Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
do Período Realista à
Literatura Contemporânea
Prof.ª Jackeline Maria Beber Possamai
2011
Copyright © UNIASSELVI 2011
Elaboração:
Prof.ª Jackeline Maria Beber Possamai
869.9
P856l Possamai, Jackeline Maria Beber
Literatura brasileira: do período realista à literatura
contemporânea / Jackeline Maria Beber Possamai.
272 p. : il.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830-414-0
Impresso por:
Apresentação
A Literatura Brasileira, em sua trajetória, acompanhou a evolução
histórica do país. Foi influenciada, no século XIX, pelo pensamento
positivista, determinista e darwinista. Também foi um período que
correspondeu à emancipação política do Brasil e, nesse sentido, os autores
estavam imbuídos de ideias que reforçavam o desejo de liberdade.
Bons estudos!
III
NOTA
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.
UNI
IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS...................... 1
VII
TÓPICO 3 – AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA NO BRASIL............... 131
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 131
2 AS VANGUARDAS............................................................................................................................. 131
3 A REVOLUÇÃO MODERNISTA..................................................................................................... 135
4 O MODERNISMO NA POESIA....................................................................................................... 146
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 174
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 177
VIII
UNIDADE 1
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade, você será capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em 3 (três) tópicos que o/a levarão à compreensão
das doutrinas e movimentos literários do século XIX. Em cada um dos tópicos
você encontrará atividades que o/a ajudarão a consolidar sua aprendizagem
acerca deste tema.
1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1
1 INTRODUÇÃO
O século XIX foi marcado por grandes mudanças sociais, especialmente
no que se refere aos avanços científicos, que deram nova conotação ao modo de
pensar o mundo, uma vez que as ciências naturais desenvolveram-se e os métodos
de experimentação e observação da realidade passaram a ser considerados
capazes de explicar racionalmente o mundo físico.
2 O CONTEXTO DO REALISMO
O Realismo se manifestou entre os anos de 1850 e 1870 nos vários países
europeus, nos quais cresceu o interesse pela realidade da vida social nos seus
aspectos concretos e sem as arbitrárias idealizações que tinham caracterizado a
idade romântica. Todavia, as tensões e os conteúdos do realismo não se exauriram
nos anos indicados e, especialmente, as manifestações culturais e artísticas se
estenderam além desse período para o início do novo século, convivendo com o
pensamento e com os movimentos de outras correntes.
3
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
4
TÓPICO 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL
Não diferente era a vida dos agricultores que, sob o regime feudal, mal
produziam para saciar a própria fome. Todavia, foi escasso o interesse dos
movimentos socialistas para as classes rurais que ainda permaneceram à margem
das transformações sociais e da história. O quadro complexo da sociedade dos
anos oitocentistas revelava as razões do surgimento da cultura do “real”, atenta
a cada manifestação inspirada nos fatos, como fonte viva de todas as possíveis
degradações do sentimento humano ou, como afirma Coutinho (2004a, p. 4), “[...]
a união do espírito à vida, pela objetiva pintura da realidade”.
5
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
DICAS
6
TÓPICO 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL
7
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
8
TÓPICO 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL
Por ser descrito como malvado e rebelde, Malpelo suscita no leitor simpatia
e compaixão. Dessa maneira, Verga criou uma personagem de extraordinário
realismo psicológico: um jovem que, privado do afeto da família e dos amigos,
aceitou com orgulho e resignação o seu destino de vencido. Malpelo é então
vítima de uma sociedade em que os homens são governados por leis duras e
implacáveis, que levam à derrota os fracos e à vitória os fortes.
NOTA
9
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
10
RESUMO DO TÓPICO 1
Vamos visualizar de maneira sucinta o conteúdo apresentado neste
primeiro tópico:
• O século XIX foi marcado por grandes mudanças sociais, em face aos avanços
científicos que deram nova conotação ao modo de pensar o mundo e de
observar a realidade.
11
• Balzac propôs uma minuciosa análise da realidade social, dos ambientes, das
situações e dos personagens. O seu método era instrumento válido de pesquisa
realística sobre a sociedade e apresentava os germes de tendência científica que
caracterizaria o Naturalismo francês.
• O Verismo concebia uma literatura derivada do fato real, uma narração imparcial
na qual a língua e o estilo deveriam estar de acordo com as personagens, o
ambiente e o fato, porém isento da crítica social.
12
AUTOATIVIDADE
13
14
UNIDADE 1
TÓPICO 2
1 INTRODUÇÃO
O século XIX constitui um período fértil para a criação do ponto de vista
estético-literário. Por ser homogênea, essa época dispensa a periodização precisa
e a nitidez de fronteiras entre os movimentos. Neste século, juntam-se figuras
literárias que nem sempre apresentam expressões nítidas, mas “[...] vestem
roupagem diferente no curso de sua evolução literária, quando não usam, no
mesmo instante, os caracteres das escolas diversas ou opostas”. (COUTINHO,
2004a, p. 5).
2 UM ESPAÇO À CRÍTICA
Antes de abordarmos questões pertinentes aos movimentos oitocentistas
em solo brasileiro, vale ressaltar a importância que os críticos literários da época
legaram aos leitores de tempos vindouros, uma vez que através desses estudos
podemos, atualmente, conhecer e melhor interpretar escritores e seus textos
literários. Um importante trabalho de investigação e reflexão que culminará com
os novos rumos da arte e da literatura no Brasil.
15
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
Para responder a esta e tantas outras indagações que o tema suscita, vejamos
como os envolvidos com a literatura da época se posicionavam. Almeida Garrett
(1799-1854) considerava os escritores brasileiros como que portugueses, devido ao
vínculo político ainda existente e lamentava que os brasileiros não valorizassem a
natureza brasileira. A observação de Garrett tornou-se, segundo Coutinho (2004a),
uma das teses centrais sobre literatura romântica no Brasil, e a nacionalidade
confunde-se então com originalidade. A natureza local, se incorporada à criação
literária, tornaria a literatura genuinamente brasileira. Essa preocupação pela
natureza cresceria progressivamente a partir dos poetas arcádicos e se consolidaria
por volta de 1830.
16
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
17
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
NOTA
Caro acadêmico, sobre o estudo da obra literária, há que se enfatizar que nem
sempre as idéias dos críticos são unânimes, especialmente no que se refere ao contexto de
criação. Os estudiosos pertencentes à Nova Crítica, por exemplo, defendem que o texto
literário deve ser analisado pelo que contém em si e pelo seu significado estético e não pelos
seus fatores externos, como o contexto social. Se você quiser aprofundar esse assunto sobre
as correntes da crítica literária, sugerimos a leitura do livro intitulado Teoria da literatura em
suas fontes, organizado por Luiz Costa Lima, da editora Civilização Brasileira, 2002. O livro
em questão apresenta um panorama da reflexão teórica sobre a literatura cujos textos são
distribuídos em seis seções, sendo estes: problemas gerais, a estilística, o formalismo russo,
o new criticism, a análise sociológica e o estruturalismo.
18
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
19
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
muitos elementos. Daí a perceber escritores que iniciam sua carreira literária em
pleno apogeu do Romantismo e que, no decorrer de seus escritos, passam a ser
representantes do Realismo ou Naturalismo.
20
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
21
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
22
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
24
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
25
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
Conheces a fundo
a geologia moral dos Lobo Neves
e essa espécie de olhos derramados
que não foram feitos para ciumentos.
E ficas mirando o ratinho meio cadáver
com a polida, minuciosa curiosidade
de quem saboreia por tabela
o prazer de Fortunato, vivisseccionista amador.
Olhas para a guerra, o murro, a facada
como para uma simples quebra da monotonia universal
e tens no rosto antigo
uma expressão a que não acho nome certo
(das sensações do mundo a mais sutil):
volúpia do aborrecimento?
ou, grande lascivo, do nada?
O vento que rola do Silvestre leva o diálogo,
e o mesmo som do relógio, lento, igual e seco,
tal um pigarro que parece vir do tempo da Stoltz e do gabinete Paraná,
mostra que os homens morreram.
A terra está nua deles.
Contudo, em longe recanto,
a ramagem começa a sussurar alguma coisa
que não se estende logo
aparece a canção das manhãs novas.
Bem a distingo, ronda clara:
É Flora,
com olhos dotados de um mover particular
ente mavioso e pensativo;
Marcela, a rir com expressão cândida (e outra coisa);
Virgília,
cujos olhos dão a sensação singular de luz úmida;
Mariana, que os tem redondos e namorados;
e Sancha, de olhos intimativos;
e os grandes, de Capitu, abertos como a vaga do mar lá fora,
o mar que fala a mesma linguagem
obscura e nova de D. Severina
e das chinelinhas de alcova de Conceição.
A todas decifraste íris e braços
e delas disseste a razão última e refolhada
moça, flor mulher flor
canção de mulher nova...
E ao pé dessa música dissimulas (ou insinuas, quem sabe)
o turvo grunhir dos porcos, troça concentrada e filosófica
entre loucos que riem de ser loucos
e os que vão à Rua da Misericórdia e não a encontram.
26
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
O eflúvio da manhã,
quem o pede ao crepúsculo da tarde?
Uma presença, o clarineta,
vai pé ante pé procurar o remédio,
mas haverá remédio para existir
senão existir?
E, para os dias mais ásperos, além
da cocaína moral dos bons livros?
Que crime cometemos além de viver
e porventura o de amar
não se sabe a quem, mas amar?
Todos os cemitérios se parecem,
e não pousas em nenhum deles, mas onde a dúvida
apalpa o mármore da verdade, a descobrir
a fenda necessária;
onde o diabo joga dama com o destino,
estás sempre aí, bruxo alusivo e zombeteiro,
que resolves em mim tantos enigmas.
Um som remoto e brando
rompe em meio a embriões e ruínas,
eternas exéquias e aleluias eternas,
e chega ao despistamento de teu pencenê.
O estribeiro Oblivion
bate à porta e chama ao espetáculo
promovido para divertir o planeta Saturno.
Dás volta à chave,
envolves-te na capa,
e qual novo Ariel, sem mais resposta,
sais pela janela, dissolves-te no ar.
27
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
28
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
FIGURA 2 – CAPA DO LIVRO QUINCAS BORBA, PUBLICADO EM 1982 PELA EDITORA ÁTICA E
ILUSTRADO POR EDGAR RODRIGUES DE SOUZA
Rubião fitava a enseada – eram oito horas da manhã. Quem o visse, com
os polegares metidos no cordão do chambre, à janela de uma grande casa de
Botafogo, cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta; mas, em
verdade, vos digo que pensava em outra cousa. (ASSIS, 1982, p. 13).
30
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
– Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas, pensa ele. Se mana
Piedade tem casado com Quincas Borba, apenas me daria uma esperança
colateral. Não casou; ambos morreram, e aqui está tudo comigo; de modo que
o que parecia uma desgraça...
31
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
[...] Fruto do meio social que aceita e no qual quer brilhar, jamais fruto
biológico segundo as regras do realismo-naturalismo, Sofia utiliza
todos os instrumentos em disponibilidade, afiados pelo marido para
conseguir a subida e a participação no estamento. (GARBUGLIO,
1982, p. 8).
32
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
– Como foi?
– Senta-te.
– Não.
– Não?
33
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
– Ouve o resto. Aqui está como se tinha passado o caso. O dono da sege
estava no adro, e tinha fome, muita fome, porque era tarde, e almoçara cedo e
pouco. Dali pôde fazer sinal ao cocheiro; este fustigou as mulas para ir buscar
o patrão. A sege no meio do caminho achou um obstáculo e derribou-o; esse
obstáculo era minha avó. O primeiro ato dessa série de atos foi um movimento
de conservação: Humanitas tinha fome. Se em vez de minha avó, fosse um
rato ou um cão, é certo que minha avó não morreria, mas o fato era o mesmo;
Humanitas precisa comer. Se em vez de um rato ou de um cão, fosse um poeta,
Byron ou Gonçalves Dias, diferia o caso no sentido de dar matéria a muitos
necrológios; mas o fundo subsistia. O universo ainda não parou por lhe faltarem
alguns poemas mortos em flor na cabeça de um varão ilustre ou obscuro, mas
Humanitas (e isto importa, antes de tudo), Humanitas precisa comer.
– Diga sempre.
