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ANAIS do III Seminário Moda Uma abordagem Museológica:

a documentação das roupas nos museus e seus processos

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ANAIS do III Seminário Moda uma Abordagem Museológica:
a documentação das roupas nos museus e seus processos
ANAIS do III Seminário Moda uma Abordagem Museológica:
a documentação das roupas nos museus e seus processos

Organização
Manon Salles (ECA-USP)
Nayara Cavalini Heringer (FCRB)
Aparecida M. S. Rangel (FCRB)

Rio de Janeiro, 2022


Presidente da República
Jair Messias Bolsonaro

Ministro do Turismo
Carlos Alberto Gomes de Brito

Fundação Casa de Rui Barbosa

Presidente
Letícia Dornelles

Diretor Executivo
Carlos Fernando Corbage Rabello

Diretora do Centro de Memória e Informação


Luziana Jordão Lessa

Chefe do Museu Casa de Rui Barbosa


Ana Carolina Nogueira

Chefe do Serviço de Editoração


Benjamin Albagli Neto

Seminário Moda: uma abordagem museológica (3. : 2021 : Rio de Janeiro, RJ)
Anais do III Seminário Moda [recurso eletrônico] : a documentação das roupas
nos museus e seus processos / Organizadores: Manon Salles (ECA-USP); Nayara
Cavalini Heringer (FCRB); Aparecida M. S. Rangel (FCRB). – Rio de Janeiro :
Fundação Casa de Rui Barbosa, 2022.
1 e-book; 28.400 Kb; PDF (120 p.).

Evento realizado na modalidade online, organizado pela Escola de Museologia


da UNIRIO e a Fundação Casa de Rui Barbosa, no dia 13 de maio de 2019.

ISBN 978-65-88295-19-9

1. Moda – Aspectos históricos – Aspectos culturais. 2. Acervo têxtil. 3.


Conservação de acervos. I. Salles, Manon, org. II. Heringer, Nayara Cavalini, org. III.
Rangel, Aparecida M. S., org. IV. Fundação Casa de Rui Barbosa. V. Título.

CDD 391

069

Bibliotecária: Dilza Ramos Bastos CRB-7/2348


Sumário

Apresentação ……………………………………………………………………………………………….. 06

Programação 2021 ………………………………………………………………………………………….. 08

Artigos e resumos ……………………………………………………………..………………………….... 10

Palestra Magna: museus, universidades e o campo da moda: que histórias estamos tecendo? 10
Rita Morais de Andrade …………………………………………………………………..…………………

Coleção de Chapéus de Eva Klabin: estudo de caso e solução de acondicionamento. 23


Ivan Coelho de Sá
Ruth Levy …………………………………………………………………………………..…………………

A coleção Charles Worth no Museu Casa da Hera: uma investigação baseada nos objetos 47
Flávio Oscar Nunes Bragança …………………………………………………..…………………………

Os plásticos e sua conservação nos museus de moda (Resumo) 63


Susana França de Sá …………......……………………………………….………………………………

La restauration d’une robe en tulle rose de 1938: la question de la transparence. 64


Stéphanie Ovide …………………………….………………………………………………………………

A restauração de um vestido de tule cor-de-rosa de 1938: a questão da transparência 75


Stéphanie Ovide, artigo traduzido por Manon Salles ………………………………………………….

O vestido da baronesa de Loreto: uma nova proposta de documentação e conservação. 86


Manon Salles ……………..…………………………………………………………………………………

Conservação de figurinos: entre coleções brasileiras e inglesas. (Resumo)


Marina Herriges ……………………………………………………………………………………………… 102

O lugar da moda em um museu histórico.


Maria do Carmo Rainho ………………………………………………………….………………………... 103
Apresentação

Realizado no ano de 2021 na versão online, o III Seminário Moda: uma abordagem museológica foi
sediado na Escola de Museologia-Unirio, com o apoio da Fundação Casa de Rui Barbosa e do
Curso de Conservação e Restauração da EBA-UFRJ.

O evento foi realizado no dia 13 de maio de 2021, dividido em dois períodos, manhã e tarde, das
9h30 às 16h30, com o apoio do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Atualmente, o evento
encontra-se disponível para acesso no perfil da Escola de Museologia da Unirio, na plataforma
YouTube.

Trata-se de um evento gratuito, direcionado à profissionais da área de moda, de museus; docentes


e estudantes da área de conservação e restauração, história, museologia, moda e interessados nas
áreas de Patrimônio Cultural.

Nestes Anais estão contidos todos os artigos que foram apresentados oralmente pelos seus autores
durante III Seminário Moda: Uma Abordagem Museológica.
Todo o conteúdo dos trabalhos publicados é de responsabilidade dos autores, assim como a
revisão.
Figura 1 - Convite do III Seminário Moda: uma abordagem museológica.
PROGRAMAÇÃO 2021

III Seminário Moda: uma Abordagem Museológica


A documentação das roupas nos museus e seus processos

13 Maio de 2021 / Escola de Museologia da Unirio (online)

9h30 – MESA DE ABERTURA – instituições organizadoras


Dr. Ivan Coelho de Sá (Escola de Museologia – Unirio).
Dr. Jair de Jesus Santos (Fundação Casa de Rui Barbosa)
Dra. Maria Luisa Soares (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ)
Dra. Manon Salles (Coordenadora do Comitê Científico)

9h50 –10h20 PALESTRA MAGNA


Conferencista: profa. dra. Rita Andrade de Moraes (Universidade Federal de Goiás – UFG)
Tema: Museus, universidades e o campo da moda: que histórias estamos tecendo?

Mesa 1: A DOCUMENTAÇÃO DE ARTEFATOS EM MUSEUS


Coordenação da mesa: profa. dra. Aparecida Rangel (Fundação Casa de Rui Barbosa)
10h25 CONFERÊNCIA 1 – COLEÇÃO DE CHAPÉUS DE EVA KLABIN: ESTUDO DE CASO E SOLUÇÃO DE

ACONDICIONAMENTO.

Conferencistas: profa. dra. Ruth Levy (Casa Museu Eva Klabin) e prof. dr. Ivan Coelho de Sá (Escola
de Museologia – Unirio).
11h Conferência 2 – A COLEÇÃO CHARLES WORTH NA CASA DA HERA
Conferencista: prof. dr. Flávio Bagança (Universidade Veiga de Almeida)
11h30: CONFERÊNCIA 3 – OS PLÁSTICOS E SUA CONSERVAÇÃO NOS MUSEUS DE MODA
Conferencista: profa. dra. Susana França de Sá (Universidade Nova de Lisboa) *será em português

12h até 12h30 – Perguntas & debate


12h30 até 14h – Intervalo almoço
Mesa 2: CONSERVAÇÃO E NOVAS PROPOSTAS SOBRE A RESTAURAÇÃO DE ARTEFATOS DE MODA
Coordenação da mesa: profa. dra. Manon Salles
14h Conferência 1 – RESTAURAÇÃO SOB MEDIDA: A RESTAURAÇÃO DE UM VESTIDO ROSA DE MADELEINE
VIONNET, ANO 1938/ RESTAURATION SUR MESURE: LA RESTAURATION D’UNE ROBE DE MADELEINE VIONNET
EN TULLE ROSE DE 1938, COLLECTION DU MUSÉE DES ARTS DÉCORATIFS. Conferencista: Conservadora
Stéphanie Ovide (doutoranda l’École Nationale des Arts Decoratifs à Paris) * será em Francês com
tradução simultânea
14h30 Conferência 2 - O VESTIDO DA BARONESA DE LORETO: UMA NOVA PROPOSTA DE DOCUMENTAÇÃO E
CONSERVAÇÃO. Conferencista: profa. dra. Manon Salles (ECA-USP)

15h Conferência 3 – CONSERVAÇÃO DE FIGURINOS: ENTRE COLEÇÕES BRASILEIRAS E


INGLESAS. Conferencista: Marina Herriges (mestra em Conservação de Têxteis na University of
Glasgow, Escócia) *será em português.

15h30 Conferência 4 – O LUGAR DA ROUPA E DA MODA EM UM MUSEU HISTÓRICO. Conferencista: profa.


dra. Maria do Carmo Rainho (Arquivo Nacional)

16h Perguntas & debate


16h30 Encerramento: prof. dr. Ivan Coelho de Sá (Unirio)

_________________________________________________________
Apoio: Ibram

COMITÊ CIENTÍFICO
Profa. Dra. Maria Luisa Soares – Kuka (Universidade Federal do Rio de – UFRJ)
Profa. Dra Aparecida Rangel (Fundação Casa de Rui Barbosa – Museu Casa de Rui Barbosa)
Profa. Dr. Ivan Coelho de Sá (Unirio)
Coordenadora-geral do Comitê Científico: profa. dera. Manon Salles

ORGANIZAÇÃO
Unirio – Escola de Museologia
UFRJ – EBA – Curso de Conservação e Restauração
Fundação Casa de Rui Barbosa – Museu Casa de Rui Barbosa
MUSEUS, UNIVERSIDADES E O CAMPO DA MODA: que histórias estamos tecendo?1

MUSEUMS, UNIVERSITIES AND FASHION STUDIES: which threads are we weaving?

Rita Morais de Andrade2


(Universidade Federal de Goiás)
ritaandrade@ufg.br

RESUMO
Este texto é a versão escrita e atualizada da Aula Magna do III Seminário Moda e Museologia
proferida em 13 de maio de 2021. Apresenta o ensaio sobre uma ideia de interface entre museus,
universidades e o campo da moda a partir da analogia com a geometria de triângulos e círculos.
Tem por objetivo explorar possibilidades de configurações dos cenários contemporâneos de disputa
e harmonização entre as três instâncias. Parte da ideia de triangulação e propõe a transição para
um modelo circular, estabelecendo uma associação com noções de colonialidade e de
decolonialidade. Apresenta exemplos atuais da interface com base em discursos e práticas
decoloniais. Conclui que a interculturalidade é um elemento-chave para a transformação proposta.
Palavras-chave: Museus. Universidades. Campo da Moda.

ABSTRACT
This paper is the written and updated version of the Magna Class presented at the III Fashion and
Museology Seminar on May 13th 2021. It presents an interface between museums, universities, and
fashion studies based on the analogy with the geometry of triangles and circles. Its objective is to
explore configurations of the contemporary scenarios of dispute and harmonization between the

1
Palestra magna realizada remotamente via Stream Yard em 13 de maio de 2021 na abertura do III
Seminário Moda e Museologia, realizado pela Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro.
2
Doutora em História (PUC-SP), mestre em History of Textiles and Dress (University of Southampton-UK),
Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana (UAB) e em Museologia (FESP-SP), bacharel em
Moda (UAM-SP). Professora Associada da Universidade Federal de Goiás atuando em cursos de graduação
e pós-graduação em Artes Visuais e Design da Faculdade de Artes Visuais e no Programa UFG Doutoral.
Realizou estágio pós-doutoral no Programa Avançado de Cultura Contemporânea - PACC/UFRJ com o tema
"Indumentária em museus no Brasil". Líder do Grupo de Pesquisa Indumenta: dress and textiles studies in
Brazil (UFG/CNPq). Pesquisa história dos tecidos e do vestuário no Brasil. Redes sociais:
@ritamoraisandrade@indumenta.br, podcast Outras Costuras, disponível no Spotify.
three instances. It starts from the idea of triangulation and proposes the transition to a circular model,
establishing an association with notions of coloniality and decoloniality. It also presents current
examples of this interface based on decolonial discourses and practices. It concludes that
interculturality is a key element for the proposed transformation.
Keywords: Museums. Universities. Fashion Studies.

Agradeço o convite feito pela professora Manon Salles e toda a equipe da organização, o
comitê científico para abrir o Seminário de Moda e Museologia realizado pela Fundação Casa de
Rui Barbosa em 13 de maio de 2021. Aceitei o convite substituindo o professor José Reginaldo
Gonçalves, que foi meu supervisor no pós-doutorado do Programa Avançado de Cultura
Contemporânea – o PACC da UFRJ. Aproveito para expressar, Reginaldo, minha admiração e
gratidão pela sua contribuição na minha formação, em especial por me ajudar a formular a ideia de
uma categoria antropológica para indumentária. Quero ainda registrar minha solidariedade às
pessoas que foram contaminadas, perderam amigos e parentes em decorrência da pandemia da
Covid-19. Este texto é uma versão adaptada da palestra magna que ofereci no evento, por isto, a
leitura deve considerar o tom mais coloquial e de comunicação oral para o qual o material fora
preparado originalmente. Preferi manter o tempo verbal original (presente) e acrescentei trechos
para expandir as ideias iniciais apresentadas na palestra.
Na minha apresentação, fiz a minha audiodescrição que transcrevo aqui mantendo o tempo
verbal original: sou mulher, de cabelos castanhos escuros ondulados à altura dos ombros. Visto
uma blusa de tecido feito de fibra de linho provavelmente misturada à viscose e com fios tintos em
diferentes tons de verdes, azuis e cinzas. O corte é de mangas curtas, levemente bufantes,
abotoamento na frente com gola transpassada e aberta de modo que as pontas caem em forma de
triângulo para as laterais, lembrando o desenho de um paletó. Ao fundo uma parede de tijolos de
cerâmica e alguns vasos que decoram um cenário que criei especialmente para este evento. Uso
uma maquiagem leve e um batom vermelho.
Inicio esta conferência me posicionando como um elo nesta rede de relações interpessoais
e interculturais, reconhecendo que nada do que eu disser é formulação ou autoria exclusivamente
minha, mas sim uma construção narrativa plural. É a partir deste lugar que eu falo, reconhecendo
que é necessário incluir outras vozes a partir de outros sítios para tornar nossa visão coletiva menos
míope.
A minha palestra evoca e convoca essas vozes e presenças.
Figura 1. Hanayrá Negreiros assume curadoria de moda no Masp-SP. Hanayrá
Negreiros no "Acervo em Transformação", em frente aos trabalhos de Rubem Valentim,
Composição 12, 1962 (lado direito), e Abdias Nascimento, Okê Oxóssi, 1970 (lado
esquerdo).

Fonte: foto de Leno Taborda/Masp, 2021.

Por esta razão, a minha primeira imagem (Figura 1) é de Hanayrá Negreiros, que assumiu
o cargo de curadora adjunta de moda no Masp em 06 de maio de 2021, lugar que havia sido ocupado
antes por duas editoras de moda nacional e internacional de grandes marcas e designers do
mainstream. Hanayrá, que pesquisa as histórias do vestuário das mulheres negras, vai realizar um
trabalho transformador no Masp, eu confio nisso e a parabenizo. Uma notícia que aquece o meu e
o coração de muita gente. É isto que eu comemoro neste 13 de maio.
Escolhi este tema, “Museus, universidades e o campo da moda: que histórias estamos
tecendo?”, porque sou professora de uma universidade pública – a Universidade Federal de Goiás
– há 15 anos e antes disso fui professora em universidades privadas em São Paulo e em outros
estados brasileiros. Trabalhei como estagiária em museus com coleções de tecidos e de vestuário
no Brasil, Itália e Inglaterra, e pesquisei em reservas técnicas de outros tantos museus nas Américas
do Norte e do Sul, além de ter sido estilista de moda de empresas do setor têxtil e do vestuário em
São Paulo entre 1990 e início dos anos 2000.
O meu objetivo ao trazer esta questão que reúne museus, universidades e moda para uma
conferência no III Seminário de Moda e Museologia é poder apresentar a pesquisadores iniciantes,
e estudantes em particular, a necessidade que eu vejo de uma revisão das nossas condutas de
pesquisa e trabalho de modo geral, e nas relações interculturais de um modo específico.
Para isto é importante localizar nossa situação atual – onde estamos -- e sinalizar porque
eu acho importante fazermos essa revisão. Por último, espero falar sobre quais mudanças penso
serem primordiais nessa transição e que benefícios isso pode nos trazer como área de
conhecimento e campo de pesquisa. Por campo da moda neste texto, refiro-me às pesquisas que
se dedicam ao tema da moda, dos modos de vestir e do vestuário. O entendimento do que seja este
campo está sendo ampliado internacionalmente a partir da contribuição dos estudos decoloniais,
conforme irei apresentando à medida em que avanço.

Figura 2. Triângulos isósceles, equilátero e escaleno. Nos triângulos percebemos diferentes angulações
que são comparadas analogamente às forças em disputa pelos museus, universidades e pela moda.

Fonte: desenho de Bráulio Vinícius Ferreira, 2021.

Esse tripé – museus, universidades e o campo da moda – está apoiado na modernidade e


na colonialidade. Vou desenvolver essa ideia à medida que avance. Nessa imagem com diferentes
triângulos (Figura 2), convido vocês a imaginarem comigo as três forças – museus, universidades e
moda –, cada uma sendo representada por um dos lados de cada triângulo – agindo até alcançar
essa composição geométrica triangular de diferentes lados e angulações. Dependendo da força
exercida por um dos lados sobre os outros, teremos um desenho de triângulo que indica a
predominância de um dos lados ou mesmo o equilíbrio isonômico entre os três lados, que é o caso
do triângulo equilátero central de cor verde.
Essa disputa por espaço e por poder representada aqui pelo triângulo, mas que trata
analogamente das três forças citadas, não é nova e nem desconhecida. Foi nessa tensão entre as
três partes que vimos algumas mudanças marcantes na história do colecionismo e dos estudos
sobre vestuário em geral e moda em particular. Percebemos melhor a força dos museus, em
determinados momentos, por exemplo. Valerie Cumming informa em Understanding fashion history
(2004), que os museus na Europa formam suas coleções de vestuário desde o século XVII,
acompanhando a especialização das corporações de ofícios e dos comerciantes das cidades que
iam se urbanizando. A profissionalização dos ofícios têxteis e de vestuário, por sua vez, foi sendo
paulatinamente formatada pela industrialização que chegou às escolas e universidades (BENNETT,
2015).
O interesse crescente pela produção e consumo de vestuário estava presente na sociedade
europeia de modo geral e na França de modo particular, como demonstrou Daniel Roche (2007),
inclusive ajudando a fortalecer a economia das cortes, como aconteceu sob Luís XIV. A moda
moderna e ocidental (LIPOVETSKY, 1989; KAWAMURA, 2004) teve um protagonismo na formação
de coleções em museus e na criação de cursos profissionalizantes de níveis técnicos e
universitários.
Por volta de 1960, essas forças voltam a uma tensão que Lou Taylor (2002, 2004) e também
Valerie Cumming (2004), apenas para citar duas referências de mulheres pesquisadoras
trabalhando em universidades e em museus, localizam como um momento em que o termo fashion
passa a ser mais atraente para a criação dos cursos nas universidades do que os termos dress ou
costume, que eram mais presentes nos museus.
Podemos perceber essas preferências por um termo ou por outro na produção científica da
área, a exemplo dos periódicos e também nas associações. Vejam, por exemplo, que o comitê de
indumentária, criado em 1962 no Conselho Internacional de Museus, o ICOM – chama-se Costume
Committee.3
Um dos periódicos mais antigos da área publicado desde 1967 em inglês é o Costume,4
que passou a ser editado por uma universidade, a Universidade de Edimburgo. Já a revista Fashion
Theory: the journal of body, dress and culture,5 criada em 1997 e hoje gerida pela Taylor and Francis,
nasce com Moda no título, mas explica: the journal of body, dress and culture [destaque da autora].
Entre os periódicos mais jovens, tem havido uma continuidade na preferência pelo uso do termo

3
A página do comitê está disponível em:< https://costume.mini.icom.museum/.> Acesso em: 19 ago.
2021.
4
O periódico está disponível em: <https://www.euppublishing.com/loi/cost>. Acesso em: 19 ago. 2021.
5
O periódico está disponível em:< https://www.tandfonline.com/toc/rfft20/current>. Acesso em: 19 ago.
2021.
Moda (e não vestuário, por exemplo), mas com algumas inovações interessantes. O Fashion
Studies,6 que está baseado no Canadá por exemplo, já nasce open access, aceita diferentes
formatos de mídia digital para publicação e formou um Conselho Editorial multicultural/multiétnico.
Essas novidades têm sido impulsionadas pelo debate decolonial presente nas universidades e
museus.
No Brasil, as revistas nasceram sob a hegemonia da força Moda. Temos, por exemplo: os
periódicos Moda Palavra e Dobras, “a revista de moda, mas não só, acadêmica, mas não tanto”.7
Antes delas, a edição brasileira da Fashion Theory foi publicada no Brasil a partir de uma parceria
entre a Editora Berg (que detinha os direitos de publicação da revista à época) e a Universidade
Anhembi Morumbi em São Paulo entre 2002 e 2005.8
Moda também foi a preferência na abertura dos cursos de graduação, substituindo os
cursos de figurino, estilismo, modelagem, corte e costura dos cursos livres e técnicos oferecidos
pelos liceus e hoje Institutos Federais, além dos cursos de Economia Doméstica.9 Isto aconteceu
apesar da primeira cadeira ou disciplina relacionada à área nas universidades brasileiras de que
temos registro ter sido criada sob o nome de Indumentária Histórica por Sophia Jobim em 1949 na
Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro (CARVALHO, 1960).10
A moda, como um sentido atribuído ao estudo do vestuário, portanto, parece agir com maior
peso tanto sobre os museus quanto sobre as universidades. E hoje, como operam essas forças e
por que penso ser necessária uma revisão do nosso modus operandi? A resposta mais direta que
alcanço é porque os museus e as universidades foram constituindo-se mais voltados para as suas
questões e necessidades internas, tendo ainda muito potencial para desenvolver a sua contrapartida
social. Eu já havia percebido isto na pesquisa de pós-doutorado quando discuti a presença da
categoria indumentária em museus brasileiros, sob supervisão do José Reginaldo Gonçalves
(ANDRADE, 2016).

6
O periódico está disponível em: <>https://www.fashionstudies.ca/>. Acesso em: 19 ago. 2021.
7
Os periódicos estão disponíveis respectivamente em:
<https://www.revistas.udesc.br/index.php/modapalavra>; <https://dobras.emnuvens.com.br/> . Acesso
em: 19 ago. 2021.
8
Eu fui editora-chefe da versão brasileira da revista por todo esse período. Para conhecer mais sobre esse
projeto, leia Andrade (2007).
9
Participo do Projeto de Pesquisa Artes e Ofícios coordenado pela Profa. Mara Rubia Sant`Anna, vinculado
à Udesc que tem o objetivo de identificar a formação em artes têxteis e vestuário no Brasil. Para conhecer
uma parte dessa produção, ouça o podcast Outras Costuras, nas plataformas de streaming, os episódios da
série especial Artes e Ofícios apresentada por mim e Jaqueline Ferreira, professora da Universidade Federal
Rural de Pernambuco.
10
Pesquisas mais recentes a respeito de Sophia Jobim foram lideradas por Maria Cristina Volpi da UFRJ
(VOLPI, 2016).
Esta é uma ótima questão para pensarmos juntos, já que este evento reúne pessoas que
atuam a partir de diferentes posições nessa triangulação - nas universidades, nos museus, na
conservação têxtil, nas artes, nas indústrias, nos ateliês, etc. Neste momento em que
experimentamos globalmente uma circunstância desafiadora como a da pandemia da covid-19,
penso que somos convidados, às vezes mesmo confrontados, a conhecer, lidar e integrar a
alteridade. Acredito que a urgência na revisão dos modos de trabalhar nessas instâncias tenha sido
realçado pela experiência da pandemia. Uma das oportunidades que esse momento nos traz, ao
meu modo de ver, é tomar consciência do estado das coisas e, a partir disto e de uma visão lúcida
sobre a multidimensionalidade da realidade, percebermos de que modos podemos atuar na direção
de realizar as mudanças urgentes e necessárias para uma relação em que essas forças estejam
em maior equilíbrio ecológico.

Figura 3. O círculo. No círculo percebemos um fluxo contínuo, e não


é possível identificar início e fim, conforme a analogia discutida neste
texto em relação a uma certa harmonização entre as forças da moda,
das universidades e dos museus.

Fonte: desenho de Bráulio Vinícius Ferreira, 2021.

Percebemos que pode ser necessário deixar o triângulo para pensarmos em um elo, um
círculo (Figura 3) que comporte e componha com os diferentes elementos sem que seja necessário
estabelecer algum tipo de homogeneidade e padronização, tão pouco algum tipo de ruptura ou
controle de forças para que esse sistema opere bem. Pensar em círculo pode nos levar a uma
situação em que a energia que circula vai permeando todos os agentes participantes, de tal forma
a retornar e transpassar os desafios que apareçam no caminho, transformando sem descartar tudo
indistintamente.

Figura 4. O círculo com triângulo sobre ele e dentro dele. No círculo em relação ao triângulo, a analogia segue para
discutir as possibilidades de harmonização entre moda, universidades e museus.

Fonte: desenho de Bráulio Vinícius Ferreira, 2021.

