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ESTUDOS DA

LITERATURA
BRASILEIRA
ESTUDOS DA
LITERATURA
BRASILEIRA
Admari Cajado

COLEÇÃO FORMANDO EDUCADORES


EDITORA NUPRE
2010
REDE DE ENSINO FTC
William Oliveira
PRESIDENTE

Reinaldo Borba
VICE-PRESIDENTE DE INOVAÇÃO E EXPANSÃO

Fernando Castro
VICE-PRESIDENTE EXECUTIVO

João Jacomel
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EDITORA CHEFE

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CAPA

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Admari Cajado
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SUMÁRIO
1 AS ORIGENS DA NOSSA LITERATURA ........................................................................................ 9
1.1 TEMA 1. ERA COLONIAL ........................................................................................................... 11
1.1.1 CONTEÚDO 1. O QUINHENTISMO: O BRASIL DOS CRONISTAS...................................... 11
1.1.2 CONTEÚDO 2. O BARROCO NO BRASIL......................................................................... 20
1.1.3 CONTEÚDO 3. O ARCADISMO: INDÍCIOS DE UMA LITERATURA ENGAJADA ................. 32
1.1.4 CONTEÚDO 4. PRÉ-ROMANTISMO: ENSAIOS DE UMA LITERATURA NACIONALISTA... 42
MAPA CONCEITUAL.......................................................................................................................... 45
ESTUDO DE CASO ............................................................................................................................. 46
EXERCÍCIOS PROPOSTOS .................................................................................................................. 47
1.2 TEMA 2. ERA NACIONAL........................................................................................................... 55
1.2.1 CONTEÚDO 1. O ROMANTISMO E OS MITOS DE FUNDAÇÃO ....................................... 55
1.2.2 CONTEÚDO 2. O REALISMO E NATURALISMO: FICÇÃO X REALIDADE........................... 80
1.2.3 CONTEÚDO 3. PARNASIANISMO.................................................................................... 86
1.2.4 CONTEÚDO 4. O SIMBOLISMO ...................................................................................... 91
MAPA CONCEITUAL.......................................................................................................................... 97
ESTUDO DE CASO ............................................................................................................................. 98
EXERCÍCIOS PROPOSTOS ................................................................................................................ 103

2 A DIVERSIDADE DA LITERATURA BRASILEIRA.........................................................................111


2.1 TEMA 3. MODERNISTAS E MODERNOS.................................................................................. 113
2.1.1 CONTEÚDO 1. O PRÉ-MODERNISMO: UMA LITERATURA PRECURSORA..................... 113
2.1.2 CONTEÚDO 2. MODERNISMO – 1ª GERAÇÃO: INOVAÇÕES E RUPTURAS .................. 117
2.1.3 CONTEÚDO 3. 2ª GERAÇÃO: CONCRETIZAÇÃO DE PROJETOS.................................... 129
2.1.4 CONTEÚDO 4. MODERNISMO – 3ª GERAÇÃO: A AVENTURA DA LINGUAGEM........... 133
MAPA CONCEITUAL........................................................................................................................ 139
ESTUDO DE CASO ........................................................................................................................... 140
EXERCÍCIOS PROPOSTOS ................................................................................................................ 142
2.2 TEMA 4. TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS ........................................................................... 149
2.2.1 CONTEÚDO 1. TENDÊNCIAS DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA............................... 149
2.2.2 CONTEÚDO 2. A LITERATURA CONTEMPORÂNEA E A DIVERSIDADE CULTURAL ........ 157
2.2.3 CONTEÚDO 3. A LITERATURA ORAL E POPULAR E SUAS APROPRIAÇÕES ................... 163
MAPA CONCEITUAL........................................................................................................................ 167
ESTUDO DE CASO ........................................................................................................................... 168
EXERCÍCIOS PROPOSTOS ................................................................................................................ 171

GLOSSÁRIO ...............................................................................................................................177

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................185
APRESENTAÇÃO

É sempre um prazer falar da Literatura Brasileira. Desta vez nosso estudo será baseado
na historiografia literária, por isso teremos a oportunidade de analisar e refletir sobre aqueles
velhos esquemas utilizados nos livros didáticos do ensino médio que sempre trazem os qua-
dros com períodos literários e escritores e obras representativos.
Como nosso objetivo é apresentar e analisar obras literárias que tenham contribuído pa-
ra a construção de estratégias políticas e culturais da formação de uma comunidade chamada
Brasil optou-se por unir as vertentes históricas e estéticas. Assim percebemos melhor a neces-
sidade de iniciarmos nossos estudos demarcando um ponto de partida. E é justamente aqui,
na tentativa de estabelecer esse ponto zero ou um marco inicial, que nos debruçamos sobre o
primeiro grande problema da Literatura Brasileira: “o que devemos considerar como origem
da nossa literatura: um texto produzido por um brasileiro ou um texto que fale do Brasil?”.
Vários intelectuais investiram na tentativa de responder a essa questão, sobretudo, atra-
vés de estudos sobre a historiografia da literatura brasileira, e suas opiniões são muito diver-
gentes, visto que cada um deles pressupõe a História de um modo diferente.
Toda organização da Literatura Brasileira implica numa escolha de seu organizador, e,
em geral, são essas escolhas que nortearam e formaram um cânone em nossos Estudos Literá-
rios Tupiniquins. Conceitos discutíveis e complexos como “origem”, “a verdadeira literatura
brasileira”, “brasilidade”, “dependência cultural”, entre outros, estão sempre pairando sobre
essas organizações que são, na verdade, histórias da nossa literatura.
Você vai perceber como é fascinante estudar nossos movimentos estéticos e como é
produtivo estabelecer relações entre eles. Não se esqueça de que a literatura brasileira é vasta e,
portanto, difícil de ser abarcada num único livro.
Espero que as reflexões sejam proveitosas e interessantes para a sua formação enquanto
professor. Bom estudo!

Seja bem-vindo (a)!


Profa. Admari Cajado
TEMÁTICO1
BLOCO

AS ORIGENS DA NOSSA LITERATURA


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ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
AS ORIGENS DA NOSSA LITERATURA

1.1
TEMA 1.
ERA COLONIAL

1.1.1
CONTEÚDO 1.
O QUINHENTISMO: O BRASIL DOS CRONISTAS
O estudo das origens da literatura brasileira pode ser feito levando-se em conta duas
vertentes: a histórica e a estética. Você consegue diferenciar um modelo do outro? Então ve-
jamos.
Se nos basearmos no referencial histórico, significa que estamos analisando a literatura
brasileira como uma expressão de cultura baseada na literatura portuguesa, ou como diria
Antonio Candido, a literatura brasileira como um galho menor de uma árvore menor, que
seria a literatura portuguesa.
Devido ao fato de termos sido uma colônia portuguesa, a nossa literatura, por muito
tempo, ficou condicionada à Portugal, às influências de estilo, de temas e até mesmo da pro-
dução tipográfica. Até o período Árcade o Brasil não imprimia suas obras, tudo que era pro-
duzido em nosso país era impresso em Portugal e só depois retornava. Como até bem pouco
tempo eram muito pequenas as diferenças entre a literatura dos dois países, a maioria dos his-
toriadores acabou enaltecendo o processo da formação da nossa literatura a partir das muitas
coincidências formais e temáticas.
Já a vertente estética ressalta as diferenças acumuladas no comportamento nativo e co-
lonizado do homem americano que influíram na composição da obra literária. Ou seja, a cor-
rente estética valoriza o esforço pelo desenvolvimento das formas literárias no Brasil, em bus-
ca de uma expressão própria ou original. Assim, a literatura, ao invés de períodos
cronológicos estanques, como séculos e décadas, deverá ser dividida, desde o seu “nascimen-

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ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
to”, de acordo com os estilos correspondentes às suas diversas características, do Quinhentis-
mo até os tempos contemporâneos.
O período colonial de nossa literatura nos fornece subsídios para entender a divisão di-
dática feita por nossos historiadores, na tentativa de organizar a produção literária brasileira
em movimentos “estéticos”. Esse formato seguiu uma tendência geral da cultura ocidental,
calcado no modelo europeu de origem e evolução das obras de arte.
A divisão que fazemos em eras para a literatura brasileira está apoiada na História do
Brasil, quando pensada sob o ponto de vista da colonização portuguesa. Assim, temos a Era
Colonial e a Era Nacional, separadas por um período de transição, que corresponde à Inde-
pendência do país. Estudaremos essas eras a partir das escolas literárias ou estilos de época.
Para fins didáticos adotaremos a Era Colonial, que abrange os períodos Quinhentista,
Barroco e Árcade em oposição ao período Nacional, que por sua vez, envolve o Romantismo,
o Realismo, o Naturalismo, o Parnasianismo, o Simbolismo, o Modernismo e a literatura con-
temporânea.
O processo de colonização nos coloca diante de um problema para estabelecer um mar-
co para a nossa literatura, pois na verdade não tínhamos “brasileiros” escrevendo e sim o “es-
trangeiro”, o colonizador português. Sendo assim, referimo-nos a estes escritos da Era Coloni-
al como literatura "no" Brasil – uma literatura ligada ao Brasil, mas que denota as ambições e
as intenções do homem europeu.
Diante da dificuldade de estabelecer um ponto de partida para os estudos da Literatura
Brasileira, A Carta de Caminha, surge como um marco inicial em potencial, pois teria sido um
dos primeiros registros escritos sobre o Brasil e em terras brasileiras de que temos notícias.
Segundo Guillermo Giucci (2003, p.50), em Uma carta: império e nação: Conhecem-se três
relatos de testemunhas sobre o descobrimento da terra de Vera Cruz – a Carta de Pero Vaz de
Caminha, a Carta do Mestre João Faras e a Relação do Piloto Anônimo.
Mas, a qual período literário pertence à Carta e todos estes relatos descritivos? À cha-
mada Literatura de Informação ou Quinhentismo brasileiro.
A Literatura de Informação ou Quinhentismo pode ser definida como o conjunto de
cartas e impressões de viagens produzidas pelo europeu acerca do Brasil. São textos que des-
crevem a vida no Brasil, seu clima, vegetação, riquezas, habitantes e por isso são tão importan-
tes, pelo seu valor histórico.
Assim, podemos afirmar que a literatura informativa é reflexo das grandes navegações.
Nos textos deste período, percebe-se claramente o empenho dos cronistas em fazer um levan-
tamento da terra nova, de sua flora, fauna, de sua gente, tendo, portanto, características de
uma literatura descritiva.
Dentre as principais obras escritas no século XVI destacam-se:

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ADIMARI CAJADO
• A Carta, de Pero Vaz de Caminha, escrita em 1500;
• O Diário de Navegação, de Pero Lopes de Sousa, escrito entre os anos 1530 e 1532,
durante a expedição de Martim Afonso de Sousa;
• O Tratado descritivo do Brasil em 1587, de Gabriel Soares de Sousa, publicado em
1851;
• A História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil e O Tra-
tado da terra do Brasil, de Pero de Magalhães Gândavo (ou Gângavo), em 1576;
Narrativa epistolar e os Tratados da terra e da gente do Brasil, de Fernão Cardim,
em 1583;
• Diálogos das grandezas do Brasil de Ambrósio Fernandes Brandão, em 1618;
• As Cartas dos missionários jesuítas nos dois primeiros séculos de catequese;
• O Diálogo sobre a conversão dos gentios do padre Manuel da Nóbrega;
• História do Brasil, de Frei Vicente do Salvador, em 1627.

As muitas outras obras, mesmo que escritas no século XVI só começam a ser conhecidas
posteriormente. Surgem os Diálogos das Grandezas do Brasil (1618), atribuídos a Ambrósio
Fernandes Brandão, e a História do Brasil (1627), de Frei Vicente do Salvador. Outro nome
que se destaca nessa época é o José de Anchieta, com os seus autos, como o de Na Festa de São
Lourenço, que teria sido representado pela primeira vez, em Niterói (RJ), em 1583.

Nesta ilustração podemos observar uma espécie de mapa do Brasil nos primeiros tem-
pos da colonização na qual vemos uma ilustração da primeira missa e a caravela chegando.
Ícones do período colonial brasileiro, quando a metrópole pretendia extrair toda e qual-
quer riqueza de nossas terras, escravizar o indígena e submetê-lo ao seu mundo cristão e
civilizado.

FONTE: HTTP://WWW.PORTUGAL-LINHA.PT/BRASIL500/MAPA.JPG

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ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
A Carta, de Pero Vaz de Caminha, considerada o primeiro documento da literatura no
Brasil, as principais crônicas da literatura informativa datam da segunda metade do século
XVI, pois a colonização só pode ser contada a partir de 1530, com as primeiras expedições
exploratórias. Guillermo Giucci, em Uma carta: império e nação, diz que:

Em nenhum dos relatos aparece uma noção clara da geografia: pode tratar-se
tanto de uma ilha como de terra firme. Uma outra característica comum aos
três relatos é a ausência da mediação de um código verbal de comunicação
com os indígenas. Não há tradutores nem tradução. Na narrativa a descober-
ta o olhar se insere num espaço físico e social desconhecido sem contar com
o apoio do diálogo. Este fato, freqüente nas fases iniciais dos encontros cul-
turais quinhentistas, coloca-nos diante de um viajante que não vivencia a ex-
periência no sentido antropológico. A informação proporcionada pelas tes-
temunhas não deriva, em sentido estrito, da vivência entre os nativos [...] e
sim da organização seletiva dos elementos captados pela visão: gestos, sinais,
sons e movimentos ocupam o lugar do diálogo. (GIUCCI. 2003, p. 50-51)

Mas A Carta ainda nos coloca diante de um outro impasse: o que define um texto co-
mo literário? Na tentativa de explicar a questão, o professor Carlos Faraco (2002) cita um
trecho de Miguel de Cervantes, escritor espanhol (1547-1616), que dizia o seguinte:

Uma coisa é escrever como poeta, outra como historiador: o poeta pode con-
tar ou cantar coisas não como foram, mas como deveriam ter sido, enquanto
o historiador deve relatá-las não como deveriam ter sido, mas como foram,
sem acrescentar ou subtrair da verdade o que quer que seja. (CERVANTES
apud FARACO, 2002, 32).

FONTE: HTTP://ORBITA.STARMEDIA.COM/~VOYAGERB/CARTA.JPG

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ADIMARI CAJADO
Como você pode perceber no trecho de Miguel de Cervantes que abre este tema, o que
se diz a respeito do poeta vale também para o romancista, o contista, o novelista, enfim, para
qualquer criador de arte. E é como se o que ele disse a respeito do historiador valesse para o
jornalista, o pesquisador, o cientista, ou seja, para todos aqueles que têm de relatar as coisas
como elas realmente aconteceram.
Na literatura, o escritor inventa, cria um mundo que não existia antes do texto ter sido
escrito. Esse mundo pode assemelhar-se ao mundo real, mas não tem obrigação de corres-
ponder exatamente a ele. Sendo assim podemos definir a ficção como o resultado da imagina-
ção, da invenção, da fantasia de alguém.
Não se esqueça de que ao criar o mundo ficcional, o escritor utiliza basicamente à mes-
ma língua empregada pelo cientista, pelo historiador, pelo jornalista, pelo falante comum. No
entanto, a maneira de empregar essa língua é bem diferente. O escritor dispensa a ela deter-
minados cuidados, emprega recursos com o objetivo de chamar a atenção para a própria lín-
gua.
Felizmente ou não, hoje já sabemos que o trabalho do historiador é também orientado
por suas escolhas, seu ponto de vista, e não exatamente por um retrato fiel da realidade.
Por isso, devemos ter em mente que o objetivo da História da Literatura é o conheci-
mento organizado:

a) da origem da literatura de um país;


b) dos temas principais dessa literatura;
c) da relação dos textos literários com a realidade social daquele país.

A literatura faz parte da História, assim como todas as criações culturais do homem. Ela
se relaciona com o momento histórico em que o texto foi criado.
O trabalho do historiador e do poeta – antes era considerado distintos –, graças às inter-
venções de filósofos como Nietzsche, Foucault e Benjamin, entre outros, já não o são. Por isso,
A Carta, que poderia ter apenas valor documental, adquire também valor estético e passa a ser
tratada como primeiro texto da literatura brasileira. Nela está expressa boa parte do imaginá-
rio quinhentista português acerca do Brasil. Segundo Eneida Leal Cunha, em Ainda a Carta de
Caminha (1995):

Na tradição dos estudos da História da Literatura Brasileira, a Carta de Ca-


minha chegou a estimular algumas polêmicas. Conhecida, lida e relida desde
os primeiros momentos de empenho em construir a historiografia literária,
na perspectiva nacional e moderna aqui instaurada nos meados do século
XIX, ainda em décadas recentes deste século historiadores da literatura deba-
tem-se com a questão fundamental de identificá-la como marco inicial para a
série de textos que, segundo eles, progressivamente, teriam se particulariza-

15
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
do, dando expressão às peculiaridades da colônia em detrimento da hege-
monia metropolitana. Entre os marcos de origem cogitados, a carta de Ca-
minha sempre comparece, acompanhada de ressalvas óbvias: a carta não é
um texto literário, movido por uma força estética; é documento, e a sua in-
clusão na história da literatura se deve, apenas, ao assunto tratado – a descri-
ção da nova terra – e ao tom dominante dessa descrição – o deslumbramento
do europeu que produz o elogio da natureza e do exotismo dos habitantes de
além-mar. (CUNHA, 1995, 11-12).

FONTE: HTTP://WWW.ACHETUDOEREGIAO.COM.BR/ATR/ATR.GIF/PEROVAZDECAMINHA.JPG

Assim, é preciso refletir e repensar a questão do “achamento do Brasil”, bem como ana-
lisar e discutir as releituras dos 500 anos de Brasil, atentando para as imagens criadas por esse
imaginário quinhentista português, ou seja, revendo as cenas do Brasil em textos coloniais
apresentados pelos cronistas.
O propósito de Caminha ao escrever A Carta é dar conta dos acontecimentos que en-
volvem o 22 de abril de 1500, a provável “data de nascimento” do Brasil. O texto da carta mos-
tra claramente o duplo objetivo, de explorar e catequizar, que, segundo Caminha, impulsiona-
va os portugueses para as aventuras marítimas, isto é, a conquista dos bens materiais e a
dilatação da fé cristã.
A principal característica desses escritos é a exaltação da terra, resultante do encanto do
europeu diante do exotismo e da exuberância de um mundo tropical, e facilmente comprova-
da pelo uso exagerado de adjetivos. A Carta representa o primeiro contato do colonizador
com e da terra e elementos da terra a ser colonizada.
Assim como as demais narrativas de viagem, as principais características da carta são: a
descrição minuciosa da nova realidade; simplicidade no narrar os acontecimentos; disposição
humanista de tentar entender os nativos; e pregação do ideal salvacionista. Para fins de análi-
se, selecionamos alguns trechos da Carta que merecem atenção. Vejamos:

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ADIMARI CAJADO
ESPÍRITO DE FIDELIDADE E SUBMISSÃO AO REI
Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vos-
sa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação a-
chou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu me-
lhor puder, ainda que – para o bem contar e falar – o saiba pior que todos fazer.

FONTE: CASTRO, Silvio. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM,
1996.

Neste trecho, Caminha deixa claro que não é o único a dar notícias ao Rei sobre o a-
chamento da nova terra. Hoje, sabe-se que ela é sobrevivente de um incêndio em Lisboa, em
1580, juntamente a outros dois textos: a relação do piloto anônimo e a carta do mestre João
Farás.

NATIVISMO
A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes
bem-feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de encobrir ou
mostrar suas vergonhas, e nisso têm tanta inocência como têm em mostrar o rosto. Acerca
disso são de grande inocência.

FONTE: CASTRO, Silvio. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM,
1996.

Aqui percebemos algumas descrições físicas dos índios e, talvez, sob o efeito de estra-
nhamento e encantamento, Caminha faz questão de detalhar as vergonhas das índias.

INTERESSE SEXUAL PELAS ÍNDIAS


“... Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos
muito pretos e compridos pelas espáduas, e suas vergonhas iam tão altas e tão saradinhas e
tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergo-
nha...”.

FONTE: CASTRO, Silvio. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM,
1996.

Apesar de andarem juntos homens e mulheres, o que mais chama a atenção de Caminha
são as mulheres. Até parece um convite ao Rei e a todos os homens estrangeiros.

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ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
UFANISMO E PREOCUPAÇÃO MERCANTILISTA
“... Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou
muito com elas e lançou-as ao pescoço. Depois, tirou-as e enrolou-as no braço e acenava
para a terra e então para as contas e para o colar do capitão, como dizendo que dariam ou-
ro por aquilo. Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de
metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e tem-
perados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os acháva-
mos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a
aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!...”.

FONTE: CASTRO, Silvio. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM,
1996

A nova terra se tornaria de grande importância se fosse comprovado desde já a presença


de pedras preciosas e ou outras fontes lucrativas. Caso não se confirmasse à presença desses
bens preciosos, ainda assim a nova terra merecia atenção, pois se tratava de uma terra fértil e
produtiva.

PREOCUPAÇÃO EM CATEQUIZAÇÃO INDÍGENA


“... Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nos-
sa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as apa-
rências...”.

FONTE: CASTRO, Silvio. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM,
1996.

Diante de seu valor histórico e documental, A Carta de Pero Vaz de Caminha tornou-se
também uma referência, sobretudo para os escritores e artista modernos.
No Quinhentismo, o que se demonstrava era o momento histórico vivido pela Península
Ibérica, que abrangia uma literatura informativa e uma literatura dos jesuítas, como principais
manifestações literárias no século XVI. Quem produzia literatura naquele período estava com
os olhos voltados para as riquezas materiais (ouro, prata, ferro, madeira, etc.), enquanto a lite-
ratura dos jesuítas se preocupava com o trabalho de catequese. A catequese é uma das princi-
pais preocupações do colonizador, afinal isso facilita o processo de subordinação.
Em seu livro “O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil
colonial”, Laura de Mello Souza (1986) discorre sobre a transposição das viagens imaginárias

18
ADIMARI CAJADO
às viagens reais, ou seja, como as crônicas dos viajantes tendem a projetar o que se ouviu dizer
e não exatamente o que viram.