– Quero.
34
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
UNI
35
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
Quando o testamento foi aberto, Rubião quase caiu para trás. Adivinhais
por quê. Era nomeado herdeiro universal do testador. Não cinco, nem dez,
nem vinte contos, mas tudo, o capital inteiro, especificados os bens, casas na
Corte, uma em Barbacena, escravos, apólices, ações do Banco do Brasil e de
outras instituições, joias, dinheiro amoedado, livros, – tudo finalmente passava
às mãos do Rubião, sem desvios, sem deixas a nenhuma pessoa, nem esmolas,
nem dívidas. Uma só condição havia no testamento, a de guardar o herdeiro
consigo o seu pobre cachorro Quincas Borba, nome que lhe deu por motivo da
grande afeição que lhe tinha. Exigia do dito Rubião que o tratasse como se fosse
a ele próprio testador, nada poupando em seu benefício, resguardando-o de
moléstias, de fugas, de roubo ou de morte que lhe quisessem dar por maldade;
cuidar finalmente como se cão não fosse, mas pessoa humana. Item, impunha-
lhe a condição, quando morresse o cachorro, de lhe dar sepultura decente em
terreno próprio, que cobriria de flores e plantas cheirosas; e mais desenterraria
os ossos do dito cachorro, quando fosse tempo idôneo. E os recolheria a uma
urna de madeira preciosa para depositá-los no lugar mais honrado da casa.
A herança, tema abordado pelo autor, poderia ser uma alusão ao contexto
social e econômico da época realista cujas implicações são duas: uma dos bens
acumulados que passavam de mão em mão, como maneira de enriquecimento
e de ascensão social, a outra de ordem psicológica ligada ao fato de Rubião ter
herdado o cachorro, o qual representa uma espécie de consciência que prolonga
no presente a lembrança do passado, e também “herda os germes da loucura do
falecido”. (GARBUGLIO, 1982, p. 6).
36
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
Rubião, logo que chegou a Barbacena e começou a subir a rua que ora
se chama de Tiradentes, exclamou parando: – Ao vencedor, as batatas! [...]
Ninguém lhe abriu a porta; não viu sombra de sacristão. Quincas Borba que
não comia desde muitas horas [...]
– Mas que é isso, seu compadre? Como foi que chegou assim? Sua
roupa está toda molhada. Vou dar-lhe umas calças de meu sobrinho.
37
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
– Doutor para quê? acudiu um dos primeiros. Este homem está maluco.
FONTE: (ASSIS, 1982, p. 187)
Rubião põe em prática ações e valores que convergem para a sua ruína e
estabelece um vai e vem que revela o parco equilíbrio, graças a uma linguagem
que compõe e decompõe a realidade.
38
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
O excerto faz alusão aos olhos de Capitu, “considerada uma das mais
fascinantes personagens femininas da literatura brasileira”. (LUCAS, 1998, p. 5).
Outro aspecto peculiar deste romance faz menção ao protagonista e titular da
fala, Bentinho, o Dom Casmurro, que já de início explica:
Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles
lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom
veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando!
39
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro
daqui até ao fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo
que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá
cuidar que a obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores;
alguns nem tanto.
FIGURA 3 – CAPA DO LIVRO DOM CASMURRO, PUBLICADO EM 1998 PELA EDITORA ÁTICA E
ILUSTRADO POR CECÍLIA IWASHITA
40
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
De modo geral, em seus escritos o autor chama a atenção para a face negativa
e má da natureza humana, ignorando a bondade e a grandeza da alma. Sob essa
ótica pessimista, o homem aparece corrompido e sem escolhas diante das forças que
conduzem o seu destino. O sofrimento e a dor mereceram em Machado de Assis
apenas a observação e a comprovação.
41
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
42
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
43
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
Desfizera-se a mentira:
Tudo aos meus olhos fugira;
Tu e o teu olhar ardente,
Lábios trêmulos e frios,
O abraço longo e apertado,
O beijo doce e veemente;
Restavam meus desvarios,
E o incessante cuidado,
E a fantasia doente.
44
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
45
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
46
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
[...] Para ser regional não somente tem que ser localizada numa
região, senão também deve retirar sua substância real desse local.
Essa substância decorre, principalmente, do fundo natural – clima,
topografia, flora, fauna etc. – como elementos que afetam a vida
humana na região; e em segundo lugar, das maneiras peculiares da
sociedade humana estabelecida naquela região o que a fizeram distinta
de qualquer outra. Esse último é o sentido do regionalismo autêntico.
47
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
NOTA
48
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
Os sertões
Nota preliminar
Escrito nos raros intervalos de folga de uma carreira fatigante, este livro,
que a princípio se resumia à história da Campanha de Canudos, perdeu toda
a atualidade, remorada a sua publicação em virtude de causas que temos por
escusado apontar. Demos-lhe, por isto, outra feição, tornando apenas variante
de assunto geral o tema, a princípio dominante, que o sugeriu. Intentamos
esboçar, palidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores, os traços
atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil. E fazêmo-lo
porque a sua instabilidade de complexos de fatores múltiplos e diversamente
combinados, aliada às vicissitudes históricas e deplorável situação mental em
que jazem, as tornam talvez efêmeras, destinadas a próximo desaparecimento
ante as exigências crescentes da civilização e a concorrência material intensiva
das correntes migratórias que começam a invadir profundamente a nossa terra.
O jagunço destemeroso, o tabaréu ingênuo e o caipira simplório serão em
breve tipos relegados às tradições evanescentes, ou extintas. Primeiros efeitos
de variados cruzamentos, destinavam-se talvez à formação dos princípios
imediatos de uma grande raça. Faltou-lhes, porém, uma situação de parada
ou equilíbrio, que lhes não permite a velocidade adquirida pela marcha dos
povos neste século. Retardatários hoje, amanhã se extinguirão de todo. A
civilização avançará nos sertões impelida por essa implacável “força motriz da
História” que Gumplowicz, maior do que Hobbes, lobrigou, num lance genial,
no esmagamento inevitável das raças fracas pelas raças fortes. A campanha
de Canudos tem por isto a significação inegável de um primeiro assalto, em
luta talvez longa. Nem enfraquece o asserto o termo-la realizado nós, filhos
49
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
50
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
51
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
52
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
Foi o estilo que consagrou o escritor Euclides da Cunha, tão logo se deu
a publicação de Os Sertões, ainda que sua a maneira de perceber o mundo é
modificada depois da vivência em Canudos. No dizer de Sevcenko (1994, p. 211),
53
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
54
TÓPICO 2 | A LITERATURA OITOCENTISTA NO BRASIL
55
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico você pôde aprofundar seus conhecimentos nos seguintes
conteúdos:
56
• O afastamento do apoio subjetivo é a norma proposta aos realistas e, no nível
ideológico, o determinismo servirá de amparo para a explicação do real.
57
• Criou seres que ambicionam, sobretudo, mudar de classe social. O escritor
mostrou intensa vocação e capacidade inventiva, registrando momentos
psicológicos.
58
AUTOATIVIDADE
c) ( ) “Não esqueça dizer que Rubião tomou a si dizer uma missa por
alma do finado, embora soubesse ou pressentisse que ele não era
católico. Quincas Borba não dizia pulhices a respeito de padres, nem
desconceituava doutrinas católicas; mas não falava nem da Igreja,
nem dos padres.”
59
4 Um conto machadiano que apresenta o cientificismo é A Causa Secreta.
Pequise na internet, revistas e livros este conto e, em seguida, elabore um
resumo. Além disso, você podera elencar alguns aspectos pertinentes ao
enredo do conto.
60
UNIDADE 1
TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, refletiremos sobre o Naturalismo, um movimento
comumente confundido com o Realismo. O que os diferencia, no entanto,
é que os naturalistas adotam uma atitude de denúncia social, bem como
acentuado método cientificista, que percebia o homem como uma máquina, com
comportamentos determinados pelo meio social e pela hereditariedade. Desse
modo, a linguagem literária estava imbuída de expressões científicas, tomadas
da biologia e de outras ciências.
2 O NATURALISMO
O Naturalismo é facilmente confundido com o Realismo, mas temos
que ter em mente que é um movimento literário ulterior, que se fixa quando o
grupo de Émile Zola irradiou-se pelo mundo. Lembre-se de que Zola propunha
que o método dos cientistas deveria ser adotado pelo escritor. Nesse sentido,
os naturalistas acentuavam a visão do homem como uma máquina norteada
pela ação de leis físicas e químicas, pela hereditariedade e pelo meio social.
(COUTINHO, 2004a). Além disso, há que se considerar que o naturalismo
intensificava uma reação às instituições sociais, figuras, usos e costumes, o que
lhe dava um contorno de acentuado conteúdo político. Fato este que o distingue
do Realismo, pois enquanto o Realismo “[...] propendia a um registro fiel da
realidade, servindo à verdade no presente, como a História a serve no passado,
o Naturalismo tomava uma atitude de luta aberta, denunciando aquilo que, na
sociedade do tempo, reclamava reforma ou destruição”. (COUTINHO, 2004a,
p. 73).
61
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
Nas obras naturalistas transparece uma rejeição para com o religioso por
enfatizar aspectos do homem e seu parentesco com os animais. O Naturalismo,
assim como o Realismo, registrou não os fatos passados, mas o presente com
temas inovadores e linguagem atual. Preconizava uma proximidade entre a arte
e a realidade social, ou seja, voltou-se contra a concepção da arte pela arte, que
encantava os poetas parnasianos, os quais pretendiam representar objetos através
da uma descrição neutra.
62
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
63
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
64
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
por sua filha e genro. Olímpia a elabora como que um tipo de receituário no
intuito de preservar o casamento do tédio. Segundo a narradora, o casal deve
adotar a monogamia, mas, de tempos em tempos, permanecer separados a fim de
resguardar interesse mútuo que com a monotonia do cotidiano perece. Olímpia,
ao desenvolver a sua tese, parte da observação social, da própria vivência
conjugal, fato que parece denunciar o discurso da tese cientificista divulgado pelo
naturalismo. Olímpia não é um analista com olhos de cientificidade, afirmando
e estabelecendo verdades, ao contrário, coloca em prática o que pensa ser um
casamento perfeito. Entretanto, as observações intrincadas tornam-se por vezes
cômicas, mas revelam a complexidade das relações sociais. A filha e o genro são
cobaias de sua tese.
Só mais tarde comecei a achar prazer nas ligações com meu marido; os
primeiros dias foram horríveis. Ainda me lembro do calafrio de medo que tive
na segunda noite, quando ele quis recomeçar a campanha da véspera.
65
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
Para evitar à minha filha todo esse ridículo infortúnio, entendi e resolvi
que ela devia entrar na sua vida de casada sem “pagar patente” com a clássica
“lua de mel”. De sorte que, na mesma manhã do casamento, achando-se já
tudo disposto, carreguei com os noivos para a fazenda de um amigo meu, no
interior da província, a qual de antemão me fora franqueada. A fazenda estava
entregue apenas aos cuidados do feitor e da escravatura, enquanto os senhores
passeavam na Europa.
Nem foi em casa, foi num sombrio, ignorado canto da mata deserta,
sítio protetor de outros amores, de cujos suspensos ninhos partiam bíblicos
duetos de ternura. Não foi sobre colchas bordadas, nem lençóis de renda adrede
preparados, mas no regaço carinhoso da floresta, ao casto e lascivo respirar da
natureza, na confidência maternal da terra.
66
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
FONTE: (AZEVEDO,1997, p. 8)
67
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
68
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
Outro naturalista foi Júlio César Ribeiro que escreveu A Carne, em 1888,
também ao molde zolista. O título denuncia a obscenidade do romance, com
resquícios naturalistas, a obra provocou alvoroço na sociedade da época.
A narrativa traz no enredo a jovem Lenita que, após a morte de seus pais,
foi viver em uma fazenda no interior de São Paulo, de propriedade do coronel
Barbosa. Os meses se passam e chega à fazenda o filho do Coronel, Manuel
Barbosa. Entre os dois nasce uma forte atração física. Júlio César mostra através
do romance dos jovens a paixão extremamente erótica, sentimentos até então não
retratados com tanta sensualidade. Essa maneira de explorar o tema que envolve
o amor rendeu a Júlio César críticas por enfatizar o naturalismo com tamanho
erotismo para a época. Para Veríssimo, o autor apresenta
[...] a carne nos mais apertados moldes do zolismo, e cujo título só por
si indica a feição voluntária e escandalosamente obscena do romance.