Para fazer uma analogia com a geometria, proponho observarmos o triângulo em relação a
um espaço circular a partir de duas possibilidades: um triângulo que ultrapassa os limites do círculo
e um triângulo que está dentro do círculo (Figura 4). No primeiro caso, as pontas não ficam em
contato com o meio interno, mas passam por ele no percurso de se constituir em triângulo. No
segundo caso, é o meio que contém as partes e as atravessa, mantendo o contato com toda a sua
área.
Entendo a área interna deste círculo como a própria teia social que não se restringe à uma
ideia de humanidade universal, mas que, assim como as cosmovisões ancestrais, considere e
perceba, finalmente, a ecologia da vida em suas diferentes formas. Pensando nessas novas
configurações, faríamos uma transição para modelos de universidade, museu e moda mais porosos,
capazes de absorver e lidar com os movimentos circulares da ecologia da vida. Nesse desenho,
não ficaríamos alheios ou alienados das questões internas do círculo como acontece no caso das
pontas do triângulo, mas seríamos atravessados por elas. Essa analogia representa para mim as
distinções entre tear e tecer, vestuário e vestir. Ou seja, representa a diferença entre o verbo –
movimento, ação e continuidade – versus o substantivo – nome, coisa e substância.
A partir da ideia central discutida até aqui, pode-se identificar algumas possibilidades no
sentido de realizar a transição de modelos, do triangular para o circular. Há propostas alinhadas a
essa ideia central presentes na Economia Circular, na Governança Ambiental, Social e Corporativa
(ESG), nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Agenda de 2030 da ONU, de
alguns mecanismos de controle de responsabilidade socioambiental e em muitas outras iniciativas
lideradas por populações historicamente invisibilizadas pelo colonialismo e a colonialidade, a
ocidentalização e o etnocentrismo.11
Nas artes visuais, campo em que eu atuo como pesquisadora e orientadora a partir do
Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual da Universidade Federal de Goiás, percebe-
se um interesse em decolonizar os discursos e práticas artísticas. A artista Janaina Barros, por
exemplo, explorou esse tema a partir de um trabalho de objetos de vestir da sua Série Sou todo
seu, 2010. Sua obra esteve presente na exposição Transbordar, Sesc Pinheiros, São Paulo 2021,
que teve a curadoria de Ana Paula Cavalcanti Simioni.12 A artista é filha de empregada doméstica e
transforma roupas e tecidos dos trabalhos domésticos em itens especiais, transcendendo o lugar
convencional do serviço na casa para um outro de destaque e visibilidade primários.
Uma das ações da exposição foi uma conversa com artistas e suas obras. Tive a
oportunidade de ouvir Janaina Barros narrar o seu processo criativo e a sua motivação para aquela
série: inverter a ordem das divisões sociais da casa, levando para o primeiro plano os aventais, as
luvas e utilizando tecidos nobres para confeccioná-los. Se as coisas são meios para a persistência
das ideias, pareceu-me, ao ver o trabalho de Janaina, que ao alterar os materiais dos objetos de
uso doméstico ela nos convida a refletir sobre a persistência das ideias colonialistas na vida social
atual.
A presença de vozes plurais na educação – por meio das universidades e dos museus –,
leva a uma mudança de desenho, de reflexão e de ação. Por sua vez, essas novas relações pedem
uma prática docente, de pesquisa, de consumo, de presença no mundo, que contribuam mais
efetivamente para harmonizar as diferenças, não no sentido de ocidentalizar ou homogeneizar, mas
sim no de reconhecer e re-conectar as nossas diferentes ancestralidades. Ailton Krenak (2020)

11
Para os conceitos e as distinções entre colonialismo e colonialidade, ver Mignolo (2003), Quijano (2005),
Mignolo e Vázquez (2013) e Assis (2014).
12
Com curadoria de Ana Paula Cavalcanti Simioni, a exposição Transbordar: transgressões do bordado na
arte foi realizada no Sesc Pinheiros, São Paulo, de 26 de novembro de 2020 a 8 de maio de 2021. A mostra
reuniu obras de artistas que utilizam do bordado como uma forma de contestar hierarquias estéticas e
sociais, como informa o site do evento. Disponível em: <https://sesc.digital/colecao/exposicao-
transbordar>. Acesso em: 18 ago. 2021. Leia a respeito da concepção da exposição como uma prática de
docência e pesquisa em:< https://jornal.usp.br/cultura/exposicao-em-sao-paulo-exibe-a-forca-estetica-
do-bordado/ >. Acesso em: 18 Ago. 2021.
expressa isso muito bem quando diz que o homem branco quando pisa na terra faz barulho porque
pisa forte. Ele, mas também outras lideranças indígenas e afro-americanas, têm persistentemente
nos alertado para a urgência de tomarmos consciência de que não existe um homem universal e
que essa ideia tem um vínculo com a colonialidade persistente que atua como força contrária às
transformações tão necessárias.
A artista têxtil Elvira Espejo Ayca, que foi diretora do Museu de Etnografia e Folclore de La
Paz, Bolívia, é um bom exemplo para pensarmos nessas novas possibilidades de
transdisciplinaridade e interculturalidade. Em sua palestra durante a mesa de discussão sobre
decolonialidade e as Artes, para o programa Decoloniality and the Politics of History da Universidade
de Columbia, NY,13 ela apresentou uma visão bastante instigante da produção artesanal de tecido
por ela a partir de técnicas ancestrais. Elvira Espejo contou que, no entendimento do seu povo, um
tecido não é uma mercadoria que inicia e termina em si, mas é um agente, ou aquilo que dá
visibilidade a uma rede de atividades humanas e não humanas que cria um círculo, um elo entre
diferentes agentes, desde o solo que fertilizado oferece o alimento para o animal ou o vegetal dos
quais serão utilizados as fibras, da tecnologia de transformação das fibras em fios e dos fios em
tecidos, e entre um processo e outro várias interferências realizadas por e com pessoas, minerais,
vegetais, animais como por exemplo acontece no tingimento, na coloração, no bordado.
No campo dos estudos sobre moda e vestuário, chamados internacionalmente de Fashion
Studies, percebo um alargamento da ideia de moda no sentido de encampar os muitos modos de
vestir de sociedades consideradas não ocidentais, pelos ocidentais (JANSEN, 2020; TULLOCH et
al., 2010; EICHER, 1995). O cerne da ideia de moda como, destacou Yunia Kawamura em
Fashionology (2004), é exatamente a do ocidente moderno. Refiro-me a essa autora, professora da
Universidade de Nova York, que fez uma revisão da literatura e das teorias de moda e se posicionou
a favor do conceito de representar exclusivamente o sistema presente nas sociedades urbanas
modernas e ocidentais, grande ainda é a força desta estrutura ocidentalizada e colonial que
permanece nas universidades e no campo da moda.
Apesar dos indícios de um avanço no sentido de uma aproximação dos museus e
universidades à discursos e ações mais permeadas pela interculturalidade,14 uma preocupação

13
O programa ocorreu remotamente entre os dias 29 de abril e 28 de maio de 2021. Disponível em:
<http://www.columbia.edu/cu/arthistory/calendar/decoloniality-and-the-politics-of-history.html>.
Acesso em: 24 ago. 2021.
14
O Museu Paulista da Universidade de São Paulo tem uma contribuição importante nesse sentido da
decolonização das práticas em museus. Um exemplo que apresenta um diálogo entre os modos de vestir, a
patrimonialização e uma ação no sentido de trazer os processos sociais para os museus está na aquisição
do material de trabalho de um alfaiate – do giz aos moldes, e não apenas das roupas – no Museu Paulista.
Lembro-me de ter acompanhado o processo de musealização desses itens como consultora externa,
ainda persiste e foi levantada por Ailton Krenak. A respeito da inclusão de artistas indígenas às
exposições de arte recentemente, na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro, ele chamou a atenção para que isto não seja apenas uma tentativa dos
brancos de transformar a produção indígena em mercadoria. A mesma preocupação penso que
deve estar nas universidades, no campo da moda e até mesmo no design de tecidos e de vestuário.
As ações afirmativas, como outras políticas públicas em defesa da pluralidade e inclusão social, têm
papel importante nisso porque trazem para a universidade, museus e empresas os agentes dessa
produção, assim como vimos na contratação de Hanayrá Negreiros no Masp. Como forma de
controle social, será necessário ainda avaliar, com o passar do tempo, se a presença dessas
pessoas nas universidades, museus e no campo da moda vai de fato se traduzir em autonomia e
protagonismo. Estejamos atentos a isto.

Considerações finais
Por fim, os benefícios decorrentes desta mudança são muitos. Eu participo de duas redes
de estudos sobre a decolonialidade da moda, a Rede de Estudos Decoloniais em Moda (REDeM)
e a Research Collective for Decolonizing Fashion (RCDF). Essas redes têm me ensinado que
quando a diversidade ocupa a presença nos espaços com seus corpos e cosmovisões, ganhamos
todos porque somos convidados a ouvir, aprender a escutar e tecer juntos, sem impor uma forma
ou outra, mas compondo com os diferentes saberes.

Neste breve ensaio apresentado na forma de uma aula magna, eu quis ressaltar algumas
das experiências mais importantes que tenho vivido no contexto do meu trabalho e que compreende
a universidade, o museu e a moda. Sucintamente, busquei apresentar:
1. O que – são urgentes a presença e as relações interculturais nas universidades, nos
museus e na moda
2. Por quê – a ausência e a invisibilização da pluralidade étnica trazem prejuízos sociais que
estão sendo ainda mais percebidos pela nossa experiência na pandemia da covid-19
3. Como – convidando as pessoas a ocuparem esses lugares e compondo, aprendendo e
tecendo com elas.

acompanhada por Teresa Cristina Toledo de Paula do Setor de Têxteis e de Adilson Almeida do setor de
Documentação do museu. Discutia-se à época quais itens do trabalho do alfaiate seriam importantes para
a musealização, para além das roupas.
Referências bibliográficas

LIVROS E CAPÍTULOS DE LIVROS


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que você não pode deixar de ler. Rio de Janeiro: Memória Visual, 2007.
BENNETT, Charles Alpheus. História da educação em artes manuais e industriais: 1870 a 1927.
São Paulo: Senai-SP Editora, 2015
CUMMING, Valerie. Understanding fashion history. Londres: Pavillion Books, 2004.
EICHER, Joanne (Ed.). Dress and ethnicity: change across space and time. Oxford: Berg, 1995.
KAWAMURA, Yuniya. Fashionology: an introduction to fashion studies. Oxford: Berg, 2004.
LIPOVETSKY, Gilles. Império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas.
Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1989
MIGNOLO, Walter. Histórias locais / projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e
pensamento liminar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003
ROCHE, Daniel. Cultura das aparências: uma história da indumentária (séculos XVII XVIII). São
Paulo: Senac-SP Editora, 2007
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______. Establishing dress history. Manchester: Manchester University Press, 2004.

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18 ago. 2021. doi: https://doi.org/10.12957/revmar.2016.20876.

Coleção de Chapéus de Eva Klabin: estudo de caso e solução de acondicionamento

Eva Klabin Hat Collection: case study and storage conservation solution

Prof. dr. Ivan Coelho de Sá (Escola de Museologia – Unirio)


ivansamus@gmail.com
Profa. dra. Ruth Levy (Casa Museu Eva Klabin)
rlevy@evaklabin.org.br

RESUMO

Este artigo tem como objetivo registrar uma parceria entre a Casa Museu Eva Klabin e a Escola de
Museologia da Unirio visando a execução de um acondicionamento para uma coleção de chapéus que
pertenceram à colecionadora Eva Klabin. A ação foi desenvolvida como parte prática da disciplina
Museologia e Preservação IV, do Curso de Museologia Integral e o trabalho constou basicamente de:
diagnóstico, proposta e execução, cujo detalhamento é apresentado após uma contextualização sobre a
Casa Museu Eva Klabin e seu acervo de moda.
Palavras-chave: Casa Museu Eva Klabin. Preservação-Conservação. Acervo de Moda.

ABSTRACT

This article aims to register a partnership between the Eva Klabin House Museum and the School of
Museology from Unirio, intend to carry out an packaging based on studies of conservation for a collection
of hats that belonged to the collector Eva Klabin. The action was developed as a practical part of the
Museology and Preservation IV discipline of the Integral Museology Course and the work consisted
basically of diagnosis, proposal and execution, the details of which topic are presented after a
contextualization of the Eva Klabin House Museum and your fashion collection.
Keywords: Eva Klabin House Museum. Preservation-Conservation. Fashion Collection.
“[…] a conservação preventiva passa a ser de máxima importância
pois, ao ser regularmente observada e apoiada em alicerces
científicos e tecnológicos, retarda mudanças inevitáveis, e muitas
vezes, irreversíveis, sofridas principalmente pelos materiais de
origem orgânica.” (Violeta Cheniaux)

Introdução
A colecionadora Eva Klabin (Figuras 1 e 2) nasceu em São Paulo, em 1903, filha de uma família
de imigrantes lituanos que vieram para o Brasil no final do século XIX e fundaram a indústria Klabin de
papel e celulose. Eva passou a infância e a juventude entre o Brasil e a Europa e se estabeleceu no Rio
de Janeiro a partir do seu casamento com o advogado austríaco Paulo Rapaport, em 1933.
Foi uma colecionadora voraz e de gosto eclético e refinado. Não tendo herdeiros criou, um ano
antes de seu falecimento, a instituição que leva o seu nome, a fim de preservar sua casa e coleção como
museu.

Figura 1. Eva Klabin aos 19 anos. São Paulo, 1922. Figura 2. Eva Klabin. Nova York, 1930

Fonte: Arquivo Casa Museu Eva Klabin. Fonte: Arquivo Casa Museu Eva Klabin.

A Casa Museu Eva Klabin fica na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, no bairro da Lagoa. Foi
criada em 1990 e abriga a coleção reunida por Eva ao longo de sua vida, um importante acervo de arte
clássica, contando com mais de duas mil peças que vão do Egito antigo à primeira metade do século XX,
e abrange pinturas, esculturas, mobiliário, têxteis, prataria e objetos de arte decorativa. A coleção está em
exposição permanente, aberta ao público desde 1995, na casa-museu instalada na residência em que a
colecionadora viveu por mais de 30 anos

1 – O acervo da moda e a coleção de chapéus


Dentro da extensa coleção reunida por Eva Klabin, destaca-se o acervo de moda (Figura 3), que
guarda verdadeiras reminiscências, sobretudo dos anos entre 1950 e 1980. São modelos de casas
famosas como as francesas Christian Dior e Jean Patou, bem como a vasta produção da modista de sua
preferência, Zulnie David, profissional de origem romena com ateliê estabelecido no bairro de Laranjeiras,
que buscava regularmente em Paris as novidades e os finos tecidos que usava para confeccionar os
modelos de suas clientes, tendo vestido a alta sociedade carioca da época e promovido dezenas de
memoráveis desfiles de moda.

Figura 3. Acervo de moda Eva Klabin – modelo Jean Patou. Figura 4. Closet de Eva Klabin.

Fonte: foto Mario Grisolli. Arquivo Casa Museu Eva Klabin. Fonte: Arquivo Casa Museu Eva Klabin.

No guarda-roupa de Eva (Figura 4) destacam-se os vestidos de gala usados nas viagens a bordo
de luxuosos transatlânticos, as estolas de pele, as bolsas para diferentes ocasiões, os sapatos franceses
com as etiquetas Charles Jourdan e Chanel e os italianos do famoso sapateiro Salvatore Ferragamo, além
de outros ingleses e americanos. Luvas e perucas compõem ainda este guarda-roupa, que conta com mais
de 250 itens entre roupas e acessórios. Mas, um capítulo à parte dentro dessa fascinante coleção fica por
conta dos muitos e inseparáveis chapéus, acessórios indispensáveis no cotidiano da colecionadora, nas
suas viagens e nos eventos de gala. E é exatamente essa coleção de chapéus que deu ensejo ao trabalho
de conservação apresentado nesse artigo.

Figura 5. Quarto da colecionadora Eva Klabin.

Fonte: fotografia de Mario Grisolli. Arquivo Casa Museu Eva Klabin.

A coleção de chapéus de Eva Klabin conta com 38 peças, de diferentes estilos, materiais, cores,
marcas e procedências. Entre elas, alguns destaques podem ser apontados, como chapéus da Maison
Rose Valois (Figura 6), fundada em Paris em 1927; do modista parisiense Gilbert Orcel (Figura 7), nome
de destaque entre as décadas de 1930 e 1970, reconhecido pelas linhas esculturais de suas criações; de
Madame Paulette, conhecida como “a rainha das modistas e a modista das rainhas”, que cobriu as cabeças
femininas mais famosas de sua época, trabalhou para o teatro e o cinema, criando chapéus para My Fair
Lady e Gigi, e desenhou para grandes estilistas como Dior, Pierre Cardin, e Coco Chanel; e de Lilly Daché,
modista francesa que fez carreira nos Estados Unidos, alcançando enorme sucesso. A coleção conta ainda
com marcas italianas, como a famosa Cesare Canessa (Figura 8), além de etiquetas de Georgette, Fanny
e Sonia, estas com endereços cariocas.
Figura 6. Rose Valois (Paris).

Fonte: Arquivo Casa Museu Eva Klabin.

Figura 7. Gilbert Orcel (Paris). Figura 8. Cesare Canessa (Roma).

Fonte: Arquivo Casa Museu Eva Klabin. Fonte: Arquivo Casa Museu Eva Klabin.

Todo o acervo de moda de Eva Klabin está reunido no quarto da colecionadora; parte está em
exposição nas vitrines do closet, e as demais peças ficam acondicionadas em armários, que servem de
reserva técnica.
A necessidade de oferecer um acondicionamento adequado para os 23 chapéus guardados em
um desses armários, deu origem ao projeto aqui apresentado.

2 – Parceria Casa Museu Eva Klabin e Unirio: a metodologia

O projeto de acondicionamento dos 23 chapéus foi desenvolvido a partir de uma parceria da Casa
Museu Eva Klabin com a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro-Unirio, mais exatamente no
âmbito da disciplina Museologia e Preservação IV, cujo programa abrange, basicamente, conteúdos de
gestão, funcionamento e espacialidade de Reservas Técnicas estendendo-se para tópicos de
acondicionamento, embalagens, materiais recomendados versus materiais inadequados, manuseio e
transporte de acervos museológicos.
A disciplina, iniciada em 15/08/2019, possui uma carga horária de 60 horas/aula e foi oferecida ao
6º período do Curso de Museologia-Integral, às quintas-feiras, das 13 às 17 horas. Foram seis aulas
teóricas e onze aulas práticas, estas iniciadas em 10/10 e concluídas em 12/12/2019, perfazendo um total
de 45 horas. Como suporte didático à parte teórica foram utilizadas projeções de slides com imagens de
reservas técnicas de museus brasileiros e de outros países, bem como de exemplos de embalagens e
suportes de acondicionamento de variadas categorias de acervos museológicos. As questões de
localização, espaços e logística foram trabalhadas por meio de um exercício que previa um projeto
hipotético de uma reserva técnica próxima das normas ideais.
A parte prática constou exatamente do diagnóstico, da proposta e da execução de uma estrutura
para o acondicionamento dos chapéus da Casa Museu Eva Klabin, contando com o aporte técnico e o
acompanhamento da equipe deste Museu, constituída pelos museólogos Diogo Maia e Ruth Levy,
coautora deste artigo, bem como da estagiária Danielle Brandão e do auxiliar de conservação João Batista
Sousa.
A disciplina Museologia e Preservação IV contou, além do professor ministrante, também coautor
deste artigo, e da monitora Lorrayne Rodrigues, com os seguintes discentes: Agatha Souza, Danca
Mesquita, David Balzana, Débora Koury, Evelyn Vieira, Fabiana Vidal, Gabriel Monçores, Isabel Gomes,
Isabela Cruz, Johanna Kaltenecker, Joyce Mendes, Júlia Brandão, Júlia Mayer, Larissa Caroline Martins,
Luana Santos, Luisa Pereira, Luiza Estruc, Luiza Ribeiro, Mariana Gomes, Marina Montenegro, Nicole
Reiniger, Orlando Gomes, Patrícia de Mello Silva, Pedro Vialle, Rayssa Lisboa, Tássia Brito, Thamires
Avellar, Thamires Siqueira, Thiago Lucas da Silva e Yuri Marano.

3 – Caracterização da coleção e diagnóstico

Antes de discorremos sobre a proposta de acondicionamento dos chapéus faremos uma breve
caracterização sobre alguns aspectos materiais, técnicos e formais. O conjunto em questão refere-se a
chapéus femininos datados das décadas de 1950 e 1960, alguns de procedência europeia e outros
possivelmente de confecção brasileira. O formato é bastante variado, havendo chapéus de abas curtas e
médias, como um “fedora”,15 além dos tipos sem abas, como o pillbox,16 o clochê17 e uma boina.

15 Chapéu de abas e copa com depressão no alto, originalmente masculino, surgiu no século XIX, mas
houve adaptações femininas sobretudo nas décadas de 1940 e 1950.
16 Chapéu circular, pequeno e estreito, de aspecto simples e discreto daí o nome “caixa de comprimidos”;

sua praticidade fez com que fosse muito usado entre as décadas de 1930 e 1960.
17 Chapéu em formato de sino (clochê, em francês), de abas caídas, geralmente de feltro; surgiu entre as

décadas de 1920 e 1930.


Na estrutura das copas foram empregados materiais como o feltro18 e fibras têxteis como a ráfia,19
malha, veludo e seda, além de acessórios como fitas, penas de pássaros, pompons de lã, flores e folhas
em organdi de algodão. Apesar de não ter sido elaborado nenhum procedimento de desmonte depreende-
se que a parte interna das copas e abas foram reforçadas com elementos em papel, estruturas aramadas
e carneiras20 em tecido mais rígido. São materiais predominantemente orgânicos correspondendo à
categoria de materiais mais sensíveis que podem ser encontrados no universo dos acervos museológicos
exigindo cuidados especiais de conservação preventiva, tanto em reserva técnica quanto em exposição,
sobretudo em procedimentos de manuseio, transporte e acondicionamento, este último, exatamente o
objeto de estudo deste trabalho.
A proposta de idealizar e executar uma estrutura para acondicionamento do conjunto de chapéus
foi antecedida por um diagnóstico abrangendo três pontos principais: 1- Análise da situação da situação
em que os chapéus se encontravam acondicionados; 2- Análise do estado de conservação dos chapéus;
3- Avaliação do espaço disponível para projetar a nova estrutura de acondicionamento.
Os 23 chapéus encontravam-se guardados em cinco caixas com medidas semelhantes: três
maiores, com 24 cm de altura e 46 cm de diâmetro (Figura 9), e duas menores, com 25 cm de altura e 41
cm de diâmetro. Com isso, as três caixas maiores comportavam, cada uma, seis chapéus, ao passo que
as duas menores comportavam, cada uma, quatro chapéus.
Primeiramente, devemos considerar que, apesar de terem sido fabricadas especificamente para
chapéus, ou melhor dizendo para um chapéu, as cinco caixas não pertenciam, originalmente, aos chapéus
que guardava. Devemos considerar também que mesmo sendo caixas específicas para chapéus, o
papelão ácido21 utilizado na estrutura, ainda que relativamente resistente e de razoável qualidade,
contraindicava, igualmente, uma destinação como acondicionamento museográfico.22

18 Tecido não tecido feito de lã ou de outros pelos de animais, compactados por calandragem.
19 Fibra têxtil de palmeiras; em 1960 foi inventada uma imitação sintética.
20 Tira normalmente de pelica que guarnece a parte interna, inferior, da copa do chapéu.
21
A acidificação decorre dos componentes ácidos contidos na celulose, como a lignina e é acionada pela
interação dos altos índices de umidade relativa, temperatura e radiação, sobretudo ultravioleta. O papel
torna-se quebradiço e visualmente amarelecido.
22
As caixas de chapéu em papelão foram preservadas no acervo da Casa Museu Eva Klabin por se
tratarem de originais e serem representativas de uma época.
Figura 9. Caixa onde os chapéus estavam armazenados Figura 10. Espaço disponível.

Foto: Thiago Lucas. Fonte: Arquivo Casa Museu Eva Klabin.

No entanto, o aspecto que mais contrariava as normas de uma conservação museográfica, referia-
se às condições de guarda, ou seja, infringia um princípio básico: cada peça/objeto deve ter o ‘seu’ espaço
próprio, no qual deve ser acondicionado de forma perfeitamente confortável, isto é, sem sofrer nenhum
tipo de tensão.
Nas cinco caixas, os chapéus encontravam-se empilhados em espaços incompatíveis com a
quantidade de peças e sofriam tensões pela exiguidade e inexorável necessidade de sobreposições. Esta
situação é propícia a deformações que poderiam evoluir para futuras rupturas e esgarçamentos. Estes
males decorrentes de acondicionamento inadequado são cumulativos e potencializados em função do
tempo de exposição e das condições ambientais, associados ainda às fragilidades técnicas e materiais
dos objetos. Entretanto, ainda que inadequado, o empilhamento foi feito com cuidado e os níveis de
pressão eram baixos não chegando a provocar deformações irreversíveis, mesmo porque, além de serem
materiais de boa qualidade, as características de leveza dos elementos constituintes dos chapéus
contribuíram para inibir os danos que poderiam resultar deste estado de sobreposição. Certamente, a
longo prazo, a partir do acirramento dos processos naturais de deterioração, sobretudo de acidificação dos
materiais orgânicos, haveria uma progressão dos danos, inclusive decorrentes do próprio peso dos têxteis
que, associado à ação da gravidade, iria acionar forças de tensão no sentido de um achatamento das
estruturas.
Em resumo, independentemente do acondicionamento à base de sobreposições, os chapéus
encontravam-se em bom estado de conservação. A análise de cada peça indicou que estavam
preservadas em termos de integridade não havendo perdas ou rupturas, nem processos adiantados de
acidificação das fibras naturais. Não foram observados também ocorrência de esmaecimento avançado
das cores, nem de pontos de descolamentos, rupturas ou esgarçamentos.
A qualidade dos materiais utilizados e da própria fabricação, normalmente observadas em artigos
de luxo, como os chapéus, devem ter influenciado no adiamento dos processos de degradação. No
entanto, cabe registrar também o histórico destas peças, cujo uso e guarda, antes e depois da
musealização, certamente pautaram-se por uma cuidadosa prática de conservação. Tudo isso nos leva a
observar que a iniciativa de investir num acondicionamento mais apropriado dos chapéus ocorreu num
momento acertado, isto é, antes do avanço dos processos degenerativos irreversíveis.
O espaço que a Casa Museu Eva Klabin dispunha para acondicionamento dos chapéus consistia
na parte superior de um closet localizado no antigo quarto utilizado pela colecionadora, medindo
90x88x52cm, respectivamente de altura, largura e profundidade (Figura 10). Assim, qualquer estrutura a
ser projetada teria que se limitar e se adequar a este espaço. Não é muito para 23 chapéus, mais promissor
se considerarmos as caixas em que as peças se encontravam.
Não raro a questão espacial é um desafio que aflige a maioria das instituições museológicas
brasileiras e, em geral, as áreas destinadas às reservas técnicas são as mais comprometidas,
principalmente se são exíguas e o plano museológico prevê políticas de aquisição e expansão do acervo.
Mesmo tendo em conta as características tipológicas da Casa Museu Eva Klabin, ou seja, uma
casa-museu cujo acervo está em grande parte exposto, ainda assim há uma parte pequena, mas
significativa deste acervo, que não se encontra à mostra demandando um acondicionamento em reservas
técnicas, como é o caso dos chapéus.

4 – Análise e proposta de acondicionamento


4.1 – A estrutura/caixa
A partir do embasamento teórico relativo às questões do acondicionamento museográfico iniciou-
se uma reflexão sobre como conceber uma estrutura/caixa para o acondicionamento dos chapéus em
função do espaço disponível. E um dos pontos desenvolvidos do programa consistira exatamente na parte
específica dos suportes museográficos para reserva técnica e sua relação com os princípios da
Conservação Preventiva, além das possibilidades dos materiais recomendados para acondicionamento e
suas características físico-químicas, enfatizando-se aqueles que deveriam ser evitados por acarretarem
riscos à constituição física e material dos objetos/coleções. Outro tópico trabalhado constou das
características dos suportes, bem como dos requisitos que deveriam ser considerados, dos
objetos/coleções, num projeto de suporte/ acondicionamento: técnicas e materiais constitutivos; estrutura
e formato, inclusive partes vulneráveis; dimensões e peso; quantitativo; histórico e estado de conservação.
Fundamentadas nestas preleções teóricas, as discussões foram incentivadas com provocações
apresentadas pelo docente com o objetivo de chegar a uma proposta que pudesse se adequar ao espaço
e, ao mesmo tempo, contemplar os principais requisitos de um acondicionamento adequado. A análise da
coleção e a discussão sobre as possibilidades de acondicionamento foram feitas em conjunto e todos da
turma contribuíam com opiniões e sugestões. O manuseio dos chapéus era feito quando estritamente
necessário e sempre monitorado pelos técnicos da Casa Museu Eva Klabin.

Figura 11. Medidas do espaço disponível.

Fonte: desenho digital por Isabel Gomes.

Sempre com base nos pressupostos já trabalhados nas aulas teóricas, a discussão consistiu em
pensar a coleção considerando suas características físicas, materiais e morfológicas em função do espaço
disponível. O principal desafio da proposta era: qual seria a estrutura mais viável e adequada, possível,
para acondicionar os 23 chapéus num espaço de 90 x 88 x 52 cm (Figura 11), respeitando-se os princípios
de “individualização” de cada peça? Isto é, cada chapéu deveria ter o seu espaço próprio, onde ficaria
acondicionado confortavelmente, sem nenhum estresse, nem pressão de seu próprio peso e livre do
contato direto com outros chapéus, como vinha ocorrendo na situação anteriormente descrita.

Figura 12. A turma e o primeiro contato com os chapéus.

Foto: Isabel Gomes.