Natureza edênica, humanidade demonizada e colônia vista como purgatório


foram formulações mentais com que os homens do Velho Mundo vestiram o
Brasil nos seus três primeiros séculos de existência. Nelas, fundiram-se mi-
tos, tradições européias seculares e o universo cultural os ameríndios e afri-
canos. Monstro, homem selvagem, indígena, escravo negro, degredado, co-
lono que trazia em si as mil faces dos desconsiderado homem americano, o
habitante do Brasil colonial assustava os europeus, incapazes de captar sua
especificidade. Ser híbrido, multifacetado, moderno, não poderia se relacio-
nar com o sobrenatural senão de forma sincrética. (SOUZA, 1986, 84-85)

A Carta não foge a esse “padrão”, que será seguido, com mais detalhes, é claro pelos
cronistas, uma vez que esses autores tiveram mais tempo para análise e descrição de suas via-
gens.
Um fato importante precisa ser destacado quando falamos desses “detalhes” todos des-
critos. Precisamos entender que para o homem seiscentista não havia as maravilhas tecnológi-
cas que hoje dispomos como as possibilidades de transmissão ao vivo, fotografia, filmadoras
etc., a fim de transmitir as informações sobre a colônia em tempo real e com auxílio de ima-
gens. Todos os estudos científicos daquela época eram realizados com base nos documentos
reunidos pelos viajantes. Os grupos formados em cada expedição eram constituídos de artistas
e cientistas para que pudessem descrever e catalogar a fauna e a flora das colônias. Vejamos
uma das descrições feitas por Gândavo:

PLANTAS
Primeiramente tratarei da planta e raiz de que os moradores fazem seus mantimentos
que lá comem em logar de pão. A raiz se chama mandioca, e a planta de que se gera he de
altura de hum homem pouco mais ou menos. Esta planta nam he muito grossa, e tem mui-
tos nós: quando a querem plantar em alguma roça cortão-na e fazem-na em pedaços, os
quais metem debaixo da terra, depois de cultivada, como estacas, e dahi tornão arrebentar
outras plantas de novo: e cada estaca destas cria três ou quatro raízes e dahi pera cima (se-
gundo a virtude da terra em que se planta) as quaes põem nove ou dez meses em se criar:
salvo em Sam Vicente que põem três anos por causa da terra ser mais fria.

FONTE: GÂNDAVO, Pero de Magalhães. História da Província Santa Cruz. 1980

19
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
"IPUPIARA", MONSTRO MARINHO QUE TERIA SIDO MORTO NA CAPITANIA DE SÃO VICENTE EM 1564.

FONTE: HTTP://WWW.SENADO.GOV.BR/JORNAL/IMAGEMVER.ASP?CODIMAGEM=148452

Através do relato de Gândavo, observamos a caracterização minuciosa da mandioca, a-


tendendo aos interesses comerciais do colonizador e dessas expedições. Num misto de fantasia
das viagens imaginárias e do olhar exótico, as curiosidades saltam aos olhos dos cronistas.
Mais uma vez, Gandavo relata a aparição do "ipupiara" ou demônio da água, que seria um
monstro marinho morto na capitania de São Vicente em 1564.
A natureza paradisíaca, juntamente com todas as promessas de enriquecimento
na nova terra, tornou-se o incentivo mais atraente para que os portugueses viessem
tentar a vida em terras brasileiras.
Enfim, existem muitos aspectos interessantes sobre o Brasil colonial registrados pelos
cronistas e que são sempre utilizados como referência bibliográfica para diversos estudos so-
bre esse período. Vale reforçar que a importância destes não recai sobre o seu valor estético,
mas sim pelo seu valor histórico, pois são os primeiros testemunhos da nossa história.

1.1.2
CONTEÚDO 2.
O BARROCO NO BRASIL
A igreja católica, motivada em combater a Reforma e recuperar seus fiéis estabelece no
Concílio de Trento, 1545, a oposição definitiva entre os princípios da Igreja de Roma e o re-
formismo luterano. Assim se configura um movimento conhecido como Contra-Reforma, no
qual a Igreja de Roma dá início a um duro combate contra os hereges.
Segundo Rubem Barboza Filho (2000), o século do Barroco é um tempo de experiências
distintas de vivência religiosa, todas interessadas em restaurar o poder configurativo e coesivo
das crenças do cristianismo. A sensibilidade barroca admite a fratura entre as ordens do trans-

20
ADIMARI CAJADO
cendente e do imanente, a distância aparentemente invencível entre o sagrado e o temporal.
Segundo ele, a explicação para tal ocorrência é a de que:

O século XVII rompe definitivamente com as estratégias e modelos de valo-


rização do homem típicos da Antiguidade, renovados pelo humanismo re-
nascentista e centrados no antropocentrismo. Ao mesmo tempo, afasta-se da
cálida imaginação medieval do kósmos como um universo pequeno e aco-
lhedor, que aproximava o temporal do transcendente e permitia tanto a pro-
dução de grandes sínteses racionalizadoras quanto uma religiosidade fresca e
simples. A ampliação do orbis terrarum e a descoberta da infinidade do uni-
verso – processos que torturavam a velha noção de espaço – explodiram a
imaginação destes kósmos estreito como domicílio construído por Deus para
o homem. O Barroco registra com clareza e decisão esta nova atitude diante
do mundo. Sua temática já não será mais a afirmação do homem como cen-
tro orgulhoso do universo, ou como o filho querido de um Deus generoso e
benevolente, em marcha para a redenção. As agulhas de sua sensibilidade es-
tarão dirigidas para expressar uma subjetividade em solidão e desamparo,
tema pascaliano e caracteristicamente barroco. Num universo de abóbodas
infinitas, o homem se sente só de repente e o Barroco é a expressão desespe-
rada desta solidão, dessa trágica dissolução dos velhos e metafísicos sentidos
para a vida. (BARBOZA FILHO, 2000, 317)

Essa crise será expressa pelo Barroco. A imagem da vida harmoniosa do homem renas-
centista desfaz-se na angústia e no caos. A realidade perde a sua coerência, os fundamentos do
mundo se desmancham. O indivíduo vê-se envolvido em muitas contradições. Oscila entre o
espiritualismo religioso dos novos tempos e a vivência humanista do Renascimento. Orgulha-
se de si mesmo e, logo depois, percebe-se pequeno, fugaz, frágil.
Na tensão de elementos contrários perde todas as certezas. "O que é certo?", "O que é
justo?", "O que é verdadeiro?" Perde também a sua identidade. "Quem sou eu?". O Hamlet, de
Shakespeare, se exaspera: "to be or not to be?"
O Barroco procura solucionar os dilemas de um homem que perdeu sua confiança ilimi-
tada na razão e na harmonia, mediante a volta a uma intensa religiosidade medieval e da eli-
minação dos conceitos renascentistas de vida e arte. Em parte, isso não é atingido e as contra-
dições prosseguiriam. O quadro abaixo pode esclarecer melhor o fenômeno.

RENASCIMENTO BARROCO
Recusa os valores religiosos e artísticos da Tenta inutilmente conciliar a visão medieval
Idade Média; da vida e da arte com a visão renascentista.

21
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Assim, percebe-se que o Renascimento e o Barroco diferem quanto aos objetivos.
Veja que todo o rebuscamento que aflora na arte barroca é refluxo do dilema, do confli-
to entre o terreno e o celestial, o homem e Deus (antropocentrismo e teocentrismo), o pecado
e o perdão, a religiosidade medieval e o paganismo renascentista, o material e o espiritual, que
tanto atormenta o homem do século XVII. A arte assume, assim, uma tendência sensualista,
caracterizada pela busca do detalhe num exagerado rebuscamento formal.
Podemos notar dois estilos no barroco literário: o Cultismo e o Conceptismo.
• Cultismo: é caracterizado pela imagem rebuscada, culta, extravagante; pela valori-
zação do pormenor mediante jogos de palavras, com visível influência do poeta es-
panhol Luís de Gôngora; daí o estilo ser também conhecido por Gongorismo.
• Conceptismo: é marcado pelo jogo de idéias, de conceitos, seguindo um raciocínio
lógico, racionalista, que utiliza uma retórica aprimorada. Um dos principais cultores
do Conceptismo foi o espanhol Quevedo, do qual deriva o termo Quevedismo.

Importante ressaltar que embora a estética barroca tenha se expandido pela Europa, a
visão de mundo na península ibérica ainda difere dos demais paises europeus, por conta das
questões religiosas. Pois, enquanto o protestantismo que se disseminava permitia uma aceita-
ção das “verdades” sobre a imensidão do universo, os países ibéricos ainda se mantinham pre-
sos ao Catolicismo, que não admitia tais afirmações.
Surgido na Europa no século XVII, o Barroco foi trazido para América portuguesa. Ao
chegar ao Brasil foi reinterpretado e adaptado às condições socioculturais a partir do contato
com os grupos sociais existentes, índios, africanos e reinóis.
O Barroco no Brasil tem seu marco inicial em 1601, com a publicação do poema épico
"Prosopopéia", de Bento Teixeira:

Cantem Poetas o Poder Romano,


Sobmetendo Nações ao jugo duro;
O Mantuano pinte o Rei Troiano,
Descendo à confusão do Reino escuro;
Que eu canto um Albuquerque soberano,
Da Fé, da cara Pátria firme muro,
Cujo valor e ser, que o Ceo lhe inspira,
Pode estancar a Lácia e Grega lira.

FONTE: TEIXEIRA, Bento. Prosopopéia. Disponível em:


< http://www.folhetim.com.br/folhetim/autclass.php?id=10> Acesso em: 01 jan. 10

22
ADIMARI CAJADO
O poema introduz definitivamente o modelo da poesia camoniana em nossa literatura,
estende-se por todo o século XVII e início do XVIII e mantêm as mesmas características do
resto do mundo. Antes do texto de Bento Teixeira, os sinais mais evidentes da influência da
poesia barroca no Brasil surgiram a partir de 1580 e começaram a crescer nos anos seguintes
ao domínio espanhol na Península Ibérica, já que é a Espanha a responsável pela unificação
dos reinos da região, o principal foco irradiador do novo estilo poético. Não podemos esque-
cer que neste período Portugal estava sob domínio espanhol.

O quadro brasileiro se completa no século XVII, com a presença cada vez mais forte
dos comerciantes, com as transformações ocorridas no Nordeste em consequência das in-
vasões holandesas e, finalmente, com o apogeu e a decadência da cana-de-açúcar.

O ENGENHO, TELA DE FRANS POST

FONTE: HTTP://EDUCATERRA.TERRA.COM.BR/LITERATURA/BARROCO/BAR_ENGENHO.JPG

Vejamos algumas de suas principais características:


• Culto do contraste: o poeta barroco se sente dividido, confuso. Por isso, o emprego
de antíteses.
• Pessimismo: devido a tensão (dualidade), o poeta barroco não tinha nenhuma
perspectiva diante da vida.
• Literatura moralista: a literatura tornou-se um importante instrumento para edu-
car e para "pregar" por parte dos religiosos (padres).

Principais representantes no Brasil


Padre Antônio Vieira
Vieira nasceu em Lisboa em 1608. Com sete anos veio para a Bahia; em 1632 entrou pa-
ra a Companhia de Jesus. Após a Restauração (1640), movimento pelo qual Portugal liberta-se
do domínio espanhol, retornou à terra natal, saudando o rei D. João IV, de quem se tornaria

23
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
confessor. Politicamente, Vieira tinha contra si a pequena burguesia cristã, por defender o
capitalismo judaico e os cristãos-novos; os pequenos comerciantes, por defender um monopó-
lio comercial; os administradores e colonos, por defender os índios. Essas posições, princi-
palmente a defesa dos cristãos-novos, custaram a Vieira uma condenação pela Inquisição:
ficou preso de 1665 a 1667. Faleceu em 1697, no Colégio da Bahia.
A nacionalidade de Vieira divide opiniões, por conta do papel importante e decisivo que
teve durante a Restauração. Ele é considerado o principal responsável por garantir economi-
camente este processo, graças ao trabalho diplomático que fez junto aos demais paises euro-
peus diante dos chamados cristãos novos. Sendo assim, a sua obra será analisada na disciplina
Estudos da Literatura Portuguesa.

Gregório de Matos

FONTE: HTTP://WWW.CCE.UFSC.BR/~NUPILL/LITERATURA/GREGORIO.JPG

Nascido na Bahia, provavelmente a 20 de dezembro de 1633, Gregório de Matos firmou-


se como o primeiro poeta brasileiro. Após os primeiros estudos no Colégio dos Jesuítas, foi
para Coimbra (Portugal), onde se graduou em Direito. Formado, viveu alguns anos em Lisbo-
a, exercendo a profissão; por suas sátiras foi obrigado a retornar à Bahia. Em sua terra natal,
foi convidado a trabalhar com os jesuítas no cargo de tesoureiro-mor da Companhia de Jesus.
Mas novamente suas sátiras o fizeram abandonar os padres e, mais tarde, foi degredado para
Angola. Já bastante doente, retornou ao Brasil, mas sob duas condições: estava proibido de
pisar em terras baianas e de apresentar suas sátiras.
A obra poética de Gregório de Matos é vasta e desigual e, na maioria das vezes, de duvi-
dosa autoria. Afrânio Peixoto, ao tentar fazer uma edição crítica de seus poemas, não conse-
guiu recolher uma série deles, pois estavam dispersos em bibliotecas ou conservados pela tra-
dição popular. O estudiosos acreditam que muitos dos versos atribuídos ao poeta baiano
certamente foram escritos por autores anônimos, assim como muitos textos criados pelo "Bo-
ca do Inferno" perderam-se para sempre.

24
ADIMARI CAJADO
Gregório de Matos sente a oscilação da alma barroca entre o mundo terreno e a perspec-
tiva da salvação eterna. Graças ao movimento da Contra-Reforma, até meados do século
XVIII, nenhum homem de letras pode fugir a uma educação contra-reformista, pois os jesuí-
tas controlam todo o sistema de ensino. Desta forma, expressar-se só seria possível dentro dos
preceitos da Companhia de Jesus, o que acontece com o futuro poeta.
Gregório apresenta uma visão cindida das relações amorosas, seguindo o modelo dos
barrocos espanhóis. Seus poemas ora tendem a uma concepção petrarquista, ou seja, à ideali-
zação dos afetos em linguagem elevada; ora a uma abordagem crua e agressiva da sexualidade
em linguagem vulgar. Vejamos como se configuram as duas concepções de amor para o poeta:

A) O amor elevado
Essa perspectiva é apresentada num dos sonetos dedicados a D. Ângela, possível objeto
da paixão do poeta e que o teria rejeitado por outro pretendente.

A D. ÂNGELA
Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente*
Em quem, senão em vós, se uniformara?

Quem vira uma tal flor, que a não cortara,


De verde pé, da rama florescente?
A quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus o não idolatrara?

Se pois como Anjo sois dos meus altares,


Fôreis o meu custódio*, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo que tão bela, e tão galharda,


Posto que* os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

FONTE: MATOS, Gregório. A D. Ângela. Disponível em:


http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/sala_de_aula/portugues/literatura_brasil
eira/autores/lirica> Acesso em: 10 dez. 09)

25
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
B) O amor obsceno-satírico
Na poesia obscena-satírica, Gregório de Matos não apresenta qualquer requinte volup-
tuoso. Sua visão do amor físico é agressiva e galhofeira. Quer despertar o riso ou o comentário
maldoso da platéia. Por isso, manifesta desprezo pela concepção cristã do amor que envolve a
camada espiritual, e exalta características eróticas.
A poesia de Gregório de Matos, independentemente do estilo, está profundamente enra-
izada na realidade brasileira, especialmente em duas vertentes: a erótica e satírica, que docu-
mentam os costumes e a vida moral, social e política da capital da colônia. Ninguém escapa à
sua crítica: padres, freiras, militares, funcionários do governo, comerciantes, proprietários de
terra, nobres, judeus, aventureiros, escravos e índios. Todos esses são personagens do vasto
painel composto pelo poeta, que descrevia sua terra tal como era, sem retoques.

VISTA GERAL DA CIDADE, 1624

FONTE: HTTP://3.BP.BLOGSPOT.COM/_0F7PVHNJ_XW/RZHCTZYETEI/AAAAAAAAAOM/PPOD697LUDU/S400/1624CIDADE.JPG

Quando retorna ao Brasil, em 1682, Gregório de Matos encontra uma sociedade em cri-
se. A decadência econômica torna-se visível: o açúcar brasileiro enfrenta a concorrência do
açúcar produzido nas Antilhas e seu preço cai. Além disso, uma nova camada de comercian-
tes, formada essencialmente por portugueses, acumula riquezas com a exportação e importa-
ção de produtos. Esta nova classe abastada humilha aqueles que se julgam bem nascidos, mas
que, dia após dia, perdem seu poder econômico e seu prestígio. O crítico José Miguel Wisnik
em Poemas escolhidos de Gregório de Matos capta bem o estado de espírito do poeta:

Portugal e Brasil, as referências de Gregório. Portugal da Restauração: a


mentalidade jesuítica, a Contra-Reforma e a consciência dividida entre a mo-

26
ADIMARI CAJADO
ral pública, ascética, e a prática sensual, privada; as agudezas conceptistas, os
labirintos formais do cultismo, o pessimismo do desengaño pós-
renascentista. Nas brechas de tudo isso, a tradição da sátira portuguesa, gros-
sa, palavrosa, a desancar desbocadamente os desafetos, a devassar a prática
sexual dos conventos. Esse mundo, o da Metrópole, superpõe-se, bem e mal,
à Colônia do engenho em crise, da afluência de uma burguesia comercial en-
riquecida que aspira à nobreza, dos mulatos “metediços” aos olhos do bran-
co, da sensualidade à solta relatada copiosamente pelas Visitações do Santo
Ofício. (WISNIK. 1989, p. 13)

A situação deixou Portugal em profunda decadência. O período áureo das grandes na-
vegações esvaiu-se e juntamente com ele as suas riquezas. Para sustentar o luxo da metrópole,
os tributos na colônia se tornavam cada vez mais pesados e as restrições comerciais também.
Toda a situação de ruína que a cidade apresenta será trabalhada em seus poemas. O poe-
ta denuncia, registrando os pontos de tensão existente na colônia. Vejamos o poema:
Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em todos os membros,
e inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia.

EPÍLOGOS
Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

O demo a viver se exponha,


Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.
Quem a pôs neste socrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.

Quais são seus doces objetos?... Pretos.


Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.

27
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao Demo o povo asnal,
Que estima por cabedal,
Pretos, mestiços, mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos.


Quem faz as farinhas tardas?... Guardas.
Quem as tem nos aposentos?... Sargentos.

Os círios lá vem aos centos,


E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.

E que justiça a resguarda?... Bastarda.


É grátis distribuída?... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?... Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa


O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.

Que vai pela clerezia?... Simonia.


E pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha?... Unha

Sazonada caramunha,
Enfim, que na Santa Sé
O que mais se pratica é
Simonia, inveja e unha.

E nos frades há manqueiras?... Freiras.


Em que ocupam os serões?... Sermões.
Não se ocupam em disputas?... Putas.
Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,

28
ADIMARI CAJADO
Que as lidas todas de um frade

São freiras, sermões e putas.

O açúcar já acabou?... Baixou.


E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.
Logo já convalesceu?... Morreu.

À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal cresce,
Baixou, subiu, morreu.
A Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não quer.
É que o Governo a convence?... Não vence.

Quem haverá que tal pense,


Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.

FONTE: MATOS, Gregório de. Epílogos. Disponível em:


< http://www.jornaldepoesia.jor.br/gregoi01.html> Acesso em:10 dez.

Com seu olhar ressentido de senhor decadente, Gregório de Matos vê na realidade ape-
nas corrupção, negociata, oportunismo, mentira, desonra, imoralidade, completa inversão de
valores. A poesia satírica, portanto, para ele é vingança contra o mundo.
Gregório tem consciência das inimizades e ódios gerados pelos seus poemas, mas a ne-
cessidade de exprimir o que pensa são maiores e por isso não se cala, em hipótese alguma,
levando a sua condição de poeta como um sacerdócio. Apesar das denuncias que os poemas
faz de modo não seletivo, admite a presença de um inimigo maior e comum a todos: o capita-
lismo.

À BAHIA
Tristes sucessos, casos lastimosos,
Desgraças nunca vistas, nem faladas,
São, ó Bahia! vésperas choradas

29
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
De outros que estão por vir mais estranhosos:

Sentimo-nos confusos, e teimosos,

Pois não damos remédios às já passadas,


Nem prevemos tampouco as esperadas,
Como que estamos delas desejosos.

Levou-vos o dinheiro a má fortuna,


Ficamos sem tostão, real nem branca,
Macutas, correão, novelos, molhos:

Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna,


E é que, quem o dinheiro nos arranca,
Nos arrancam as mãos, a língua, os olhos.

FONTE: MATOS, Gregório de. À Bahia. Disponível em:


< http://www.filologia.org.br/pub_outras/sliit02/sliit02_78-86.html> Acesso em: 10
dez. 09

Após 1922, o lado satírico de Gregório de Matos será reexaminado como uma antecipa-
ção deste gosto contemporâneo pela paródia e pelo deboche, que marcam certas produções
literárias tipicamente brasileiras.
No humor cáustico do poeta baiano estariam explícitas manifestações de uma estética
localista, em que o riso teria o papel de transgressor das formas e das ideologias européias.
Seria ele, por essa razão e segundo alguns estudiosos, o nosso primeiro escritor.

Afinal, dentre as funções da literatura, cabe a crítica social ou não?

Apesar dos traços da estética barroca brasileira serem muito parecidos com o barroco
europeu, vimos que Gregório de Matos demonstrava também uma preocupação com a de-
núncia de problemas sociais, fato que permite caracterizar sua obra com certo engajamento.
Neste sentido, podemos comparar o seu trabalho ao de cordelistas e repentistas.
Quando retorna ao Brasil, já quarentão, em 1682, Gregório de Matos encontra uma so-
ciedade em crise, a decadência econômica torna-se visível: o açúcar brasileiro enfrenta a con-
corrência do açúcar produzido nas Antilhas e seu preço desaba. Além disso, uma nova camada
de comerciantes (em sua maioria, portugueses) acumula riquezas com a exportação e impor-

30
ADIMARI CAJADO
tação de produtos. Esta nova classe abastada humilha aqueles que se julgam bem nascidos,
mas que, dia após dia, perdem seu poder econômico e seu prestígio.

COMO ANALISAR A QUESTÃO DA NACIONALIDADE NO BARROCO, SE NO


PERÍODO O BRASIL AINDA ERA COLÔNIA?

O sequestro do Barroco
A recepção crítica de A formação da Literatura Brasileira, de Antonio Candido, com
certeza foi uma das mais incendiárias, uma vez que a obra trazia uma concepção sistema lite-
rário e divergia, em parte, das demais historiografias literárias, conforme você já estudou ante-
riormente.
Na opinião de Haroldo de Campos, Antonio Candido “dispensa” o Barroco da Forma-
ção da Literatura Brasileira, gerando discussão sobre o movimento Barroco e a questão da
nacionalidade.
O crítico Haroldo de Campos sai em defesa do Barroco e escreve O sequestro do Barro-
co, onde critica a postura de Antonio Candido.
Diante dessa questão faz-se necessário pensar: o que define uma literatura como nacio-
nal? Que critérios devem ser adotados para tal? A justificativa dada por Antônio Cândido é a
de que o movimento Barroco tenha perdurado durante a época colonial e que não refletia os
anseios de uma nacionalidade.