Salva-o, entretanto, de completo malogro o vigor de certas descrições.
Mas A Carne vinha ao cabo confirmar a incapacidade do distinto
gramático para obras de imaginação já provada em Padre Belchior
de Pontes. É, como dela escrevi em 1889, ainda vivo o autor, o parto
monstruoso de um cérebro artisticamente enfermo. (1998, p. 369).
69
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
crítico, o livro não se impôs através de força literária, mas no vigor de suas cenas
eróticas, marcas de um Naturalismo, “[...] de uma atitude atrevida e audaciosa,
de uma tendência de sobrepor o sensual, ponte de contato entre as gerações que
o sucedem”. (2004a, p. 84).
Foi com O Ateneu que se consagra na literatura brasileira. O texto parte das
experiências do autor quando o mesmo se encontrava em um internato. Relata
a difícil convivência entre alunos, professores e a direção do colégio interno.
A narrativa é centrada no cotidiano de Sérgio, o protagonista, que descreve os
acontecimentos que marcaram sua passagem no internato. Assim, o romance é a
memória adulta de uma experiência juvenil. Leiamos a parte inicial:
70
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
71
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
A Noite
... le ciel
Se ferme lentement comme une grande alcôve,
Et l’homme impatient se change en bête fauve.
C. BAUDELAIRE
72
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
Indústria
A. BRIZEUX
NOTA
O escritor Lima Barreto (1998) passa para a história por ter suscitado discussões
e polêmicas agitando nosso meio intelectual. Para Veríssimo, foi ele um dos principais
mentores do naturalismo. De observação mais rigorosa, evoca os métodos científicos,
reduzindo assim a idealização romanesca. Passou para a história como um dos grandes
pintores da sociedade urbana, revelando indignação diante de determinados costumes da
sociedade brasileira através da visão satírica, produzindo verdadeiras caricaturas.
73
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
74
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
vida social daquele tempo. O modo de vida dos ribeirinhos é explanado de forma
documental, revelando novos dados da realidade nacional, daí a dizer que esse
romance se distingue dos romances do Naturalismo.
75
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
Às vezes saíam a dar um passeio pelo cacaual, primeiro teatro dos seus
amores, e entretinham-se a ouvir o canto sensual dos passarinhos ocultos na
ramagem, chegando-se bem um para o outro, entrelaçando as mãos. Um dia
quiseram experimentar se o leito de folhas secas que recebera o seu primeiro
abraço lhes daria a mesma hospitalidade daquela manhã de paixão ardente
e louca, mas reconheceram com um fastio súbito que a rede e a marquesa,
sobretudo a marquesa do Padre-Santo João da Mata, eram mais cômodas e
mais asseadas.
Outras vezes vagavam pelo campo, pisando a relva macia que o gado
namorava, e assistiam complacentemente a cenas ordinárias de amores bestiais.
Queriam, então, à plena luz do sol, desafiando a discrição dos maçaricos e das
colhereiras cor-de-rosa, esquecer entre as hastes do capim crescido, nos braços
um do outro, o mundo e a vida universal. A Faustina ficara em casa. João
Pimenta e o Felisberto pescavam no furo e estariam bem longe. Na vasta solidão
do sítio pitoresco só eles e os animais, oferecendo-lhes a cumplicidade do seu
silêncio invencível. A intensa claridade do dia excitava-os. O sol mordia-lhes o
dorso, fazendo-lhes uma carícia quente que lhes redobrava o prazer buscado
no extravagante requinte.
Pouco mais de uma hora durava o serão. A Faustina trazia o café num
velho bule de louça azul, e logo depois, com lacônico e anêpetuna – boa-noite,
se retirava o velho tapuio. Felisberto ainda se demorava alguma cousa a caçoar
76
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
Isto fora assim dia por dia, noite por noite, durante três meses.
77
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
3 O PARNASIANISMO
Na poesia, foi o Parnasianismo o movimento correspondente ao Realismo
e ao Naturalismo, conforme já descrito, que surgiu na França e designava os
poetas que se reuniam e publicavam antologias de poesias chamadas Le Parnasse
Contemporain. Os poetas parnasianos seguem a tendência objetivista, rendem-se
ao ideal científico e ao positivismo filosófico. Os versos passam a ser redigidos
com formas evitando o uso exagerado de metáforas. Os parnasianistas foram
descritivistas radicais, abordaram a impotência do homem perante a realidade
circundante. Tal postura, de acordo com Schopenhauer (apud ABDALA JUNIOR;
CAMPEDELLI, 1987), ocorria, pois estes poetas consideravam a arte como forma
de contemplação e não de participação, sem qualquer intuito pragmático. De
acordo com Moisés, os poetas parnasianistas admitiam que
78
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
O poeta deve ter grandes ideias que a ciência de hoje certifica em sua
eminência, não para ensinar geografia ou linguística, pré-história ou
matemática, mas para elevar o belo com os lampejos da verdade, para
ter a certeza dos problemas além da miragem da ilusão. (SILVA apud
COUTINHO, 2004a, p. 92).
79
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
[...] espíritos
Que já não vão correndo erradios atrás,
Da sereia fatal da Imaginação
Ou da fantasia, e têm no sensório a visão
Nítida do real e da verdade.
[...] não deu aliás senão frutos pecos ou gorados ainda em flor.
Poesia científica é incongruência manifesta. Que a ciência, influindo
a mentalidade humana e aperfeiçoando-a consoante as suas soluções
definitivas, ou os seus critérios, possa acabar por atuar também o
sentimento humano, é uma verdade psicológica de primeira intuição.
Não o é menos que o sentimento assim feito possa comover-se
conformemente com os motivos que o produziram ou segundo a
emotividade resultante de determinações daquelas soluções a critérios.
Se for cabal a conversão da noção em sentimento, se este já for bastante
intenso, poderá a sua expressão corresponder-lhe à intensidade e ser,
pois, do ponto de vista estético, legítima e bela. Mas para que isto
aconteça, cumpre seja completa e perfeita a transformação da ideia
em sentimento íntimo capaz de expressão artística, subjetiva. Senão
será uma pura emoção sentimental, cuja expressão poética dispensa
qualificativo ou, o que foi a nossa “poesia científica”, uma aberração de
pseudopoetas e pseudocientistas, um efeito de moda ou uma ocasião
oratória. Poesia, como arte que é, é síntese, uma síntese emotiva.
Limitando-se os nossos poetas científicos a versejar noções, princípios,
conhecimentos científicos, e mais nomes do que coisas, resvalavam à
poesia didática, de ridícula memória. (1998, p. 384).
80
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
Profissão de fé
O perfume
A Artur de Oliveira
Unge-te a pele fina e cetinosa
Um perfume sutil, insinuante,
Igual à planta da Ásia venenosa,
Cuja sombra atraiçoa o viandante;
O nardo, o benjoim e a tuberosa,
As tépidas essências do Levante,
Do Meio-Dia a flora luxuosa,
De cores e de aromas abundante,
Não disputam-lhe o passo, a primazia,
Nem produzem-me a lânguida apatia
Que em noites de verão, lentas, calmosas,
Sinto quando debruço-me em teu seio,
Afogando-me em morno devaneio
Num mar de sensações voluptuosas.
81
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
A poesia realista agreste, por sua vez, abarca escritores que se empenharam
em poetizar sobre a vida nas fazendas brasileiras. Bernardino Lopes foi um desses
poetas, sua poesia graciosa ficou largamente conhecida:
Na fazenda
82
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
Outro poeta importante para a literatura brasileira foi Olavo Bilac, escritor
de um tempo no qual a indecisão dos rumos cedeu lugar ao trabalho formal, que
83
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
84
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
Bilac é adepto do conceito da arte pela arte, máxima parnasiana que consiste
em fazer arte em detrimento da emoção e dos problemas sociais. Olavo Bilac
compara o fazer poético a um joalheiro que, exaustivamente, trabalha a peça a
ser feita. Quando pronta, podemos apreciá-la e nos agradar com tamanha beleza.
Inania verba
85
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
Em outro poema enfatiza a boa forma e bom estilo, conforme você mesmo
poderá constatar:
A um poeta
Via láctea
Soneto XIII
86
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
O poema Nel mezzo del camim faz alusão ao primeiro verso da Divina
Comédia, de Dante Alighieri, quando o protagonista inicia uma viagem ao mundo
do além, declarando que se encontrava no meio do caminho de sua vida em uma
selva escura. O argumento de Bilac é indicativo da intertextualidade tão presente
em nossa literatura. Olavo Bilac refere-se ao encontro após a separação e a dor
da partida. Ao descrever tais sentimentos lança mão da marcação das rimas, um
soneto dividido em dois quartetos e dois tercetos, em versos decassílabos e rimas
que seguem o seguinte padrão: A/B/A/B - A/B/A/B - C/D/C - E/D/E, cruzadas, ou
alternadas.
87
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
A borboleta
88
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
A boneca
89
UNIDADE 1 | O SÉCULO XIX: DOUTRINAS E MOVIMENTOS LITERÁRIOS
LEITURA COMPLEMENTAR
LEGADO DO NATURALISMO
Não se pode afirmar que foi com o Naturalismo, através de seu processo
de captação da realidade objetiva, que se fixaram pela primeira vez no romance
brasileiro os nossos tipos e os nossos costumes. Antes de Aluísio de Azevedo,
Júlio Ribeiro, Inglês de Souza e Adolfo Caminha, já a nossa vida urbana, com
as suas peculiaridades mais destacadas, se espelhava no romance. Em pleno
Romantismo brasileiro, José de Alencar pinta a vida na Corte, nos perfis de
mulher de sua galeria copiosa. Taunay, Bernardo Guimarães, Macedo, Franklin
Távora são hábeis pintores da vida brasileira, e isto para não falar em Manuel
Antônio de Almeida, em cujas Memórias de um Sargento de Milícias, de tanto
sabor picaresco, há um Realismo enxuto, sóbrio, de tintas firmes e definitivas.
Inspecionando a alma de suas personagens, Machado de Assis, em lugar de fixar
diretamente as paisagens, contempla-as através dos olhos das figuras de seus
contos e romances.
90
TÓPICO 3 | CONCEPÇÃO, OBRAS E AUTORES NATURALISTAS
DICAS
91
RESUMO DO TÓPICO 3
Vamos rever sucintamente o conteúdo que apresentamos neste terceiro
tópico:
• Outro naturalista foi Júlio César Ribeiro que escreveu A Carne, uma obra que
provocou alvoroço na sociedade da época, pelo argumento que faz alusão à
obscenidade, com resquícios naturalistas.
92
• Sílvio Romero e Martins Júnior pretendiam escrever uma poesia que estivesse
em conformidade com os ideais e as ideias de um tempo marcado não mais
pela criação divina, mas por um conjunto de fenômenos que poderiam ser
analisados, compreendidos e até mesmo previstos.
• Outro poeta importante para a literatura brasileira foi Olavo Bilac. Adepto do
conceito da arte pela arte, pregava a necessidade da perfeição formal e o culto ao
estilo.
93
AUTOATIVIDADE
Língua Portuguesa
Língua
94
Assim como o amor está para a amizade.
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixa os portugais morrerem à míngua,
“Minha pátria é minha língua”
- Fala, Mangueira!
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua?
(Caetano Veloso)
95
96
UNIDADE 2
SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E
VANGUARDAS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade você será capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em 3 (três) tópicos que o/a levarão à compre-
ensão das doutrinas e movimentos literários do século XIX. Em cada um
dos tópicos você encontrará atividades que o/a ajudarão a consolidar sua
aprendizagem acerca deste tema.
97
98
UNIDADE 2
TÓPICO 1
1 INTRODUÇÃO
Na Europa oitocentista, as ideias científico-filosóficas e materialistas,
que procuravam analisar racionalmente a realidade, estavam disseminadas por
todo o continente. No entanto, o pensamento materialista e científico não foi
compartilhado ou assimilado por todas as camadas sociais, que ficaram distantes
da prosperidade burguesa.