Para auxiliar na construção de uma proposta de acondicionamento os chapéus foram distribuídos
sobre o tampo da mesa, previamente protegido com uma manta de TNT 23 branco, em três fileiras de 8, 8
e 7 (Figura 12). Esta disposição permitiu uma análise dos tamanhos e formatos possibilitando a
comparação e uma primeira organização por alturas e larguras (Figuras 13, 14, 15 e 16). Apesar de haver
formatos mais largos e outros mais estreitos, a peça mais peculiar referia-se a um chapéu menor, do tipo
pillbox, com espécie de cauda (Figura 13), característica que motivou o entendimento de que, apesar de
pequeno, teria que ocupar o espaço de dois, ou seja, o do chapéu propriamente dito (sua copa) e outro
para acomodação da cauda. Esta constatação de um chapéu ‘duplo’ possibilitou uma organização em
colunas de 8, 8 e 8 (7 + 1, a cauda), isto é, uma organização e distribuição em 24 ‘células’.

Figura 13. Chapéu preto da direita refere-se ao pilbox


com cauda. Figura 14

Foto: Thiago Lucas. Foto: Thiago Lucas.

Figura 15 Figura 16

Foto: Isabel Gomes. Foto: Isabel Gomes.

Esta primeira organização possibilitou uma segunda proposta de arrumação em três módulos,
cada um com quatro nichos sobrepostos, cujo interior permitiria, cada um, a colocação de dois chapéus.

23
Tecido não tecido, termo utilizado na indústria têxtil para designar materiais semelhantes a tecidos, ou
seja, de estrutura plana, flexível e porosa, mas cuja confecção não implica a tecelagem e sim processos
mecânicos combinando a compressão térmica de filamentos de polímeros, geralmente o polipropileno.
Estes três módulos seriam confeccionados inteiramente com placas de polipropileno24 constituindo, juntos,
uma grande caixa retangular. As propostas surgidas eram expostas por meio de desenhos rápidos para
possibilitar a visualização e o melhor entendimento da ideia (Figuras 17, 18 e 19). Nesta altura foi feito um
remanejamento de chapéus permitindo uma reorganização por similaridade de larguras, isto é, chapéu
sem abas ou de abas estreitas e chapéus de abas mais largas.
O exercício culminou com o amadurecimento de uma proposta que se mostrou mais adequada
por conciliar os critérios básicos de um acondicionamento museográfico às limitações do espaço
disponível. A proposta foi concebida de forma a otimizar tridimensionalmente o espaço, ou seja, aproveitar
toda a área cúbica da parte superior do closet.
Assim, pensando numa distribuição dos chapéus por larguras e alturas, maiores e menores, o
próximo passo consistiu em pensar e calcular a distribuição dos chapéus organizando-os em três módulos
verticais, cada um com quatro nichos/prateleiras contendo dois chapéus, à exceção do que foi reservado
para o chapéu de cauda que ocuparia o espaço de dois.
Conforme a necessidade de adequar os três módulos às larguras dos chapéus, chegou-se à
concepção de um módulo com 35 cm de largura, para os chapéus amplos, e dois módulos mais estreitos,
com 26 cm de largura, para as peças menos largas (Figura 20). Para atender às diversas alturas, isto é,
chapéus mais elevados e outros mais achatados, padronizou-se a altura dos nichos em aproximadamente
20 cm, dimensão que atenderia a todos os tipos. Em função das dimensões do espaço do closet foram
mantidas a altura total e a profundidade de cada módulo em respectivamente 90 e 52cm.
Figura 17 Figura 18

Foto: Thiago Lucas. Foto: Thiago Lucas.

24
Placa de plástico à base de polipropileno surgida na década de 1970; também conhecida como
polionda; tem superfícies lisas e interiores estruturados por nervuras longitudinais que permitem
uma composição de 70% de ar, o que confere leveza ao material, apesar de sua relativa rigidez
e resistência.
Figura 19 Figura 20

Foto: Thiago Lucas. Foto: Thiago Lucas.

Em termos de largura total, isto é, considerando a junção dos três módulos, chegou-se a 88 cm,
dimensão compatível com a largura do closet. Em outras palavras, o conjunto dos três módulos em relação
à altura, à largura e à profundidade, se encaixaria e ocuparia, com exatidão, o espaço da parte superior
do closet.

4.2 – O suporte/’Cabeça’

Resolvida a questão da estrutura/caixa para armazenamento do conjunto de chapéus, passou-se


à discussão de como seria o suporte primário, isto é, o suporte individual onde cada chapéu seria
acondicionado. Este suporte primário tem como principal característica o fato de estar em contato direto
com a peça. Se considerarmos o acondicionamento museográfico de maneira ampla, ou seja, um sistema
articulado de camadas de proteção que cada objeto deve ter em uma reserva técnica teremos, então: 1-
O espaço arquitetônico do closet do quarto de dormir, como um suporte quaternário; 2- O armário
propriamente dito constituindo o suporte terciário; 3- A estrutura/caixa de polipropileno funcionando como
suporte secundário; e por fim, 4- O suporte primário, individual de cada chapéu, isto é, aquele em contato
mais ‘íntimo’ com a peça.
Esta relação de ‘intimidade’ do suporte primário com o objeto museológico potencializa a
necessidade de empregar materiais perfeitamente estáveis e inócuos, ou seja, materiais quimicamente
inertes que não possam contaminar a peça nem acionar processos químicos em sua estrutura material.
Além disso, os materiais componentes deste suporte primário devem ser igualmente inertes no sentido de
não interagirem com o meio ambiente e, portanto, não podem ser de origem orgânica, pois favoreceriam,
por exemplo, uma maior capacidade de absorção de umidade e de poeira.
Outra qualidade que se espera de um suporte museográfico primário é a propriedade de
autossustentação na medida em que, para sustentar um determinado objeto, antes de tudo este suporte
tem que ter solidez e rigidez suficientes, para se autossustentar e poder cumprir, exemplarmente, suas
funções de sustentáculo e proteção. Por fim, outros aspectos importantes seriam a capacidade de
adequar-se ergonomicamente ao objeto musealizado permitindo um ajuste preciso e confortável, além de
funcionar como amortecedor, sobretudo no sentido de neutralizar o próprio peso do objeto e de atenuar a
ação da gravidade. Estas características são imprescindíveis em se tratando de acervos têxteis,
principalmente no caso específico dos chapéus, não somente por terem uma estrutura tridimensional, mas,
em particular, pela configuração côncava que exige um preenchimento interno com a tripla função de
suportar, amortecer e neutralizar o próprio peso.
Estes requisitos técnicos foram considerados na concepção de um suporte individual fazendo as
vezes de ‘cabeça’ para cada chapéu. Cada suporte/’cabeça’ receberia um tratamento individualizado em
relação ao chapéu que iria sustentar. A ‘cabeça’ seria estruturada internamente pela sobreposição de
espumas de polietileno25, brancas, de 10mm, costuradas com linhas 100% poliéster,26 número 000;
acolchoada com camadas de manta acrílica,27 de 20mm, e revestimento final de malha cirúrgica,28 branca,
100% poliéster, cuja fixação seria feita igualmente com linha de 100% poliéster; e, por fim, montada numa
base retangular em polipropileno/polionda, branca, de 2 mm. Além de auxiliar na fixação da manta acrílica,
a malha cirúrgica funcionaria como isolante evitando o contato da parte interna do chapéu com a textura
áspera da manta acrílica.

5- Execução
5.1- Suporte/'Cabeça'

A etapa de idealização da proposta de acondicionamento, narrada anteriormente, privilegiou o


caráter racional que deve orientar qualquer planejamento de reserva técnica. A racionalidade foi trabalhada
por meio de um exercício de reflexão e discussão para estimular, nos estudantes, o pensamento crítico
aplicado ao projeto de um suporte no qual teriam de ser postos em prática vários princípios teóricos de
Conservação Preventiva.
Na próxima etapa, a execução do projeto, teve que prevalecer o senso de organização, na
medida em que continuaria a envolver a participação de toda a turma, mas agora em atividades
essencialmente práticas num espaço relativamente pequeno. E também pela necessidade de agilizar o

25
Espuma de polietileno ou polietileno expandido é encontrado no formato de placas ou mantas flexíveis
com excelente capacidade de amortecer choques mecânicos.
26
Polímero muito resistente a umidade; inventado na década de 1940, cujo o termo é derivado de
politereftalato de etileno-PET.
27
Espécie de espuma, também conhecida como acrilon, composta por fibra 100% de poliéster.
28
Malha tubular, sintética, 100% poliéster, também chamada malha ortopédica.
processo para viabilizar o término do trabalho em função do final do período letivo, ou seja, sincronizar
com o fechamento da carga horária da disciplina.
Por uma questão de funcionalidade, a execução teve início pela parte de maior complexidade,
isto é, pela confecção dos suportes/'cabeças', etapa que demandaria mais tempo e exigiria mais acuidade
e atenção, exatamente pelas razões já expostas de uma relação direta com o objeto musealizado e,
consequentemente, um ajuste individualizado do suporte a cada chapéu.
Para otimizar a confecção repetitiva de 23 suportes/’cabeças’ praticamente iguais em termos de
configuração, mas totalmente diferentes em relação às dimensões recorreu-se a uma ‘linha de produção’
em série que agilizasse o processo de maneira ordenada visando racionalizar o tempo e evitar possíveis
atropelos num trabalho envolvendo muitas mãos.
A ’linha de produção’ iniciou-se pela confecção da parte estruturante dos suportes/’cabeça’. Foram
cortadas as espumas de polietileno, quadrangulares, sobrepostas conforme a altura de cada chapéu, e
costuradas umas sobre as outras para imobilizá-las (Figuras 21, 22 e 23).
Em seguida, os suportes/’cabeças’ já montados foram desbastados para dar o formato da
concavidade de cada chapéu (Figuras 24, 25, 26 e 27). Isto quer dizer que cada estrutura/’cabeça’ foi feita
sob medida e para obter um resultado satisfatório foi necessário fazer pelo menos duas provas diretamente
na peça (Figuras 28 e 29), após o desbaste e depois do acolchoamento (Figuras 30 e 31), e acabamento
com malha cirúrgica (Figuras 32, 33, 34 e 35). Esta etapa exigiu uma atenção redobrada para que a
superfície convexa da ‘cabeça’ acolchoada fosse o mais anatomicamente possível ajustada à concavidade
do chapéu.
Como cada um dos 23 suportes/‘cabeças’ é individualizado houve a necessidade de um controle
de identificação para que o suporte não perdesse a referência em relação ao chapéu que iria servir de
apoio. Após as provas que indicavam o ajuste correto de cada chapéu a sua respectiva ‘cabeça’, uma
reprodução fotográfica deste mesmo chapéu era fixada com fita gomada, provisoriamente, na sua parte
inferior, evitando-se que as peças fossem confundidas entre si (Figura 36).
Ao final, as ‘cabeças’ foram fixadas sobre as bases retangulares de polipropileno/polionda com
linha 100% poliéster. Como acabamento, as extremidades foram revestidas com fitas de Tyvek,29 brancas,
com adesivo neutro para vedar os sulcos da estrutura alveolar da polionda (Figuras 37 e 38).
O único suporte primário individual que assumiu um formato diferenciado refere-se ao do chapéu
com cauda, cuja base ficou com uma das extremidades mais alongada para acomodar o panejamento.
Por outro lado, para evitar dobras e amarrotamentos que fatalmente provocariam tensões e futuros
problemas de fragilização das fibras, caso a cauda ficasse solta, pensou-se numa peça que pudesse

29
Marca de um tecido não tecido, sintético, constituído de filamentos de polietileno.
estruturar, envolver e amortecer o panejamento. Assim, foi confeccionada uma espécie de almofada
constituída de um rolo de espuma de polietileno branco, acolchoado com manta acrílica, revestida de
acabamento de malha cirúrgica de poliéster e costurada com linha 100% poliéster número 000. A parte
excedente da malha cirúrgica, nas extremidades, foi amarrada com a mesma linha e com isso a peça
assumiu o formato de um bombom alongado.
A ‘linha de produção’, constituída de vários grupos de estudantes, encarregou-se das várias fases
de execução das estruturas projetadas que podem ser sintetizadas nas seguintes etapas:
1ª) Preparação dos materiais:
– Corte das espumas de polietilenos da estrutura/ ‘cabeça’ (Figuras 21, 22 e 23).
– Corte de placas retangulares de polipropileno/polionda (bases)
– Cortes de retalhos, também em formato retangular, de manta acrílica (acolchoamento) e de malha
cirúrgica (revestimento/acabamento).
Figuras 21, 22 e 23.

Fotos: Thiago Lucas.

2ª) Higienização dos materiais:


– Remoção das linhas de marcação a lápis e caneta, das placas de polipropileno e das espumas de
polietileno, com borracha vinílica e/ou álcool etílico.
3ª) Montagem das estruturas/ ‘cabeças’:
– Sobreposição das espumas de polietileno que constituirão a estrutura do suporte (‘cabeça’), conforme a
altura aproximada de cada chapéu (Figura 24).
– Imobilização das espumas de polietileno com costuras de linha 100% poliéster número 000.
– Desbaste da estrutura de polietileno para dar o formato interno da copa de cada chapéu, prevendo-se
uma folga para o acolchoamento com manta acrílica (Figuras 25, 27 e 28).
– Primeira prova para testar o encaixe do chapéu (Figuras 26 e 29).
Figuras 24, 25 e 26.

Fotos: Thiago Lucas.

Figura 27

Foto: Isabel Gomes.

4ª) Acolchoamento:
– Revestimento das ‘cabeças’ com manta acrílica (Figuras 30 e 31) sobreposta pela malha cirúrgica.
– Provas com o chapéu para garantir o ajuste adequado.
– Fixação da manta acrílica e da malha cirúrgica com linha de poliéster número 000 nas bordas inferiores
da ‘cabeça’ (Figuras 32, 33, 34 e 35).
Figuras 28, 29, 30 e 31.

Fotos: Isabel Gomes.

– Identificação provisória com reprodução fotográfica na base de cada ‘cabeça’ em relação ao chapéu que
vai sustentar (Figura 36).

Figuras 32, 33, 34, 35 e 36.

Fotos: Isabel Gomes.

5ª) Acabamento:
– Nova limpeza das bases retangulares de polipropileno/polionda com álcool etílico.
– Fixação das ‘cabeças’, já acolchoadas, sobre estas bases, também utilizando linha de poliéster (Figura
38).
– Vedação das bordas da base com fitas de tyvek, brancas, 100% poliéster, para bloquear os interstícios
da estrutura alveolar do polipropileno e evitar o acúmulo de poeira (Figura 37).
Figura 37 Figura 38

Foto: Isabel Gomes. Foto: Isabel Gomes.

5.2- Estrutura/Caixa

Resolvida a confecção dos 23 suportes/'cabeças' passou-se, finalmente, à execução da


estrutura/caixa. Mesmo não tendo a complexidade das 'cabeças', mais uma vez houve a necessidade de
racionalizar as atividades da equipe e de organizá-la em grupos correspondendo às fases do trabalho. As
atividades iniciaram-se pela marcação, corte e preparação das placas de polipropileno a serem
empregadas na ‘arquitetura’ da caixa, ou melhor, dos três módulos que, uma vez acostados, irão configurar
uma grande caixa retangular a ser ajustada, com exatidão, ao espaço superior do closet.
A parte interna de cada módulo foi dividida por três plataformas formando, juntamente com a base,
quatro prateleiras (Figura 17). Tanto a estrutura externa de cada módulo, quanto a parte interna foram
consolidadas por meio de costuras com linhas 100% poliéster, número 000, sem adição de adesivo (Figura
39). Somente a parte frontal foi mantida aberta para permitir o acesso aos chapéus.
O polipropileno (polionda) foi escolhido por ter rigidez suficiente para suportar a sobreposição dos
chapéus. Entretanto, apesar de rígido, é um material leve que favorece a confecção de prateleiras para
sobreposição, uma vez que não pressupõe adicionar sobrepeso à estrutura. Por isso, presta-se para
suportar bem e com segurança, peças leves em têxtil, como os chapéus. Devemos considerar também o
fato de o polipropileno ser um bom isolante térmico e de não favorecer a absorção de umidade e poeira.
Além disso, caso necessário, permite a limpeza periódica com álcool etílico ou água.
As linhas de poliéster possuem estas mesmas características, pois também não têm capacidade
de absorver umidade e poeira. São resistentes e não passam por processos de degradação como as linhas
de materiais orgânicos, como as de algodão, que se acidificam e se tornam quebradiças em decorrência
dos altos índices de umidade relativa, temperatura e radiação ultravioleta.
Na confecção da estrutura/caixa a preocupação e a atenção maior concentraram-se na precisão
das medidas de cada peça em polipropileno a ser cortada, uma vez que teriam de se ajustar perfeitamente
ao espaço do closet. A 'linha de produção', ainda que mais 'simples' e demandar menos participantes,
seguiu a mesma lógica de funcionalidade por etapas:

1ª) Preparação dos materiais


– Medição, marcação e corte das placas de polipropileno/polionda para estruturar os flancos laterais,
inferiores (bases), superiores (tetos) e posteriores (fundos) de cada módulo.
– Corte das placas de polipropileno para constituir as plataformas/prateleiras de cada nicho.
– Vincamento e dobradura das abas por onde irão passar as laçadas das costuras com linha 100%
poliéster número 000.

2ª) Higienização das placas


– Remoção das linhas de marcação a lápis ou caneta com borracha vinílica e álcool etílico.

3ª) Vedação
– Proteção dos interstícios da estrutura alveolar, nas extremidades de cada placa de polipropileno, com
fita tyvek para inibir o acúmulo de poeira (Figura 40).

4ª) Montagem
– Estruturação dos flancos (laterais, tetos, bases e fundos) com laçadas de linha de poliéster (Figuras 41
e 42).
– Marcação das alturas de cada nicho e fixação das prateleiras com mesma linha de poliéster.
– Nova limpeza com álcool etílico.
– Colocação dos suportes/'cabeças' com seus respectivos chapéus para teste final (Figuras 43, 44, 45 e
46).
Figuras 39, 40, 41, 42, 43 e 44.

Fotos: Thiago Lucas.


5ª) Finalização
– Inserção dos três módulos no espaço do closet da Casa Museu Eva Klabin pelos técnicos desta
instituição.
– Arrumação definitiva dos chapéus nos nichos pelos mesmos profissionais (Figuras 47).

Considerações finais

A experiência de conceber e realizar um projeto de acondicionamento de um conjunto de chapéus


da Casa Museu Eva Klabin foi um exercício muito positivo para os graduandos do Curso de Museologia,
pois possibilitou o contato com problemas e questões que são específicas e reincidentes nos museus
brasileiros.
Ainda que trabalhando um quantitativo pequeno de 23 peças, a experiência demonstrou a natural
vocação da Conservação Preventiva em pensar em termos de coleção e o quanto a unidade de uma
coleção homogênea assume um papel importante, na medida em que se torna parâmetro de tratamento
para os demais. Por outro lado, a análise do conjunto levou à compreensão de que, mesmo se referindo a
um conjunto com características semelhantes, a homogeneidade tem que ser relativizada. É o caso do
chapéu de cauda que revelou a necessidade de um tratamento diferenciado.
Tudo isso converge para o princípio de que a Conservação Preventiva trabalha com o princípio de
um diagnóstico geral da coleção, mas também que, dentro de uma coleção, pode haver a necessidade de
uma avaliação individualizada.
Também no contexto da Conservação Preventiva a experiência evidenciou a importância de um
acondicionamento museográfico adequado para a estabilização dos acervos, sobretudo de natureza
orgânica, como os têxteis, cujas características materiais e estruturais exigem suportes com finalidades
não somente de proteção contra os agentes ambientais como ar, umidade relativa, temperatura, poeira e
luz, natural e artificial, mas também pela potencial função de sustentar e amortecer o peso da peça, além
de neutralizar a ação da gravidade.
A experiência teórica e prática deste projeto de acondicionamento revelou também a importância
do trabalho em equipe numa atividade de Conservação Preventiva, tanto em relação à discussão
conceitual e teórica de uma proposta, como à aplicação prática dela. Quanto mais cuidadosamente uma
proposta for pensada e discutida, pesando-se os prós e os contras, menos chances de erro ocorrerão ao
ser concretizada.
Um trabalho em equipe é imprescindível a todas as atividades de Conservação Preventiva,
exatamente pela abrangência desta área se considerarmos o montante de acervo que uma instituição
museológica possui. Entretanto, quanto mais numerosa for esta equipe, maior a necessidade de organizar
racionalmente as etapas de execução. No caso em pauta, por se tratar de uma turma de graduandos em
Museologia, o quantitativo de participantes foi favorável no sentido de otimizar as tarefas e agilizar a
produção, sobretudo dos elementos em série. Não obstante, tornou-se premente uma organização e um
monitoramento constante dos grupos visando racionalizar o trabalho e obter, ao final, um resultado em
sintonia com a proposta que havia sido projetada.
Para concluir, resta-nos observar o caráter vital da Conservação Preventiva à preservação das
coleções musealizadas e o quanto as normas de guarda e acondicionamento são fundamentais à
estabilização destes acervos. Estabilizá-los, ou seja, estancar os processos de degradação, deveria ser
uma prioridade por parte de todas as instituições que têm patrimônio sob sua proteção. Os objetos de
origem orgânica, como os têxteis, sobretudo, têm uma materialidade finita que pode ser potencialmente
controlada pelo 'simples' investimento em normas adequadas de acondicionamento. No entanto, cabe
fundamentalmente às instituições, por meio de sua política de preservação expressa no plano
museológico, a conscientização ou não de investir em estratégias, posturas e recursos humanos e
materiais de preservação.
Figuras 45, 46 e 47.

Fotos: Lorrayne Rodrigues (45) Thiago Lucas (46) e Arquivo Casa Museu Eva Klabin (47)
Referências bibliográficas

CARVALHO, Ana Paula Lima de et al. Memória viva de Eva Klabin: do guarda-roupa à formação do acevo
têxtil. In: SEMINÁRIO MODA: UMA ABORDAGEM MUSEOLÓGICA: um novo olhar para as coleções de
moda e seus desdobramentos, 2., 2019, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui
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em: 8 nov. 2021.

DOCTORS, Marcio; LEVY, Ruth. Viagens de Eva. Rio de Janeiro: Fundação Eva Klabin. Catálogo da
Exposição, 2012. 64p.

SÁ, Ivan C. de. A importância do suporte na conservação preventiva de objetos de pequeno porte. Apostila
da disciplina Museologia e Preservação IV. Escola de Museologia. DEPM-CCH-Unirio. 2011. 4p.

__________. Reservas técnicas: normas gerais de organização e funcionamento. Apostila da disciplina


Museologia e Preservação IV. Escola de Museologia. DEPM-CCH-Unirio. 2011. 7p.
A COLEÇÃO CHARLES WORTH NO MUSEU CASA DA HERA:
UMA INVESTIGAÇÃO BASEADA NOS OBJETOS

The Charles Worth Collection at the Casa da Hera Museum:


an object-based investigation

Prof. Me. Flávio Oscar Nunes Bragança


(Universidade Veiga de Almeida – UVA)
braganca.flavio@gmail.com

RESUMO
Este artigo apresenta uma investigação da Coleção Charles Worth no Museu Casa da Hera, situado
em Vassouras, Rio de Janeiro. Contextualiza a história da residência como museu, assim como da
sua antiga proprietária, Eufrásia Teixeira Leite. Dez trajes femininos de alta-costura francesa do
acervo apresentam a etiqueta da Maison Worth, dos quais quatro foram examinados tendo como
principal metodologia a abordagem baseada nos objetos.
Palavras-chave: Museu. Alta-Costura. Pesquisa Baseada no Objeto.

ABSTRACT
This article presents an investigation of the Charles Worth Collection at Casa da Hera Museum,
located in Vassouras, Rio de Janeiro. It contextualizes the history of the residence as a museum, as
well as that of its former owner, Eufrásia Teixeira Leite. Ten women's French haute couture garments
from the collection feature the Maison Worth label, which four have been examined using the object-
based approach as the main methodology.
Keywords: Museum. Couture. Object-Based Research.

Introdução

Um vestido de veludo preto cuja ausência de adornos valoriza a silhueta elegante apresenta
um amplo decote em forma de laço e uma cauda tipo altar que se assenta sobre o piso de madeira.
O traje aparece num salão de baile decorado com papel de parede estampado com arabescos
estilizados, no fundo um aparador e uma cadeira de jacarandá-cabiúna no estilo Luís Felipe, o
espelho de moldura dourada reflete as cortinas amarelas adamascadas e parte de um raro piano
Henri Herz. A composição pomposa descrita é de uma imagem difundida do Museu Casa da Hera -
MCH, conjunto de edificação e chácara localizado em Vassouras, cidade fluminense do Vale do
Paraíba. O salão, chamado de amarelo, foi cenário dos bailes e saraus da família de Joaquim José
Teixeira Leite (1812-1872), e o vestido a que se refere está etiquetado com a grife francesa Worth,
e provavelmente pertenceu a sua filha casula, Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930). Todavia, tal
vestido raramente é exposto por questões de conservação, o que pode decepcionar o visitante
desavisado.
Em 2014, participamos como professores em Design de Moda de uma visita técnica ao
museu vassourense para conhecermos o acervo de indumentária. Tínhamos a informação que a
coleção era composta por trajes de origem francesa, mas nos surpreendemos com a relevância e a
beleza das peças. Lamentamos o fato que a maioria das vestimentas não é exibida aos visitantes
do museu e pela inexistência de pesquisa sobre o precioso acervo. A partir dessas constatações e
motivados pela museóloga do MCH, Aline Bougleux, criamos o grupo de pesquisa Design, Cultura
e Memória. Percebemos a oportunidade rara e valiosa da troca de conhecimentos entre as práticas
em Design de Moda, Museologia e Conservação envolvendo estudantes, professores, técnicos em
modelagem e profissionais de museus. Junto com a professora de modelagem Ana Carolina
Umbelino concebemos o projeto “As Vestes de Eufrásia” com o intuito de estudar as peças históricas
de altacostura em sua tridimensionalidade, seus materiais e técnicas de construção. As
metodologias empregadas incluíam a confecção de duplicatas em tela de algodão que
intencionamos serem as mais fiéis possíveis aos originais em termos de modelagem e construção.
Foram realizados cinco projetos de iniciação científica com os alunos de Design de Moda da
Universidade Veiga de Almeida, a partir da abordagem interdisciplinar baseada no objeto. O diálogo
entre disciplinas afins favoreceu a experimentação de procedimentos como o estudo analítico de
materiais, corte e construção. A observação dos artefatos foi acompanhada da aferição de medidas,
identificação de procedimentos originais, modificações e reparos. Foram feitos esboços, fotografias
e desenhos das peças. A aquisição de conhecimento específico dos trajes foi corroborada pela
investigação documental nas fichas de catalogação e conservação/restauro. A partir dessas
análises buscou-se informações contextuais na bibliografia especializada que os localizassem na
História da Moda.
O acervo de indumentária do Museu Casa da Hera está composto por 48 peças, em sua
maioria da alta-costura francesa, num recorte temporal das últimas décadas do século XIX ao início
do XX. São trajes femininos que evocam o período da Belle Époque em Paris. Estão representados
grandes nomes da alta-costura francesa, como um peignoir etiquetado Jacques Doucet (1853-
1929), partes de uma fantasia de Madame Paquin (1869-1936), e um casaco e uma saia da Maison
Rouff, fundada em 1884. A ênfase da coleção está em dez peças grifadas com a etiqueta da Maison
Worth. O inglês Charles Frederick Worth (1825-1865) é considerado pai da alta-costura por ter
instituído a si mesmo o status de criador e não somente um fornecedor, como acontecia com os
seus antecessores.
Este artigo objetiva contextualizar a coleção Worth do Museu Casa da Hera a partir das
pesquisas realizadas de maneira que possamos compreender sua importância e delinear seu lugar
na História da Moda. Para alcançamos nosso objetivo recorreremos a um levantamento
historiográfico sobre a Casa da Hera conexos à biografia de Eufrásia Teixeira Leite, por Ernesto J.
C. R. Catharino (1992), Miridan Falci e Hildete Melo (2012) e Neusa Fernandes (2012).
Apresentaremos alguns dados que compõem a historicidade da coleção de indumentária do MCH
coletados a partir de documentos, como o inventário de Eufrásia Teixeira Leite, antigos impressos
utilizados na divulgação do museu e relatos dos antigos funcionários. Nos referenciaremos em
Pierre Bourdieu (2008), Gilles Lipovetsky (1989), Diana de Marly (1980), Amy de la Haye e Valerie
D. Mendes (2014) para discutir a alta-costura francesa e a Maison Worth. Apresentaremos os trajes
da referida grife francesa, sendo que quatro deles investigados no Projeto Vestes de Eufrásia,
através das reproduções realizadas tendo como metodologia a abordagem interdisciplinar baseada
no objeto.
Nosso estudo apresenta alguns cruzamentos diacrônicos de temporalidades, seja pela
biografia de Eufrásia Teixeira Leite e Charles Frederick Worth, ou seja, pela nossa aspiração em
estabelecer uma cronologia do acervo de indumentária do MCH. Assim como, estamos expondo o
tempo do museu como instituição e espaço de pesquisa. Enquanto pesquisadores falamos deste
momento presente no qual o trabalho de investigação promove inúmeros encontros e ressonâncias.