Então, podemos extrair do período barroco como marca de nacionalismo?

Se entende perfeitamente as escolhas de Candido, por conta da justificativa dada por ele
na introdução da obra em questão. A conclusão que chegamos é de que Gregório de Matos,
ainda no período barroco, incluiu a crítica social na sua obra e isso Antonio Candido reco-
nhece, porém na época em que ele escreve não existia ainda um sistema literário tal como de-
finido pelo crítico.
Ao contrário de seus antecessores, Cândido define como tarefa principal a compreensão
de quando e como no Brasil se desencadeou a dinâmica AUTOR-OBRA-PÚBLICO, indispen-
sável à constituição de um sistema literário.
Noutras palavras, nossa literatura não tem propriamente uma origem. Nesse ponto, sua
solução é exemplar: nossa literatura se configura. Daí a distinção entre literatura (entendida

31
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
como "sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as no-
tas dominantes duma fase") e manifestações literárias.
Gregório de Matos legou rica e extensa produção literária, relevante não só pela docu-
mentação da sociedade de seu tempo, mas também pelo teor artístico que alcançou. E o que
impedia a constituição desse sistema até então era a escassez literária no período colonial, cau-
sada pelos seguintes aspectos:
• População letrada reduzida;
• Sistema educacional restrito;
• Ausência de instituições de ensino superior;
• Não havia tipografias;
• Plenos poderes da Inquisição.

E por conta dessa contextualização, teremos sempre que admitir que o apesar do Barro-
co apresentar manifestações engajadas, não se caracteriza como literatura nacional.

1.1.3
CONTEÚDO 3.
O ARCADISMO:
INDÍCIOS DE UMA LITERATURA ENGAJADA

ARCADISMO: INSPIRAÇÃO NA CULTURA GRECO-ROMANA E VIDA PASTORIL

FONTE: HTTP://CONVERSADEMENINA.FILES.WORDPRESS.COM/2009/04/ARCADISMO1.JPG

O movimento árcade, assim como os movimentos anteriores que vimos, surge durante a
Era Colonial no Brasil. Porém, a sua situação em termos de representatividade para a Histori-
ografia da Literatura Brasileira é bem melhor que as “escolas” anteriores, uma vez que, para as
teorias mais contemporâneas e aceitas, já pode ser vista como expressão de uma literatura bra-
sileira por conter temas nossos.
A escola árcade surge no Brasil em meio às atividades mineradoras e sua consequente
urbanização. Finalmente temos um período com características regulares de um sistema lite-
rário: autores – obras escritas dentro de uma tendência comum – público leitor permanente,

32
ADIMARI CAJADO
tal como estabelece Antonio Candido, graças à permissão da tipografia no Brasil, instaurada
pelos decretos do Marquês de Pombal.
Assim, podemos afirmar que se trata de um estilo literário que surge ainda no Brasil co-
lônia e que, apesar de estar inserida nesse período, como o Barroco e o Quinhentismo, apre-
senta-se diante de uma contextualização histórica bastante diferente das escolas anteriores.
O século XVIII representou um período de intensas e relevantes transformações para o
mundo ocidental, principalmente no campo cultural.
A burguesia, classe que dominará economicamente o estado, por conta da representati-
vidade nos setores do comércio ultramarino e consequentemente das novas formas de lidar
com o dinheiro e o acúmulo de bens, surgiu em meados do século XVIII, na Inglaterra e na
França. Essa nova elite passou a fazer oposição com a velha nobreza e seus “ultrapassados”
valores, inclusive no campo religioso. Rapidamente este cenário se expande por toda a Europa
e o pensamento burguês passa a dominar.
Aliada a esta situação político-econômica, o mundo experimenta a renovação cultural,
também chamada de Iluminismo ou Ilustrações, marcado em linhas gerais pela valorização
das Ciências e do espírito racionalista, opondo-se a todo e qualquer possibilidade de influên-
cia religiosa no universo cultural.
Luiz Roncari (1995) fala de uma transformação muito brusca e radical deste período:

A passagem do século XVII para o seguinte, na Europa, representou uma


mudança muito grande de mentalidade e cosmovisão; quer dizer, em muitos
aspectos o homem abandonou uma visão religiosa do mundo e da vida e a-
dotou uma perspectiva mais terrena para a busca do conhecimento e orien-
tação dos seus esforços. Todos os ganhos do pensamento filosófico do século
XVII, de Descartes, Locke, Spinoza, Leibniz e outros, à medida que foram
sendo discutidos, refutados, aceitos, reproduzidos e vulgarizados, foram sen-
do difundidos e assimilados pelo homem comum, interferindo na sua forma
de ver o mundo. (RONCARI. 1995, p. 180-181)

Ou seja, as idéias dessa época deixam de dar atenção ao passado e passam a se importar
com o futuro, como forma de abandonar os antigos valores, sobretudo religiosos ou ligados a
este.
A publicação das enciclopédias na França, em 1751, pode ser considerada o símbolo da
nova postura intelectual.
Todo o clima de renovação atingiu também Portugal, que no começo do século XVIII
passava pelo período final de sua reestruturação econômica, política e cultural e finalmente se
abria às inovações científicas, ainda que timidamente.

33
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
A cultura portuguesa já não acompanhava as mudanças e transformações políticas e cul-
turais do resto da Europa, mas as idéias iluministas já haviam atravessado as fronteiras da Pe-
nínsula Ibérica e em 1746 são publicadas as cartas de Luís Antônio Verney, criticando o ensi-
no tradicional, ao mesmo tempo em que se propõe reformas que visam a colocar a cultura
portuguesa em dia com o resto da Europa.
Na verdade, a colônia já começava a experimentar certa abertura intelectual e política,
durante o reinado de D.João V (1707-1750) como, por exemplo, a licença concedida à Con-
gressão do Oratório para ministrar ensino, que até então era privilégio dos jesuítas.
Porém, caberia ao Marquês de Pombal, concretizar tais ideias, expulsando os jesuítas em
1759, o que enfraqueceu bastante a influência religiosa no campo cultural; incentivando os
estudos científicos; reformulando o ensino, apesar de manter um sistema de censura, enfra-
quecendo o sistema repressor imposto pela Inquisição.
Em Portugal, o Arcadismo iniciou-se oficialmente em 1756, com a fundação da Arcádia
Lusitana. No Brasil em 1768, com dois fatos marcantes: a fundação da Arcádia Ultramarina,
em Vila Rica e a publicação de Obras, de Cláudio Manoel da Costa. A estética árcade desen-
volveu-se, sobretudo, no campo da poesia. Luiz Roncari (1995) diz que:

O estudo da literatura brasileira do século XVIII deve levar em conta dois fa-
tos: um, de ordem particular, a descoberta do ouro no Brasil e sua exploração
intensiva; e outro, de ordem geral, a profunda revolução no plano do pensa-
mento e das mentalidades vivida pela Europa nesse século que se convencio-
nou chamar de Século das Luzes ou da Ilustração. (RONCARI. 1995, p. 173)

A mineração representou mudanças e melhorias para os colonos e também para a colô-


nia, pois possibilitou uma vida muito mais rica em contatos e benefícios. Roncari ainda lem-
bra que essa transição modificou completamente a estrutura de vida das pessoas, pois repre-
sentou a ruptura total com o mundo fechado dos engenhos, dinamizando a economia
colonial, uma vez que a vida passou a se desenvolver nas cidades.
Mas enquanto as bases para a vida na colônia se fortaleciam, a metrópole portuguesa in-
tensificava o domínio colonial, cobrando impostos e taxas cada vez mais abusivos para a mi-
neração. Esse tipo de ação contribuiu imensamente para o descontentamento de quem tinha
investido nesse tipo de mercado, provocando conflitos. Como os colonos ainda se considera-
vam portugueses e não queriam se opor à Coroa, dificilmente as insurreições aconteceriam de
modo organizado e amplo. Portanto, tais reações eram pequenas e localizadas. Apenas no fi-
nal do século os sinais de uma nova consciência apareceriam.
Os ideais iluministas fundamentaram a Independência dos Estados Unidos da América
em 1776 e também a Revolução Francesa em 1789 e em muito contribuiu para a fundamenta-

34
ADIMARI CAJADO
ção dos ideais da Inconfidência Mineira, apesar desta não ter se concretizado, uma vez que foi
sufocada antes de ser deflagrada.
Roncari (1995) ainda lembra que as mudanças ocorridas na Europa, apesar de impor-
tantes para o futuro da colônia, afetaram muito pouco as pessoas que viviam no Brasil:

As novas idéias no Brasil só interessavam na medida em que serviam para di-


ferenciar um indivíduo da camada dominante de outro da mesma camada,
pois aqueles que conheciam essas ideias apareciam como sujeitos mais dis-
tintos, modernos, esnobes, atualizados e avançados que os outros.
(RONCARI. 1995, p. 183)

Ou seja, as idéias iluministas que poderiam ter surtido efeitos muito mais expressivos na
vida dos colonos, pouco importavam. A questão do trabalho livre, por exemplo, ficou prati-
camente apagada, uma vez que ainda era interessante para a colônia manter o regime escravo
e o trabalho era visto como forma de degradação do ser humano.
Sérgio Buarque de Holanda lembra que os valores propostos pelo Iluminismo, que pre-
dominam em formações culturais ricas, a exemplo da francesa dos séculos XVII e XVIII ultra-
passou as fronteiras e contribuiu para a formação de valores de outras formações culturais em
decadência ou menos exuberante, como aconteceu com a cultura ibérica. Mas para isso acon-
tecer, essas idéias precisaram passar por um processo de ‘aclimatação’ a fim de que pudesse
penetrar nesses outros espaços. E mesmo após ter conquistado o espaço português, para que
pudesse adentrar a colônia, precisou de adaptações e mudanças. Roncari lembra que os nossos
poetas tiveram que adequar sua poesia para falar de coisas e fatos do Brasil ou expressaram
esse “novo gosto” ao mundo rústico colonial.
Mas a característica que mais nos importa deste período, é o fato dela ter tido uma rela-
ção direta com a Inconfidência Mineira, preconizando a existência de intelectuais engajados e
patriotas, uma vez que os escritores da época participaram do movimento. Tomás Antônio
Gonzaga foi degredado e Cláudio Manuel da Costa se suicidou na prisão.
Além disso, o Arcadismo contribui para a constituição de uma consciência literária e
para o desenvolvimento de uma consciência nacional manifestada pelos escritores da era co-
lonial.
Os principais autores árcades são:
• Cláudio Manuel da Costa;
• Santa Rita Durão;
• Basílio da Gama;
• Tomás Antônio Gonzaga;
• Alvarenga Peixoto;
• Silva Alvarenga.

35
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Em meio a toda essa situação, os escritores árcades se reúnem com propósitos bastante
claros e conseguem expressar as agruras deste tempo, produzindo obras de caráter crítico e
denunciando as mazelas da administração da colônia brasileira. Um dos textos de maior ex-
pressão dessa época são as Cartas Chilenas, de autoria de Tomás Antônio Gonzaga.
As Cartas Chilenas foram escritas sob o pseudônimo Critilo e, após vários anos de dúvi-
da sobre sua verdadeira autoria, cerca de um século e meio depois, foram consideradas ofici-
almente como sendo de Tomás Antônio Gonzaga. Acredita-se que Cláudio Manuel da Costa
tenha colaborado com a elaboração da obra, sobretudo do poema introdutório.
O intuito era satirizar os desmandos do então governador em Vila Rica, Cunha Mene-
ses, que fora substituído pelo visconde de Barbacena. Como forma de disfarçar a obra, os a-
contecimentos foram tomados como ocorridos no Chile, conforme podemos ver as explica-
ções do autor no prólogo:

Amigo leitor, arribou a certo porto do Brasil, onde eu vivia, um galeão, que
vinha das Américas espanholas. Nele se transportava um mancebo, cavalhei-
ro instruído nas humanas letras. Não me foi dificultoso travar com ele uma
estreita amizade, e chegou a confiar-me os manuscritos, que trazia. Entre eles
encontrei as Cartas chilenas, que são um artificioso compêndio das desor-
dens, que fez no seu governo Fanfarrão Minésio, general de Chile.

Logo que li estas Cartas, assentei comigo que as devia traduzir na nossa lín-
gua, não só porque as julguei merecedoras deste obséquio, pela simplicidade
do seu estilo, como, também, pelo benefício que resulta ao público, de se ve-
rem satirizadas as insolências deste chefe, para emenda dos mais, que seguem
tão vergonhosas pisadas.
Um D. Quixote pode desterrar do mundo as loucuras dos cavaleiros andan-
tes; um Fanfarrão Minésio pode também corrigir a desordem de um gover-
nador despótico.

Eu mudei algumas coisas menos interessantes, para as acomodar melhor ao


nosso gosto. Peço-te que me desculpes algumas faltas, pois, se és douto, hás
de conhecer a suma dificuldade que há na tradução em verso. Lê, diverte-te e
não queiras fazer juízos temerários sobre a pessoa de Fanfarrão. Há muitos
fanfarrões no mundo, e talvez que tu sejas também um deles, etc.

(GONZAGA, Tomás Antônio. Cartas Chilenas. Disponível em:


http://biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://biblio.com.br/conteudo/Tomas
AntonioGonzaga/cartaschilenas.htm> Acesso em 12 dez. 09)

36
ADIMARI CAJADO
Assim, as Cartas que são um conjunto de 13 poemas satíricos, circularam entre 1787 e
1788 em Vila Rica. Dirigindo-se a Doroteu (acredita-se que fora a identidade atribuída a
Cláudio Manoel da Costa), Critilo (Gonzaga) critica o governo corrupto de Fanfarrão Minésio
(que seria o governador Luís da Cunha Meneses), apontando a frágil e conturbada estrutura
política colonial, conforme podemos perceber nos trechos abaixo:

A lei do teu contrato não faculta


que possas aplicar aos teus negócios
os públicos dinheiros. Tu, com eles,
pagaste aos teus credores grandes somas!

Ordena a sábia Junta que dês logo


da tua comissão estreita conta;
o chefe não assina a portaria,
não quer que se descubra a ladroeira,
porque te favorece, ainda à custa
dos régios interesses, quando finge
que os zela muito mais que as próprias rendas.
Por que, meu Silverino?

Agora, Fanfarrão, agora falo


contigo, e só contigo. Por que causa
ordenas que se faça uma cobrança
tão rápida e tão forte contra aqueles
que ao Erário só devem tênues somas?

Não tens contratadores, que ao rei devem


de mil cruzados centos e mais centos?

Uma só quinta parte que estes dessem,


não matava do Erário o grande empenho?

O pobre, porque é pobre, pague tudo,


e o rico, porque é rico, vai pagando
sem soldados à porta, com sossego!

Não era menos torpe, e mais prudente,


que os devedores todos se igualassem?

37
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Que, sem haver respeito ao pobre ou rico,
metessem no Erário um tanto certo,
à proporção das somas que devessem?

Indigno, indigno chefe! Tu não buscas

o público interesse. Tu só queres

mostrar ao sábio augusto um falso zelo,


poupando, ao mesmo tempo, os devedores,
os grossos devedores, que repartem
contigo os cabedais, que são do reino.

FONTE: GONZAGA, Tomás Antônio. Cartas Chilenas. Disponível em:


http://biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://biblio.com.br/conteudo/TomasAntonio
Gonzaga/cartaschilenas.htm> Acesso em 12 dez. 09

Segundo a crítica, não podemos afirmar a existência de um sentimento de revolta contra


a dominação portuguesa em Cartas Chilenas, muito menos um sentimento de nacionalismo
ainda, mas apenas a denúncia à corrupção do governo na colônia. Ainda assim, é atribuída à
obra uma dupla importância: primeiro, pelo tom de realismo e vigor da linguagem, raros para
a época; e em segundo lugar, pelo flagrante da situação explosiva em Vila Rica, apresentado
sob a forma satírica.
Apesar do cenário político-econômico favorável, o Arcadismo brasileiro é criticado por
não ter conseguido firmar-se como um movimento estético imponente, mas algumas obras
são consideradas precursoras do Romantismo, caracterizadas pelo sentimentalismo.
Outras duas obras do período árcade, no entanto, recebem destaque, por serem conside-
radas como marcos de uma literatura mais impregnada de nacionalismo, já que apresentam o
índio como personagem, antecipando a proposta romântica de registro da cor local. Ou seja,
alguns escritores árcades já traziam o elemento indígena como símbolo brasileiro, mesmo
antes do processo de idealização do índio pelos românticos, portanto, antes mesmo da inde-
pendência se consolidar. Resgatando a temática em questão, focalizaremos especialmente as
obras, O Uraguai, de Basílio da Gama, e Caramuru, de Santa Rita Durão.

O Uraguai, de Basílio da Gama


O Uraguai trata da tensão provocada pelo Tratado de Madri, estabelecido entre Portugal
e Espanha. As terras ocupadas pelos jesuítas, no Uruguai, conhecida por Sete Povos, deveriam

38
ADIMARI CAJADO
passar da Espanha a Portugal e em troca, os espanhóis ficariam com a Colônia do Sacramento.
O problema é que os índios que viviam em Sete Povos, dirigidos por jesuítas, resistiram à pre-
tensão dos portugueses.
Inspirado na épica camoniana, Basílio da Gama escreve O Uraguai em cinco cantos, em
versos brancos, ou seja, versos sem rimas. O poema critica a postura dos jesuítas no tratamen-
to com o elemento indígena, mantendo a subordinação e não a autonomia do índio.
Dentre às outras considerações feitas acerca da obra, ressalta-se o fato de ainda adotar a
mitologia indígena através do maravilhoso; a adoção pelo novo gosto impresso pelo Arcadis-
mo brasileiro, entre o rústico e a civilização, que tende a apresentar o índio como personagem
e tema. Candido ainda lembra de outras características do poema como: sensibilidade plástica,
senso de situação, variedade, fluidez, colorido, movimento, sínteses admiráveis, equilíbrio e
serenidade. Tais características dos versos serviram de modelo do decassílabo solto dos ro-
mânticos.
Antonio Candido (1966), ao analisar Uraguai, discorda de suas características épicas da
obra, dizendo que:

Embora tenha dado a O Uraguai disfarces de epopéia, quase tudo o afasta do


gênero: o assunto, reduzido e atual, quebrando a norma da distância épica; o
tamanho pequeno, incompatível com as regras; a presença da sátira e do bur-
lesco, que são a própria negação destas e aproximariam a obra do poema he-
rói-cômico, isto é, anti-epopéia deliberada.
Será então um poema narrativo de assunto entre épico e político, banhado
por um lirismo terno e heróico que permite ver com simpatia a vida do índio
brasileiro. Assim, Basílio forjou um instrumento novo, adaptado ao assunto
contemporâneo, de natureza um pouco jornalística, denotando uma moder-
nidade que assegurou a sua duração, enquanto um poema convencional e
pesado como o Caramuru só agrada aos especialistas de história literária. A
sua sorte foi ter de compor rapidamente e não possuir fôlego épico, podendo
escapar ao jugo ainda então pesado de certas regras da Poética. (CANDIDO.
1970, p. 172)

A temática indígena durante o Romantismo, fez com que o nome de Basílio da Gama
fosse frequentemente apontado como um dos precursores da literatura nacional.

Caramuru, de Santa Rita Durão


Caramuru cria um épico, cujo objetivo é exaltar os feitos heróicos da conquista do Bra-
sil, delineando um passado grandioso, de lutas e bravuras, no qual figuram heróis portugueses
(Diogo Álvares Correia, o Caramuru) e indígenas (Paraguaçu, Moema, Sergipe, Gupeva). O
poema teve, assim como O Uraguai, inspiração em Os Lusíadas, de Camões. Na obra ainda

39
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
podem ser apreciadas características como: valorização do descobrimento do Brasil; sentimen-
to de amor à pátria; descrição da paisagem brasileira.
O poema é dedicado a D. José I, pedindo atenção para o Brasil, principalmente a seus
habitantes primitivos, dignos e capazes de serem integrados à civilização cristã.
É interessante observar que o autor pertence ao clero. O seu compromisso parece ser o
de difundir uma imagem do índio associada à barbárie, o que seria a justificativa para a sub-
missão (colonização) que em troca traria para os autóctones, fé e civilização. O próprio Santa
Rita Durão apresenta a obra:

Reflexões prévias e argumentos


Os sucessos do Brasil não mereciam menos um Poema que os da Índia. Inci-
tou-me a escrever este o amor da Pátria. Sei que a minha profissão exigiria de
mim outros estudos; mas estes não são indignos de um religioso, porque o
não foram de bispos, e bispos santos; e, o que mais é, de Santos Padres, como
S. Gregório Nazianzeno, S. Paulino, e outros; maiormente, sendo este poema
ordenado a pôr diante dos olhos aos libertinos o que a natureza inspirou a
homens que viviam tão remotos das que eles chamam preocupações de espí-
rito débeis. Oportunamente o insinuamos em algumas notas; usamos sem
escrúpulo de nomes tão bárbaros; os alemães, ingleses, e semelhantes, não
parecem menos duros aos nossos ouvidos, e os nossos aos seus. Não faço
mais apologias da obra, porque espero as repreensões, para, se for possível,
emendar os defeitos, que me envergonho menos de cometer que de descul-
par.

A ação do poema é o descobrimento da Bahia, feito quase no meio do século


XVI por Diogo Álvares Correia, nobre Vianês, compreendendo em vários
episódios a história do Brasil, os ritos, tradições, milícias dos seus indígenas,
como também a natural, e política das colônias.

Diogo Álvares passava ao novo descobrimento da capitania de São Vicente,


quando naufragou nos baixos de Boipebá, vizinhos à Bahia. Salvaram-se com
ele seis dos seus companheiros, e foram devorados pelos gentios antropófa-
gos, e ele esperado, por vir enfermo, para melhor nutrido servir-lhes de mais
gostoso pasto. Encalhada a nau, deixaram-no tirar dela pólvora, bala, armas,
e outras espécies, de que ignoravam o uso. Com uma espingarda matou ele
caçando certa ave, de que espantados, os bárbaros o aclamaram Filho do tro-
vão, e Caramuru, isto é, Dragão do mar. Combatendo com os gentios do ser-
tão, venceu-os, e fez-se dar obediência daquelas nações bárbaras. Oferece-
ram-lhe os principais do Brasil as suas filhas por mulheres; mas de todas
escolheu Paraguassu, que depois conduziu consigo à França, ocasião em que

40
ADIMARI CAJADO
outras cinco Brasilianas, seguiram a nau francesa a nado, por acompanhá-lo,
até que uma se afogou, e, intimidadas, as outras se retiraram.