2 O PENSAMENTO SIMBOLISTA
O continente europeu, em torno de 1880, foi marcado por profundas
modificações sociais e políticas, provocadas especialmente pela expansão
do capitalismo, cuja consequência impulsionou a indústria e posteriormente
deflagrou a primeira Guerra Mundial. Sobre essa questão, Alfredo Bosi (1980)
enfatiza que no centro da intelectualidade europeia surge uma oposição do
materialismo sobre o sujeito, por ter prometido o paraíso e oferecer, no entanto,
um período contraditório e frustrante.
99
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
UNI
Ainda que toda poesia em sua essência seja simbólica, nem toda literatura
que lança mão do símbolo é simbolista. No entanto, na década de 1890, na França
expandiu-se um movimento estético que a priori foi denominado decadentismo e,
posteriormente, Simbolismo. “A conjuntura decadente resultava da impressão de
que tudo, religiões, costumes, justiça, estava em deliquescência”, enfatiza Moisés
(2004, p. 420).
100
TÓPICO 1 | O SIMBOLISMO: UMA VISÃO SUBJETIVA DO
101
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
A obra As Flores do Mal foi condenada por ofender a moral pública, e, por
isso, Baudelaire foi obrigado a retirar seis poemas, por fazerem alusão à luxúria,
à volúpia e à morte. Este último aspecto é observado, por exemplo, no verso do
poema apresentado: infundir-te, irmã, meu veneno. A poesia em questão é dedicada
a uma mulher da noite cultural parisiense, “uma sempre alegre dama”, que teve
um caso amoroso com Baudelaire.
102
TÓPICO 1 | O SIMBOLISMO: UMA VISÃO SUBJETIVA DO
103
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
O final do século XIX foi marcado pela dinâmica das correntes estéticas
entrecruzadas. A expansão do Simbolismo não pretendeu afastar o pensamento
naturalista-parnasiano, mas, sim, impor sua crítica e sua importância. Disso
resultaram dois fenômenos literários distintos no espírito, na linguagem e
no estilo de expressão, no entanto análogos. Desse modo, Parnasianismo e
Simbolismo “[...] permaneceram muito tempo ora paralelos, ora misturando-
se. Houve escritores que se caracterizaram pelas impregnações parnasianas e
simbolistas”. (COUTINHO, 2004a, p. 315). Os dois movimentos adentraram
o século XX, sendo que o Parnasianismo por vezes esteve isolado, outras,
constituído da mistura de elementos do Simbolismo, “[...] uma fase de poesia
de transição e sincretismo, que, de 1910 a 1920, preparou o advento do
Modernismo”. (COUTINHO, 2004a, p. 315).
Na literatura posterior a 1890, a superação do Realismo naturalista pelo
Simbolismo foi um fato quase impercebível até pouco tempo. Nesse sentido, a
presença de Machado de Assis foi relevante, pois escreveu sob a influência do
positivismo e das ideias naturalistas. O autor, no dizer de Coutinho (2004a, p.
316), “[...] jamais se deixou vencer, devedor confesso do leite romântico, tendo
mesmo produzido a melhor crítica aos romances naturalistas de Eça de Queirós,
páginas magistrais ainda hoje válidas como exemplo modelar da crítica de
cunho estético”.
Além disso, no final do século o mesmo observou a alma do indivíduo,
cuja introspecção e psicologia, distantes da imaginação, estavam aliadas à visão
trágica da vida. Machado de Assis acompanhou a trajetória literária desses
movimentos. Se, como vimos, enquanto escritor foi de início romântico-realista,
no final da carreira os seus textos se alargaram pelo simbolismo e pela mitologia.
Sobre essa questão, Coutinho (2004a, p. 317) enfatiza que “[...] ainda quando sutil,
pode dissimular com o pitoresco o sentido metafísico ou alegórico da criação
artística, enriquecido seu universo de um idealismo moral, povoado de símbolos
do Bem e do Mal”.
Desse modo, muitos dos seus contos contêm símbolos e alegorias e são
elaborados a partir de sua fiel técnica realista. Machado se imbuía de material do
cotidiano, que retirava da observação e leituras em jornais. Suas crônicas, contos e
romances, símbolos de arte, confirmam essa questão. O escritor, segundo Coutinho
(2004a, p. 318) transformava os fatos em “substância estética. Era a vida salvando-
se pela arte, adquirindo perenidade, mudando de forma e estrutura, revelando,
através da arte, os seus segredos íntimos, a sua verdade eterna e profunda, dela
e da natureza humana”. Lembre-se de que, além da obra de Machado de Assis,
os escritores Raul Pompeia e Graça Aranha também representaram o movimento
que conduziu ao Modernismo.
104
TÓPICO 1 | O SIMBOLISMO: UMA VISÃO SUBJETIVA DO
O poeta Cruz e Sousa, o “Dante Negro”, como ficou conhecido, teve a sua
vida perpassada pela condição existencial e pela incompreensão poética. A vida do
escritor foi marcada por uma paixão de duas faces, a primeira pela arte, pela poesia
e pela criação estética; a segunda, pelo preconceito enfrentado, pela incompreensão
social, pelo menosprezo à sua poesia e ainda “[...] a dor lancinante de, na pobreza,
sobrevir-lhe a loucura da esposa e a morte de dois filhos, para, afinal, a tísica e a
tuberculose ceifarem-lhe o último sopro de vida”. (JUNKES, 2008, p. 28).
105
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
Sol, rei astral, deus dos sidéreos Azuis, que fazes cantar de luz os
prados verdes, cantar as águas! Sol imortal, pagão, que simbolizas a Vida, a
Fecundidade! Luminoso sangue original que alimentas o pulmão da Terra, o
seio virgem da Natureza! Lá do alto zimbório catedralesco de onde refulges
e triunfas, ouve esta Oração que te consagro neste branco Missal da excelsa
Religião da Arte, esmaltado no marfim ebúrneo das iluminuras do Pensamento.
106
TÓPICO 1 | O SIMBOLISMO: UMA VISÃO SUBJETIVA DO
107
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
Antífona
108
TÓPICO 1 | O SIMBOLISMO: UMA VISÃO SUBJETIVA DO
109
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
O poema, que está no início da obra Broquéis, é citado como um dos mais
conhecidos e se tornou uma espécie de hino da poesia simbolista. Para Moisés
(2004, p. 27), Antífona “[...] constitui uma tentativa de captar na monotonia
plangente dos versos, a atmosfera litúrgica das salmodias”. A palavra antífona, de
origem grega, designava no século IV uma espécie de cântico litúrgico, em torno
dos salmos bíblicos. A partir do século VI, ganhou outro sentido que consistia
num refrão que interrompia o canto dos salmos, com o intuito de facilitar a
melodia aos cantores.
UNI
Assim, temos neste poema uma sequência musical tanto pela aliteração
do ‘s’ quanto pelo predomínio de palavras cujas sílabas tônicas têm vogais
extensas como em “formas, alvas, claras”. Vários estudiosos enfatizaram a
expressão verbal, o estilo e os aspectos linguísticos da poesia de Cruz e Sousa, um
escritor que tão bem soube utilizar a expressividade fonética, simbólica, lúdica,
a linguagem metafórica e a sinestesia. No dizer de Coutinho (2004a, p. 402), “[...]
essa peça é uma verdadeira abertura, no sentido musical e formal da expressão,
uma abertura sinfônica para a obra inteira de Cruz e Sousa, e para a obra inteira
do Simbolismo brasileiro”.
É certo dizer então que Cruz e Sousa foi precursor não somente do
Simbolismo no Brasil, mas também de sua condição e, sem dúvida, um grande,
raro e verdadeiro poeta. O amigo mais próximo de Cruz e Sousa, Nestor Vitor
– fiel depositário de todo o acervo – analisou e exaltou o alto nível dos escritos
deste autor brasileiro. Sobre o fazer literário do poeta, afirma Vitor (1969, p. 28),
110
TÓPICO 1 | O SIMBOLISMO: UMA VISÃO SUBJETIVA DO
[...] tudo o que lhe sai da pena é mais ou menos uma transfiguração
[...]. A Arte como ele a compreende, Arte pela Arte, independente de
paixões que a escravizem, que façam dela seu veículo, inferiorizando-a
tirando-lhe o caráter de sua independência suprema, Arte que é vida
e que é morte, que é chama e que é néctar, Arte sacerdócio, Arte
abstração absoluta e decidida loucura, essa é o seu domínio, essa é
o seu mundo, é o seu alimento e o seu sono, é o seu sonho e a sua
realidade exclusiva.
Cruz e Sousa dominou a palavra de tal modo que a sua arte era a própria
vida e, conforme enfatiza Junkes (2008, p. 59), “[...] na poesia vamos encontrar
um homem que transpôs a linha de cor, o ariano, o espírito depurado, livre dos
complexos que o perseguiram. Ariel librando-se no espaço, nas brumas do seu
sonho branco”.
UNI
UNI
A sua obra é caracterizada pela forma estrófica popular, fato este que fez
com que o autor permanecesse próximo à música do período, como as modinhas,
as chulas e os lundus cantados em famílias, nos largos e serões. Ao citar o autor em
uma conferência em 1938, Henriqueta Lisboa assim se manifesta: “abrigado pelas
montanhas centrais, o espírito de Alphonsus evoluía em serenidade, buscando
uma nova arte como quem espreita o nascimento de uma estrela”. (JUNKES,
2008, p. 60).
Ismália
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
112
TÓPICO 1 | O SIMBOLISMO: UMA VISÃO SUBJETIVA DO
113
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
114
TÓPICO 1 | O SIMBOLISMO: UMA VISÃO SUBJETIVA DO
LEITURA COMPLEMENTAR
PERÍODO DE TRANSIÇÃO
115
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste primeiro tópico você viu que:
• O símbolo foi utilizado pelos escritores no fim do século XIX, para designar
algo ou atribuir estatuto à corrente literária e artística, marcada pela visão
subjetiva e espiritual do mundo.
• O Brasil do final do século XIX foi marcado pela dinâmica das correntes estéticas
entrecruzadas. A expansão do Simbolismo não pretendeu afastar o pensamento
naturalista-parnasiano, mas, sim, impor sua crítica e sua importância.
• O Simbolismo no Brasil foi representado por Cruz e Sousa que, com a obra
Broquéis, uma coletânea de poesias, revela-se um simbolista feito. O poema,
Antífona, que está no início da obra Broquéis, tornou-se uma espécie de hino da
poesia simbolista.
116
AUTOATIVIDADE
3 Preencha as lacunas:
O movimento simbolista privilegia as ______________em detrimento à
estética, somadas às atitudes ________________, místicas, idealistas, à
tendência ao isolamento, à ____________________ e à beleza.
5 Considere o poema:
117
118
UNIDADE 2 TÓPICO 2
1 INTRODUÇÃO
O final do século XIX e início do XX foi marcado por movimentos culturais,
os quais iniciaram uma ruptura com as estéticas precedentes. Após o movimento
caracterizado pela exploração do símbolo, a arte de modo geral passou por um
período de transição, fenômeno este que foi observado pelos críticos, o qual
abarcava várias tendências, cujas concepções influenciaram a pintura, a música
e a literatura.
A pretensão, neste tópico, é refletir sobre esta fase intermediária que
se estendeu entre o fim do Simbolismo e o início do Modernismo, e que foi a
responsável pela revolução ocorrida na Arte, considerando, para tanto, as
concepções estético-estilísticas de cada tendência.
2 O PRÉ-MODERNISMO
As épocas de transição, grosso modo, expõem e renovam tendências e,
dada a proximidade dos acontecimentos, impossibilitam discernir e traçar um
limite na cronologia temporal. É certo que os autores são “dominados por uma
indecisão instintiva. Balançam-se entre o mar e a areia. São ao mesmo tempo
crepúsculo e madrugada. E a duplicidade que os caracteriza é quase sempre fonte
de originalidades. Daí as dúvidas em bem julgá-los e classificá-los”. (COUTINHO,
2004a, p. 541).