1 - Não se mexa na casa de meus pais!


A musealização resulta da vontade de determinados indivíduos que valoram conformações
atribuídas aos objetos. Essa valoração de certos aspectos da realidade corresponde à apreensão
do caráter museológico das coisas, ou seja, a musealidade (STRÁNSKÝ, 1987). O Museu Casa da
Hera consiste num bom exemplo desse processo. Abrange uma série de fatos que se iniciam pela
vontade de Eufrásia Teixeira Leite de preservar a casa dos pais com a mesma configuração na qual
ela tinha vivido na juventude. A efetivação como instituição museológica ocorreu após 35 anos de
seu falecimento, o que demonstra a ressonância da sua vontade sobre os sujeitos que a sucederam
na guarda da casa. Se considerarmos as tensões e descontinuidades nesse período, e a posteriori,
podemos conjeturar que o seu desejo de controle da realidade se perpetua até nossos dias na forma
do museu.
A Casa da Hera é uma construção urbana oitocentista inserida numa chácara próxima ao
centro histórico de Vassouras. O Vale do Paraíba no século XIX testemunhou seu crescimento
econômico devido à produção cafeeira e o modelo escravocrata de trabalho. A partir de 1843 passou
a ser residência do advogado Joaquim José Teixeira Leite que provinha empréstimos a juros aos
fazendeiros produtores. A edificação, com sua decoração característica e seu mobiliário requintado,
é um exemplo de moradia urbana de família abastada. Casou-se com Ana Esméria Correia e Castro
(1827 - 1871), filha do barão de Campo Belo, sacramentando a união de duas famílias fundamentais
no desenvolvimento da cidade. O casal gerou duas meninas, Francisca Bernardina Teixeira Leite
(1845-1899) e Eufrásia Teixeira Leite, e um menino Francisco que morreu na infância.
Em Vassouras, Eufrásia recebeu cuidadosa educação na escola de moças da madame
Grivet, colégio progressista de acordo com a cultura parisiense que dominava o momento, além de
francês, aprendeu boas maneiras e a tocar piano (FERNANDES, 2012, p. 47). Para além da
instrução para mulheres que a sociedade da época privilegiava, possivelmente Joaquim José “teria
ensinado matemática financeira às filhas como se filhos homens fossem” (IBRAM, 2014, p.41). A
aproximação com os negócios parecia inevitável, visto que a residência dos Teixeira Leite era um
polo catalizador do mercado cafeeiro, onde a elite se reunia em sofisticados jantares, bailes e
saraus.
Em 1871, Francisca completou 26 e Eufrásia 21, quando sua mãe veio a óbito, no ano
seguinte Joaquim José também faleceu. Assim herdaram uma grande fortuna, valor que
correspondia a 5% das exportações brasileiras na ocasião. Logo após, morreu sua avó materna,
aumentando ainda mais a rica herança (FERNANDES, 2012, p. 57). Solteiras e gerindo um
patrimônio milionário, seriam pressionadas pelos tios a fazerem casamentos indesejados. Então
decidiram morar em Paris, venderam a casa do Rio de Janeiro, ações e títulos. Na ausência das
proprietárias, a chácara e a casa em Vassouras receberam os cuidados do ex-escravizado Manuel
da Silva Rebello, que ocupou a função de caseiro, foi dele a ideia de plantar a hera nas fachadas,
em 1887.
Embarcaram rumo à Europa em agosto de 1873. Eufrásia encontrou-se a bordo com
Joaquim Nabuco (1849-1910), estabeleceram compromisso e chegaram noivos ao destino. Foram
quatorze anos de um relacionamento instável com inúmeros rompimentos. Eram movidos pelo
romantismo, mas ambos nutriam interesses diferentes que impediam o matrimônio. Enquanto no
Brasil, o político Nabuco tornou-se um defensor ferrenho da abolição do sistema escravocrata,
Eufrásia, herdeira do capital oriundo do trabalho escravo, encontrou autonomia como financista na
Europa (FERNANDES, 2012).
Em Paris, as irmãs adquiriram uma habitação de luxo com cinco andares na rue de
Bassano, próxima ao Arco do Triunfo. Mantiveram uma vida social intensa em recepções na
residência, assim como em concertos, óperas, teatros, jantares, turfe, viagens à Itália e à Espanha
(FALCI; MELO, 2012, p. 91). Seus nomes aparecem nas principais listas de convidados do grand
monde parisiense. Em 22 de novembro de 1899, Francisca faleceu, Eufrásia era a única herdeira
da irmã e seu espólio fez crescer a sua fortuna. Prosseguiu no seu empenho como mulher de
negócios e os jornais franceses continuaram a informar suas atividades sociais.
Conservou a Casa da Hera durante nos 50 anos que viveu na França, em cartas ao caseiro
Manuel da Silva Rebello ordenava “não se mexa na casa de meus pais” (ALVES, 2014, p.48).
Regressou ao Brasil em 1922 e em 1924, antes de retornar definitivamente em 1926. Passou a viver
entre o Rio de Janeiro, onde ficava hospedada no Hotel dos Estrangeiros, no atual bairro do
Flamengo, e em Vassouras, na Casa da Hera. Sua astúcia financeira quando em idade avançada
pode ser atestada quando já com 79 anos comprou uma propriedade no então incipiente bairro de
Copacabana e mandou lotear em 49 lotes residenciais, que foi denominada de Travessa Santa
Leocádia (FALCI; MELO, 2012, p. 97). Nesta mesma época foi diagnosticada com desequilíbrio
funcional em uma lesão cardíaca e uma nefrite crônica que se agravava. Faleceu em 13 de setembro
de 1930 em um apartamento alugado por temporada na Ladeira da Glória. Na ocasião, seus bens
somavam 30 mil ações de 297 empresas em inúmeros países, “foram encontrados bens na França,
Bélgica, Inglaterra, Alemanha, Mônaco, Egito, Romênia, Estados Unidos da América do Norte,
Canadá, Chile e Rússia” (CATHARINO, 1992, p.136)
Solteira, sem herdeiros, Eufrásia Teixeira Leite beneficiou os deserdados da sorte da cidade
de Vassouras. Seu principal herdeiro foi o Instituto das Missionárias do Sagrado Coração de Jesus
(MSCJ), do qual legou a chácara e a Casa da Hera com todos os bens móveis e a chácara Calvet
vizinha àquela, e apólices da Dívida Pública da União Federal. E a quantia necessária para a
construção e manutenção de um Instituto Profissional Feminino destinado às crianças pobres. Entre
os encargos, a irmandade deveria conservar a Casa da Hera não podendo ocupar e nem permitir a
ocupação por outros. Outra herdeira foi a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia que usou os
recursos na construção do Hospital Eufrásia Teixeira Leite (FERNANDES, 2012, p. 81).
Mesmo após o seu falecimento, Eufrásia buscou proteger sua memória na preservação da
propriedade que viveu sua juventude. De certa maneira manteve em seu testamento a ordem que
não se mexesse na casa dos seus pais. Em 1952, as irmãs do instituto solicitaram que a propriedade
em contíguo com a edificação e os artefatos móveis fossem tombados pelo Departamento do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – DPHAN (ARQUIVO NORONHA SANTOS, 1952). Um
convênio foi estabelecido entre o IMSCJ e o DPHAN que passou a assumir sua administração em
1965, instituindo ações para preservação do local como testemunho histórico (ALVES, 2014). O
início da visitação pública ocorreu três anos depois efetivando a metamorfose da residência no
Museu Casa da Hera. Em 1984, foi instalado nas dependências do museu o Escritório Técnico – 6ª
SR/Iphan.
O tombamento da Casa da Hera compreendeu além da edificação, o mobiliário, alfaias e as
peças de indumentária. A conservação desse acervo foi mantida através de sua manutenção e
oportuna restauração na gestão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e
a partir de 2009, sobre a chancela do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram).

2 - Histórico da coleção de indumentária do MCH


Encontramos no Museu Casa da Hera um conjunto representativo em sua maioria de peças
de indumentária feminina da alta-costura francesa num recorte temporal do fim do século XIX ao
início do XX. Embora se apresentem em diferentes tipologias, formam uma coleção visto que agrega
artefatos que podem ser julgados como semelhantes ou complementares. Em verdade, sua
homogeneidade nos faz supor que pertenceram ao mesmo guarda-roupas, neste caso a
probabilidade seria o vestuário relativo à antiga proprietária da casa, Eufrásia Teixeira Leite. Não há
nenhum documento nos arquivos do MCH que possa contribuir na identificação e datação dessa
relevante coleção de trajes. Por essa razão, nos coube a dupla tarefa da investigação do histórico
da coleção, e da pesquisa na principal fonte primária, os próprios artefatos. Nossa perspectiva se
baseia nos estudos da cultura material proposta por Jules David Prown, que desenvolveu um
método para leitura de evidências culturais em objetos em três etapas, a descrição, a dedução e a
especulação (PROWN, 1982). A metodologia de Prown é citada, e mesmo adaptada, por diversos
pesquisadores de coleções de indumentária, como o guia para pesquisa baseada em objetos em
moda desenvolvido por Ingrid Mida e Alexandra Kim (2015).
Por questões operacionais e devido aos protocolos de conservação, não tivemos acesso a
totalidade do acervo. Dito isso, nossas hipóteses foram feitas a partir das peças analisadas. As
evidências como silhuetas e etiquetagem dos trajes indicam um recorte cronológico entre 1880 ao
início dos anos 1900. As irmãs Teixeira Leite estiveram no Brasil em 1884, podem ter deixado
algumas peças, mas grande parte do acervo é posterior a essa data. Não encontramos informações
da vinda de Eufrásia antes de 1922.
O seu inventário datado de 18 de novembro de 1930 tendo como inventariante Dr. Antônio
José Fernandes Jr., apresenta a lista de bens do espólio existentes na propriedade "Chácara da
Hera". Na descrição dos objetos encontrados em seus respectivos cômodos é possível identificar
inúmeras vezes a menção de “roupas antigas” e “fora de uso” em cômoda com gavetas e guarda-
vestidos (INVENTÁRIO, 1930). O inventário não descreve os trajes, todavia podemos presumir pelo
volume encontrado que as roupas já estavam na Casa da Hera quando do falecimento da
proprietária. Seus bens foram inventariados no exterior, em 1931, na ocasião são enumerados
objetos nos quais são incluídas “vestimentas”, esses foram despachados para o Brasil no ano
seguinte. A descrição, mesmo que superficial, das peças com indicação da tipologia e tecido ocorreu
em 1952 objetivando o tombamento realizado pelo DPHAN (UMBELINO, 2016, p. 56-57). Algumas
variações de tamanhos fazem supor que as roupas não tiveram a mesma usuária. Todavia,
defendemos que isto não significa que não pertenciam à Eufrásia Teixeira Leite. Visto que além de
ser a proprietária da Casa da Hera, comprovadamente viveu lá seus últimos anos. Nesta época, os
trajes já se encontravam na casa, o que propicia a denominação Coleção Eufrásia Teixeira Leite.
Esta pesquisa identificou três momentos de ações de conservação e restauro realizadas na
coleção de indumentárias do MCH. Um no final dos anos 1970 pelo conservador Almir Paredes,
outra durante a gestão de Celina Resende Filha, cerca de 1988, e ainda, entre 1997-1998, com a
conservadora de têxteis Luciana da Silveira. Outro aspecto relevante diz respeito ao histórico de
exposição dos trajes. Na época da administração do IMSCJ, o testamenteiro Raul Fernandes teria
mandado confeccionar armários de madeira e vidro onde os trajes eram armazenados pendurados
como num guarda-roupas. Na época da primeira ação de conservação, final dos anos 1970, o Iphan
fez expositores de alumínio e vidro, para tirar as roupas dos cabides e permitir que os visitantes
vissem as roupas. Em 1983, iniciou-se a exposição dos trajes em manequins convencionais
organizada pela museóloga Ada Cavalcanti Camargo. Essa mostra permanente foi destaque em
inúmeras matérias de jornais cariocas que noticiaram o turismo em Vassouras nas décadas de 1980
e 1990. Como resultado do trabalho de Luciana da Silveira poucas peças foram consideradas
adequadas para a exposição. A conservadora apontou o estado de conservação e identificou se
cada peça tinha condição de exposição temporária, e recomendou o uso de manequins adequados
à exposição de trajes históricos. Mesmo nos casos de condição de exposição indicou um período
de três meses como parte de um sistema rotativo (PEDREIRA; SILVEIRA, 1998). Silveira optou por
realizar tratamento conservativo e melhorar o acondicionamento objetivando interferir de forma
passiva e preventiva no todo da coleção, restringindo o tratamento restaurativo a poucas peças.
Neste período, foi realizada a catalogação do acervo de indumentarias por Isabel Rocha, arquiteta
responsável pelo Escritório Técnico do Iphan, mas que respondeu ao mesmo tempo pela direção
do MCH em dois períodos, de 1984 até 1988 e de 1995 a 2007. Essa catalogação foi atualizada em
2014, pelas museólogas Aline Bougleux e Mariana Souza, já na gestão do Ibram.
As peças da coleção continuam acondicionadas nas caixas de polionda confeccionadas por
Luciana da Silveira, são cobertas e acolchoadas com papel fino, algumas partes sensíveis a vinco
recebem enchimentos removíveis em tecido. Todos os trajes necessitam ser manuseados com
cuidado, geralmente mantidos na horizontal, devido ao estado de conservação ruim. Os tecidos
estão fragilizados, com alteração nas cores originais devido à incidência de luz e os mais danificados
são os forros. A aceleração dos desgastes percebida por nós nos últimos anos a partir das análises
baseadas nos artefatos indica urgência no incremento de ações efetivas de conservação preventiva
e em alguns casos de restauração. A utilização de réplicas dos trajes para a exibição no circuito
expositivo foi uma opção indicada pela conservadora têxtil em 1998 (PEDREIRA; SILVEIRA, 1998,
p.312), tornando-se ainda hoje uma alternativa na preservação dos originais e constitui estratégia
de geração de conhecimento sobre o acervo.

3 – A Maison Worth no MCH


Foi possível constatar nas biografias de Eufrásia Teixeira Leite, e junto à equipe do MCH,
a falta de informações sobre o acervo de indumentária, embora o nome do costureiro Charles
Frederick Worth seja comumente citado como referência da coleção. As dez peças etiquetadas pela
Maison Worth identificadas no museu revelam-se uma excepcionalidade em acervos pela relevância
da grife na História da Moda. O inglês Charles Worth abriu em Paris, com seu sócio sueco Otto
Bobergh (1821-1882), a casa de costura Worth et Bobergh, em 1857. Desenvolveu vestidos originais
que eram apresentados de maneira inédita por modelos femininos em seus salões. Seu
empreendimento é considerado como a primeira maison de alta-costura, relegando a Worth o título
de “pai” desse expressivo meio de produção no sistema da moda. Seu grande mérito foi garantir
seu lugar como criador, status reforçado quando inseriu sua assinatura colocando-a nas etiquetas
dos trajes. Levou para a costura o que Bourdieu (2008, p. 28) identificou como “a eficácia quase
mágica da assinatura” que é o reconhecimento coletivo do poder de mobilizar a energia simbólica
produzida pelo campo. Foi em seus salões que surgiram as primeiras modelos, na época chamadas
de sósias. Em 1864, Worth obteve o monopólio do guarda-roupa da imperatriz Eugênia, esposa de
Napoleão III, o que favoreceu a sua notoriedade internacional. Quatro anos depois, fundou a
Câmara Sindical da Confecção e da Alta Costura. Worth demarca seu território simbólico e, segundo
o filósofo francês Gilles Lipovetsky, suas criações “são reveladoras de um talento singular,
reconhecível, incomparável” (1989, p.79). O acervo de trajes da Maison Worth no MCH forma uma
importante evidência sobre um momento definidor na História da Moda e da organização do trabalho
dentro dessa indústria.
Foram identificadas a partir da catalogação, dez peças etiquetadas pela Maison Worth no
acervo de indumentárias do Museu Casa da Hera.30 A primeira metodologia de identificação da
datação foi a análise das etiquetas inseridas nos trajes. Para tal, realizamos uma investigação da
etiquetagem da Maison Worth em acervos digitais de instituições museológicas, como o Victoria &
Albert Museum (V&A), de Londres, e o The Metropolitan Museum of Art (MET), de Nova York.
Pudemos identificar três tipos de etiquetas correspondentes a períodos específicos da marca. A
primeira com a inscrição "Worth & Bobergh/ 7. Rue de la Paix Paris” e o brasão imperial de Napoleão
III. Essa marca foi utilizada até o fim do Segundo Império, em 1870, e consequente saída do sócio.
Neste momento a etiqueta passou a exibir apenas a designação “Worth Paris”. Identificamos que a
partir de 1887 a etiqueta consistiu numa fita de gorgorão em bege com a inscrição “C Worth” em
letras cursivas pretas simulando a assinatura do costureiro, ladeada pela palavra "Paris" em
contraste do brilho com o fosco do brocado. Constatamos nas visitas técnicas, somadas às
descrições das fichas de catalogação do MCH, que todas as etiquetas da Maison Worth inseridas
nas peças da coleção pertencem à tipologia que apresenta a assinatura de Worth. Sendo assim
posteriores a 1887. Essa etiqueta foi mantida mesmo após o falecimento de Charles Worth, em
1895, quando foi sucedido por seus filhos Gaston-Lucien Worth (1853-1924) e Jean-Philippe Worth
(1856-1926) (DE MARLY, 1980).

Figura 1. Etiqueta Worth, casaco curto creme, MCH.

Fonte: foto do autor, 2017.

As dez roupas pertencentes ao acervo do MCH com a etiqueta da Maison Worth podem ser
categorizadas em: trajes de montaria, casacos e capas, vestidos e robe. Torna-se importante

30
O referido acervo está digitalizado e disponível em:
<http://museucasadahera.acervos.museus.gov.br/indumentaria>. Acesso em: 18 ago. 2021.
esclarecer que nem sempre a terminologia é clara, tanto, quando levamos em consideração o
vocabulário do período, quanto a própria normatização de termos para catalogação de trajes.
A coleção apresenta dois trajes de montaria, que poderiam ser usados também num
passeio a tarde. O de veludo marrom escuro e detalhes em preto, com aplicações de fios metálicos
na gola e nos punhos (Tombo: T 1140 MCH: 92.12.16) é um redingote, termo de origem francesa
que é uma corruptela do inglês riding coat. O que nos chama a atenção é que curiosamente as
formas amplas e destacadas dos punhos com rendas aplicadas e o uso do jabô também de renda
remetem ao século XVIII. A peça apresenta um corte bastante rígido, ajustado na cintura. Todavia
a abertura frontal com fechamento da cintura para cima, que é decorada com galão preto bordado,
somada a forma evasê nas costas a partir da cintura que se alarga em direção à barra, propiciavam
a montaria. O traje está incompleto, pois falta a saia, todavia a ausência de volume nos ombros e
mangas nos sugere que seja anterior a 1890. O segundo traje de montaria foi confeccionado em
veludo roxo (Tombo: T 1155 MCH: 92.12.07) mas aparenta marrom pela descoloração por
incidência de luz. O conjunto apresenta casaco com colarinho alto e mangas bufantes na altura dos
ombros. A abertura frontal com quatro pares de botões é ornamentada com uma aplicação que
acompanha a barra do casaco, os punhos, e decora a barra da saia. O traje é identificado na
catalogação como costume, o que sugere um tailleur de uso urbano e esportivo. A contextualização
histórica parte do princípio que trajes não existem isoladamente, “as circunstâncias que formaram o
cenário para a criação, o marketing, o uso, a guarda daquele traje - ajudam a delinear o escopo pelo
qual ele pode ser totalmente compreendido e avaliado” (MIDA; KIM, 2015, p.66). Inicialmente
tailleurs eram confeccionados por alfaiates ingleses, mas na década de 1890 os costureiros
franceses também introduziram a alfaiataria em suas maisons. A Maison Worth acolheu a crescente
demanda por este tipo de roupas para atender à "nova mulher" (HAYE; MENDES, 2014). Esse dado,
somado a análise da silhueta, sugere a década de 1890 como datação.
O acervo do MCH apesenta cinco peças na categoria Casacos e Capas com diversidade
de tipologias. Um casaco curto de lã creme com aplicações de renda guipure formando vazados no
corpo da peça e nas mangas, lapela em tira única e lisa revestida de seda mais escura, manga em
godê acentuado (Tombo: 1148 MCH: 92.12.11 [849]). Um casaco longo de lã salmão (Tombo: 1150,
MCH: 851), com arabescos feitos com aplicação de sutache, com a gola ornada com tule e renda
franzidos. As mangas são amplas e compridas sem cavas, com punhos com o mesmo tipo de padrão
decorativo e babados em tule e renda, botões forrados e decorados com sutache. Esses dois trajes
foram identificados nas fichas como os que receberam tratamento restaurativo em 1998.
O grupo de pesquisa realizou o estudo da modelagem com a reprodução em algodão dos
três sobrepostos seguintes. A primeira peça analisada é um casaco em veludo preto com aplicações
de florais e mangas sino abertas (Tombo 1142, MCH: 92.12.14). O comprimento é longo na frente
até os joelhos e curto nas costas até a altura da cintura. Identificamos um traje semelhante
pertencente ao Los Angeles County Museum of Art (LACMA), identificado como mantelet e descrito
como um acessório para mulheres usarem ao ar livre nas últimas décadas do século XIX (TAKEDA;
SPILKER, 2010, p.162). Um sobreposto da Maison Worth que se destaca na coleção pela forma e
decoração é uma capa curta em lã batida creme com recortes ondulados com bordados de linha da
barra e mangas largas e compridas (Tombo: 1141 MCH: 92.12.15). A denominação capa poderia
ser questionada, visto que em linhas gerais sua forma é de um colete curto, sendo mais curto nas
costas que na frente, com grandes mangas, assim poderia ser identificado como um casaco curto.
Todavia não apresenta abotoamento frontal e as mangas são igualmente abertas ao longo da parte
interna do braço. Quando os braços estão para baixo as mangas formam um todo com a parte do
colete. O que faz com que a peça tenha a aparência de pelerine, dessa maneira o termo capa seria
uma tipologia mais adequada visualmente. A imprecisão ocorre porque as pelerines também eram
curtas até a cintura (LAVER, 1989, p.209). Outra peça analisada que gerou essa dúvida foi uma
capa sem mangas igualmente curta em lã marfim, com aplicações de renda em forma de flor, com
as duas pontas frontais salientes terminadas com um triangulo aplicado (Tombo: 1149, MCH: s/n
[850]). Um detalhe intrigante e desafiador para os pesquisadores foi compreender como se forma a
prega nas costas. Sobre a imprecisão entre ser um casaco ou uma capa, também neste caso, como
o traje não tem mangas, o ideal seria manter a definição como capa.
Também faz parte do acervo uma peça identificada na catalogação como robe em filó preto
e aplicações de renda e fita de veludo com abotoamento frontal (Tombo: T 1138 MCH: 92.12.18).
Os ombros e a pala têm aplicações de veludo bege e por cima aplicações de renda recortada em
forma de flores intercaladas por fitas petas. As mangas são longas com aplicação de renda preta
floral nos braços e punhos. O aspecto diáfano do tecido leve e das rendas pode sugerir a utilização
do termo penhoar (NEWMAN; SHARIFF, 2011).
Dois vestidos completam a coleção Worth no acervo do MCH. Por causa do estado de
conservação, um deles nós só observamos na horizontal acondicionado na caixa. Consiste num
vestido azul claro cujo corpete da cintura para cima tem aplicações de renda, mangas curtas e
fechamento nas costas (Tombo: T 1122 MCH: 90.12.31). Pela leveza do material e o decote
podemos identificá-lo como vestido de baile. O outro vestido foi investigado pelo grupo de pesquisa
com a replicação da modelagem em algodão sob orientação da professora Christiana Carvalho.
Consiste no vestido de baile de veludo preto com decote profundo que forma um laço pregueado
(Tombo: T 1130 MCH: 92.12.24).
Figura 2. Vestido Worth de veludo preto, acervo MCH, e a reprodução em algodão.

Fonte: fotografia do autor, 2017.

