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Relatório Final
O Conceito de Modernidade
e a Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro
ÍNDICE
II - RELATÓRIO DE PESQUISA
O final dos anos 1880 no Brasil foi marcado pelo enfraquecimento da Monarquia como
sistema político. Desde 1870, a crise se anunciava: o movimento republicano se organizava no
Rio de Janeiro, as relações entre o governo imperial e o exército eram instáveis, e a província de
São Paulo, em pleno desenvolvimento econômico, desejava mais autonomia. Este conjunto de
mudanças socio-econômicas criou as condições favoráveis às idéias de reforma e provocou a
queda do regime monárquico em 15 de novembro de 1889.
Este período representou igualmente uma fase crítica para a Academia Imperial de Belas
Artes. O governo já não garantia a continuidade nem dos concursos dos Prêmios de Viagem, nem
das Exposições Gerais. A ausência do apoio governamental deu origem às agitações
subseqüentes.
Os concursos de Prêmio de Viagem estavam interrompidos por falta de verbas desde
1878, e somente em 1887, nove anos mais tarde, a Academia organizou um novo concurso. No
entanto, este concurso não se realizou tranqüilamente. Havia duas vagas de pensionista
disponíveis e o concurso teve dois vencedores : o pintor de história Oscar Pereira da Silva
(1867-1939) e o arquiteto João Ludovico Maria Berna. Mas a decisão da comissão julgadora foi
1
refutada e nenhum dos dois foi enviado à Europa. Esses contratempos só fizeram aumentar a
insatisfação dos estudantes.
Além disso, a última Exposição Geral havia sido organizada em 1884, e até o final do
2
regime monárquico nenhuma outra foi realizada. O Estado se queixava da insuficiência de
fundos, o que impedia a organização de novas exposições. Até então, os artistas tinham contado
com a ajuda oficial para mostrar suas obras ao público, e ressentiam-se da ausência desse apoio.
A interrupção das Exposições Gerais deixava evidente a debilidade da Academia e criava grande
descontentamento entre os alunos das Belas Artes. Os protestos cresciam, e em 1887 o diretor da
Academia manifestava sua posição a favor do restabelecimento das Exposições :
(...) as Exposições Gerais de Belas Artes são indispensáveis para o
desenvolvimento do gosto artístico; falta-lhes, é verdade, a judiciosa crítica de
arte; entre nós ela é quase exercida exclusivamente por escritores de talento,
mas que muitas vezes são guiados pela própria impressão, sobre a qual podem
influir simpatias ou desafeições pessoais. Tais exposições e o prêmio de primeira
ordem são os meios mais eficazes que tem a Academia das Belas Artes para fazer
progredir as artes e recompensar a seus cultores.3
4
Mas o apelo do diretor não obteve resposta favorável por parte do governo e a ausência
de exposições oficiais acabou produzindo a multiplicação das exposições privadas. No ano de
1886, quatro exposições importantes foram realizadas: os alunos organizaram duas exposições de
seus trabalhos no edifício da Academia ; a Galeria Vieitas expôs várias obras de João Baptista
Castagneto ; e Rodolpho Bernardelli organizou uma exposição reunindo pinturas de seu irmão
Henrique Bernardelli e paisagens de Fachinetti em uma das salas da Imprensa Nacional. O
movimento de exposições se acentuou ao longo de 1887. No início de 1888 o público pôde ver as
obras de Firmino Monteiro e Rodolpho Amoêdo, artistas que voltavam ao Brasil após um período
1
- Oscar Pereira da Silva e João Ludovico Maria Berna, vencedores do concurso de 1887 tiveram que
esperar três anos antes de partir para estudar no estrangeiro, pois somente após a proclamação da
República, em 1890, o Ministro Benjamin Constant decidiu validar o concurso de 1887. No mês de
outubro de 1890, os dois premiados partiram enfim, indo aperfeiçoar-se em Paris.
2
- A Exposição Geral de 1884 foi a maior e mais importante realizada durante este período, quanto às
obras expostas. Mas a comissão organizadora queixou-se da insignificância do número de visitantes.
Comparando a Exposição de 1884 à de 1879, o público diminuiu consideravelmente. Em 1879 a entrada
na exposição era gratuita e o público foi grande : 292.296 espectadores compareceram num período de
62 dias. Em 1884 a entrada tornou-se paga e a exposição foi visitada por 20.154 espectadores durante
um período de cem dias.
3
- Relatório do diretor da Academia Imperial, Moreira Maia, em 1887. Citado por FREIRE, Laudelino.
Um Século de Pintura, pp. 380 et 381. O prêmio de primeira ordem ao qual se refere o diretor era o
Prêmio de Viagem.
4
- Após a exposição de 1884, somente em 1890, já sob o regime republicano, uma nova Exposição
Geral foi realizada.
de estudos na Europa, e as de Antônio Parreiras que, por sua vez, preparava sua partida para o
início do ano seguinte. Foram ainda expostas pinturas de Belmiro de Almeida, Castagneto e
outros.
Freqüentemente, as obras eram instaladas no espaço de livrarias e lojas de artigos gerais,
ou seja, em espaços que não eram concebidos para a exposição de obras de arte. De todo modo, o
mercado privado de difusão de arte se desenvolvia. Novas galerias surgiam, destacando-se as
5
seguintes : Insley Pacheco, Vieitas, Clément, De Wilde e Viúva Moncada.
Além da organização de exposições privadas, os artistas se ajudavam financeiramente
suprindo a ausência de pensões governamentais para assegurar as estadias de aperfeiçoamento na
Europa. Sabe-se que Belmiro de Almeida pôde realizar estudos em Paris e na Itália graças ao
apoio de Rodolpho Bernardelli, Ângelo Agostini e outros amigos que lhe concederam, a partir de
6
1888, uma pensão mensal durante um período de cinco anos.
Ao mesmo tempo em que os artistas, entregues a si mesmos, já não contavam com o apoio
oficial, uma crítica dos métodos acadêmicos era esboçada. Durante o ano de 1888, Ângelo
Agostini, jornalista que assinava a coluna das belas artes na Revista Ilustrada, encorajava os
artistas a se liberar das exigências acadêmicas :
(...) a arte deve ser livre, podendo cada artista dar o cunho de sua
individualidade, no modo de sentir e executar, sem imitar nenhuma escola nem
respeitar convenções e regras estabelecidas.7
Estas palavras refletiam igualmente o momento de transição política e a efervescência
geral dos espíritos. A ocasião era propícia às reivindicações em vista de uma reforma. Os
estudantes da Academia de Belas Artes começaram a manifestar seu descontentamento contra a
instituição que, até então, nunca havia sido seriamente questionada.
1.1 – Os Acontecimentos
5
- FREIRE, Laudelino. Um século de pintura. p.381.
6
- REIS JÚNIOR. Belmiro de Almeida, 1858-1935. (p.20).
7
- Revista Ilustrada, coluna « Belas Artes », Rio de Janeiro, 21-4-88. [Citado por PRADO, p. 87]
– Magnífica idéia! – concordava Agrário. – Até poderíamos realizá-la
já.
[DUQUE, Gonzaga. Mocidade morta. Rio de Janeiro: Fundação
Casa de Rui Barbosa, 1995, p.45.]8
O ano de 1890 foi, no meio artístico carioca, o ano da revolta contra a Academia de Belas
Artes. Três projetos de reforma e um projeto de extinção da Academia foram elaborados e
discutidos. Havia um clima de batalha em que se enfrentavam os “novos” e os “velhos”. Nos
Cafés e nas praças do centro da cidade, reuniam-se os artistas rebelados. A agitação que envolveu
artistas, estudantes, professores e críticos de arte, tornou-se assunto dos jornais que publicavam
artigos contra ou a favor da Academia. Divulgando as polêmicas, anunciando as reuniões dos
artistas, e influenciando a opinião pública que posicionou-se ao lado dos “novos”, os jornalistas
tiveram papel importantíssimo no episódio.
Alguns anos mais tarde, em 1899, Gonzaga Duque publicava o romance Mocidade Morta,
no qual tratava da mobilização dos jovens rebelados contra a Academia. Embora sendo obra de
ficção, o livro de Gonzaga Duque nos apresenta sua visão sobre os acontecimentos de 1890, e
expressa os sentimentos que animavam os protagonistas dos episódios.
Posteriormente, os fatos de 1890 tiveram sua importância e alcance minimizados, e foram
quase completamente esquecidos. Não se falou mais nos anseios dos jovens estudantes das Belas
Artes do final do século XIX. Apenas em 1944, um autor referiu-se a esses acontecimentos:
Frederico Barata em seu livro sobre Eliseu Visconti. O livro de Barata é a fonte mais conhecida
com informações sobre a revolta dos estudantes da Academia. Aí são relatados os fatos que
tiveram participação ativa de Visconti, ainda um jovem aluno da Academia:
Na mesma data em que os ânimos tanto se tinham exaltado na Academia,
abandonaram-na os modernos, acompanhados na atitude pelos
professores referidos [Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo]. E
foram instalar-se, Visconti entre eles, no enorme barracão construído em
pleno largo de São Francisco, junto à estatua de José Bonifácio, onde
Aurélio de Figueiredo expusera o grande quadro alegórico "Redenção do
Amazonas", transformando-o no que denominaram "Atelier Livre", um
curso de pintura moldado na Academia Julian, de Paris, e no qual
recebiam diariamente lições de Amoedo, dos Bernardelli e de Zeferino da
Costa. Aí ficaram somente dois meses, pois a Prefeitura exigiu o barracão
para demolir. O contratempo, porém, não lhes arrefeceu o entusiasmo e,
8
- A primeira edição do livro de Gonzaga Duque data de 1899, dois anos após o autor ter concluído o
romance, em 1897.
com o grupo muito aumentado, mudaram-se para um sobrado à rua do
Ouvidor, entre as ruas da Quitanda e Sachet, mais ou menos à igual
distância dos edifícios onde estavam instalados o "Jornal do Commercio"
e "O Paiz". Inegavelmente monopolizavam as simpatias gerais e eram
freqüentados por vários artistas feitos, que lhes levavam apoio moral e
proveitosos conselhos, sendo entre todos mais assíduo João Batista
Castagneto, o marinista ímpar da pintura brasileira. Já então eram
também financeiramente auxiliados por vários mecenas, entre os quais
Ferreira Araújo, Luiz de Rezende, José do Patrocínio e os próprios
professores, que todos se cotizavam para as despesas necessárias à
manutenção do "Atelier Livre" e patrocinaram, em meados de 1889 [sic],
uma grande exposição de trabalhos dos filiados ao movimento, um
verdadeiro "Salon" de independentes, que ocupava as duas salas da frente
e logrou atrair numeroso público e excelentes expositores, destacando-se
Eliseu Visconti, Fiúza Guimarães, Rafael Frederico, Bento Barbosa
(desenhista da "Cidade do Rio") e França Júnior.9
9
- Frederico Barata. Eliseu Visconti e seu tempo, (pp.36, 37).
10
- Para estabelecer a cronologia desses acontecimentos, consultamos os artigos de O Paiz e de A Gazeta
de Notícias. Estas datas correspondem também ao abandono de Rodolpho Bernardelli de suas funções
de professor da Academia de Belas Artes. Segundo informação tirada da ata da reunião do Conselho em
7 de novembro de 1890, este abandono data de 6 de maio de 1890.
11
- J. R., « Sete Dias » In : O Paiz, 14 / 12 / 1890, (p. 1).
Aparentemente, o descontentamento geral e a ação independente dos artistas não se voltavam
contra as concepções estéticas da Academia.
Quais as verdadeiras motivações da revolta? Para chegar a esta resposta, é útil reconstituir
os acontecimentos daquele ano, relendo com atenção as atas das sessões do corpo acadêmico da
Academia e os jornais da época.
Vejamos alguns dados relevantes encontrados nas atas das reuniões dos professores no
ano de 1890. O primeiro dado interessante encontra-se na ata da sessão realizada em 22 de
fevereiro. O diretor Ernesto Gomes Moreira Maia, após diversos avisos, apresenta a ordem do
dia. A partir deste ponto, nota-se um desacordo por parte dos professores Rodolpho Amoêdo e
Rodolpho Bernardelli, contrários à continuação dos trabalhos. Transcrevo abaixo um trecho da
ata:
(...) o Sr. Cons.o Diretor diz que a reunião do Corpo Acadêmico tem por fim dar
cumprimento ao art. do vigente estatuto – verificar a presença dos Srs.
Professores e organizar a tabela das diversas aulas, com o respectivo horário. O
Sr. Amoedo diz que, no momento em que se trata de organizar uma reforma da
Academia, como a que acaba de propor a Comissão encarregada pelo Governo,
parece-lhe acertado esperar pela aprovação da reforma, afim de se fazer de
conformidade com ela a distribuição do horário. O Sr. Bernardelli afirma no
mesmo sentido, declarando que não pode também desde já organizar os
trabalhos de sua aula. O Sr. Conselheiro Diretor declara que pensa
diversamente; que, estando apenas em elaboração a reforma, que não foi ainda
devidamente apresentada, julga-se obrigado a seguir o que preceituam os atuais
estatutos que são a lei, enquanto a reforma não foi posta em vigor. Parece-lhe
assim que os Srs. Professores não tem razão para não apresentarem horário. O
Sr. Dr. Cirne Maia declara que lhe parece seria de grande conveniência que os
estatutos da reforma estivessem mais no domínio e conhecimento do Corpo
Acadêmico e mesmo do público, para que fossem devidamente estudados e
discutidos. O Sr. Cons.o Diretor pondera que os novos estatutos de que se trata,
a comissão organizadora não os podia dar ainda como obra completa, por isso
que, sendo membro dessa Comissão, pretende juntar-lhes uma memória
explicativa, além de que ainda não as tinha subscrito com o seu nome, crendo
que também não os haviam assinado os outros membros da Comissão, os Srs.
Professores Bernardelli e Amoedo. Isto era mais uma razão para que se não
pudesse representar a reforma como um impedimento à regularização dos
trabalhos da Academia. Tomando em consideração as palavras do Sr. Cons.o
Diretor, os Srs. Amoêdo e Bernardelli, com elas se conformam, declarando,
quanto à organização dos trabalhos de aulas, nenhuma modificação desejam
fazer na que foi seguida no ano anterior. Consultados os outros Srs.
Professores, declaram todos igualmente nenhuma modificação haver a propor
na tabela e horário de aulas do ano anterior. Fica, assim, aceita essa
organização de trabalhos para vigorar no corrente ano. Decide-se também que
fiquem as aulas sob a direção do corpo docente que se acha em exercício. Não
havendo mais que discutir, declara-se encerrada a sessão. Academia das Belas
Artes, 22 de Fevereiro de 1890. [grifos nossos].12
Vê-se que mesmo antes do início do ano letivo de 1890, falava-se em reforma da
Academia. De fato, o governo republicano, recém instituído, nomeara em 30 de novembro de
1889 uma comissão para redigir os novos estatutos. É o que informa a ata da sessão seguinte,
realizada em 7 de abril de 1890, quando foi lido o:
(...) Aviso de 27 de Fevereiro de 1890, da mesma Secretaria dos Negócios do
Interior, recomendando se providencie a fim de que a Congregação dê parecer
sobre o projeto de reforma da Academia apresentado pela comissão nomeada a
30 de Novembro (...).13
Segundo o diretor da Academia, faziam parte da Comissão o próprio diretor, o professor
Rodolpho Bernardelli e o professor Rodolpho Amoêdo. No entanto, ao invés de um, a comissão
apresentara dois projetos de reforma: um assinado por Ernesto Moreira Maia, outro por Rodolpho
Bernardelli e Rodolpho Amoêdo. Além desses dois, um terceiro projeto fora enviado pela
12
- Ata da sessão do Corpo Acadêmico da Academia das Belas Artes em 22 de fevereiro de 1890,
p.72. Museu Dom João VI – EBA/UFRJ.
13
- Ata da sessão do Corpo Acadêmico da Academia das Belas Artes em 7 de abril de 1890, p.73. Museu
Dom João VI – EBA/UFRJ.
Secretaria, sem assinaturas. É ainda a leitura da ata da sessão de 7 de abril que nos informa a
respeito:
Entrando na ordem do dia: (1a parte) discussão do projeto de reforma, o Sr.
Conso Diretor declara que convocou a reunião do Corpo Acadêmico em
conseqüência de Aviso [...ilegível] do Ministério do Interior, recomendando que
se oferecesse ao estudo dos Srs. Professores o projeto de reforma remetido [...]
da Secretaria de Estado desse Ministério e atribuído à comissão nomeada em 30
Novembro último. Ora, dessa comissão, em vez de um só projeto de reforma,
existem três, a saber: - o que veio remetido da Secretaria do Interior, sem
nenhuma assinatura; o que apareceu publicado pelas colunas da Gazeta de
Notícias, no dia 12 de Março e assinado pelos Srs. Profs. Rodolpho Bernardelli
e Rodolpho Amoêdo; e o que, na qualidade de membro da comissão, o Sr. Conso
Diretor apresenta, em separado, com assinatura de lavra sua, que serviu de base
aos trabalhos da Comissão.14
Em seguida, o diretor declarou que seria conveniente o corpo acadêmico ter uma
informação comparada dos três projetos existentes. Para tal, julgava necessário eleger-se uma
comissão de três membros para estudar os projetos e redigir um parecer. Procedeu-se então à
eleição. Os três professores mais votados - José Maria de Medeiros com oito votos, Victor
15
Meirelles com sete, e Mafra com seis - foram designados para formar a comissão.
Somente a partir da sessão realizada em 20 de agosto, passados mais de quatro meses da
formação da comissão, iniciou-se a apresentação do parecer sobre os três projetos e sua discussão
por parte dos membros do corpo acadêmico. A análise do parecer continuou nos dias 21, 23 e 30
de agosto. Sendo finalmente aprovado com ligeiras alterações no dia 30 de agosto, consta em ata
a informação de que seria enviado ao governo.
A introdução do parecer da comissão encarregada de analisar os três projetos é transcrita
na ata de 20 de agosto. Aí somos informados que o projeto sem assinaturas remetido pela
Secretaria de Estado dos Negócios está datado de fevereiro de 1890; que o projeto assinado por
Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo e publicado na Gazeta de Notícias de 12 de março,
está datado de 25 de janeiro; e que o terceiro projeto, manuscrito a lápis pelo diretor Ernesto
Moreira Maia, é datado de 22 de março de 1889.
A comissão esclarece ainda que o projeto remetido pela Secretaria “é, com algumas
modificações o mesmo publicado na “Gazeta de Notícias”, constando também de 228 artigos, e
assinado pelos Srs. Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo”. Além disso, a comissão observa
14
- Idem, ibidem.
15
- Idem, ibidem.
que o projeto dos professores Bernardelli e Amoêdo “foi calcado com alterações sobre o
manuscrito do Sr. Conselheiro Diretor”. Em seguida, o parecer destaca as alterações mais
polêmicas:
Entre essas alterações são notáveis duas principalmente: primo, a que no projeto
dos Srs. Bernardelli e Amoedo estatui no artigo 7 o § 3 o, que o Conselho dos
professores será composto unicamente dos professores de cinco aulas: - Pintura,
Escultura, Gravura em Medalhas e pedras preciosas, Modelo Vivo, e Desenho de
Arquitetura (de duas das quais eram professores os dois signatários do projeto;
um efetivo, e o outro, interino), entretanto que desse Conselho de Professores
dimana quase toda a autoridade e altas atribuições da Escola; secundo, a que
nos artigos 225 e 226 comete aos ditos Srs. Bernardelli e Amoedo, como
signatários do projeto, a designação e escolha dos professores que devam reger
tanto as antigas cadeiras, como as novamente criadas, e bem assim a supressão,
se o julgassem conveniente, de alguns, ou de todos os atuais professores
honorários.16 [As sublinhas são do texto original, o negrito é nosso].
Conferindo o texto publicado na Gazeta de Notícias de 12 de março de 1890, percebe-se
que Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo compreendiam que apenas eles dois compunham
a comissão nomeada pelo governo para redigir os novos estatutos. Lê-se na Gazeta que o projeto
de reforma foi “elaborado pelos professores Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo, por
17
encargo que lhes cometeu o Sr. Dr. Aristides Lobo, quando ministro do interior” . De modo
diferente pensava o Diretor da Academia. Conforme vimos anteriormente, segundo o Diretor
Ernesto Moreira Maia, a comissão era formada de três integrantes: os dois professores citados, e
o próprio Diretor.
No parecer há ainda um detalhe que deve ser ressaltado. A comissão observa que os
signatários do projeto, ou seja Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo, “eram” professores de
escultura e pintura, empregando o verbo no passado. De fato, em 20 de agosto de 1890, data da
sessão em que foi lido o parecer, já havia praticamente quatro meses que nenhum dos dois
comparecia à Academia.
A seguir relatamos os fatos que antecederam o afastamento dos dois professores.
16
- Ata da sessão do Corpo Acadêmico da Academia das Belas Artes em 20 de agosto de 1890, p.84.
Museu Dom João VI – EBA/UFRJ.
17
- “Escola Especial de Belas Artes”. In: Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 12 de março de 1890, p.2.
queria saber de Arte, entregar-lhe asceticamente a sua alma,
provando agruras penitentes de culto. Todos, em unanimidade,
pensavam em regalias mecenásicas, nos favores e privilégios
concedidos para a elaboração tranqüila de obras-primas,
equiparadas à riqueza estimativa das telas de Vinci e Rubens!
Cada um, dentro de si, apalpava a sua vaidadezinha (...).
[DUQUE, Gonzaga. Mocidade morta, p.59]
Em 26 de março, aniversário da chegada da Missão Francesa ao Rio de Janeiro,
inaugurou-se a Exposição Geral de 1890. No dia 29 de março, o Diario do Commercio publicou
um artigo sobre o Salão de 1890, assinado por Cosme Peixoto, desancando as obras de Rodolpho
Amoêdo. O artigo começava analisando a Narração de Philetas, tela pintada por Amoêdo
durante sua estadia na Europa, ainda como pensionista do governo imperial:
Sobre esta composição alguma cousa se tem escrito, geralmente no estilo
laudatório com que entre nós se acolhem os trabalhos das notabilidades no ovo;
mas agora que o autor já saiu da casca, não há razão para que não se lhe diga a
verdade, a que tem direito e que antes deve estimar: é uma concepção feliz e uma
execução que, sendo aliás a mais perfeita de todas do mesmo autor, denota todos
os defeitos e desfalecimentos de que depois deu prova exuberante.18
Após esta introdução, o autor passava a criticar os retratos expostos por Amoêdo:
O rosto humano, que em tão pequeno espaço, resume mundos inteiros de
sentimentos e paixões, nunca terá do Sr. Amoedo valente intérprete; quando
muito poderá pintar retratos, desses em que a fisionomia no êxtase do
aborrecimento já foi fielmente apanhada pela fotografia.19
Cosme Peixoto citava diversos trabalhos de Amoêdo, sempre criticando-os severamente, e
finalizava com o seguinte comentário sobre o Cristo em Cafarnaum:
[Tela] que mereceu as honras da colocação permanente no salão da Academia,
segundo informa o catálogo. É quadro pintado na Europa, e, portanto,
infinitamente melhor que os feitos aqui pelo mesmo autor. Influência do meio – e
de que teremos ocasião de ver muitos outros exemplos no correr destes artigos.
Não obstante algumas belas figuras desta composição, as quais não parecem
dispostas pelo mesmo artista que pintou o grupo de retratos n.127, sempre
diremos que o efeito geral da tela de que falamos tem um não sei que de
fantasmagórico bem pouco agradável. O Christo é uma névoa, e até já reveste a
clássica vestidura branca das almas do outro mundo. Parece obra de espírita.20
Nem mesmo o Cristo em Cafarnaum, obra sempre elogiada, escapou do ataque do crítico.
O autor concluía escrevendo:
18
- “O Salão de 1890”. In: Diario do Commercio, Rio de Janeiro, 29 de março de 1890, p.1.
19
- Idem, ibidem.
20
- Idem, ibidem.
Do exposto conclui-se que os melhores trabalhos do Sr. Amoedo são os que
executou na Europa como pensionista, e que a sua curta residência entre nós de
dia em dia o vai fazendo desaprender quanto estudou. Influência do meio,
repetimos, mas sem deixarmos de pensar que nisto há perigo para os discípulos
da Escola de Belas Artes, e que ao Sr. Amoedo incumbe, quanto antes,
desvanecer no espírito público a idéia de que vai retrogradando e que o aluno
mestre do Christo em Capharnaum e da Narração de Philetas valia mais, e muito
mais que o mestre aluno de alguns aleijões expostos.21
O mesmo autor, Cosme Peixoto, voltou à carga no dia 20 de abril de 1890, escrevendo
desta vez sobre as esculturas de Rodolpho Bernardelli. O início do artigo recordava os primeiros
passos de Bernardelli na carreira artística:
David foi a sua primeira estátua, depois a Saudade da Tribu, e em terceiro lugar
A Espreita. Nessa quadra era um menino talentoso e modesto. (...).
Em 1879 mandou da Europa o Sr. Bernardelli um S. Sebastião e Fabíola em que
mostrou, juntamente com incontestável progresso, o seu pendor para o culto do
bonito, antes que para o do belo. Desde então, aos que sabem ler o futuro no
presente, não ficou dúvida sobre a individualidade artística do jovem escultor.
Nunca seria um artista criador e de altos vôos, mas ainda podia dar um operário
do chic, um hábil fazedor de estatuetas disputadas pelo mundo fashionable.22
Uma das obras deste “operário do chic” era a Faceira, estátua realizada na Itália, na qual
o artista pretendera apresentar um tipo de cabocla. Cosme Peixoto afirmava que a Faceira, tão
apreciada pelo público brasileiro, fazia parte de uma fase em que o escultor “ameaçou desviar-se
23
da arte caindo na caricatura, ao gosto de Grévin” .
Segundo o crítico, para escapar do perigo de cair na caricatura, Bernardelli passou, numa
segunda fase, a ater-se à fiel imitação da expressão natural do modelo:
Para se isentar da obsessão caricaturista, o Sr. Bernardelli aferra-se
teimosamente à reprodução dos modelos. Receando que se transvie a sua
imaginação, logo que lhe dê a liberdade, não hesita em condená-la à cópia
servil.
Esta nova fase de sua vida artística foi a que produziu o S. Estevão e o Cristo e a
Adúltera. O Sr. Bernardelli tomou um pequeno italiano, estendeu-o por terra, e
com grande talento de imitação, reproduziu-o no gesso. Do semblante do varão
forte que morreu orando pelos inimigos, não passou para a estátua nenhum
reflexo intelectual ou moral.
21
- Idem, ibidem.
22
- “ O Salão de 1890 - VI”. In: Diario do Commercio. Rio de Janeiro, Domingo 20 de Abril de
1890, p.1.
23
- Idem, ibidem.
Alfred Grévin (1827-1892) - caricaturista e pintor de indumentárias de teatro.
O italianinho, modelo, confrangia o rosto, talvez pela fome que rapava na
oficina – e eis o que o Sr. Bernardelli fixou na sua obra d’arte. E foi melhor: se
não copiasse meramente a carinha confrangida do modelo, certamente a
mudaria em careta e lá se ía pelos ares a gravidade do assunto.24
Sobre o Cristo e a Adúltera, que assim como o S. Estevão fora realizada na Itália durante
o período de estudos como pensionista, Cosme Peixoto afirmava:
No Cristo e a Adúltera dá-se a mesma falta de compreensão do assunto, ou antes
a impossibilidade em que se acha o Sr. Bernardelli de exprimir o que não
alcança intelectualmente.
E Cosme Peixoto concluía seu artigo com as seguintes observações:
Dir-me-ão os louvadores do Sr. Bernardelli que ele conhece a anatomia, e que
na imitação dos tecidos não tem rival, principalmente neste país, onde é o único
escultor. De acordo: e tanto assim que terminamos o precedente artigo
reconhecendo a perícia mesteiral do criticado. Chamem-lhe, se quiserem, o
alfaiate do mármore: e terão dito a verdade.