119
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
120
TÓPICO 2 | AS TENDÊNCIAS DO FINAL DO SÉCULO XIX
121
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
122
TÓPICO 2 | AS TENDÊNCIAS DO FINAL DO SÉCULO XIX
123
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
FIGURA 5 - IMPRESSÃO, NASCER DO SOL (CLAUDE MONET, 1872, ÓLEO SOBRE TELA -
48 × 63CM)
UNI
A tela Impressão, Nascer do Sol é uma das mais célebres e importantes obras
de Claude Monet. Representa o nascer da manhã no porto de Havre, com uma cerrada
névoa sobre o estaleiro, os barcos e as chaminés no fundo da composição. Esta tela
está exposta no Museu Marmottan, em Paris. No quadro, Monet utilizou tintas originais,
cuja sobreposição de cores cruas, sem misturas, é uma grande característica da técnica
impressionista, continuada a partir do momento em que os espectadores e os artistas se
deram conta de que conseguiam obter resultados mais próximos da realidade. A partir
desta tela nasceu o movimento impressionista, com sua exposição no estúdio do fotógrafo
Nadar, em 15 de abril de 1874, juntamente com obras de Boudin, Sisley, Degas e Renoir.
Embora fracassada, a exposição convenceu alguns dos espectadores mais liberais, e a nova
tendência mais tarde resultaria na Arte Moderna. (MOISÉS, 2004, p. 239).
124
TÓPICO 2 | AS TENDÊNCIAS DO FINAL DO SÉCULO XIX
125
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
UNI
126
TÓPICO 2 | AS TENDÊNCIAS DO FINAL DO SÉCULO XIX
• Edouard Manet realizou uma pintura sem desenho, na qual as imagens são
concebidas de forma direta, no jogo e no contraste das cores e na sensação
ótica.
128
AUTOATIVIDADE
129
130
UNIDADE 2
TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
Na Europa do início do século XX reinava um clima de euforia em face
aos progressos industriais, aos avanços das tecnologias como a eletricidade, o
telefone, o rádio, o telégrafo, dentre outras. Nesse sentido, a atmosfera estava
propícia para o aparecimento de novas concepções artísticas que traduziam
aquela realidade, quebrando padrões tradicionais.
2 AS VANGUARDAS
No século XX, o surgimento das vanguardas europeias estava ligado aos
artistas dos movimentos precedentes, os quais abriram caminho para as gerações
posteriores. A palavra vanguarda, em princípio, designava “[...] as unidades
armadas que se punham à frente dos exércitos nos conflitos de guerra”. (MOISÉS,
2004, p. 461). No limiar do século XX, o termo passou a fazer alusão a um sentido
estético moderno, pois nomeava os movimentos artísticos e literários.
131
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
UNI
132
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
133
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
134
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
3 A REVOLUÇÃO MODERNISTA
Em 1912, Oswald de Andrade retorna da Europa, trazendo na bagagem
as ideias estabelecidas no Manifesto Futurista, de Marinetti, que pregava uma
literatura comprometida com a nova civilização técnica. Sentia-se, o jovem
brasileiro, atraído sobretudo pelo poeta francês Paul Forts, um desmantelador da
135
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
métrica e, segundo Coutinho, tal fato vinha a “[...] calhar com uma deficiência que
precisava transformar em virtude – a incapacidade de metrificar”. (2004a, p. 4).
UNI
137
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
De noite tempestuou
Chuva de neve e granizo...
Agora, calma e paz. Somente o vento
Continua com seu oou...
Perceba que Mário rimou a palavra tempestuou com oou. Tal opção foi
apontada como um exagero por alguns críticos da época, mas, aos olhos de
Oswald de Andrade, a rima inusitada e agressiva de Mário confirmou as “[...]
suas próprias frustradas tendências inovadoras”. (COUTINHO, 2004b, p. 7).
Mário de Andrade não era o único poeta da época que assinalava seus
escritos com a presença de algo novo, e parte da crítica estranhava a combinação
de rimas, não concordava com as técnicas empregadas pelos poetas, enfim reage
às alterações e aos abalos que a estrutura parnasiana estava sofrendo.
PARANOIA OU MISTIFICAÇÃO
138
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
Embora se deem como novos, como precursores de uma arte a vir, nada
é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu como a paranoia e
a mistificação.
Do grupo, foi Menotti del Picchia quem fixou o programa teórico que
constitui a ação dos modernistas. Conforme Coutinho, o programa pode ser
assim resumido:
140
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
Os sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.
.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos!
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas...
“Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei”
– “Foi!” – “Não foi!”
– “Foi!” – “Não foi!”
141
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– “A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo.
“Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
– “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”.
142
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
FONTE: ANDRADE, Oswald de. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, [s. p.], 18 mar. 1924. Disponível
em: <ttp://www.mundocultural.com.br/literatura1/modernismo/brasil/1_ fase/pau_brasil.htm>.
Acesso em: 2 abr. 2011.
143
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
144
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
FONTE: ANDRADE, Oswald de. Revista de Antropofagia, São Paulo, ano 1, n. 1, [s. p.], maio 1928.
Disponível em: <http://www.lumiarte.com/luardeoutono/oswald/manifantropof.html>. Acesso
em: 2 abr. 2011.
145
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
4 O MODERNISMO NA POESIA
Pensar em modernismo na poesia significa dizer que o poeta tem que
eleger suas próprias regras, uma vez que não existem regras prefixadas. No que
tange à poesia, o Modernismo comumente é dividido em gerações ou fases, das
quais veremos suas características e alguns dos seus representantes.
146
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
INSPIRAÇÃO
147
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
Em 1925, Mário lança o ensaio A Escrava que não é Isaura. Neste, o autor
retoma e aprofunda suas considerações sobre a arte moderna. Além disso,
tece críticas a Marinetti devido ao emprego exagerado dos novos recursos e
preceitos do movimento, o que torna a obra destituída de sentimento e ou de
inclinação interpretativa. Leia um trecho do poema. A Meditação sobre o Tietê,
escrito em 1945, ano da morte do autor, no qual reafirma sua crítica e sua
crença na poesia moderna.
148
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
[...] Senna: E que destino prevê para a Poesia? Pensa que ela se tornará
cada vez mais livre ou a tendência será para voltarmos aos moldes antigos?
Mário: Penso que ela se tornará cada vez mais livre, mas no sentido
de libertação de escolas e de definições exclusivistas. Essa liberdade é que lhe
permitirá renovar o que você chama de moldes antigos.
149
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
FONTE: Entrevistado por Homero Senna e publicado originalmente na revista d’O Jornal”, de
18/02/1945 e republicado no livro SENNA, Homero. República das letras. 3. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1996.
Eu sou trezentos:
150
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
Seus escritos são permeados pelo deboche, pela ironia e pela crítica aos
meios acadêmicos e à classe burguesa. Seu conceito de Modernismo divergia
daquele pregado pelos integrantes do grupo “Verdamarelo”. Defendia a
valorização das origens brasileiras, do passado histórico e cultural, de que extraía
parte de seus temas, porém conferindo-lhes uma visão crítica.
A descoberta
151
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Observe que seus poemas são breves, fazem uso da linguagem coloquial e
sem preocupação com a gramática. A poesia oswaldiana marcou um movimento
da cultura brasileira na década de 60, o Concretismo, que reaparecerá no
Tropicalismo. É um escritor que ficou conhecido pelo espírito irreverente e
combativo, pela sua atuação intelectual, considerada basilar na cultura brasileira
do início do século.
152
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
E a Filha da Patroa?
Germinal
Nuvens voam pelo ar como bandos de garças,
Artista boêmio, o sol, mescla na cordilheira
pinceladas esparsas
de ouro fosco. Num mastro, apruma-se a bandeira
de São João, desfraldando o seu alvo losango.
Juca Mulato cisma. A sonolência vence-o
Vem, na tarde que expira e na voz de um curiango,
o narcótico do ar parado, esse veneno
que há no ventre da treva e na alma do silêncio.
Um sorriso ilumina o seu rosto moreno.
No piquete relincha um poldro; um galo álacre
tatala a asa triunfal, ergue a crista de lacre,
clarina a recolher entre varas de cerdos e
mexem-se ruivos bois processionais e lerdos
e, num magote escuro, a manada se abisma na treva.
Anoiteceu.
Juca Mulato cisma.
153
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
Desencanto
154
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
155
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
Poética
156
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
Motivo
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
157
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
UNI
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
158
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
159
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
Sozinho no escuro
qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
No meio do caminho
160
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
[...] sua recepção escandalosa por muito tempo ocultou aquilo que
havia ali naqueles poucos versos repetitivos. Drummond chegou
mesmo a organizar um volume com toda a crítica feita em torno de
No meio do caminho. Uma desforra do poeta, que juntou neste livro
principalmente textos em que o atacavam abertamente, mas também
aqueles que analisavam o poema na tentativa de compreendê-lo.
Aparição amorosa
161
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
[...] variam os motivos para que se tome 1930, em média, como ano
de encerramento do Modernismo: para Mário de Andrade, porque
esse movimento foi essencialmente destruidor, e a partir daquele ano
se pode começar a falar em construção; para outros porque morre o
primitivismo paulista e começa a prevalecer maior preocupação com
o homem do que com a simples paisagem. (2004b, p. 173).
162
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
Canção do exílio
163
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
164
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
UNI
Após a “morte de Deus” proclamada por Nietzsche, muitos cristãos têm sua
posição religiosa abalada. O avanço das tecnologias, o homem sendo o criador de suas
máquinas, enfim, a evolução frenética que modificava o pensamento humano ganham
dimensões que ultrapassam a simplicidade dos mandamentos cristãos. Com isso, o homem
passa a se ver como algo solitário em meio a tudo, a todas as coisas. A presença até então
de um deus, que tudo vê e a todos controla, passa a ser substituída por um vazio, por uma
sensação jamais experimentada. É nessa categoria que se encontra Murilo Mendes: um
poeta a serviço da “restauração da poesia em Cristo”, como ele mesmo queria que as obras
dessa fase fossem denominadas.
Filiação
165
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
Diurno Cruel
1
Servida a sinfonia, poderíamos nos sentar.
Cruel é o azul: de um buquê de vidas
Surge a guerra.
Sinistro planejamento...
Todos pisam em crianças que foram.
2
Miséria, diamante azul, abandono.
Flores despojadas da vida essencial:
Ai que o pensamento da guerra
É para impedir a sede
E acelerar
A crucificação.
166
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
Modernismo
Canção do exílio
Os dois lados
Arte de desamar
Dupla louvação
Pedra e água
O impenitente
O poeta morto
Confidência
Emaús
O filho pródigo
Montanhas de Ouro Preto
Numância
São João da Cruz
167
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
168
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
Soneto de Fidelidade
A casa
169
UNIDADE 2 | SÍMBOLOS, TENDÊNCIAS E VANGUARDAS
Sendo assim, podemos afirmar que esse projeto é ainda latente em nossa
literatura. Nos escritos de 1945, ao lado de obras imbuídas da preocupação social,
começam a se destacar produções literárias nas quais a tônica recai em torno da
própria linguagem literária, uma poesia de aspectos formalizantes.
João Cabral de Melo Neto pregava que a poesia não está no sentimento do
poeta ou mesmo na beleza dos fatos, mas, sim, no preparo do texto, na exatidão de
sua construção: “O texto, entretanto, só será uma obra de arte se a representação
atingir uma forma adequada e criativa: se ela for simétrica”. (ABDALA JUNIOR;
CAMPEDELLI, 1987, p. 244). Para tanto, o fazer poético é trabalho rigoroso com
a linguagem. Desse modo, há que se fazer revisões constantes, um exercício
autocrítico.
Em densas noites
com medo de tudo:
de um anjo que é cego
de um anjo que é mudo.
Raízes de árvores
enlaçam-me os sonhos
no ar sem aves
vagando tristonhos.
170
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
Eu penso o poema
da face sonhada,
metade de flor
metade apagada.
O poema inquieta
o papel e a sala.
Ante a face sonhada
o vazio se cala.
Ó face sonhada
de um silêncio de lua,
na noite da lâmpada
pressinto a tua.
Ó nascidas manhãs
que uma fada vai rindo,
sou o vulto longínquo
de um homem dormindo.
Tecendo a Manhã
172
TÓPICO 3 | AS VANGUARDAS DA EUROPA E SUA INFLUÊNCIA
173
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você pôde aprofundar seus conhecimentos nos seguintes
conteúdos:
174
• O poeta Mário de Andrade acentua uma das características do Modernismo: a
ruptura com as tradições acadêmicas, pela liberdade de criação e de pesquisa
estética. Também enfatiza a busca e valorização de nossas tradições culturais.