Salvou um navio de Espanhóis, que naufragaram, com o que mereceu que


lho agradecesse o Imperador Carlos V com uma honrosa carta. Passou à
França em nau que ali abordou daquele reino, e foi ouvido com admiração
de Henrique II, que o convidava para em seu nome fazer aquela conquista.
Repugnou ele, dando aviso ao Senhor D. João III por meio de Pero Fernan-
des Sardinha, primeiro bispo da Bahia. Cometeu o Monarca a empresa a
Francisco Pereira Coutinho, fazendo-o donatário daquela Capitania. Mas es-
te, não podendo amansar os Tupinambás, que habitavam o Recôncavo, reti-
rou-se à Capitania dos Ilhéus; e, pacificando depois com os Tupinambás,
tornava à Bahia, quando ali infaustamente pereceu em um naufrágio. Entan-
to Diogo Álvares assistiu em Paris ao batismo de Paraguassu sua esposa, no-
meada nele Catarina, por Catarina de Médicis, Rainha Cristianíssima, que
lhe foi madrinha, e tornou com ela para a Bahia, onde foi reconhecida dos
Tupinambás como herdeira do seu Principal, e Diogo recebido com o antigo
respeito. Teve Catarina Álvares uma visão famosa, em que a Virgem Santís-
sima, manifestando-se lhe cheia de glória, lhe disse que fizesse restituir uma
imagem sua roubada por um Selvagem. Achou-se esta nas mãos de um Bár-
baro; e Catarina Álvares com exclamações de júbilo se lançou a abraçá-la,
clamando ser aquela a imagem mesma que lhe aparecera: foi colocada com o
título de Virgem Santíssima da Graça em uma igreja, que é hoje Mosteiro de
S. Bento, celebre por esta tradição. Chegou entanto de Portugal Tomé de
Sousa com algumas naus, famílias e tropas para povoar a Bahia. Sebastião da
Rocha Pita, Autor da Historia Brasílica, e natural da mesma cidade, assevera
que Catarina Alvares renunciara no Senhor D. João III os direitos que tinha
sobre os Tupinambás, como herdeira dos seus maiores Principais; ele mesmo
atesta que aquele Monarca mandara aos seus Governadores que honrassem e
atendessem Diogo Álvares Correia, Caramuru pelos referidos serviços; e foi
com efeito ele o tronco da nobilíssima casa da Torre na Bahia; e Catarina Ál-
vares sua mulher foi honrada por aquela metrópole com um seu retrato so-
bre a porta da casa da pólvora, ao lado das armas reais. Leia-se Vasconcelos
na História do Brasil, Francisco de Brito Freire, e Sebastião da Rocha Pita.

DURÃO, Santa Rita. Caramuru. Disponível em:


http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_ac
tion=&co_obra=2111> Acesso em 13 dez. 09

Conforme dito anteriormente, era preciso valorizar o passado, e no nosso passado estava
também o povo indígena. As críticas à obra são extramente divergentes, pois enquanto alguns
a edifica, outros a condenam apenas a importância histórica. Afrânio Coutinho, por exemplo,

41
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
o acusa de falta de conteúdo heróico quando trata do personagem Caramuru e também de
caracterizar o índio de forma inautêntica.
Antonio Candido considera Durão como o mais diferente dos árcades brasileiros. E ao
contrário de Afrânio Coutinho, enaltece a obra, confirmando a sua relevância enquanto pre-
cursor no que se refere a apresentar a vida do índio com intuito analítico.

CARAMURU-GUAÇU, 1958. ERNESTO FREDERICO SCHEFFEL (BRASIL, RS 1927 –). ÓLEO SOBRE TELA, 368 X 197,5 CM. RIO DE JANEIRO.
WWW.SCHEFFEL.COM.BR

FONTE: HTTP://PEREGRINACULTURAL.FILES.WORDPRESS.COM/2009/04/CARAMURU-CHEGADA.JPG

1.1.4
CONTEÚDO 4.
PRÉ-ROMANTISMO:
ENSAIOS DE UMA LITERATURA NACIONALISTA

VOCÊ SE LEMBRA DE TER ESTUDADO PRÉ-ROMANTISMO? NÃO? POIS NÃO


SE PREOCUPE, ELE RARAMENTE É ESTUDADO NAS ESCOLAS!

O que denominamos como Pré-Romantismo é na verdade o período de transição entre


o fim do Arcadismo e o Romantismo propriamente dito. Gonçalves de Magalhães inicia a
linha de historiadores literários brasileiros, que buscam uma identidade para o nosso país e
incorporam a produção colonial à literatura brasileira. Esse “período” mostra as primeiras
tentativas feitas em prol de uma literatura claramente brasileira
No Brasil, já sabemos, o pré-romantismo não chegou a desenvolver-se plenamente. De
pré-românticos, apenas no sentido de precursores, podemos chamar Gonçalves de Magalhães
e Araújo Porto Alegre, que importaram da Europa algumas veleidades românticas, arrepen-
dendo-se, porém, logo.
Devemos entender que há muitas fases dentro das fases que a História Oficial chama de
colonial. E, dentro delas, a importância da Literatura se destaca, pois é através da pena de Ca-

42
ADIMARI CAJADO
minha, por exemplo, que os portugueses tomam conhecimento oficial dos índios e dos pri-
meiros contatos travados entre colonizador e colonizados. E é através dela, também, que pu-
demos delimitar uma origem para as nossas letras.
As imagens na produção literária são formadas, registradas e viajam além-mar, dando
conta de todo um passado mítico, ao qual só podemos chegar através da palavra. Não apare-
cem nas crônicas dos nossos primeiros escritores as constantes brigas entre holandeses, fran-
ceses e ingleses pelo território brasileiro. Não aparecem de forma clara os piratas que saquea-
vam e contrabandeavam o pau-brasil. Não aparece o pavor que a Coroa possuía de perder o
Brasil para outros colonizadores europeus. E nem mesmo a demora de quase 30 anos por que
passou a Coroa até se decidir a iniciar um processo real de colonização, comandado, em 1530,
por Martin Afonso de Souza.
Entretanto, aparecem desde muito cedo a nomeação de elementos locais e a descrição de
costumes que se tornaram, séculos depois, brasileiros.
No entendimento da formação da Literatura Brasileira, as relações culturais, políticas,
linguísticas e econômicas entre Brasil e Portugal devem ser não apenas de interesse do estudi-
oso, mas, também, consistirem em um link para ampliar as noções de colônia e nação.
Assim, existe, embora que breve, uma fase a que chamamos de Pré-Romantismo, que
tem como destaque o escritor Gonçalves de Magalhães, com o texto Ensaio sobre a História da
Literatura no Brasil, uma espécie de manifesto romântico brasileiro, publicado em Paris, na
Niterói, Revista Brasiliense (1836).
Gonçalves de Magalhães (1811-1882) se preocupava já neste período, com a relação en-
tre país colonizado e nação, pois acreditava que cada povo teria sua literatura.
Podemos perceber como a relação é tensa e como ao escritor cabia não só a reflexão so-
bre o problema, bem como a busca de uma leitura que viabilizasse a ideia de “nação”.
Ser dependente de Portugal é mais do que um capítulo na nossa história, é uma marca
de origem, constitui um motivo de busca incessante de corte, de identidade e independência.
Mesmo as viagens ou “moradas” dos nossos escritores em Portugal não eram feitas de
forma automática, sem trocas, sem interferências e somente para profissionalização.
Portugal era não apenas a influência, mas a ligação com o resto da Europa, espécie de
passaporte, para onde os nossos escritores, mesmo depois da independência do país, iam com
frequência buscar as novas teorias poéticas e intelectuais a serem introduzidas no Brasil.
É assim, no exílio, longe do Brasil, que nossos autores retomam e reforçam a velha ideia
portuguesa do Brasil como paraíso tropical.Transformar esse paraíso em um campo de pro-
dução de poesia e arte era o que todos eles almejavam.

CONFRONTO? COMO ASSIM?

43
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Os nossos poetas se sentiam sem “chão”, sem espelho, sem origem, ao conhecer a Euro-
pa e toda a sua tradição cultural e literária. Então começaram a tentar escrever panoramas
históricos com a finalidade de apresentar um esboço rápido do passado literário brasileiro.
Por isso que o Romantismo, em seguida, irá eleger o índio como nosso heróico ances-
tral, uma vez que a Europa tinha a Idade Média para pesquisar e inserir em sua identidade,
enquanto nós não tínhamos nenhum registro de nada que foi feito ou produzido no Brasil
antes da chegada dos portugueses.
Vale lembrar que a essa altura os nossos escritores viajavam muito para a França e de lá
traziam ideias e costumes, além do gosto pela Literatura Francesa.
Nesse processo de autodescoberta do país e suas origens, aparecem traços de lusofobia
(aversão pela cultura portuguesa) que marcam o fim do período colonial e início do nacional.
Entretanto, essa aversão ao nosso colonizador implicava numa substituição do modelo portu-
guês pelo francês, só abandonado muito tempo depois, no Modernismo.

44
ADIMARI CAJADO
MAPA CONCEITUAL

Resumo
O Quinhentismo, o Barroco e o Arcadismo são os primeiros movimentos estéticos da
nossa literatura brasileira. Jamais devemos nos esquecer de que esses três períodos, juntos,
integram a Era Colonial de nossa literatura, porque mostram como o Brasil era dependente,
político e culturalmente, da Metrópole, isto é, de Portugal.

45
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
ESTUDO DE CASO
Uma professora do ensino médio, língua portuguesa e literatura, foi convidada a parti-
cipar de um projeto interdisciplinar, cujo tema era o colonialismo. Ao saber do tema, imedia-
tamente pensou em trabalhar com seus alunos os relatos dos cronistas e a Carta de Pero Vaz
de Caminha. A escola solicitou que ela fizesse um planejamento das atividades, o que deixou a
professora um tanto confusa.
Desenvolva, para essa situação, uma proposta de atividade interdisciplinar na qual os
textos inicialmente pensados pela professora possam ser trabalhados no projeto.
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Discorra sobre como as outras disciplinas podem auxiliar no entendimento dos alunos
sobre as crônicas do século XVI.
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46
ADIMARI CAJADO
EXERCÍCIOS PROPOSTOS
Questões ENADE, adaptadas ou similares
QUESTÃO 01
Leia o texto e responda

A carta de pero Vaz de Caminha

Num dos trechos de sua carta a D. Manuel, Pêro Vaz de Caminha descreve como foi o
contato entre os portugueses e os tupiniquins, que aconteceu em 24 de abril de 1500: “O
Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, aos pés de uma alcatifa por
estrado; e bem vestido, com um colar de ouro, muito grande, ao pescoço (...) Acenderam-
se tochas. E eles entraram. Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de falar ao Capitão;
nem a ninguém. Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com
a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro
na terra. E também olhou para um castiçal de prata, e assim mesmo acenava para a terra, e
novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata! (...) Viu um deles umas
contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao
pescoço, e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamen-
te para as contas e para o colar do Capitão, como se davam ouro por aquilo. Isto tomáva-
mos nós nesse sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as con-
tas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, por que não lho havíamos de dar! E
depois tornou as contas a quem lhas dera. E então estiraram-se de costas na alcatifa, a
dormir sem procurarem maneiras de esconder suas vergonhas, as quais não eram fanadas;
e as cabeleiras delas estavam raspadas e feitas. O Capitão mandou pôr por baixo de cada
um seu coxim; e o da cabeleira esforçava-se por não a estragar. E deitaram um manto por
cima deles; e, consentindo, aconchegaram-se e adormeceram”.

COLEÇÃO BRASIL 500 ANOS,


Fasc. I, Abril, SP, 1999.
VOCABULÁRIO:
Alcatifa – tapete, carpete.
Fanadas – murchas.
Coxim – almofada que serve de assento.

De acordo com o Texto é correto afirmar:

47
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
I - Pero Vaz de Caminha escreve para o Rei de Portugal, D. Manuel, relatando como foi
o contato entre os portugueses e os tupiniquins.
II - Em E eles entraram. Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de falar ao Capitão; nem
a ninguém, fica implícito que os tupiniquins desconheciam hierarquia ou categoria
social lusitanas.
III - O trecho... e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Ca-
pitão, como se davam ouro por aquilo. Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim
o desejarmos, evidencia que havia problemas de comunicação entre portugueses e
tupiniquins.

a) I e II estão corretas
b) I e III estão corretas
c) II e III estão corretas
d) Todas estão corretas

QUESTÃO 02
(UFPEL) O texto a seguir servirá de base para a próxima questão.
Pero Vaz de Caminha, referindo-se aos indígenas escreveu:

E naquilo sempre mais me convenço que são como aves ou animais monte-
sinhos, aos quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que aos mansos, por-
que os seus corpos são tão limpos, tão gordos e formosos, a não mais poder.
[…]
Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a
nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma,
segundo as aparências. E, portanto, se os degredados que aqui hão de ficar
aprenderem bem a sua fala e eles a nossa, não duvido que eles, segundo a
santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé,
à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa
e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles todo e qualquer cu-
nho que lhes quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos
e bons rostos, como a homens bons. E o fato de Ele nos haver até aqui trazi-
do, creio que não o foi sem causa. E portanto, Vossa Alteza, que tanto deseja
acrescentar à santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. E aprazerá Deus
que com pouco trabalho seja assim.
[…]
Eles não lavram nem criam. Não há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou gali-
nha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao convívio com o
homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas

48
ADIMARI CAJADO
sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais
e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legu-
mes comemos.”
FONTE: CASTRO, Silvio. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre:
L&PM, 1996.

De acordo com o texto e seus conhecimentos, marque a alternativa correta:


a) Caminha, numa visão eurocentrista, exalta a cultura do “descobridor”, menos-
prezando todos os aspectos referentes ao modo de vida dos nativos, por exem-
plo, a não exploração daqueles mamíferos placentários exóticos, citados na carta,
introduzidos no Brasil quando da colonização.
b) Caminha realiza, através de farta adjetivação, descrições botânicas minuciosas
acerca da flora da nova terra, destacando o tipo de alimentação do europeu — ri-
ca em vitaminas e sais minerais — em contraposição à indígena, que é rica em
lipídios.
c) A religiosidade está presente ao longo do texto, quando se constata que o emis-
sor, tendo em mente a conversão dos índios à “santa fé católica” — pretensão
dos europeus conquistadores —, ressalta positivamente a existência de crenças
animistas entre os nativos.
d) Na carta de Pero Vaz de Caminha, que apresenta linguagem formal, por ser o rei
português o destinatário, há forte preocupação com aspectos da necessária con-
versão dos índios ao catolicismo, no contexto de crise religiosa na Europa.
e) Ao realizar concomitantemente a narração e a descrição dos hábitos dos nativos,
o remetente destaca informações não só do habitat como dos usos e costumes
indígenas, exaltando o cultivo das plantas de lavouras e dos pomares.

QUESTÃO 03
“Em mais de um momento a inteligência brasileira, reagindo contra certos processos
agudos de europeização, procurou nas raízes da terra e do nativo, imagens para se afirmar em
face do estrangeiro: então, os cronistas voltaram a ser lidos, e até glosados, tanto por um Alen-
car romântico e saudosista como por um Mário ou um Oswald de Andrade modernistas. Daí
o interesse obliquamente estético da ‘literatura’ de informação”.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1997.
O período literário em destaque no texto acima refere-se:
a) Aos primeiros momentos do Romantismo, quando os escritores e poetas procu-
ravam resgatar as verdadeiras origens do homem e da natureza do Brasil inde-
pendente.

49
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
b) Ao Arcadismo, tendo em vista ser esse o momento de afirmação de uma literatu-
ra eminentemente nacional, na qual desenvolveram-se as primeiras temáticas
centradas na natureza e na flora brasileiras.
c) Ao Quinhentismo, quando a colonização portuguesa se afirma com a ocupação
sistemática do litoral nordestino brasileiro, sendo relevantes as produções literá-
rias dessa fase principalmente por permitirem o reconhecimento da mundivi-
dência e linguagem dos primeiros observadores do nosso país.
d) À criação literária do período pré-histórico brasileiro, centrado nas produções
pictóricas e nas narrativas mitológicas dos nossos índios, primeiros ‘informantes’
da realidade natural brasileira.
e) Ao Modernismo, tendo em vista os processos de recriação e ruptura com a esté-
tica parnasiana e simbolista, alheias aos aspectos históricos da constituição do
Brasil.

QUESTÃO 04
A sátira está relacionada com a paródia no que diz respeito à sua intenção de ridiculari-
zar, mas tende a ser mais subtil e a ridicularizar uma atitude ou crença, enquanto a paródia
tende a ridicularizar uma obra em particular, imitando-lhe o estilo, muitas vezes com uma
intenção puramente cômica. Assinale a alternativa que contem um fragmento com exemplo
de sátira:
a) A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados. (Gregório de Matos)

b) Triste Bahia! ó quão dessemelhante


Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante. (Gregório de Matos)

c) Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,


Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria. (Gregório de Matos)

50
ADIMARI CAJADO
d) Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade,
É verdade, meu Deus, que hei delinquido,
Delinquido vos tenho, e ofendido,
Ofendido vos tem minha maldade. (Gregório de Matos)

QUESTÃO 05
O texto I, abaixo, é um excerto do poema "Caramuru", de Santa Rita Durão, e o texto II
faz parte de uma reportagem da revista Galileu, edição de abril de 2002. Com base na leitura
desses dois textos, assinale a alternativa correta.
I
Já estava em terra o infausto naufragante,
Rodeado da turba americana;
Vêem-se com pasmo ao porem-se diante,
E uns aos outros não crêem da espécie humana:
Os cabelos, a cor, barba e semblante
Faziam crer àquela gente insana
Que alguma espécie animal seria,
Desses que no seu seio o mar trazia.
Algum, chegando aos míseros, que à areia
O mar arroja extintos, nota o vulto;
Ora tenta despir e ora receia
Não seja astúcia, com que o assalte oculto.
Outros, do jacaré tomando a idéia,
Temem que acorde com violento insulto,
Ou que o sono fingindo os arrebate
E entre presas cruéis no fundo os mate.

II
Ambientalistas acusam tribos de invadir áreas de conservação, mas indigenistas dizem
que eles têm preconceito e desinformação.

51
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
a) O texto árcade apresenta um índio europeizado, e o texto moderno, um índio
globalizado.
b) Os textos (árcade e moderno) apresentam um índio idealizado.
c) O índio é apresentado como sendo desprovido de passividade: no texto árcade,
frente ao processo de colonização, e, modernamente, frente às ações de sobrepo-
sição das áreas indígenas e áreas de conservação.
d) O índio é apresentado como sendo passivo: no texto árcade, frente ao processo
de colonização, e no texto moderno, frente às ações de sobreposição das áreas
indígenas e de conservação.

CONSTRUINDO CONHECIMENTO
Letras em Ação
Em Deus e o Diabo na Terra de Santa Cruz, Laura de Mello e Souza (1986) é o primeiro
estudo realizado no Brasil sobre a feiticaria nos tempos coloniais, baseado em cronicas da
época, devassas eclesiásticas e processos da Inquisição. O livro tornou-se referência básica
para compreendermos o imaginário quinhentista, além de analisar o panorama fantástico das
crônicas de viagem.

Rede das Letras


Para obter mais informações sobre A Carta, acesse os seguintes sites:
http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/carta.html
http://www.espacoacademico.com.br/037/37epacheco.htm
Não deixe de ver também o trabalho de Maria Aparecida Ribeiro que se debruça sobre o
tema e contribui significativamente para os estudos sobre os efeitos da nossa colonização, sob
o título A Carta De Caminha Na Literatura E Na Pintura Do Brasil E De Portugal: Tradição E
Contradição.
http://www4.crb.ucp.pt/Biblioteca/rotas/rotas/maria%20aparecida%2019a67%20p.pdf
Sobre Gregório de Matos, veja:
http://www.revista.agulha.nom.br/grego.html
Não deixe de ver a entrevista completa com Antonio Candido no site:
http://acd.ufrj.br/pacc/literaria/T2.html
E conheça Haroldo de Campos, através do site:

52
ADIMARI CAJADO
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/poesia/index.cfm?fuseaction=
Detalhe&CD_Verbete=495
Não deixe de ver o artigo que comenta a obra Caramuru como o mito de fundação do
Brasil, no site: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/282.pdf

De Olho nas Letras


Para refletir sobre a colonização no Brasil e os impactos da presença dos jesuítas, reco-
menda-se o filme A Missão (1986), que conta a história de um violento mercador de escravos
indígenas, arrependido pelo assassinato de seu irmão, realiza uma autopenitência e acaba se
convertendo como missionário jesuíta em Sete Povos das Missões, região da América do Sul
reivindicada por portugueses e espanhóis, e que será palco das "Guerras Guaraníticas”, por-
tanto o mesmo cenário da obra O Uraguai, de Basílio da Gama.

53
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
54
ADIMARI CAJADO
1.2
TEMA 2.
ERA NACIONAL

1.2.1
CONTEÚDO 1.
O ROMANTISMO E OS MITOS DE FUNDAÇÃO
A palavra Romantismo é velha conhecida nossa e frequentemente, no nosso dia a dia, a
usamos quando nos referimos a alguém ou alguma atitude que expressa ilusão, ou seja, que
está distante da realidade.

MAS DE ONDE VEM ESSE HÁBITO NOSSO?


Bem, a palavra existe em duas acepções: a do uso cotidiano, já banalizada, conforme e-
xemplo acima; e a do estilo de época, o período Romântico.
Com a ascensão da burguesia, aconteceram muitas alterações em pouco tempo: uma
quantidade enorme de inventos acelerou o ritmo de vida, a população da Europa duplicou-se
no século XIX, os novos ideais sociais e políticos multiplicaram-se em desconcertante confu-
são.
Após a Revolução Francesa, nota-se um acentuado progresso político, social e econômi-
co da burguesia, que, aos poucos, vai assumindo o lugar de classe dominante, lugar anterior-
mente ocupado pela nobreza, ou seja, aristocracia de sangue ou aristocracia real: aqueles que
tinham algum parentesco com reis e rainhas e que nada precisavam fazer para serem reconhe-
cidos no mundo, herdavam a fortuna e título por causa do sangue.
A doutrina filosófica em que se apóiam os princípios burgueses é o liberalismo, que va-
loriza a iniciativa individual e a capacidade criadora de cada um. É claro que essa ideologia ia
completamente de encontro aos ideais dos nobres, uma vez que representava uma forma de
“democratizar” as riquezas. Não podemos esquecer, portanto, que o Arcadismo, anterior a
esse período, foi importante porque semeou a ideologia burguesa no mundo.
O ideal da Revolução Francesa de liberdade, igualdade e fraternidade alcançou a Améri-
ca Latina e fomentou a independência dos Estados Unidos e consequentemente o de todas as
demais colônias americanas. Assim, tornaram-se independentes nesse período: Paraguai, Ar-
gentina, Venezuela, Chile, Equador, Peru, México, Brasil, América Central, Bolívia e Uruguai.