Lembra-nos ter visto, na galeria semi circular que rodeia o coro do Duomo de
Milão, uma estátua singularíssima: a de um corpo humano, esfolado da cabeça
aos pés, e com a pele atirada aos ombros, como se fosse uma capa. É um
prodígio de anatomia, irrepreensível na execução dos ossos, dos músculos, dos
tendões e dos vasos sangüíneos. E na Itália, mãe das artes, nunca levaram aquilo
para um museu. O autor, um Agratus, não é contado entre os artistas italianos.
E porque?
Porque lhe falta o cunho da arte verdadeira, que se nos impõe com essa grande
força – a beleza.
Esse tal Agratus, foi um excelente habilidoso. E o Sr. Bernardelli é outro.25
Nas sessões do corpo acadêmico, a obra de Rodolpho Bernardelli nunca fora criticada
assim. O mesmo não ocorreu, todavia, com Rodolpho Amoêdo, pois as críticas que Cosme
Peixoto lhe endereçara no artigo publicado no Diario do Commercio em 29 de março, foram
retomadas, em termos mais amenos, pelos professores membros da comissão encarregada de
avaliar as obras da Exposição Geral. Na ata da sessão do dia 30 de abril, pode-se ler o seguinte:
“(...). Os trabalhos expostos pelo Sr. Rodolpho Amoêdo não passaram
desapercebidos à Comissão; não pode ela, porém, indicar-lhe prêmio algum por
serem muito inferiores, quer no desenho, quer no colorido, quer na maneira de
fazer, aos que executou na Europa durante o tempo de sua pensão. (...).
24
- “ O Salão de 1890 - VI”. In: Diario do Commercio. Rio de Janeiro, Domingo 20 de Abril de 1890,
p.1.
25
- “ O Salão de 1890 - VI”. In: Diario do Commercio. Rio de Janeiro, Domingo 20 de Abril de 1890,
p.1.
Academia das Belas Artes, 28 de Abril de 1890. (assinam os Srs. Profs.) Victor
Meirelles, - Dr. Domingos de Araujo e Silva – João Maximiniano Mafra.” 26
Conforme relatado na mesma ata, após a leitura deste parecer, houve acalorada discussão
sobre a crítica às obras de Rodolpho Amoêdo. O Prof. Rozendo Muniz manifestou-se julgando
que seria melhor retirar esta parte do parecer. Os outros professores discordaram. Note-se que
Rodolpho Amoêdo e Rodolpho Bernardelli estavam presentes.
Na sessão seguinte, realizada em 5 de junho, tanto Amoêdo quanto Bernardelli não
comparecerem. E em todas as reuniões que se seguiram, nenhum dos dois compareceu. Na sessão
de 25 de julho, lê-se que Bernardelli faltou “sem causa participada”. Ainda nesta sessão
comunica-se que “por Decreto de 18 do corrente mês [julho] foi eliminado do quadro dos
27
professores honorários desta Academia Rodolpho Amoêdo por assim haver requerido”.
Da leitura das atas e jornais, fica patente que Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo
acreditavam, no início do ano de 1890, que seria feita em breve uma reforma na Academia,
seguindo o projeto de sua autoria. Em fevereiro, os dois haviam entregue o projeto à Secretaria de
Negócios do Interior, e em março fizeram publicar o mesmo projeto na Gazeta de Notícias. No
entanto, ambos continuavam a comparecer às reuniões da Academia. As críticas de Cosme
Peixoto publicadas no Diario do Commercio talvez não os tenham abalado. Somente após a
sessão de 30 de abril, quando foi lido o parecer da comissão encarregada de julgar as obras da
Exposição Geral, sessão que foi encerrada com acalorada discussão sobre as críticas à produção
de Amoêdo, é que ambos se afastaram do exercício acadêmico.
Foi Camilo Prado quem veio tirá-lo do abatimento. Uma manhã, entrou
na mansarda, radiante. Vinha mostrar um artigo destinado à Folha. No
mesmo instante sacou do bolso as tiras de papel, garranchadas da sua
letrinha nervosa e pôs-se a ler. Era uma diatribe contra a Academia. A
frase pululava escaldante, estouravam os adjetivos, fuzilava, certeira, a
26
- Ata da Sessão do Corpo Acadêmico da Academia de Belas Artes em 30 de Abril de 1890, p.76.
Museu Dom João VI - EBA/UFRJ.
27
- Ata da Sessão do Corpo Acadêmico da Academia de Belas Artes em 25 de julho de 1890, p.83.
Museu Dom João VI - EBA/UFRJ.
O pedido de Rodolpho Amoêdo para que seu nome fosse eliminado da lista de professores honorários da
Academia data de 5 de maio de 1890. [GALVÃO, Alfredo. Cadernos de estudo da história da
Academia Imperial das Belas Artes – 1o caderno. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 1958, p.23]
28
- A íntegra dos artigos encontra-se ao final deste relatório, em anexo.
longa adverbiação sonora do modernismo; não havia uma piedade em
todo o aranzel apocalíptico e devastador. Lufadas acres de iconoclastismo,
uivando como a tempestade exterminadora da Dies irae, vergastava
furiosa, indomável, os reverenciosos acadêmicos, a que ele chamava
“bonzos pantafaçudos estatelados na esterilidade de posturas caricatas”,
e que, sob o granizo do ridículo, após a publicação do artigo, deveriam
ficar impalpáveis nas cinzas de uma erupção, como as aldeias e vilas
apanhadas em plena noite, pela inundação das lavas, (...).
[DUQUE, Gonzaga. Mocidade morta, p.73]
29
Entre 30 de maio e 26 de junho de 1890, Pardal Mallet publicou na Gazeta de Notícias
uma série de doze artigos sobre a questão da Academia de Belas Artes. Pelas informações de que
dispõe, percebe-se que acompanhou de perto cada passo do confronto entre jovens e velhos
artistas. Segundo ele mesmo informa, freqüentava as rodas dos artistas rebelados, e estava
presente nas “conversas de café, que são no final das contas as melhores fontes de informação
30
para o jornalista e para o crítico” . Além disso, nota-se que tinha acesso ao que se passava no
interior da Academia, pois relatou fatos ocorridos durante as sessões do corpo acadêmico, mesmo
após o afastamento de Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo. É bem possível que obtivesse
essas informações através de Raul Pompéia, que desde janeiro de 1890 ocupava o cargo de
31
Secretário da Academia .
Aqui estão as datas e os títulos dos artigos de Pardal Mallet, na Gazeta de Notícias:
- 30 de maio – Academia de Belas Artes.
- 6, 7, 8, 9 e 11 de junho – Academia de Belas Artes I, II, III, IV e V.
- 14, 15 e 19 de junho – História Antiga, Lugar aos novos, Ainda a Academia.
- 24, 25 e 26 de junho – Pela Academia I, II e III.
29
- João Carlos de Medeiros PARDAL MALLET (Bagé, RS, 1864 - Caxambu, MG, 1894) – escritor e
jornalista. Cursou a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro até o terceiro ano, abandonando os
estudos para dedicar-se ao jornalismo e à literatura. Foi um dos principais propagandistas da abolição.
Como ficcionista, foi dos principais representantes do naturalismo no sul do país. Trabalhou com José
do Patrocínio em A Cidade do Rio, de onde saiu para lançar A Rua, com Olavo Bilac, Raul Pompéia e
Luís Murat. Durante algum tempo trabalhou na Gazeta de Notícias. Fundou O Combate, onde escreveu
violentos artigos contra o marechal Floriano Peixoto. Preso durante a revolta de 1892, acabou sendo
deportado para Tabatinga, no Amazonas, de onde voltou enfermo, falecendo logo depois. [Grande
Enciclopédia Delta Larousse, 1978.]
30
- Gazeta de Notícias, 7 de junho de 1890.
31
- Vide ata da Sessão do Corpo Acadêmico da Academia de Belas Artes em 22 de Fevereiro de
1890, p. 71. Museu Dom João VI - EBA/UFRJ.
Sabe-se que Pardal Mallet era colega de Raul Pompéia, e com ele lançou o periódico A Rua.
O primeiro artigo, intitulado Academia de Belas Artes é uma tomada de posição na
batalha que se iniciava, tendo de um lado Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo, e do outro,
os antigos mestres da Academia. Neste primeiro artigo, de 30 de maio, Pardal Mallet refere-se ao
corpo acadêmico como um “sindicato” pronto a defender regalias, e pouco interessado na
qualidade do ensino. São suas as palavras abaixo:
E este sindicato que atualmente governa a Academia não só defende-se como
quem defende interesse próprio contra qualquer tentativa de reforma, mas
também pouco se ocupa em desenvolver pessoalmente os métodos de ensino.32
Como prova da ação de “sindicato”, Pardal Mallet refere-se às críticas publicadas por
Cosme Peixoto no Diario do Commercio:
De como ele [o sindicato que governa a Academia] procede em defesa do
monopólio para explorar este orçamento, há provas muito recentes na célebre
questão Cosme Peixoto, Bernardelli e Amoedo, que eram lentes e acreditavam
que a revolução de 15 de novembro devia repercutir em todas as esferas da
atividade nacional e tudo refundir. Bernardelli e Amoedo vinham de apresentar
um projeto de reforma radical e completo. Era preciso desgostá-los, forçá-los a
demitirem-se. E foi disso que se encarregou o escritor ou escritores que com o
pseudônimo de Cosme Peixoto apareceram numa crítica covarde, porque era
anônima mesmo quando se a queria responsabilizar, desonesta porque agredia
ao invés de criticar. 33
Vê-se que Pardal Mallet compreendia as críticas de Cosme Peixoto como manobras dos
próprios professores da Academia para criarem um clima desfavorável a Rodolpho Bernardelli e
Amoêdo. De fato, os artigos de Cosme Peixoto não são isentos de malícia, neles os ataques têm
mira certa. É fato, igualmente, que Bernardelli e Amoêdo acabaram afastando-se da Academia.
Conforme já relatamos, ambos deixaram de comparecer às sessões do corpo acadêmico após a
reunião do dia 30 de abril, quando as obras apresentadas por Amoêdo na Exposição Geral foram
duramente criticadas. De acordo com o artigo de Pardal Mallet, este afastamento teria sido
desejado pelos outros professores, que teriam feito pressão utilizando o pseudônimo de Cosme
Peixoto.
Ainda neste mesmo artigo de 30 de maio, Pardal Mallet aponta vários defeitos da
Academia. A começar pelo prédio:
É preciso mudá-la de casa. Aquele prédio que está muito bom para Caixa de
Amortização por causa da sua proximidade do tesouro, não serve para
32
- MALLET, Pardal. “Academia de Belas Artes”. In: Gazeta de Notícias, 30 de maio de 1890
(p.1).
33
- Idem, ibidem.
Academia de Belas Artes. Começa por não ter luz; e não possui panoramas onde
o olhar do artista dali mesmo possa descansar e possa aprender. Mudem-na
para um morro de onde se descortine a nossa baía, de onde se veja a nossa
cidade e de onde se observe a Serra do Mar. Além das inúmeras vantagens, esta
colocação fará bem ao corpo e ao espírito dos professores e dos alunos.34
34
- Idem, ibidem.
35
- Idem, ibidem.
36
- Idem, ibidem.
37
- Idem, ibidem.
O segundo argumento a favor da continuação da Academia referia-se à “vantagem do
ensino simultâneo – permitir que muitos se sirvam ou se aproveitem de aparelhos que um só não
pode possuir, mas que o estado ou a cooperação, pode fornecer sem grandes dispêndios nem
38
sacrifícios de monta”.
E o terceiro argumento, definitivo, era o que Mallet chamava de “lei darwinica”, ou “o
princípio de que a função faz o órgão”. Dizia ele:
Não temos artistas! Não temos meio artístico! Vamos a fingir que temos, vamos
exercer esta função, porque o órgão de que necessitamos aparecerá com este
exercício.39
Constata-se que o artigo de Mallet teve imediata reação por parte do diretor da Academia.
Na ata da sessão de 5 de junho de 1890, foi lida uma longa carta do diretor Ernesto Moreira Maia
dirigida a “S. Ex.a o Sr. Doutor Benjamin Constant Botelho de Magalhães, Ministro da Instrução
Pública, Correios e Telégrafos”. Tratava-se da exposição permanente do acervo da Academia. O
diretor propunha que a partir daquela data, a coleção permanecesse aberta ao público não
somente aos domingos, mas também nos dias úteis de 9:00 às 15:00. Além disso propunha que
fossem dadas palestras sobre “História evolutiva das idéias, dos costumes, a história da arte e a
40
elucidação de suas transformações sucessivas”. Segundo o diretor:
“Esse seria o verdadeiro, o único ensinamento realmente proveitoso e fecundo
das galerias de exposição artística permanente; de outro modo ou não sendo
assim, e na carência como se dá, de um catálogo longa e minuciosamente
explicativo, essas galerias continuarão a ser apenas, para avultadíssimo número
de indivíduos, os silenciosos sarcófagos da arte, arquivos mudos que não
despertam o gosto nem incitam o espírito na contemplação e atento estudo dos
objetos exibidos, (...).”41
Apenas seis dias após Pardal Mallet ter defendido exatamente esta colaboração entre
corpo acadêmico e museu, o diretor apresentava a mesma proposta ao Ministro. Mas não ficava
por aí a reação do diretor. Também consta em ata da mesma sessão, outro ofício endereçado ao
Governo. Moreira Maia fez questão de ler este ofício para os professores, e afirmou ter sido
“obrigado a assim proceder pelas acusações de que foi alvo a Academia das Belas Artes”:
O diretor pede a atenção dos Srs. Professores e lê: “no 90. Academia das Belas
Artes. Capital Federal 31 de maio de 1890. Cidadão Ministro. Tenho a fortuna
38
- Idem, ibidem.
39
- Idem, ibidem.
40
- Ata da Sessão do Corpo Acadêmico da Academia de Belas Artes em 5 de junho de 1890, p.82. Museu
Dom João VI - EBA/UFRJ.
41
- Idem, ibidem.
de conhecer e acatar desde muitos anos a honrada respeitabilidade do vosso
sisudo caráter e a inquebrantável firmeza do vosso elevado critério; estou por
isso bem certo de que nada resolvereis sobre a Academia de Belas Artes sem
maduro e mui refletido exame. Não obstante, porém, são de tal gravidade as
acusações levianas que um cidadão ilustrado faz à mesma Academia, em um
artigo ontem publicado na “Gazeta de Notícias” como se vê do retalho apenso,
que me vejo obrigado, porque comungo nos preceitos doutrinais dos que adotam
o lema de alta moralidade – viver às claras – e por que tenho consciência dos
deveres a meu cargo, a pedir-vos, como respeitosamente vos peço, vos digneis de
nomear uma Comissão de pessoas da vossa maior confiança, a fim de que venha
procurar as provas desse sindicato a que se refere esse mesmo artigo; de sorte a
poder a Academia, por meio dessa averiguação oficial, repelir de si, como lhe
cumpre, as injustas acusações que lhe são feitas, como manifesta ofensa do seu
decoro e do respeito que deve merecer no conceito dos homens sensatos e na
opinião pública. Saúde e fraternidade. A S. Ex.a o Sr. General Doutor Benjamin
Constant Botelho de Magalhães, Ministro da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos. O Diretor – Ernesto Gomes Moreira Maia.”
Para completar, o diretor, lembrando outras acusações de Pardal Mallet, pediu aos
professores que “se não descuidem do ensino da casa”. Comunicou-lhes igualmente que já havia
conversado com o professor Medeiros para que fossem realizadas algumas “modificações
vantajosas dos métodos”, que se adotasse “o sistema de copiarem os alunos da aula de desenho
figurado as boas telas das galerias”. Ressaltando que este procedimento havia sido tomado antes
da publicação do artigo da Gazeta de Notícias, Moreira Maia comunicou igualmente aos
professores que também se entendera com Victor Meirelles sobre “a conveniência de adotar no
42
ensino da aula desse Sr. Professor, o estudo alternativamente do gesso e do modelo vivo”.
O segundo artigo de Pardal Mallet traz a data de 6 de junho, um dia após a reunião dos
professores da Academia. É evidente que alguém informara o jornalista sobre o conteúdo da
reunião; muito provavelmente, o secretário Raul Pompéia. O artigo de Pardal Mallet começa
referindo-se ao ofício de Moreira Maia ao governo:
A posição especial em que o Sr. Conselheiro Maia me colocou, não só
requerendo uma comissão de inquérito para averiguar acusações aqui feitas,
mas também incluindo um exemplar da “Gazeta” onde vinha o meu primeiro
artigo no ofício que dirigiu ao general Benjamin Constant, força-me à
justificação completa do libelo que formulei contra a Academia de Belas Artes,
mesmo antes de nomeada a referida comissão.43
42
- Idem, ibidem.
43
- MALLET, Pardal. “Academia de Belas Artes – I”. In: Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 6 de junho
de 1890, p.1.
Este é o pretexto para que o jornalista volte a atacar a Academia. Agora, Pardal Mallet
critica o regulamento e defende o projeto de reforma Bernardelli - Amoêdo.
Sobre o regulamento afirma:
(...) basta dizer que não há regulamento.
O velho sistema legislativo do Império tinha o costume de emendar leis,
superpondo decreto sobre decreto, modificando-os com mais um aviso e mais
uma portaria ainda. Daí nasceu o verdadeiro caos da nossa legislação,
simbolizado no celebérrimo – ficam revogadas as disposições em contrário – que
nunca ao certo era possível determinar logo de primeira vista.
Lá na Academia houve o decreto 1603 de 14 de março de 55, referendado por
Couto Ferraz, houve depois o decreto 2423 de 25 de maio de 59, e houve mais
ainda uma série interminável de portarias e avisos que é impossível achar em
totalidade na coleção de leis do Brasil.
Uma providência, pois, se recomendava à administração, desde que ela tivesse
critério e soubesse trabalhar: - ir refundindo de tempos em tempos o
regulamento, deixando apenas as disposições, e imprimindo estas consolidações
para que as pudessem conhecer os interessados ou curiosos.
Mas isto não existe. O que existe, trancado a sete chaves, é um velho folheto
seboso em cujas margens o Sr. Mafra, secretário recentemente demitido, ía
anotando as alterações que apareciam. E a lei, por conseguinte, ficou sendo lá
na Academia um deus misterioso que ninguém podia conhecer, em nome do qual
vinham os castigos e que para intérpretes e sacerdotes na terra tinha apenas o
Sr. Maia, o Sr. Mafra e o Sr. Porteiro.44
Em seguida, Pardal Mallet defende a urgência da reforma, e sua realização de acordo com
o projeto de Bernardelli e Amoêdo, “trabalho muito bem feito”. Deste projeto, Mallet seleciona
alguns trechos que julga serem as “disposições mais importantes”, e os reproduz no artigo.
Dentre todos estes, destacamos o de número 54 :
Art 54 – Os professores efetivos da escola, em virtude destes estatutos, servirão
dez anos consecutivos, findos os quais, passarão a pertencer à junta superior de
Belas Artes, sem direito a vencimento algum.45
Pardal Mallet parece referir-se a este artigo 54, quando conclui seu texto com o seguinte
comentário:
Animado ao mesmo tempo do sentimento o mais liberal e do desejo de fazer
efetivo o nosso desenvolvimento artístico, este projeto tem a grande vantagem de
44
- Idem, ibidem.
45
- Idem, ibidem.
não estagnar professores lá na Academia, de deixar sempre a porta aberta aos
novos. É, enfim um projeto de artistas.46
O terceiro artigo publicado por Pardal Mallet na Gazeta de Notícias é especialmente
interessante. Intitula-se Academia de Belas Artes – II, e é datado de 7 de junho. Mallet inicia
informando o público sobre a existência de um outro projeto, o do grupo que ficou conhecido sob
a alcunha de Positivistas, que pedia a extinção da Academia:
(...) a idéia de acabar com a Academia ou convertê-la num simples museu tem
prosélitos entre artistas mesmo.
Vem consignada na carta – projeto que os Srs. Montenegro Cordeiro, Décio
Villares e Aurélio Figueiredo dirigiram ao ministro do interior, e que traz a data
de 30 de janeiro do corrente ano.47
Para contrapor-se a esta idéia, Pardal Mallet começa apresentando o ponto comum a todos
os projetos apresentados:
Em um ponto estão todos de acordo, mesmo os signatários da carta-projeto, que
foi inspirada nas doutrinas anti-acadêmicas do Centro Positivista: na
necessidade de subvencionar as artes plásticas em seus trabalhos definitivos e
em seus estudos preparatórios.
Esta necessidade é óbvia. E nenhum Estado pode a ela se furtar. (...).
Gaste Aluízio de Azevedo dois anos no preparo de um romance. Todos os que o
quiserem possuir estão aptos a possuir este trabalho. Mas, depois de dois anos
em uma tela, Amoedo só produziu uma tela, única que só pode ter, por
conseguinte, um único adquiridor, que não pode, por conseguinte, obter a
remuneração de todos. E é óbvio que a soma de muitas contribuições é mais
lucrativa e menos onerosa do que o resultado de uma contribuição única.
Destas condições, que estão na própria natureza das coisas, resulta a obrigação
para o Estado de subvencionar as artes plásticas, já criando museus que sejam
ao mesmo tempo a posse para todos de qualquer uma dessas produções
artísticas, e um comprador que faça pela concorrência a subida dos preços, já
auxiliando o período preparatório dessa vida artística, que é um dos mais
difíceis e mais cheios de provações.
E esta necessidade, que todos reconhecem e à qual o governo não se poderá
esquivar, sobe de ponto aqui no Brasil; onde existem poucas fortunas e onde o
dinheiro tem o costume de andar divorciado do espírito.48
46
- Idem, ibidem.
47
- MALLET, Pardal. “Academia de Belas Artes – II”. In: Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 7 de junho
de 1890, p.1.
48
- Idem, ibidem.
Após argumentar sobre a necessidade da subvenção estatal, Pardal Mallet passa a
apresentar as “razões psicológicas que determinam o antiacademismo de um grupo de artistas
diretamente interessados na questão”. E afirma serem duas essas razões:
A primeira é a imprestabilidade e a desmoralização da atual Academia. (...)..
A segunda consiste na influência que a vida e as tradições européias exercem
sobre os nossos artistas.49
E aqui, Mallet começa a expor as diferenças entre o contexto europeu e o brasileiro:
Só na Europa existe arte velha e sedimentada; existem escolas diferenciadas em
seu processualismo, guerreando-se, rivalizando-se.
Aqui existe por fazer.
A revolta lá na Europa consiste em destruir, a revolta aqui no Brasil consiste em
construir.
E os nossos artistas, que são os revoltados, não podem por conseguinte aceitar a
orientação dos revoltados do velho mundo.
As Academias não prestam, são absorventes e atrofiadoras, trabalham por
esterilizar os artistas numa só feitura e numa só modelagem.
Mas começam a não prestar 50 anos depois de constituídas. Não nos serve, pois,
a revolta lá dos outros, porque ainda não temos academia.
Vamos construí-la, porque ela é necessidade dos tempos de agora! E vamos
construí-la na certeza de que há de ser preciso destruí-la daqui a 50 anos! 50
Assim, a modernidade desejada por Pardal Mallet previa a continuidade do trabalho dos
antigos:
Uma vez posta em andamento a reforma tão urgentemente reclamada, entregue a
Academia a gente nova que tem talento e que tem mocidade, é preciso colocá-la
bem, em lugar onde se possa fazer esse trabalho moderno, que não é
desprestígio dos velhos mestres; mas que é a continuação do trabalho venerado
dos antigos.51
O quarto artigo de Pardal Mallet, intitulado Academia de Belas Artes – III, e publicado na
Gazeta de Notícias do dia 8 de junho, é inteiramente dedicado a criticar e acusar o diretor da
Academia, o Conselheiro Ernesto Gomes Moreira Maia, pelo atraso do ensino artístico. Ao final
do artigo Pardal Mallet pede a demissão do diretor.
49
- Idem, ibidem.
50
- Idem, ibidem.
51
- Idem, ibidem.
No quinto artigo, publicado em 9 de junho sob o título Academia das Belas Artes – IV,
Pardal Mallet continua suas acusações. Alguns professores são, de certa forma, desculpados. É o
caso de Domingos de Araujo e Silva, professor da cadeira de matemáticas aplicadas; de Rozendo
Muniz, professor de anatomia e fisiologia das paixões; de Neves Leão, professor de estética,
arqueologia e história das artes; de Cirne Maia, professor de perspectiva e desenho geométrico; e
de Medeiros, “que neste momento, enquanto o Sr. Parreiras não toma posse, é o único artista
52
que se esforça por fazer bons créditos à academia” .
Mas, a velha guarda, “que pelo prestígio do seu nome devia ser a zeladora impecável do
nosso desenvolvimento estético”, é responsabilizada, juntamente com o diretor pelo “triste estado
53
de coisas” .
Sobre o professor Mafra, “lente de desenho de ornatos”, Pardal Mallet afirma que
“manda copiar de estampas litografadas. Nunca serviu-se de um modelo em gesso. É um
54
atrasado e um prejudicial” .
Sobre Victor Meirelles, diz que não tem talento e:
(...) como professor da aula de modelo vivo, não presta, não está na altura do
cargo. Seguindo ainda as velhas práticas que permitiam a cópia de estátuas,
falta-lhe a compreensão da arte moderna. Gosta de corrigir o modelo de acordo
com as proporções acadêmicas. É autoritário, não admitindo que o aluno veja
diferente do que ele vê. E, ao invés de animar a cópia de um modelo inteiro,
manda principalmente fazer estudos de cabeça.55
Enfim, falando de Pedro Américo, Mallet o acusa de, apesar de ter talento, não saber
aplicá-lo, e por isso plagiar.
Além desses, Mallet cita ainda Bittencourt da Silva, o “lente aposentado e não substituído
da cadeira de arquitetura”. Sobre este, afirma que exerce sobre a Academia “uma influência
56
nociva, atrofiadora” .
No sexto artigo, último desta série, intitulado Academia de Belas Artes – V e publicado
em 11 de junho, Pardal Mallet retoma a expressão “sindicato”, que utilizara no primeiro artigo, e
52
- MALLET, Pardal. “Academia de Belas Artes – IV”. In : Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 9 de
junho de 1890, p.1.
53
- Idem, ibidem.
54
- Idem, ibidem.
55
- Idem, ibidem.
56
-Idem, ibidem.
afirma que foi este o ponto que “mais chocou ao Sr. Maia e o levou a oficiar ao governo,
57
pedindo uma comissão de inquérito” .
Mas explica que se falou em “defraudação dos dinheiros públicos”, é porque os
“imprestáveis e os nulos (...) recebem dinheiro para fazer umas coisas que não fazem”,
“encarregam-se de promover o nosso adiantamento artístico, e cruzam os braços na inércia
58
criminosa de quem recebe salário e não trabalha” . E Pardal Mallet continua suas acusações:
(...) cuidando apenas em conservar os lugares que ocupam, não vendo que estes
interesses pessoais estão em guerra aberta contra o interesse geral, formaram
sindicato para opor-se à imprescindível reforma que os deve desalojar de suas
sinecuras. (...).