• Manuel Bandeira valorizou a libertação das formas fixas e optou pela liberdade
formal, o que se tornaria uma das marcas registradas de seus escritos.
• Cecília Meireles é uma das maiores poetisas de nossa história. Defendeu a ideia
de nação menos ufanista. Em sua poesia, o tempo e a brevidade são presenças
constantes. Quanto ao plano estilístico, a autora emprega uma linguagem
carregada de musicalidade.
• O poeta João Cabral de Melo Neto pregava que a poesia não está no sentimento
do poeta ou mesmo na beleza dos fatos, mas, sim, no preparo do texto, na
exatidão de sua construção.
175
• No que se refere às características da forma na poesia moderna, Coutinho afirma
que o modernismo é sinônimo de liberdade de pesquisa estética, período no
qual cada poeta estabelece as suas próprias regras, ou segue as que melhor lhe
pareçam, sem determinações fixadas por escola.
176
AUTOATIVIDADE
Sentimental
Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
Neste país é proibido sonhar.
177
b) No poema podemos perceber características marcantes de um Drummond
modernista. São elas:
O último poema
Valsa
Cecília Meireles
178
A partir do poema apresentado, é válido afirmar que a poética de
Cecília Meireles se caracteriza essencialmente:
179
180
UNIDADE 3
MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade você será capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em 3 (três) tópicos que o/a levarão a entender a
ficção no modernismo, a literatura de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e o
teatro moderno. Você estudará também a ficção de transição: Modernismo/
Pós-Modernismo. Em cada um dos tópicos você encontrará atividades que
o/a ajudarão a consolidar seus conhecimentos nestes temas.
181
182
UNIDADE 3
TÓPICO 1
A FICÇÃO NO MODERNISMO
1 INTRODUÇÃO
A ficção no Brasil pode ser dividida em corrente regionalista e psicológica,
ambas advindas do romantismo, tendo por fio condutor a preocupação com o
homem e o meio. As duas correntes tiveram seu ponto de partida em escritores de
épocas anteriores que forneceram o modo de lidar com a matéria-prima na obra
literária, tanto no que se refere à escolha dos temas e descrições locais, bem como
a expressão dos costumes e dos tipos nacionais.
2 OS FICCIONISTAS
A ficção no Brasil – romance e conto –, já na primeira década de 1900, havia
atingido certo grau de perfeição e com duas linhas bem definidas que caminham
paralelamente, e, por vezes, se cruzam, ambas oriundas do romantismo e com
uma preocupação com o humano. Uma das correntes é a regionalista, na qual
o homem é visto como perpassado pela hostilidade do meio: quer nas áreas
rurais e campesinas, quer nos grandes centros urbanos, encontra-se exposto aos
problemas do ambiente, diante dos quais se percebe sem forças para lutar.
183
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
NOTA
Sobre a ficção no Modernismo sugerimos que você leia de Luiz Bueno, o livro
intitulado: Uma história do romance de 30, da editora EDUSP, cujo assunto versa sobre a
literatura brasileira – teoria e crítica. O autor em questão aborda uma discussão sobre o
período dos romances de 30, dando uma nova visão sobre o que se escreveu naquela época.
184
TÓPICO 1 | A FICÇÃO NO MODERNISMO
se apaixona. O rapaz confirma ao pai seu intento de casar com a moça. O genitor
não aceita a decisão do filho, uma vez que Soledade convivia amasiadamente com
Dagoberto. Soledade e Dagoberto, acompanhados por Pirunga, deixam o engenho
em direção à fazenda. Pirunga provoca a morte do senhor do engenho para ficar
com Soledade.
O enredo é marcado pelo êxodo da seca que aniquila não somente a terra,
mas também o homem do sertão: “[...] vaqueiros másculos, como titãs alquebrados,
em petição de miséria, baralhavam-se num anônimo aniquilamento”. (ALMEIDA,
2005, p. 8).
Assim, o autor revela a fome e a inanição daquele sertanejo que vive em meio
à seca. Dois principais conflitos estão configurados: a luta pela sobrevivência num
ambiente inóspito e a disputa de três homens – Dagoberto, Lúcio e Pirunga – pelo amor
de Soledade, mulher de personalidade marcante, que, com seu modo descontraído, seus
banhos no açude ou na cachoeira, desnorteava os homens.
UNI
185
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
Mário de Andrade, por sua vez, publicou neste mesmo ano Macunaíma,
uma combinatória de lendas, anedotas e personagens afroindígenas transportados
para a metrópole paulista; a justaposição de elementos faz do romance uma
rapsódia.
186
TÓPICO 1 | A FICÇÃO NO MODERNISMO
187
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
188
TÓPICO 1 | A FICÇÃO NO MODERNISMO
CARTA ADMINISTRADORA
Cordeais saudações
O descascador ficou muito bom por aqui vão todos bom da mesma forma
com a graça de Deus que com D. Célia fique restabelecido da convalecença é o
que eu lhe desejo.
33. VELEIRO
[...]
189
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
79. TERREMOTO
190
TÓPICO 1 | A FICÇÃO NO MODERNISMO
22. MAÇONARIA
Avessos aos favores da cidade íamos perna aqui perna ali eu e Dalbert de sorte
excepcional.
O João Jordão que não era artista nem nada aparecia magro e uma tarde
arranjou o subsídio governamental para estudar pintura em Paris.
– Com que então o ilustre homem pátrio de letras não prossegue suas
interessantíssimas memórias?
– Não.
– Seria permitido ao grosso público ledor não ignorar as razões ocultas da
grave decisão que prejudica assim a nossa nascente literatura?
– Razões de estado. Sou viúvo de D. Célia.
– Daí?
191
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
– Disse-me o Dr. Mandarim que os viúvos devem ser circunspectos. Mais, que
depois dos trinta e cinco anos, mezzo del camin di nostra vita, nossa atividade
sentimental não pode ser escandalosa, no risco de vir a servir de exemplo
pernicioso às pessoas idosas.
– O Dr. Mandarim, com perdão da palavra, é uma besta!
– Engano seu. O Dr. Mandarim é baedeker de virtudes. Adoto-o.
– A crítica vai acusá-lo e a posteridade clamar porque não continuou tão rico
monumento da língua e da vida brasílicas no começo esportivo do século 20.
– Já possuo o melhor penhor da crítica. Li as Memórias, antes do embarque, ao
Dr. Pilatos.
– E ele?
– O meu livro lembrou-lhe Virgílio, apenas um pouco mais nervoso no estilo.
À Guisa do Prefácio
192
TÓPICO 1 | A FICÇÃO NO MODERNISMO
nossa máquina social que um novel romancista tenta escalpelar com a arrojada
segurança dum profissional do subconsciente das camadas humanas. Há, além
disso, nesse livro novo, um sério trabalho em torno da “volta ao material”
– tendência muito de nossa época como se pode ver no Salão d’Outono, em
Paris. Pena é que os espíritos curtos e provincianos se vejam embaraçados no
decifrar do estilo em que está escrito tão atuado quão mordaz ensaio satírico.
MACHADO PENUMBRA
193
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
UNI
194
TÓPICO 1 | A FICÇÃO NO MODERNISMO
sua inteira representação plástica, como bases necessárias para que o romancista
prove aquela humanização se fazendo criador de tipos”. (COUTINHO, 2004c, p.
271). Sendo assim, a mesma se processa de maneira gradativa a cada romance
elaborado, humanização esta presente nos tipos sociais e na elaboração de suas
personagens que, segundo Coutinho (2004c, p. 271), são representados pelos
“saveiristas, os capitães de areia, os jagunços do cacau que cedem lugar primeiro
ao herói social [...] e depois ao herói literário”. Jorge Amado enfatiza o detalhe
psicológico de suas personagens, experiência individual que perpassa todos os
seus romances que falam da Bahia.
UNI
195
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
DICAS
Caro acadêmico, para saber mais sobre a obra O Tempo e o Vento, assista
à minissérie que foi adaptada do livro e exibida pela Rede Globo em 1985. Apesar de levar
o nome da trilogia escrita por Érico Veríssimo, a minissérie desenvolveu apenas as tramas
abordadas no primeiro volume da obra – O Continente – especialmente a trajetória do Capitão
Rodrigo Cambará, em Santa Fé, desde a primeira conversa com Juvenal, o duelo com Bento
Amaral, seu casamento com Bibiana, até a sua morte na guerra. Se você quiser assistir parte
da minissérie, acesse o site: <http://www.youtube.com/watch?v=SrMsWLnZKtI>.
196
TÓPICO 1 | A FICÇÃO NO MODERNISMO
LEITURA COMPLEMENTAR
TÁXI: MESQUINHEZ
Mário de Andrade
197
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
importância dele na Prefeitura, queria por força que eu pintasse orquídeas, então
pintei e ele comprou. Estou envergonhado de ter um quadro assim na exposição
mas, você compreende, o dono afinal é figura muito importante na Prefeitura.
Mais tarde, quando eu não tiver mais cuidados pecuniários, então hei de fazer a
arte verdadeira que sinto em mim.”
Yo he conocido cantores
Que era un gosto escuchar,
Mas no quieren opinar
Y se divíerten cantando;
Pero yo canto opinando,
Que es mi modo de cantar.
Eu acho que também temos que cantar opinando agora, pra ninguém
chegar atrasado no tragicômico festim. Há muito mais nobre virilidade em se ser
conscientemente besta que grande poeta de arte-pura.
FONTE: ANDRADE, Mário de. Táxi e crônicas no Diário Nacional. Estabelecimento de texto,
introdução e notas de Telê Porto Ancona Lopez. São Paulo: Duas Cidades; Secretaria de Cultura,
Ciência e Tecnologia, 1976. p. 155-156. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/
enciclopedia_lit/index.cfm?fuseaction=biografias_texto&cd_verbete=5243&cd_item=48>. Acesso
em: 2 abr. 2011.
198
RESUMO DO TÓPICO 1
• Mário de Andrade, por sua vez, publicou neste mesmo ano Macunaíma, uma
combinatória de lendas, anedotas e personagens afroindígenas transportados
para a metrópole paulista. A justaposição de elementos faz do romance uma
rapsódia.
199
• A literatura regional esteve, no estado da Bahia, representada por Jorge Amado
o qual retratou os acontecimentos da sua terra – o local urbano e a região do
cacau – sul da Bahia, cuja linguagem, traduzida na fala das personagens, é
testemunha da preocupação do escritor com a questão social, dotando a sua
obra de um espírito humanizador.
200
AUTOATIVIDADE
O alpinista
de alpenstock
desceu
nos Alpes.
201
202
UNIDADE 3
TÓPICO 2
1 INTRODUÇÃO
Os textos literários têm por característica principal a retratação da realidade
através de um trabalho especial com a linguagem, além da inventividade. Essa
questão é um aspecto relevante para o escritor, dado o fato de ele lidar com várias
peculiaridades, como os falares, os costumes, o ambiente, os tipos humanos,
dentre outras, quando se propõe escrever.
203
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
UNI
204
TÓPICO 2 | A LITERATURA DE GUIMARÃES ROSA,
UNI
205
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
Para isso, a lua não era boa. Quem põe praça de cavalhadas, por
desbarranco de estradas lamentas, desmancho empapado de chão, a chuva
ainda enxaguando? Convinha esperar regras d’água – “O Rio Paracatu está
cheio...” alguém disse. Mas Zé Bebelo atalhou: – “O São Francisco é maior...”
Com ele tudo era assim, extravagável; e não queria conversas de cutilquê.
Rompemos. Melava de chover baixo, mimelava. Até o derradeiro do momento,
parecia que íamos atravessar o Paracatu. Não atravessamos. Tudo aquele
homem retinha estudado. Daí, distribuiu as patrulhas. O drongo dele, viemos,
pela beira, sempre o Paracatu à mão esquerda. Trovejou, de perturbar. Ele
disse: – “Melhor, dou surpresa... Só uma boa surpresa é que rende. Quero é
atacar!”. A gente ia para o Buriti-Pintado. A lá, consta de dez léguas, doze, –
“Na hora, cada um deve de ver só um algum judas de cada vez, mirar bem e
atirar. O resto maior é com Deus...” – já vai que falava. – “Para um trabalho
que se quer, sempre a ferramenta se tem”.