55
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
E COMO ISSO OCORREU NO NOSSO PAÍS?
A importância do Romantismo no Brasil pode ser entendida de diversas formas. Primei-
ramente, a escola literária está ligada à independência política do Brasil que aconteceu em
1822 e o início oficial do nosso Romantismo é situado pelos estudiosos em 1836.
Após a Independência, muita coisa mudou, politicamente, economicamente e cultural-
mente. Nesse contexto de um país recém-libertado surgem novos temas nas artes, temas de
fundo marcadamente nacionalista. Era a consequência natural da atitude de um povo que
desejava firmar-se como Nação. É nesse período que surge o ROMANTISMO, considerado
pela grande maioria dos estudiosos como o grande responsável pelo surgimento de uma litera-
tura propriamente nacional.
Dessa forma, o Romantismo corresponde ao movimento que procurou promover a in-
dependência cultural do país, perseguindo a criação de uma arte e de uma literatura marca-
damente nacionais, que pudessem constituir nossa forma de expressão mais autêntica. Sobre
essa independência expressa no Romantismo, Antonio Candido afirma:

A Independência importa de maneira decisiva no desenvolvimento da idéia


romântica, para a qual contribuiu pelo menos com três elementos que se po-
dem considerar como redefinição de posições análogas do Arcadismo: (a)
desejo de exprimir uma nova ordem de sentimentos, agora reputados de
primeiro plano, como orgulho patriótico, extensão do antigo nativismo; (b)
desejo de criar uma literatura independente, diversa, não apenas uma litera-
tura, de vez que, aparecendo o Classicismo como manifestação do passado
colonial, o nacionalismo literário e a busca de modelos novos, nem clássicos
nem portugueses, davam um sentimento de libertação relativamente à mãe-
pátria; finalmente (c) a noção já referida de atividade intelectual não mais
apenas como prova de valor do brasileiro e esclarecimento mental do país,
mas tarefa patriótica na construção nacional. (CANDIDO, 1997, VOLUME
2, 12)

O Romantismo possibilitou a liberdade de criação e de expressão sempre regado de


muita idealização e o exagero. As principais características desse estilo são:
• Nacionalismo, historicismo e medievalismo
• Valorização das fontes populares ou do folclore
• Confessionalismo
• Pessimismo
• Crítica Social

A produção literária do Romantismo foi muito extensa e, por isso, a poesia costuma ser
dividida em três “gerações”, cada uma delas devidamente caracterizada. A prosa de ficção sur-
giu e desenvolveu-se nesse período, chegando a produzir trabalhos de mérito. Também o tea-

56
ADIMARI CAJADO
tro consolidou-se nessa época. Para melhor entender a produtividade romântica, todas as his-
tórias da literatura brasileira dividem esse período em três fases ou gerações.
Mas apesar do desejo de inovação, o Romantismo brasileiro repete o modelo europeu.
No entanto, como nossos escritores tinham consciência da necessidade de criar uma literatura
que traduzisse a realidade brasileira, há características específicas no Romantismo que aqui se
desenvolveu. Todas elas convergem para o nacionalismo. As mais importantes são: COR
LOCAL, INDIANISMO e REGIONALISMO.
É importante ressaltar que é esse momento em que se constitui a nossa literatura, não só
pela incorporação de uma temática brasileira, mas principalmente pela consciência da maioria
desses escritores de que um país independente pedia artistas que participassem da construção
de um imaginário nacional.
Os principais autores românticos no Brasil são:
• Poesia: Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire,
Fagundes Varela, Castro Alves, Sousândrade.
• Prosa: Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida, José de Alencar.

As três fases do Romantismo no Brasil se diferenciam pela preocupação com as origens


e identidade nacionais (primeira geração), pelo pessimismo e fuga da realidade (segunda gera-
ção) e pelo teor político e social (terceira geração).

VOCÊ JÁ SE PERGUNTOU COMO UM MESMO MOVIMENTO ARTÍSTICO


PODE TRATAR TEMAS DISTINTOS?

Antonio Candido, em Formação da Literatura Brasileira, defende a ideia de que o Brasil


retrata o nacionalismo, mas também cultiva parte do estilo europeu, quando os autores come-
çam a sobrepor as questões individuais às nacionais:

[...] a renovação literária apresenta, no Brasil, dois aspectos básicos: naciona-


lismo e Romantismo propriamente dito, sendo este o conjunto dos traços es-
pecíficos do espírito e da estética imediatamente posteriores ao Neoclassi-
cismo, na Europa e suas ramificações americanas. (CANDIDO, 1997,
VOLUME 2, 15)

O Romantismo vai difundir o sentimento nacional e criar o conceito de LITERATURA


NACIONAL como expressão mais completa da “evolução” espiritual de uma nação, gerando
consequentemente o desejo dos indivíduos construírem histórias das literaturas modernas.
Histórias que deixassem o caráter de registro de livros e passassem a ser história das obras e
das ideias.

57
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Candido ainda continua a sua análise, lembrando da sensação ruim que tal divisão te-
mática provocava entre os escritores das segunda e terceira gerações:

Esta tendência era reputada de tal modo fundamental para a expressão do


Brasil, que os jovens da segunda geração manifestaram verdadeiro remorso
ao sobrepor-lhe os problemas estritamente pessoais, ou ao deixá-la pelos te-
mas universais e o cenário de outras terras. (CANDIDO, 1997, VOLUME 2,
12)

MAS, O QUE VEM A SER O NACIONALISMO?


Em linhas gerais, podemos dizer que nacionalismo é a tendência a valorizar os aspectos
culturais, históricos, políticos e estéticos de uma nação, aquela a que pertencemos.
O projeto romântico comportava a dicotomia Civilização – atributo da cultura branca –
em contraste com o Primitivismo dos índios, daí decorrendo a ideia da fusão das culturas,
sempre com a submissão do índio, numa alusão à civilização que avança sobre a natureza.
De acordo com esse pensamento, os povos indígenas eram os bárbaros, a natureza sel-
vagem a ser domada pela civilização, cultura branca, para formar a nação brasileira. Esta bar-
bárie estava ligada às representações que o estrangeiro, sobretudo o colonizador, tinha acerca
dos povos indígenas no Brasil: de não civilizados, por conta das crueldades que praticavam
principalmente a antropofagia.
Devemos atentar para a necessidade de refletir sobre o conceito de nação.

FONTE: HTTP://ADDSITE.FILES.WORDPRESS.COM/2009/04/INDIO-ADDSITE-WORDPRESS-ELTON-BOSS.JPG

Para Andrew Edgar e Peter Sedgwick (2003), em Teoria cultural de A a Z: Conceitos-


chave para entender o mundo contemporâneo, a concepção de nação, qualquer que seja ela,
deve considerar os critérios étnicos, históricos e linguísticos, bem como as noções políticas de
legitimidade, burocracia e fronteiras estabelecidas e devidamente reconhecidas.

58
ADIMARI CAJADO
O conceito de nação é, portanto, bastante difícil de delimitar e, em se tratando da nação
brasileira apresentada pelo romantismo, a versão que se tem é a de uma grande invenção.
Durante o processo de formação da nação brasileira, a literatura tomou o ÍNDIO como
elemento formador da identidade nacional.
A independência do Brasil, e não mais o achamento do país, passa a ser o marco dos es-
tudos da era nacional, pois finalmente estamos saindo do jugo português. Foi no Romantismo
que se consolidou o mito da nação brasileira, reforçado pelo evento da Independência.
A ideia de um país independente traz à tona a necessidade de fazer do Brasil uma nação
grandiosa, com uma história gloriosa. Na ausência da história real, aparece então a história
inventada: o mito.
Para entendermos o processo de formação da nacionalidade implementado pelos inte-
lectuais românticos é necessário entender que o espírito nacional, segundo a concepção ro-
mântica, emerge de um passado mítico. Assim, estes intelectuais vão buscar nas tradições in-
dígenas e na história da colonização brasileira um passado heróico.

MITO?
O mito engloba e expressa crenças e valores compartilhados por, e definidores de, um
grupo cultural específicoUm mito pode explicar a origem do grupo, o lugar daquele grupo
no mundo e sua relação com outros grupos, e ilustrar ou exemplificar os valores morais
venerados pelo grupo.

Os intelectuais românticos precisam de uma origem, de um ponto de partida para cons-


truir a identidade nacional. Por isso, as várias narrativas que tentaram compor a identidade
nacional refletem ou funcionam como mitos de fundação.

MAS O QUE É MITO FUNDADOR?


Segundo Marilena Chauí (2000), em Brasil, Mito Fundador e Sociedade Autoritária: “o
mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas
linguagens, novos valores e ideias, de tal modo que quanto mais parece ser outra coisa tan-
to mais é a repetição de si mesmo.“

FONTE: (CHAUI, 2000)

Ainda de acordo com as ideias de Chauí (2000), um passado mítico é o ponto de surgi-
mento. Daí surge toda uma tradição que justifica as relações e as tensões ao longo da história.
A fundação se refere a um momento passado imaginário, tido como instante originário que se
mantém vivo e presente no curso do tempo, isto é, a fundação visa a algo tido como perene

59
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
que sustenta o curso temporal da história e lhe dá sentido.Ainda como legado do movimento
romântico, temos o surgimento do romance no Brasil. Até então, os textos escritos em prosa
estavam muito distantes desse tipo de narrativa.
Cronologicamente, o primeiro romance brasileiro foi O Filho do Pescador (1843), de
Teixeira e Sousa. Essa obra, no entanto, tem apenas valor histórico, pois não traz uma elabora-
ção literária propriamente dita. O primeiro lugar na prosa romântica cabe ao romance A Mo-
reninha, de Joaquim Manuel de Macedo. A partir dessa obra, muitos romances foram publi-
cados, atendendo a um número cada vez maior de leitores.
O romance romântico apresenta no Brasil quatro tendências: o romance urbano, o indi-
anista, o regionalista e o histórico.

PRIMEIRA GERAÇÃO
A primeira geração é marcada por um grupo de escritores empenhados em nacionalizar
a nossa literatura, em imprimir cor local, por isso apresentam em seus textos a exaltação da
natureza, resgate ao passado histórico, o índio idealizado como herói nacional, sentimentalis-
mo e a religiosidade.
Entre os principais autores podemos destacar Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães,
José de Alencar, Araújo Porto-Alegre.

Gonçalves Dias

FONTE: HTTP://WWW.UFRGS.BR/PROIN/IMAGENS/AUTORES/GONCDIAS.JPG

É considerado o principal responsável por consolidar a literatura romântica no Brasil.


Os seus temas preferidos foram: a natureza edênica, o resgate de um passado histórico e índio,
revestido de heroísmo e legítimo representante nacionalista.
No que se refere à obra poética, temos que acrescentar a temática lírica, além da nacio-
nalista. Vejamos um de seus poemas mais famosos, a Canção do Exílio, com o qual eternizou
a natureza exuberante do Brasil.

60
ADIMARI CAJADO
CANÇÃO DO EXÍLIO
(Kennst du das Land, wo die Citronen bluhn,
Im dunkeln Laub die Gold-Orangen gluhn,
Kennst du es wohl?
Dahin, Dahin!
Möcht ich... ziehn!
Goethe)

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

FONTE: DIAS, Antônio Gonçalves. Canção do Exílio. Disponível em:

61
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
< http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000100.pdf> Acesso em 16
dez. 09

Conforme podemos observar, o poema eterniza a representação de um Brasil de nature-


za exuberante e merecedora de cantos de louvação. Essa imagem do Brasil, ou representação,
persiste desde os cronistas na era colonial e permanece até os dias de hoje, basta lembrarmos a
expressão Paraíso Tropical quando nos referimos ao país. A Canção do Exílio ainda ficou
marcada na nossa história literária por ser um texto constantemente parodiado.
Passando a outro ponto de obra de Gonçalves Dias, o indianismo, destacamos o poema
I-Juca Pirama. A poesia de Gonçalves Dias apresenta o índio com características de civiliza-
ção. Para isso é necessário idealizá-lo e ritualizar a antropofagia, símbolo de sua barbárie. Ve-
jamos então a obra Juca Pirama, que tematiza justamente esta questão.
I-Juca Pirama foi publicado em 1851, em Últimos Cantos. Se traduzido da língua tupi, o
significado de Juca Pirama é aquele que há de ser morto. O índio é idealizado seguindo o mol-
de romântico: características de cavaleiro medieval que segue indistintamente o rigoroso códi-
go de ética de sua tribo ou povo, possui honra e coragem.
O poema conta a história de Juca Pirama, último guerreiro tupi, que vive a acompanhar
e proteger o pai, um velho chefe guerreiro cego e doente. O herói é capturado pelos Timbiras,
tribo oponente ao seu povo, conhecida por serem ferozes e canibais. Como parte do ritual
antropofágico, o prisioneiro deveria entoar o canto de morte que narraria suas aventuras,
honra e coragem, entretanto, em meio às suas lutas, o herói lembra do pai e suplica pela vida.
Os Timbiras interpretam o ato como covardia, o que torna o herói indigno de ser devorado. O
guerreiro tupi acaba sendo solto, mas promete que retornará após a morte do pai, mas este
também o rejeita, uma vez que vê o ato do filho como sinônimo de covardia e o leva de volta
aos Timbiras e o amaldiçoa, conforme podemos ver no canto VIII.

VIII

Tu choraste em presença da morte?


Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;

Pois choraste, meu filho não és!


Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.

62
ADIMARI CAJADO
"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!
Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
Um amigo não tenhas piedoso.
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;

63
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Pois que a tanta vileza chegaste,

Que em presença da morte choraste,

Tu, cobarde, meu filho não és.

FONTE: DIAS, Golçalves. I-Juca Pirama. Disponível em:


<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000113.pdf> Acesso em: 17
dez. 09

O filho reage e resolve provar a sua bravura diante do pai e dos inimigos, lutando contra
os inimigos e após destruir a tribo Timbira, o chefe lhe ordena que pare. A honra é então re-
cuperada e o guerreiro é finalmente comido pelos inimigos.
Em Juca Pirama, Gonçalves Dias retrata o canibalismo como ritual, a antropofagia, cos-
tume indígena que valorizava a coragem e a bravura, apenas os fortes eram dignos de serem
comidos.

José de Alencar

FONTE: HTTP://WWW.ACADEMIA.ORG.BR/ABL/MEDIA/JOSE_DE_ALENCAR.GIF

José de Alencar é sem dúvida o escritor mais estudado do período romântico, quer pelas
características de sua obra, quer pelas narrativas fundacionais que escreveu.
Alencar é considerado um escritor consciente de seu trabalho intelectual e do alcance
que isso traria, por isso investe na qualidade estética. Antonio Candido elogiando o escritor,
afirma que:

A sua arte literária é, portanto, mais consciente e bem armada do que suporí-
amos à primeira vista. Parecendo um escritor de conjuntos, de largos atira-
dos com certa desordem, a leitura mais discriminada de sua obra revela, pelo

64
ADIMARI CAJADO
contrário, que a desenvoltura aparente recobre um trabalho esclarecido dos
detalhes, e a sua inspiração, longe de confirmar-se soberana, é contrabalan-
çada por boa reflexão crítica. Tanto assim, poderíamos dizer, que na verdade
não escreveu mais do que dois ou três romances, ou melhor, nada mais fez,
nos vinte e um publicados, do que retomar alguns temas básicos, que expe-
rimentou e enriqueceu, com admirável consciência estética, a partir do com-
promisso com a fama, assumido n’O Guarani. (CANDIDO, 1975, VOLUME
2, 211)

No rol dos romances de temática indianista, o escritor escreve três obras:


Iracema, o Guarani e Ubirajara.

O GUARANI – ATELIÊ FACCHINA

FONTE: HTTP://MOSAICOSDOBRASIL.TRIPOD.COM/SITEBUILDERCONTENT/SITEBUILDERPICTURES/FACCHINAECGOMES.JPG

Segundo Zilá Bernd (2003), Alencar tentou reconstituir o processo de construção da na-
cionalidade brasileira através de seus romances. Estes romances testemunham os encontros e
desencontros entre índios e brancos no Brasil, e impregnados de características românticas,
estas duas etnias são idealizadas enquanto formadores da "nação" brasileira, sendo concebidos
como heróis.
As histórias mostram sempre o conflito Civilização X Barbárie, que remete ao embate
Cultura X Natureza, do qual a cultura sai vencedora, justificando, assim, a dominação portu-
guesa.
Doris Sommer (2004) lembra que mais que um projeto pessoal de Alencar, a construção
da nacionalidade era muito mais um desejo coletivo e vê no escritor alguém que conseguiu
captar esse sonho real e concretizá-lo em suas ficções. Ela explica que os possíveis “casamen-
tos” propostos nos romances, Iracema e O Guarani podem ser lidos como os acordos políti-
cos travados naquele período de consolidação da Nação brasileira e afirma:

Contudo, o caso de amor deu frutos, assim como aconteceu com Iracema e
Martim. Os casamentos políticos e culturais que Dom Pedro realizou produ-
ziram um Brasil conflituoso, porém ainda promissor, tão promissor quanto
Moacir, filho de Iracema. Ainda que a conciliação política fosse apenas um

65
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
sonho, como Alencar parece estar dizendo, não precisamos supor que se a-
corda de um sonho de mãos vazias. Como o sonho da rosa que se materializa
no travesseiro do sonhador, a que se refere Borges, Alencar e seus leitores se
deparam com Moacir, com muitos Moacires, Iracemas e Peris; eles são a
prova material de que a ficção não é exatamente irreal. A dor que dá nome ao
filho de Iracema e a saudade que ele certamente irá sentir de sua mãe são tão
essencialmente brasileiros quanto sua mistura mestiça de raças. Moacir é
uma nova linhagem, em que um passado inconfundivelmente brasileiro se
mescla com um futuro imprevisível; ele é a resposta à brasilidade, tanto tupi
quanto não tupi. (SOMMER, 2004, 200-201)

O resultado dessa leitura alegórica garante a Alencar o título de escritor maduro e inte-
lectual responsável.
O escritor tem ainda uma vasta coleção de obras que podem ser assim divididas:
• Romances indianistas: O Guarani, Iracema, Ubirajara
• Romances históricos: As Minas de Prata, A Guerra dos Mascates, O Garatuja, Alfar-
rábios
• Romances urbanos: Cinco Minutos, a Viuvinha, Lucíola, Diva, A Pata da Gazela,
Sonhos d'Ouro, Senhora, Encarnação.
• Romances regionalistas: O Gaúcho, O Tronco do Ipê, Til, O Sertanejo.

Manuel Antônio de Almeida

FONTE: HTTP://WWW.PASSEIWEB.COM/SAIBA_MAIS/BIOGRAFIAS/M/IMAGENS/MANUEL_ANTONIO_DE_ALMEIDA.JPG

Apesar das divisões sistemáticas que fazemos das escolas literárias, sabemos que todas as
pessoas que escrevem num mesmo período não precisam necessariamente ter as mesmas ca-
racterísticas. Um desses casos é o de Manuel Antônio de Almeida. O único romance do escri-
tor, Memórias de um Sargento de Milícias foi publicado primeiramente sob a forma de folhe-
tins, nos anos de 1852 e 1854, e depois em livro sob o pseudônimo de Um Brasileiro e difere
em muitos aspectos dos demais romances de sua época.

66
ADIMARI CAJADO
O romance é popular desde a linguagem à confecção das personagens. O livro tem ca-
racterísticas realistas e retrata a vida no Rio de Janeiro da época num clima picaresco, sob a
perspectiva do povo marginalizado, sofrido. O herói cede lugar ao chamado anti-herói, sem
qualidades, recuperando o famoso e tão conhecido nosso "jeitinho brasileiro", muito seme-
lhante ao pícaro espanhol. Sobre o escritor Antonio Candido afirma:

Admirável contador de histórias, com uma prosa direta e simples, nua como
a visão desencantada e imparcial que tinha da vida. Por isso mesmo, interes-
sava-se pelo geral, comum ao grupo. Os homens são todos mais ou menos os
mesmos; logo, os seus costumes exprimiriam sem dúvida uma constância
maior, seriam menos fugazes do que os matizes individuais. Manuel Antonio
é, por excelência, em nossa literatura romântica, o romancista de costumes.
Seu livro, o mais rico em informações seguras, o que mais objetivamente se
embebeu numa dada realidade social. É quase incrível que, em 1852, um ca-
rioca de vinte anos conseguisse estrangular a retórica embriagadora, a distor-
ção psicológica, o culto do sensacional a fim de exprimir uma visão direta da
sociedade de sua terra. E por te-lo feito, com tanto senso dos limites e possi-
bilidades da sua arte, pressagiou entre nós o fenômeno de consciência literá-
ria que foi Machado de Assis, realizando a obra mais discretamente máscula
da ficção romântica. (CANDIDO, 1975, VOLUME 2, 199)

Quando foi publicado o romance praticamente não teve aceitação por parte dos críticos
apesar da sua grande apreciação popular, mas tempos depois a crítica conseguiu enxergar nele
características que o colocariam à frente do seu tempo, como uma obra original e extraordiná-
ria.

SEGUNDA GERAÇÃO
A diferença em relação à geração anterior é muito grande. Devemos entender que a se-
gunda geração estava impregnada de egocentrismo, negativismo boêmio, pessimismo, dúvida,
desilusão adolescente e tédio constante, elementos característicos do ultrarromantismo, o
chamado verdadeiro mal do século – nome dado à tuberculose, doença que abateu a maioria
dos poetas dessa segunda fase, que morreu muito jovem. Ou seja, este grupo de escritores se
afasta ideologicamente do primeiro por estar muito mais ligada a interesses individuais, de
expressão do seu eu, distanciando-se do senso coletivo, de busca de uma origem e um passado
heróico e grandioso do Brasil.
As principais características desse período são exagero pelo subjetivismo e emociona-
lismo (tédio, devaneio, sonho, desejo da morte estão sempre presentes). E para falarmos mais
especificamente sobre a segunda geração, é de fundamental importância sabermos que os au-
tores nela consagrados sofreram influências do poeta inglês Lord Byron, autor de uma criação

67
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
poética agressiva contra a sociedade e que a figura do poeta confundia-se com a de seus heróis
– melancólicos – misteriosos e sombrios.
Em comum, os poetas desta geração têm o fato de terem morrido muito jovens, decor-
rência de doenças que adquiriram por conta do modo de vida boêmio que levavam.
Os principais poetas dessa geração foram Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Jun-
queira Freire e Fagundes Varella.