Esse vestido é liso e não apresenta brocados, nem bordados, o que torna a forma o ponto
de interesse. O forro é de tafetá de seda preto num tom mais claro que o veludo, a parte interna da
cintura apresenta barbatanas forradas com o mesmo material. O tecido que cobre as barbatanas é
o que apresenta maiores danos, permitindo identificar o metal que as compõem. Uma faixa de
gorgorão percorre a cintura com a identificação C. Worth Paris. As mangas curtas têm pequenas
pregas, cuja simplicidade contrasta com o decote drapeado em forma de laço. A saia corresponde
ao formato sino, possivelmente com almofadas para arredondar os quadris devido às fitas de fixação
encontradas no forro nesta região, tem corte evasê com pregas na parte de trás e uma cauda do
tipo altar. Por vezes os vestidos de baile não seguiam exatamente as linhas da moda, segundo
François Boucher (2010, p.386). Sendo assim, é preciso mais atenção na identificação da época a
partir da análise da silhueta. Identificamos cinco vestidos com forma semelhante ao modelo em
veludo preto do MCH no acervo digital do Metropolitan Museum (MET), de Nova York, e outro com
características muito semelhantes no New York City Museum (MCNY). Curiosamente, o recorte
cronológico deste conjunto de peças vai de 1898 a 1900, período após o falecimento de Charles
Frederick Worth, no qual a criação dos trajes era assinada por seu filho Jean-Philippe Worth. Os
filhos de Worth trabalhavam com o pai desde 1874, enquanto Gaston-Lucien assumiu a
administração da empresa, Jean-Philippe seguiu seu lado artístico como designer (HAYE;
MENDES, 2014). Nas suas mãos, a Maison Worth entrou com sucesso no século XX sustentando
com eficácia simbólica a assinatura C. Worth.
Considerações finais
A nossa experiência junto ao acervo do MCH nos faz pensar uma perspectiva da
historiografia da moda a partir da pesquisa interdisciplinar baseada nos artefatos, e
consequentemente nos desafios que a proposta suscita. Um problema enfrentado ao se pesquisar
trajes históricos é a indefinição da terminologia técnica, sejam os elementos de construção, ou a
nomeação da tipologia dos trajes. O conjunto de termos específicos carece de sistematização que
dê conta do período histórico, dos utilizados na catalogação e os em uso nos diferentes meios de
produção da moda. Um grande desafio, que é da própria indústria, mas que afeta a pesquisa
histórica é a falta de normatização dos padrões de medidas corporais. Outro passo importante na
pesquisa dos artefatos seria implementar parcerias com laboratórios de análise química, têxtil e
imagem.
Como pesquisadores externos ao museu percebemos a dificuldade em aliar as técnicas de
manuseio com as de medição das peças. A presença atenta dos profissionais do museu não tira a
necessidade de os pesquisadores aprimorarem os cuidados com a manipulação, principalmente na
adequação dos métodos de aferição de medidas.
Importa também, que o pesquisador exercite o distanciamento dos métodos e tecnologias
de vestuário contemporâneos para uma melhor identificação dos procedimentos técnicos históricos
sem cair em suposições equivocadas. Um acervo de moda musealizado pode provocar inúmeras
camadas de conjecturas, assim como narrativas historiográficas sem fundamento, ou mesmo relatos
fictícios envolvendo os antigos proprietários. Portanto, é importante buscar a superação de
distorções interpretativas. Tais desafios incrementarão a troca de conhecimento entre os
pesquisadores do vestuário, estudantes em design de moda e profissionais de museus.
Dentre as quarenta e oito peças do acervo de indumentária do MCH, realizamos a
investigação baseada no objeto de cinco trajes, sendo um deles um tailleur sem identificação do
fabricante e outros quatro etiquetados pela Maison Worth descritos neste artigo. Foram
confeccionadas duplicatas em algodão como metodologia de investigação. A pesquisa buscou a
aquisição de conhecimentos específicos dos trajes tendo como premissa serem evidências culturais,
atribuindo-lhes valor como documento e testemunho.
Referências bibliográficas

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jardim do museu como espaço museológico relacional. 2014. (Dissertação de Mestrado) –
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio); Mast, Programa de Pós-Graduação em
Museologia e Patrimônio (PPG-PMUS), Mestrado em Museologia e Patrimônio, Rio de Janeiro.
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Identificação e Documentação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Livros de Tombo, Nº Processo 0459-T-52, Livro Histórico, Inscrição 292, 21 de maio de 1952.
Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/ans/>. Acesso em: 5 ago. 2021.
BOUCHER, François. História do vestuário no Ocidente. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
BOURDIEU, Pierre. A produção da crença: contribuição para a economia dos bens simbólicos. 3.
ed. Porto Alegre: Zouk, 2008
CATHARINO, Ernesto José Coelho Rodrigues. Eufrásia Teixeira Leite 1850 - 1930: fragmentos de
uma existência. Compilação e notas. 2. ed. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1992.
DE MARLY, Diana. Worth: father of haute couture. Londres, Holmes & Meier Publishers, 1980.
FALCI, Miridan Britto; MELO, Hildete Pereira de. A sinhazinha emancipada: Eufrásia Teixeira Leite
(1850-1930) – a paixão e os negócios na vida de uma ousada mulher do século XIX. Rio de Janeiro:
Vieira & Lent, 2012.
FERNANDES, Neusa. Eufrásia e Nabuco. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012.
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(Coleção Museus dos Ibram).
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LAVER, James. A roupa e a moda. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
NEWMAN, Alex; SHARIFF, Zakee. Moda de A Z: dicionário ilustrado. São Paulo: Publifolha, 2011.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989.
MIDA, Ingrid; KIM, Alexandra. The dress detective: a practical guide to object-based research in
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PEDREIRA, Andréa; SILVEIRA, Luciana da. A preservação do acervo de indumentária do Museu
Casa da Hera: um enfoque conservativo. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
CONSERVADORES RESTAURADORES DE BENS CULTURAIS, 9., 1998, Salvador, Bahia.
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STRÁNSKÝ, Zbynek Z. [Sem título]. In: SYMPOSIUM MUSEOLOGY AND MUSEUMS. Helsinki -
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UMBELINO, Ana Carolina de Freitas. O acervo de indumentária do Museu Casa da Hera: proposta
de catálogo. 2016. Dissertação (Mestrado) – Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio
Vargas, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais, Rio de Janeiro, 2016.
134 f.

OS PLÁSTICOS E SUA CONSERVAÇÃO NOS MUSEUS DE MODA

PLASTICS AND THEIR CONSERVATION IN FASHION MUSEUMS

Susana França de Sá

(Universidade Nova de Lisboa)

susana.sa@fct.unl.pt

RESUMO

A apresentação foi centrada na problemática dos acervos e na preservação de espumas e filmes de


poliuretano, visando a conservação de obras de arte modernas e contemporâneas e outros objetos
do patrimônio cultural como as roupas e acessórios, principalmente a partir da década de 1960. A
pesquisa apresentada faz parte do projeto de investigação 'Glossy Surfaces - The Conservation of
TPUs in Fashion', um consórcio internacional com museus e centros de investigação de renome
como Museu da Moda (Bélgica), Metropolitan Museum of Art (EUA), Museu do Design e da Moda
(Portugal) e Centexbel (Bélgica).

Por ainda estar em processo de investigação envolvendo diversas instituições internacionais, a


palestrante não pode enviar o artigo, aguardando então a conclusão da pesquisa nos próximos dois
anos. A palestra na íntegra pode ser acessada no Youtube.

ABSTRACT

The presentation focused on the issue of collections and the preservation of polyurethane foams
and films, aiming at the conservation of modern and contemporary works of art and other cultural
heritage objects such as clothing and accessories, especially from the 1960s onwards. The
research presented is part of the research project 'Glossy Surfaces - The Conservation of TPUs in
Fashion', an international consortium with renowned museums and research centers such as the
Fashion Museum (Belgium), Metropolitam Museum (USA), Design Museum and fashion (Portugal)
and Centexbel (Belgium).

As it is still in the process of investigation involving several international institutions, the speaker
could not send the article, so awaiting the conclusion of the research in the next two years.

LA RESTAURATION D’UNE ROBE EN TULLE ROSE DE 1938 : LA QUESTION DE LA


TRANSPARENCE

Stephanie Ovide31
(Ecole Nationale des Arts Decoratifs à Paris)
s.ovide.atelier@gmail.com

RESUME

31
Stéphanie Ovide est restauratrice de musées français, doctorante en Art et Création à l'Ecole Nationale
des Arts Décoratifs de Paris, avec une étude sur la Restauration de la Haute Couture au XXIe siècle. PARIS I,
Panthéon-Sorbonne où il a recherché et restauré Madeleine Robe de Vionnet de 1938. Il est également
titulaire d'une maîtrise en conservation et restauration des vêtements et textiles du FIT à New York (USA).
Il a travaillé à la Villa Médicis (Italie) entre 2016 et 2017, où il a développé un protocole de restauration
dans le nettoyage des fils à broder, la restauration du métal et du velours. Il développe également un projet
sur l'histoire, les outils et les méthodes des teintures végétales. Étude soulignée de la collection Balenciaga.
L'article présenté est dû à un processus de traitement de conservation restauration d’une robe de
Madeleine Vionnet datant de 1938 de la collection du musée de la Mode et du Textile, Arts décoratifs,
Paris
Mots-clés: Restauration. Vionnet. Transparence. Consolidation.

ABSTRACT
The item presented is to a conservation-restoration treatment process of a
1938 Madeleine Vionnet dress from the collection of the Musée de la Mode et du Textile, Arts
décoratifs, Paris.
Keywords: Restoration. Vionnet. Transparency. Consolidation.

Le traitement de conservation-restauration que nous allons développer est l’aboutissement


d’une réflexion menée sur la restauration d’étoffes transparentes et plus particulièrement du tulle.
Comment restaurer le tulle sans altérer sa lisibilité? Cette problématique a déterminé nos
choix à chaque étape de la restauration d’une robe en tulle rose de Madeleine Vionnet, de la
collection du musée de la Mode et du Textile, des Arts décoratifs.
Cette robe devait être présenté lors de l’exposition Madeleine Vionnet, puriste de la mode
en Juin 2009. Son état de dégradation était tel qu’elle n’était pas exposable. Le budget et le temps
nécessaire à sa restauration rendaient impossible son traitement en interne ou en externe. Pourtant,
cette œuvre datant de 1938 est primordiale dans la carrière de Madeleine Vionnet car elle représente
l’aboutissement de son art.
C’est pourquoi Maximilien Durand, responsable du service de la restauration et de la
conservation préventive des musées des Arts décoratifs, nous a confié la restauration de cette pièce
maîtresse. Celle-ci a fait l’objet d’un mémoire de Master durant un stage de six mois au sein de
l’atelier de restauration du musée encadrée par les restauratrices de l’atelier Celia Thibault et Aude
Mansouri. Depuis ses débuts en 1921, Madeleine Vionnet, styliste française, a envisagée le corps
féminin avec beaucoup d’originalité : elle souhaitait l’appréhender dans sa beauté intacte.32 Comme
la peau, la robe doit épouser le corps33 alors que jusque la: c’était le corps devait s’adapter à la
mode.34 Pour atteindre son but, elle travaillait comme un sculpteur en modelant ses créations sur un
mannequin de bois plutôt qu’en les dessinant. C’est ainsi, notamment, qu’elle développa l’utilisation

32
KAMITSIS, 1996, p. 9.
33
SEELING, 2000, p. 70.
34
4 SEELING, 2000, p. 71
du biais. Pour la première fois, cette coupe en diagonale jusque-là réservée aux cols et manches
s’étendit à l’ensemble de la robe.35
La robe qui fait l’objet de cette étude représente par sa construction et sa silhouette la
consécration du travail de Madeleine Vionnet. La collection printemps-été 1938 est l’une des
dernières.
Cette robe du soir à dos nu est composée de tulle rose appliqué de grands motifs de feuilles
de vigne et de grappes de raisin en panne de velours rose.
Le corsage sans manches est doublé de tulle et prolongé au niveau de l’encolure par une
longue écharpe. La jupe est constituée d’une double épaisseur de tulle cousue à la taille sur un ruban
de satin de soie rose. Le jupon intérieur est doublé par deux bandes de crin synthétique rose cousues
au niveau des hanches et de l’ourlet.
La forme de cette robe correspond à la silhouette de la fin des années 1930: jupe très longue
et volumineuse (10 m), dos nu et taille marquée.36
Les documents iconographiques nous indiquent également la façon dont était nouée
l’écharpe dans le cou. On constate que de fines bretelles croisées dans le dos venaient se nouer en
ceinture sur le devant de la taille et étaient serrées par un bijou. Malheureusement les bretelles et le
fond de robe d’origine ont disparus.
Le fonds Madeleine Vionnet du musée de la Mode et du Textile compte plusieurs de ces
robes du soir en tulle datant des années 1937 à 1939. Pour chacune d’elles, on 2 KAMITSIS, 1996,
p. 9. 3 SEELING, 2000, p. 70. 4 SEELING, 2000, p. 71. 5 DEMORNEX, 1990, p. 34. 6 DEMORNEX,
1990, p. 138. La majorité des robes créées par Vionnet sont caractérisées par la simplicité de leurs
coutures. 3 observe plusieurs épaisseurs de tulle de soie doublé de bandes de crin qui apportent du
volume37.
Afin de confirmer les informations relatives aux matériaux constitutifs de la robe, des
échantillons de fibre ont été analysés par le Laboratoire de recherche des Monuments historiques
(LRMH). –
Les résultats attestent qu’il s’agit bien de tulle de soie. Le matériau que l’on appelait « crin
» a été analysé en Infrarouge Rouge et s’avèrait être composé de fibre artificielle de cellulose
régénérée.

35
DEMORNEX, 1990, p. 34
36
DEMORNEX, 1990, p. 138. La majorité des robes créées par Vionnet sont caractérisées par la simplicité
de leurs coutures.
37
Ces robes en tulle sont étudiées en détail dans le chapitre II.B., p. 50
Par ailleurs, le type d’adhésif utilisé pour fixer les motifs en panne de velours a été identifié
afin de vérifier ses réactions à l’eau ou au solvant dans le cadre d’un éventuel nettoyage. Il semblait
probable que l’adhésif utilisé ait été à base d’amidon, ce qui a été confirmé par un test à la teinture
d’iode.
Nous pouvons donc pu confirmer que les matériaux constitutifs de la robe étaient:

– le tulle de soie;
– le crin de fibre artificielle de cellulose régénérée;
– la colle d’amidon;
– la panne de velours de soie;
– le ruban de soie;
L’étude du patronnage a révélé que la jupe était composée de trois demi-cercles assemblés
par des coutures sur les côtés et retenus à la taille sur un ruban de soie. Le jupon est formé de deux
demi-cercles assemblés par deux coutures sur les côtés. Le corsage de forme trapézoïdale est
doublé de tulle.
La robe était dans un état général de dégradation très avancée. De nombreuses déchirures
et de larges lacunes sur l’ensemble de la jupe s’accentuaient à chaque manipulation traduisant une
grande fragilité mécanique du tulle.
Les schémas présentés ici nous permettent de visualiser l’ampleur, la nature et la
localisation des dégradations.Le constat d’état détaillé de cette œuvre a permis d’établir un
diagnostic précis.
Cette robe présentait de nombreuses et diverses dégradations liées à son histoire
matérielle.
Les lacunes et déchirures étaient principalement localisées au niveau de la taille. Car, tout
le poids de la robe était supporté par le ruban de taille créant ainsi des tensions importantes dans
cette zone.
Ces tensions ont pu conduire à la désolidarisation des coutures sur le ruban de taille ainsi
qu’aux déchirures importantes dans cette zone.
Les trous présents sur le bas de la robe semblent avoir été créés accidentellement, par un
talon de chaussure par exemple. Les fentes au niveau de l’ourlet ont certainement été crées par le
frottement de la jupe sur le sol.
Les décolorations au niveau des aisselles ont résulté d’oxydation, sans doutes produite par
la transpiration.
La partie lacunaire la plus importante se situant au niveau des fesses, on peut penser que
le tulle a été soumis aux frottements d’un siège lorsque la personne était assise entrainant son usure
et sa fragilité. À long terme, cette usure a pu finir par rompre les mailles du tulle par endroits
entraînant des déchirures importantes.
Enfin, le manque au niveau de la fermeture (une agrafe en moins) et les lacune au niveau
de l’encolure ont résulté sans doute des habillages et déshabillages continuels durant les défilés.
Les coutures et le collage des motifs en panne de velours ont du céder à force de
mouvements de la robe.
Les conditions de stockage ont également contribué aux dégradations générales et au
froissement de l’écharpe.
La nature de ces dégradations nous permet de supposer que la robe a été portée plus d’une
fois (usure de l’ourlet) et a bénéficiée de peu d’attention (auréole de sueur): provenant directement
des archives de Madeleine Vionnet, cette robe, unique, à 5 certainement été réalisée et portée lors
des défilés de la saison printemps-été 1938, qui se déroulaient au moins une fois par jour durant six
mois. C’est sans doute pour ces mêmes raisons que l’écharpe présentait de nombreuses fentes à
l’endroit ou elle devait se nouer.
Le traitement de conservation-restauration de cette robe visait en premier lieu à stopper les
dégradations évolutives. Un dépoussiérage par micro-aspiration sur les deux faces devait permettre
de stopper les dégradations dues à l’empoussièrement. Puis un nettoyage augmenterait la stabilité
physique et chimique de l’œuvre. Il atténuerait également l’aspect grisâtre de la robe et lui rendrait
sa lisibilité. Le tulle de soie et la panne de velours interdisaient un nettoyage aqueux et orientaient,
de fait, vers un nettoyage au solvant.
Il convenait donc d’apporter, par l’opération de consolidation, solidité et lisibilité à cette
création. Le choix du tissu de support est apparu un élément déterminant pour la consolidation de
cette œuvre:

– Le tulle de soie d’origine présentait une contexture et une transparence


qu’il convenait de respecter lors de la consolidation.
– Le poids des motifs en panne de velours s’ajoutant au poids de la jupe, le tissu de support
devait donc être suffisamment solide pour soutenir le poids total de la robe.

Problématique de la transparence: le tissu de support


La difficulté de trouver un tissu de support a mené à effectuer des recherches
bibliographiques sur le sujet. Nous avons cherché à compléter ces informations à travers une
enquête menée auprès des restaurateurs textiles en France et à l’étranger: sur 34 questionnaires
envoyés, nous avons obtenu un taux de réponse de 35%.
Les résultats de l’enquête ont fait apparaître les différences de pratiques et d’opinions qui
existent dans la profession, non seulement d’une institution à une autre, mais également au niveau
international. Dans l’ensemble, tous s’accordent sur l’importance du choix du tissu de support lors
de la restauration de textiles transparents. Mais il semble que les partisans des fibres naturelles,
comme la soie, s’opposent à ceux des fibres synthétiques, comme le nylon. Les arguments de ces
choix ne sont pas 6 toujours scientifiquement fondés et l’on tombe facilement dans les clichés: les
pays anglo-saxons toujours friands de nouvelles technologies, la France attachée à ses traditions et
à son savoir-faire.
Pourquoi le tulle de nylon ne serait pas systématiquement envisagé au même titre que la
crêpeline ou le tulle de soie? (Seule la structure, le poids, la texture, la couleur, la réaction aux
conditions climatiques38 et le niveau de transparence devraient déterminer le choix du tissu de
support.
Afin de garder cette objectivité nous avons dressé une étude comparative de quatre tissus
de support transparents: la crêpeline de soie, le Stabiltex®, le tulle de soie et le tulle de nylon.
Nous avons ensuite effectué des tests de teinture, ainsi que des mesures de transparence
et de solidité sur ces 3 étoffes, le stabiltex ayant été écarté pour sa relative opacité.

38
KING, 1985, p. 225. La fibre naturelle d’un tissu de support va réagir aux variations d’humidité relative de
la même manière que la fibre naturelle de l’étoffe d’origine.
A l’issue de ces tests, le tulle de nylon 20 dernier monofilament39 thermolié s’est imposé
comme le tissu de support le plus approprié à la consolidation de la robe tout en respectant les
caractéristiques mécaniques et esthétiques ainsi que la transparence du tulle de soie d’origine.

Le traitement de la robe s’est effectué en quatre étapes:


– le nettoyage;
– la consolidation;
– le mannequinage; et
– le conditionnement.

Le nettoyage
Après avoir menée une étude préalable sur le nettoyage à sec, nous avons sélectionné le solvant le
plus approprié au nettoyage de la robe en terme:
– d’efficacité,
– de volatilité,
– de toxicité et
– de respect de l’environnement.
Il s’agit d’un solvant issu de fraction pétrolière, l’essence C.

Nous avons ensuite effectué des tests de brillance à l’aide d’un brillancemètre afin d’évaluer
l’efficacité du solvant avant et après nettoyage.

Profitant de la campagne de nettoyage du fonds Vionnet en partenariat avec la maison


Pouyanne, nous avons participé aux opérations de nettoyage de la robe:
– Immersion dans un bain de solvant a travers un tulle synthétique pendant 5 minutes
– Egouttage
– Séchage sur buvard
Après séchage complet du solvant, nous avons mesuré à nouveau la brillance de la robe:

Les résultats ont démontrés l’efficacité du nettoyage, particulièrement sur la panne de


velours, rendant les motifs plus brillants. La robe semblait plus propre et avait perdu son aspect

39
Colorant type Lanaset de la marque Huntsman®.
grisâtre. Les fibres avait retrouvées leur souplesse. En revanche, le nettoyage n’a eu aucun effet sur
les auréoles roses au niveau des aisselles.
Nous avons ensuite procédé à la consolidation.

La consolidation
Cette dernière opération s’est décomposée en trois étapes:
– la teinture, effectuée au colorant métallifère Lanaset de la marque Huntsman.
– le relevé du patronnage relevé à l’aide sur de Melinex
– Enfin, la consolidation:
Le démontage de la robe s’est avéré nécessaire et a fait apparaître six étapes de
consolidation distinctes qui ont été traitées séparément:
– le corsage;
– le jupon;
– la jupe;
– l’écharpe;
– la ceinture;
– le re-montage ;
Chacun des éléments de la robe a été doublé de tulle de nylon teint et fixé par des lignes de
points droits.

Les zones lacunaires ont été consolidées à l’aide de points de restauration.


Les zones les plus fragilisé autour de la taille et au niveau de l’encolure du corsage ont été
protégées par une deuxième épaisseur de tulle posée sur la face. Et maintenu par de lignes de
points droits et des points de feston.
Cette solution envisagée a permit de maintenir en place les fragments de tulle d’origine qui
menaçaient de se désolidariser.
Certains motifs qui étaient déformé et plissé ont été remis en forme à l’aide d’une spatule
chauffante. Une protection de tulle a également été placée au-dessus et fixé sur les bordures par
des points de feston puis découpée autour du motif.

L’écharpe
A été entièrement doublée de tulle de nylon et protégée par une deuxième couche de tulle
dans la partie supérieure

La ceinture
Afin de renforcer la ceinture tout en limitant le nombre des points, une doublure en pongée
de soie rose a été fixée le long des extrémités par un point de feston.

Le re-montage
Les éléments constitutifs de la robe, consolidés séparément, ont été rassemblés autour de
la ceinture en suivant les repères des fils de couleur qui avaient été posés ors du démontage. Les
différentes couches de tulle de la jupe, du jupon et du corsage ont été superposées sur le ruban de
satin de soie en respectant la hauteur d’origine. Elles ont été maintenues en place à l’aide de lignes
de points arrière et de points de feston.
Afin d’être présentée lors de l’exposition la robe devait être disposée conformément à la
façon dont elle était portée à l’époque de sa création, à savoir sur un fond de robe et sur un
mannequin dont la silhouette suit les courbes des années 1930. 9 Le fond de robe a été réalisé dans
un pongée de soie teint en rose pâle et renforcé par une bande de crin au niveau de l’ourlet.
Le mannequin sélectionné est un modèle Bonnaverri couture de la marque Stockman® avec
des bras en bois articulés et peints d’une couleur crème.
La silhouette a été sculptée à l’aide d’ouate de polyester cousue directement sur le
mannequin et suivant la silhouette des années 1930: poitrine basse, taille marquée, hanches longues
et étroites. L’ensemble a été recouvert par une gaine en toile coton beige réalisée sur mesure.
Un tube de crin a été cousu au niveau du bas des hanches et recouvert de toile de coton
beige afin d’assurer un support rigide à la jupe.
Le fond de robe a été enfilé sur le mannequin. La robe, glissée sur le fond de robe, a été
attachée dans le dos par les deux agrafes. L’écharpe a été nouée autour du cou et glissée le long
du dos.
Des bretelles réalisées en crêpeline de soie teinte ont été ajustées et croisées sur le devant
de la robe pour revenir se fixer à l’arrière de la taille. La robe a été mise en volume manuellement.
Le résultat final est particulièrement satisfaisant tant au niveau de la solidité que de la
transparence et du rendu esthétique.
On note également que la doublure en tulle ajoute une meilleure tenue, notamment du
corsage, et une élasticité sans doute perdue lors du processus de dégradation du tulle de soie.
Grâce à cette consolidation, les différents éléments de la robe ont retrouvés leur forme
d’origine et le tulle de soie est protégé de futures dégradations mécaniques. Les zones lacunaires
sont à peine visibles et la transparence reste intacte. La robe ainsi restaurée et mannequinée a été
placée dans sa vitrine d’exposition. Le temps d’exposition terminé, la robe sera retirée du mannequin
et conditionnée.

Conclusion
La restauration de la robe nous a conduit à étudier et utiliser un tissu de support jusque-là
peu connu en France: le tulle de nylon N8000, 20 deniers, thermolié. Nous avons pu démontré tout
au long du traitement comment ce matériau apportait une solution aux problématiques de la
transparence.
Par la suite, nous avons pu confirmer cette solution de traitement lors de la restauration
d’une autre robe en tulle de soie blanc de la même collection qui présentait des problématiques
similaires. Là encore, le tulle de Nylon a offert une solution satisfaisante au comblement des zones
lacunaires tout en respectant la transparence d’origine.

La consolidation totale de la robe en tulle rose a représenté un travail considérable de 60


jours et s’est avérée particulièrement satisfaisante.
Elle a pu être terminés à temps pour l’ouverture de l’exposition Madeleine Vionnet, puriste
de la mode que vous pouvez voir au deuxième étage en vitrine 36.

Références bibliographiques

ARBUÉS FANDOS, Natalia; VICENTE PALOMINO, Sofia; BONNET ARACIL, María Angeles.
Anàlisis del comportamiento de los materiales màs commùnmente utilizados en la técnica de
consolidación de tejidos históricos mediante costura. Arché, Valencia: Instituto Universitario de
Restauración del Patrimonio de la UPV, n. 2, 2007.
BERGEON-LANGLE, Ségolène. Lisibilité et réintégration. In: COLLOQUE INTERNATIONAL DE
ASSOCIATION DES RESTAURATEURS D’ART ET D’ARCHÉOLOGIE DE FORMATION
UNIVERSITAIRE: Visibilité de la restauration, lisibilité de l'œuvre, 5., 2002, Paris. Actes... Paris:
ARAAFU, 2003. p. 55-64.
DEMORNEX, Jaqueline. Vionnet. Paris: Rizzoli, 1990.
DE REYER, Dominique de. Influence des solvants sur les fibres textiles.Bulletin d’Information et de
Liaison, p. 9-14, février 1990.
KAMITSIS, Lydia. Madeleine Vionnet. Paris: Editions Assouline, 1996.
KIRKE, Betty. Vionnet. Tóquio: Kyuryudo Art Publishing, 1991.
KING, R.R. Textile identification, conservation, and preservation. Park Ridge, NJ: Noyes Publications
1985. p. 225.
SEELING, Charlotte. La mode au siècle des créateurs, 1900-1999. Cologne: Könemann, 2000.
RESTAURAÇÃO DE UM VESTIDO DE TULE COR-DE-ROSA DE 1938: A QUESTÃO DA
TRANSPARÊNCIA

Stephanie Ovide, conservadora textile [1]

s.ovide.atelier@gmail.com

RESUMO

O artigo apresentado deve-se a um processo de conservação-restauração de um vestido de


Madeleine Vionnet datado de 1938 da coleção do Musée de la Mode et du Textile, Arts decoratifs,
Paris.

Palavras-chave: Restauração. Vionnet. Transparência. Consolidação.

O tratamento de conservação-restauro que vamos desenvolver é o culminar de uma reflexão sobre


o restauro de tecidos transparentes e mais particularmente de tule.

Como restaurar o tule sem alterar sua legibilidade? Essa questão determinou nossas escolhas em
cada etapa do restauro de um vestido de tule rosa de Madeleine Vionnet, da coleção do Musée de
la Mode et du Textile, des Arts decoratifs.

Este vestido seria apresentado na Madeleine Vionnet, exposição purista de moda em junho de 2009.
Seu estado de degradação era tal que não pôde ser exibido. O orçamento e o tempo necessário
para sua restauração impossibilitaram seu processamento interno ou externo. No entanto, esta obra
datada de 1938 é essencial na carreira de Madeleine Vionnet porque representa o culminar da sua
arte.

É por isso que Maximilien Durand, chefe do serviço de restauração e conservação preventiva dos
museus de artes decorativas, nos confiou a restauração desta obra-prima. Esse foi o tema de uma
dissertação de mestrado durante um estágio de seis meses na oficina de restauração do museu
supervisionado pelos restauradores da oficina Celia Thibault e Aude Mansouri.