Rua! Com eles. 59
O sétimo e o oitavo artigos, intitulados respectivamente História Antiga e Lugar aos
novos, e datados de 14 e 15 de junho, não trazem verdadeiras novidades em relação ao que Pardal
Mallet já havia escrito nos outros seis. O nono nos mostra uma nova etapa da batalha. Intitula-se
Ainda a Academia e data de 19 de junho, ou seja, três dias após a primeira reunião dos artistas
para discutir a reforma ou extinção da Academia, realizada no salão do Derby Club no dia 16. Na
reunião, os artistas haviam votado uma monção de agradecimento a Pardal Mallet. É o que
podemos ler no relato publicado na Gazeta de Notícias do dia 17 de junho:
O Sr. Pereira Netto lê a seguinte proposta:
Considerando-se que o jornalista Pardal Mallet, com seu brilhante talento e sua
coragem de moço, prestou inestimáveis serviços à arte brasileira, propõe:
1o – Que se insira na ata da sessão um voto de louvor pela sua brilhante atitude
assumida nas colunas da Gazeta de Notícias em prol do engrandecimento das
belas artes;
2 o - Que se lhe dê conhecimento oficial desta resolução, e que para isso seja
nomeada uma comissão de cinco artistas. Esta proposta foi aprovada
unanimemente.60
Em seu artigo do dia 19, é Pardal Mallet quem agradece:
Feitos os meus agradecimentos pessoais não só a Pereira Netto e aos artistas
que votaram a sua honrosa monção, mas também a Rodolpho Bernardelli que
tão bondoso se mostrou para comigo em seu artigo ontem publicado aqui na
57
- MALLET, Pardal. “Academia de Belas Artes – V”. In : Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro,11 de
junho de 1890, p.1.
58
- Idem, ibidem.
59
- Idem, ibidem.
60
- “Reunião de artistas”. In: Gazeta de Notícias, 17 de junho de 1890, p.1.
Gazeta, eu ainda tenho para dizer sobre a Academia de Belas Artes e sobre a
reunião no Derby Club.61
A seguir, Pardal Mallet constata que a batalha foi ganha:
A campanha parece vencedora, pelo menos na opinião pública. A velha
Academia tem atualmente o aspecto silencioso e triste das casas onde há gente
que está morrendo. Os próprios discípulos, que o Sr. Victor Meirelles contratou
para ter a quem dar aula, já quase não aparecem. E o próprio porteiro já não
acredita mais na possibilidade de aumentar a sua galeria particular de
quadros.62
Pardal Mallet deseja discutir agora sobre o que virá depois, o que vai ser posto no lugar da
velha Academia:
Se tenho voto na matéria, voto por uma nova Academia.
A idéia dos ateliers livres e da subvenção a artistas que sigam para Europa
parece não satisfazer inteiramente ao caso. Trata-se exclusivamente de atender
ao interesse da Arte, e esta não pode existir sem a criação de um meio artístico.
Ora, este só pode ser criado em obediência e conformidade com o processo
biológico de um núcleo primordial. A força dispersiva é muito boa, ela é porém
uma irradiação e a irradiação supõe a existência de um centro.
Com desejo apenas de elucidar a questão, e nunca repugnante à idéia de me
converter à opinião contrária, a mim me parece que, no propósito de acabar
definitivamente com a Academia, existe o excesso característico de todas as
reações violentas.63
Mallet conclui defendendo mais uma vez o projeto de reforma dos professores Rodolpho
Bernardelli e Rodolpho Amoêdo:
(...) no projeto Bernardelli – Amoedo, (...), há muita coisa boa, há
principalmente uma Academia sem caráter de fixidez.
Marcando 10 anos para período máximo da atividade de um lente, marcando 5
para duração da gerência de cada diretor, ela ficará constantemente a renovar o
pessoal, a dar lugar aos novos.
E a ele se poderia ajuntar a idéia de Ferreira Araujo – fazer com que o diretor
fosse eleito ano e meio antes da ocasião de tomar posse, marcando-se-lhe um
ano para estudar na Europa os progressos introduzidos no ensino e seis meses
para os estudos da própria Academia e dos meios de adaptar-lhe os progressos
observados.
Parece-me que assim se faz Arte.
61
- MALLET, Pardal. “Ainda a Academia”. In : Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro,19 de junho de 1890,
p.1.
62
- Idem, ibidem.
63
- Idem, ibidem.
Em todo o caso parece-me que o campo está limpo para fazer a construção que
quiserem fazer.64
Após este artigo do dia 19, Pardal Mallet publicou ainda outros três sobre o mesmo
assunto nos dias 24, 25 e 26 de junho; todos três receberam o título de Pela Academia, sendo
numerados I, II e III. O título já diz do que se trata: da defesa de uma nova Academia, contra a
idéia de extinção da mesma.
No artigo do dia 24 de junho, Pardal Mallet comenta que Aurélio de Figueiredo começara
a publicar no Correio do Povo, no dia anterior, “uma série de artigos, tendentes a insinuar e
justificar a extinção completa da atual Academia de Belas Artes e a sua substituição apenas por
65
ateliers, esparsos, subvencionados pelo governo”.
Pardal Mallet discorda inteiramente da idéia, e a fim de demonstrar a inadequação das
propostas de Aurélio de Figueiredo, reproduz na Gazeta de Notícias os artigos do projeto cujos
66
signatários eram o próprio Aurélio, Décio Villares e Montenegro Cordeiro , para em seguida
comentar as proposições dos três positivistas:
O projeto supra é opressivo. Subordina o artista ao governo como de forma
alguma outra é possível. E não oferece garantias àquele, embora pareça firmar
entre as duas partes uma espécie de contrato synallaginático.
Mais ainda:
Tolhe o desenvolvimento estético do país, não permitindo que particular adquira
a posse de trabalho artístico porque o § IV do art. 6º em que se regulam as
obrigações da primeira classe de pensionistas que recebem subvenções para
trabalhar, para fazer Arte, ordena que eles percam a posse material dos seus
trabalhos e que estes sejam recolhidos ao Museu.
Mais ainda:
Não compreende as conveniências do professor e do discípulo na parte a que se
refere à segunda classe de pensionistas, a classe encarregada do ensino do
desenho nas escolas, porque distrai aptidões superiores para misteres inferiores,
o que é um desperdício da força coletiva, ou se propõe a fazer do Brasil inteiro
um país de artistas, o que é um não senso.67
Pardal Mallet conclui seu artigo com as seguintes palavras:
Isto de positivismo em síntese, é uma história.
Há dez séculos que a humanidade tenta, sem conseguir, libertar-se do jugo
opressivo da Bíblia.
64
- Idem, ibidem.
65
- MALLET, Pardal. “Pela Academia – I”. In: Gazeta de Notícias, 24 de junho de 1890, p.1.
66
- A íntegra do artigo, com a reprodução do projeto positivista, encontra-se no anexo.
67
- MALLET, Pardal. “Pela Academia – I”. In: Gazeta de Notícias, 24 de junho de 1890, p.1.
Não vale a pena por conseguinte pegar dos livros de Comte para fazer uma nova
Bíblia.68
No artigo do dia 25, Pardal Mallet analisa a questão do ensino da pintura segundo “três
problemas diversos”: (1) - a difusão elementar do desenho, (2) - o preparo intelectual dos que se
destinam à profissão artística, e (3) - a formação da individualidade artística.
Após dividir a questão nestas três partes, o jornalista apresenta sua proposta de reforma da
Academia. Dos candidatos a estudantes de artes, deveriam ser exigidos os preparatórios de
69
“português, francês ou italiano, aritmética, geografia e história”. Os candidatos aprovados
passariam por um curso de três anos, organizado da seguinte forma:
1º ano – Aritmética e geometria
História das artes
Desenho de figura.
2º ano - Ciências naturais em geral, física e química, especialmente
aplicadas às artes,
Perspectiva,
Anatomia
Desenho de modelo vivo.
3º ano - Fisiologia aplicada às artes,
Arqueologia,
70
Desenho de modelo vivo e de paisagem do natural.
73
- “Artes e Artistas”. In: O Paiz. Rio de Janeiro, 22 de junho de 1890, p.2.
74
- MALLET, Pardal. “Pela Academia – III”. In: Gazeta de Notícias, 26 de junho de 1890, p.1.
75
-Idem, ibidem.
76
- A íntegra dos artigos em questão encontram-se no anexo.
77
- MALLET, Pardal. “Pela Academia – III”. In: Gazeta de Notícias, 26 de junho de 1890, p.1.
78
- Idem, ibidem.
Apesar de toda a movimentação de estudantes e professores em torno da causa da
Academia, o Ministro ainda não tinha conhecimento do ofício enviado pelo diretor Ernesto
Moreira Maia há 25 dias. Sem dúvida nenhuma, a Academia de Belas Artes não fazia parte das
preocupações primordiais de S. Ex.a o Sr. General Doutor Benjamin Constant, Ministro da
Instrução Pública, Correios e Telégrafos.
Mas Pardal Mallet parece não se abalar com isso, e contente conclui:
Vai se reformar, por conseguinte, o negócio.
S. Ex. de toda esta discussão aproveitará a apresentação de três projetos: o
Bernardelli - Amoedo, o Décio – Aurélio, e o meu que é conciliador.
(...).
Bem orientado e criterioso, dispondo destes elementos todos, o Sr. Benjamin
Constant está, por conseguinte, nas condições perfeitas de tornar-se o pai e
construtor da Arte Brasileira.79
Quanta esperança nesse jovem Pardal Mallet!
79
- Idem, ibidem.
A decisão de trabalhar fora do prédio da Academia foi tomada depois de uma série de
reuniões de artistas para discutir a ineficácia da instituição. Pode-se acompanhar a mobilização
dos estudantes através dos artigos de jornais que registraram o movimento. Em 17 de junho de
1890, a coluna Artes e artistas do jornal O Paiz publicava um resumo da primeira reunião :
No salão do Derby Club realizou-se ontem a reunião dos artistas pintores,
escultores, arquitetos e gravadores. (...). Abrindo a reunião o Sr. Teixeira da
Rocha apresentou a seguinte proposta :
Art. 1o - É ou não é útil a existência da Academia das Belas Artes, no estado de
desmoralização em que se acha ?
Art. 2 o - É ou não é bem gasta a subvenção dada pelo governo, e esta subvenção
produz os resultados a que é destinada ?
Art. 3 o - Atualmente a corporação docente da academia está na altura de
pertencer a uma academia de belas artes ?
Art. 4 o - Não será mais útil ao ensino artístico que se aplique esse dinheiro em
subvencionar oficinas de belas artes a moços, que tendo dado provas públicas de
talento, queiram estudar belas artes nos grandes centros europeus, mediante
concursos, exposições, etc ?
Foi aprovado o art. 1o da proposta, concordando todos os presentes que a
existência da academia era inútil e nociva.80
Este resumo da reunião evidencia a insatisfação dos artistas com a Academia de Belas
81
Artes. Vemos que nesta ocasião, a própria existência da Academia foi questionada e os artistas
declararam sua inutilidade. Mas em 21 de junho, realizou-se uma nova reunião. No dia seguinte,
O Paiz relatava :
Efetuou-se ontem, no salão do Derby Club a reunião anunciada de artistas
pintores, escultores, arquitetos e gravadores com o fim de subscreverem uma
petição que será entregue ao digno ministro da instrução pública, relativamente
à necessidade urgente da completa reforma na organização da Academia das
Belas Artes.
Por aclamação foi nomeado presidente da assembléia o ilustre artista Rodolpho
Bernardelli, que escolheu para seus secretários os seus distintíssimos colegas
Rodolpho Amoêdo e Décio Villares.
Lida a representação, documento importantíssimo, que obteve unânimes
aplausos, foi em seguida assinada por todos os artistas presentes e, segundo
deliberação da mesma assembléia, estará até o dia 24, no barracão da exposição
do quadro alegórico a Redenção do Amazonas, à disposição das pessoas,
artistas ou amadores de belas artes, que queiram subscrevê-la.
80
- « Artes e artistas », In : O Paiz, 17 de junho de 1890.
81
- Observamos que o principal motivo de insatisfação era a interrupção dos Prêmios de Viagem, pois os
estudantes consideravam a passagem pela Europa como indispensável à sua formação.
(...), não é lícito supor que da parte do honrado e esclarecido ministro a
importante representação encontre senão o mais decidido apoio para a pronta
conversão do adiantado projeto em proveitoso fato.82
Por ocasião desta segunda reunião, já não se discutia a supressão da Academia, mas sua
reforma. Além disso, a presença de Décio Villares, como secretário, ao lado de Rodolpho
Amoêdo e Bernardelli, mostra que começava a haver conciliação entre os que num primeiro
momento haviam defendido a eliminação da Academia, e os que reivindicavam apenas uma
reforma da instituição.
O movimento dos jovens artistas era francamente apoiado pelos jornalistas. Mas O Paiz
publicou também, dois dias mais tarde, uma longa carta de Pedro Américo endereçada ao
Ministro da Instrução Pública. O pintor analisava a situação do ponto de vista dos defensores da
Academia. É interessante citar algumas passagens desta carta:
Capital Federal, 20 de junho de 1890.
Sr. Ministro - A atual agitação dos espíritos progressistas contra a Academia
das Belas Artes, para alguns distintos escritores perfeitamente justificável e para
outros nimiamente injusta, procede em parte de vícios reais daquela antiquada e
infeliz instituição, porém, principalmente, de uma ilusão intelectual que consiste
em atribuírem-se-lhe males dos quais ela própria se queixa há mais de um
quarto de século, e que dependem de causas externas, radicadas e gerais,
absolutamente independentes da vontade de um pequeno grupo de homens
desunidos pelo desânimo ou por suas preocupações especiais.
(...) Não é tanto na deficiência do método, quanto na orientação particular do
gosto público, que está o nó górdio que se procura desatar com uma violenta
supressão, ou mesmo com a simples reforma da velha academia, abstração feita
dos meios conducentes a tornarem o artista um cidadão praticamente útil, em
vez de uma louca divindade imune e inútil (...).
Três condições são necessárias e indispensáveis à vida estética de um povo : o
gênio, o método e o meio social. Mas, se porventura, uma dessas condições se
deixa ultrapassar em importância, é sem dúvida o método. Imputar, pois,
exclusivamente à instituição depositária das regras e preceitos elementares, (...),
uma situação dependente de causas tão grandes e gerais, é desconhecer a
imprescindibilidade do íntimo consórcio dos maiores fatores de todo o progresso
possível na ordem dos fenômenos estéticos.
(...). Tímido produto de um meio refratário e apático, não incumbia à academia
modificar a sociedade de que era a imagem, nem poderia ela reagir
vitoriosamente contra as forças negativas que lhe opunham um povo sem
sensibilidade e um governo sem orientação claramente definida no assunto. (...).
De mais, essa supressão rápida e incondicional de que se fala, ainda quando
motivada por fatos que a justificassem, ecoaria entre os povos mais cultos do
82
- O Paiz - 22 de junho de 1890 - p.2.
mundo, acompanhada dos malévolos comentários daqueles que desejam pintar
com os lineamentos do desatino e da violência o ilustrado governo da República.
(...). De mais reforme-se a atual academia, dando-lhe uma orientação totalmente
liberal e moderna, mas encerrando-a nos limites de uma escola preparatória ;
(...).
- A exemplo da França, da Alemanha, da Rússia, da Bélgica, da Espanha e de
outros países cultos e experientes - que sustentam em Roma suas respectivas
academias nacionais, com uma organização completa e sede em magníficos
palácios - comece-se simplesmente por enviar à Europa um artista ilustrado e
conhecedor dos dois ambientes, a fim de guiar os pensionistas do estado,
informar o governo acerca dos acontecimentos artísticos dos principais centros,
e servir, por assim dizer, de elo entre o movimento nacional e o daqueles
brilhantes focos de produção ;
- finalmente, (...), propague-se e generalize-se o ensino do desenho, dê-se grande
incremento ao estudo da arquitetura, e instituam-se pelos diferentes estados da
República pequenas escolas especiais e pequenas galerias de arte, destinadas a
disseminarem a instrução e a acolher os artefatos dignos de servirem de modelo
e exemplo a um povo livre. (...).
Eis, Sr. Ministro, numa rápida síntese, o meu fraco entender a respeito do objeto
que está sendo explorado pela curiosidade pública, e que ameaça degenerar em
pomo de discórdia entre cidadãos ilustres e probos, ou em privilégio exclusivo
da ambição pessoal, senão vos dignardes de opor solicitamente à corrente dos
fatos quotidianos o prestígio do vosso critério, das vossas luzes e do vosso
patriotismo.
Respeitoso vos saúda vosso humilde compatriota,
Pedro Américo
Capital Federal, 20 de junho de 1890. »83
Esta carta de Pedro Américo é a prova do alcance do debate que dividia o meio artístico
brasileiro. Se um dos pintores mais reputados da época pronunciou-se sobre o tema, é porque o
assunto era causa de grande inquietação. De fato, a própria existência da Academia estava em
jogo.
Por outro lado, as palavras de Pedro Américo são reveladoras. Ao invés de defender a
Academia contra uma possível supressão, o pintor parece atacá-la ainda mais. Ele sublinha todos
os problemas e fraquezas da instituição. Suas palavras exprimem o pensamento generalizado
sobre a inadequação do país às belas artes. E mesmo se propõe a difusão do ensino artístico em
todos os Estados do País, a única solução que lhe parece plausível para a formação dos artistas
83
- O Paiz - 25 de junho de 1890 - p.3.
nacionais era a de enviá-los para estudar na Europa. De modo surpreendente, os artistas de todos
os grupos e até mesmo os artistas ligados à Academia, estavam de acordo sobre este ponto.
Mas a agitação dos estudantes continuava. Em 26 de junho, O Paiz publicava a seguinte
circular, publicada igualmente no Jornal do Commercio de 27 de junho:
Cursos de belas artes
Circular
Não podendo ficar paralisado o estudo das belas artes, e estando os ex-alunos
da academia moralmente obrigados a não aproveitar o pouco material de ensino
que lá se fornece, a comissão promotora da mensagem que acaba de ser
entregue ao governo pedindo a supressão da academia, resolveu organizar
cursos públicos e gratuitos em local que será mais tarde anunciado. Para a
realização desta idéia pedem os abaixo assinados a subvenção do público,
subvenção que será provisória, porque o Sr. general Benjamin Constant
comprometeu-se a resolver satisfatoriamente e dentro em breve o problema do
ensino artístico entre nós. Como processo de recolher a subvenção, os abaixo
assinados deixam listas nas redações dos jornais.
Capital Federal, 25 de junho de 1890.
Rodolpho Bernardelli, escultor.
Décio Villares, pintor.
Rodolpho Amoedo, pintor.
Aurélio de Figueiredo, pintor.
Manoel Teixeira da Rocha, pintor,
Francisco Ribeiro, pintor,
Baptista Castagneto, pintor,
Emílio Rouède, pintor,
Henrique Bernardelli, pintor.84
No dia 9 de julho de 1890, O Paiz anunciava a abertura dos cursos públicos e gratuitos no
barracão instalado no Largo de São Francisco. O jornal informava também que oito alunos
estavam inscritos no curso de pintura, e dois outros no curso de escultura. Era a maneira
encontrada pelos estudantes para pressionar o governo de modo a convencê-lo da necessidade de
reformar a Academia. Esta teve grande dificuldade para garantir a continuidade dos cursos pois
os alunos se recusavam a freqüentá-los.
85
Conforme já foi mencionado, Frederico Barata, em seu livro sobre Eliseu Visconti,
refere-se à movimentação dos estudantes contra a Academia de Belas Artes. É útil e agradável
84
- O Paiz, 26 de junho de 1890, p.3
85
- BARATA, Frederico. Eliseu Visconti e seu tempo. Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1944.
reler o livro de Barata. No entanto, quando consultamos os documentos do período, algumas das
informações que constam em seu relato não se confirmam.
Frederico Barata refere-se aos dois grupos de artistas descontentes, e denomina-os de
Modernos e Positivistas. Explica que os estudantes dos dois grupos visavam uma renovação, mas
cada grupo defendia um ponto de vista diferente sobre a melhor orientação da reforma. Os
Modernos criticavam a Academia e, no entanto, não queriam se desfazer dela. Ao contrário,
reclamavam uma maior eficácia de seus métodos e pediam a retomada dos concursos de Prêmio
de Viagem. Quanto às mudanças reivindicadas, elas se referiam mais a modificações do
regulamento da Academia, do que a uma reforma profunda das normas fundamentais do ensino
artístico. Os Positivistas, mais radicais, eram liderados por Montenegro Cordeiro, Décio Villares
e Aurélio de Figueiredo. Em seu projeto, chamado de “Projeto Montenegro”, pediam a supressão
86
da Academia.
Até aqui, o relato de Frederico Barata corresponde às informações extraídas dos jornais da
época. De fato, entre os “Novos”, percebem-se dois grupos distintos: o dos Positivistas, e outro,
formado por estudantes que apoiaram os professores Rodolpho Amoêdo e Rodolpho Bernardelli.
Mas a denominação de Modernos, para designar o grupo, não aparece nos documentos do
período. A palavra modernidade, ou o adjetivo moderno, são utilizados. Mas os componentes do
grupo são habitualmente chamados de os “novos”.
No livro de Barata, os acontecimentos são contados como se a iniciativa da revolta tivesse
partido dos alunos da Academia, que em seguida teriam conquistado o apoio dos jovens
professores Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo, o apoio do pintor Henrique Bernardelli,
irmão do escultor Rodolpho, e até mesmo a simpatia de um mestre mais antigo, Zeferino da
Costa. Barata chega a citar a participação de Zeferino da Costa nos cursos livres promovidos no
87
Largo de São Francisco.
É necessário dizer, no entanto, que até agora não há nenhum documento que confirme a
participação de Zeferino da Costa como mestre no curso livre. Nenhum dos artigos de jornais
88
menciona seu nome. Além disso, Alfredo Galvão, em seu estudo sobre João Zeferino da Costa ,
afirma que em setembro de 1889, o pintor partiu para a Europa e só retornou ao Brasil em 1893.
Galvão reproduz um ofício assinado por Zeferino, datado de 16 de agosto de 1889, pedindo
86
- BARATA, pp. 29-34.
87
- BARATA, p.34.
88
- GALVÃO, Alfredo. João Zeferino da Costa, sua vida de estudante e a de professor contadas pelos
documentos existentes na Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ, 1973.
dispensa para ausentar-se da Academia, onde regia a cadeira de pintura de paisagem, para
executar, na Itália, a encomenda da decoração da igreja da Candelária do Rio de Janeiro. Galvão
afirma ainda que Zeferino foi nomeado Professor da aula de modelo vivo em 1890, após a
reforma que transformou a Academia em Escola de Belas Artes; mas só pode assumir a cadeira
em 1893, após seu retorno ao país.
É bem provável que a fonte de informações de Frederico Barata tenha sido o próprio
Visconti, que em conversas informais relatasse suas memórias do tempo de estudante. Talvez nas
lembranças de Visconti, episódios anteriores tenham se misturado aos acontecimentos de 1890...
Realmente, Zeferino tinha um histórico de oposição à Academia, de lutas para realizar as aulas de
pintura de paisagem ao ar livre, requerendo insistentemente ao governo, passes gratuitos nos
bondes para levar os alunos aos arredores da cidade. E Visconti fora aluno de Zeferino nestes
anos, entre 1887 e 1889.
Assim como esta lembrança confusa, outros fatos da revolta dos alunos da Academia
parecem nebulosos. Para nos aproximarmos ao máximo do que teria sido a verdadeira história
dos acontecimentos de 1890, resta-nos recorrer, além dos relatos jornalísticos, às diversas versões
dos fatos contados pelos contemporâneos. Nesse sentido, não podemos deixar de citar o artigo
que Gonzaga-Duque escreveu contando sua vivência da revolta. O artigo tem o título de O
89
aranheiro da Escola, e faz parte do livro Contemporâneos. Gonzaga-Duque inicia contando
como se originara a revolta de 1890:
Em fins de 1887 o descontentamento lavrava pela maioria dos estudantes da
Imperial Academia. Mas, esse descontentamento, provinha mais diretamente da
organização obsoleta do regulamento do que, propriamente, das suas nugas e
quizilias, a que estavam acostumados todos os artistas daquele tempo. (...).
A proclamação da República em 1889, veio trazer largas promessas a essa
mocidade. Pensaram todos que a mudança do regime governativo implicava
reforma radical na vida das nossas instituições, (...).90
É nesse contexto, diz o crítico, que um grupo de artistas, simpatizantes dos “princípios da
escola comtista”, elabora um projeto para a “organização do ensino das belas artes”. Este grupo,
formado por Montenegro Cordeiro, Décio Villares e Aurélio de Figueiredo, é elogiado por
91
Gonzaga Duque que julga seu projeto “inegavelmente utilíssimo e sério”. Da leitura dos trechos
89
- DUQUE, Gonzaga. “O aranheiro da Escola”. In: Contemporâneos. Rio de Janeiro: Typ.
Benedicto de Souza, 1929, pp.215-225.
90
- Idem, pp.216-217.
91
- Idem, p.217.
transcritos por Gonzaga Duque, fica claro que a característica principal do projeto dos
positivistas era a eliminação total da Academia, e sua substituição por cursos em ateliers de
mestres subvencionados pelo governo. O futuro artista teria a liberdade de escolher o professor
que melhor lhe parecesse. Outro aspecto importante do projeto era a ênfase na difusão das artes
em todos os Estados do país e entre todas as classes e idades. Os estudantes de artes receberiam
pensões para que fossem ensinar o desenho nas escolas públicas de todo o Brasil, e era prevista a
fundação de museus em todos os Estados da federação.
Foi este aspecto descentralizador que agradou ao crítico. Mas, diz Gonzaga Duque,
“enquanto aqueles artistas, (...) confeccionavam o proveitoso plano de reforma, (...) os Srs.
Rodolpho Amoêdo e Rodolpho Bernardelli, iam trabalhando em outro projeto, orientados pelo
92
ensinamento oficial das Academias da Europa, particularmente a de Paris.”
E Gonzaga Duque deplora o fato de o “excelente plano Montenegro, Décio e Aurélio” não
ter obtido a “atenção do governo que pensou de modo diverso e, respeitando os moldes arcaicos
disfarçados em reforma, pôs o condenado instituto em anacronismo com os puros princípios da
93
Democracia.” Ou seja, o governo optou pelo projeto Bernardelli – Amoêdo, que não tinha
propostas de verdadeiras mudanças.
A parte mais interessante do artigo de Gonzaga Duque é quando ele conta sua
participação nos acontecimentos de 1890:
Então o autor dessa linhas, por esse tempo muito moço e iludido com os homens
e as cousas de seu país, e os demais com a tola preocupação de se interessar
pelas belas artes sem ter por si a responsabilidade profissional, reunindo-se a
um grupo de jovens artistas, os mesmos ou quase todos os que fizeram o
movimento reacionário, tentou organizar o ensino-livre das Belas Artes no Rio
de Janeiro!94
A resistência desse grupo “chegou a ser extraordinária, quase um martírio... e algum dia
95
eu a contarei”- escreve Gonzaga Duque -“ao menos para ser lida por meia dúzia de moços”.
E referindo-se aos episódios do Largo de São Francisco, prossegue:
(...) a Academia era acintosamente combatida por esse grupo de artistas que,
ajudado por alguns capitalistas, fundaram um curso-livre no barracão
construído pelo Sr. Aurélio de Figueiredo para a exposição de sua grande tela
encomendada pelo governo do Amazonas.96
92
- Idem, ibidem.
93
- Idem, p.221.
94
- Idem, ibidem.
95
- Idem, p.222.
96
- Idem, pp. 222-223.
A esses heróicos resistentes, Gonzaga Duque contrapõe os integrantes da comissão
nomeada pelo governo, os signatários dos projetos:
Enquanto assim procedíamos, a comissão nomeada pelo governo para elaborar
o regulamento da reforma, e composta dos Srs. Amoêdo, R. Bernardelli e Dr.
Moreira Maia, entrava em discordância, chegando o último destes membros a
negar sua assinatura ao trabalho apresentado por aqueles seus companheiros.