Álvares de Azevedo

FONTE: HTTP://WWW.UFRGS.BR/PROIN/IMAGENS/AUTORES/ALVARES%20DE%20AZEVEDO.JPG

O poeta paulista Álvares de Azevedo legou-nos uma vasta produção literária. Morreu
aos 20 anos, vítima de tuberculose.
Toda a sua obra foi publicada postumamente e podemos destacar Noite na Taverna
(1855), um livro de contos, Macário (1855), uma peça de teatro e o livro de poesias Lira dos
Vinte Anos (1853).
Entre seus temas está o amor platônico, representado por virgens misteriosas que não se
concretizam, conforme podemos ver no poema abaixo:

SONETO
Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! Na escuma fria


Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada

68
ADIMARI CAJADO
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! O seio palpitando...

Negros olhos as pálpebras abrindo...


Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!


Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!

FONTE: AZEVEDO, Álvares de. Soneto. Disponível em:


< http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000021.pdf> Acesso em: 20
dez. 09.

Além do tema amoroso, temos a fixação pela ideia da morte, confirmado não só nos tex-
tos como também nas cartas à mãe e à irmã.

Casimiro de Abreu

FONTE: HTTP://WWW.PORTALSAOFRANCISCO.COM.BR/ALFA/CASIMIRO-DE-ABREU/CASIMIRO-DE-ABREU.PHP

O poeta carioca viveu como comerciante e a exemplo dos demais jovens da sua geração
morreu jovem. O autor de As Primaveras apresenta pouco ou quase nada em termos de inova-
ções, a não ser pela temática. É conhecido como poeta da infância e seu poema mais famoso é
Meus oito anos.

MEUS OITO ANOS


Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!

69
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,

Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias


Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!

Que aurora, que sol, que vida,


Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!


Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus —
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,

70
ADIMARI CAJADO
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos

Ia colher as pitangas,

Trepava a tirar as mangas,


Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho


Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

FONTE: ABREU, Casimiro. Meus oito anos. Disponível em:


< http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000163.pdf> Acesso em: 20
dez. 09

Junqueira Freire

FONTE: HTTP://WWW.PORTALSAOFRANCISCO.COM.BR/ALFA/JUNQUEIRA-FREIRE/JUNQUEIRA-FREIRE.PHP

71
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Poeta baiano, Junqueira Freire teve a infância e adolescência marcada por problemas
cardíacos. Cursou Humanidades e depois, por pressões familiares ingressou na Ordem dos
Beneditinos, ainda sem vocação, tornou-se monge. Arrependido de tal decisão, pediu a secula-
rização dos votos e voltou a viver na casa de sua mãe, onde passou a reunir seus versos, publi-
cando-os sob o título de Inspirações do Claustro.

SONETO
Arda de raiva contra mim a intriga,
Morra de dor a inveja insaciável;
Destile seu veneno detestável
A vil calúnia, pérfida inimiga.

Una-se todo, em traiçoeira liga,


Contra mim só, o mundo miserável.
Alimente por mim ódio entranhável
O coração da terra que me abriga.

Sei rir-me da vaidade dos humanos;


Sei desprezar um nome não preciso;
Sei insultar uns cálculos insanos.

Durmo feliz sobre o suave riso


De uns lábios de mulher gentis, ufanos;
E o mais que os homens são, desprezo e piso.

FONTE: FREIRE, Junqueira. Soneto. Disponível em:


< http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/junqueira-freire/arda-de-raiva.php> A-
cesso em: 22 de dez. 09

Embora sua poesia seja marcada pelo cunho religioso, aparece também a questão social,
o que leva alguns críticos a considerá-lo como pertencente à terceira geração romântica, por
possuir sentimento brasileiro, além de uma tendência antimonárquica, liberal e social.

72
ADIMARI CAJADO
Fagundes Varella

FONTE: HTTP://WWW.PORTALSAOFRANCISCO.COM.BR/ALFA/FAGUNDEZ-VARELLA/FAGUNDEZ-VARELLA.PHP

Assim como o poeta Junqueira Freire, a obra do poeta carioca Fagundes Varella é de di-
fícil classificação por conta dos temas voltados para o social, o que o torna precursor do con-
doreirismo. Mas a vida pessoal foi conturbada e isso refletiu em boa parte da sua obra, a e-
xemplo da morte do filho contada em Cântico do Calvário.

CÂNTICO DO CALVÁRIO
À memória de meu Filho
morto a 11 de dezembro de 1863
Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, a inspiração, a pátria,
O porvir de teu pai! – Ah! no entanto,
Pomba, - varou-te a flecha do destino!
Tornei-me o eco das tristezas todas
Que entre os homens achei! o lago escuro
Onde o clarão dos fogos da tormenta
Miram-se as larvas fúnebres do estrago!
Por toda a parte em que arrastei meu manto

73
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Deixei um traço fundo de agonias!...
Oh! quantas horas não gastei, sentado
Sobre as costas bravias do Oceano,
Esperando que a vida se esvaísse
Como um floco de espuma, ou como o friso

Que deixa n'água o lenha do barqueiro!

Quantos momentos de loucura e febre


Não consumi perdido nos desertos,
Escutando os rumores das florestas,
E procurando nessas vozes torvas
Distinguir o meu cântico de morte?
Quantas noites de angústias e delírios
Não velei, entre as sombras espreitando
A passagem veloz do gênio horrendo
Que o mundo abate ao galopar infrene
Do selvagem corcel!... E tudo embalde! [...]

FONTE: VARELLA, Fagundes. Cântico do Calvário. Disponível em:


< http://www.revista.agulha.nom.br/fvarela.html#calvario> Acesso em: 22 dez. 09

TERCEIRA GERAÇÃO
Conforme já antecipamos ao falar de Junqueira Freire e Fagundes Varella, a terceira ge-
ração foi marcada pela poesia de caráter social. Há, portanto um retorno às preocupações so-
ciais e nacionais, que foi interrompida na segunda geração.
Os escritores desse período sofreram influência da poesia político-social de Victor Hugo
e por isso são também conhecidos como hugoanos. O condor - ave de voo alto capaz de en-
xergar a distância - foi utilizado como símbolo pelo poeta francês, daí a expressão condorei-
rismo. Trata-se de uma poesia mais atenta aos problemas da vida social e política.
No Romantismo existia, de início, um elemento realístico. É uma observação para a
qual a história literária francesa fornece numerosos elementos. Essa observação serve para
esclarecer melhor o caso do romântico meio realista Visconde de Taunay, assim como a con-
temporaneidade do realista Manuel Antônio de Almeida com aqueles poetas românticos. Mas
não serve para esclarecer o realismo especificamente antirromântico, ou melhor, a-romântico
de Machado de Assis.

74
ADIMARI CAJADO
No Brasil, o Condoreirismo incorporou os temas abolicionistas e republicanos. Através
dessa temática, conseguiu despertar um espírito crítico diante das consciências que notada-
mente ansiavam pelo desejo da libertação da escravatura. Assim, o amor platônico cede lugar
ao amor carnal e ao individualismo, ao coletivo.
A escravidão assumiu uma importância cada vez maior para a mineração, uma vez que o
ciclo do ouro exigia, cada vez mais, um contingente maior de escravos.
Mas Karl Marx já preconizava que o trabalho não seria livre na pela branca se a pele ne-
gra continuasse marcada com ferro quente. E isso começa a garantir o surgimento dos movi-
mentos abolicionistas e das pressões internacionais. Entretanto, a escravidão se mantinha no
Brasil e continuava sustentando um modelo produtivo decadente.
Embora seja lembrado quase sempre como o poeta condoreiro, Castro Alves não foi o
único grande nome dessa corrente. Além dele, podemos lembrar a importância de Joaquim
Nabuco, Sousândrade e Tobias Barreto.

Castro Alves – O poeta dos escravos

FONTE: HTTP://WWW.ACADEMIA.ORG.BR/ABL/MEDIA/CASTRO_ALVES_2_GDE.JPG

A sua poesia retrata o sofrimento dos escravos. É considerada uma poesia libertária,
porque conclama a abolição.
Segundo Domício Proença Filho (2004):

Se em sua visão idealizadora o poeta não consegue escapar do estereótipo, se


ele não dá voz ao negro, se comporta como um advogado de defesa que quer
comover a platéia e provar a injustiça da situação que denuncia. (PROENÇA
FILHO, 2004)

Proença acusa o poeta baiano de não atribuir, na quase totalidade dos seus poemas sobre
a escravidão, qualquer movimento de reação ou de revolta ao escravo, marcado pela atitude
resignada. Segundo o estudioso, o que move a indignação do poeta é, sobretudo, o sofrimento

75
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
do negro, que ele vê como ser humano, e mais a necessidade de a nação livrar-se da mancha
da escravidão.

O NAVIO NEGREIRO
Tragédia no Mar
1a.
'STAMOS em pleno mar... Doudo no espaço

Brinca o luar — doirada borboleta —

E as vagas após ele correm... cansam


Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento


Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias
— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos


Ali se estreitam num abraço insano
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dois é o céu? Qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar... Abrindo as velas


Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem?... Onde vai?... Das naus errantes


Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste Saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora


Sentir deste painel a majestade!...
Embaixo — o mar... em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!


Que música suave ao longe soa!

76
ADIMARI CAJADO
Meu Deus! Como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! Ó rudes marinheiros


Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! Esperai! deixai que eu beba

Esta selvagem, livre poesia...


Orquestra — é o mar que ruge pela proa,
E o vento que nas cordas assobia...

Por que foges assim, barco ligeiro?


Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar – doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,


Tu, que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviatã do espaço!
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas...

FONTE: ALVES, Castro. O Navio Negreiro. Disponível em:


< http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000068.pdf> Acesso em: 23
dez 09

Assim, Castro Alves seguia na luta arrebatadora pela abolição da escravidão no Brasil,
denunciado a América como o lugar em que se mantinha os negros cativos, falando dos hor-
rores na travessia dos negros nos grandes navios.
Mas Castro Alves não foi o único a falar de escravidão no Brasil. O que os estudos mais
contemporâneos fazem questão de resgatar são as vozes que foram silenciadas pelo cânone.
Evidenciam-se, na sua trajetória no discurso literário nacional, dois posicionamentos
acerca da representação do negro: a condição negra como objeto, numa visão distanciada, e o
negro como sujeito, numa atitude compromissada. Tem-se, desse modo, literatura sobre o
negro, de um lado, e literatura do negro, de outro. Assim temos Castro Alves e os escritores
realistas como aqueles que apresentam o negro como objeto: a visão distanciada; e de outro

77
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
lado, Luis Gama e uma série de outros escritores que vão fazer a questão de etnia uma bandei-
ra para suas produções, de acordo com o estudo de Domício Proença Filho.

Luís Gama

FONTE: HTTP://WWW.AMERICA.ORG.BR/TEMPLATES/IMAGES/JPG/LUIS_GAMA.GIF

Contemporâneo de Castro Alves, Luís Gama também escreveu sobre a questão negra,
mas a sua escrita não se detém ao sofrimento da escravidão, se propõe a denunciar o precon-
ceito racial e as diversas formas de exclusão do negro na sociedade. A sua poesia é, sobretudo,
afirmativa, porque procura reverter a imagem de submissão do negro diante das humilhações
que lhe são impostas. É importante ressaltar que Luís Gama era negro e a sua escrita reflete
uma vivência da sua condição de negro e intelectual, daí a sua postura afirmativa da condição
negra, reflexo do seu lugar de enunciação.
Poeta satírico, também costumava ocultar-se sob o pseudônimo de Afro, Getulino e
Barrabás. Sua principal obra foi Primeiras trovas burlescas de Getulino, de 1859, onde se en-
contra a sátira Quem sou eu?, também conhecida como Bodarrada.

78
ADIMARI CAJADO
BODARRADA1 ou QUEM SOU EU?
Quem sou eu? Que importa quem? À sandice, à fidalguia; Têm brasões, não - das Kalendas;
Sou um trovador proscrito, Das manadas de Barões? E com tretas e com furtos
Que trago na fronte escrito Anjo Bento, antes trovões. Vão subindo a passos curtos;
esta palavra "Ninguém!" Faço versos, não sou vate, Fazem grossa pepineira,
A.E. Zaluar - "Dores e Flores" Digo muito disparate, Só pela arte do Vieira,
Amo o pobre, deixo o rico, Mas só rendo obediência E com jeito e proteções.
Vivo como o Tico-tico; À virtude, à inteligência: Galgam altas posições!
Não me envolvo em torvelinho, Eis aqui o Getulino Mas eu sempre vigiando
Vivo só no meu cantinho; Que no pletro anda mofino. Nessa súcia vou malhando
Da grandeza sempre longe Sei que é louco e que é pateta De tratante, bem ou mal,
Como vive o pobre monge. Quem se mete a ser poeta; Com semblante festival
Tenho mui poucos amigos, Que no século das luzes, Dou de rijo no pedante
Porém bons, que são antigos, Os birbantes mais lapuzes, De pílulas fabricante
Fujo sempre à hipocrisia, Compram negros e comendas, Que blasona arte divina
Com sulfatos de quinina De maçante e mau estilo; Em todos há meus parentes.
Trabusanas, xaropadas, E que os homens poderosos Entre a brava militança
E mil outras patacoadas. Desta arenga receosos Fulge e brilha alta bodança;
Que, sem pingo de rubor Hão de chamar-me Tarelo Guardas, Cabos, Furriéis
Diz a todos que é DOUTOR! Bode, negro, Mongibelo; Brigadeiros, Coronéis
Não tolero o magistrado, Porém eu que não me abalo Destemidos Marechais,
Que do brio descuidado, Vou tangendo o meu badalo Rutilantes Generais,
Vende a lei, trai a justiça Com repique impertinente, Capitães de mar-e-guerra
- Faz a todos injustiça - Pondo a trote muita gente. - Tudo marra, tudo berra -
Com rigor deprime o pobre Se negro sou, ou sou bode Na suprema eternidade,
Presta abrigo ao rico, ao nobre, Pouco importa. O que isto pode? Onde habita a Divindade,
E só acha horrendo crime Bodes há de toda casta Bodes há santificados,
No mendigo, que deprime. Pois que a espécie é muito vasta... Que por nós são adorados.
- neste dou com dupla força, Há cinzentos, há rajados, Entre o coro dos Anjinhos
Té que a manha perca ou torça. Baios, pampas e malhados, Também há muitos bodinhos.
Fujo às léguas do lojista, Bodes negros, bodes brancos, O amante de Syringa
Do beato e do sacrista - E, sejamos todos francos, Tinha pêlo e má catinga;
Crocodilos disfarçados, Uns plebeus e outros nobres. O deus Mendes, pelas costas,

1
Nome popular do poema "Quem sou eu?", escrito por Luís Gama e editado em 1859. "Bode" é o apelido com
que tentavam ridicularizar os que, tal qual Gama, eram negros

79
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Que se fazem muito honrados Bodes ricos, bodes pobres, Na cabeça tinha pontas;
Mas que, tendo ocasião, Bodes sábios importantes, Jove, quando foi menino,
São mais feros que o Leão E também alguns tratantes... Chupitou leite caprino;
Fujo ao cego lisonjeiro, Aqui, nesta boa terra, E segundo o antigo mito
Que, qual ramo de salgueiro, Marram todos, tudo berra; Também Fauno foi cabrito.
Maleável, sem firmeza Nobres, Condes e Duquesas, Nos domínios de Plutão,
Vive à lei da natureza Ricas Damas e Marquesas Guarda um bode o Alcorão;
Que, conforme sopra o vento, Deputados, senadores, Nos lundus e nas modinhas
Dá mil voltas, num momento Gentis-homens, vereadores; São cantadas as bodinhas:
O que sou, e como penso, Belas damas emproadas Pois se todos têm rabicho,
Aqui vai com todo o senso, De nobreza empantufadas; Para que tanto capricho?
Posto que já veja irados Repimpados principotes, Haja paz, haja alegria,
Muitos lorpas enfurnados Orgulhosos fidalgotes, Folgue e brinque a bodaria;
Vomitando maldições, Frades, Bispos, Cardeais, Cesse pois a matinada,
Contra as minhas reflexões. Fanfarrões imperiais, Porque tudo é bodarrada!
Eu bem sei que sou qual Grilo, Gentes pobres, nobres gentes

FONTE: GAMA, LUIS. BODARRADA. DISPONÍVEL EM: < HTTP://BAYO.SITES.UOL.COM.BR/LUISGAMA.HTM>. ACESSO EM: 24 DEZ. 09

1.2.2
CONTEÚDO 2.
O REALISMO E NATURALISMO:
FICÇÃO X REALIDADE
Passada a efervescência do nacionalismo ou mesmo da construção mitológica deste, os
intelectuais brasileiros começam a perceber os detalhes dos conflitos, das relações humanas e
passam a expor esses pormenores no universo ficcional.
O Realismo é a denominação genérica de uma reação artística aos ideais românticos e
caracterizou a segunda metade do século XIX. Desse modo, a literatura passa a ser tida como
instrumento de reflexão sobre a realidade, enquanto, historicamente, observa-se grande avan-
ço científico, sociológico e filosófico.
As profundas transformações vividas pela sociedade, não só na Europa, mas em todo o
mundo, exigiam uma nova postura diante da realidade. O fim da escravidão e o surgimento de
uma nova classe operária assalariada marcam essa época e o mundo ficcional cede lugar aos
detalhes da vida real.
Basicamente, não havia mais espaço para as exageradas idealizações românticas. Portan-
to, o Realismo tem de ser analisado a partir de um novo ponto de referência que surgiu no
horizonte da época: a Europa vivia a primeira fase da Revolução Industrial, ao mesmo tempo

80
ADIMARI CAJADO
em que conhecia o desenvolvimento do pensamento científico e das doutrinas filosóficas e
sociais.
Assim, adotando uma postura declaradamente antirromântica, o Realismo se utilizará
do objetivismo. O nacionalismo e a volta ao passado histórico são deixados de lado e em troca
o Realismo passa a se preocupar com o tempo presente, com o contemporâneo, isto é, o que
estava acontecendo naquele momento e o materialismo leva à negação do sentimentalismo e
da metafísica.
A reunião dessas características para a construção dos romances pode nos dá a impres-
são de cenários negativos. Contudo, Bosi (1994) nos alerta que:

A coexistência de um clima de ideias liberais e uma arte existencialmente ne-


gativa pode parecer um paradoxo, ou, o que seria mortificante, um erro de
enfoque do historiador. Mas o contraste está apenas na superfície das pala-
vras: a raiz comum dessas direções é a posição incômoda do intelectual em
face da sociedade tal como esta se veio configurando a partir da Revolução
Industrial. Agredindo na vida pública o status quo, ele é ainda um rebelde e
um protestatário, como o foram, entre nós, Raul Pompéia, Aluísio de Azeve-
do, Adolfo Caminha e o Machado jovem; mas, introjetando-o nos meandros
de sua consciência, reificando-o como lei natural e como seleção dos mais
fortes, ele acaba depositário de desencantos e, o mais das vezes, conformista.
O apelo ao destino, recorrente em grandes naturalistas europeus como Gio-
vanni Verga e Thomas Hardy, deve ser visto à luz dessa dialética de revolta e
impotência a que tantas vezes se tem reduzido a condição do escritor no
mundo contemporâneo. (BOSI, 1994, p.168)

Outra característica forte do Realismo é a crítica ao modo de vida romântica, o que gera,
muitas vezes, uma anarquização dos valores burgueses, como ocorre em Madame Bovary,
romance do autor francês Gustave Flaubert, em que uma personagem feminina (Ema), leitora
de romances românticos, adoece por não conseguir vivenciar a paixão que é descrita nos li-
vros. Nessa mesma linha de crítica à busca exagerada de viver o grande amor e encontrar o par
perfeito, idealizados pelos românticos, vem O primo Basílio, do escritor português Eça de
Queirós.
Qual a diferença do romance naturalista para o realista?
Apesar de aparecerem quase sempre juntos, o realismo e o naturalismo são escolas dife-
rentes entre si. O que as uni é o fato de acontecerem quase simultaneamente. Vejamos o qua-
dro abaixo com as características de cada um dos períodos:

81
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
REALISMO NATURALISMO
- Influência da literatura de Gustave Flaubert - Influência da literatura de Émile Zola
(França). (França).
- Romance documental, apoiado na observa- - Romance experimental, apoiado na ex-
ção e na análise. perimentação e observação científica.
- A investigação da sociedade e dos caracteres- A investigação da sociedade e dos carac-
individuais é feita “de dentro para fora”, porteres individuais ocorre “de fora para den-
meio de análise psicológica capaz de abranger tro”, os personagens tendem a se simplifi-
sua complexidade, utilizando a ironia, que car, pois são vistos como joguetes,
sugere e aponta, em vez de afirmar. pacientes dos fatores biológicos, históricos
- Volta-se para a psicologia, centrando-se e sociais que determinam suas ações, pen-
mais no indivíduo. samentos e sentimento.

- As obras retratam e criticam as classes do- - Volta-se para a biologia e a patologia,


minantes, a alta burguesia urbana e, normal- centrando-se mais no social.
mente, os personagens pertencem a esta clas- - As obras retratam as camadas inferiores,
se social. o proletariado, os marginalizados e, nor-
- O tratamento imparcial e objetivo dos temas malmente, os personagens são oriundos
garante ao leitor um espaço de interpretação, dessas classes sociais mais baixas.
de elaboração de suas próprias conclusões a - o tratamento dos temas com base em
respeito das obras. uma visão determinista conduz e direcio-
na as conclusões do leitor e empobrece
literariamente os textos.

Na tentativa de distinguir o Realismo do Naturalismo e até mesmo do Parnasianismo,


Bosi explica que:

O Realismo se tingirá de naturalismo, no romance e no conto, sempre que fi-


zer personagens e enredos submeterem-se ao destino cego das “leis naturais”
que a ciência da época julgava ter codificado; ou se dirá parnasiano, na poe-
sia, à medida que se esgotar no lavor do verso tecnicamente perfeito. (BOSI,
1994, p.168)

Assim, as diferenças entre essas escolas apesar de serem muito tênues, são de fácil per-
cepção.
Enfim, o Realismo foi uma reação aos exageros românticos, que trouxe de volta a objeti-
vidade ao texto literário. Para entender o Realismo e o Naturalismo nada melhor do que ler os

82
ADIMARI CAJADO
seus romances, porque a linguagem que eles trazem falam por si só e trazem toda a influência
do cientificismo de forma direta, na construção que o narrador faz de seus personagens.