Desde o seu início em 1921, Madeleine Vionnet, estilista francesa, considerava o corpo feminino
com muita originalidade: queria apreendê-lo na sua beleza intacta. Como a pele, o vestido deve
“casar” com o corpo até esse momento: mas depois, era o corpo teve que se adaptar à moda. Para
atingir seu objetivo, ela trabalhou como escultora modelando suas criações em um boneco de
madeira, em vez de desenhá-las. Por isso, houve preconceito em relação a nova maneira criativa.
Pela primeira vez, esse corte diagonal, até então reservado para golas e mangas, se espalhou por
todo o vestido.

O vestido que é objeto deste estudo representa pela sua construção e pela sua silhueta a
consagração da obra de Madeleine Vionnet. A coleção primavera-verão 1938 é uma das últimas.

Este vestido de noite com as costas abertas é feito de tule rosa aplicado com grandes padrões de
folhas de videira e cachos de uvas em veludo rosa.

O corpete sem mangas é forrado com tule e prolongado no decote com um lenço comprido. A saia
é feita de uma dupla camada de tule costurada na cintura em uma fita de cetim de seda rosa. A
anágua interna é forrada com duas faixas de crina de cavalo sintética rosa costuradas nos quadris
e na bainha.

A forma deste vestido corresponde à silhueta do final dos anos 1930: saia muito longa e volumosa
(10 m), costas abertas e cintura marcada.

Documentos iconográficos também nos contam como o lenço foi amarrado no pescoço. Vemos que
tiras finas cruzadas nas costas eram amarradas com um cinto na frente da cintura e apertadas por
uma joia. Infelizmente, as alças e a barra original do vestido desapareceram.

A coleção Madeleine Vionnet do Museu da Moda e Têxtil possui vários desses vestidos de noite em
tule que datam dos anos 1937 a 1939. Para cada um deles, observamos várias camadas de tule de
seda forradas com faixas de crina que trazem volume.

A fim de confirmar as informações relativas aos materiais constituintes do vestido, amostras de fibras
foram analisadas pelo Laboratório de Pesquisa em Monumentos Históricos (LRMH).

Os resultados atestam que se trata de tule de seda. O material denominado "crina de cavalo" foi
analisado em infravermelho vermelho e constatou-se que era composto de fibra artificial de celulose
regenerada.

Além disso, foi identificado o tipo de adesivo utilizado para fixar os padrões de veludo amarrotado,
a fim de verificar suas reações à água ou ao solvente no contexto de uma possível limpeza. Parecia
provável que o adesivo usado era à base de amido, o que foi confirmado por um teste de tintura de
iodo.

Podemos, portanto, confirmar que os materiais que constituem o vestido foram:


– tule de seda;

– crina de fibra de celulose regenerada artificial

– cola de amido;

– o forro de veludo de seda;

– a fita de seda;

O estudo da modelagem revelou que a saia era composta por três semicírculos costurados nas
laterais e presos na cintura por uma fita de seda. A anágua é composta por dois semicírculos
montados por duas costuras nas laterais. O corpete trapezoidal é forrado de tule.

O vestido estava em um estado geral de degradação muito avançado. Numerosos rasgos e grandes
fendas ao longo da saia acentuavam-se a cada manipulação, indicando uma grande fragilidade
mecânica do tule.

Os diagramas aqui apresentados permitem visualizar a extensão, natureza e localização dos danos
e o detalhado relatório de estado desta obra permitiu estabelecer um diagnóstico preciso.

Este vestido apresentava muitas e várias degradações relacionadas à sua história material.

As lacunas e os rasgos localizavam-se principalmente na cintura. Pois, todo o peso do vestido era
suportado pela fita da cintura criando tensões significativas nesta área.

Essas tensões podem ter levado à separação das costuras na fita da cintura, bem como a rasgos
significativos nesta área.

Os buracos na parte inferior do vestido parecem ter sido criados acidentalmente, por um salto de
sapato, por exemplo. As fendas na bainha certamente foram criadas pela saia esfregando contra o
chão.

As descolorações nas axilas eram resultado da oxidação, sem dúvida produzida pela transpiração.

Como a parte mais importante da fenda está localizada nas nádegas, podemos pensar que o tule
foi submetido à fricção de um assento quando a pessoa estava sentada, fazendo com que ficasse
gasto e fragilizado. No longo prazo, esse desgaste pode acabar rompendo a malha do tule em
alguns pontos causando rasgos significativos.
Por fim, a falta de fechamento (um grampo a menos) e as folgas no decote, sem dúvida, resultaram
do contínuo vestir e despir durante os desfiles.

A costura e a aplicação dos padrões no veludo, devem ter cedido aos movimentos do vestido.

As condições de armazenamento também contribuíram para a deterioração geral e enrugamento


do lenço.

A natureza dessas degradações permite supor que o vestido tenha sido usado mais de uma vez
(uso da bainha) e tenha recebido pouca atenção (halo de suor): vindo diretamente dos arquivos de
Madeleine Vionnet, este vestido, único, tem certamente foi feito e usado durante os desfiles da
temporada primavera-verão de 1938, que ocorreram pelo menos uma vez por dia durante seis
meses. É provavelmente por esses mesmos motivos que o lenço tinha muitas fendas onde precisava
ser amarrado.

O tratamento de conservação e restauração deste vestido visava principalmente impedir a


degradação progressiva. O pó por micro-sucção em ambos os lados deveria impedir os danos
causados pelo pó. Assim, a limpeza aumentaria a estabilidade física e química da obra. Também
reduziria a aparência acinzentada do vestido e restauraria sua legibilidade. O tule de seda e a
degradação do veludo impediam a limpeza aquosa e, de fato, levavam à limpeza com solvente.

Foi então necessário trazer, através da operação de consolidação, solidez e legibilidade a esta
criação. A escolha do tecido de suporte apareceu como um elemento determinante para a
consolidação deste trabalho:

– O tule de seda original tinha uma textura e transparência que deveria ser respeitada durante a
consolidação.

– O peso dos padrões de veludo amarrotado somado ao peso da saia, o tecido de suporte, portanto,
tinha que ser forte o suficiente para suportar o peso total do vestido.

Questão de transparência: o tecido de suporte

A dificuldade de encontrar um tecido de suporte levou à realização de pesquisas bibliográficas sobre


o assunto. Procuramos complementar essa informação por meio de uma pesquisa com
restauradores têxteis na França e no exterior: em 34 questionários enviados, obtivemos uma taxa
de resposta de 35%.
Os resultados da pesquisa revelaram as diferenças de práticas e opiniões existentes na profissão,
não só de uma instituição para outra, mas também internacionalmente. No geral, há um consenso
geral sobre a importância da escolha do tecido de apoio ao restaurar tecidos transparentes. Mas
parece que os proponentes das fibras naturais, como a seda, se opõem às fibras feitas pelo homem,
como o náilon. Os argumentos para estas escolhas nem sempre têm embasamento científico e é
fácil cair em clichês: os países anglo-saxões sempre apreciadores das novas tecnologias, a França
apegada às suas tradições e ao seu know-how.

Por que o tule de nylon não deve ser sistematicamente considerado da mesma forma que o crepeline
ou o tule de seda? (Apenas a estrutura, peso, textura, cor, reação às condições climáticas e nível
de transparência devem determinar a escolha do tecido de apoio.)

Para manter essa objetividade, elaboramos um estudo comparativo de quatro tecidos de suporte
transparentes: crepeline de seda, Stabiltex®, tule de seda e tule de nylon.

Em seguida, realizamos testes de tingimento, bem como medidas de transparência e solidez nesses
três tecidos (crepeline, tule de seda e tule de nylon), tendo o estabiltex sido descartado por sua
opacidade relativa.

Ao final desses testes, o último tule monofilamentar de náilon 20 termoligado se consolidou como o
tecido de suporte mais adequado para consolidar o vestido, respeitando as características
mecânicas e estéticas, bem como a transparência do tule de seda original.

O tratamento do vestido foi realizado em quatro etapas:

– limpeza;

– consolidação;

– manequinagem;

– acondicionamento;

Limpeza

Após a realização de um estudo preliminar sobre lavagem a seco, selecionamos o solvente mais
adequado para a limpeza do vestido em termos de:

– eficiência;
– volatilidade;

– toxicidade;

– respeito pelo meio ambiente.

É um solvente derivado de uma fração do petróleo, a gasolina C.

Em seguida, realizamos testes de brilho usando um medidor de brilho para avaliar a eficácia do
solvente antes e depois da limpeza.

Aproveitando a campanha para a limpeza do acervo Vionnet em parceria com a casa Pouyanne,
participamos das operações de limpeza de vestidos:

– imersão em banho de solvente através de tule sintético por 5 minutos;

– drenagem;

– secagem em mata-borrão.

Após a secagem completa do solvente, medimos novamente o brilho do vestido:

Os resultados demonstraram a eficácia da limpeza, principalmente no veludo, tornando os padrões


mais brilhantes. O vestido parecia mais limpo e havia perdido a aparência acinzentada. As fibras
haviam recuperado sua flexibilidade. No entanto, a limpeza não afetou as manchas rosadas nas
axilas.

Em seguida, procedemos à consolidação.

A consolidação

Esta última operação foi dividida em três etapas:

– tingimento, realizado com corante metálico Lanaset da Huntsman;

– a pesquisa da modelagem, levantada usando Melinex;

– finalmente, consolidação:

A desmontagem do vestido foi considerada necessária e revelou seis etapas de consolidação


distintas que foram tratadas separadamente:
– o corpete;

– a anágua;

– a saia;

– o lenço;

– o cinto;

– remontagem;

Cada elemento do vestido era forrado com tule de náilon tingido e preso com pontos retos.

As áreas de lacunas foram consolidadas com a ajuda de pontos de restauração.

As áreas mais frágeis da cintura e do decote do corpete foram protegidas por uma segunda camada
de tule colocada no lado, e mantido por linhas de pontos retos e pontos de cobertor.

Esta solução prevista permitiu manter no lugar os fragmentos de tule originais que ameaçavam
separar-se.

Alguns padrões distorcidos e enrugados foram remodelados com uma espátula aquecida. Uma
proteção de tule também foi colocada na parte superior e fixada nas bordas com pontos de manta
e depois cortada em volta do padrão.

O lenço foi totalmente forrado com tule de náilon e protegido por uma segunda camada de tule na
parte superior

O cinto

Para reforçar o cinto e ao mesmo tempo limitar o número de pontos, um forro de pongee de seda
rosa foi fixado nas pontas com um ponto de manta.

A re-montagem

Os elementos constitutivos do vestido, consolidados separadamente, foram reunidos em torno do


cinto seguindo as marcas dos fios coloridos colocados durante a desmontagem. As diferentes
camadas de tule da saia, anágua e corpete foram sobrepostas na fita de cetim de seda respeitando
a altura original. Eles foram mantidos no lugar com linhas de pesponto e pontos de cobertor.
Para ser apresentado durante a exposição, o vestido teve de ser arranjado de acordo com a forma
como se vestia na altura da sua criação, nomeadamente sobre um forro de vestido e sobre um
manequim cuja silhueta segue as curvas dos anos 1930.

A parte inferior do vestido é feita de um pongee de seda tingido de rosa claro e reforçada com uma
faixa de crina na bainha.

O manequim selecionado é um modelo de alta costura Bonnaverri da marca Stockman® com braços
articulados de madeira pintados na cor creme.

A silhueta foi esculpida com camada de poliéster costuradas diretamente no manequim e seguindo
a silhueta dos anos 1930: peito baixo, cintura alta, quadris longos e estreitos. O corpo do manequim
foi coberto com uma capa de lona de algodão bege feita sob medida.

Um tubo de crina foi costurado na parte inferior dos quadris e coberto com lona de algodão bege
para fornecer suporte rígido à saia.

O forro do vestido foi colocado no manequim. O vestido, colocado em cima do forro, era preso nas
costas por dois grampos. O lenço foi amarrado no pescoço e escorregou pelas costas.

Alças em crepeline de seda tingida foram ajustadas e cruzadas na frente do vestido para voltar a
prender na parte de trás da cintura. O vestido foi colocado no volume original manualmente.

O resultado final é particularmente satisfatório em termos de solidez, transparência e acabamento


estético.

Notamos também que o forro de tule confere uma melhor fixação, nomeadamente do corpete, e
uma elasticidade que se perde sem dúvida durante o processo de degradação do tule de seda.

Graças a esta consolidação, os vários elementos do vestido recuperaram a sua forma original e o
tule de seda está protegido de futuros danos mecânicos. As lacunas são pouco visíveis e a
transparência permanece intacta. O vestido restaurado e modelado foi colocado em sua vitrine.
Terminado o tempo de exposição, o vestido será retirado do manequim e embalado.
Conclusão

A restauração do vestido nos levou a estudar e usar um tecido de suporte até então pouco conhecido
na França: o N8000, 20 denier, tule de náilon termicamente colado. Pudemos demonstrar ao longo
do tratamento como esse material solucionou os problemas de transparência.

Posteriormente, pudemos confirmar esta solução de tratamento ao restaurar outro vestido de tule
de seda branca da mesma coleção que apresentava problemas semelhantes. Aqui, novamente, o
tule de náilon ofereceu uma solução satisfatória para preencher as lacunas, respeitando a
transparência original.

Para a consolidação total do vestido de tule rosa foram consideráveis 60 dias de trabalho e acabou
sendo particularmente satisfatório.

O trabalho pode ser concluído a tempo da inauguração da exposição Madeleine Vionnet, uma
purista da moda, e ser visto no segundo andar, na vitrine 36.

Referências bibliográficas

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Anàlisis del comportamiento de los materiales màs commùnmente utilizados en la técnica de
consolidación de tejidos históricos mediante costura. Arché, Valencia: Instituto Universitario de
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UNIVERSITAIRE: Visibilité de la restauration, lisibilité de l'œuvre, 5., 2002, Paris. Actes... Paris:
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DE REYER, Dominique de. Influence des solvants sur les fibres textiles.Bulletin d’Information et de
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KAMITSIS, Lydia. Madeleine Vionnet. Paris: Editions Assouline, 1996.
KIRKE, Betty. Vionnet. Tóquio: Kyuryudo Art Publishing, 1991.
KING, R.R. Textile identification, conservation, and preservation. Park Ridge, NJ: Noyes Publications
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SEELING, Charlotte. La mode au siècle des créateurs, 1900-1999. Cologne: Könemann, 2000.

O VESTIDO DA BARONESA DE LORETO: UMA NOVA PROPOSTA DE DOCUMENTAÇÃO E


CONSERVAÇÃO

Baronesa de Loreto’s Dress: a new documentation and conservation proposal

Profa. Dra. Manon Salles40


(ECA/ USP)
manonsalles333@gmail.com

RESUMO
Este artigo tem como proposta apresentar algumas questões levantadas sobre a documentação de
um traje do século XIX, que pertenceu à baronesa de Loreto, dama de honra da princesa Isabel.
Durante um novo processo de conservação, realizado pela autora em 2019 no Museu Histórico
Nacional, foi possível o acesso às peças que compõem o traje e o início da investigação.
Palavras-chave: Conservação Têxtil. Baronesa de Loreto. Museologia da Moda. Indumentária.
Cultura Material.

ABSTRACT
This article proposes to present some questions raised about the documentation of a 19th century
costume, which belonged to Baroness de Loreto, Princess Isabel's maid of honor. During a new
conservation process, carried out by the author in 2019 at the National Historical Museum, it was
possible to access the pieces that make up the costume and to start the investigation.
Keywords: Textile Conservation. Baroness of Loreto. Fashion Museology. Clothing. Material
Culture.

40
Professora universitária e conservadora têxtil, com mestrado e doutorado pela ECA/USP. Professora
convidada do Museu Histórico Nacional. Coordenadora do Comitê Científico do Seminário Moda: Uma
abordagem museológica.
Introdução
A roupa que estamos investigando é o conjunto de quatro peças que compõem o “Vestido
baronesa de Loreto”. Datado como um traje do século XIX (cerca 1880), a partir de informações
existentes nas fichas de registro do Museu Histórico Nacional no Rio de Janeiro. O vestido pertenceu
ao período romântico/vitoriano, o que pode ser confirmado pela documentação e por suas
referencias estéticas, típicas do período, sendo o traje composto por um corpete decotado, uma
ampla saia longa, com uma sobressaia41 verde, não existindo mais as outras peças internas que
deveriam compor um traje deste período como, a “chemise”, o espartilho, a calçola, a crinolina e as
meias.
Tratando-se de uma das roupas mais antiga da coleção, e já tantas vezes em exposição,
no momento em que foi possível termos acesso às peças,42 como também às fichas de
documentação, verificamos que algumas questões poderiam ser exploradas, sobre um vestido
famoso e pouco investigado.

O traje e seu percurso social a partir da documentação existente


A construção de uma nova aparência no mundo moderno e industrial teve a moda como
sua grande aliada. Iniciou-se então, um período de rupturas importantes nas silhuetas femininas ao
longo daquele século. Os leves e despojados vestidos de estilo “império”, feitos com uma leve
cambraia de linho branco em forma tubular, usados no Brasil a partir da chegada da Corte
portuguesa em 1808, logo foram substituídos a partir de 1820/1830, pela moda romântica e sua
estrutura mais rígida, com a volta dos espartilhos afinando as cinturas e as crinolinas sustentando
as amplidões das saias.
A partir da pesquisa realizada,43 constatou-se que o traje possui as características do final
do período romântico/vitoriano, portanto cerca de cento e quarenta anos e fazendo parte do acervo
do Museu Histórico Nacional há noventa.

41
Essa peça está com diversas descrições nas fichas existentes. Nas fichas 31.103 e 019.362, está descrita
como “Manto”. Na descrição que está no site do Museu, aparece como “sobrecauda”. A melhor e mais
atual definição seria sobressaia, de acordo com o uso da peça e sua definição do Dicionário Aurélio: Saia
que se coloca sobre outra, que está por cima de outra saia
42
A pedido do então diretor do Museu Histórico Nacional, sr. Paulo Knauss, a autora realizou um processo
de conservação preventiva, realizando a higienização e novo acondicionamento para o traje em novembro
de 2019.
43
Em pesquisas feitas no Museu Histórico Nacional em 2019, foram encontradas quatro fichas de registro
em papel, com as informações datilografadas e numeração 31.103 e as outras duas com a mesma
numeração 019.362 ( talvez uma atualização). Também acessamos a documentação já digitalizada sobre a
peça no site do MHN, sessão de indumentária e o volume 34 dos Anais do MHN, publicado em 2002.
Em sua ficha de número 31.103, ainda datilografada à máquina de escrever, existe a
informação que o vestido que pertenceu à baronesa de Loreto, foi doado ao museu em 23 de outubro
de 1931, por sua irmã Argemira de Paranaguá Moniz, junto a outros documentos pessoais.
Em sua pesquisa recente sobre a baronesa, Cruz nos traz outras informações sobre a data
da doação:
Depois da morte de Amanda Paranaguá Dória, em 1931, sua irmã Argemira
Muniz, fez doação de outra parte dos seus documentos pessoais ao Museu
Histórico Nacional (MHN), no dia 3 de Julho de 1933. Esta coleção, assim como
a do IHGB, também chama-se “Baronesa de Loreto” e é composta por 764
documentos, entre correspondências, cartões, postais e fotografias de amigos.
Este conjunto documental compreende os anos de 1874 até 1931. [...] Aos já
referidos postais somam-se outros objetos da cultura material, à exemplo das
vestimentas (CRUZ, 2018, p. 46).

Maria Amanda Lustosa Paranaguá Doria (Salvador 1849 – Rio de Janeiro 1931) tornou-se
baronesa ao casar-se com Franklin Américo de Meneses Dória, Barão de Loreto e foi uma dama e
conselheira ao serviço efetivo de S.M. a imperatriz, desde 1886. Tornou-se grande amiga da
princesa Isabel, tendo inclusive, acompanhado a família imperial ao exílio em Paris.
Para a investigação de uma peça de roupa sem a etiqueta de procedência, esta, já em uso
no século XIX a partir do criador Charles Worth, as informações existentes no MHN44 nos ajudaram
a confirmar o percurso social do traje e seu pertencimento.
Estabelecido o contexto social do traje e a relação de proximidade existente entre Amanda
de Paranaguá e a princesa Isabel, existe uma questão importante que podemos trazer sobre a
vestimenta.
Com todas as características de um vestido de noite (decotado, bordados e brilhos), não se
trata de um simples vestido de baile, pois possui características e semelhanças aos trajes de corte
ou majestáticos, usados pela imperatriz Teresa Cristina e pela princesa Isabel. Essa relação pode
ser estabelecida a partir da observação de dois trajes existentes em museus brasileiros 45, aos quais,
a autora já teve acesso anteriormente.
As semelhanças ficam evidentes em relação ao modelo, aos tecidos (tafetá de seda e
veludo), as cores (branco e verde) e aos bordados (os motivos fitomorfos de folhas de café, flores e
os fios de ouro e prata), características essas de trajes usados pela família Imperial brasileira. “Esta
questão das cores dos tecidos no segundo império, foi assim abordada por Monteleone:”

44
Será usada a sigla MHN para fazer referência ao Museu Histórico Nacional.
45
No Museu Imperial, encontra-se o traje de gala que pertenceu à Imperatriz Teresa Cristina e no Instituto
Feminino da Bahia/ Museu do Traje e do Têxtil, faz parte de seu acervo o Traje de Gala que pertenceu a
princesa Isabel.
O verde era especialmente importante para a família real brasileira – era cor da
bandeira imperial brasileira, a cor da casa de Bragança, de d. Pedro I ( o amarelo
seria da casa de Habsburgo, de d. Leopoldina). Por isso, em diversas ocasiões
oficiais durante o segundo império, os membros da família imperial, em especial
a imperatriz Tereza Cristina e as princesas Isabel e Leopoldina, usaram verde
em suas roupas (MONTELEONE, 2013, p.169).

As evidências sobre o vestido e sua circulação nas cerimônias da Corte, também são
confirmadas por Cruz:
Datada de cerca de 1886, mesmo ano da nomeação da senhora Paranaguá
Dória como dama de palácio, a peça poderia se remeter a tal ofício, que deveria
zelar pela imagem da princesa, servindo-a e representando-a adequadamente
nos eventos sociais quando solicitado (CRUZ, 2018, p.47)

O vestido muito similar, usado pela princesa Isabel, foi doado à sra. Henriqueta Catarino,
então presidente do Instituto Feminino da Bahia, na década de 1950. O traje majestático, a partir de
descrições existentes, tanto na ficha de registro como no catálogo publicado, foi usado em ocasiões
solenes, o que nos leva a acreditar que o vestido é um traje de corte.46 Outras informações sobre a
descrição do traje imperial, seus materiais e restaurações, nos foram enviados pela atual diretora47
executiva da instituição, a partir da ficha documental.
O império brasileiro teve suas particularidades e as etiquetas que tiveram grande expansão
no reinado de Luis XIV, na França, tornam-se dever na Corte brasileira, em pleno Século XIX,
segundo Sant´anna. Ela complementa:

A partir do século XIX, com a ascensão da burguesia e seu domínio político, os


trejeitos e costumes das Cortes, tão reprovados e acusados de hipocrisia nos
tempos revolucionários, foram sendo adotados pelas abastadas famílias

46
Na ficha de registro do traje, existe a seguinte descrição: “Vestido que pertenceu a Isabel Cristina
Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Gonzaga de Bragança e Bourbon, a princesa Isabel, foi usado pela
princesa em 20 de maio de 1871, para prestar juramento como regente do Império do Brasil. Usado pela
segunda vez na ocasião da assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, quando decretou a abolição da
escravidão no Brasil, ficando conhecida como Isabel “A Redentora”. O vestido foi doado a dona Henriqueta
Martins Catharino, por dom João Orleans de Bragança no dia 5 de março de 1953. Foi um presente de dom
Pedro de Orleans e Bragança para dona Henriqueta em reconhecimento pelos trabalhos já desenvolvidos
pelo Instituto Feminino.
47
Saia de tafetá de seda pura, bordada em fio de ouro, com ramos de café e estrelas. Cauda em veludo
verde bordada a mão, em fio de prata com ramos de café e esfera armilar. Corpete de tafetá de seda pura
com pala confeccionada em ouro”. Não existe um registro sobre a autoria do traje, mas foi confeccionado
no exterior. Sobre os processos restaurativos, o primeiro foi realizado em 1998, pela empresa Morais de
Castro, através do programa Faz Cultura. A segunda restauração (saia e cauda) foi feita pela restauradora
Claudia Nunes. “Atualmente o vestido está em exposição em vitrine, e não na reserva técnica.” Entrevista
realizada por e-mail em 28 de julho de 2021, com a sra. Cheryl Braga, diretora do Museu do Traje e do Têxtil
que faz parte do Instituto Feminino da Bahia.
burguesas, porém, nesse novo contexto, com justificativas firmadas na higiene
e na boa educação, o que “depurou” suas expressões (SANT´ANNA, 2019, p.
118).

O estudo comparativo entre os tres semelhantes trajes de corte, nos levou ao decreto do
imperador Napoleão Bonaparte48 (1769-1821) feito em 1804 para regulamentar as vestimentas que
deveriam ser usadas por todos que fizessem parte da Corte Francesa. Além de definir em detalhes
as cores, tecidos, aviamentos e bordados que seriam usados nos trajes (“le grand et le petit
habillement”) do imperador e da imperatriz, as regras também eram direcionadas aos grandes
dignatários, aos conselheiros, membros do tribunal e corpo legislativo. Para os que frequentavam a
casa imperial, era permitido o uso de vestimentas inspiradas nas do imperador e da imperatriz, com
adaptações de modelagem, tecidos ou cores, se necessário (GRAU,1999, p.79).
Mesmo considerando o distanciamento dos dois períodos históricos, entre o início e o final
do século XIX, a tradição foi mantida até o final do império brasileiro, sendo o vestido em pesquisa
e suas características estéticas, usado para ocasiões de grande gala. E com ele, foi possível a
circulação social da baronesa de Loreto no ambiente da Corte brasileira, da qual fazia parte como
dama de honra da princesa Isabel.
Conhecermos os processos realizados pelas outras duas instituições museológicas
(Instituto Feminino da Bahia/ Museu do Traje e do Têxtil e o Museu Imperial), em relação a
documentação, conservação preventiva e restaurações existentes,49 pode nos ajudar no atual
processo de conservação preventiva, já que existem pouquíssimos estudos ou publicações sobre
os trajes de corte do século XIX dos museus brasileiros, menos ainda, sobre o vestido da baronesa
de Loreto.

48
Os decretos napoleônicos, após o fim dos editos suntuários com a Revolução Francesa, continuaram a
regular o uso de um vestuário de Corte, mantendo o controle das aparências através do poder.
49
Não foi encontrada durante a pesquisa no MHN, qualquer analise técnica sobre os tecidos, fios e fibras,
somente a descrição com termos variados. Também não foi encontrado o registro sobre as restaurações já
realizadas.
O vestido baronesa de Loreto, na primeira imagem, muito similar ao da princesa
Isabel (imagem 2). Do traje majestático que pertenceu à imperatriz Teresa
Cristina, retratada por Vitor Meirelles em 1864, restou somente a saia e o corpete
(imagem 3). Fotos dos sites das instituições Museu Histórico Nacional, Instituto
Feminino da Bahia e Museu Imperial.

Informações e registros sobre as quatro peças do “vestido baronesa de Loreto”

Seguindo a investigação a partir das orientações feitas por Taylor em seu livro The study of
dress history (2002), onde ela relata:

É fundamental para a análise de um vestido histórico, buscarmos


desenhos ou fotografia para que seja possível identificarmos seu lugar na
sociedade. Se não tivermos essas referências para o estudo da roupa,
não teremos nenhuma base sobre a qual tentar construir um significado
social ou cultural (TAYLOR, 2002, p.65, tradução nossa).