Teve o governo de substituir o Dr. Maia pelo Sr. Décio Villares, o signatário do
projeto Montenegro! – (...) elaboração singularíssima, (...).97
O crítico se espanta com o rápido acordo entre Décio Villares e os professores Amoêdo e
Bernardelli, que pouco antes defendiam propostas diversas sobre a Academia. Finalmente, em
dezembro de 1890, foi promulgada a reforma da Academia. Sobre esta, Gonzaga Duque afirma
que se tratou apenas de mudança de nome, passando a Academia a ser chamada Escola Nacional
98
de Belas Artes. “Questão de rótulo”. Gonzaga Duque conclui:
Aqui temos em rápidas linhas a história dessa reforma. O nome artístico do novo
diretor da nova Escola, ex-Academia, e o cultivo mental do seu vice-diretor,
cargo novo entregue a uma das glórias da nossa arte, seriam o bastante para
atrair a “mocidade de belas artes” se ela, em uma grande parte, não protestasse
contra a forma caracteristicamente oficial dada ao instituto. Era uma questão de
princípios e não de pessoas como muita gente supunha.99
De acordo com Gonzaga Duque, o verdadeiro problema da Academia, seu caráter oficial,
não havia sido resolvido com a reforma. O crítico lamentava que as mudanças consistissem
apenas numa troca de nomes e de pessoas, a estrutura permanecendo inabalável.
A leitura das atas, dos artigos de jornais, e dos relatos diversos sobre os acontecimentos de
1890, nos deixam a seguinte impressão: - Havia um real descontentamento dos estudantes com a
decadência da Academia. Esta decadência, no entanto, refletia a crise do governo imperial. A
Academia, conforme Gonzaga Duque sublinhava em seu artigo, tinha caráter oficial e dependia
da ajuda do governo federal para funcionar. Assim, faltando este apoio do Estado, desde o ano de
1887, o maior problema da Academia era a precariedade na qual vivia a instituição. Mas não
eram apenas os estudantes que estavam insatisfeitos. Os próprios professores se queixavam das
condições de trabalho. As reclamações abrangiam desde as péssimas instalações, (problemas de
espaço, de má iluminação, a falta de uma bela vista, e o desgaste dos materiais que não eram
repostos), passavam pelo despreparo dos alunos, e alcançavam o meio social, considerado inapto
para a apreciação das belas artes.
97
- Idem, p.222.
98
- Idem, p.223.
99
- Idem, ibidem.
Quanto à reivindicação de mudanças no plano estético, esta parecia ser elemento
secundário ou coadjuvante entre outras tantas carências. Nota-se que o projeto dos Positivistas
não abordava nenhuma revolução estética. E o projeto de reforma Bernardelli - Amoêdo resumia-
se aos aspectos institucionais, pedindo a demissão dos antigos professores, e limitando a dez anos
o período de atividade dos novos. Aliás, esta resolução acabou caindo em desuso, os professores
sendo reconduzidos, passados os primeiros dez anos.
Sabe-se que o desenlace deste episódio vivido pelos artistas e estudantes de artes no Rio
de Janeiro durante o ano de 1890, deixou uma sensação amarga para alguns dos seus
protagonistas. A sensação de que muito se lutara por muito pouco é expressa por Gonzaga
Duque, em seu livro Mocidade morta.
Os resultados práticos dessa reforma foram a renovação do corpo docente, a retomada de
uma freqüência anual das Exposições Gerais e o restabelecimento dos Prêmios de Viagem. Além
disso, um novo prêmio de viagem foi instituído para o melhor participante da Exposição Geral.
Por um lado, poderíamos pensar que, finalmente, tudo o que ocorreu em torno da
Academia em 1890, foi apenas resultado de brigas internas e ambições pessoais. Por outro lado, a
mobilização dos estudantes, a participação dos jornalistas e o envolvimento dos críticos, revelam
que havia um real anseio por renovação, mesmo que este desejo fosse ainda difuso, e seu objeto
indefinido.
Apesar das semelhanças encontradas entre as práticas da Escola Nacional de Belas Artes e
as da antiga Academia Imperial, estes episódios mostraram que já se vivia uma nova fase das
artes plásticas no Brasil.
Ainda sobre esta questão, é interessante ressaltar que Parreiras, antigo discípulo de
Grimm, torna-se professor da Academia assumindo a cadeira de Pintura de Paisagem. No ano de
105
1890, Parreiras organiza uma excursão à Serra de Teresópolis com seus alunos . Nota-se então
que os procedimentos “modernos” eram absorvidos pela instituição acadêmica.
Estes são apenas dois exemplos, entre muitos outros, que indicam que a realidade dos
fatos não corresponde à interpretação que se impôs.
A efervescência que caracterizou o meio artístico carioca nos últimos anos do século XIX
deixa algumas questões em aberto, e para elas voltamos nossa atenção.
A denominação de “Modernos” sob a qual ficou conhecido um dos dois grupos de alunos
rebelados contra a Academia não é isenta de interesse. À primeira vista, a utilização da palavra
« moderno » causa estranheza, e parece não corresponder às características estilísticas da
produção desses mesmos alunos. Na história da arte no Brasil, estamos habituados a associar a
palavra « modernidade » aos acontecimentos e manifestações artísticas ligados ao marco
constituído pela Semana de Arte Moderna de 1922.
Durante o curso que ministrei, no primeiro semestre de 2000, no Programa de Pós-
Graduação em Artes Visuais, uma das alunas colocou a seguinte pergunta: - Esta denominação de
“modernos” foi adotada pelos próprios alunos da Academia membros do grupo, ou teria sido uma
“invenção” posterior?
103
- Todos os três foram discípulos de Grimm.
104
- LEVY, Carlos Roberto Maciel. O Grupo Grimm ; paisagismo brasileiro no século XIX. Rio de
Janeiro, Pinakotheke, 1980, p.28.
105
- Ver ata da sessão do dia 6 de outubro de 1890, no “Anexo 1”.
Esta pergunta me pareceu muito importante. A pesquisa indica que a denominação de
“modernos” cristalizou-se mais tarde, a partir de análises de historiadores posteriores. Nos textos
contemporâneos da época da revolta, a palavra “modernidade” aparece em alguns momentos; no
entanto, para referir-se ao grupo de jovens alunos, na maior parte das vezes encontramos a
denominação de “os novos”.
Interessante é notar que a “modernidade” tão desejada, não parece negar alguns valores da
própria Academia. Para perceber este fato, o artigo escrito por Pardal Mallet e publicado na
106
“Gazeta de Notícias” de 7 de junho de 1890 , que já foi citado acima, é importantíssimo. Neste
artigo o jornalista afirma que uma das razões pelas quais os jovens alunos da Academia revoltam-
se é fomentada pela “influência que a vida e as tradições européias exercem sobre os nossos
artistas”. E acrescenta:
Mas os casos são diferentes!
Só na Europa existe arte velha e sedimentada; existem escolas diferenciadas em
seu processualismo, guerreando-se, rivalizando-se.
Aqui existe por fazer.
A revolta lá na Europa consiste em destruir, a revolta aqui no Brasil consiste em
construir.
E os nossos artistas, que são os revoltados, não podem por conseguinte aceitar a
orientação dos revoltados do velho mundo.
As Academias não prestam, são absorventes e atrofiadoras, trabalham por
esterilizar os artistas numa só feitura e numa só modelagem.
Mas começam a não prestar 50 anos depois de constituídas. Não nos serve, pois,
a revolta lá dos outros, porque ainda não temos academia.
Vamos construí-la, porque ela é necessidade dos tempos de agora! E vamos
construí-la na certeza de que há de ser preciso destruí-la daqui a 50 anos!
Investigamos qual o sentido do conceito de « modernidade » adotado pelos jovens alunos
da Academia em 1890.
Esta é outra questão que merece ser aprofundada. Esta relação sempre esteve presente na
história da arte no Brasil. Sabe-se que os Modernos de 1890 buscaram inspiração na Academia
Julian de Paris quando abriram os cursos no Atelier Livre no Largo de São Francisco. Em que
106
- Artigo que se encontra no “Anexo 1”.
medida esta filiação não contradiz a denominação de ‘modernos’ ? E como os artistas brasileiros
do final do século XIX receberam as novas tendências da arte difundidas na Europa ?
Na busca de respostas a essas questões, novamente releio os artigos recolhidos nos
arquivos da Biblioteca Nacional, as atas da sessão do Corpo Acadêmico da Academia (Anexo 1),
as críticas de Gonzaga Duque (A Arte Brasileira, Graves e Frívolos), e analiso a produção
artística dos alunos e mestres da Academia. As hipóteses que surgem devem ser ainda
demonstradas e provadas a partir de uma análise mais minuciosa dos textos recolhidos e da
análise das obras artísticas da época.
As críticas à Academia que aparecem nos artigos jornalísticos são outro aspecto a ser
abordado. Qual o papel da crítica nesse momento ? Como se posicionavam os diversos críticos ?
A partir do estudo de trabalhos já realizados sobre os críticos Gonzaga Duque e Ângelo Agostini,
entre outros, estamos relendo os artigos publicados na imprensa da época buscando identificar
qual o conceito de modernidade por eles utilizado.
107
- SQUEFF, Letícia Coelho. Entre o urbano e o selvagem : a paisagem brasileira no pensamento de
Araújo Porto Alegre. Comunicação no I Colóquio Internacional de História da Arte - CBHA / CIHA,
São Paulo, 5 - 10 de setembro de 1999.
A questão da pintura de paisagem está relacionada com o tema da modernidade. Meu
objetivo é verificar como este ensino foi realmente praticado dentro da Academia, e quais
divergências ele inspirou e em que períodos.
Sobre esta questão, devo apontar aqui um novo dado. Durante uma aula sobre o grupo
Grimm ministrada por mim para os alunos da Pós-Graduação, um dos alunos, Ivan Coelho de Sá,
comentou que o estudioso Arnaldo Machado afirmara e provara a partir de documentos que o
ensino da pintura de paisagem ao ar livre na Academia do Rio de Janeiro não começou com
Georg Grimm, e sim com Zeferino da Costa. Através deste mesmo aluno, procurei Arnaldo
Machado, que me recebeu e pôs à minha disposição seu trabalho “João Zeferino da Costa e o
ensino da pintura de paisagem ao ar livre”, de 1991, trabalho não publicado. Com efeito, Arnaldo
Machado prova que foi João Zeferino da Costa (1840-1915) quem primeiro insistiu em lecionar a
cadeira de pintura de paisagem ao ar livre. Regressando ao Brasil em 1877 após período de
estudos na Europa, Zeferino foi logo eleito professor honorário da Academia Imperial das Belas
Artes permanecendo no magistério até sua morte, em 1915.
Arnaldo Machado afirma em seu trabalho:
A verdade, que queremos fortalecer, é que a objeção ao sistema de ensino dentro
da sala de aula não ocorreu a partir do paisagista alemão [Grimm]. Antes, outro
eminente professor vinha buscando, insistentemente, estimular e guiar os alunos
da aula de Paisagem para o estudo em contato direto com a Natureza, segundo a
prática de pintura ao ar livre. Esse professor era João Zeferino da Costa.108
Arnaldo Machado precisa que Zeferino passou a reger as cadeiras de Paisagem e de
Desenho Figurado em 26 de agosto de 1878, em substituição ao Prof. Agostinho José da Motta
que falecera em 21 de agosto do mesmo ano. Até pelo menos 19 de maio de 1879, Zeferino
continuou ensinando a Pintura de Paisagem. Em junho deste ano entra em licença para executar
em Roma os estudos para as pinturas decorativas da igreja da Candelária (do Rio de Janeiro). De
volta ao Brasil em agosto de 1880, retoma o ensino da Paisagem até meados de julho de 1881,
quando Leôncio da Costa Vieira tomou posse da cadeira, por concurso público. Em 25 de agosto
de 1881 Zeferino volta à cadeira de Paisagem, porque Leôncio pedira licença por motivo de
doença, vindo a falecer em 28 de setembro do mesmo ano. Zeferino dirigiu a cadeira até a
109
contratação de Grimm, em 1 de maio de 1882 .
108
- MACHADO, Arnaldo. João Zeferino da Costa e o ensino da pintura de paisagem ao ar livre. Rio de
Janeiro, 1991, (p.30). Trabalho não publicado.
109
- Idem, p. 31.
O documento definitivo encontrado por Arnaldo Machado nos arquivos da Academia que
se encontram no Museu Dom João VI, data de 28 de fevereiro de 1881. Neste documento, “o
Professor João Zeferino da Costa (...), apresenta conta e passa recibo de ‘despesa feita em
passagens de bonds da cidade ao Andarahy Pequeno e vice-versa com 5 alunos matriculados na
aula de Paisagem, por ordem do Exmo Snr. Cons.o Director da Academia das Belas-Artes’”.
O documento discrimina, a seguir, a despesa, dia a dia, de 23 de outubro a 29 de
novembro de 1880, com passagens de ida e volta ao bairro Andaraí Pequeno.110
E Arnaldo Machado conclui:
Não foi portanto, por influência dos ensinamentos do notável paisagista e
professor alemão que o nosso Zeferino da Costa assim procedeu. Dele é,
indiscutivelmente, a primazia da aplicação do método de ensino que alguns,
depois de Grimm, disseram que era revolucionário.111
Esta informação, que pode parecer a alguns mero detalhe, deve ser considerada
importante para reavaliar este período final da Academia Imperial das Belas Artes do Rio de
Janeiro. A renovação chegava pelas mãos de um ex-aluno da Academia, um Prêmio de Viagem
que estudara em Roma custeado pelo governo brasileiro.
As obras da geração de 1890 eram obras que nada tinham de revolucionário segundo a
crítica contemporânea. No entanto, talvez já apontassem para caminhos diferentes dos indicados
pela tradição acadêmica inicial. Nos interessa realizar um estudo comparativo da produção
desses jovens pintores e escultores do final do século com as obras dos artistas que haviam sido
professores da nova geração. Esta parte da pesquisa ainda está apenas esboçada.
3 - Bibliografia
Sobre arte e modernismo no Brasil - séculos XIX e XX
110
- Idem, p. 49.
111
“- Idem, p.51.
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2. Cadernos da Pós-graduação, número 2. « Arte e arquitetura brasileiras no século XIX :
conceitos ». Sonia Gomes Pereira, organizador. Escola de Belas Artes, UFRJ. Rio de
Janeiro, 1995.
3. Crítica de Arte, Ano II, no4, Rio de Janeiro, 1981.
4. MARTINS, Maria Clara Amado, VALENTE, Carlos Eduardo. (Org.) Memória e
esquecimento, anais do Terceiro Encontro do mestrado em História da Arte - EBA. Rio
de Janeiro, UFRJ, EBA, 1996.
5. « Salão Nacional de Belas Artes » In : Boletim de Belas Artes, número especial. Edição
da Sociedade Brasileira de Belas Artes. Rio de Janeiro, outubro/ novembro 1945.
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1997.
Fontes em Arquivos
• Atas
1. Jornal O Paiz
- Jornal Gazeta de Notícias
Atas das sessões do Corpo Acadêmico da Academia das Belas Artes do Rio de Janeiro
de 5 de junho a 10 de Novembro de 1890
Atas das sessões do Corpo Acadêmico (...) Academia das Belas Artes
A uma hora da tarde acham-se reunidos os Sros Diretor Conselheiro Ernesto Gomes
Moreira Maia, Professores Comendador João Maximiano Mafra, Victor Meirelles de Lima, José
Maria de Medeiros, o Engenheiro Paulo Cirne Maia, Antônio Parreiras e Theophilo das Neves
Leão. Faltam por motivo justificado os Srs. Professores Conde da Motta Maia ausente do país
com licença, Doutores Conselheiro Domingos de Araujo e Silva e Rozendo Muniz Barreto, e sem
causa participada o Sr. Comendador Rodolpho Bernardelli. O Sr. Diretor abre a sessão. (...)
Consta o expediente de (...); de um ofício do Diretor Geral da Secretaria do dito ministério
comunicando que por Decreto de 18 do corrente mês foi eliminado do quadro dos professores
honorários desta Academia Rodolpho Amoêdo por assim haver requerido; de um requerimento
de Raul Teixeira Cardoso e de outro de Benvenuto Berna, pedindo ambos se lhes tranque a
matrícula, o primeiro na aula de desenho figurado, o segundo na de anatomia. A Congregação
resolve deferir o pedido do requerente Benvenuto Berna e não atender o motivo alegado pelo
requerente Raul Teixeira Cardoso. Passando-se à primeira parte da ordem do dia procede-se à
leitura das faltas de freqüência em junho deste ano pelos alunos matriculados nas diferentes
aulas; faltas que não são justificadas. Na segunda parte da ordem do dia o Sr. Professor
Comendador Mafra como relator da Comissão encarregada do parecer sobre o projeto de
reforma, segundo as ordens constantes no Aviso de 27 de fevereiro último, apresenta o trabalho,
isto é, um projeto de estatutos tal qual lhe pareceu conveniente, do que é dada a leitura. O Sr.
Conselheiro Diretor assenta mandar imprimir o dito trabalho na parte essencial em folhas avulsas,
afim de serem distribuídas pelos membros do Corpo Acadêmico, que serão ao (sic) depois
convocados para a respectiva discussão e assim é resolvido. Nada mais havendo a tratar levanta a
sessão. Academia de Belas Artes, 25 de julho de 1890.
(Assinados) Moreira Maia
Victor Meirelles de Lima
Cirne Maia
Domingos Araujo e Silva
Theophilo das Neves Leão
[p.83] Ata da sessão em 20 de agosto de 1890
(...)
Com a palavra pela ordem o Sr. Doutor Moniz Barreto diz que por motivo de força maior
não esteve presente quando se aprovou a ata da sessão de 5 de junho deste ano; tendo-a, porém,
lido, sente-se obrigado à declaração seguinte: Sem fazer cabedal de outros pontos cinge-se apenas
a dois equívocos importantes: 1o - a inversão de seu juízo quanto a dois grandes quadros dos Srs.
Henrique Bernardelli e Ferraz de Almeida Junior; pois que dá preferência à tela “Caipiras
Negaceando” pela originalidade e firmeza da obra de arte, sem menosprezar o valor material dos
“Bandeirantes”; 2o – Não podia propor que abdicando seus direitos nessa parte técnica a
Congregação submetesse à escolha do Governo quadros que já deviam estar escolhidos pela
Comissão respectiva. (...).
O Sr. Doutor Rozendo Muniz Barreto declara que teve alunos ausentes na excursão à
Serra de Teresópolis e cujo aproveitamento está sendo prejudicado de modo que talvez não
possam habilitar-se para o exame, até porque as aulas começaram este ano em princípios de
Maio. (...)
Academia das Belas Artes em 20 de Outubro de 1890
(Assinam) Moreira Maia
Victor Meirelles de Lima
Rosendo Muniz Bareto
José Maria de Medeiros
Cirne Maia
Theophilo das Neves Leão.
[A última ata data de 10 de Novembro de 1890]
(...)
O Sr. Conselheiro Diretor lê os artigos 117 e 119 dos Estatutos e declara que dirigiu ao
Governo o seguinte ofício: “No 159. Academia das Belas Artes. Capital Federal 7 de Novembro e
1890. Ex.o Sr. Ministro, Havendo ontem expirado o prazo de seis meses que tratam os artigos 117
e 119 dos Estatutos inda vigentes, cumpro o dever de levar por este modo ao conhecimento de V.
Ex.a que o professor de estatuária Rodolpho Bernardelli abandonou o exercício de todas as
funções do seu emprego nesta Academia, desde 6 de Maio do corrente ano, dia em que se abriram
as aulas. Saúde e Fraternidade. A S. Ex.a Sr. General Doutor Benjamin Constant Botelho de
Magalhães, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Instrução Pública Correios e
Telégrafos. O Diretor (assinado) Ernesto Gomes Moreira Maia.” Inteirada a Congregação
levanta-se a sessão. Academia das Belas Artes em 10 de Novembro e 1890.
[E não consta nenhuma assinatura, o que significa que não houve outra sessão para que a
ata fosse aprovada].
O Paiz – 19 de janeiro de 1885 a 14 de Dezembro de 1890
É fora de dúvida que este país não ama as artes com o mesmo fervor e entusiasmo com
que acompanha uma por uma todas as peripécias de um pleito eleitoral.
Diante do Moisés de Miguel Angelo, das telas de Rafael e do Dominiquino, da cúpula
grandiosa de Bramante ou dos esplendores arquitetônicos do Parthenon, ele não sentirá o calafrio
subir-lhe pela espinha dorsal (...).
É natural.
O gosto e os sentimentos artísticos educam-se; e esta educação depende do meio, em que
se vive.
Nos países civilizados da Europa o homem habitua-se desde criança a ver o belo nas suas
múltiplas manifestações em tudo que o cerca.
Os edifício públicos tem a linha severa e correta e uma ordem arquitetônica. Alguns,
como por exemplo a Bourse e Paris, e a igreja da Madalena, fazem recordar a simplicidade
inimitável do estilo grego. Outros impõem-se às multidões pelas grandes moles de mármore
rendilhado e riquezas ornamentais sem número do estilo ogival. (...).
Os jardins estão povoados de mármores e bronzes; estátuas inúmeras ornamentam os
museus e as galerias públicas. (...).
Produções de grandes pintores antigos e modernos adornam as paredes e os tetos dos
templos. O pincel e a palheta travam lutas incruentas e gloriosas nos torneios das exposições
anuais.
Nos concertos ao ar livre popularizam-se as melodias dos mais afamados compositores.
Do que acabo de dizer conclui-se que o homem, ali, ao chegar à idade da razão, já tem a
vista e o ouvido por tal forma educados, que não poderá jamais conservar-se indiferente diante de
um objeto de arte.
A linha, a cor e o som têm para ele encantos indizíveis.
Olhemos agora para nós.
Os nossos edifícios públicos não têm ogivas, nem as curvas risonhas do estilo bizantino, e
ainda menos a simplicidade grandiosa dos monumentos gregos.
Nos nossos jardins não figuram estátuas de mármore. O povo está habituado a ver apenas
aos domingos os jacarés do Passeio Público e o – sou útil ainda brincando.
Poucos, bem poucos são os que conhecem de vista a Faceira, de Bernardelli, a Primeira
Missa do Brasil, de Victor Meirelles, as paisagens do Motta, etc., etc.
(...).
A prova eloqüente de que o meio em que vivemos tem contribuído para o atraso da
arquitetura, da pintura e da estatuária entre nós está no desenvolvimento progressivo do nosso
gosto pela boa música.
Por que o Rio de Janeiro em peso idolatra a música?
Porque habituou-se desde infante a ir ouvindo as partituras das melhores óperas.
(...).
A sua educação musical foi passando por diversas fases até chegar a de hoje, em que
adora com místico fervor a música clássica!
(...) [Esperamos?], pois, que o nosso país seja na pintura, na estatuária e na arquitetura o
que é na música.
Devemos aplaudir sinceramente todos os estímulos que concorrem para este fim.
Eis a razão porque venho hoje dizer algumas palavras acerca de um estabelecimento
particular que muito poderá contribuir para o desenvolvimento da pintura e das artes plásticas
entre nós.
Trata-se de uma sala, uma simples sala.
Os artistas aqui não tinham um lugar onde pudessem expor convenientemente os seus
trabalhos.
As duas casas da rua do Ouvidor que se prestam a esse mister, não satisfazem as
condições exigidas.
Faltam-lhes a luz e o espaço.
A luz é a vida dos quadros; um quadro sem luz é um pulmão sem ar.
Pois bem, essa lacuna acaba de ser preenchida pelo Sr. de Wilde.
Em sua loja de artigos de pintura e desenho à rua Sete de Setembro, n. 102, ele acaba de
abrir um salão especial para exposições de obras de arte.
O salão é um quadrilongo, que ocupa parte do pavimento superior da casa.
A luz que o ilumina vem de cima e é modificada por um abat jour.
Ela distribui-se igualmente por todos os quadros ali expostos.
Um vizinho não terá o direito de queixar-se do outro, como aconteceu na última exposição
da Academia das Belas Artes, em que algumas telas brilharam à custa do sacrifício de outras.
Vistosas armas indígenas e faïences ornam as paredes do recinto.
(...).
No salão do Sr. de Wilde, que está franqueada ao público, acham-se representados os Srs.
Driendl na sua famosa tela Uma cena da Baviera, e George Grimm em seus severos estudos de
pedras, e os Srs. Castagnetto, Teixeira, Vasquez, Caron, Ribeiro, Peres, Villaça, e outros que
honram a nossa moderna geração de artistas.
O nome de Castagnetto brilha em várias marinhas.
Este pintor imprime em tudo quanto faz o cunho da sua individualidade. Nos seus quadros
acabados, nos seus esboços, há um quê que revela aquele fogo do diabo, que é a partilha das
grandes vocações.
(...).
Entre os quadros, ainda não conhecidos pelo público, figuram os últimos estudos de
Teresópolis por Vasquez, Caron e Ribeiro.
Estes três artistas formados na única escola que deve ter o paisagista, que é o estudo
severo e consciencioso do natural, progridem sempre. Vê-se nelas a natureza brasileira em toda a
pujança de seu colorido vivo e brilhante e de suas linhas caprichosas.
(...).
O Rio de Janeiro deve freqüentar constantemente aquele recinto artístico.
Uma coisa lucrará, afianço-lhe.
Quer saber o que é?
Não comprar oleografias.
FRANÇA JUNIOR
O Paiz - Segunda-feira, 19 de janeiro de 1885, (p.2) [mesmo número e página do artigo
precedente].
(...)
Efetuou-se anteontem no salão Imperial do Teatro D. Pedro II, a distribuição solene dos
prêmios aos alunos e alunas do Liceu de Artes e Ofícios, que os mereceram pela sua aplicação e
comportamento no último ano letivo.
O vasto teatro estava elegantemente adornado.
No fundo via-se sobre um pedestal uma estátua em bronze simbolizando o Gênio, com
coroas de louro na mão esquerda, e a direita levantada ao céu, indicando a imortalidade. (...).
Grande número de alunos e alunas vestidos de branco, com as fachas da Nova Legião,
ocupavam o palco constituído em anfiteatro, dando um aspecto imponente àquela notável
reunião.
Na parte posterior do arco do proscênio em caracteres monumentais lia-se a imperecível
frase do Barão do Amazonas ao encetar a ordem do dia sobre o combate naval do Riachuelo –
Não fizemos tudo quanto desejáramos, mas fizemos tudo quanto podíamos – e na anterior, (...),
esta significativa frase – Pro Patria semper.
(...)
A partir do camarote imperial, ricamente adornado com veludo e festões de flores, em
troféus apropriados, notavam-se os seguintes nomes – Jornal do Commercio, conselheiro João
Alfredo, Gazeta de Notícias, (...), Baronesa de S. Matheus, (...), Barão de Araújo Ferraz, (...),
Colégio de Santa Candida, (...) Conselheiro Paulino Felix Ferreira, Câmara dos Deputados,
conselheiro Affonso Celso, Senado Brasileiro, conselheiro Gaspar Martins.
(...).
Junto os capitéis das colunas de 1a ordem, em medalhões, viam-se os retratos de célebres
artistas em música, pintura, escultura e arquitetura.
Além disso, troféus e armas de diversas nações e galhardetes de variadas cores
completavam a ornamentação da sala do teatro, que regurgitava de numeroso auditório da nossa
melhor sociedade.
Ao chegarem, Suas Majestades Imperiais foram recebidas pela diretoria da Sociedade
Propagadora das Belas Artes e por uma comissão de professores do Liceu.
Logo que Suas Majestades apareceram na tribuna imperial, foi executado, pela excelente
banda de música do Arsenal de Guerra o hino nacional.
(...) [Vênia, discursos]
Seguiu-se a distribuição dos prêmios de méritos, medalhas de prata e de bronze, que
foram entregues por Sua Majestade o Imperador aos seguintes alunos:
Sexo Masculino – Aula de desenho de figuras (...)
Aula de desenho de ornatos – Cópia de gesso – Terceira medalha de prata – Eliseu
d’Angelo Visconti; (...)
(...)
Aula de escultura de ornatos – Primeira medalha de bronze: Eliseu Angelo Visconti (...).
Aula de música (...)
Sexo feminino (...)
(...)
O Paiz – Domingo – 1o de janeiro de 1888 (p.1)
(...)