Machado de Assis

FONTE: HTTP://IMG.LISTAL.COM/IMAGE/360605/600FULL-MACHADO-DE-ASSIS.JPG

Machado contrariou todas as expectativas em relação a sua vida pessoal e mesmo profis-
sional, uma vez que conseguiu driblar todas as adversidades de um regime escravocrata. De
família humilde, afro descendente, era gago e ainda sofria de epilepsia. Nada disso atrapalhou
a brilhante carreira desse escritor tão extraordinário.
Antonio Candido afirma que a única vez que a sua descendência atrapalhou sua vida foi
quando quis casar com Carolina, uma portuguesa, mas nesta época já era uma figura influen-
te na sociedade carioca.
Escreveu poemas, contos, crônicas, romances, ensaios, foi crítico literário, enfim legou-
nos uma obra vasta e de qualidade insuperável. As suas personagens conseguem antecipar a
psicanálise de Freud, fato que lhe garante notoriedade no meio acadêmico.
Machado de Assis é considerado um dos principais representantes do Realismo brasilei-
ro e mesmo de toda a literatura brasileira. Escreveu diversos romances nos quais retrata a so-
ciedade carioca do final do século XIX. Suas obras refletem a sua visão crítica e o pessimismo
sobre o ser humano, com pitadas de humor e ironia.
Na verdade, como vimos no conteúdo anterior, muitos escritores considerados român-
ticos já manifestavam em seus escritos as tendências realistas e é extremamente difícil afirmar
onde termina uma escola literária e se inicia outra.
Em uma palestra intitulada Esquema de Machado de Assis, proferida nas universidades
da Flórida e Wisconsin, ambas em 1968, Antonio Candido analisa a obra de Machado de Assis
e destaca alguns elementos: ironia fina, ambiguidade, certo pessimismo, construção de perso-
nagens em crise identitária etc. Entretanto, a orientação final de seu estudo é a de que:

83
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
[...] não procuremos na sua obra uma coleção de apólogos em uma galeria de
tipos singulares. Procuremos, sobretudo as situações ficcionais que ele inven-
tou. Tanto aquelas onde os destinos e os acontecimentos se organizam se-
gundo uma espécie de encantamento gratuito; quanto as outras, ricas de sig-
nificado em sua aparente simplicidade, manifestando, com uma enganadora
neutralidade de tom, os conflitos essenciais do homem consigo mesmo, com
os outros homens, com as classes e os grupos. A visão resultante é poderosa,
como esta palestra não seria capaz sequer de sugerir. O melhor que posso fa-
zer é aconselhar a cada um que esqueça o que eu disse, compendiando os crí-
ticos, e abra diretamente os livros de Machado de Assis. (CANDIDO, 1970,
p.32)

A crítica diverge quanto à caracterização do escritor, alguns o consideram como tendo


duas fases: uma romântica e outra realista; outros o inserem apenas na escola realista. A obra
que serve de pano de fundo para esta confusão é Memórias Póstumas de Brás Cubas, que servi-
rá de marco oficial do Realismo no Brasil e divisor de águas das obras machadianas.

Aluisio de Azevedo

FONTE: HTTP://WWW.PORTALTOSABENDO.COM.BR/EDITOR/ASSETS/FIGURA33.JPG

Observador da sociedade, Aluisio de Azevedo descreveu, em seus romances, os costu-


mes do povo. Dois de seus romances se destacam na apresentação de personagens negros: O
Mulato e O Cortiço.
O escritor maranhense Aluísio de Azevedo é o mais importante representante do Natu-
ralismo no Brasil e seu trabalho foi influenciado basicamente por Émile Zola e Eça de Queirós.
É considerado um dos críticos mais impiedosos da sociedade brasileira do século XIX, pois
procurou retratar a realidade cotidiana em seus detalhes mais sombrios e incômodos. Seus
temas prediletos foram o anticlericalismo, a luta contra o preconceito de cor, o adultério, os
vícios, o povo humilde.

84
ADIMARI CAJADO
O Mulato foi publicado em 1881, no ápice da campanha abolicionista, e provocou e-
norme escândalo. A obra explora a questão racial, embora isso não fosse uma questão postu-
lada pelo Naturalismo. Apesar do contexto, aparentemente favorável ao protagonista, o autor
não o retira da situação de preconceito, o que desaponta muitos leitores hoje, pois mostra a-
través das ideias deterministas que os negros, os afrodescendentes, jamais seriam aceitos na
sociedade brasileira, independentemente das miscigenações que sofressem. Vejamos o resumo
da obra:

Raimundo, homem culto e rico, formado na Europa, descobre, ao retornar ao Brasil, a


impossibilidade de manter um romance com a prima Ana Rosa por conta das amarras do
preconceito racial, diante da comprovação de sua ascendência negra: ele era filho de uma
escrava! Raimundo tem, então, que suportar o peso da intolerância de uma sociedade em
que o valor maior do ser humano era nascer branco e o negro não era considerado gente.
Apesar dos traços brancos que possuía e de todo dinheiro e instrução que possuía, nada do
que fizesse ou alegasse faria mudar o preconceito entranhado nas pessoas daquela época.
Por conta de sua insistência em querer casar-se com Ana Rosa, é assassinado e esta casa-se
com um comerciante branco, amigo de seu pai.

Domício Proença Filho afirma que, de um modo muito geral, na produção literária do
último século e do começo do atual, predomina a imagem do negro de forma estereotipada. O
personagem negro ou mestiço de negros, caracterizado como tal, ganha presença ora como
elemento perturbador do equilíbrio familiar ou social, ora como negro herói, ora como negro
humanizado, amante, força de trabalho produtivo, vítima sofrida de sua ascendência, elemen-
to tranquilamente integrador da gente brasileira, em termos de manifestações.
Sua obra-prima é O cortiço (1890), que narra a vida cotidiana e miserável da classe tra-
balhadora que vive neste tipo de habitação coletiva no Rio de Janeiro. O romance condena
variados aspectos da sociedade da época e personagens “tipos”, como: o português ambicioso,
o fidalgo burguês, o negro, o mestiço, a luta pela vida num ambiente tipicamente brasileiro.

85
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
1.2.3
CONTEÚDO 3.
PARNASIANISMO

FONTE: HTTP://1.BP.BLOGSPOT.COM/_V MANBXWYSQ/RIKMEGEJOHI/AAAAAAAAABM/AGZVIE5YWA4/S320/CUPIDO.JPG

O parnasianismo é considerado a manifestação poética do Realismo, ou seja, é a expres-


são poética presente em meio às ideias antirromanticas. Por isso, preserva traços como a obje-
tividade e o culto da forma.
No Brasil, os artistas que mais influenciaram os poetas dessa época foram Leconte de
Lisle, José Maria Heredia e Théophile Gauthier, marcando uma poesia de base francesa. O
nome da escola é uma alusão às antologias publicadas na França a partir de 1866 com o título
Parnasse Contemporain
Os poetas resgatam o modelo da Antiguidade Clássica, no que se refere ao culto do ra-
cionalismo e na busca de formas perfeitas. Surge a poesia de meditação, filosófica, mas artifi-
cial. Bosi (1994; 219-220) afirma que as características que mais se destacam são: o gosto da
descrição nítida (a mimese pela mimese), concepções tradicionalistas sobre metro, ritmo e rima
e, no fundo, o ideal da impessoalidade que partilhavam com os realistas do tempo.
Entretanto, o traço mais característico da poética parnasiana é o culto da forma: a forma
fixa representada pelos sonetos; a métrica dos versos alexandrinos (12 sílabas poéticas) e de-
cassílabos perfeitos; a rima rica, rara e perfeita. Tudo isso contrapondo-se aos versos livres e
brancos dos românticos.
A consequência desse endeusamento da forma foi uma poesia de linguagem refinada e
extremamente culta, normalmente escrita em ordem indireta. Os temas variam entre retrata-
ção de episódios históricos, descrição da natureza e detalhes de objetos. É a estética da “arte
pela arte”, ou da “arte sobre a arte”, com seus poetas à margem das grandes transformações do
final do século XIX e início do XX e cultuando, sobretudo, a forma, em detrimento do conte-

86
ADIMARI CAJADO
údo. Por todo o distanciamento das questões sociais, políticas, religiosas e morais, a arte par-
nasiana representou uma arte morta e alienada.
Dos poetas parnasianos brasileiros destacam-se três, conhecidos como a tríade parnasi-
ana: Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto Oliveira.

Olavo Bilac

FONTE: HTTP://WWW.BIBLIO.COM.BR/CONTEUDO/BIOGRAFIAS/OLAVOBILAC.GIF

Carioca, nascido em 1865, há quem afirme que já nasceu para a poesia clássica, uma vez
que o nome completo deste poeta é um verso alexandrino. Iniciou os estudos em Medicina,
mas abandonou para fazer Direito em São Paulo. Voltou no ano seguinte ao Rio de Janeiro
para se dedicar ao jornalismo e à literatura. O seu primeiro livro Poesias foi lançado em 1888.
Olavo Bilac é o autor do Hino à Bandeira, mostrando envolvimento com as ideias repu-
blicanas e nacionalistas. É também autor do hino dos poetas parnasianos. Recebeu o título de
Príncipe dos Poetas Brasileiros.
PROFISSÃO DE FÉ
Le poète est cise1eur, Como um rubim. E o tom da voz!
Le ciseleur est poète. Quero que a estrofe cristalina, Olha-os somente, armada e pronta,
Victor Hugo. Dobrada ao jeito Radiante e bela:
Não quero o Zeus Capitolino Do ourives, saia da oficina E, ao braço o escudo a raiva afronta
Hercúleo e belo, Sem um defeito: Dessa procela!
Talhar no mármore divino E que o lavor do verso, acaso, Este que à frente vem, e o todo
Com o camartelo. Por tão subtil, Possui minaz
Que outro - não eu! - a pedra corte Possa o lavor lembrar de um vaso De um vândalo ou de um visigodo,
Para, brutal, De Becerril. Cruel e audaz;
Erguer de Atene o altivo porte E horas sem conto passo, mudo, Este, que, de entre os mais, o vulto
Descomunal. O olhar atento, Ferrenho alteia,

87
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Mais que esse vulto extraordinário, A trabalhar, longe de tudo E, em jato, expele o amargo insulto
Que assombra a vista, O pensamento. Que te enlameia:
Seduz-me um leve relicário Porque o escrever - tanta perícia, É em vão que as forças cansa, e â
De fino artista. Tanta requer, luta

Invejo o ourives quando escrevo: Que oficio tal... nem há notícia Se atira; é em vão

Imito o amor De outro qualquer. Que brande no ar a maça bruta

Com que ele, em ouro, o alto relevo Assim procedo. Minha pena A bruta mão.

Faz de uma flor. Segue esta norma, Não morrerás, Deusa sublime!

Imito-o. E, pois, nem de Carrara Por te servir, Deusa serena, Do trono egrégio

A pedra firo: Serena Forma! Assistirás intacta ao crime

O alvo cristal, a pedra rara, Deusa! A onda vil, que se avoluma Do sacrilégio.

O ônix prefiro. De um torvo mar, E, se morreres por ventura,

Por isso, corre, por servir-me, Deixa-a crescer; e o lodo e a espu- Possa eu morrer

Sobre o papel ma Contigo, e a mesma noite escura

A pena, como em prata firme Deixa-a rolar! Nos envolver!

Corre o cinzel. Blasfemo em grita surda e horren- Ah! ver por terra, profanada,
do A ara partida
Corre; desenha, enfeita a imagem,
Ímpeto, o bando E a Arte imortal aos pés calcada,
A idéia veste:
Venha dos bárbaros crescendo, Prostituída!...
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupa-
gem Vociferando... Ver derribar do eterno sólio
Azul-celeste. Deixa-o: que venha e uivando O Belo, e o som
passe
Torce, aprimora, alteia, lima Ouvir da queda do Acropólio,
- Bando feroz!
A frase; e, enfim, Do Partenon!...
Não se te mude a cor da face
No verso de ouro engasta a rima, Sem sacerdote, a Crença morta
Que não encontre um só amparo
Sentir, e o susto No ouro mais puro.
Em meu caminho!
Ver, e o extermínio, entrando a Celebrarei o teu oficio
porta Que a minha dor nem a um amigo
No altar: porém,
Do templo augusto!... Inspire dó...
Se inda é pequeno o sacrifício,
Ver esta língua, que cultivo, Mas, ah! que eu fique só contigo,
Morra eu também!
Sem ouropéis, Contigo só!
Caia eu também, sem esperança,
Mirrada ao hálito nocivo Vive! que eu viverei servindo
Porém tranquilo,
Dos infiéis!... Teu culto, e, obscuro,
Inda, ao cair, vibrando a lança,
Não! Morra tudo que me é caro, Tuas custódias esculpindo
Em prol do Estilo!
Fique eu sozinho!

FONTE: BILAC, OLAVO. PROFISSÃO DE FÉ. DISPONÍVEL EM:

HTTP://WWW.BIBLIO.COM.BR/DEFAULTZ.ASP?LINK=HTTP://WWW.BIBLIO.COM.BR/CONTEUDO/OLAVOBILAC/PROFISSAODEFE.HTM

88
ADIMARI CAJADO
O poeta ainda se envolveu em várias questões políticas. Se opôs ao governo de Floriano
Peixoto e liderou campanhas em prol da alfabetização e ingresso de jovens no serviço militar,
durante o governo de Venceslau Brás.
O poeta apresenta como características de suas obras a predileção pelo soneto, uso de
linguagem rebuscada e gosto pelas inversões gramaticais, conforme podemos perceber em um
de seus poemas.

Alberto de Oliveira

FONTE: HTTP://PEREGRINACULTURAL.FILES.WORDPRESS.COM/2009/04/ALBERTO-DE-OLIVEIRA-BIOGRAFIAA.JPG

O poeta fluminense Alberto de Oliveira era formado em Farmácia, mas foi professor de
Literatura Brasileira e também Diretor Geral de instrução no Rio de Janeiro. Também foi um
dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.
É considerado pela crítica como o mais parnasiano dos poetas no Brasil e apesar das di-
versas transformações que presenciou, permaneceu com o seu estilo inalterado. Seguiu a risca
as regras da escola Parnasiana em relação à métrica, à perfeição formal e aos temas.

VASO GREGO
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o poeta de Teos que o suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.

Depois... Mas, o lavor da taça admira,

89
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas

Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,

Ignota voz, qual se da antiga lira


Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.

FONTE: OLIVEIRA, Alberto. Vaso Grego. Disponível em:


http://www.revista.agulha.nom.br/ao04.html> Acesso em: 24 dez. 09

Raimundo Correia

FONTE: HTTP://UPLOAD.WIKIMEDIA.ORG/WIKIPEDIA/COMMONS/ARCHIVE/C/C1/20060920221933!RAIMUNDO_CORREIA.JPG

O poeta era advogado, maranhense e viveu praticamente no Rio de Janeiro, onde estu-
dou e fez carreira jurídica. Sua obra é bastante mista de estilos, vai do Romantismo, passa pelo
Parnasianismo e chega a beirar o Simbolismo.
Juntamente com Alberto de Oliveira e Olavo Bilac formam a “Tríade Parnasiana”. A
temática da sua poesia é a perfeição formal dos objetos. Também podemos perceber marcas de
pessimismo exagerado.

SAUDADE
Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropéis mais finos...
Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, bandeiras desfraldadas,

90
ADIMARI CAJADO
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povo, bimbalhar de sinos...

Tudo passou! Mas dessas arcarias

Negras, e desses torreões medonhos,


Alguém se assenta sobre as lájeas frias;

E em torno os olhos úmidos, tristonhos,


Espraia, e chora, como Jeremias,
Sobre a Jerusalém de tantos sonhos!...

FONTE: CORREIA, Raimundo. Saudade. Disponível em:


http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/raimundo-correa/saudade.php> Acesso
em: 25 dez. 09

1.2.4
CONTEÚDO 4.
O SIMBOLISMO

FONTE: HTTP://WWW.DIAADIA.PR.GOV.BR/TVPENDRIVE/ARQUIVOS/FILE/IMAGENS/3PORTUGUES/7NOITEVANGOGH.JPG

O Simbolismo, na literatura brasileira, foi contemporâneo do Parnasianismo, mas isso


só ocorre no Brasil, pois, no mundo inteiro, o Simbolismo já trazia um rompimento com o
formalismo parnasiano, preparando o terreno pra explosão do Modernismo.
Essa característica histórica da literatura brasileira fez com que, momentos depois, já no
Modernismo, o grande combate se desse entre parnasianos e modernistas, uma vez que a esté-
tica parnasiana ainda vigorava, como se o Simbolismo não tivesse existido e rompido com a
estética parnasiana.

91
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Os primeiros sinais do Simbolismo no Brasil podem ser percebidos já no trabalho de
Teófilo Dias, cujas Fanfarras (publicadas em 1882) são consideradas a primeira obra parnasi-
ana da nossa literatura, entretanto, já trazia elementos simbolistas.
Em 1889 são publicadas as Canções da decadência, Medeiros e Albuquerque (1867 –
1934); no ano seguinte, surgem os Versos, de Venceslau de Queirós (1865 – 1921), livros con-
siderados precursores do Simbolismo. A característica comum a esses três poetas é a forte in-
fluência de Charles Baudelaire, poeta francês, cuja obra serviu de modelo a parnasianos e sim-
bolistas.
Você percebe, portanto, que há uma mistura entre um movimento e outro, correto? Pois
você está certíssimo! É somente a partir de 1891 que o movimento simbolista começa a se de-
finir com clareza: surge um grupo de poetas em torno do jornal carioca Folha Popular, que
passa a publicar artigos e textos de figuras como Emiliano Perneta e Cruz e Sousa. Em 1893, a
publicação de Missal e de Broqueis, de Cruz e Sousa, consolida a implantação do movimento
simbolista na literatura brasileira.

Características do Simbolismo
O Simbolismo rejeita o cientificismo, materialismo, racionalismo, que são manifestações
do Realismo, Naturalismo e do Parnasianismo, em contrapartida, valorizando as manifesta-
ções metafísicas e espirituais.
Assim como o Romantismo, o Simbolismo tem ênfase no subjetivismo e procura ressal-
tar no “eu” do poeta o sentimento e a sensibilidade, porém de forma mais profunda que o
Romantismo. O eu tem características universais. O poeta simbolista busca a essência do ser
humano, a alma.
Em última análise, trata-se de uma oposição entre corpo e alma em que a alma só se li-
berta quando se rompem as correntes que a aprisionam ao corpo, ou seja, com a morte.
Em consequência desse subjetivismo, dessa valorização do inconsciente e do subconsci-
ente, dos estados d’alma, da busca do vago, do diáfano, do sonho e da loucura, o Simbolismo
desenvolve uma linguagem carregada de símbolos (o trópos, isto é, o “desvio”, a mudança de
significado de uma palavra ou expressão), em clara oposição a uma linguagem mais seca e
impessoal, parnasiana.
No Simbolismo, tudo é sugestão, sugerir, eis o sonho era a lei do poeta simbolista fran-
cês Stéphane Mallarmé (1842-1898). As palavras transcendem o significado, ao mesmo tempo
em que apelam para a totalidade da nossa percepção, ou seja, para todos os sentidos. Daí a
linguagem simbólica e o uso constante de sinestesias (exploração de sensações via os cinco
sentidos humanos) e de aliterações (repetição da primeira consoante de uma palavra nas pala-
vras seguintes).

92
ADIMARI CAJADO
Combatidos pelos parnasianos, que desfrutavam grande prestígio na época, os simbolis-
tas não encontraram boa receptividade e acabaram desenvolvendo um trabalho quase margi-
nal, agrupados ao redor de algumas revistas de vida normalmente efêmera. Além do grupo
carioca inicial e de outros do Rio de Janeiro, o movimento conheceu seguidores em São Paulo,
em Minas Gerais, na Bahia, no Paraná e no Rio Grande do Sul.
Seus principais poetas foram Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens e Pedro Kilkerry.
A prosa do período não alcançou resultados muito satisfatórios, não sendo mencionada em
nenhuma história da literatura brasileira.
A musicalidade é uma das características mais destacadas da estética simbolista. Essa
característica fica explicita nos versos sonoros, coloridos.

Cruz e Sousa

FONTE: HTTP://AFRICAEAFRICANIDADES.FILES.WORDPRESS.COM/2007/09/CRUZ_E_SOUSA1.JPG

Filho de escravos alforriados, João da Cruz e Souza sofreu preconceitos por causa da sua
cor. Primeiramente por ter dirigido um jornal abolicionista, foi impedido de deixar a terra
onde nasceu. Em seguida, tornando-se promotor público, não pode assumir o cargo. Transfe-
riu-se para o Rio de Janeiro e a perseguição continuou e teve que sobreviver em pequenos em-
pregos.
Assim, mesmo com a vida marcada por perseguições e tribulações de ordem pessoal, a
mulher enlouqueceu e os quatro filhos que tiveram morreram prematuramente, Cruz e Souza
é considerado o mais importante poeta Simbolista brasileiro, alguns já o elegerem um dos
maiores representantes dessa escola no mundo.
Sua obra é marcada pela diversidade temática: aspectos particulares e universalizantes.
Ainda podemos destacar a preocupação formal, como o gosto pelo soneto, o uso de vocábulos

93
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
cultos, a força das imagens, presença de aspectos noturnos como o culto da noite, satanismo,
pessimismo, angústia, morte etc.

TRISTEZA DO INFINITO
Anda em mim, soturnamente,
uma tristeza ociosa,
sem objetivo, latente,
vaga, indecisa, medrosa.

Como ave torva e sem rumo,


ondula, vagueia, oscila
e sobe em nuvens de fumo
e na minh'alma se asila.

Uma tristeza que eu, mudo,


fico nela meditando
e meditando, por tudo
e em toda a parte sonhando.

Tristeza de não sei donde,


de não sei quando nem como...
flor mortal, que dentro esconde
sementes de um mago pomo.

Dessas tristezas incertas,


esparsas, indefinidas...
como almas vagas, desertas
no rumo eterno das vidas.
Tristeza sem causa forte,
diversa de outras tristezas,
nem da vida nem da morte
gerada nas correntezas...

Tristeza de outros espaços,


de outros céus, de outras esferas,
de outros límpidos abraços,

94
ADIMARI CAJADO
de outras castas primaveras.

Dessas tristezas que vagam


com volúpias tão sombrias
que as nossas almas alagam

de estranhas melancolias.

Dessas tristezas sem fundo,


sem origens prolongadas,
sem saudades deste mundo,
sem noites, sem alvoradas.

Que principiam no sonho


e acabam na Realidade,
através do mar tristonho
desta absurda Imensidade.

Certa tristeza indizível,


abstrata, como se fosse
a grande alma do Sensível
magoada, mística, doce.

Ah! tristeza imponderável,


abismo, mistério, aflito,
torturante, formidável...
ah! tristeza do Infinito!

FONTE: SOUZA, Cruz e. tristeza do infinito. Disponível em:


http://www.revista.agulha.nom.br/csousa15p.html> Acesso em: 26 dez. 09

95
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
96
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
MAPA CONCEITUAL

Resumo
No nosso primeiro bloco estudamos duas eras importantíssimas para a nossa literatura
– a era colonial e a era nacional – e podemos perceber as diferenças entre elas: na época colo-
nial, a escrita que se produzia no Brasil estava muito ligada ao modelo europeu e não proble-
matizava as questões de nacionalidade, que mais tarde, foram o centro das ideias românticas.
Assim, o romantismo inicia uma nova era, decidida a marcar identidade, liberdade e se liber-
tar da dependência cultural. Os escritores dessa era nacional são significativos para se enten-
der as noções de brasilidade e interferência no meio social que ocuparam, neste período, suas
atenções.