As fotografias ou pinturas encontradas até o momento, não fazem referência ao traje de


Corte e sim, a imagens de Amanda Paranaguá usando trajes diurnos, fechados e com cores
escuras, como na fotografia de sua carte de visite ou em outra fotografia, feita na varanda do Palácio
Imperial com a princesa Isabel em Petrópolis, hoje Museu Imperial. “Com exceção destas, não foram
doadas pela baronesa de Loreto qualquer retrato ao IHGB. Os registros fotográficos não figuram
entre os guardados que deviam ter lugar naquela instituição e que pudessem ser usufruídos por
pesquisadores na construção de narrativas históricas. Como já analisamos, [...] as fotografias
compunham um circuito nas relações particulares da senhora Paranaguá Dória, uma vez que elas
se constituíram como momentos da intimidade familiar, por serem produzidas com a função de
lembrar”.50

50
CRUZ, Itan. A serviço de sua alteza imperial, Amanda Paranaguá Dória. Dama da princesa Isabel (1849-
1931) , p. 49. IHGB é a abreviação de Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Imagem da esquerda, carte de visite feita por Alberto Henschel. Imagem da direita,
fotografia de Marc Ferrez, feita em Petrópolis, 1885. Baronesa de Muritiba, princesa Isabel e
baronesa de Loreto.

Portanto, as fichas de registro existentes no MHN, foram fonte fundamentais para obtermos
informações sobre o traje.
Na ficha de registro 31.103, de 1931, talvez a mais antiga, temos uma pequena descrição
do vestido, a data de doação e sua procedência. Em relação à descrição do traje, estão as seguintes
palavras: “Objeto: vestido e manto da Dama da princesa imperial que foram da baronesa de Loreto”.
A questão do uso de uma nomenclatura adequada no momento da documentação de
roupas em museus é uma questão ainda em estudo. “Ainda sobre os desafios terminológicos
relacionados à documentação de vestuário, vale destacar que o Comitê (ICOM Costume)51 vem
trabalhando, desde 1971, em busca de um entendimento comum dos termos empregados na
descrição do vestuário e seus acessórios pois com o desenvolvimento dos sistemas de recuperação
de informação, tornou-se mais do que nunca necessário examinar a catalogação do traje para
garantir que a informação contida em cada peça de nossas coleções fosse registrada com clareza
em uma forma que fosse internacionalmente aceitável”. A partir da orientação do ICOM Costume,
poderíamos descrever o traje como: vestido de gala52, em três partes, superior (corpete) e inferior
(saia) e sobressaia.
Outro recurso é verificarmos junto ao Tesauro de objetos do Patrimônio cultural nos Museus
Brasileiros,53 que propõe uma classificação e denominação para artefatos tendo como denominador

51
Tradução para o português e site
52
Vestido de gala é usado em ocasiões sociais formais, em geral de comprimento na altura do tornozelo,
com decote e costas abertas, e feito de tecido e adornos finos. Definição do Tesauro de objetos do
Patrimônio cultural nos Museus Brasileiros.
53
Importante trabalho realizado por Helena Dodd Ferrez, para auxiliar na nomenclatura da documentação
de qualquer tipo de objeto. A busca sistematizada foi feita em adornos pessoais e Vestuário. Link de acesso:
comum o conceito de função original usado para uma classificação sistematizada em classe,
subclasse e lista de termos.
“Em uma segunda ficha de registro em papel, provavelmente posterior, já aparece o nome
do museu impresso e a sessão 'história', a qual a peça estaria vinculada. Os dados importantes
nessa ficha, são os que se referem ao estado de conservação “regular” e a localização da peça no
museu: “Sala D. Pedro II, vitrina 23”. A partir desta informação, podemos deduzir que o vestido ficou
em exposição longo período em uma vitrina, já que não existe registro de localização ou guarda na
reserva técnica.

Nas duas primeiras imagens, fichas de registro do vestido e na última imagem, ficha digitalizada;

A informação mais atualizada sobre o traje e sua descrição de forma coerente encontra-se hoje no
site do MHN, sessão biblioteca virtual, como segue abaixo:

“TRAJE DE CORTE
Vestido branco em tafetá de seda, bordado com fios de prata. Corpete ajustado
por barbatanas de baleia, terminando em ponta na frente. Decote em V
ornamentado externamente por faixa com quatro pregas. Mangas franzidas e
curtas. Saia longa com cauda, bordada na parte inferior com fios de prata em
motivos fitomorfos e geométricos. Usado sobre barra de organza plissada,
rendada na extremidade.
O decote das costas é arredondado e o corpete é fechado por ilhoses com fitas
para ajustá-lo. Século XIX, Brasil, c. de 1886. Pertenceu à baronesa de Loreto,
Maria Amanda Lustosa Paranaguá Doria, dama da princesa Isabel.
Vestido característico da década, com corte primoroso em duas peças, corpete
e saia com cauda, habitual e de regra nos anos 80 do século XIX, utilizado com
espartilho e anquinha. Para as cerimônias da Corte este vestido era usado com

http://www.tesauromuseus.com.br/?fbclid=IwAR2tbnHGi0BnBup128Wd8szEyJCFrhquvJsDM9xai7BEm1y_
NWCPgVawy-AHelena Dodd Ferrez>
uma longa sobre-cauda de chamalote de seda verde com bordados em fios de
ouro.” Foto de Paulo Scheuenstuhl

O estado de conservação das peças e restaurações já realizadas


Antes de fazermos o projeto para a higienização e novo acondicionamento das peças,
fizemos um levantamento sobre o percurso social do vestido, visando justificar o estado atual de
conservação de cada uma das quatro peças. Assim foi possível verificarmos as fragilidades e
demandas existentes, e posteriormente definirmos materiais e suportes, para uma melhor
preservação do vestido. “Na museologia, a preservação engloba todas as operações envolvidas
quando um objeto entra no museu, isto é, todas as operações de aquisição, entrada em inventário,
catalogação, acondicionamento, conservação e, se necessário, restauração.”54
Em relação aos processos de conservação restaurativa, já realizados nas peças, não existe
registro nas fichas existentes, mas podemos perceber visualmente, com auxílio de uma lupa as
intervenções já realizadas, como reforço em diversas partes dos tecidos, troca de tecido do forro,
troca da fita de amarração do corpete, entre outras.
As quatro peças possuem os seguintes números de registro: Corpete 19.363, Saia 19.362,
Barra anágua 19.364, Cauda 18.883.
As peças estavam acondicionadas em duas caixas de polionda branco. A menor para a
guarda do corpete, que estava acondicionado em uma estrutura modelada (corpinho), em algodão
cru lavado, recheado de acrilon. A caixa estava um pouco pequena, dificultando o manuseio da peça
e acomodação do tecido nas mangas e necessitando de novo suporte.
Na outra caixa maior, estavam a saia e sobressaia enroladas em um “ travesseiro” feito de
algodão cru lavado e com acrilon. As peças estavam acomodadas na mesma caixa, junto também
com a barra da saia. Estima-se que o último processo de acondicionamento55 tenha sido feito há
cerca de quinze anos, pela então museóloga, sra. Vera Lima.

54
Conceitos-chaves da museologia, v. 6, p. 79.
55
Informação obtida a partir de depoimento da museóloga Vera Lima em entrevista, outubro de 2019.
Corpete -19.363, Saia - 19.362, Barra anágua - 19.364, Cauda 18.883

O estado de conservação das peças encontra-se atualmente entre regular ou ruim,


considerando algumas partes já bem fragilizadas, devido ao longo tempo na exposição permanente
do Museu, conservação e data de criação. “Todos os têxteis são danificados pela exposição à luz,
o que representa a maior ameaça à sua existência em longo prazo. A seda é o tecido que mais
facilmente se danifica, mas a exposição prolongada causa alterações em todos os tipos de fibra. A
deterioração vai ficando evidente conforme o têxtil se enfraquece ou desbota, e, nos casos
extremos, os tecidos se rompem ou perdem completamente a cor.”56
Sobre os danos e alterações encontrados foram diversos como: Manchas, rasgos, perda de
tecido, perda de bordado, desgaste do tecido, metal oxidado, dobras ou deformações no tecido,
remendo, substituição de parte da peça e costura solta.

1 2

3 4
1. Saia 2. Cauda 3.Corpete 4. Corpete avesso

56
Conceitos-chaves da museologia, v. 6, p. 66.
Proposta de higienização e novo acondicionamento das peças
As vestimentas de um acervo devem passar por uma avaliação criteriosa antes de qualquer
processo de higienização ou lavagem, principalmente as roupas históricas. O mais usual no
processo de higienização das vestimentas é a aspiração mecânica ou por trinchas, pois qualquer
tipo de lavagem é irreversível, alterando o objeto original, sendo considerada uma conservação
curativa.
Sobre essa questão é importante decisão a ser tomada no processo de conservação dos
acervos têxteis, temos distinções sobre as principais intervenções possíveis, produzidas na XV
Conferência Trienal do ICOM- CC15, em 2008 e em vigor até os dias atuais, como nos relata
Zannata:

Assim, no âmbito da conservação do patrimônio cultural móvel tem-se:


conservação preventiva – todas aquelas medidas ou ações que tenham como
objetivo minimizar futuras deteriorações ou perdas. Elas são realizadas no
contexto ou na área circundante ao bem, ou mais frequentemente em um grupo
de bens, seja qual for a sua época ou condições. Estas medidas e ações são
indiretas – não interferem nos materiais e nas estruturas dos bens. Não
modificam sua aparência. Conservação curativa – todas aquelas ações
aplicadas de maneira direta sobre um bem ou um grupo de bens culturais que
tenham como objetivo deter os processos danosos presentes ou reforçar a sua
estrutura. Estas ações somente se realizam quando os bens se encontram em
um estado de fragilidade adiantada ou estão se deteriorando a um ritmo elevado,
de tal forma que poderiam perde-se em um tempo relativamente curto. Estas
ações às vezes modificam o aspecto dos bens (ZANATTA, 2017, p. 24).

Em função da fragilidade das peças e da existência de várias ações de conservação


restaurativa feitas anteriormente, o mais indicado foi a realização da aspiração mecânica nas partes
mais resistentes das peças e o uso de trincha nas mais fragilizadas.
A próxima etapa foi definirmos um novo acondicionamento das peças, visando preservar o
máximo possível o volume do traje e suas características. Ao verificarmos que as peças estavam
um pouco apertadas nas antigas caixas e que em função de pequenas aberturas nas tampas e nas
laterais verificou-se muita sujidade nas roupas e no polionda, houve a necessidade de um novo
planejamento, onde foi possível acomodarmos as peças com menos dobras e com espaço suficiente
para o manuseio e guarda adequados. Para isso foi necessária a construção de duas caixas maiores
em polionda, para evitar a dobra do tecido, em um acondicionamento horizontalizado.
Em função da dimensão da saia (19.362), foi construída a caixa 1 em polionda azul,57 onde
ela pudesse ficar sem dobras na barra. Para que o bordado da barra, feito com fio de prata, não
fosse amassado em contato direto com a superfície dura do polionda, foi proposto a criação de um
grande suporte em manta acrílica forrada por TNT branco para ficar em baixo e no meio da saia.
As dificuldades encontradas se dão muitas vezes pelos diversos materiais encontrados em
uma única peça:
É compreensível que se pense nas roupas em termos de têxteis, mas a maioria
das peças de vestuário leva um número surpreendente de outros materiais,
incluindo vidros, cerâmicas, plásticos, metais, madeiras e couro em botões,
fechos e contas; gelatina e plásticos em lantejoulas; couro em adornos e
reforços; e enchimento de osso de baleia para reforçar corpetes e espartilhos.
Cada um desses materiais acessórios possui seus próprios requisitos de
conservação.58

Seguindo essas orientações, isolamos as partes com material metálico (fios de ouro e prata
e contas) e acomodamos ainda na caixa 1, o corpete (19.363), para otimizar o espaço. Para
conservar a modelagem da peça e seu volume, foi feito um novo suporte em tyvek e acrilon,59
respeitando as formas e dimensões do corpete, evitando a quebra das fibras.

Caixa 1. A saia e o corpete em nova caixa com materiais usados atualmente.


A sobressaia ficou em uma segunda caixa.

57
As caixas brancas estavam muito manchadas devido ao tempo de uso, sendo indicada a troca por uma
nova. Em relação a cor do polionda (azul) não existe qualquer problema em relação a transferência de cor
para a peça, sendo usado em diversos museus nacionais e internacionais. Foi usado, pois já existia o material
no Museu.
58
Conservação de coleções- Museologia Roteiros Práticos, p. 64.
59
Sobre os materiais utilizados: Algodão sintético Acrilon, componente principal Poliéster. Papel Acid Free,
componente principal celulose. Tyvek, componente principal Polietileno. Polionda, componente principal
Polietileno expandido
Em outra caixa (Caixa 2), foram acondicionadas a sobressaia (018.883) e a barra60 (19.364).
A proposta para a sobressaia verde que tem 2,37 por 1,26 de largura foi o acondicionamento
separado da saia, onde foram usados cones de polietileno para evitar a dobra do tecido. Após ser
colocado o papel glassine sem acidez em cima da sobressaia, foi acomodada a barra, por ser leve
e não prejudicar o acondicionamento, seguindo orientações de bibliografia especializada: “Use rolos
de papel de seda61 para preencher as dobras, evitando que mudanças bruscas na posição do tecido
possam provocar vincos que causam danos. Quanto maior a caixa melhor, pois isso reduz o número
de dobras necessárias. As caixas são fáceis de armazenar e etiquetar e protegem os objetos de luz,
poeira e excesso de manuseio”.

Imagens da Caixa 2, com a sobressaia acondicionada com cilindros de


polietileno branco, papel glassine e tnt, para evitar a dobra do tecido

Segundo Paula, “o algodão retém a poeira na trama e necessita de constante aspiração”.


Por isso foi necessário fazermos a troca do material, pois em função do tempo que estavam
acondicionadas, novas soluções e materiais estão em uso nos museus nacionais e internacionais,
visando uma melhor conservação preventiva.

60
A barra da saia na verdade foi o que chegou ao Museu, como nos relatou a museóloga Vera Lima, e
houve a necessidade de refazer o restante da saia, onde usou-se um material sintético.
61
O papel de seda não é alcalino. Aparece na tradução do catálogo Conservação de coleções- Museologia
Roteiros Práticos, p. 67, mas o indicado é o papel glassine ou qualquer papel sem acidez.
Etapas futuras
Em todo processo de conservação preventiva, algumas etapas são fundamentais, como as
que foram feitas. Mas devido ao estado de conservação muito frágil das peças, seria interessante
futuramente haver um processo de investigação sobre os têxteis, os materiais originais e os que
foram adicionados ao vestido ao longo dos processos restaurativos. Com um laudo detalhado sobre
os processos de restauração anteriores, seria necessário fazer novas intervenções, com processos
de uma conservação curativa.
Até que seja realizada uma nova restauração, o ideal é que a peça não seja mais exposta
em manequins e o manuseio deve ser o mínimo possível, de preferencia feito por profissionais. Em
caso de uma nova exposição, seria indicada a criação de uma réplica da crinolina que era usada na
época (1860), para sustentar o peso da saia e evitar uma deformação no traje e ruptura das fibras.
Assim como as outras peças internas que compõem o vestido da baronesa de Loreto, que já não
existem mais.

Referências bibliográficas

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(1849-1931). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, 2018.
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(Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,
São Paulo 2013.
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Maurício O. Santos e Patrícia Souza. São Paulo: Edusp: Fundação Vitae, 2005. (Conservação de
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PAULA, Teresa Cristina Toledo de (Org.). Tecidos e sua conservação no Brasil: museus e coleções.
São Paulo: Museu Paulista, USP, 2006.
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SANT`ANNA, Mara Rubia. Império: uma civilização nos trópicos. Barueri, SP: Companhia das Letras
e Cores, 2019.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: d. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
ROCHE, Daniel. A cultura das aparências: uma história da indumentária (séculos XVII-XVIII). São
Paulo. Editora Senac-São Paulo, 2007.
ZANATTA, Eliane Marchesini. Subjetividade e objetividade: as decisões nos processos de
conservação e restauração. Tese (Doutorado em Museologia) – Programa de Pós-Graduação em
Museologia e Patrimônio, Unirio/Mast, Rio de Janeiro, 2017.

CONSERVAÇÃO DE FIGURINOS: ENTRE COLEÇÕES BRASILEIRAS E INGLESAS


CONSERVATION OF COSTUMES: BETWEEN BRAZILIAN AND ENGLISH
COLLECTIONS

Marina Herriges
(Centre for Textile Conservation, University of Glasgow)
marina.herriges@gmail.com

RESUMO

A apresentação foi sobre duas coleções. A primeira está sobre a guarda do Museu Carmen Miranda
no Rio de Janeiro e a segunda coleção está sobre guarda no Eton college na Inglaterra e que
apresentam conexão entre si, por serem duas coleções de figurinos.

Não foi possível o envio do artigo, pois a instituição inglesa não liberou as imagens para esse fim,
mas a palestra pode ser acessada no Youtube62.

62
O evento na íntegra está disponível no Youtube em <https://www.youtube.com/watch?v=7aaGE8DV8Rk&t=26s>.
Acesso em 4 mai 2019.
ABSTRACT

The presentation was about two collections, the first one about the guard at the Carmen Miranda
Museum in Rio de Janeiro and the second one about the guard at Eton college in England, which
are connected to each other, as they are two collections of costumes.

It was not possible to send the article because the English institution did not release the images.

O LUGAR DA MODA EM UM MUSEU HISTÓRICO


The place of fashion in a historical museum

Profa. dra. Maria do Carmo Rainho


(Arquivo Nacional)
mctrainho@gmail.com

RESUMO

O texto apresenta, na primeira parte, uma taxonomia dos museus que custodiam acervos de
moda e indumentária, consoante a constituição e linhas curatoriais. Em seguida, abordando mais
detidamente as coleções do Museu Histórico Nacional, visa a discutir as responsabilidades
metodológicas a serem observadas na produção de conhecimento, em um museu de história, ao
mobilizarmos roupas, acessórios e adornos em torno de um problema histórico.
Palavras-chave: Museus. Museus de História e Produção do Conhecimento. Coleções de
indumentária. Moda.

ABSTRACT

The text presents, in its first part, a taxonomy of the museums that guard collections of fashion
and clothing, according to their constitution and curatorial lines. Then, addressing more closely
the collections of the National Historical Museum, aims to discuss the methodological
responsibilities to be observed in the production of knowledge in a historical museum by mobilizing
clothing, accessories and adornments around a historical problem.
Keywords: Museums. Historical Museums and Production of Knowledge. Costume Collections.
Fashion.

Introdução

Já há algumas décadas o lugar da roupa e, sobretudo, da moda, nos museus é objeto de


diferentes disciplinas, que vão da Museologia à História passando pela Comunicação, História da
Arte e Design, dentre outras. Boa parte dos trabalhos tem se voltado para a história dos museus
da moda e do design, a constituição de seus acervos e a emergência das exposições de moda,
os desafios de fazer pesquisa com artefatos têxteis (ANDRADE, 2014; BASS-KRUEGER, 2018;
BONADIO, 2014; BREWARD, 2008; GLASSCOCK; KODA, 2014; NOROGRANDO, 2015;
OLIVEIRA, 2018, 2019; PECORARI, 2014; SANT’ANNA, 2010; STEELE, 2008, 2014; TAYLOR,
2002). Muitos exploram temas e linhas curatoriais das exposições, o perfil e a trajetória dos
curadores, como Diana Vreland, Harold Koda, Valerie Steel (TEUNISSEN, 2014) e, também,
aquilo que pode ser qualificado de virada de uma museologia da roupa/indumentária para a
museologia da moda (MELCHIOR, 2014). A curadoria das exposições, as relações que se
estabeleceram, em diferentes momentos, entre costureiros, estilistas, marcas, conglomerados e
curadores, também é um eixo que vem sendo explorado. É de crucial importância a discussão
que cerca o conteúdo das exposições e de como determinadas empresas e costureiros se
tornaram os temas das mostras; as doações vultosas oferecidas por criadores da alta costura a
museus que se dedicaram a expor a sua trajetória; os impactos à autonomia dos curadores
(STEELE, 2008, 2014). Importante observar, por um lado, o processo de comoditização desses
objetos expostos nos museus: dotados de uma aura, se distinguem de produtos e marcas que
não possuem a mesma sorte. E assim, são vendidos em novas vitrines, embalados pelos eventos
de abertura das exposições que se confundem com a realização dos habituais desfiles. Os
museus, por sua vez, atraem um grande público e ampla publicidade aos seus espaços, sendo a
moda um objeto de franco interesse. Nesse processo, torna-se mais fácil obter outros patrocínios
– inclusive para exposições de menor apelo. Uma realidade, em grande medida, observada nos
Estados Unidos e, em alguns países da Europa, comum aos museus da moda e das artes
decorativas ou aos museus enciclopédicos, sendo o melhor exemplo dessa relação, as
exposições promovidas pelo Costume Institute, no Museu Metropolitan, em Nova Iorque.
Deixando de lado o contexto internacional, voltando-se para o Brasil e especificamente
para os museus históricos, cabe perguntar: qual o lugar da roupa e da moda nesses espaços?
Para começar, um museu histórico não é um museu de moda. Parece óbvio, mas, não é. E aqui,
cabe indicar brevemente o que entendemos por museu histórico, posto que, a rigor, todos os
museus são históricos e todos podem operar as dimensões de espaço e de tempo (MENESES,
1994, p. 14). Entendemos que um museu histórico é aquele que, para além da multiplicidade
tipológica, deve “operar com problemas históricos, isto é, problemas que dizem respeito à
dinâmica na vida em sociedade.” (MENESES, 1994, p. 20), fazendo história com objetos e
ensinando como se faz História com objetos (MENESES, 1994, p. 40).
Ressalto esse aspecto porque é relativamente comum no Brasil estabelecerem-se
análises baseadas tanto em comparações com museus internacionais quanto com museus de
natureza distinta, o que pode levar a subestimação das coleções de moda e indumentária em
nossos museus históricos e a uma compreensão equivocada do lugar que elas ocupam.
Um exame desses acervos que desconsidere especificidades tipológicas, contextos de
criação dos diferentes museus e suas biografias, o lugar onde estão situados, sua natureza
pública ou privada, as motivações para que tenham coletado roupas, acessórios, joias, as práticas
curatoriais, muito provavelmente terá dificuldades de compreender as políticas de aquisição,
catalogação e difusão dessas coleções.
Nesse sentido, na primeira parte do texto propomos uma taxonomia dos museus na
perspectiva da constituição e da exibição das coleções de indumentária e moda. É uma
classificação sem compromisso com uma abordagem cronológica, sem qualquer pretensão à
exaustão do tema e integralmente devotada às instituições internacionais. Seu propósito é
permitir que se circunscrevem às especificidades dos acervos de moda e indumentária de
diferentes museus, de modo a examinarmos, na segunda parte, estas coleções nos museus de
história, mais especificamente, no Museu Histórico Nacional.

A moda em museus: acervos e processos curatoriais

Na tipologia dos museus com acervos de moda e indumentária, destacam-se os museus


da moda, strictu sensu, aqueles que se integram em uma rede internacional que congrega
instituições como o Museu do Fashion Institute of Technology (FIT), de Nova York, e o MoMu, da
Antuérpia. São museus que propõem uma ruptura com as formas de pensar e exibir a moda e
que orientam as suas exposições prioritariamente para a moda contemporânea e o design,
temáticas que estão mais diluídas e esparsas em instituições congêneres. Ambos possuem
também um viés educativo. O Museu do FIT, como o nome indica, é vinculado ao Fashion Institute
of Technology. Foi criado em 1969 e é dirigido, desde 2003, pela historiadora Valerie Steele, que
atua como curadora-chefe desde 1997. A origem do seu acervo está no Laboratório de Design
do Brooklyn Museum, que, a partir de 1915, manteve uma coleção com fins educativos, usada
como fonte pelos designers norte-americanos. A coleção do Museu do FIT contempla hoje 50 mil
itens de vestuário e acessórios do século XVIII à contemporaneidade e inclui criações de Adrian,
Balenciaga, Chanel e Dior. Seu programa educacional, denominado Cultura de Moda, inclui
seminários, painéis, produção de vídeos e podcasts, visitas guiadas. Anualmente é promovido o
Fashion Symposium evento que reúne renomados pesquisadores e professores, além de
curadores de várias partes do mundo. O museu se conecta ao Instituto mais diretamente por meio
de um programa de publicações de cunho acadêmico e oferece oportunidades de pesquisas para
alunos, professores e designers.63

O MoMu abriu suas portas em 2002; desde então, realiza duas exposições temporárias
por ano, além de pequenas mostras e instalações. Investindo numa cenografia imersiva, a cada
exposição seu espaço é completamente transformado. A política de aquisição do MoMu tem como
foco o trabalho dos designers belgas e dos alunos do Departamento de Moda da Royal Academy
of Fine Arts da Antuérpia. Nomes proeminentes do universo da moda internacional também estão
representados na coleção. Além das peças de indumentária, o museu conserva acessórios,
têxteis, ferramentas, máquinas para a produção de têxteis, moldes e convites para desfiles, num
total de 33 mil peças. Ressalta-se, ainda, a coleção histórica, referente à produção de roupas e
tecidos da Europa Ocidental provenientes do antigo Costume and Textile Museum Vrieselhof. Em
2011, essa coleção ganhou corpo com a aquisição de dois mil objetos dos séculos XVIII à primeira
metade do século XX. E, a partir de 2017, o MoMu agregou o que denomina de Coleção de
Estudos, utilizada em seus programas educativos e que permite aos visitantes o contato direto
com os objetos, que também podem ser usados para fins de pesquisa acadêmica, material
didático ou inspiração.

Conforme observa Pecorari, para além do fato de ter contribuído para a transformação
da Antuérpia em uma cidade na vanguarda da moda, o MoMu se tornou um museu de referência
internacional em apenas dez anos. Fundamental para isso, segundo o autor, foram as estratégias
museológicas utilizadas pela instituição, que, numa certa medida, a levaram a mimetizar o papel
de vanguarda desempenhado pelos designers belgas no sistema da moda (PECORARI, 2014, p.
49).