Salão do “Paiz”
Temos exposto há dias uma tela do Sr. Eliseu d’Angelo Visconti, representando um ponto
da ilha das Cobras, quadro que se recomenda pela verdade da reprodução da paisagem e do
colorido.
O Paiz, Sexta-feira 21 de setembro de 1888, p.1
[Redação – 63 – 65 Rua do Ouvidor – Propriedade de João José dos Reis Junior – tiragem 26000
exemplares]
Salão do “Paiz”
(...)
Expomos hoje dois pratos pintados pelo Sr. Angelo Visconti, aluno da nossa Academia de
Belas Artes.
São dois trabalhos em que se revela talento e muita observação. Um deles,
principalmente, aquele em que, ao lado de um telheiro, vê-se uma espécie de lavanderia, é
admiravelmente tratado e sente a gente grande prazer em observar aquela simplicidade tão tosca e
ao mesmo tempo tão natural.
(...)
O Paiz – Domingo, 19 de janeiro de 1890 (p.1)
Impressões do Brasil
Nada há que excite tanto a curiosidade do brasileiro como um livro escrito por estrangeiro
a respeito do Brasil.
Há como que certa dose de temor ao manusear-se o volume em que se sabe haver opiniões
sobre os nossos hábitos, os nossos recursos vitais, os elementos que temos como nação que
dispõe de imenso território, despovoado em grande parte, é fato, mas prenhe de inestimáveis
riquezas, (...).
Nós, os brasileiros, temos sido tão mal julgados; tais injustiças têm sido feitas a nosso
respeito; são tão numerosos os disparates atirados à publicidade, na Europa, por nossa conta, que,
ao depara-se-nos um volume em que se discorra sobre coisas do Brasil, perguntamos
antecipadamente se nos pintam como adornados de colares indígenas e de arco e flecha em
punho.
Um livro sobre a nossa terra verifica-se na generalidade, é censurável amontoado de erros,
péssimos conceitos e detestáveis considerações.
E se algum é, como esse de que me vou ocupar, baseado em boas intenções, encontra-se
sempre uma ou outra injustiça caluniosa, que o menor mal que produzem é apresentar-nos ao
estrangeiro, que nos desconhece, como indivíduos que necessitam que se lhes ensine os
rudimentos da educação.
(...) trata-se de um livro publicado em Milão pelo Dr. Affonso Lomonaco e que se intitula
Al Brasile.
É um volume de 447 páginas com uma carta [mapa] da baía do Rio de Janeiro e outra das
estradas de ferro desse estado, S. Paulo e Minas Gerais e numerosas gravuras sobre vários pontos
dos três estados aludidos e da capital.
(...).
Desgraçadamente, porém, o livro não é impecável, pois há trechos em que o viajante
italiano claudica, mostrando-se de leviandade e falta de reflexão grandemente censuráveis,
atendendo-se à imparcialidade e sã consideração que, como foi dito, se registra em grande parte
do volume.
Começarei pela seguinte e irrisória observação que se acha na pág. 272; (...).
O Sr. Dr. Affonso Lomonaco, que consagra o capítulo IX de seu livro aos costumes do
Brasil, escreve, depois de analisar o angu de milho, que entra “comunemente nell’alimentazione
degli schiavis:
“Uma circunstância digna de nota, entre muitas, a respeito desta singular alimentação,
lembra a maneira por que os brasileiros comem, sendo conveniente que o leitor fique prevenido,
pois a sua recordação ainda me ofende no íntimo das vísceras. A prática a que aludo me parece
que depõe muito pouco em favor do seu bom gosto e também de sua limpeza (...).
Os brasileiros costumam comer em um só prato todas as iguarias que constituem a sua
alimentação, misturando-a de maneira a formar um pastel heterogêneo, que seria difícil a uma
garganta européia engolir. Misturam arroz e feijão, verduras, sopa, quando a fazem, ovos, carne,
farinha de mandioca e qualquer outra coisa que possa estar sobre a mesa, e acabam por completar
a obra derramando sobre tudo a salada com os seus ingredientes. Feito isto, com a ponta da faca,
que, para tal mister, substitui a colher, tratam alegremente de engolir toda aquela massa. É um
verdadeiro comer de porcos e em frente a tal espetáculo não se pode ficar senão horrorizado.
(...). Se alguém se permitir o direito de fazer alguma observação sobre o singular costume,
os brasileiros surpresos, são capazes de responder que assim procedem porque vêem os outros
fazer o mesmo e que, em conclusão, lhes é indiferente misturar os elementos dentro ou fora do
estômago; mas se tomassem o cuidado de refletir que é, atendendo à multiplicidade das
sensações, resultante da variedade de comidas, deglutidas separadamente, que o jantar se torna
agradável; (...); que o paladar, como todos os outros sentidos, tem as suas exigências que é
preciso respeitar, sob pena de se ir contra as leis fisiológicas; se refletissem, digo, em todas essas
coisas... e em outras ainda, estou certo que considerariam esse seu hábito como verdadeiro
atentado ao bom gosto, como verdadeira aberração bestial, e se conformariam na prática de se
alimentarem com usos mais simples e mais sãos. (...).”
Está pasmo o leitor, não é verdade?
E certamente experimenta pela injustiça caluniosa do Sr. Lomonaco a repugnância que
esse senhor afirma ter experimentado as primeiras vezes que viu comer os brasileiros.
Mas com que espécie de gente viveu o autor do Al Brasile?
Não me parece que o Sr. Lomonaco tenha saído da classe mais baixa (...) [como a]
daqueles seus compatriotas que comem talharim cortando à tesoura pelo vendedor ambulante
(...).
Compreende-se facilmente que para estudar uma sociedade, não se procura de preferência
a ralé, que é uma das partes componentes de um povo, é fato, mas que, em caso algum, sob pena
de nos assistir o direito de negar ao escritor as mais vulgares qualidades de observador, serve para
base de julgamento de uma sociedade.
(...)
Henrique Etepple [ou Stepple?]
[ainda na mesma pág.] (...)
Na casa Vieitas estão expostos alguns estudos de pintura do Sr. d’Angelo Visconti,
esperançoso aluno da Academia de Belas Artes. (...)
O Paiz, Terça-feira, 4 de fevereiro de 1890, p.2
Artes e Artistas
Dentre os alunos que freqüentam atualmente a Academia das Belas Artes, um há que tem
diante de si o mais lisonjeiro futuro, pela maneira conscienciosa por que estuda.
O público não o conhece ainda bastante, porque ele peleja na sombra, como um humilde
soldado, trabalhando, trabalhando sempre.
Esse aluno, que será muito breve um grande artista, se não desanimar na estrada, como
tantos outros, obcecados pela indiferença do público é o Sr. Visconti, que acaba de ser laureado
na última exposição com a medalha de ouro.
Visconti há de ser incontestavelmente um dos nossos mais distintos paisagistas.
Colorista por natureza, como todos aqueles que nascem sob a luz suave do mais belo céu
do mundo, ele sabe imprimir em seus quadros a nota individual de seu talento, de sua maneira de
sentir.
No salão Vieitas confirmará o leitor o que havemos dito, admirando estudos da nossa
natureza, firmados pelo pincel do novel paisagista.
Quanta verdade e quanta observação naquelas pequenas telas!
O ar circunda por entre a vegetação.
A luz é perfeitamente distribuída.
(...).
O Paiz – Domingo, 2 de março de 1890, p2.
Artes e Artistas
(...)
Artes e Artistas
(...)
Encerra-se brevemente a exposição do quadro alegórico a “Redenção do Amazonas”.
Foi visitada por 55 pessoas anteontem a exposição do quadro alegórico “A Redenção do
Amazonas”
As galerias da Academia das Belas Artes foram visitadas durante a semana finda por 686
pessoas.
Hoje serão franqueadas ao público das 10 horas da manhã às 2 da tarde.
Salão do Paiz
Diversões
(...) – [Diversas sobre teatro]
Atelier Moderno (rua do Ouvidor 45) - Exposição de quadros do paisagista Antônio
Parreiras – das 11 horas da manhã às 4 da tarde.
Largo de S. Francisco de Paula – Exposição do quadro “A Redenção do Amazonas”, do
artista Aurélio de Figueiredo – Das 10 horas da manhã às 4 da tarde e das 6 às 9 da noite.
Academia de Belas Artes – Exposição das galerias, das 10 horas da manhã às 2 da tarde.
(...)
Seção Livre
Academia das Belas Artes (*)
(* este artigo não foi ontem publicado por falta de espaço – N. R.)
Não devem passar em julgado afirmações inexatas, nem é justo que se irrogue a pecha de
retrógrado, atrasado ou estacionário a quem acompanha, por obrigação, e por gosto, os
movimentos progressivos da ciência aplicada às belas artes.
Em que pese a críticos insidiosos ou mal informados, uns – imprudentes demolidores, que
só querem sobressair pela audácia, outros – refletidos e cautelosos, que almejam desimpedido o
espaço para mais cômodas ocupações, resplandeça a verdade acima de todos os interesses.
Res, non verba.
Cesse a gritaria pueril e desmanchem-se enredos sofísticos, perante a realidade dos fatos.
Domine serena a justiça onde ferino pessimismo tenta morder as reputações, armando botes de
serpente.
Contra arrogantes e gratuitas censuras venham provas inconcussas.
Estou certo de que o meu talentoso discípulo o Sr. Mallet, reconhecerá que foi mal
informado.
Na Academia das Belas Artes não se estuda atualmente anatomia só com o manequim,
mas com o adequado expositor, o esqueleto, os primores da escola clássica o modelo vivo e as
explicações gráficas de mecânica artrológica.
A fisiologia das paixões não é ensinada pelo manual de Paul Janet. Seria absurdo e
irrisório aplicar a semelhante disciplina de ordem artística um compêndio de filosofia elementar,
adaptado aos estabelecimentos de instrução secundária. Fazem-se preleções inteiramente de
acordo com o que há de melhor, com as positivas experiências de Duchenne em sua Analyse
electro-phisiologica da expressão das emoções e das paixões, tenho procurado conciliar, quanto é
possível, as exigências dos novos processos de ensino com os obstáculos próprios de um
regulamento anacrônico e da inferioridade mental dos alunos, baldos de imprescindível preparo...
Logo ao entrar, por mais que investigasse, não me foi dado encontrar vestígios nem de
programa, nem de compêndio, nem do sistema pedagógico dos meus antecessores.
Apenas chegou-me aos ouvidos tradição do memorável Dr. Pertence. Esse luzeiro da
cirurgia nacional, sem adstringir-se a delimitações oficiais e livros técnicos, arrebatava os
ouvintes com a palavra radiosa e proficiente, em seus lances entusiásticos perante as estátuas de
Gladiador e do Laocoonte, quando estava substituindo ao velho senador Luiz Carlos que, dizem,
narcotizava o auditório com as descritivas minúcias do ethmoide e do esphenoide.
Compreendo que um verdadeiro curso de anatomia e fisiologia artísticas deve ministrar a
noção científica a quantos já possuam a noção empírica das formas, das atitudes e dos
movimentos, sem desatender à conveniência de omitir as demasias de uma obra destinada aos
novéis artistas, regularmente dirigidos em seus estudos especiais, adotei para compêndio o
magnífico trabalho de Mathias Duval.
Além do grande Harles, na Alemanha, e de Marshall, na Inglaterra, não conheço maior
competência, nem melhor guia do que esse emérito professor da Escola das Belas Artes de Paris,
a quem coube, após a morte de Broca, a honrosíssima [sic] direção do gabinete antropológico
daquela metrópole do progresso.
Organizei programa de ensino conforme a orientação e o método preconizados por
autoridade tão competente. Tive, porém, de lutar com os maiores embaraços para fazer-me
entender por alguns discípulos quase analfabetos, conquanto querençosos e atentos às lições.
Será possível comunicar os elementos mais rudimentares de qualquer ciência a pessoas
que não conhecem o valor dos termos, já não digo em língua estranha, mas no pátrio idioma?
Em tais condições, embora afluam os catecúmenos, dar-se-á o multi vocati et paucietecti
[muitos são chamados, poucos os escolhidos]. É o que vai sucedendo na Academia de Belas
Artes, onde, em compensação de alguns exames brilhantemente prestados, a mor parte dos alunos
tem forçosamente que retrair-se logo ao começo, ou desaparecer no fim do ano letivo, porque lhe
falta o essencial para o bom êxito do curso.
Tão certo da eficácia dos meios ao meu alcance, quanto da insuficiência de propedêutica
dos matriculados, aliás consentida por lei ainda em vigor, recorri para o governo, apontando-lhe a
causa principal do lamentável efeito e propondo o remédio, em um parecer, lido em congregação,
a 18 de fevereiro de 1888.
Queiram os competentes e insuspeitos apreciar os trechos seguintes da minha proposta,
encaminhada, com aprovação unânime do corpo docente, ao ministério do Império pelo
venerando conselheiro Nicolao Tolentino:
“Não basta que a obra de arte brote do pincel ou do escopro, animado pelo fogo da
inspiração, que nem sempre baixa do céu com a mesma intensidade e presteza. Músico, pintor,
estatuário ou arquiteto, é forçoso que o mineiro da imaginação saiba o como e o por que das
belezas que produz. O próprio gênio pode hoje acertar, mas amanhã claudicará, se desatender aos
preceitos, que da esfera da ciência derivam para as fontes da arte, assim como dos recursos desta
soube aproveitar-se aquela em convivência íntima, qual a de Ticiano e André Vezaleo, segundo o
atestam as esplêndidas figuras que ilustram a obra anatômica – De humani corporis fabrica.
“Isto não é arvorar em literato ou cientista quem quer que se destine a uma carreira
artística. Não há meio, porém, de adquirir noções e teorias elementares de ordem científica, sem o
conhecimento da gramática, e no idioma que mais facilmente se preste a veículo de aprendizagem
regular.
“Não há fugir deste dilema: ou a seção de ciências acessórias da academia, para ser
realmente profícua, requer preparatórios, ou se os dispensa, melhor suprimi-la.
“Renuncie-se assim a tamanho aparato para efeitos negativos, com o ministrar subsídios
da ciência a entendimentos quase analfabetos. Com dispêndio e sem títulos pomposos, ter-se-ão
cursos práticos de pintura, escultura e arquitetura, nos quais idealistas ou realistas achem campo
adequado às expansões de mero empirismo.
“Proponho que a congregação, pesando as desvantagens resultantes para os estudos
artísticos e reconhecendo os obstáculos a professores e alunos, por falta de preparo indispensável
às disciplinas lecionadas na seção acessória, submeta ao critério do governo a conveniência de
obrigar a matrícula na Academia das Belas Artes aos exames de português e de francês,
previamente feitos perante a inspetoria geral de instrução primária e secundária ou pelo menos a
títulos de aprovação plena nesses idiomas, obtidos no Liceu de Artes e Ofícios.”
***
Até hoje não fui atendido. Conto, porém, com a energia e notória proficiência do atual
ministro da instrução pública. Com a sistematização comtista ou spencerista, ou eclética
imprimindo à cultura intelectual e moral da nova república por esse novo e condigno
administrador, é de crer que em breve, se reforme a nossa academia artística.
Até lá contenham-se os sôfregos, não desesperem os incrédulos, nem se aventurem
previsões ao talante de grupos e propagandas exclusivistas.
Realmente o edifício é imprestável, caducou de fato o regulamento, há muito que suprimir
e outro tanto que acrescentar. Haja reorganização administrativa e pedagógica, de modo a
engrandecer-se a nação pelo melhoramento das belas artes, e pelo bem estar do artista.
Enquanto, porém, não se renovam ou se transformam os aparelhos e processos estéticos
dessa instituição fundada por D. João VI, e há quase um século, tão mal servida de espaço, de luz,
de meios pecuniários e de simpatia pública, é clamorosa injustiça deprimir-lhe os veros
préstimos.
De lá saíram para o estrangeiro, para o túmulo e para a glória esses artistas que se
tornaram patrimônio nacional.
Por muito que progridam os novos peregrinos da arte, não se degradam os velhos
iniciadores. Embora se afirmem as aptidões ou cresçam os triunfos de Ferraz de Almeida, de
Décio Villares, de Zeferino da Costa, de Péres, de Amoedo, de Estevão da Silva e de Parreiras,
influídos de nobre emulação; é indeclinável o apreço à contribuição que ficou de Agostinho da
Motta e ao labor incessante do prestimoso Bethencourt da Silva.
Por mais que me arroube a flama original do gênio no mármore vivificado por
Bernardelli, não posso resistir ao encanto dos plágios de Pedro Américo e das fumaças de Victor
Meirelles.
Velhos ou jovens, cada qual tem o seu estímulo, a sua divisa e o seu escopo. Todos,
porém, são filhos desta incomparável porção da América, onde há lugar para todos; onde as
maiores revoluções se operam sem sangue e só com flores de vergel ou de retórica; onde reina e
governa, como indisputável soberana, a mais produtiva natureza, causa exemplar da arte; onde
mais belo que o Éden das ficções de Milton, franqueia-se a todas as raças, a todas as crenças, a
todas as legítimas aspirações, o recuperado paraíso nas pompas florestais da terra mais fecunda e
nas opulências do céu mais luminoso e fagueiro; onde o pensamento se aproxima de Deus,
revelado, compreendido ou incognoscível, porque no espaço e no tempo some-se o orgulho
humano perante a evidência de tanta grandeza.
ROZENDO MONIZ
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O Paiz – (Redação – 63 - 65 Rua do Ouvidor 63 – 65) – O Paiz é a folha de maior tiragem e de
maior circulação na América do Sul
Moema
Tem este nome uma peça rigorosamente brasileira, composição da talentosa e distinta
escritora nacional D. Corina Coaracy.
O novo trabalho da aplaudida autora será lido hoje, às 3 horas da tarde, em reunião de
literatos, artistas e jornalistas, no teatro Lucinda.
*
Hoje, ao meio dia, no edifício do Derby-Club, realizar-se-á uma reunião de artistas
pintores, escultores, arquitetos e gravadores, a fim de tratar-se de assuntos que interessam as
respectivas classes e as belas artes.
...
Diversões
(...)
Atelier Moderno – (rua do Ouvidor, 45) – Exposição de quadros do paisagista Antônio
Parreiras – das 11 horas da manhã às 4 da tarde.
Largo de S. Francisco de Paula – Exposição do quadro “A Redenção do Amazonas”, do
artista Aurélio de Figueiredo – Das 10 horas da manhã às 4 da tarde e das 6 às 9 da noite.
Academia de Belas Artes – Exposição das galerias, das 10 horas da manhã às 2 da tarde.
(...)
Na Academia das Belas Artes há alunos que a força de ver aquele belo espécimen de
arquitetura, querem levantar outro intra-muros.
Intra-muros é modo de dizer, porque os rapazes estão juntando cal e pedra para uma
parede fisiológica para encobrir paixões.
(p.2) Artes e Artistas
No Salão do Derby Club realizou-se ontem a reunião dos artistas pintores, escultores,
arquitetos e gravadores.
À 1 hora da tarde, por proposta do Sr. Teixeira da Rocha, foi aclamado presidente Aurélio
de Figueiredo e secretários Emílio Rouède e Pereira Netto.
Abrindo a reunião o Sr. Teixeira da Rocha apresentou a seguinte proposta:
“Art. 1o: É ou não é útil a existência da Academia das Belas Artes, no estado de
desmoralização em que se acha?
Art. 2o: É ou não é bem gasta a subvenção dada pelo governo, e esta subvenção produz os
resultados a que é destinada?
Art. 3o: Atualmente a corporação docente da academia está na altura de pertencer a uma
academia de belas artes?
Art. 4o: Não será mais útil ao ensino artístico que se aplique esse dinheiro em
subvencionar oficinas de belas artes a moços, que tendo dado provas públicas de talento, queiram
estudar belas artes nos grandes centros europeus, mediante concursos, exposições, etc.
“Foi aprovado o art. 1o da proposta, concordando todos os presentes que a existência da
academia era inútil e nociva.
Em seguida o Sr. Emílio Rouède propôs verbalmente que se lavrasse uma ata da reunião,
com a proposta por extenso, declarando-se que o primeiro artigo foi aprovado e os mais ficaram
prejudicados.
Ainda foram apresentadas outras propostas, que, em vista da aprovação da do Sr. Rouède,
ficaram prejudicadas.
Pereira Netto propôs que se lançasse em ata um voto de louvor ao Dr. Pardal Mallet e
Emílio Rouède a José do Patrocínio.
Estas propostas foram aprovadas, e lavrou-se em seguida uma ata da reunião, à qual
estiveram presentes, além dos senhores mencionados, os artistas Castagnetto, Visconti, Ribeiro e
muitos outros cujos nomes não nos ocorrem de momento.
(...).
O Paiz – 19 de junho de 1890 (p.2)
ARTES E ARTISTAS
Numa das vidraças do estabelecimento A Notre Dame de Paris estão expostos três
pequenos quadros de Pedro Américo, pequenos pelas dimensões das telas, porém muito grandes
quanto ao merecimento artístico.
Representa um deles dois leões numa furna [?], dois belíssimos leões de cabeças
majestosas, olhar penetrante e juba eriçada, dois leões que vivem na tela, que parecem rugir
encarcerados naquela caverna. Uma pequena nesga de céu que se mostra ao fundo prejudica
talvez um pouco a severa harmonia do colorido.
Outro quadro representa um tigre repleto, deitado com o ventre quase todo voltado para o
chão, a fera acabou de banquetear-se e sente-se pesada, exausta.
O terceiro quadro – um quadrinho de meio palmo – um leão de pé, é precisamente
primoroso. É necessário vê-lo para verificar que não exageramos o qualificativo.
São três telas de mestre, cheias de arte, de verdade, de energia de tons e precisão em todos
os detalhes; escrupulosas, minuciosas, sem contudo se confundirem com as miniaturas banais.
Os animais representados, - formosos espécimens, foram copiados do natural, no Jardim
das Plantas, de Paris, na viagem que acaba de efetuar o ilustre artista brasileiro.
***
Seção Livre
Academia de Belas Artes
ao insigne estatuário Bernardelli
Belas Artes
Exclamava o velho padre Metastasio no seu tempo; mas dava-lho um doce se o dissesse
agora.
Faca velha não corta; a lâmina está gasta e o dentado gume mastiga e remancha sem
proveito algum.
Que os velhos da nova república recorram ao provérbio – façam das fraquezas forças – e
levantem-se contra a flâmula de guerra que flutua no pescoço de Pardal Mallet.
Este demônio é o pior inimigo da velhice. Inimigo terrível que não recua, que reforça a
violência do ataque ao arreganho do adversário.
Se o Sr. conselheiro Maia ainda não pediu a sua demissão de diretor da Academia das
Belas Artes é por um pensamento secreto, pensamento que eu aqui descubro aos leitores – em
muita reserva, está claro: - S. Ex. espera renascer das próprias cinzas.
Tem razão o Sr. conselheiro, e tem razão o Pardal Mallet.
O Sr. conselheiro tem razão, porque julga que a academia é que precisa dos seus serviços.
E Mallet tem razão, porque pensa justamente o contrário.
E vamos e venhamos. Eu não discuto aqui o Sr. conselheiro Maia, eu discuto o princípio,
e tudo tem a sua época.
*
Ora, imaginem que eu compro um rutilante guarda-chuva, sólido como os diabos, capaz
de me prestar os maiores serviços durante seis meses. Se passado este tempo a seda parte-se nas
dobras, as aspas relaxam-se e eu, julgando-o digno de descanso e incapaz de exercício, quero pô-
lo no canto, e o velho e estragado chapéu murmura-me: - Não, não me deite fora! Eu abriguei-o
durante meio ano, privei-o de que a chuva o ensopasse e de que o sol o crestasse. Eu fui quem
fui; conserve-me; eu fui de primeira qualidade!
Se isto se desse, o que eu deveria fazer? Pô-lo fora ou expor-me a ser mal servido.
*
Nesta comparação não vai desrespeito; empreguei o substantivo composto guarda-chuva,
porém a essência deste exemplo profundo está no adjetivo – velho.
*
A reforma da Academia das Belas Artes é necessária, mais do que isso – é indispensável.
O seu pessoal de hoje é incompatível com o progresso das artes. Alguns que ali dentro
estão nunca fizeram coisa alguma, outros são a sombra do que foram.
Não é a sombra que deixa o sol durante a noite, que desenvolve os corpos que necessitam
de calor.
Se o próprio sol, segundo a previsão científica, um dia há de esfriar matando a terra de
frio! Como querem os diretores da mentalidade artística do Brasil arvorar-se em focos eternos?
*
Todo o homem de verdadeiro talento tem duas fases na sua vida. A primeira de criador, a
segunda de fabricador.
Taine discute bem este ponto no capítulo 1 da Filosofia da Arte.
A primeira época é a do sentimento verdadeiro, em que ele tira todo o partido do seu
talento em pleno desenvolvimento, em que ele trabalha ansiosamente, ininterruptamente
devorado pelo sonho único que lhe ocupa a imaginação; dentro das suas obras palpita inteiro o
seu coração com as suas dolorosas tragédias, com as suas tempestades, com as suas raras
bonanças.
A segunda é a da manière, da decadência. Quando esta começa não há nada mais a
esperar, Tudo o que aparece já apareceu mais original, mais vigoroso, mais admirável.
Para que o argumento não falhe, Taine discute dois homens de extraordinário
merecimento: Miguel Angelo – uma das quatro cariátides do mundo, na frase do ilustre crítico – e
Pedro Cornélio.
*
Quando a gente acaba de falar neste homens que encheram tantos séculos; que dominam
triunfantes do alto da sua imortalidade, fica visivelmente atrapalhado, seriamente confundido,
terrivelmente enfiado.
Pois não parece de um ridículo pasmoso que eu queira aplicar a lei da decadência aos
Migueis Angelo e aos Cornélios daqui?
Onde estão eles, esses originais, esses criadores que marcaram a sua primeira fase com
produtos de tão subido valor, que hoje, velhos, julgam-se com direito à permanência no lugar?
Com todas as lâmpadas de Edson, que, creio ser as mais intensas, pode-se procurar com a
maior paciência e com o maior escrúpulo e ninguém encontrará a originalidade dos acadêmicos
brasileiros.
Tudo aquilo que ali fulgura é alheio. É triste, mas é verdade!
Os velhos levavam vida alegre e descuidosa; nada fizeram, nada deixaram. E mesmo que
o fizessem, hoje o gelo penetrou-lhes os ossos, não há mais cobertor capaz de tirar suor quente e
são.
*
A nova geração artística do Brasil é forte, valente, brilhante.
Só hoje é que se começa a fazer a arte tal qual ela deve ser feita, com amor, com
escrúpulo, com verdade.
A convenção senil inventou a balela de que a gente boa era a do seu tempo. E aplica isto a
respeito de tudo.
Pouco importa que o tempo corra, que novos processos apareçam, que novas coisas se
inventem, que tudo sobrepasse o passado. Para eles o bom tempo era o seu tempo. Tanto nas lutas
do trabalho glorioso, como nas pândegas da mocidade.
Remetam-se os velhos aos lugares que lhes competem; cumpram a sua missão e deixem o
campo livre aos que podem corrigir as suas obras e que podem exaltar a pátria.
Para os fósseis impossíveis que tropeçam a todo o instante nos princípios mais
comezinhos da arte não há moços de verdadeiro merecimento.
Os únicos poetas do Brasil para eles são Gonçalves Dias, Varella e Casemiro de Abreu,
que tiveram algum talento mas que, absolutamente hoje não competiriam já pelo fundo dos seus
trabalhos, como pela forma que os ... despe, com Luiz Murat, Olavo Bilac ou Raimundo Correia,
para citar simplesmente três nomes.
Os único romancistas são Alencar, Macedo e Bernardo Guimarães. O primeiro e o último
salvam-se, porque os seus trabalhos respiram poesia brasileira, mas não é o seu patetismo que
vence o vigor de Aluísio Azevedo ou de Raul Pompéia ou de Machado de Assis.