Reinaldo, Diadorim, me dizendo que este era o real nome dele – foi
como dissesse notícia do que em terras longes se passava. Era um nome, ver
o quê. Que é que é um nome? Nome não dá: nome recebe. Da razão desse
encoberto, nem resumi curiosidades. Caso de algum crime arrependido fosse
fuga de alguma outra parte; ou devoção a um santo-forte. Mas havendo o ele
querer que só eu soubesse, e que só eu esse nome verdadeiro pronunciasse.
Entendi aquele valor. Amizade nossa ele não queria acontecida simples, no
comum, sem encalço. A amizade dele, ele me dava. E amizade dada é amor. Eu
vinha pensando, feito toda alegria em brados pede: pensando por prolongar.
Como toda alegria, no mesmo do momento, abre saudade. Até aquela, alegria
sem licença, nascida esbarrada. Passarinho cai de voar, mas bate suas asinhas
no chão.
Era, era que eu gostava dele. Gostava dele quando eu fechava os olhos.
Um bem-querer que vinha do ar de meu nariz e do sonho de minhas noites.
O senhor entenderá, agora ainda não me entende. E o mais, que eu estava
criticando, era me a mim contando logro.
Por curto: minto, se não conto que estava duvidoso. E o senhor sabe
no que era que eu estava imaginando, em quem. Ele é? Ele pode? Ainda hoje
eu conheço tormentos por saber isso; trastempo que agora, quando as idades
me sossegam. E o demo existe? Só se existe o estilo dele, solto, sem um ente
207
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
E o diabo não há! Nenhum. É o que tanto digo. Eu não vendi minha
alma. Não assinei finco. Diadorim não sabia de nada. Diadorim só desconfiava
de meus mesmos ares.
208
TÓPICO 2 | A LITERATURA DE GUIMARÃES ROSA,
UNI
209
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
Ela era. Tal que assim se desencantava, num encanto tão terrível; e
levantei mão para me benzer – mas com ela tapei foi um soluçar, e enxuguei
as lágrimas maiores. Uivei. Diadorim! Diadorim era uma mulher. Diadorim
era mulher como o sol não acende a água do rio Urucúia, como eu solucei meu
desespero.
O senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem
termo real.
– ‘Meu amor!…’
210
TÓPICO 2 | A LITERATURA DE GUIMARÃES ROSA,
211
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
fica para os anais; mas que seus temas se valiam de episódios que serviam para
ilustrar a “travessia”, a conquista da alegria”. (OLIVEIRA, 2000, p. 356). Nesse
sentido, ao evocar os acontecimentos e ao indagar sua conduta, Riobaldo absorve
ensinamentos.
E
IMPORTANT
212
TÓPICO 2 | A LITERATURA DE GUIMARÃES ROSA,
UNI
213
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo
escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o
aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda
de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. Os
juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se
a chorar, sentou-se no chão.
– Anda, excomungado.
214
TÓPICO 2 | A LITERATURA DE GUIMARÃES ROSA,
215
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
– Um bicho, Fabiano.
[...] Aparecera como um bicho, entocara-se como um bicho, mas criara
raízes, estava plantado. Olhou os quipás, os mandacarus e os xique-xiques.
Era mais forte que tudo isso, era como as catingueiras e as baraúnas. Ele, Sinhá
Vitória, os dois filhos e a cachorra Baleia estavam agarrados à terra.
216
TÓPICO 2 | A LITERATURA DE GUIMARÃES ROSA,
UNI
Alguns romances deste autor foram adaptados para o cinema, como, por
exemplo: 1) Memórias do Cárcere (1984). Direção: Nelson Pereira dos Santos. Com Carlos
Vereza e Glória Pires. Adaptação do romance autobiográfico de Graciliano Ramos, preso
nos anos 30, durante a ditadura de Getúlio Vargas. O diretor buscou fazer, além da crônica
política, uma reflexão sobre a inutilidade da repressão.
2) Vidas Secas (1963). Direção: Nelson Pereira dos Santos. Com Átila Lório e Maria Ribeiro.
Adaptação do romance de Graciliano Ramos sobre a história dos retirantes – Fabiano, sua
mulher, Sinhá Vitória, os filhos e a cachorra Baleia – que tentam sobreviver em meio à seca
e à miséria do sertão nordestino.
217
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
3 A DRAMATURGIA BRASILEIRA
No Brasil, o teatro como atividade contínua somente se alicerça após a
Independência. No entanto, já no século XVI, os autos jesuíticos fazem parte da
vida cultural da Colônia. Apresentavam enredos relacionados a santos e eram
escritos em duas ou três línguas como forma de viabilizar os intentos catequéticos.
Segundo Coutinho,
218
TÓPICO 2 | A LITERATURA DE GUIMARÃES ROSA,
219
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
Foi a peça Vestido de Noiva uma das responsáveis pelo ingresso do teatro
brasileiro no domínio da literatura. O diretor polonês Ziembinski, considerado
um gênio, engrandeceu ainda mais o texto com a montagem de 140 mudanças de
cena, inúmeros refletores divididos em um palco de três andares, simbolizando a
memória, a realidade e a alucinação. Algo impensável para os padrões da época.
220
TÓPICO 2 | A LITERATURA DE GUIMARÃES ROSA,
221
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
UNI
222
TÓPICO 2 | A LITERATURA DE GUIMARÃES ROSA,
LEITURA COMPLEMENTAR
UM REGIONALISMO UNIVERSAL/CÓSMICO
Ainda que Guimarães Rosa retrate o sertão das Gerais – sul da Bahia,
norte de Minas e norte e nordeste de Goiás – e a gente que ali vive, em particular
matutos, vaqueiros, crianças, velhos, feiticeiros, loucos –, sua obra não prioriza
questões regionais, mas universais.
223
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
O antigo filósofo grego crê que a alma é eterna e, portanto – ainda que não
tenham vigorado em si os parâmetros de perfeição, sejam eles estéticos ou morais
–, têm uma espécie de memória residual daquele plano; e, inconscientemente,
busca voltar, ascender a ele, retomando os referenciais verdadeiros. Essa ascese é
movida, muitas vezes, pela dor, pelo conflito: algo rompe a planura do cotidiano,
conduzindo a personagem a uma crise, que a leva a um confronto consigo mesma
e a um redimensionamento de perspectivas. O resultado desse processo, na obra
de Guimarães Rosa, é sempre positivo.
224
RESUMO DO TÓPICO 2
225
• Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal buscam uma nova linguagem de palco
amparada no apelo popular da música e escrevem, respectivamente, Eles não
usam Black-Tie e Boal, a Revolução da América do Sul.
226
AUTOATIVIDADE
4 Uma das questões exploradas pela crítica do romance Vidas Secas faz
alusão ao fato de os filhos de Fabiano e Sinhá Vitória não terem nomes. Na
sua opinião, por que o autor faz uso de tal recurso?
227
228
UNIDADE 3
TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
Falar de pós-modernismo no Brasil é tarefa complexa, uma vez que a
questão de conceituação desse termo já por si só é problemática, algo que não
pode ser definido como coeso ou unânime, pois, segundo a crítica literária, não
existiu apenas uma tendência pós-moderna, mas várias, e cada uma foi cunhada
num contexto distinto para servir a fins diferentes.
2 A TENDÊNCIA PÓS-MODERNA
A década de 1950 foi marcada pelos experimentos, particularmente, na
poesia. Na época, foi organizado o grupo denominado Noigandres – a flor que
afasta o tédio – que lançava a publicação de uma revista com o mesmo nome. A
palavra foi inspirada em Ezra Pound que, por sua vez, a retirou de uma canção
trovadoresca de Anauld Daniel e significava para o grupo “poesia em progresso”.
229
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
230
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
231
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
232
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
FIGURA 13 – A AVE
Outra tendência foi a poesia práxis, liderada por Mário Chamie (1932),
que surgiu em 1962 pela dissidência do grupo concretista. O representante em
questão enfatizou em seu manifesto que as palavras não são inertes, mas são
dinâmicas e ligadas a um contexto extralinguístico. Segundo Coutinho (2004a,
p. 244), “[...] o poema-práxis é definido, no manifesto, como aquele que organiza
e monta, esteticamente, situada, segundo três condições de ação: a) o ato de
escrever; b) a área de levantamento; c) o ato de consumir”.
233
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
O tolo e o sábio
Ainda por conta dos princípios estabelecidos por Chamie, a poesia práxis
se caracterizou pelo uso de neologismos, sonoridade, expressões estrangeiras,
elementos visuais, semântica e dinamismo das palavras e leituras diversas.
Traduzir-se
235
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
UNI
Em 1969, Gullar foi preso no Rio de Janeiro, com o jornalista Paulo Francis e
os compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil. Livre da prisão, autoexilou-se em Paris, no
Chile, Peru e na Argentina. Foi durante o período de exílio (1971-1976) que Ferreira Gullar
escreveu dois de seus mais conhecidos livros: Dentro da Noite Veloz e Poema Sujo. Além de
poeta, o autor se destaca como ensaísta, crítico de arte, dramaturgo, tendo inúmeras peças
encenadas. (OLIVEIRA, 2000, p. 399).
236
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
Separação
Desmontar a casa
e o amor. Despregar
os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade
das conversas.
O amor não resistiu
às balas, pragas, flores
e corpos de intermeio.
Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.
237
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
UNI
Este e outros poemas foram recitados por Tônia Carrero e estão disponíveis no
CD ROM intitulado Affonso Romano de Sant’Anna por Tônia Carrero – cujos textos foram
retirados da coleção Poesia Falada.
238
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
UNI
Sobre a introspecção, Bosi (1980, p. 390) afirma que “[...] há uma contínua
densidade na experiência existencial e o reconhecimento de uma verdade que
despoja o “eu” das ilusões cotidianas e o entrega a um novo sentido da realidade”.
É uma imersão no interior do narrador-personagem como ocorre com G.H. que
busca, em si mesma, uma identidade e as razões de viver, sentir e amar. Vejamos:
239
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
240
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
Uma Galinha
Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove
horas da manhã.
Foi, pois, uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto voo,
inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um
instante ainda vacilou – o tempo de a cozinheira dar um grito – e em breve
estava no terraço do vizinho, de onde, em outro voo desajeitado, alcançou
um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro
pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de
uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer
esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de
banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou
o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A
perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais
de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a
galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum
auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais
ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.
Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda,
concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e
enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer
por um momento. E então parecia tão livre.
Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz
alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em
triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa
violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos.
241
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
– Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o
nosso bem!
Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com
a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper
a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: “E dizer
que a obriguei a correr naquele estado!” A galinha tornara-se a rainha da casa.
Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos,
usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.
242
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
No conto, nos é apresentada uma família que não considera a galinha como
um ser, mas como uma presa doméstica a ser devorada no almoço de domingo.
Uma galinha que procura a sobrevivência, retomando seu instinto selvagem de
luta e fuga, sendo perseguida, apanhada e presa.
– Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o
nosso bem!.
243
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
– Macabéa.
– Maca – o quê?
– Eu também acho esquisito, mas minha mãe botou ele por promessa
a Nossa Senhora da Boa Morte se vingasse, até um ano de idade eu não era
chamada, não tinha nome, eu preferia continuar a nunca ser chamada em
vez de ter um nome que ninguém tem, mas parece que deu certo – parou um
instante retomando o fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor –
pois como o senhor vê eu vinguei... pois é...
UNI
O nome Macabéa faz alusão a um dos livros dos Macabeus, assim denominados
por causa do apelido do mais ilustre filho de Matatias, Judas, chamado o Macabeu. O
primeiro Livro dos Macabeus teria sido originalmente escrito em hebraico no início do
século I a.C., mas o original se perdeu. O tema geral dos dois livros descreve as lutas dos
judeus, liderados por Matatias e seus filhos, contra os reis sírios e seus aliados judeus, pela
libertação religiosa e política da nação, opondo-se aos valores do helenismo.
244
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
Acho com alegria que ainda não chegou a hora de estrela de cinema
de Macabéa morrer. Pelo menos ainda não consigo adivinhar se lhe acontece
o homem louro e estrangeiro. Rezem por ela e que todos interrompam o que
estão fazendo para soprar-lhe vida, pois Macabéa está por enquanto solta no
acaso como a porta balançando ao vento no infinito. Eu poderia resolver pelo
caminho mais fácil, matar a menina-infante, mas quero o pior: a vida. Os que
me lerem, assim, levem um soco no estômago para ver se é bom. A vida é um
soco no estômago.
