecimento, por exemplo), vem responder com este estudo - como indica Belmira
Magalhães na apresentação do livro - “a uma necessidade sempre apontada pelos
estudiosos do marxismo, principalmente daqueles que exercem a docência, de uma
sistematização do método de Marx”. Entretanto, ao contrário do possa parecer num
primeiro momento, “não é um livro de introdução, porém um livro de fundamentos do
método de Marx, e por esse motivo só poderia ter sido escrito por quem domina o
conteúdo, transmitindo-o de forma clara e precisa” (2013, p. 7).
Sustentado em uma leitura imanente da obra Marx e também apoiado nas obras
maduras de G. Lukács e de I. Mészáros, nosso autor busca resgatar os fundamentos
ontológicos do método científico, seu enraizamento na reprodução do ser social e seu
fundamento no trabalho.
Nosso autor diz isso, pois não é por acaso que esta concepção de método científico
moderno anda lado a lado – tenham os pesquisadores consciência disso ou não – com a
ideologia de que a sociedade moderna (pós-moderna, para os de linha irracionalista) é a
forma mais avançada de sociabilidade. Esta organização societária seria a expressão
máxima de uma essência humana proprietária privada, que dada a priori, ao ter
desembocado no capitalismo pode expressar o egoísmo e a mesquinharia como
características exemplares do ser humano. Nas palavras do autor (2013, p. 45):
Como se sabe, o indivíduo singular, nessa concepção, precede ontologicamente a sociedade, isto
é, o que o define essencialmente como ser humano – a igualdade, a racionalidade, a liberdade e o
auto-centramento (egoísmo) – é ontologicamente anterior ao seu relacionamento com outros
indivíduos. Disso resulta que a sociedade é o resultado das relações que esses indivíduos –
ontologicamente anteriores a ela – estabelecem entre si. Isso faz com que a relação entre indivíduo
(singular) e sociedade (universal) se realize sem que as mediações particulares (diversos grupos
sociais) tenham um peso significativo. Em particular, essa forma de conceber a relação entre
indivíduo e sociedade cancela uma das mediações reais mais importantes e decisivas: as classes
sociais.
O indivíduo pode até pertencer a alguma classe social, mas isso não interfere de forma substancial
na produção do conhecimento. A racionalidade é uma qualidade inata, ou seja, uma qualidade da
qual todos são portadores por nascimento. Nesse sentido, a razão é uma faculdade trans-histórica.
Todos os homens são portadores dela. Apenas fazem uso diferente em momentos históricos
diferentes. Por isso mesmo, quem produz o conhecimento é o indivíduo singular, sendo as suas
qualidades subjetivas as responsáveis últimas por aquilo que é efetivado.
De então até hoje, tanto o processo social, quanto, mais especificamente, a cientificidade
dominante do social – aquela que é demarcada pela perspectiva gnosiológica – assumiu as mais
variadas formas, sem nunca deixar de ter a sua efetivação delimitada pelos elementos que
caracterizam de modo essencial essa perspectiva. (...) Assim como no campo das Ciências da
Natureza o debate foi intenso acerca dos fundamentos do conhecimento, também nas Ciências
Sociais aconteceu o mesmo. Entre positivismo, nas suas mais variadas expressões, e
neopositivismo, historicismo, estruturalismo e inúmeras outras correntes, o debate foi e continua
a ser acirrado. Mesmo grande parte do pensamento que se reclama de Marx foi afetada, das mais
diversas maneiras, por essa perspectiva da subjetividade (p. 55, grifo nosso).
Por isso, a preocupação do nosso autor em fazer uma exposição histórica desde a
concepção greco-medival até a moderna para demonstrar ontologicamente como o
postulado marxiano do trabalho como categoria fundante (aquela que funda, não aquela
que vem primeiro) do ser social é o ponto de partida e fio condutor efetivo para desvelar
a determinação do chão social dessas formas de pensamento e os limites/possibilidades
de suas concepções de método científico. Isso é de suma importância, já que as leituras
que são feitas das obras de Marx através das Ciências Sociais – disciplinas especializadas,
autônomas e que possuem a função social de apologia indireta da ordem (Lukács) –
terminam tomando categorias fundamentais como a de totalidade e a de essência, que já
tinham sido abandonadas pelos gnosiológicos, como sendo “resquícios hegelianos de
Marx”.
Se nada mais existe para além dos dados empíricos; se esses dados são o elemento último e
irredutível da realidade; se o sentido deles está inscrito na sua própria natureza; se a realidade
social não é uma totalidade objetivamente existente; se não existe um fio condutor que articule
objetivamente os diversos momentos que constituem a realidade, então o sujeito se verá obrigado
e estará livre para construir um objeto teórico apenas segundo o seu arbítrio.
Disso decorre que o critério para decidir o que é ou não verdadeiro não pode ser buscado na
correspondência da teoria com o objeto real, mas apenas na aplicação rigorosa dos preceitos
metodológicos. Deste modo, rigor lógico e metodológico e vigilância epistemológica serão os
elementos que garantirão – sempre de modo relativo – o sucesso da empreitada da produção do
conhecimento científico.
Não é por outro motivo que a problemática da linguagem ganhou tão grande importância na
reflexão sobre o processo científico. Busca-se estabelecer, a exemplo das Ciências da Natureza,
também nas Ciências Sociais uma linguagem o mais possível isenta de ambiguidades.
Por tudo isso, a neutralidade científica se põe como uma exigência inescapável.
RECEBIDO EM 12-01-2015
APROVADO EM 31-08-2015