A escultura resume-se naquele (Deus lhe fale (...) (?)) que fez a estátua do Progresso na
garre da estrada de ferro Central. Rodolpho Bernardelli que procure outro ofício.
A pintura é Pedro Américo ou Victor Meirelles.
Amoedo, Bernardelli (Henrique), Aurélio, Parreiras e muitos outros que todos os dias
apresentam documentos novos do que valem, não passam de mediocridades.
Mas o diabo é a gente encontrar nos trabalhos desses moços justamente aquilo que falta
nos dos velhos.
Eles com a quantidade pretendem justificar a qualidade.
É possível que qualquer um desses que foram apresente infinitas produções; mas com
certeza em nenhuma delas se encontra o sentimento que se apaixona pela própria obra; que, para
fazê-la grande, verdadeira, eterna, escreverá, ou pintará com o seu próprio sangue,
Estes que se consomem, que dão tudo o que possuem do seu trabalho para torná-lo digno
do seu nome, são os que agora vão aparecendo, são os novos.
Produzir a galope é reproduzir as impressões alheias que estão bailando no cérebro.
Alexandre Dumas pai escreveu o Cavalheiro da Casa Vermelha em 76 horas; Gustave
Flaubert escreveu a Tentação de Santo Antonio em 20 anos.
É enorme a desproporção?
Confrontem-se as obras e veja-se qual a que fica de pé.
*
Perdoem-me os senhores velhos da nova república se lhes pareço irreverente; o que não
lhes posso parecer, de certo, é suspeito.
Se eu não morrer quando se passarem muitos anos que escrevi isto, estarei velho. Então é
que será o diabo. A mocidade que vem ainda é mais endemoniada.
Perdoem-me e creiam que não há como um dia depois do outro, e que ninguém as faz que
não as pague.
*
Aqui, debaixo desta coluna onde me assino, apelo para a morte para escapar ao castigo.
Guimarães Passos.
[Sebastião Cícero dos Guimarães Passos – jornalista e poeta parnasiano (Maceió, 1867 –
Paris, 1909). Membro fundador da Academia Brasileira de Letras.]
O Paiz – 26 de junho de 1890 (p.2)
Artes e Artistas
Cursos de belas artes
Na “Seção Livre” inserimos uma importante circular da ilustre comissão promotora da
reforma no ensino das belas artes, noticiando a criação de cursos públicos e gratuitos para os
alunos da atual Academia que os quiserem freqüentar.
Para angariar as subvenções com que serão fundados esses cursos provisórios, temos à
disposição do público uma lista iniciada pelo distinto artista Aurélio de Figueiredo. Daremos
publicidade aos nomes dos subscritores com declaração das suas contribuições a proporção que à
lista em nosso poder forem concorrendo as assinaturas.
[mais abaixo: continuam as exposições (Parreiras, Aurélio de Figueiredo, galerias da
Academia)]
O PLAGIO – estudo por Pedro Américo
I
Antes de definir o que entendo por plágio, quer nas letras, quer nas belas artes, seja-me
permitido fazer observar ao leitor quanto, sob pretextos mais ou menos disfarçado, se tem
ultimamente abusado deste termo, tão claro em aparência, e entretanto singularmente obscuro
quando é examinado com a necessária atenção.
A mais sucinta análise das ocasiões e circunstâncias históricas, em que a crítica crera
poder aplicá-lo, bastaria para nos convencer assim da dificuldade da sua aplicação como do
palpável erro dos escritores que dele se servem, para fulminar o reconhecido mérito de uma obra
cuja originalidade pretendem negar.
Com efeito, a história dos melhores frutos de qualquer literatura ou de qualquer escola
artística nos ensina que o produto mais constante do espírito humano, longe de ser o invento, no
sentido absoluto desta palavra, é, ao contrário, o aperfeiçoamento do assunto, o desenvolvimento
dos meios de expressão, a transformação mais ou menos profunda da idéia ou da forma inicial, a
qual, de simples que era em sua origem, tornou-se ornada, elegante, rica, majestosa, revestindo
sucessivamente as exterioridades mais diversas e mais consentâneas ao gosto da épocas que
atravessou, até se achar completamente esgotada.
O Orlando furioso, por exemplo, um dos mais complexos poemas italianos depois da
Divina Comédia, é a um tempo a condensação e a idealização poética dos pensamentos
derramados pelos bardos e trovadores franceses dos anos 1000 a 1200, nas suas bárbaras canções,
em cujas estâncias se enquadravam mais antigas legendas de origem oriental.
Trazidos para a França pelos Cruzados, os singelos pensamentos que originaram aquelas
grosseiras composições tomaram uma forma nas balelas (?) relativas ao rei Arthur, outra nos
Romances da mesa redonda, entre os quais avulta a antiga, maravilhosa e prolixa Canção de
Orlando, que, com o Orlando enamorado do poeta Bojardo, mais particularmente despertou o
gênio de Ariosto.
De modo que, da vaga e indelineável fantasia do Oriente saiu, em última análise, a vasta
composição italiana depois de uma longa elaboração histórica, em que, como na embriogênica,
foi o confuso ideal da idade média, sucessivamente passando pelos estados transitórios de um ser
destinado à vida plena, até exaurir todas as formas que a imaginação podia atribuir ao legendário
cavaleiro.
O poema de Ariosto não terá, provavelmente, sucessor de assunto idêntico, porque o
pensamento original esgotou-se na sua expressão definitiva, e não haverão esforços, nem
artifícios, nem atavios literários capazes de dar vida ao que morreu magnificado em tão gloriosa
apoteose.
Mas não é somente na literatura italiana que essa anthese fulgurante de um pensamento
antigo nas criações de um homem de gênio se tem manifestado com a mesma evidência: um
estudo comparado das obras principais da literatura francesa, isto é, daquela que mais influência
tem exercido sobre as sociedade modernas, conduz a conclusão que seus ilustres representantes
nunca hesitaram em adotar pensamentos alheios, quer de antecessores, quer de contemporâneos,
para modificá-los, revesti-los de novos aspectos. E imprimir-lhes o cunho da própria
originalidade.
Molière, por exemplo, acha o esboço do Médico à força no Vilain mire de Durand,
poemeto alegre e singelamente irônico contra os homens obrigados a sustentar uma carga
demasiado pesada, que lhes foi imposta pelas exigências sociais.
A comédia de Terêncio intitulada Os irmãos, que já era uma imitação dos Adelphos de
Menandro, também lhe pôs diante do espírito o assunto da sua Escola dos maridos, que ele
desenvolveu magistralmente.
O mesmo autor, na primeira cena da Escola das mulheres põe em verso, quase com as
idênticas palavras, as expressões que Rabelais atribui a Pantagruel em resposta a um dos mais
engraçados discursos de Panurge; e acha em um romance, no qual já La Fontaine havia imitado
Apuleu, o assunto de quase toda a Psyche, peça em que teve por colaboradores dois grandes
contemporâneos, Cornélio e Quinault.
Ora, se o procedimento de Molière se pudesse qualificar de reprovável, fora necessário
acusar ao mesmo tempo a ele, La Fontaine, Quinault e Cornélio.
Do mesmo modo, nas Fourberies de Scapin o célebre comediógrafo transformou e
completou o Pédant joué, do seu antigo condiscípulo Cyrano de Bergerac; tão certo estava de
poder modificar vantajosamente as intenções literárias do infeliz colega, em cujas obras não
duvidaram beber inspirações outros notabilíssimos autores como Fontenelle nos seus Mundos,
Voltaire no Micromegas, e Swift na Viagens de Gulliver.
Com as Precieuses ridicules, que compusera enquanto moço, fez Molière o mesmo que
havia feito com o Pédant joué, repetindo e engrandecendo o seu primeiro ensaio até o
transformar nas Femmes savantes, em que o assunto adquire as maiores proporções de que era
susceptível. Prova evidente da consciência que ele tinha da sua crescente superioridade, junta à
certeza de poder sempre acrescentar novas belezas ao objeto que contemplava como poeta.
Dante não fez coisa mui diversa apoderando-se de inúmeros pensamentos de outros
autores antigos para manifestar os que lhe eram peculiares, e transformando, e ampliando
sucessivamente a idéia fundamental da Vida nuova, poema de sua adolescência, para compor o
Convilo, e mais tarde a longa, complexa e profunda Divina Comédia, que fixou o ideal dos fins
da idade média e fundou a língua moderna italiana.
Tanto não julgava Molière que fosse ilícito aos grandes poetas exercerem o próprio
talento em um sujeito já explorado, e mesmo pedirem inspiração à forma com que o acham
revestido, que não duvidou propor a Racine para por em cena
Ces deux frères de qui la guerre
Ne cessa point dans le tombeau; versos tirados de uma ode de Malherbe a Maria de
Médicis. Ora, foi desenvolvendo na sua Thebaide esse terrível assunto, em que Eurípedes já
havia achado matéria para uma obra primorosa, as Phenícias, e Sêneca um magnífico estudo de
retórica, que Racine estrou em 1664.
Não são estas as únicas provas de desprevenção e do talento com que Molière se
apoderava de um tema já tratado, para fazer dele uma obra nova, sem contudo tolher-lhe os traços
característicos.
Foi assim que ele fez com a Aulutaria de Plauto, de que tirou o Avarento, peça literária
completamente conforme a índole do poeta francês, e entretanto de tal semelhança comparada ao
texto latino, que, em certos pontos, passaria por uma simples paráfrase deste, se não lhe fosse
sempre muito preferível como desenvolvimento de ação cênica, e como obra de concatenação
lógica. (...).
Se pois, o fato da semelhança ou mesmo da identidade parcial de duas ou mais obras
diversas constituísse prova de plágio, nenhum autor mereceria mais do que Molière a imputação
dessa espécie de delito literário, de que hoje se faz carga a um dos maiores dramaturgos
contemporâneos Victoriano Sardou.
(continua)
O Paiz, 26 de junho de 1890, p.3 [ainda mesmo exemplar com artigo de Guimarães Passos e
estudo de Pedro Américo]
Cursos de belas artes
Circular
Não podendo ficar paralisado o estudo das belas artes, e estando os ex-alunos da academia
moralmente obrigados a não aproveitar o pouco material de ensino que lá se fornece, a comissão
promotora da mensagem que acaba de ser entregue ao governo pedindo a supressão da academia,
resolveu organizar cursos públicos e gratuitos em local que será mais tarde anunciado. Para a
realização desta idéia pedem os abaixo assinados a subvenção do público, subvenção que será
provisória, porque o Sr. general Benjamin Constant comprometeu-se a resolver satisfatoriamente
e dentro em breve o problema do ensino artístico entre nós. Como processo de recolher a
subvenção, os abaixo assinados deixam listas nas redações dos jornais.
Capital Federal, 25 de junho de 1890.
Rodolpho Bernardelli, escultor.
Décio Villares, pintor.
Rodolpho Amoedo, pintor.
Aurélio de Figueiredo, pintor.
Manoel Teixeira da Rocha, pintor,
Francisco Ribeiro, pintor,
Baptista Castagneto, pintor,
Emílio Rouède, pintor,
Henrique Bernardelli, pintor.
O Paiz, 27 de junho de 1890, p.1
Artes e Artistas
(...)
A exposição do quadro “Redenção do Amazonas” foi anteontem visitada por 34 pessoas;
esteve encerrada à noite por causa do mau tempo.
Hoje é o último dia em que pode ser vista a tela de Aurélio de Figueiredo.
O Paiz - Quarta-feira, 9 de julho de 1890, (p.2)
Artes e Artistas
Belas Artes
Inscreveram-se ontem para a freqüência dos cursos públicos e gratuitos de Belas Artes os
seguintes alunos:
Pintura – (...), Eliseu d’Angelo Visconti, (...), João Baptista da Costa (...) [ao todo 8
alunos]
Escultura - [2 alunos] (...)
O livro das inscrições continua no barracão do largo de S. Francisco de Paula à disposição
dos interessados.
O Paiz – Domingo, 14 de Dezembro de 1890 (p.1)
Sete Dias
(...)
Passei, há dias, pelo Atelier Moderno. Lá estiveram expostos os trabalhos dos discípulos
revolucionários da escola livre.
Impressão tardia a que dou.
Como arte revolucionária deve-se dizer que ali nada existia que pudesse dar semelhante
indução. Mas havia um grande número de telas agradáveis.
Havia, por exemplo, as telas de Visconti, que, na sua qualidade de esperança, abusa
consideravelmente do verde. As suas paisagens dão ares de parque inglês, pelos seus tons de
verde tenro, muito cuidado, de jardim. Por isso mesmo, um só quadrinho em que não se nota esse
abuso é o melhor e é aquele que nos mostra um pardieiro amarelo sob a ramada de uma bela
árvore bem colorida.
(...)
*
Todas as vezes que penso sobre as artes figurativas, lembra-me, sempre que elas se fazem
sob a cultura progressiva dos sentidos. Primeiramente a visão, pela arquitetura e pela pintura;
depois, o ouvido – pela música. E eu imagino que em um futuro remotíssimo por um refinamento
de artistas blasés haverá uma cultura do olfato e uma arte do cheiro.
(...).
J.R.
Gazeta de Notícias – 16 de março a 14 de julho de 1890
Brasileira na Europa
Belas artes
Há longos dias estão dispostos nas salas da Academia todos os objetos de arte que
representam a luta dos nossos artistas contra o meio estéril em que se debatem; está pronto o
catálogo, as aulas não se podem abrir, porque as salas estão tomadas pela exposição, e esta não é
inaugurada, com grande prejuízo do público, dos expositores e do ensino.
Gazeta de Notícias - Sexta-feira, 21 de março de 1890, (p.1).
Publicações a pedidos
Academia das Belas Artes
Belas Artes
Quem visita a nossa Academia de Belas Artes não sente a impressão agradável do viajante
que volta à sua terra, do homem que entra em sua casa. O ar que ali se respira não é o nosso ar,
aqueles não são os nossos costumes, não é aquela a nossa gente, não é assim a nossa paisagem, e
portanto, aquela não é a nossa arte, não é a arte nacional, não é a fixação na tela e no mármore da
vida, da alma brasileira.
Na galeria em que estão expostos os quadros novos, em cuja honra foram abertas as portas
do velho edifício, que ali vive esquecido em um beco, há aqui e acolá umas abertas para esse céu;
não é bem nos Bandeirantes, de Henrique Bernardelli, que ele mesmo, com o seu talento superior
do artista de raça, deve ver que não tem o colorido das nossas florestas; é preciso procurá-lo ao
lado da grande tela, na tela pequena que ele pintou em Petrópolis, uma cascata, em que a água
talvez não seja bastante transparente e bastante viva, mas em que a mata já tem aquelas múltiplas
nuances de verde, que lhe fazem o encanto e são o seu característico, verdes de tonalidades
alegres, abrilhantadas pelo sol; é preciso procurar a nossa natureza numa pequena paisagem que
Hypolito Caron pintou em Juiz de Fora, em uma outra de Pombal, de Rodolpho Amoedo, e em
outras de França Junior, de Visconti, de Baptista da Costa, e de poucos mais.
Fora disso não há uma figura que fale da nossa história, dos nossos costumes, da nossa
vida. E no entanto, vê-se que os nossos artistas vão fugindo à inspiração que dominava a geração
a que sucedem e que está representada nos quadros da galeria n.2, em tempo classificados na
Academia como constituindo a arte nacional. O que é que inspirava então os nossos artistas, e lá
está representado? Era a Morte de Sócrates, S. João Baptista no cárcere, a degolação do referido
S. João, a flagelação de Cristo (que ainda já pouco mais de um ano serviu de tema para
concurso), Eliezer e Rebeca, um lavrador dos campos... de Pharsalia, Sócrates afastando
Alcebíades do vício (esta questão palpitante de interesse inspirou nada menos que dois artistas),
Caim amaldiçoado, Moisés recebendo as tábuas da lei, Jugurtha, Telemaco, toda a mitologia,
todo o catecismo, toda a história de Roma.
E o público não ía ver as galerias, dizia-se. Para que? Que se importa o público com
Sócrates, e com Moisés, e com Telemaco?
Se ainda hoje, nos museus da Europa, o visitante para diante dessas telas é que as
pintaram os grandes mestres e o que se vê não é o assunto, é o artista; mas ver um quadro em que
o pintor nos falta ao espírito ainda menos que o assunto, realmente não é caso para ninguém sair
de seus cômodos.
A exposição atual é talvez a mais brilhante que temos tido, e se o público ainda se não
decidiu a freqüentá-la, é porque anda escabriado das outras, e ainda não tem fé na arte nacional.
Pois é obra meritória incitá-lo a ir ver. Vendo os quadros, adquirindo alguns, estimulando
os artistas pelo aplauso e por tornar-lhes a vida possível, é que chegaremos a ter arte nacional,
principalmente se o governo se decidir a tomar o alvitre de reformar a academia, para que ela dê
o que deve dar, alvitre que só tem outra alternativa razoável, fechá-la de uma vez, porque é inútil
que ela continue a dar-nos Telemacos e Jugurthas.
E se quer que o guiemos, se quer ter logo desde o primeiro dia uma impressão que o
obrigará a voltar, embora não seja de arte nossa pelo assunto, ao entrar na galeria nova procure
um quadro que fica ao fundo, à direita, a Dicteriade, de Henrique Bernardelli; vá caminhando até
o meio da sala, fitando-a sempre, e quando estiver bem no seu ponto, no ponto em que cada um
vê melhor, diga-nos se já viu uma tela mais voluptuosamente quente, se não tem tentações de
tocar o sedoso daqueles tecidos, e se não é aquilo o atestado bem eloqüente do quanto vale a
permanência de um artista de talento em um meio verdadeiramente artístico.
Aí está a verdadeira arte italiana moderna em toda a sua perfeição, e como a tela é de um
artista nosso, ali está o que é preciso para termos arte nacional, se o governo e o público
entenderem que vale a pena cultivar a preciosa planta, que também enriquece as nações, influindo
sobre os costumes, pois nem só de café vive o homem.
[anônimo]
Gazeta de Notícias - Quarta-feira, 2 de abril de 1890 (p.2).
A exposição geral de belas artes foi ontem visitada por 138 pessoas. O preço da entrada
hoje é de 500 rs.
[obs.: o preço do exemplar do jornal Gazeta de Notícias era de 40 rs.]
Gazeta de Notícias – Domingo, 6 de Abril de 1890 (p.1)
De Paris
Os dois Salons – Aquarelistas - Boutet de Mouvel e Besnard
Belas Artes
Quem quiser fazer idéia do que era o espírito acadêmico entre nós no ensino das Belas
Artes, visite a exposição de escultura e o atelier do artista excepcional que se chama Rodolpho
Bernardelli; e que há de ser, a despeito de todos os embaraços, mais dia, menos dia, o iniciador
da nossa vida artística.
Sujeito aos programas antigos, Bernardelli copiou a Vênus Calipígea e a de Medicis;
entregue à própria inspiração, modelou a Faceira, um primor de graça e naturalidade, feito na
Europa, com as recordações saudosas da pátria; tendo de fazer o seu último trabalho de
pensionista, ao gosto acadêmico, submeteu-se a ele pelo assunto, mas fugiu-lhe pelo modo de o
tratar, porque o Cristo e a adúltera deve ter arrepiado a pele dos antigos sustentáculos da
academia, os idólatras de Jugurtha e de Caim; tratando um assunto religioso, o Martírio de Santo
Estevão, fê-lo trabalhando a linha com o naturalismo com que Flaubert trabalhava a palavra.
Da Academia vão ao atelier do grande artista, vejam as suas estátuas, os seus bustos, os
seus menores trabalhos, e digam se tal artista é produto da nossa carunchosa escola.
Na exposição, vejam os trabalhos de seu discípulo, Berna – aquele mesmo inspirado pelo
poema de Longfellow, cuja fisionomia fala, os bustos de um menino, uma baiana, e um
conhecido preto mina vendedor de jornais – e digam-nos depois se não está ali iniciada a reforma,
não só da Academia de Belas Artes, mas a reforma da arte nacional. No mesmo sentido falam os
dois estudos de um nosso compatriota, que está em Roma trabalhando depois de ter recebido as
primeiras lições dos Bernardellis.
O que consola, na atual exposição de pintura, à falta de cor local, é a independência que
vão revelando os pintores. O confronto dela com a galeria da chamada escola nacional dá
esperanças de futuro lisonjeiro, e demonstra a reação espontânea dos moços contra a rotina que
sempre predominou na Academia.
Basta ver os paisagistas. O bom Grimm arrancou-os das salas sem luz, onde eles
copiavam paisagens de litografias baratas e levou-os para o campo, pô-los na escola da natureza;
aí eles aprenderam a pintar por si, como Vasquez, como Caron, como Ribeiro, como França
Junior, como Parreiras, e a princípio todos eles tinham mais ou menos a maneira do mestre; mas,
ao fim de algum tempo, até dessa influência se libertaram, e hoje cada um deles tem a sua
individualidade.
Mais novos do que eles, Visconti e Baptista da Costa, guiados cremos por Zeferino e
Amoedo, aprendendo também na natureza, vão revelando disposições notáveis para a arte,
principalmente o primeiro, que fez nesta exposição uma estréia brilhantíssima.
Há positivamente um como renascimento, que só espera, para dar todos os seus frutos,
que o compreendam, que o sintam os homens que nos governam, para que a reforma seja feita no
sentido do movimento já iniciado, no sentido da tendência de espírito dos artistas novos,
inspirados uns na pujança da nossa natureza, robustecidos outros pela convivência com os
mestres na Europa e o estudo das obras que têm resistido ao tempo, e hão de resistir, porque são a
suprema verdade, e esta é o único ideal.
[anônimo]
Gazeta de Notícias – Quarta-feira, 23 de Abril de 1890, (p.1)
O nosso colega Emílio Rouède, da Cidade do Rio, nos pede a transcrição das seguintes
linhas:
“A crítica que um, ou vários indivíduos, ocultando-se sob o pseudônimo de Cosme
Peixoto, fazem das obras e do merecimento de Rodolpho Bernardelli, no Diário do Commercio
do dia 19 do corrente mês, causou-me forte indignação. Tendo, por um lado, a certeza de que, em
muitos de meus companheiros, produziram o mesmo efeito as injustas apreciações do crítico do
Diário do Commercio, faço um apelo aos pintores, escultores, gravadores e críticos do Rio de
Janeiro, para virem, no dia 24 deste mês, às 7 horas da noite, à sala da redação da Cidade do Rio,
afim de combinar o meio de levantar um protesto coletivo contra as opiniões externadas por
Cosme Peixoto no Diário do Commercio.
Se tomo a liberdade de iniciar este pensamento é porque, sendo pintor e jornalista, me é
mais fácil que a outrem executar as decisões que a reunião aprovar. - Emílio Rouède.”
Gazeta de Notícias – Domingo, 27 de Abril de 1890, (p.1)
Bernardelli
Céu cor de cinza, ruas molhadas, um bocejo por tudo. A rua do Ouvidor cabeceia,
aborrecida e sonolenta. Caio nas garras de X.
- Garanto-lhe que há crise, filho.
Empolga-me o I.:
- Afinal, o Tydel...
Z. desabafa sobre mim:
- Fiz ontem um soneto. Ouve...
Mas dois amigos piedosos arrancam-me dali. E desatamos os três a correr, a voar,
alucinados, engolindo espaço, quebrando esquinas, atravessando ruas.
- Aí vem um boato... fujamos! Aí vem um político... fujamos! Aí vem um poeta
inédito... fujamos!
Para onde? Para o Corcovado, para o diabo, para qualquer parte onde não haja nem boatos
nem sonetos: e, às duas horas, caímos esfalfados à porta do atelier dos Bernardelli. Dependuro-
me à campainha, faço-a vibrar, com um desespero angustioso de náufrago pedindo socorro.
A arte torna bons os corações: quase todo artista é caridoso. Compreendem lá dentro que
há uma desgraça a evitar, a porta escancara-se generosamente.
***
Entramos. Na ampla sala serena, de uma serenidade de templo, de largas portas e largas
janelas, abrindo para o jardim, irradia logo aos nossos olhos a face patriarcal do velho Fachinetti,
de barba de neve, de boca risonha; e seu riso parece dizer:
- Entrem, meninos, entrem que eu não sou egoísta: aqui há sossego para mais um.
Ao lado dele, mais calmo ainda, com uma beatitude de frade feliz, o Sebrão chupa um
cigarro, namorando um baixo relevo egípcio. Escarrancho-me num banco, dou um suspiro de
alívio.
- Sejam bem aparecidos! – canta a doce voz de Rodolpho Bernardelli. Levanto a cabeça.
Lá está ele, no alto do andaime, abraçado ao trabalho desde as seis da manhã. Desce logo, para
nos dar um aperto de mão. E começa a mostrar-nos a sua obra extraordinária. Sofreando o cavalo,
espada em punho, alta a cabeça vitoriosa, numa bela atitude de comando, Osório vive naquela
estátua prodigioso.
É ele próprio quem ali está, no campo de batalha, encarando o perigo. A todo instante,
espera-se que os seus lábios se descerrem, que a sua espada se abata, que o cavalo voe, no
arranco da investida. Depois, mostra-nos os baixo relevos para o pedestal, 24 de Maio e Passo da
Pátria, duas obras estupendas de arrojo e de originalidade. Depois, os baixos relevos para a
estátua de Caxias, bustos, estatuetas, estudos, bibelots.
E vendo-o tão confiante no seu trabalho, tão cônscio da sua força, tão seguro da sua
vitória, eu fico, desculpe-me o Emílio Rouède, fico a sorrir daquele protesto coletivo, que só pode
ter um resultado: dar importância a quem não tinha importância.
***
Porque, afinal, todo o mundo tem o direito de achar que Bernardelli não tem talento. É
uma opinião tola, mas é uma opinião. Que querem? O Sr. Cosme não gosta de Bernardelli? Pois a
única pessoa que perde com isso é o próprio Sr. Cosme, que dá uma triste idéia do seu gosto: aí
está.
Então se um crítico vier dizer que Luiz Murat não sabe fazer versos, os poetas brasileiros
hão de reunir-se para protestar contra este crítico? Santo Deus! Se formos proibir que cada um
tenha a sua opinião, que há de ser de tanta gente, que, não tendo nem talento, nem razão, limita-se
a ter esta coisa inofensiva e simples, que nunca fez mal a ninguém: uma opinião?
Bernardelli é um vitorioso. E o seu mérito ficou sendo o mesmo, antes e depois da crítica,
antes e depois do protesto. Bernardelli tem talento e trabalha: não precisa de que os seus colegas
o venham elogiar, porque só as mediocridades precisam de elogios.
O.B. [Olavo Bilac]
Gazeta de Notícias, Sexta-feira, 30 de maio de 1890 (p.1)
Fala-se em suprimir a Academia de Belas Artes. A conservá-la como hoje está, melhor é
com efeito suprimi-la.
O orçamento de 70 contos, pouco mais ou menos que anualmente lhe destinam, tornou-se
um simples objeto para a exploração de sindicato, deixou de ser a subvenção que o Estado
fornece às artes. E este sindicato que atualmente governa a Academia não só defende-se como
quem defende interesse próprio contra qualquer tentativa de reforma, mas também pouco se
ocupa em desenvolver pessoalmente os métodos de ensino.
De como ele procede em defesa do monopólio para explorar este orçamento, há provas
muito recentes na célebre questão Cosme Peixoto, Bernardelli e Amoedo, que eram lentes e
acreditavam que a revolução de 15 de novembro devia repercutir em todas as esferas da atividade
nacional e tudo refundir. Bernardelli e Amoedo vinham de apresentar um projeto de reforma
radical e completo. Era preciso desgostá-los, forçá-los a demitirem-se. E foi disso que se
encarregou o escritor ou escritores que com o pseudônimo de Cosme Peixoto apareceram numa
crítica covarde, porque era anônima mesmo quando se a queria responsabilizar, desonesta porque
agredia ao invés de criticar.