245
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
UNI
[...] cada uma das três primeiras correntes se aproxima de uma maneira
ou de outra do código pós-modernista pela ênfase no cotidiano e a
utilização da mídia jornalística no primeiro caso, o questionamento
da lógica racionalista e da estrutura linear da narrativa, no segundo,
e a acentuação da fragmentação do texto e da polifonia de vozes, no
terceiro. (2004c, p. 239).
246
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
Nove Haicais
1
Dou com um perneta na rua e, ai de mim, pronto começo a manquitolar.
2
Uma bandeja inteira de pastéis. Como escolher um deles? São tantos.
– Fácil: deixe que ele te escolha.
3
A tipinha de tênis rosa para o avô que descola um dinheirinho:
– Pô, você me salvou a vida, cara!
4
O inimigo de futebol:
– O meu amor pela Fifi é maior que o amor pelo Brasil.
A doce pequinesa que sofre dos nervos com a guerra da buzina, corneta,
bombinha, foguete.
5
– Sabe o que o João deu para o nenê, filho dele? Meia dúzia de fraldas
e um pião amarelo.
247
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
6
– Casei com uma puta do Passeio Público. Tinha tanto piolho que, uma
noite dormia de porre, botei um pó no cabelo dela. Dia seguinte, lavou a cabeça
e ficou meio cega.
7
De repente a mosca salta e pousa na toalha branca. Você a espanta, sem
que voe – uma semente negra de mamão.
8
Parentes e convidados rompem no parabéns pra você. De pé na cadeira,
a aniversariante ergue os bracinhos:
– Para. Para. Para.
Na mesa um feixe luminoso estraga o efeito das cinco velinhas.
– Mãe, apaga o sol.
9
A chuva engorda o barro e dá de beber aos mortos.
UNI
Penélope
– Queimar.
249
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
Por cima do jornal admira a cabeça querida, sem cabelo branco, os olhos
que, apesar dos anos, azuis como no primeiro dia.
Desde a rua vigia os passos da mulher dentro de casa. Ela vai encontrá-
lo no portão – no olho o reflexo da gravata do outro. Ah, erguer-lhe o cabelo
da nuca, se não tem sinais de dente... Na ausência dela, abre o guarda-roupa,
250
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
enterra a cabeça nos vestidos. Atrás da cortina espiona os tipos que cruzam a
calçada. Conhece o leiteiro e o padeiro, moços, de sorrisos falsos.
Sem prova contra ela, nunca revelou o fim de Penélope. Enquanto lê,
observa o rosto na sombra do abajur. Ao ouvir passos, esgueirando-se na ponta
dos pés, espreita à janela: a cortina machucada pela mão raivosa.
Por que não em casa no sábado, atrás da cortina, dar de cara com o
maldito? Não, sente falta do bilhete. A correspondência entre o primo e ele, o
corno manso; um jogo, onde no fim o vencedor. Um dia tudo o outro revelará,
forçoso não interrompê-la.
251
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
Uma tarde abre a porta e aspira o ar. Desliza o dedo sobre os móveis:
pó. Tateia a terra dos vasos: seca.
Piedade não sente, foi justo. A polícia o manda em paz, longe de casa
à hora do suicídio. Quando sai o enterro, comentam os vizinhos a sua dor
profunda, não chora. Segurando a alça do caixão, ajuda a baixá-lo na sepultura;
antes de o coveiro acabar de cobri-lo, vai-se embora.
252
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
Nesse sentido, podemos nos valer dos estudos do escritor italiano Luigi
Pirandello. Para o autor o humorismo é diferente do cômico, este não leva à
reflexão. É do humor que surge a reflexão e, a partir desta, a representação frente
à realidade passa a ser profunda, pois ao se refletir, abre-se mão do divertimento.
Em citação do próprio autor, em seu ensaio L’umorismo, existe a explicação dessa
diferença:
Vejo uma velha senhora, com os cabelos retintos, [...] toda ela torpemente
pintada e vestida de roupas juvenis. Ponho-me a rir. [...]. Assim posso,
à primeira vista e superficialmente, deter-me nessa impressão cômica.
[...] advertimento do contrário. Mas se agora em mim intervém a
reflexão e me sugere que aquela velha senhora [...] pensa que, assim
vestida, escondendo assim as rugas e as cãs, consegue reter o amor
do marido, muito mais moço do que ela, eis que já não posso mais
rir disso como antes, porque precisamente a reflexão, trabalhando
dentro de mim, me leva a ultrapassar aquela primeira advertência, ou
antes, a entrar mais em seu interior: daquele primeiro advertimento do
contrário ela me fez passar a esse sentimento do contrário. E aqui está
toda a diferença entre o cômico e o humorístico. (PIRANDELLO apud
GUINSBURG, 1999, p. 147).
O Apito
253
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
254
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
– É verdade?
– É – concedeu Dubin.
Fez-se um silêncio de puro espanto. No fim do qual Dubin falou outra
vez:
– Mas também, era cada bucho!
A aliança
Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo.
De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver
com a crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente
Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no terreno mais
baixo das pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo
meu. Fictício, claro.
Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos
os dias à mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já
sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos
dentes, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na
loto ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou
o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos
grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas
o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria,
resignação e reticências... Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o
carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança
escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar
a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na roda de um
carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus
olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde,
entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que diria para a
mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da
mulher antes de ela fazê-las.
255
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
A literatura de nosso país tem, como nos diz Umberto Eco, “um poder
imaterial que de alguma forma pesa”, um convite à leitura por deleite, por
curiosidade de desvendar os segredos da alma, por prazer em apreciar uma forma
“especial” de linguagem que se difere da forma cotidiana e, por isso, chamada de
arte. (ECO, 2002, p. 6).
256
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
257
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
Crônica é uma palavra que encerra vários sentidos, mas todos fazem menção
à noção de tempo. Segundo Moisés (2004), na era cristã, os acontecimentos eram
relatados, em sequência cronológica, sem o aprofundamento das interpretações.
Na Idade Média a crônica atingiu o seu auge, sendo que no Renascimento o termo
foi substituído por história. Na Modernidade, a crônica a priori abordava questões
sociais, políticas e artísticas, e mais tarde o seu conceito passou a aludir o gênero
de fatos literários. “Na verdade, classifica-se como expressão literária híbrida ou
múltipla, de vez que pode assumir a forma de alegoria, necrológio, entrevista,
invectiva, apelo, resenha, confissão, monólogo, diálogo em torno de personagens
reais e/ou imaginárias”. (MOISÉS, 2004, p. 111).
258
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
259
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
FONTE: Adaptado de: SOUZA, Luana Soares de. Explorando texto e horizontes: a estética da
recepção no ensino da literatura. In: Ensino de Língua e Literatura: alternativas metodológicas –
Canoas: Editora ULBRA, 2004. p. 179-197.
260
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
LEITURA COMPLEMENTAR
VISÃO FINAL
261
UNIDADE 3 | MODERNISTAS E PÓS-MODERNISTAS
2. A partir dessa década, o Brasil foi percorrido por uma inquietação renovadora
entre os jovens, que se fazia sentir em toda parte do país. Se a geração de
45 também se preocupa com inovar, em relação ao Modernismo, embora
constituindo antes a terceira fase, por outro lado notam-se os sinais evidentes
de uma ânsia de inovação muito mais radical. Estavam esgotados os cânones
modernistas. Havia que procurar uma saída. E desde o início da década de 50
essa inquietação se fazia sentir, inclusive já com manifestações inequívocas e
precursoras de algo novo a surgir.
262
TÓPICO 3 | A FICÇÃO DE TRANSIÇÃO: MODERNISMO/PÓS-MODERNISMO
263
RESUMO DO TÓPICO 3
264
• Clarice Lispector pertence à seção de escritores ficcionistas, caracterizados pela
preocupação de fazer da literatura e da realidade nacional instrumentos de
trabalho. É lembrada pela tendência intimista moderna da literatura brasileira,
pois suas personagens são perpassadas pela sensibilidade, cujos sentimentos
de solidão, de culpa e de abandono as põem em contato com o mal e a inveja.
265
AUTOATIVIDADE
266
REFERÊNCIAS
ABDALA JUNIOR, Benjamin; CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da
literatura brasileira. São Paulo: Círculo do Livro, 1987.
ALMEIDA, Guilherme de. A dança das horas. São Paulo: Comp. Editora Nacional;
EDUSP, 1928.
ALMEIDA, José Américo de. A bagaceira. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2005.
ANDRADE, Mário de. Macunaíma: um herói sem caráter. Belo Horizonte: Vila
Rica Editoras Reunidas Ltda., 1993.
______. Poesia (Organizado por Dantas Motta). 4. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1992.
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. São Paulo: Letras & Letras, 2003.
ASSIS, João Maria Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Ática, 1998.
______. Memorial de Aires. São Paulo: Escala, 1908.
267
AZEVEDO, Aluísio. Livro de uma sogra. (1895) MINISTÉRIO DA CULTURA –
Fundação Biblioteca Nacional – Departamento Nacional do Livro. Disponível em:
http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/livro_de_uma_sogra.
pdf. Acesso em: 15 fev. 2011.
______. O mulato. 17. ed. São Paulo: Ática, 1998. (Série Bom Livro).
BILAC, Olavo. Os melhores poemas de Olavo Bilac. São Paulo: Global, 1985.
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
______. História concisa da literatura brasileira. 43. ed. São Paulo: Cultrix,
1980.
CAMPOS, Haroldo de. Teoria da poesia concreta. In: OLIVEIRA, Clenir Bellezi
de. Arte literária brasileira. São Paulo: Moderna, 2000.
______. O homem dos avessos. In: Tese e antítese. 4. ed. São Paulo: T. A. Queiroz
Editor, 2000.
268
CARVALHO JÚNIOR, Francisco Antônio de. Hespérides. Belo Horizonte: FALE/
UFMG, 2006.
______. Canções sem metro - introdução. In: POMPEIA, R. Canções sem metro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Fename, 1982.
CUNHA, Euclides da. Os sertões. Edição crítica. São Paulo: Ática, 1998.
IVO, Ledo. O universo poético de Raul Pompeia. Rio de Janeiro: São José, 1963.
JUNKES, Lauro. Poesia de Cruz e Souza: obra completa. Jaraguá do Sul: Avenida,
2008.
269
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981.
LUCAS, Fábio. In: ASSIS, João Maria Machado de. Dom Casmurro. São Paulo:
Ática, 1998.
MARINHO, Jorge Miguel. Dona Carolina. Revista na Ponta do Lápis, São Paulo,
n. 8, CENPEC, 2008.
MELO NETO, João Cabral de. Serial e antes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
MELO NETO, João Cabral de et al. O melhor da poesia brasileira. 10. ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 2005.
MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1999a.
v. 1.
MORAES, Eduardo Jardim de. In: BERRIEL, Carlos Eduardo. Mário de Andrade
hoje. São Paulo: Ensaio, 1990.
MORAES, Vinicius de. Antologia poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960.
______. Nova antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
270
______. História da literatura brasileira – das origens ao romantismo. São Paulo:
Cultrix, 1984.
NICOLA, José de. Literatura brasileira: das origens aos nossos dias. São Paulo:
Scipione, 2003.
OLIVEIRA, Clenir Bellezi de. Arte literária brasileira. São Paulo: Moderna, 2000.
PICCHIA, Menotti Del. Juca Mulato. São Paulo: Confraria Bibliófilos, 1997.
PIGNATARI, Décio. Teoria da poesia concreta. In: OLIVEIRA, Clenir Bellezi de.
Arte literária brasileira. São Paulo: Moderna, 2000.
______. Obras: canções sem metro. (Org.). Afrânio Coutinho. Assistência Eduardo
de Faria Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Fename, 1982. v. 4.
QUEIROZ, Raquel de. O quinze. 74. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 64. ed. Rio de Janeiro: Record, 1993.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1994.
271
______. O missionário. São Paulo: Ática, 1992.
VITOR, Nestor. Cruz e Souza. In: Obra crítica. Rio de Janeiro: Fundação Casa de
Rui Barbosa, 1969. v. 1.
272