63
Disponível em:< https://www.fitnyc.edu/museum/>. Acesso em: 9 maio 2021.
Também devotado às coleções de moda e indumentária, mas, em uma perspectiva
diferente, estão os museus do traje, nomenclatura que emprego, aqui, para agregar aqueles que
foram originalmente pensados com o propósito de custodiar e exibir itens de indumentária e
promover mostras sobre a história das roupas, conservando uniformes, trajes regionais, numa
perspectiva que não se restringe aos itens da moda. Os museus do traje proliferam, sobretudo,
na Europa, e sua constituição remonta ao século XX embora, em alguns casos, as bases para a
formação de suas coleções tenham se iniciado na segunda metade do século XIX. Destaco dois
museus dessa tipologia, ambos de natureza pública que foram criados a partir de coleções
particulares e de exposições prévias.
O primeiro deles é o Musée de la Mode e du Costume da cidade de Paris, que se originou
da coleção reunida pela Société de l’Histoire du Costume, associação privada, fundada em 1907,
por Maurice Leloir, pintor, historiador e colecionador (BASS-KRUEGER, 2018). Esta sociedade
reunia um grupo de artistas, industriais, costureiros e historiadores amadores com o propósito de
organizar uma coleção de trajes históricos e promover a abertura de um museu para a sua ampla
exposição. Em 1920, seu acervo, com dois mil itens, foi doado à municipalidade de Paris, ficando
sob a guarda do Museu Carnavalet, o museu histórico daquela cidade, visando à criação do
Museu do Traje. A princípio, apenas uma parcela tímida da coleção foi exposta e durante
décadas, a despeito das discussões em torno da relevância de uma instituição desse tipo, o
projeto não saiu do papel. É apenas no início da década de 1950 e, graças à pressão da Societé
de l’Histoire du Costume que os espaços do Carnavalet vão abrigar a exibição de itens
considerados emblemáticos, com o intuito de chamar a atenção do Conselho Municipal de Paris.
Após a obtenção dos primeiros recursos, o museu consegue reformar inúmeras salas e passa a
exibir quantidade maior desses objetos, gerando a afluência do público e novas doações. Em
1955, com a evidente necessidade de um local mais adequado e maior, a coleção é transferida
para o Museu de Arte Moderna de Paris. Considerado um anexo do Museu Carnavalet, o Musée
du Costume é oficialmente aberto em 23 de novembro de 1956 com Madeleine Delpierre como
curadora-chefe. Em 1971, contudo, é fechado por problemas estruturais e a coleção retorna ao
Carnavalet. Por decisão da Prefeitura de Paris fica decidido, então, que a coleção ocupará o
Palais Galliera, que é reformado para abrigar o acervo e as exposições temporárias. Finalmente,
em 1977, e após incorporar outras coleções de trajes e acessórios, o museu ocupa o Galliera
com o nome alterado para Musée de la Mode et du Costume. Nele conservam-se, atualmente,
cerca de 200 mil itens (vestimentas, acessórios, fotografias, croquis) contemplando os códigos
de vestimenta na França do século XVIII aos dias atuais.
O Museo del Traje, de Madri, por sua vez, tem suas origens na Exposição do Traje
Regional, organizada em 1925 no Palácio de Bibliotecas e Museus daquela cidade, que reuniu
348 trajes completos, dentre outros itens. O grande êxito de público, que se evidenciou na
necessidade de reimpressão do catálogo da exposição, estimulou a transformação da mostra
temporária em um museu do traje, utilizando peças recebidas em doação, além daquelas
adquiridas especificamente para o evento. Durante alguns anos a coleção foi sendo transferida
para diversos locais e, em 1934 é integrada ao Museu do Povo Espanhol que abre as suas portas,
efetivamente, em 1971, mas, que, logo em seguida, transfere suas coleções para outros espaços.
Em 1993 o Museu do Povo Espanhol e o Museu Nacional de Etnologia são reunidos em uma
única instituição: o Museu Nacional de Antropologia. Após uma ampla reflexão sobre o futuro
daquele museu, em 2004, é criado o Museu do Traje, que hoje contém cerca de 30 mil peças,
com destaque para os itens de indumentária do século XVIII; uma relevante coleção de trajes
regionais espanhóis, incluindo joias; coleções de peças criadas por Mariano Fortuny e
Balenciaga; exemplares do prêt-à-porter espanhol desde os anos 1970 e uma coleção de alta
costura e prêt-à-porter desde Worth, Poiret e Chanel até Kawakubo, Margiela e McQueen64.
Um terceiro grupo de instituições que custodia coleções de indumentária é aquele
integrado pelos museus de artes decorativas. Embora o foco não seja exclusivamente a
Indumentária, em alguns deles, evidencia-se, nas últimas décadas, um grande investimento em
exposições, seminários e publicações relacionados a esta tipologia de acervo. Dentre eles
distinguem-se, especialmente, o Victoria and Albert, em Londres e o Musée des Arts et de la
Mode, em Paris.
O Victoria and Albert tem suas origens relacionadas à Exposição Internacional de
Londres, de 1851, a primeira de uma série que marcariam o século XIX. O sucesso da exposição
de Londres, visitada por seis milhões de pessoas, chamou a atenção quanto à relevância do
evento para a educação do público e para a formação de desenhistas e fabricantes de produtos.
Com esse propósito, um conjunto de artefatos foi adquirido com recursos públicos, constituindo
a base do que viria a ser o Victoria & Albert. Conforme Valerie Steele (2014, p.25), o V&A
colecionou roupas desde a sua fundação, em 1852, ainda como Museu das Manufaturas. De todo
modo, segundo a autora, as vestimentas da moda eram vistas como inferiores à tapeçaria, aos
móveis ou às cerâmicas; apenas em 1913, foi montada uma pequena exposição de moda do
século XVIII (STEELE, 2014, p.25-26). O museu conserva hoje uma coleção de têxteis e moda
que inclui cerca de 75 mil objetos numa cronologia que se estende por mais de cinco mil anos,
do Egito antigo à contemporaneidade. As coleções se caracterizam, ainda, por uma abrangência

64
Disponível em:< https://www.culturaydeporte.gob.es/mtraje/inicio.html>. Acesso em: 9 maio 2021.
espacial e tipológica: sedas do Oriente próximo; tapeçarias chinesas e europeias; bordados da
Inglaterra medieval; tapetes persas; têxteis indianos.
Na França, o contexto da organização de coleções de moda que dará origem ao Musée
des Arts Décoratifs está relacionado a duas exposições de indumentárias históricas ainda no
século XIX (BASS-KRUEGER, 2018, p.1). Em 1874, a União Central de Belas-Artes aplicadas à
Indústria organizou a primeira exposição pública de história do vestuário, intitulada Musée
historique du costume, no Palácio da Indústria, espaço construído originalmente para a Exposição
Universal de 1855. Mais de cem colecionadores privados, além de instituições públicas,
emprestaram seis mil itens entre vestimentas, têxteis, acessórios, pinturas, esculturas,
manuscritos. (BASS-KRUEGER, 2018, p. 9). A mostra, embora centrada principalmente na moda
europeia, exibia, também, centenas de objetos da Ásia, África e da Índia. Em 1892, ocorreria a
segunda exposição de indumentárias históricas intitulada Costumes anciens, durante a
Exposition des arts de la femme, realizada também no Palácio da Indústria, pela União Central
de Artes Decorativas. Esta mostra, promovida por uma nova geração de artistas, incluía pintores,
figurinistas, gravadores e inovou ao apresentar recursos expositivos sofisticados, incluindo
dioramas e manequins de cera. (BASS-KRUEGER, 2018, p. 17) As duas exposições levaram a
União Central de Artes Decorativas a iniciar uma coleção de vestimentas históricas incluindo
acessórios, bem como variados artefatos relacionados às artes decorativas. (BASS-KRUEGER,
p. 3)

Em 1981, a coleção com mais de 60 mil itens da Union Française des Arts du Costume,65
composta por trajes, acessórios, têxteis, bem como relevantes fundos de fotografias e artes
gráficas, foi reunida àquelas que já se encontravam no Musée des Arts Décoratifs, dando origem
ao Musée des Arts de la Mode inaugurado em 1986. Em 1997, sob um novo nome, Musée de la
Mode et du Textile, foi incorporado ao Musée des Arts Décoratifs, sendo atualmente um dos seus
principais departamentos: conta com mais de 152 mil itens, do século III até os dias atuais e
trabalhos de costureiros como Paul Poiret, Madeleine Vionnet, Christian Lacroix, Christian Dior e
Yves Saint Laurent.
Uma terceira tipologia de museus com acervos de indumentária e moda é aquela que
abrange os museus enciclopédicos, dentre eles o Metropolitan Museum of Art, de Nova Iorque. A
origem do Costume Institute, que, desde 1959, é um importante departamento curatorial do
Metropolitan, encontra-se no Museum of Costume Art, uma entidade privada fundada em 1937

65
Instituição criada em 1948, por iniciativa do historiador François Boucher, então curador do Musée
Carnavalet. A coleção foi constituída sob a direção de Yvonne Deslandres.
por Irene Lewisohn que, em 1946, foi integrada ao Metropolitan graças ao patrocínio da indústria
da moda (GLASSCOCK; KODA, 2014). Em 2009, o Brooklyn Museum transferiu suas coleções
de moda para o Costume Institute, incluindo toda a produção do costureiro Charles James, bem
como importantes itens relacionados à moda norte-americana do final do século XIX a meados
do século XX. As duas coleções abrigadas no MET constituem hoje, a maior e mais completa de
indumentária do mundo, pelo menos no que se refere à história da moda ocidental, contendo mais
de 33 mil objetos que representam sete séculos da história do vestir de homens, mulheres e
crianças, do século XV aos dias atuais.
Destacamos, por fim, os museus temáticos e micro temáticos, em sua maioria, de
natureza privada, que, no campo da indumentária e da moda, abrangem, entre outros, aqueles
criados por colecionadores, como o Tassenmuseum. Sediado em Amsterdã, seu acervo conta
com cinco mil bolsas e malas em uma cronologia que se estende por cinco séculos, o que o torna
o maior do mundo no que se refere a estes itens.66
O Musée des Beaux Arts et de la Dentelle,67 aberto em Alençon, na região da Normandia,
na França, em 1857, traça a história da renda, uma especialidade local, desde o fim do século
XVI até os dias de hoje. Também na região da Normandia, o Museu Dior,68 em Granville, funciona,
na casa onde o costureiro viveu e, desde 1997, apresenta, além de uma exposição de longa
duração com seus vestidos de alta costura, mostras temporárias relacionadas à trajetória do
criador.
Nessa tipologia enquadramos, também, os museus criados por empresas e que exibem
objetos relacionados ao seu campo de negócios, como os calçados, no Bata Shoe Museum,69 em
Toronto, Canadá. Constituído atualmente por 13 mil itens e gerido pela empresa Bata, o museu
teve início com a coleção constituída pela esposa do proprietário, mas, desde 1979, vem
adquirindo artefatos pesquisados em comunidades cujas tradições têm se alterado mais
rapidamente em locais como o Canadá, Sibéria, Alasca e Groenlândia.
Dentre os museus devotados à história de uma determinada marca ou criador, alguns
vêm se mostrando praticamente uma extensão das lojas, como o Museu Gucci,70 estabelecido
em 2011, em uma construção do século XIV, o Palazzo della Mercanzia, em Florença, cidade
onde a empresa foi criada. Na exposição de longa duração e cronologia não linear, enfatizam-se

66
Disponível em:<www.tassenmuseum.nl>. Acesso em: 9 maio 2021.
67
Disponível em:< https://museedentelle.cu-alencon.fr/>. Acesso em: 9 maio 2021.
68
Disponível em:< http://www.musee-dior-granville.com/>. Acesso em: 9 maio 2021.
69
Disponível em: <https://batashoemuseum.ca/>. Acesso em: 9 de maio 2021.
70
Desde 2018, o museu teve o nome alterado para Gucci Garden. Disponível em:
<https://www.gucci.com/us/en/store/gucci-garden>. Acesso em: 13 ago. 2021.
seus objetos icônicos como bolsas, malas, roupas e acessórios. Exibidos em grandes vitrines,
com uma iluminação que os destacam, estes itens aparecem agregados por tipologia, em uma
proposta curatorial e museográfica ousada, que, visivelmente, tenta se dissociar das exposições
de moda promovidas pelas instituições museais, buscando realçar um caráter inovador da marca.
Também com o propósito de contar a história da empresa e o papel desempenhado por
Salvatore Ferragamo na história dos calçados e na moda internacional está o Museu
Ferragamo,71 fundado em 1995, no Palazzo Spini Feroni, construção do século XIII, em Florença.
Assim como no Museu Gucci, os visitantes das exposições do Museu Ferragamo terminam o
circuito em uma loja; em ambas, a identidade visual faz com que a experiência naqueles espaços
se mostre como algo orgânico, totalmente integrado à visitação. Contudo, diferente do Museu
Gucci, no Ferragamo, além de exposições sobre a história da empresa, que variam a cada ano,
são organizadas mostras temporárias explorando linguagens artísticas e temas relacionados à
arquitetura, história e filosofia, uma estratégia de ampliação e fidelização do público.
Mais recentemente foi aberto o Museu Yves Saint-Laurent,72 em Marrakesh, no Marrocos,
coordenado pela Fundação Pierre Bergé e que apresenta uma exposição de longa duração, além
de exposições temporárias. O espaço especialmente construído para abrigar o museu, próximo
à propriedade que Saint-Laurent e Pierre Bergé adquiriram em 1980, abriga vestimentas e
acessórios, as fichas do ateliê, as pranchas das coleções – documentos em grande formato que
fornecem informações gerais sobre elas – os mapas dos desfiles, dossiês para a imprensa,
convites, livros de contabilidade, fichas de clientes, além de obras de arte e mil fotografias
produzidas por Irving Penn, Richard Avedon, Helmut Newton, dentre outros.
Essa breve tipologia dos museus consoante a constituição dos acervos, os propósitos e
linhas curatoriais teve como objetivo apresentar as especificidades das coleções de indumentária
e moda em diferentes instituições visando a refletir sobre o que faz da roupa um objeto de
interesse de um museu do tipo histórico.
Um objeto de museu é uma coisa transformada em objeto; este, em nenhum caso, é uma
realidade bruta ou um item cuja coleta é suficiente para a sua entrada em uma determinada
instituição. O objeto tampouco apresenta uma realidade intrínseca; no museu ele é
desfuncionalizado, historicizado, recontextualizado, não servindo mais ao que era destinado
anteriormente. Entendemos, assim, que o processo de musealização consiste na seleção e na
aquisição do objeto, na sua classificação e exibição, sendo esse um processo dinâmico, posto
que o objeto museal está sujeito a diferentes enquadramentos classificatórios e informacionais,

71
Disponível em:< https://www.ferragamo.com/museo/en>. Acesso em: 9 maio 2021.
72
Disponível em:< https://www.museeyslmarrakech.com/fr/>. Acesso em: 9 maio 2021.
“ligando-os a categorias criadas socialmente e que são cada vez mais percebidas como
transitórias, imprecisas e suplantáveis” (BRULON, 2015, p. 26).
Para investigar as coleções de indumentária e moda em um museu histórico, elencamos
algumas proposições metodológicas, uma espécie de roteiro que, a nosso juízo, ajuda a
circunscrever a abordagem desses objetos. Para começar, é fundamental historicizar as
coleções, examinando que roupas interessam ao museu em diferentes épocas e por que. Importa
analisar o contexto das aquisições e doações, aquilo que foi adquirido e descartado; quem são
os responsáveis pelas doações, bem como os usuários dos itens, os sujeitos representados por
roupas, uniformes, acessórios e adornos e, especialmente, aqueles que não estão representados.
Identificar as formas de catalogação (como foram realizadas em diferentes momentos), o acesso
às coleções (presencial e à distância) e os usos dos recursos digitais; as formas de exposição
dos objetos; a conservação e preservação dos itens bem como a produção de conhecimento
engendrada pelas coleções (por pesquisadores internos e externos), também constituem meios
de abordar a indumentária e a moda nos museus históricos.

Na impossibilidade de abarcar todas essas questões em diferentes instituições museais,


e, nos limites desse texto, tomamos como horizonte de sentido o Museu Histórico Nacional,73
apostando que objetos como roupas e acessórios podem nos provocar a formular problemas que
vão da constituição de um museu às operações historiográficas nele empreendidas.

O Museu Histórico Nacional e as coleções de moda: algumas provocações

Diferentemente dos museus integralmente devotados à moda, as roupas em um museu


histórico são uma dentre outras muitas tipologias de artefatos, e, podem, por vezes, ficar
subsumidas ou subestimadas, enquadradas em uma espécie de hierarquia, na qual, pinturas e
esculturas, por exemplo, seriam mais valorizadas do que itens de indumentária. Verificar-se-ia
com estes objetos, o que Pierre Bourdieu, escrevendo em 1975, denominou de objetos indignos,
referindo-se a uma então desvalorização da moda como domínio acadêmico. (BOURDIEU, 1998,
p. 33-38)
Por outro lado, e devido à raridade de alguns itens de indumentária custodiados por
museus históricos, eles podem se tornar objetos auráticos (BENJAMIN,1985, p. 168), como se
evidencia, por exemplo, com o sapato da Maria Antonieta no Museu Carnavalet. Trata-se de um
item onipresente quando se trata de promover a instituição: um objeto qualificado de

73
Instituição em que atuei no período de abril de 2016 a setembro de 2019 graças a um convênio firmado
com o Arquivo Nacional, minha instituição de origem.
“incontornável”, em seu site, e de “excepcional”, em vídeo produzido para divulgar a reabertura
da instituição, em fevereiro de 2021, após um longo período de obras.74
A origem das coleções de indumentária do Museu Histórico Nacional está baseada nessa
espécie de culto de objetos auráticos, na fetichização dos artefatos, expressa na superestimação
daqueles itens pertencentes a personalidades civis e militares ou relacionados a fatos da história
nacional considerados relevantes, consoante as políticas de aquisição e à visão de história do
seu primeiro diretor, Gustavo Barroso, no início dos anos 1920. Para Barroso, a história era uma
“sucessão de fatos linearmente organizados, em que são valorizadas as ações dos grupos
dominantes, das Forças Armadas e do Estado, como mantenedores da ordem” (MONTENEGRO,
2006, p. 42). Desde 1911 defendendo a necessidade de criação de um museu militar, ele acabou
transformando essa ideia na criação de um museu nacional, no qual se construísse uma espécie
de monumento ao Estado nacional, “que o celebrasse como uma ordem vitoriosa, subjugando
adversários externos e internos”. (BITTENCOURT, 2014, p. 92).
Nessa perspectiva, entende-se porque nas primeiras décadas de sua existência, o museu
preocupou-se em adquirir objetos de origem militar, incluindo os itens de indumentária. Dois anos
após a sua criação, o Catálogo de 1924 registrava fardas, dragonas, quepes, chapéus, faixas
além de alguns uniformes civis de oficiais do Paço Imperial. O museu criado por Barroso era o
espaço das classes dominantes, da boa sociedade do império, dos membros da nobreza, dos
barões e baronesas. Assim, valorizava-se a aquisição das botas que teriam pertencido ao
almirante Tamandaré para a exposição comemorativa do 1º centenário da independência do
Brasil; a farda de cerimônia e o chapéu armado que pertenceram ao conde da Mota Maia, “fiel
companheiro de Pedro II no exílio”; os vestidos no estilo Império, datados de 1825, da
viscondessa de Montserrat; o vestido de baile da baronesa de Loreto, dama da princesa Isabel.
Os objetos recebidos nessas primeiras décadas, conforme observa José Neves Bittencourt, nos
falam de presenças, mas, também, de ausências, posto que a existência de “objetos históricos
denota a existência de objetos não históricos”. (BITTENCOURT, 2003, p. 160) Grupos indígenas
e homens e mulheres, negros e negras, de origem africana, ficaram, por muito tempo,
invisibilizados nas diversas coleções do museu: o que definia a aquisição dos artefatos
relacionados a eles era a proveniência e não os seus portadores, tampouco a função dos objetos
ou os seus significados, como é o caso de uma penca de balangandãs que entra no museu, em

74
Soulier de Marie Antoinette D’Autriche. Disponível em:
<https://www.carnavalet.paris.fr/collections/soulier-de-marie-antoinette-dautriche>; e Le "Musée
Carnavalet - Histoire de Paris" va bientôt réouvrir - Le soulier de Marie- Antoinette. Disponível
em:<https://www.youtube.com/watch?v=pBXmyJGZ4ck>. Acesso em: 13 ago. 2021.
1936, junto com mais de 500 outros itens, por doação da viúva de Miguel Calmon. Exemplar
também é o fato de que apenas em 1985 o Museu Histórico Nacional recebeu a coleção Cipré,
integrada por 316 peças de 41 nações indígenas, com uma quantidade substantiva de itens
relacionados à indumentária.
Importante registrar a doação que daria outra feição às coleções do Museu Histórico
Nacional, realizada, em 1968, por Sophia Jobim Magno de Carvalho, precursora dos estudos de
indumentária no Brasil, professora da Escola Nacional de Belas Artes, e criadora do Museu de
Indumentária Histórica e Antiguidades, estabelecido, em 1960, na sua casa, no bairro de Santa
Teresa, no Rio de Janeiro. A importância da doação – de mais de seis mil itens sendo 690 peças
de indumentária - consiste não apenas na raridade desses documentos, mas, também, na
variedade tipológica da coleção (croquis, textos de aulas, livros raros, adornos, trajes diversos,
inclusive de países como China, Índia, Japão) e sua ampla cronologia. A doação feita por Sophia
rompia com o padrão estabelecido por Gustavo Barroso: não rememorava fatos históricos
nacionais e tampouco trazia significados simbólicos ligados aos sentimentos patrióticos.
Nos anos 2000 as doações no campo da indumentária e da moda chegam ao museu por
esforço dos museólogos da instituição, em especial, Vera Lima, que buscava ampliar a cronologia
das peças, chegando à contemporaneidade; contemplar o trabalho de estilistas brasileiros como
Isabela Capeto, Ronaldo Fraga, Alexandre Herchcovich, entre outros; investir na aquisição de
uniformes civis e trajes de trabalho.
As coleções de indumentária do Museu Histórico Nacional, sobretudo a coleção Sophia
Jobim, tem sido alvo de inúmeras pesquisas, em especial, no campo da Museologia, História e
Belas Artes. Destaco, dentre outros, os trabalhos de Fausto Viana, Maria Cristina Volpi, Madson
Oliveira, Ana Cristina Audebert, Ana Carolina de Azevedo Guedes, Wagner Louza.
Infelizmente, o boom de pesquisas e de publicações de livros sobre a coleção Sophia não
tem se materializado, mais recentemente, sob a forma de exposições que potencializem estes
artefatos no Museu. São inúmeras razões, a começar pelo alto custo de conservação e de
restauração exigidos pelas peças para que sejam expostas.
Assim, no lugar de uma análise retrospectiva das exposições de moda e da produção de
conhecimento com objetos de indumentária no Museu Histórico Nacional, proponho, a seguir,
algumas considerações/provocações de ordem metodológica, visando a colaborar com as
exposições com base nesses artefatos em museus históricos. Essas proposições são inspiradas
na leitura de um instigante artigo acerca das exposições museológicas e o conhecimento
histórico, de autoria de Meneses (1994, p. 9-42).
Sobre os riscos da compartimentação dos objetos museológicos em exposições: não há
impedimentos para uma exposição calcada apenas em artefatos nos museus, os quais podem
proporcionar estudos aprofundados sobre um conjunto de temas, favorecendo, ainda, a
preservação dos objetos. Contudo, a natureza da fonte/objeto não é a mesma coisa que o
conhecimento. Nesse sentido, a opção por objetos apoiada mais na tipologia do que nas questões
a serem examinadas, leva ao risco de reificação, do uso do objeto pelo objeto. Vale para as
roupas e acessórios e para todos os outros itens e coleções.
O problema da fetichização: conforme comentado, objetos pertencentes a pessoas
proeminentes (o anel do imperador; o vestido da baronesa; o sapato do presidente; o maiô da
miss; a camisa do atleta); as peças produzidas por costureiros e designers renomados de
diferentes épocas e locais (o vestido de Poiret; a minissaia de Mary Quant; o smoking lançado
por Saint-Laurent; o tailleur Bar, de Dior) não apenas tendem a ser mais valorizados pelos
colecionadores como mais facilmente atraem a atenção de pesquisadores e curadores de
exposições. Aqui, também, a problemática a ser enfrentada deve estar acima da aura do objeto.
Desfetichizar os itens de moda nas exposições significa formular problemas e partir do objeto
para a sociedade. No lugar de uma história das roupas, de um estilo ou da trajetória de um criador,
temas nem sempre possíveis de serem abordados com os acervos dos museus históricos,
propõe-se apostar na mobilização desses artefatos em torno de um problema-chave.

A supervalorização da estética: observa-se, aqui, um risco de se esvaziar a especificidade


dos objetos e as questões que eles podem engendrar em detrimento da estética. Embora não
seja uma questão exclusiva das roupas, adornos e acessórios, sabe-se que estes oferecem um
grande risco.
Artefatos como ilustração: também é grande o risco das peças de indumentária, adornos e
acessórios serem empregados como reforço aos temas abordados em exposições de museus
históricos. Vistos como um elemento decorativo, sem contextualização, mero apoio aos conceitos
extraídos de outras fontes ou como suportes a questões colocadas por objetos considerados mais
nobres. Os artefatos funcionariam, então, como um apêndice, o que se observa, também, no uso
de imagens em algumas exposições.
A roupa a serviço do Zeitgeist: tal como no ponto anterior, em algumas exposições, itens
de indumentária são empregados como um “comentário” de uma determinada época. Como se o
espírito do tempo fosse condensado em uma peça de roupa ou acessório. Prática generalizante,
que desconsidera complexidades e conflitos e esvazia as potencialidades que o objeto de
indumentária tem a oferecer.
Objetos não são neutros, tampouco os usos que se fazem deles. Importante contextualizar
os artefatos, discutir os seus usos. Em um museu histórico, seria importante que os diferentes
objetos de indumentária estivessem a serviço de questões que tangem ao consumo, ao
comportamento, às práticas culturais, mais do que a uma história dos objetos em si mesma. Como
afirma Meneses (1994, p. 28), na exposição, importa se defrontar com os objetos e tomá- los em
seus próprios termos.
A questão de gênero: desconheço se existem pesquisas sobre a quantidade de peças de
indumentária custodiadas pelos museus, consoante os gêneros, mas, desconfio que existam
muito mais artefatos relacionados às mulheres. Seja como for, seria importante que as exposições
nos museus históricos enfrentassem os diversos problemas de gênero, dentre eles, como as
roupas atuam na construção de gênero e na opressão ao corpo feminino.
O eurocentrismo: a nosso juízo, o eurocentrismo nos estudos da moda (produção
acadêmica e ensino) se refletiu por muitas décadas na forma de expor a moda nos museus
brasileiros, na valorização dos estilos importados, nas roupas de grife e na omissão a temas que
se referem mais diretamente ao país. A constituição dos acervos também colaborou para essa
perspectiva. Nesse sentido, decolonizar os museus é decolonizar as roupas expostas nos
museus, seja questionando uma visão de moda pautada pelo eurocentrismo, seja denunciando a
ausência ou invisbilidade dos artefatos produzidos e/ou utilizados por comunidades indígenas e
homens e mulheres, negros e negras.

Considerações finais

Na trilha de Ulpiano Bezerra de Meneses, entendemos que a produção do conhecimento


depende menos da quantidade ou da raridade dos objetos que se encontram em um museu e
mais da problemática que possa ser montada com eles. E o que de fato distingue as roupas em
um museu histórico é menos a capacidade que os itens possuem de contar a trajetória de um
costureiro, de uma época ou de um estilo e mais a potência que os objetos emanam, nos instando
a convocar outras tipologias de documentos para responder às nossas perguntas e inquietações.
Em outras palavras, não são os objetos, no caso, as roupas, ou um pretenso valor intrínseco que
elas possuem, mas, as questões que elas engendram no presente e como elas respondem às
necessidades do presente, que devem pautar a discussão sobre o lugar da moda em um museu
de história.

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Créditos da Organização do evento
Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Museu Casa de
Rui Barbosa (FCRB), Curso de Conservação e Restauração da Escola de Belas Artes (EBA) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Comissão Organizadora
Profa. dra. Manon Salles (ECA-USP)
Profa. dra. Maria Luisa Soares (Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ)
Profa. dra. Aparecida Rangel (Fundação Casa de Rui Barbosa)
Prof. dr. Ivan Coelho de Sá (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Unirio)

APOIO / MUSEUS PARCEIROS


Museu Imperial
Museu Histórico Nacional
Museu Casa da Baronesa
Museu Casa da Hera
Casa Zuzu Angel / Museu da Moda
Casa Museu Eva Klabin
Coleção Amazoniana de Arte da UFPA

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