Se ele assim é, quando trata de defender o seu monopólio, mais nocivo se torna ainda no
exercício das suas funções impassível e quieto para tudo quanto for melhoramento, deixando que
a Academia vá vivendo pela lei da inércia.
A conservá-la, pois, como está, melhor é suprimi-la.
***
Entretanto uma série de argumentos existe, que milita pela continuação da Academia.
Se a suprimirem, conservarão o museu. Mas não há Museu nenhum que valha só por si.
Precisa de ciceroni, precisa de quem o interprete. E é este, no final das contas, o encargo dos
professores, é isto o que lhes cumpre fazer; era isto o que convinha acrescentar ao nosso Museu,
para onde o Sr. Landislau Netto e mais ilustres companheiros vão arrecadando riquezas, mas que
devia ter junto a si, um professorado que em preleções públicas, ensinassem os diversos ramos
das ciências naturais em geral, e do Brasil em especial.
Ela oferece mais ainda, a vantagem do ensino simultâneo – permitir que muitos se sirvam
ou se aproveitem de aparelhos que um só não pode possuir, mas que o estado ou a cooperação,
pode fornecer sem grandes dispêndios nem sacrifícios de monta.
E, no que se refere ao bom cultivo das nossas atividades estéticas, um argumento máximo
existe exigindo até a continuação da Academia, quando mesmo fossem inferiores ao que são os
resultados por ela fornecidos. Ele é uma lei darwinica, e a história de todo o desenvolvimento
biológico, é o princípio de que a função faz o órgão. Não temos artistas! Não temos meio
artístico! Vamos a fingir que temos, vamos exercer esta função, porque o órgão de que
necessitamos aparecerá com este exercício.
*
Mas, se procedem estes argumentos em favor da continuação da Academia, é preciso
reformá-la.
É preciso mudá-la de casa. Aquele prédio que está muito bom para Caixa de Amortização
por causa da sua proximidade do tesouro, não serve para Academia de Belas Artes. Começa por
não ter luz; e não possui panoramas onde o olhar do artista dali mesmo possa descansar e possa
aprender. Mudem-na para um morro de onde se descortine a nossa baía, de onde se veja a nossa
cidade e de onde se observe a Serra do Mar. Além das inúmeras vantagens, esta colocação fará
bem ao corpo e ao espírito dos professores e dos alunos. O homem pensa segundo a capacidade
do recinto onde está, e só pode ter idéias verdadeiramente grandes ou no sem-limite da escuridão,
ou no sem-limite do pleno ar, quando apenas sente por cima de si a calote azulada do céu.
***
É preciso principalmente reformar o pessoal, em cuja lista mínima importância deve ter o
tal porteiro que, discutido como tem sido e louvado como foi em ata da congregação, parece ser o
verdadeiro diretor da Academia ou pelo menos a ninfa Egeria dos diretores.
O pessoal que lá está não serve.
O Sr. conselheiro Maia, além da tibieza que o caracteriza, é um velho professor de
geometria, e a geometria, posto que o não pareça, é a maior inimiga da arte. A geometria é a linha
reta e a arte é a linha curva.
O Sr. Victor Meirelles não tem talento. Na Primeira Missa – o melhor dos seus quadros, o
primeiro plano é desgracioso e no segundo há desequilíbrio entre a quieteza dos que ouvem a
missa e uma horda de índios que desemboca a toda a carreira por detrás do altar. Na Batalha de
Guararapes e na Batalha de Riachuelo ele pintou uns combatentes muito escovadinhos como
gente que acaba de sair do alfaiate com a sua fatiota nova. De bom ele só tem a fumaça da
Batalha do Riachuelo. Pintor de fumaças!
O Sr. Bittencourt da Silva é o homem do Liceu de Artes e Ofícios. Para realçar este,
sacrifica a Academia.
E o Sr. Pedro Américo, que tem talento mas é um preguiçoso, sempre pronto a copiar
coisas alheias, é o homem que viaja na Europa.
***
Depois, eles todos são velhos. E a revolução brasileira não se fez para fazer revolução,
não foi um complemento da festa aos Chilenos. Fez-se para entregar o Brasil a nós outros – os
novos.
PARDAL MALLET
Gazeta de Notícias - Rio de Janeiro – Sexta-feira, 6 de junho de 1890, p.1.
A posição especial em que o Sr. Conselheiro Maia me colocou, não só requerendo uma
comissão de inquérito para averiguar acusações aqui feitas, mas também incluindo um exemplar
da “Gazeta” onde vinha o meu primeiro artigo no ofício que dirigiu ao general Benjamin
Constant, força-me à justificação completa do libelo que formulei contra a Academia de Belas
Artes, mesmo antes de nomeada a referida comissão.
E eu gostosamente presto-me ao caso, sem antipatias pessoais para quem quer que seja,
mas pouco me importando de passar por cima de individualidades, desde que se trata do interesse
geral da Arte, alegrando-me com ódios que desperte desde que possa com eles comprar um pouco
de adiantamento para a vida artística brasileira.
***
A primeira proposição enunciada afirma não só a vetustez e imprestabilidade do atual
regulamento, mas também a conveniência de promulgar o projeto de reforma Bernardelli -
Amoedo.
Do atual regulamento! Para adiantar matéria e mostrar desde já o que vale a administração
da Academia, basta dizer que não há regulamento.
O velho sistema legislativo do Império tinha o costume de emendar leis, superpondo
decreto sobre decreto, modificando-os com mais um aviso e mais uma portaria ainda. Daí nasceu
o verdadeiro caos da nossa legislação, simbolizado no celebérrimo – ficam revogadas as
disposições em contrário – que nunca ao certo era possível determinar logo de primeira vista.
Lá na Academia houve o decreto 1603 de 14 de março de 55, referendado por Couto
Ferraz, houve depois o decreto 2423 de 25 de maio de 59, e houve mais ainda uma série
interminável de portarias e avisos que é impossível achar em totalidade na coleção de leis do
Brasil.
Uma providência, pois, se recomendava à administração, desde que ela tivesse critério e
soubesse trabalhar: - ir refundindo de tempos em tempos o regulamento, deixando apenas as
disposições, e imprimindo estas consolidações para que as pudessem conhecer os interessados ou
curiosos.
Mas isto não existe. O que existe, trancado a sete chaves, é um velho folheto seboso em
cujas margens o Sr. Mafra, secretário recentemente demitido, ía anotando as alterações que
apareciam. E a lei, por conseguinte, ficou sendo lá na Academia um deus misterioso que ninguém
podia conhecer, em nome do qual vinham os castigos e que para intérpretes e sacerdotes na terra
tinha apenas o Sr. Maia, o Sr. Mafra e o Sr. Porteiro.
***
Não há lei de verdade por conseguinte. Mas o tal mito de lei, que se pode reconstruir
como se reconstrói os fósseis, de antemão deve ser julgado imprestável.
O progresso faz-se hoje em dia muito rapidamente. A humanidade que Pascal figurava um
homem só, constantemente a aprender, ganha mais atualmente em cinco anos do que antigamente
ganhava em um século. É de urgência, pois, juntar ao epíteto de velho a significação de
imprestável, sem que haja nisso, entretanto, uma profanação à velhice, sem que fuja do espírito a
idéia do respeito e do reconhecimento que devemos aos nossos maiores, sem esquecer o muito
que eles trabalharam para conseguir que nós trabalhássemos mais do que eles.
E a data desses decretos aí está dizendo que eles não podem mais servir, que não possuem
condições para viabilidade nos tempos modernos.
O primeiro, a base fundamental da lei vigente, tem por exemplo o:
Art.29 – A estatuária será ensinada conforme os bons princípios da escola clássica...
e mais ainda:
Art. 133 – O porteiro é obrigado:
.....
8o – A embaraçar...
Como de justiça, enfim, esses velhos regulamentos, muito bons para o tempo em que
foram promulgados, já não servem. Modelam-se em princípios que a arte já repeliu.
Não possuem, nem podiam possuir a compreensão das coisas atuais.
Por exemplo:
Art. 39 – Para qualquer aluno poder ser admitido na aula de matemáticas aplicadas é
indispensável que saiba ler, escrever e contar as quatro espécies de números inteiros.
Esta aula de matemáticas aplicadas é a inicial do curso. Dela se passa para todas as outras.
E a exigência de habilitações intelectuais para a matrícula na Academia é por conseguinte de uma
parcimônia que não pode ser mantida, que exige pronta e imediata reforma.
Se é assim de urgência a reforma, existe um projeto elaborado que não é somente um
trabalho muito bem feito.
Pertence a Rodolpho Bernardelli e a Rodolpho Amoedo, traz a data de 25 de janeiro do
corrente ano, e foi publicado na Gazeta de Notícias de 12 de março.
Extenso para uma reprodução, convém entretanto citá-lo nas suas disposições mais
importantes:
Art. 1o – A atual Academia das Belas Artes passará a ter a denominação de Escola
Especial de Belas Artes, e será destinada ao ensino da pintura, da escultura da arquitetura e da
gravura, medalhas e pedras finas.
Art 2 o – Ela compreende:
1o – Um curso preparatório para pintores, escultores e gravadores; e outro para arquitetos;
2o – Cursos orais relativos aos diferentes ramos da arte;
3o – A escola técnica, dividida em cinco seções, a saber:
A seção de pintura;
A seção de escultura;
A seção de arquitetura;
A seção de gravura;
A seção de ciências acessórias.
4o – Ateliers em número de cinco, a saber:
Dois para pintura, sendo um para estudos de modelo vivo;
Um para escultura;
Um para gravura.
5o – Coleções
6o – Uma biblioteca
Art. 3o – O ensino da escola, destinado à propagação e aperfeiçoamento das artes e do
desenho, é gratuito e compreende:
1o – No curso preparatório para pintores, escultores e gravadores:
I – Desenho figurado, cópia do antigo e do natural;
II – Desenho de anatomia artística;
III – Elementos de arquitetura decorativa e desenho elementar de ornamentos;
IV – Preleções de história das artes, mitologia, costumes e roupagens, noções de
química aplicadas às tintas, vernizes e secativos;
V – Ótica elementar, perspectiva prática, sombras geométricas e físicas.
2o – No curso preparatório para arquitetos:
I – Desenho linear aplicado à arquitetura, abrangendo as ordens toscana, dórica,
jônica, coríntia, compósita e estilo gótico; desenho de aguadas e diversos
estilos de ornatos;
II – Desenho figurado, cópia do gesso;
III – Ótica elementar, perspectiva prática e sombras geométricas;
IV – Geometria descritiva;
V – Cálculo e mecânica prática;
VI – Elementos de física (calor, acústica e eletricidade); noções de química
aplicada.
3o – Nos cursos orais:
Anatomia artística;
Fisiologia das paixões;
História da Arte;
Arqueologia.
Estes cursos, inclusive os preparatórios são livres e de franca admissão para qualquer
pessoa, nacional ou estrangeira, que queira freqüentá-los; e só obrigatórios para os alunos que se
destinam à escola técnica, pretendendo obter prêmios, recompensas, títulos e diplomas.
4o – Na escola técnica:
Estudos práticos, modelagem, exercícios de aplicação artística, composição, modelagem
[sic] e concursos.
A escola técnica compreende dois cursos, a saber:
1o – Curso para pintores, escultores e gravadores, abrangendo:
I – Aula de desenho de modelo vivo;
II – Aula de pintura;
III – Aula de escultura;
IV – Aula de gravura.
2o – Cursos para arquitetos abrangendo:
I – Aula de desenho de arquitetura: plantas, perfis, cortes e elevações de edifícios
antigos e modernos, em relação ao caráter fisionômico dos diversos estilos;
II – Aula do estudo de materiais de construção e sua resistência;
III – Aula de teoria da arquitetura na construção dos edifícios, arcos, abóbadas,
madeiramentos, tetos, vigamentos e escadas;
IV – Aula de estereotomia e levantamento de plantas topográficas;
V – Aula de composição decorativa;
VI – Aula de história da arquitetura e legislação sobre edificação.
5o – Nos ateliers:
Exercícios técnicos, práticos e concursos.
O ensino no atelier deve ser feito de modo a aperfeiçoar o trabalho do aluno até o ponto
de poder criar por si mesmo obras de arte.
...
Art 7o – O pessoal docente compreende:
1o – Para os cursos preparatórios:
Um professor de desenho figurado, cópia do antigo e do natural, desenho de anatomia
artística;
Um professor de elementos de arquitetura decorativa e desenho elementar de ornatos;
Um professor de preleções de história das artes, mitologia;
Um professor de ótica elementar perspectiva prática, sombras geométricas e físicas;
Um professor de desenho linear aplicado à arquitetura, abrangendo as ordens toscana,
jônica, coríntia, compósita, e estilo gótico; desenhos de aguadas e de ornatos;
Um professor de geometria descritiva, cálculo e mecânica prática;
Um professor de elementos de física (calor, acústica e eletricidade); noções de química
aplicada às tintas, vernizes e secativos.
2o – Para os cursos orais:
Um professor de anatomia artística e fisiologia das paixões;
Um professor de arqueologia, costumes e roupagens.
3o – Para a escola técnica:
Um professor de pintura;
Um professor de escultura;
Um professor de gravura em medalhas e pedras preciosas;
Um professor de desenho de modelo vivo;
Um professor de desenho de arquitetura: plantas, perfis, cortes e elevação de edifícios
antigos e modernos, em relação ao caráter fisionômico;
(Estes cinco professores técnicos são os que constituem o conselho)
Um professor de materiais de construção e sua resistência; teoria da arquitetura na
construção dos edifícios, arcos, abóbadas, madeiramentos, tetos, vigamentos e escadas;
Um professor de estereotomia e levantamento de plantas topográficas;
Um professor de composição decorativa, história da arquitetura e legislação sobre
edificação.
4o – Os ateliers ficam respectivamente a cargo dos professores de pintura, de escultura, de
gravura e modelo vivo.
...
Art. 8o – O diretor será nomeado por decreto, que confirme a eleição feita pelo conselho
de professores, escolhendo dentre as pessoas de reconhecida probidade e talento que pertençam
ao pessoal docente. O seu exercício será de cinco anos consecutivos, podendo ser reconduzido.
...
Art 54 – Os professores efetivos da escola, em virtude destes estatutos, servirão dez anos
consecutivos, findos os quais, passarão a pertencer à junta superior de Belas Artes, sem direito a
vencimento algum.
....
Art. 89 – Ninguém se poderá matricular tendo menos de 15 e mais de 30 anos de idade.
....
Art. 92 – Os ouvintes e os amadores serão admitidos mediante requerimento ao diretor.
Para estes não haverá limitação de idade.
....
Art 93 – Para ser admitido à matrícula em qualquer dos cursos preparatórios, é necessário:
1o – Ter a idade exigida no art. 89.
2o – Apresentar certidões de aprovação em português, francês, geografia, aritmética e
desenho elementar de imitação; além destes preparatórios, álgebra, geometria e desenho linear,
para o curso de arquitetura.
...
Art. 94 – Para a admissão no curso da escola técnica e nos ateliers, exige-se habilitação no
respectivo curso preparatório e nas respectivas matérias dos cursos orais.
...
Art. 95 – Os ouvintes ou amadores poderão ser admitidos em qualquer aula ou atelier,
independentemente de habilitação preparatória.
...
Art. 129 – Os artistas que, pela especialidade de seus estudos, houverem adquirido
conhecimentos excepcionais sobre qualquer parte da teoria, da história ou da técnica das artes,
poderão abrir, na escola ou suas dependências, cursos livres em que exponham seus métodos,
idéias úteis sobre as matérias que compõem o ensino oficial das belas artes, e para isso deverão
dirigir ao conselho de professores um requerimento acompanhado dos documentos de sua
idoneidade profissional e folha corrida, no qual designem a matéria que pretendem ensinar e o
programa que se propõem seguir.
Art. 227 – Enquanto a difusão do ensino do desenho de imitação não se generalizar por
meio da instrução pública, haverá na Escola uma aula anexa para o ensino elementar do desenho
artístico.
Esta aula, que será dividida em duas ou mais seções, segundo a freqüência, ficará a cargo
de um ou mais professores comissionados, que serão dispensados desde que não sejam
necessários.
Não poderão servir nesta aula professores efetivos da Escola, nem honorários em
exercício.
A gratificação pecuniária que os professores desta aula tenham de receber será arbitrada
pelo conselho, podendo caber a cada um, além de um vencimento fixo, uma quota por aluno que
exceda a um determinado número.
***
Animado ao mesmo tempo do sentimento o mais liberal e do desejo de fazer efetivo o
nosso desenvolvimento artístico, este projeto tem a grande vantagem de não estagnar professores
lá na Academia, de deixar sempre a porta aberta aos novos. É, enfim um projeto de artistas.
E, apelando para ele, tenho o direito de julgar demonstrada a primeira afirmação do libelo.
Pardal Mallet.
Parreiras
Parreiras, um dos artistas que com mais brilho concorreram ao último Salão, acaba de
abrir no Atelier Moderno a sua exposição particular. Apenas três quadros já conhecidos. Todos os
mais novos; e é nesses últimos, creio, que está o atestado melhor do grau de aperfeiçoamento a
que chegou o pujante talento do grande discípulo de Grimm.
Quem passa meia hora no Atelier Moderno diante daqueles quadros, sai dali com uma
confiança inabalável no futuro desta arte nacional tão pouco protegida, que os novos estão
construindo, de esforço em esforço, fazendo de cada dificuldade e de cada injustiça que
encontram, novos incentivos para o trabalho.
Que bela, que valente, essa geração que aí está, no atelier, no jornal, na tela ardente de
cores e nas páginas vivas do romance, trabalhando, extenuando-se, lutando corajosamente com o
meio, sacrificando-se generosamente, para preparar a felicidade das gerações que hão de vir.
Todos esses novos morrerão sem recompensa; mas os que vierem depois, em tempos melhores,
quando o trabalho artístico for considerado o maior e o mais respeitado de todos os trabalhos, hão
de agradecer comovidos o sacrifício dos que lhes desbravaram o caminho, educando o povo que
os há de aplaudir e venerar.
***
Da sua viagem de estudo pela Itália, trouxe Parreiras, além dos quadros que figuraram no
Salão, alguns que fazem parte da exposição de agora. Entre eles há um, La mia demora sulle Alpi,
que é uma tela deliciosa: neve por tudo, melancólico, monótona; ao fundo a casa; uma mulher à
janela. Faz frio perto do quadro, tal é o frisson que o pincel do artista conseguiu imprimir àquela
paisagem; Outro: Triste mattino, Volta da pesca, na meia luz crepuscular erra uma tristeza
infinita; clareia-se o céu vagamente coberto de névoas; alveja a praia, lambida pela água calma; e
os pescadores seguem, andrajosos, tiritando na tristeza daquela fria manhã de trabalho. Outros
ainda: Agonia – queda das folhas, árvores agonizantes, espectrais, sacudindo as galhadas nuas;
Riflesso – uma obra prima: Veneza, à beira d’água, um tufo de vegetação, duas mulheres, céu de
um azul sereno, e céu, folhas, mulheres e flores refletindo-se em baixo na água arrufada e
trêmula...
Mas os quadros que mais encantam são os brasileiros, onde esplende, exuberante e bela, a
vegetação da terra querida da pátria. Nunca com tanta verdade e amor Parreiras transportou para
a tela a assombrosa natureza americana, como agora, em que o seu pincel parece folgar, restituído
enfim à glória eterna e ao encanto inexcedível das paisagens do Brasil.
Em primeiro lugar, a Tristeza. Divino! Sobre a encosta deserta uma árvore só se levanta,
imóvel e desolada; um caminho estreito serpenteia entre a vegetação rasteira; céu nublado;
crepúsculo; e ao fundo, entre nuvens escuras ardem laivos de sangue do sol. Confesso que a não
ser a Saudade de Henrique Bernardelli, nunca, mas absolutamente nunca, vi quadro nenhum que
me comovesse tanto, e cuja impressão se me comunicasse à alma, tão profundamente, com tanta
espontaneidade. Quem vê a Tristeza, sente positivamente, com a mesma intensidade e com a
mesma força, a impressão que dominava o artista no momento do trabalho.
Depois do Dedo de Deus e o Fundo da Grota, dois pedaços de natureza, apanhados ao
vivo, palpitando, com perfume, com luz, com movimento. Depois Gaivotas - encurva-se a praia,
branca e infinita. Sobe a encosta bruta, de pedra, faiscando ao sol, coroada com uma facha de
verdura. E, à procura do peixe atirado à areia pelas águas, as gaivotas descem e sobem, pousam e
voam, cruzam-se, às duas, às três, loucas, reunindo-se, separando-se, equilibrando-se nas asas
espalmadas e brancas. Depois, outros, muitos outros, um punhado de primores, suficientes para
firmar incontestável, o renome de um artista.
***
Ah! Vivam os novos! Vivam os novos! Aqui está um novo, saído do seu próprio e
exclusivo esforço, glorioso em plena mocidade, fazendo pela arte brasileira, ele só, mais do que
fizeram todos os fósseis, cujos quadros amarelecem na academia, nessa mesma academia onde o
Sr. Maia julga ter prestado um serviço excepcional aos alunos, ordenando-lhes que copiem
estampas nas galerias da exposição permanente.
Vivam os novos! A arte, a sempre nova, precisa de quem a ame e de quem a fecunde, com
o ardor viril e poderoso da mocidade...
Olavo Bilac
Gazeta de Notícias – Domingo, 8 de junho de 1890, p.1.
Já em 61 a coleção das decisões do governo consignam uma portaria do Sr. Saraiva, que
traz a data de 11 de junho, chamando a atenção do diretor sobre o deleixo e abandono em que os
lentes da academia tem os seus cursos. E desde então pouca diferença existe no procedimento do
pessoal docente.
É preciso em todo o caso dizer que os vícios do atual regulamento em grande parte
contribuem para isso. A exiguidade dos preparos intelectuais exigidos para admissão de alunos
tolhem até um certo ponto a liberdade dos mestres.
Entre os casos justificáveis estão:
O Sr. Conselheiro Domingos de Araujo e Silva, nomeado aliás por aviso de 11 de outubro
de 1864; que na cadeira de matemáticas aplicadas pouco poderia fazer mesmo quando não tivesse
chegado à idade avançada;
O Sr. Rozendo Muniz, substituto do Sr. de Motta Maia, que na cadeira de anatomia e
fisiologia das paixões poderia em outras condições ser criticado por ensinar anatomia
simplesmente com manequim e servir-se de compêndio atrasado e imprestável de Paul Janet para
as suas preleções de fisiologia das paixões;
O Sr. Neves Leão que terá de passar ao Sr. Pedro Américo a cadeira inadmissível de
estética, arqueologia e história das artes, cadeira inadmissível pela sua pletora;
O Sr. Cirne Maia que é moço, mas que infelizmente serve debaixo das ordens de um pai e
que pouco pode falar de si na cadeira de perspectiva e desenho geométrico;
E principalmente o Sr. Medeiros, que neste momento, enquanto o Sr. Parreiras não toma
posse, é o único artista que se esforça por fazer bons créditos à academia.
Afora estes, existe a velha guarda que pelo prestígio do seu nome devia ser a zeladora
impecável do nosso desenvolvimento estético, mas a quem imediatamente depois do diretor cabe
a responsabilidade do triste estado de coisas aqui notado.
Vem primeiro o Sr. Mafra, cuja data de nomeação não pude encontrar, mas que é velho,
muito velho, que não sabe lecionar, que há cinco anos não encontra um aluno bastante generoso
para comparecer a sua aula. Lente de desenho de ornatos, ele manda copiar de estampas
litografadas. Nunca serviu-se de um modelo em gesso. É um atrasado e um prejudicial enfim.
Vem depois o Sr. Victor Meirelles, nomeado por decreto de 5 de abril de 1862, continua a
não ter talento apesar do artigo anônimo que mandou publicar nos A pedidos do Jornal do
Commercio. E, como professor da aula de modelo vivo, não presta, não está na altura do cargo.
Seguindo ainda as velhas práticas que permitiam a cópia de estátuas, falta-lhe a compreensão da
arte moderna. Gosta de corrigir o modelo de acordo com as proporções acadêmicas. É autoritário,
não admitindo que o aluno veja diferente do que ele vê. E, ao invés de animar a cópia de um
modelo inteiro, manda principalmente fazer estudos de cabeça.
E vem enfim o Sr. Pedro Américo, cujo decreto de nomeação não pude também encontrar.
Há mais ou menos 20, entretanto que é professor, mas desses vinte será necessário descontar uns
18 de licenças. Tem talento, muito talento, mas não sabe aplicá-lo. Plagia. A proclamação da
independência, por exemplo, é calcada sobre o 1806 de Meissonier. E não dá idéia do assunto.
Quem vê a fotografia desse quadro, assim à primeira vista pensa assistir a um episódio de
batalha, pensa que um general acompanhado do seu estado maior vinha subindo uma cochilia e,
ao chegar ao alto, esbarrou na vertente oposta com um piquete de cavalaria inimiga que o vai
matar ou pelo menos fazer prisioneiro.
***
Ah! Vem também o Sr. Bittencourt da Silva. O lente aposentado e não substituído da
cadeira de arquitetura, não podia ser esquecido na resenha do pessoal docente lá da Academia,
porque ainda hoje em dia exerce sobre ela uma influência nociva, atrofiadora.
Centro, por assim dizer, e alma do partido conservador artístico, ele é o homem do liceu,
em proveito de cujos créditos não se teme de concorrer para amesquinhar a Academia, mas em
proveito de cujos créditos também nada faz de bom.
Como artista, como arquiteto, concorreu para isso que nós vemos, para esta cidade do Rio
de Janeiro onde; como belezas arquitetônicas só existem algumas igrejas antigas, a fachada da
Academia e a fachada do Gabinete Português.
Construtor da escola do largo do Machado, fez chalet; construtor de uma ala do externato
do Instituto Nacional fez a célebre sala do grau, pesada, muito pesada e sem condições acústicas;
deu o plano para nossa Câmara Municipal.
Se assim não vale como artista, no Liceu tem feito coisas do arco da velha. Recebendo
uma subvenção de 60 contos e grande soma de donativos, nunca prestou contas públicas desse
dinheiro. E de vez em quando ameaça fechar este estabelecimento por falta de recursos.
Reside entretanto nesse mesmo Liceu e tem sempre dinheiro para publicar Polyantheas
tão luxuosamente impressas quanto invalidamente escritas.
Pardal Mallet
Gazeta de Notícias – Quarta-feira, 11 de junho de 1890, p.1
Além de todos os fatos já apontados que chegam para demonstrar o 5 o articulado do meu
libelo onde afirmo a anarquia administrativa que reina lá na Academia, outros existem ainda, que
vem agora com oportunidade para indicação.
Por exemplo, o Sr. Mafra, no tempo em que era secretário, esquecia-se quase sempre de
lançar no livro competente as atas da congregação.
Tudo, enfim, naquela casa padece do vício inicial dos homens e dos regulamentos que
possui. E as conclusões da comissão de inquérito que o Sr. Maia solicitou só podem ser as piores
possíveis contra este estabelecimento destinado ao desenvolvimento das nossas faculdades
estéticas, e onde se tem feito tudo, menos a realização destes intuitos.
Já o mais forte de todos os (...) está na impossibilidade de falar da Academia, sem falar do
porteiro. Este funcionário subalterno, que não devia entrar em linha de conta, quando se tratasse
de coisa séria e se visasse unicamente o propósito de reformar regulamentos e pessoal superior,
imiscuiu-se em tudo, tudo absorveu.
Deram-lhe o hábito da Rosa, e esse hábito pesou com toda a sua gravidade, para deslocar
o equilíbrio daquela instituição e pô-la de pernas pro ar.
Lá dentro é um senhor absoluto. Marca ou não marca falta como bem quer. Inventou o
cavalheirismo galanteador de não marcar faltas nas alunas. Consultam-no como o oráculo
supremo daquele templo da Arte.
Agora mesmo o elogiaram em ata da congregação pelo muito que fez em prol da última
exposição.
E a propósito: Este ato não consta oficialmente, porque Raul Pompéia não o incluiu na
ata, que entretanto foi aprovada sem contestação.
***
E passando ao 6o articulado do libelo, com pressas de terminar, porque é sempre dolorosa
a viagem através da incompetência, da ignorância, do deleixo e da subserviência humanos, foi ele
o ponto culminante da questão, o que mais chocou ao Sr. Maia e o levou a oficiar ao governo,
pedindo uma comissão de inquérito.
As expressões exploração e sindicato – que S. Ex. não quis aplicar no sentido rigoroso das
palavras, levaram-no a supor, que contra a administração da Academia movia-se uma acusação
de defraudação dos dinheiros públicos.
***
Ela existe com efeito. A velha guarda da Academia, os imprestáveis e os nulos defraudam
com efeito os cofres públicos porque recebem dinheiro para fazer umas coisas que não fazem,
porque encarregam-se de promover o nosso adiantamento artístico, e cruzam os braços na inércia
criminosa de quem recebe salário e não trabalha.
E, cuidando apenas de seus interesses pessoais, cuidando apenas em conservar os lugares
que ocupam, não vendo que estes interesses pessoais estão em guerra aberta contra o interesse
geral, formaram sindicato para opor-se à imprescindível reforma que os deve desalojar de suas
sinecuras.
São pelo menos eles os responsáveis pela crítica anônima de Cosme Peixoto que visava o
intuito de desgostar os novos.
Foram eles que intrigaram junto ao Sr. Cesário Alvim, que levaram-lhe um número da
Vida Fluminense onde S. Ex. vinha caricaturado, a propósito de coisas da Academia para
conseguir que se não fizesse a reforma.
Rua! Com eles.
***
Termino aqui.
Fui brutal. Feri interesses e magoei individualidades.
Mas conservo a consciência tranqüila de quem só tratou de servir ao interesse da Arte, e
de quem não admite que o chamem de caluniador, seja como for, e muito menos em documento
oficial.
Tenho escrito.
Pardal Mallet
P.S. – Ainda estou para saber onde o meu velho mestre Rozendo Muniz encontrou falta de
respeito que tradicionalmente dedico a todos quanto foram meus mestres. Franqueza gritadora e
brutal é um feitio de temperamento, e o temperamento do Sr. Rozendo é o temperamento dos
homens que não (...) nas criações de ministros, e que podem servir-se depois destes fatos para
argumento em seu favor.
Outro post-scriptum – Relativamente ao Liceu tenho a dizer que o Sr. Bittencourt da Silva
que isto não vai o matar, e que cada coisa tem seu tempo e a sua oportunidade. E, no que se refere
aos insultos com que o mesmo senhor houve por bem me honrar, devo dizer que há muita
covardia quando um velho se aproveita da sua fraqueza para provocar um moço, que discutia
apenas, e tratava de justificar acusações, notoriamente verdadeiras.
P.M.
Gazeta de Notícias – Sábado, 14 de junho de 1890
História Antiga
Reunião de artistas
No salão do Derby Club reuniram-se ontem muitos artistas em sessão, tendo sido lavrada
a seguinte ata:
“À 1 ¼ da tarde, achando-se presentes os Srs. Aurélio de Figueiredo, Pereira Netto, Luiz
Ribeiro, A. Visconti, J. B. Castagneto, Honorio Bicalho S. do Couto, L. Amorim, P. Machado, A.
Azevedo Chaves, Teixeira da Rocha, A. T. Ribeiro, João Batista da Costa, Raphael Frederico,
Julio de Macedo Magalhães, Sebastião Fernandes, Paulino José Tavares, Franklin de Almeida
Mafra, Antenor de Castro, Antonio da Cunha Figueiredo, Braz Ignacio de Vasconcellos, José
Pinto de Gouvea, Thomaz Bento Barbosa, José Alves da Costa Brasileiro, Theotonio Capistrano,
José Joaquim de Oliveira Júnior, João Baptista de Oliveira, Antonio Varella, Emílio Rouède,
Francisco Ribeiro, Alfredo Pinheiro, Manuel Porto-Alegre, por proposta do Sr. Teixeira da
Rocha, são convidados para constituir a mesa os Srs. Aurélio de Figueiredo, presidente; Pereira
Netto e Emílio Rouède, secretários. A mesa ocupa os seus lugares e é aberta a sessão.
É dada a palavra ao Sr. Teixeira da Rocha, que envia à mesa a seguinte proposta:
1o – É ou não útil a existência da Academia de Belas Artes no estado de desmoralização
em que se acha?
2 o – É ou não é bem gasta a subvenção dada pelo governo, e esta subvenção tem
produzido os resultados a que é destinada?
3 o – Atualmente a corporação docente da Academia estará na altura de uma Academia de
Belas Artes?
4 o – Não será mais útil ao ensino artístico que se aplique este dinheiro subvencionando
Oficinas de Belas Artes, e a moços que tenham dado provas públicas de talento, queiram estudar
belas artes nos grandes centros europeus, mediante concursos, exposições, etc.?
Sujeita à discussão é aprovada unanimemente o artigo 1o e prejudicados o 2o e 3 o.
Sobre o artigo 4o suscitou-se longa discussão, ficando por proposta do Sr. Emílio Rouède,
adiadas para melhor oportunidade e rejeitadas as propostas dos Srs. Teixeira da Rocha, Luiz
Ribeiro e P. Netto e encerrada a discussão.
O Sr. Pereira Netto lê a seguinte proposta:
Considerando-se que o jornalista Pardal Mallet, com seu brilhante talento e sua coragem
de moço, prestou inestimáveis serviços à arte brasileira, propõe:
1o – Que se insira na ata da sessão um voto de louvor pela sua brilhante atitude assumida
nas colunas da Gazeta de Notícias em prol do engrandecimento das belas artes;
2 o - Que se lhe dê conhecimento oficial desta resolução, e que para isso seja nomeada
uma comissão de cinco artistas. Esta proposta foi aprovada unanimemente.
O Sr, Emílio Rouède propôs que se estenda esse voto de louvor ao Sr. José do Patrocínio,
redator chefe da Cidade do Rio, pelos grandes serviços prestados com a sua brilhante pena à
causa das belas artes. É aprovada e nomeada a seguinte comissão: Manuel Teixeira da Rocha,
José Pinto de Gouvêa, Raphael Frederico, Francisco Ribeiro e Ângelo Visconti.
O Sr. presidente propõe, e é unanimemente aplaudido, um voto de louvor à sociedade
Derby Club, pela sua gentileza em ter cedido o seu salão de honra para a referida sessão. Nada
havendo mais a tratar, é encerrada a sessão às 2 ½ horas da tarde.
Capital federal, 16 de junho de 1890.
Assinados: Aurélio de Figueiredo, presidente. Pereira Netto e Emílio Rouède, secretários.
***
O ministro reúne-se hoje, às 7 horas da noite, no palácio Itamaraty, para discussão do
projeto da Constituição.
...
Gazeta de Notícias – Quarta-feira, 18 de junho de 1890 (p.2)
É admirável a habilidade com que procura encaixar-se numa questão na qual nada tem
que ver, pois o distinto escritor Pardal Mallet não lhe deu tanta importância, para que se
apresentasse como defensor da velha Academia de Belas Artes.
Pelos seus artigos vê-se claramente que o fim principal é conservar o ordenado, e por isso
acende uma vela ao diabo e outra a Deus; não venho dizer aqui se tem ou não capacidade para
ocupar o lugar de professor de anatomia numa Academia de Belas Artes; o que posso dizer é que
quando faleceu o senador Luiz Carlos, em congregação fui eu que me opus à nomeação do Dr.
Motta Maia; desejava que se abrisse concurso ou que se nomeasse o meu colega e amigo Décio
Villares, que tinha sido premiado em concurso de anatomia na academia de Paris, e que acho o
único competente; a congregação foi contra meu desejo, e para ser agradável a alguém, nomeou o
Dr. Motta Maia, o qual, seja dita a verdade, pediu para seu substituto (por estar impedido) o
distinto Dr. Oscar Bulhões. O diretor, na sua alta sabedoria, entendeu que o senhor preencheria
melhor esse lugar e o nomeou.
O que o senhor tem feito, ignoro-o; é verdade que transcreve um elogio do diretor, mas o
diretor elogia sempre que tem medo.
O fim, porém, do presente é o seguinte: no seu artigo do Paiz de ontem, o senhor alude a
um professor que, sem estar doente, tem deixado de comparecer para dar aula; essa sua acusação,
sem dizer o nome pode prejudicar aqueles pacatos professores que tão sistematicamente ganham
seu ordenado. Venho, pois, declarar que esse professor sou eu, eu que tenho brio e amor à arte,
para nunca mais comparecer enquanto não se fizer a nova escola ou ateliers livres. Declaro mais,
que não peço licença nem demissão, deixo que o governo me demita a bem do serviço público. O
meu atelier estará sempre aberto a todos os moços que quiserem aprender.
Feitas estas declarações, pretendo não voltar mais à imprensa, aguardando porém que o
governo torne a resolução de acabar com aquela instituição mumificada, e tão levemente
desmascarada pelo ilustre Pardal Mallet.
Rodolpho Bernardelli
17 – 6 – 90
Relação, 6 A
Gazeta de Notícias – Quinta-feira, 19 de junho de 1890, (p.1)
Ainda a Academia
Feitos os meus agradecimentos pessoais não só a Pereira Netto e aos artistas que votaram
a sua honrosa monção, mas também a Rodolpho Bernardelli que tão bondoso se mostrou para
comigo em seu artigo ontem publicado aqui na Gazeta, eu ainda tenho para dizer sobre a
Academia de Belas Artes e sobre a reunião no Derby Club.
A campanha parece vencedora, pelo menos na opinião pública. A velha Academia tem
atualmente o aspecto silencioso e triste das casas onde há gente que está morrendo. Os próprios
discípulos, que o Sr. Victor Meirelles contratou para ter a quem dar aula, já quase não aparecem.
E o próprio porteiro já não acredita mais na possibilidade de aumentar a sua galeria particular de
quadros.
Mas resta agora saber o que é que se vai por no lugar da velha Academia. Sim, porque, no
final das contas o governo não há de simplesmente destruir, precisa construir um substitutivo.
***
Se tenho voto na matéria, voto por uma nova Academia.
A idéia dos ateliers livres e da subvenção a artistas que sigam para Europa parece não
satisfazer inteiramente ao caso. Trata-se exclusivamente de atender ao interesse da Arte, e esta
não pode existir sem a criação de um meio artístico. Ora, este só pode ser criado em obediência e
conformidade com o processo biológico de um núcleo primordial. A força dispersiva é muito
boa, ela é porém uma irradiação e a irradiação supõe a existência de um centro.
Com desejo apenas de elucidar a questão, e nunca repugnante à idéia de me converter à
opinião contrária, a mim me parece que, no propósito de acabar definitivamente com a Academia,
existe o excesso característico de todas as reações violentas.
“Aí está em que deu o espírito de rotina daquele odioso areópago”, disse ontem Arthur
Azevedo no sua boa frase despretensiosa e pachorrenta. [areópago – tribunal de Atenas que se
localizava sobre a colina de Arés; assembléia de juizes, de sábios, de homens de letras muito
competentes.]
Mas é preciso coibir os excessos e refletir sobre o caso.
***
Uma vez reconhecido que aquilo que lá está não presta, disposto o governo a fazer obra
nova, convém atender a todos os argumentos que militam a favor de uma Academia no momento
atual.
Eles consistem primeiramente na necessidade e criar um meio artístico – criação só pode
operar-se coesivamente, concentrando as forças dispersas.
E consistem depois nas enormes vantagens do ensino simultâneo que é em síntese a única
forma verdadeira de aprender.
Se assim é, vale a pena ver também qual é o valor dos argumentos apresentados em
contrário.
O academismo!
Mas o academismo só é prejudicial, atrofiador e opressivo, quando chegou a sedimentar
tradições, quando cunhou moldes definitivos, dentro dos quais desaparece a individualidade de
qualquer.
A vantagem de criar escolas diversas!
Mas escola – método e sistema – é tão atrofiadora como a Academia, é uma
academiazinha; e depois não vem ao caso porque nós não podemos ter escolas sem primeiro ter
Arte.
***
Depois no projeto Bernardelli – Amoedo, que precisa ser alterado na regulamentação
interna onde entrou a colaboração do Sr. Maia, que permite também a inclusão de uma cadeira de
paisagem, há muita coisa boa, há principalmente uma Academia sem caráter de fixidez.
Marcando 10 anos para período máximo da atividade de um lente, marcando 5 para
duração da gerência de cada diretor, ela ficará constantemente a renovar o pessoal, a dar lugar aos
novos.
E a ele se poderia ajuntar a idéia de Ferreira Araujo – fazer com que o diretor fosse eleito
ano e meio antes da ocasião de tomar posse, marcando-se-lhe um ano para estudar na Europa os
progressos introduzidos no ensino e seis meses para os estudos da própria Academia e dos meios
de adaptar-lhe os progressos observados.
***
Parece-me que assim se faz Arte.
Em todo o caso parece-me que o campo está limpo para fazer a construção que quiserem
fazer.
PARDAL MALLET
Gazeta de Notícias - Terça-feira, 24 de junho de 1890, (p.1).
Pela Academia
I
Com o prestígio do seu talento e da sua posição artística, Aurélio de Figueiredo começou
ontem, no Correio do Povo, uma série de artigos, tendentes a insinuar e justificar a extinção
completa da atual Academia de Belas Artes e a sua substituição apenas por ateliers, esparsos,
subvencionados pelo governo.
Confrontando um projeto apresentado ao Sr. Aristides Lobo, em 30 de janeiro do corrente,
e que vem firmado pelos artistas Montenegro Cordeiro, Décio Villares e por si, com o projeto
Bernardelli – Amoedo, o ilustre antagonista reconhece, entretanto, que o único propósito de
agora, está em aproveitar o ensejo de demolição da velha Academia para dotar o Brasil com uma
instituição que satisfaça inteiramente os seus fins e promova o bem-estar e prosperidade da Arte.
Nesses termos, pois, eu peço licença para discordar.
***
Vem com oportunidade, primeiro, a transcrição desse projeto contraposto ao Bernardelli –
Amoedo.
Hei-lo:
Art 1o – Fica extinta a Academia de Belas Artes e fundado com o material existente o
Museu Nacional de Pintura e Escultura.
Art 2o – Ficam conseqüentemente demitidos todos os atuais professores, conservando o
Estado os honorários dos que não tiverem outro meio de subsistência, enquanto persistir tal
situação, e aposentando com o ordenado por inteiro aos que por idade avançada não puderem
mais tentar nova profissão.
Art 3o – O Museu ficará a cargo de um diretor da livre confiança e nomeação do governo,
e só manterá o pessoal estritamente necessário ao bom desempenho de suas funções.
Ele terá por fim:
I – Ser o depositário e zelador das obras de arte que lhe forem confiadas;
II – Manter-se em exposição permanente ao público;
III – Fazer aquisição de cópias fiéis dos quadros e estátuas notáveis dos mestres de todas
as escolas que têm florescido;
IV - Promover a reprodução, por meio de cópias ou de outros processos de suas obras
mais importantes e distribuí-las pelos diferentes Estados confederados, afim de iniciar em cada
um deles um pequeno museu.
Art 4o – O estudo de arquitetura far-se-á d’ora em diante sob a imediata direção prática
dos arquitetos já existentes.
Art 5o – O governo manterá duas categorias de pensionistas: a primeira será constituída
pelos artistas que tiverem dado, por meio de trabalhos expostos à apreciação pública,
indiscutíveis provas de verdadeira capacidade estética; a segunda constará de um determinado
número de estudantes que provarem, num prévio concurso, se acharem nos casos de ensinar os
rudimentos de sua arte.
Art 6o – A pensão dos primeiros será de 4:800$ anuais e só será concedida mediante os
seguintes compromissos por parte do candidato:
I – oferecer, pelo conjunto de seus atos privados e públicos, provas de moralidade e
civismo;
II – residir na pátria, sede normal de todo verdadeiro cidadão;
III – servir ao Estado em comissão de júri artístico ou quaisquer outras para as quais seja
nomeado;
IV – perder a posse do material de seus trabalhos, que serão recolhidos ao Museu.
Art 7o – O Estado por sua vez, contrairá os seguintes compromissos:
I – premiar, como achar conveniente, as obras de largo fôlego que surgirem, atendendo: 1o
– ao rojo e magnitude da concepção, 2o – à nobreza e importância do assunto, 3 o – à maestria da
execução técnica;
II – manter dois terços da pensão às viúvas, mais os filhos menores que fiquem reduzidos
à penúria, no caso de morte do pensionista que os amparava;
III – manter a pensão ao artista que na idade de 63 anos, época natural da aposentadoria,
não tenha filhos ou netos que o possam sustentar materialmente;
IV – fornecer todo o material de que o pensionista necessitar para a execução dos seus
trabalhos.
Art 8o – O Estado fica com a liberdade de suspender a pensão nos casos seguintes:
I – quando o artista passar um ano sem demonstração alguma de atividade, salvo o caso
comprovado de moléstia;
II – quando haja denúncia de que o pensionista falta aos compromissos tomados; se isto
ficar provado num conselho de investigação constituído por três pessoas da confiança do governo
para esse fim nomeadas.
Art 9o – As pensões da segunda categoria serão de 1:440$ anuais e só serão concedidas
mediante os seguintes compromissos por parte dos candidatos:
I – oferecer pelo conjunto de seus atos privados e públicos provas de moralidade e
civismo;
II – prestar serviços ao Estado, ensinando desenho ou escultura nas diversas escolas
públicas que lhe forem designadas;
III – continuar seus estudos e dar provas disso apresentando-se aos concursos gerais no
fim de cada ano;
IV – sujeitar-se a ser transferido de um Estado para outro, segundo as exigências do
serviço público.
Art 10o – O Estado, por sua vez, contrairá os seguintes compromissos:
I – elevar a pensão a 1:920$ quando o pensionista puder exercer simultaneamente o
professorado das duas artes;
II - estabelecer a emulação por meio de concursos no fim de cada ano entre os estudantes
mais adiantados de todas as escolas públicas, premiando aos professores e alunos que mais se
distinguirem;
III – estabelecer prêmios de viagem à Europa por espaço de três anos, aos quais poderão
concorrer todos os cidadãos brasileiros que se julgarem nos casos;
IV – a preferir nestes concursos, quando haja identidade de circunstâncias, o concorrente
que mais serviços tenha prestado ao Estado.
Art. 11o – O Estado fica com liberdade de suspender a pensão nos casos seguintes:
I – infração dos compromissos aceitos, depois de criterioso exame;
II – quando os serviços do pensionista se tornarem desnecessários ao Estado.
***
Como argumento contra, esta transcrição vale por si só, dispensando até comentários.
O projeto supra é opressivo. Subordina o artista ao governo como de forma alguma outra
é possível. E não oferece garantias àquele, embora pareça firmar entre as duas partes uma espécie
de contrato synallaginático.
Mais ainda:
Tolhe o desenvolvimento estético do país, não permitindo que particular adquira a posse
de trabalho artístico porque o § IV do art. 6º em que se regulam as obrigações da primeira classe
de pensionistas que recebem subvenções para trabalhar, para fazer Arte, ordena que eles percam a
posse material dos seus trabalhos e que estes sejam recolhidos ao Museu.
Mais ainda:
Não compreende as conveniências do professor e do discípulo na parte a que se refere à
segunda classe de pensionistas, a classe encarregada do ensino do desenho nas escolas, porque
distrai aptidões superiores para misteres inferiores, o que é um desperdício da força coletiva, ou
se propõe a fazer do Brasil inteiro um país de artistas, o que é um não senso.
E mais ainda:
Não diz uma palavra sobre o ensino superior da Arte a que entretanto tem direito as
vocações fortemente acentuadas, e que é uma necessidade para o exercício completo das funções
orgânicas da nação.
***
Isto de positivismo em síntese, é uma história.
Há dez séculos que a humanidade tenta, sem conseguir, libertar-se do jugo opressivo da
Bíblia.
Não vale a pena por conseguinte pegar dos livros de Comte para fazer uma nova Bíblia.
PARDAL MALLET
Gazeta de Notícias, quarta-feira, 25 de junho de 1890 (p.1)
Pela Academia
II
Nesta questão do ensino das artes plásticas, ou mais especialmente da pintura, há três
problemas diversos a resolver, que não devem ser baralhados, e de cuja confusão resulta em
grande parte o vício dos sistemas pedagógicos existentes ou propostos.
O primeiro é o da difusão do ensino elementar do desenho. Pedem-no os ilustres
formuladores do projeto positivista e os signatários da mensagem que vai ser entregue ao Sr.
Benjamin Constant. A sua adoção importa um imenso desenvolvimento para o país inteiro, pois o
conhecimento do desenho é uma escola de bom gosto e uma esplêndida ferramenta para todo o
operário. Mas não tem nada que ver com o caso. Pertence exclusivamente ao plano do ensino
geral e primário, que a Constituição acaba de tornar obrigatório.
O segundo é o do preparo intelectual daqueles que se destinam à profissão artística. Não
pode ser dispensado, porque já se foi o tempo da ciência infusa e porque o centro de gravidade do
trabalho moderno deslocou-se da atividade imaginativa para a experimentalista e reflexionadora.
E só pode ser ministrado em uma ou algumas academias cujos resultados neste caso não se
diferenciarão dos resultados fornecidos pelas outras academias.
O terceiro, enfim, é o da formação da individualidade artística, formação que se deve
operar com muita independência, mas sob as vistas de um mestre. É o complemento da evolução
completa do artista. Não lhe vem até fora de propósito a designação de terceiro estado. E tanto se
pode fazer dentro como fora de uma academia.
***
Uma vez estabelecida esta classificação tripartida, parece que fica mais simples de
resolver o problema do ensino das artes plásticas, permitindo até esta justa conciliação eqüitativa,
em que os atos de governo se devem inspirar com relação aos partidos antagônicos e radicais.
Seja como for, adotem o projeto que adotarem, existirá o Museu. Junto a ele existia a
academia do ensino secundário, cujo regulamento pode ser feito à vontade, uma vez que tenha o
seguinte arcabouço:
Preparatórios exigidos: Português, francês ou italiano, aritmética, geografia e história.
Curso:
1º ano – Aritmética e geometria
História das artes
Desenho de figura.
2º ano - Ciências naturais em geral, física e química, especialmente
aplicadas às artes,
Perspectiva,
Anatomia
Desenho de modelo vivo.
3º ano - Fisiologia aplicada às artes,
Arqueologia,
Desenho de modelo vivo e de paisagem do natural.
***
Assim preparado com este curso, rápido aliás e não sobrecarregado, pode o aluno tratar de
fazer a sua individualidade como bem quiser, livre de regulamentações precisas, mas já apto ele
mesmo a saber o que quer e a chegar à sua especialização artística.
Fica-lhe então permitido o tomar um professor particular, ou matricular-se em um dos
ateliers que o Estado para tal efeito deve subvencionar.
- E aí torna-se perfeitamente indiferente que o atelier funcione no prédio onde funcionou
a academia, ou em outro qualquer lugar. Ele deve, porém, estar subordinado à fiscalização do
diretor da academia, porque as artes precisam independer do governo, fazer vida à parte,
dirigirem-se a si mesmas.
Esses ateliers poderão ser:
1 de arquitetura
1 de escultura
2 de pintura, sendo um de paisagem
1 de gravura.
***
Tal é ao mesmo tempo o projeto mais simples, mais lógico e que pode conciliar as
diversas opiniões artísticas que se dividem sobre o assunto.
Contra ele não procede, porque não procede em si, o argumento da centralização da arte
que Aurélio de Figueiredo apresentou como argumento desfavorável à existência da academia.
Façam as federações que quiserem, haverá sempre as capitais intelectuais. É para elas que afluem
os moços que tem audácia e tem talento, e que, como Daudet, chegam a Paris com 15 soldos, ou,
como Aluizio Azevedo, chegam ao Rio de Janeiro com 5$000.
PARDAL MALLET
[Alphonse Daudet – escritor francês, (Nimes, 1840 – Paris, 1897). Obras: Les lettres de
mon moulin, 1866; Tartarin de Tarascon, 1872; Tartarin sur les Alpes, 1885; Port Tarascon,
1890, entre outras.]
Gazeta de Notícias - Quinta-feira, 26 de junho de 1890 (p.1)
Pela Academia
III
Parece-me que nada mais tenho a fazer sobre este caso da Academia de Belas Artes.
A imprestabilidade da atual está demonstrada:
1° - pela mensagem firmada pelos nossos mais notáveis artistas e ontem entregue ao Sr.
Benjamin Constant
2° - pela defesa que o Sr. Rozendo Muniz tentou fazer da mesma Academia.
3° - pela defesa que o Sr. Pedro Américo também tentou fazer ontem.
4° - pelo silêncio dos outros réus.
5° - pelo juízo da opinião pública, que é toda favorável à revolução artística agora
operada.
***
Se assim é no relativo à destruição, no que se refere à construção também o caso está
acentuado e definido.
A idéia da não Academia tem apenas o prestígio dos seus três formuladores.
Pela Academia estão, entretanto:
1° - Os próprios artistas que em artigo em outro local publicado, vão fundar uma
Academia livre.
2° - O Sr. Pedro Américo, que além de tudo, deseja para si o lugar de diretor... lá na
Europa.
3° - O bom-senso que não pode admitir a importação aqui no Brasil de ideais muito bons
apenas em países onde o espírito artístico já está tradicionalmente firmado.
***
Há mais apenas isto:
O Sr. Benjamin Constant, recebendo ontem uma comissão, composta de Rodolpho
Bernardelli, Rodolpho Amoedo, Aurélio de Figueiredo, Teixeira da Rocha, Castagneto, Ribeiro e
do escritor destas linhas, declarou que pretendia gradativamente fazer a reforma da instrução
primária, da secundária, da superior e da artística.
Sobre a Academia, entretanto. S. Ex. ficou de atender prontamente ao ofício do Sr. Maia,
pedindo uma comissão de inquérito, e do qual não tinha ainda conhecimento.
Vai se reformar, por conseguinte, o negócio.
S. Ex. de toda esta discussão aproveitará a apresentação de três projetos: o Bernardelli -
Amoedo, o Décio – Aurélio, e o meu que é conciliador.
E não precisa se importar com a idéia do Sr. Pedro Américo – porque este senhor é um
velho que nada fez enquanto podia, e que não pode fazer agora quando quer.
Bem orientado e criterioso, dispondo destes elementos todos, o Sr. Benjamin Constant
está, por conseguinte, nas condições perfeitas de tornar-se o pai e construtor da Arte Brasileira.
PARDAL MALLET
Gazeta de Notícias - Quarta-feira, 2 de julho de 1890, (p.2)
BELLAS ARTES
BELLAS ARTES
Antonio Parreiras
Este distinto artista, que há pouco fez exposição de grande número de trabalhos seus na
academia de Belas Artes, e pouco depois outros no Atelier Moderno, teve a gentileza de oferecer
a esta redação uma bonita paisagem.
Agradecemos o delicado e valioso mimo.
Gazeta de Notícias - Quarta-feira, 9 de julho de 1890, (p.2)
Belas Artes
Inscreveram-se ontem para a freqüência dos cursos públicos e gratuitos de Belas Artes, os
seguintes alunos:
Pintura – Arthur Francisco Lucas, José Galdino de Castro Junior, Julio de Magalhães
Macedo, Antônio da Cunha Figueiredo, Elyseo d’Angelo Visconti, José Pinto de Gouvêa, João
Baptista da Costa e Stefano Cavalero.
Escultura – José Roberto da Silva Oliveira e Hermógenes de Paula Torres.
O livro das inscrições continua no barracão do largo de S. Francisco de Paula, à
disposição dos interessados.
Gazeta de Notícias - Quinta-feira, 10 de julho de 1890, (p.2).
Belas Artes
Belas Artes