97
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
ESTUDO DE CASO
Durante a preparação de uma aula sobre narrativas fundacionais, uma professora optou
por reler alguns textos teóricos sobre o assunto em questão. Num desses textos, encontrou o
seguinte poema:

Assim de uma mistura de todos os tipos começou


Essa coisa heterogênea, um inglês:
Gerado em estupros ardente e arrebatada luxúria
Entre um bretão sardento e um escocês:
Cuja prole procriadora logo aprendeu a curvar-se,
E jungiu suas novilhas ao arado romano:
E daí uma raça mestiça impura se originou,
Sem nome nem nação, sem fala ou fama.
Em cujas veias ardentes novas mesclas logo se fundiram,
Infundidas entre um saxão e um dinamarquês.
Enquanto suas filhas nobres, exatamente como os pais,
Receberam todas as nações com promiscua luxúria.
Essa raça repulsiva continha de fato diretamente
O sangue de boa extração dos ingleses ...

FONTE: Tradução do Excerto de Daniel Defoe, The True-Born Englishman. In.:


ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989.

A professora planejou começar a aula propondo a seguinte atividade para seus alunos:
Leia o texto e tente recriá-lo, adaptando à Formação do Povo Brasileiro. Para isso, substitua
todos os termos sublinhados por outros que se relacionem com a formação do povo brasileiro.
Porém, tendo conhecimento do planejamento e estudando a disciplina, os alunos identi-
ficaram um texto na internet sobre o assunto:

FIGURAÇÕES DA ORIGEM
A invenção do índio e a ocultação do negro: José de Alencar (1829-1877)
Como foi referido, os fenômenos de hibridização marcaram a literatura brasileira des-
de os primeiros momentos de sua formação, passando a presidir igualmente a intenção
romântica de fixar "a gestação lenta do povo brasileiro", segundo a fórmula alencariana.
Depois de uma primeira etapa que correspondeu, de certo modo, a uma necessidade
cartográfica (cf. Sussekind, 1990) dos escritores cuja escritura pictural contribuiu para
compor uma representação eufórica do Brasil, a obra alencariana correspondeu ao estágio

98
ADIMARI CAJADO
fundacional, caracterizado pela nomeação exaustiva das fontes, das raízes, dos mitos fun-
dadores e das genealogias. A produção romanesca de Alencar é testemunha dos movimen-
tos recíprocos de desculturação/aculturação de duas das etnias inaugurais do povo brasi-
leiro: o branco e o índio.
Num ambicioso projeto de escritura, Alencar intentou a reconstituição do processo de
construção da nacionalidade brasileira. Este projeto, deixando-se impregnar pelas caracte-
rísticas românticas da época, alicerçou-se na idealização dos tipos formadores da "nação"
brasileira, os quais foram concebidos como heróis no sentido tradicional do termo, ou seja,
aqueles que possuem qualidades superiores às dos mortais comuns. Imbuído do espírito
de produzir o que Alfredo Bosi (1976) chama de suma romanesca do Brasil, Alencar, a e-
xemplo dos escritores do século XVIII, não contemplou o negro nesse plano em que foram
minuciosamente retratados o sertanejo, o gaúcho, o índio, o bandeirante, além do coloni-
zador branco.
A obra de Alencar comprova que as dissidências se operam dificilmente no campo das
idéias e que o discurso hegemônico impõem e legitima certos pensamentos como "grandes
pensamentos", os quais são repetidos pela geração seguinte. A dominância discursiva base-
ada no índio como símbolo da nacionalidade, criada no século XVIII, foi reforçada na o-
bra alencariana que erigiu o autóctone como antepassado mítico, como herói epônimo, o
qual possuía a extraordinária vantagem, de não ter manchas, como refere Antonio Candi-
do, por ter sido aboli da a escravidão do índio desde o século XVII.
Com Alencar e Gonçalves Dias está finalmente criada a literatura nacional (Candido,
1969), permitindo a livre manifestação do "gênio brasileiro". O próprio Alencar, no prefá-
cio ao romance Sonhos d'ouro (1872) utiliza a expressão "literatura nacional": "A literatura
nacional, que outra coisa não é senão a alma da pátria, que transmigrou para este solo vir-
gem como uma raça ilustre, aqui impregnou-se da seiva americana desta terra que lhe ser-
viu de regaço, e cada dia se enriquece ao contato de outros povos e ao influxo da civiliza-
ção".
Reconhece também Alencar três fases nesta literatura nacional: a) a primitiva ou abo-
rígene: composta por lendas e mitos da terra selvagem, (Iracema); b) a histórica, onde se
dá o consórcio do povo invasor com a terra americana e a "lenta gestação do povo ameri-
cano", (O guarani e Minas de prata); c) a infância de nossa literatura (Tronco do ipê, Til e O
gaúcho).
É, portanto, através das expressões máximas do indianismo, com Iracema (1857) e O
guarani (1865), que Alencar inicia seu projeto de orquestração da identidade nacional,
ambientando seus personagens em um passado distante, que coincide com o início da co-
lonização, e fIagrando os primeiros choques das duas culturas em contato. A visão edênica
e harmônica da vida nos primeiros tempos, a atribuição de traços positivos aos indígenas,
o ufanismo, que leva constantemente o autor à exaltação da natureza e do "bom selvagem",

99
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
se entretecem para dar gênese à narrativa, caracterizando uma consciência eufórica, na qual
a supervalorização do regional e do natural compensa a situação de atraso da nação brasi-
leira.
Parodiando Hegel, Edouard Glissant afirma que a função de sacralização da literatura
"seria própria de uma consciência coletiva ainda ingênua". Para além da variação termino-
lógica: consciência eufórica (Candido) ou consciência ingênua (Glissant, Darcy Ribeiro),
está o fato de que a urgência de se nomear diante do mundo e a necessidade de ser visto e
ouvido fabricam uma literatura calcada no exotismo, diferindo muito pouco dos pressu-
postos que alicerçaram a literatura colonial.
Efetivamente, a obra de AIencar se constitui com um alto grau de fidelidade à hege-
monia discursiva que se impõe na Europa desde o século XVI com as narrativas de viagem
dos descobridores. A tônica desses textos era a descrição do lado exótico dos povos do
"Novo Mundo", alicerçada muito mais na formulação de um ideal do que na descrição do
real estado dos "selvagens" (já, no século XIX, em acelerado processo de marginalização),
para utilizar a denominação ritualizada em todas as narrativas de viagens do século XVI ao
XVIII, presente inclusive na obra de Alencar. O exotismo, pondo em relevo a cor local,
deixa de valorizar os aspectos de exterioridade de um país ou de uma cultura "definidos
exclusivamente por sua relação com o observador".
Ainda, segundo Todorov, o princípio que rege o exotismo é paradoxal: se, de um lado
é impossível fazer-se o elogio do outro sem conhecer este outro, o conhecimento profundo
é inconciliável com o exotismo. Logo, a visão exótica é fundada no paradoxo, pois é "um
elogio baseado no desconhecimento" ou no conhecimento apenas daquilo que o outro tem
de imediatamente reconhecível como diferente. No caso dos índios, essas diferenças que
fascinam o europeu são decorrentes basicamente da vida em estado de natureza. De onde
o aproveitamento do mito do bom selvagem que surge justamente como contrapartida à
crítica que alguém faz de sua própria sociedade: se minha sociedade está corrompida
(Rousseau), imagino nostalgicamente, uma sociedade vivendo em plenitude e harmonia.
Assim, Alencar descreve a nação dos tabajaras como um lugar paradisíaco, onde os ho-
mens são "generosos", as virgens têm "os lábios de mel", os guerreiros são destemidos, as
areias das praias são doces e os rios fornecem abundante pesca.
Essa valorização do passado mítico serviu a Alencar para construir uma base indispen-
sável para ancorar o sentimento de identidade: o filho da dor, Moacyr, (fruto do amor da
"formosa" índia Iracema com o "nobre guerreiro português", Martim), origem da raça bra-
sileira, não tem, pois, uma origem espúria, mas, ao contrário, constitui-se em motivo de
orgulho sobretudo às elites dominantes em vias de constituição da jovem nação brasileira.
O que se verifica, pois, analisando a produção alencariana, é que ela se constrói com
um alto grau de adesão à convenção dominante, não apenas em termos de literatura brasi-
leira como também em termos de literatura européia, cujas marcas fundamentais – utiliza-

100
ADIMARI CAJADO
ção do mito do "bom sauvage", idealização do "estado de natureza", visão nostálgica do
passado – são reencenadas nos textos do romancista brasileiro.
Se for retomado o esquema proposto para o período colonial, se verá que este prati-
camente não se alterou, comprovando a hipótese de Angenot (1989) de que o "novo", o a-
inda-não-dito, ou seja, as rupturas desestabilizantes, acontecem dificilmente no conjunto
dos discursos em circulação em uma sociedade dada. Contrariamente ao que se ensina que
o romantismo teria operado uma revolução estética na literatura brasileira, pode-se afir-
mar que, sobretudo no que se refere à obra de Alencar, ela se erigiu sem infrigir os princí-
pios de aceitabilidade discursiva e, por trás das variações de uma série de motivos, é possí-
vel verificar a permanência da doxa, o eterno retomo de certos paradigmas. Observem-se
os itens que não se alteraram do esquema proposto para a leitura dos autores do século
XVIII:
– integração do espaço e do referencial mítico maravilhoso americanos;
– concepção do tempo fundada na concepção nostálgica do passado;
– construção de um discurso exclusivo, baseado na representação inventada do indíge-
na.
De fato, como observou Flora Sussekind (1990), a figuração do narrador em Alencar
caracteriza-se pela eleição do ponto de vista histórico-genésico, obcecado pela busca das
origens, dos marcos inaugurais, das fontes e das raízes. Assim, a perspectiva nostálgica não
é alterada, percebendo-se, ao longo da narrativa, o desejo de reencontrar a origem, o tem-
po primordial. A própria etmologia de "nostalgia", do grego nostos, retorno, regresso, re-
mete à melancolia produzida no exilado devido à saudade da pátria. A consciência ingênua
de Alencar não lhe permite constatar – como o farão os modernistas de 30, graças ao de-
senvolvimento de uma consciência crítica, heterônoma – que "nem o tempo, nem a histó-
ria, nem a identidade individual ou coletiva podem regressar às fontes, e que ao contrário,
do UNO nasce incessamente o múltiplo" (Cambron, 1989, p.180).
Contudo, quanto ao quarto item, acredita-se que o indígena é guindado, ao lado do
português, à posição de herói emblemático, isto é, o que se toma símbolo da origem do
povo brasileiro.
Quanto à fobia, que caracterizava o estágio anterior de construção da identidade na-
cional, ela é aqui substituída, pela mania, isto é, pela hipervalorização da cultura do outro.
Contudo, no caso dos romances indianistas de Alencar os elementos culturais hipervalori-
zados são aqueles que já não mais existem, decorridos 350 anos da chegada dos descobri-
dores, servindo apenas para fornecer uma gênese mítica positiva a nossos ancestrais.
Na conclusão, o diálogo de culturas estabelecido entre colonizados (Iracema, Poti, A-
raquém, etc.) e o colonizador (Martim) dá origem a um processo recíproco de descultura-
ção (perda da cultura de origem) e de aculturação (adesão a uma cultura que não a de ori-
gem). É evidente, contudo, que o processo é desigual, pois se Martim adere a alguns

101
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
costumes locais, são os seus valores – valores de uma cultura hegemônica – que acabam
por se impor como os valores da nação brasileira. Confira-se a conclusão de Iracema: "A
mairi que Martim erguera à margem do rio, nas praias do Ceará, medrou. Germinou a pa-
lavra do Deus verdadeiro na terra selvagem e o bronze sagrado resoou nos vales onde rugia
o maracá (Iracema, p.57)".
A morte de Iracema (anagrama de América) é simbólica da morte desta América míti-
ca que sucumbe no confronto "civilização versus barbárie", no qual supostamente a civili-
zação foi representada pela cuItura européia e a barbárie pela cultura autóctone.

FONTE: BERND, Zilá. Literatura e identidade nacional. 2.ed. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2003.

a) Que critérios a professora deverá levar em consideração para corrigir a atividade


dos alunos, sabendo que eles já tinham conhecimento prévio da crítica sobre o
assunto em questão.
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b) Com base nas reflexões do texto de Zilá Bernd, proponha uma resposta para a a-
tividade da aula.
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102
ADIMARI CAJADO
EXERCÍCIOS PROPOSTOS
Questões ENADE, adaptadas ou similares
QUESTÃO 01
(ENADE 2005) O texto abaixo, de Antonio Candido, exemplifica o trabalho do crítico.
Em Gonçalves Dias, sentimos que o espírito pesa as palavras, em Castro Alves, que as pa-
lavras arrastam o espírito na sua força incontida. Situado não apenas cronologicamente entre
ambos, Álvares de Azevedo é um misto dos dois processos. Na melhor parte de sua obra, as pa-
lavras se ordenam com medida, indicando que a emoção logrou realizar-se pelo encontro da
expressão justa. Infelizmente, porém, (...) se na sua obra propriamente lírica existe não raro
uma serena contenção, a que lhe deu fama e definiu a sua maneira própria se caracteriza pela
tendência à digressão e à prodigalidade verbal, que o tornaram, com o passar do tempo, o poeta
desacreditado de nossos dias.
(Formação da literatura brasileira: momentos decisivos)
Considere as afirmações que seguem.

I. A crítica implica uma valoração, resultante das relações que o crítico estabelece entre
os elementos constitutivos da obra analisada e a série literária.
II. Em cada situação específica, a crítica incide na análise independente de um dos três
aspectos do fenômeno literário: ou o produtor, ou a obra, ou o público.
III. É tarefa do crítico prescrever leituras que, ao suprirem certas necessidades do ser
humano, atendam às expectativas do público.

Confirma-se no texto de Antonio Candido o que se declara corretamente sobre a crítica


APENAS em
a) I.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) II e III.

QUESTÃO 02
(PUC-RS)
CANÇÃO DO EXÍLIO
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;

103
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que eu desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’in da aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Para responder à questão, analisar as afirmativas que seguem, sobre o texto.

I. Através do texto, o poeta realiza uma viagem introspectiva a sua terra natal – ideia re-
forçada pelo emprego do verbo "cismar".
II. A exaltação à pátria perdida se dá pela referência a elementos culturais.
III. "Cá" e "lá" expressam o local do exílio e o Brasil, respectivamente.
IV. O pessimismo do poeta, característica determinante do Romantismo, expressa-se
pela saudade da sua terra.

Pela análise das afirmativas, conclui-se que estão corretas:


a) a I e a II, apenas;
b) a I e a III, apenas;
c) a II e a IV, apenas;

104
ADIMARI CAJADO
d) a III e a IV, apenas;
e) a I, a II, a III e a IV.

QUESTÃO 03
(ENADE 2008)
Em casa, os amigos do jantar não se metiam a dissuadi-lo. Também não confirmavam
nada, por vergonha uns dos outros; sorriam e desconversavam. (...) Rubião via os fardados; or-
denava um reconhecimento, um ataque, e não era necessário que eles saíssem a obedecer; o cé-
rebro do anfitrião cumpria tudo. Quando Rubião deixava o campo de batalha para tornar à
mesa, esta era outra. Já sem prataria, quase sem porcelanas nem cristais, ainda assim aparecia
aos olhos de Rubião regiamente esplêndida. Pobres galinhas magras eram graduadas em faisões,
assados de má morte traziam o sabor das mais finas iguarias da Terra. (...) Toda a mais casa,
gasta, pelo tempo e pela incúria, tapetes desbotados, mobílias truncadas e descompostas, corti-
nas enxovalhadas, nada tinha o seu atual aspecto, mas outro, lustroso e magnífico.
Machado de Assis. Quincas Borba. São Paulo: W. M. Jackson Editores, 1955, p. 317-9
(fragmento).

A uns, a ironia no tratamento da cor local e de tudo que seja imediato pareceu uma des-
consideração. Faltaria a Machado o amor de nossas coisas. Outros saudaram nele o nosso pri-
meiro escritor com preocupações universais. Uma contra, outra a favor, as duas convicções re-
gistram a posição diminuída que acompanha a notação local no romance de Machado, e
concluem daí para a pouca importância dela. Uma terceira corrente vê Machado sob o signo da
dialética do local e do universal. Em Quincas Borba, o leitor a todo o momento encontra, lado a
lado e bem distintos, o local e o universal. A Machado não interessava a sua síntese, mas a sua
disparidade, a qual lhe parecia característica.
Roberto Schwarz. Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 167-
70.(com adaptações).
De acordo com o texto de Roberto Schwarz, acerca da recepção crítica da obra de Ma-
chado de Assis, assinale a opção que interpreta corretamente o trecho de Quincas Borba, refe-
rente ao delírio do protagonista Rubião.
a) O aspecto “lustroso e magnífico” que Rubião dava às “cortinas enxovalhadas”
acentua a disparidade crítica da obra machadiana, que, pela tensão entre local e
universal, descortina a vida nacional.

105
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
b) A divisão da crítica quanto à recepção da obra de Machado de Assis é um falso
problema, pois, como se vê em Quincas Borba, o pitoresco e o exotismo român-
ticos continuam presentes no texto machadiano.
c) Rubião, incapaz de enxergar a realidade como ela de fato era, confirma, com seu
delírio, a tendência crítica que vê, na obra de Machado de Assis, uma atitude de
desconsideração para com a realidade nacional.
d) A identificação de Rubião com o imperador francês corresponde à da obra de
Machado de Assis com os modelos literários universais, o que reafirma a recep-
ção crítica que saudava a universalidade da obra do escritor.
e) A ironia machadiana presente na obra Quincas Borba, evidenciada na imagem
de as “galinhas magras” se transformarem em “faisões”, confirma as opiniões crí-
ticas que concebem a obra de Machado como negação do aspecto nacional e va-
lorização do universal.

QUESTÃO 04
(ENADE 2005) A designação de Realismo, dada a esse movimento, é inadequada, pois o
realismo ocorre em todos os tempos como um dos pólos da criação literária, sendo a tendên-
cia para reproduzir nas obras os traços observados no mundo real (...). Sob vários aspectos, o
romance romântico foi cheio de realismo, pois a ficção moderna se constituiu justamente na
medida em que visou, cada vez mais, a comunicar ao leitor o sentimento da realidade, por
meio da observação exata do mundo e dos seres.
(Antonio Candido e José Aderaldo Castello, Presença da literatura brasileira)
Aceitando-se o que diz o trecho acima, é correto afirmar que são fortes os pontos de
contato entre o romance romântico brasileiro ocupado com a vida urbana e burguesa e o ro-
mance Esaú e Jacó, de Machado de Assis?
a) Sim, pois em ambos os casos a motivação essencial é a da consolidação do sen-
timento nacionalista.
b) Não, já que o antirromantismo de Machado de Assis desviou-o do drama urbano
e burguês.
c) Não, já que Machado de Assis, em sua fase madura, circunscreveu sua ficção à
análise psicológica.
d) Sim, pois em ambos os casos o quadro histórico e social tem peso decisivo para a
criação romanesca.
e) Sim, pois em ambos os casos o estímulo inicial é a expressão otimista do proces-
so de formação de uma sociedade.

106
ADIMARI CAJADO
QUESTÃO 05
(ENADE 2008)
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas uma infi-
nidade de portas e janelas alinhadas. (...) Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela
gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham o pé na lama preta e nutriente da vida, o pra-
zer animal de existir, a triunfante sensação de respirar sobre a terra. Da porta da venda que
dava para o cortiço iam e vinham como formigas, fazendo compras.
Aluísio Azevedo. O cortiço. São Paulo: Ática, 1989, p. 28-9.

Aliás, o cortiço andava no ar, excitado pela festa, alvoroçado pelo jantar, que eles apres-
savam para se dirigirem a Montsou. Grupos de crianças corriam, homens em mangas de ca-
misa arrastavam chinelos com o gingar dos dias de repouso. As janelas e as portas escancara-
das por causa do tempo quente deixavam ver a correnteza das salas, transbordando em
gesticulações e em gritos o formigueiro das famílias.
Émile Zola. Germinal. São Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 136.

Aluísio Azevedo certamente se inspirou em L’Assommoir (A Taberna), de Émile Zola,


para escrever O Cortiço (1890), e por muitos aspectos seu texto é um texto segundo, que to-
mou de empréstimo não apenas a ideia de descrever a vida do trabalhador pobre no quadro de
um cortiço, mas um bom número de pormenores, mais ou menos importantes. Mas, ao mes-
mo tempo, Aluísio quis reproduzir e interpretar a realidade que o cercava e sob esse aspecto
elaborou um texto primeiro. Texto primeiro na medida em que filtra o meio; texto segundo na
medida em que vê o meio com lentes de empréstimo. Se pudermos marcar alguns aspectos
dessa interação, talvez possamos esclarecer como, em um país subdesenvolvido, a elaboração
de um mundo ficcional coerente sofre de maneira acentuada o impacto dos textos feitos nos
países centrais e, ao mesmo tempo, a solicitação imperiosa da realidade natural e social imedi-
ata.
Antonio Candido. De cortiço a cortiço. In: O discurso e a cidade. São Paulo/Rio de Ja-
neiro: Ouro sobre Azul, 2004, p.106-7/128-9 (com adaptações).

Assinale a opção em que a relação intertextual entre O Cortiço e Germinal é interpreta-


da pelos parâmetros críticos apresentados no texto de Antonio Candido acerca da relação en-
tre a obra de Aluísio Azevedo e a de Émile Zola.
a) O texto de Aluísio Azevedo é um texto primeiro em relação ao de Zola porque
foi escrito anteriormente e influenciou a produção naturalista do escritor fran-
cês.

107
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
b) A relação de proximidade entre o texto de Azevedo e o de Zola evidencia que o
diálogo entre os textos desassocia-os da realidade social em que foram produzi-
dos.
c) O texto de Aluísio Azevedo, por suas condições de produção, está submetido ao
modelo naturalista europeu, ao mesmo tempo em que atende a demandas da
realidade nacional.
d) O Cortiço é um texto segundo em relação ao texto de Zola porque é, sobretudo,
a duplicação do modelo literário francês e da realidade social das classes operá-
rias européias.
e) A presença de elementos do naturalismo francês em O Cortiço é indicativo da
troca cultural que ocorre no espaço do intertexto, independentemente das reali-
dades locais de produção.

CONSTRUINDO CONHECIMENTO
Letras em Ação
Em Ficções de Fundação: os Romances Nacionais da América Latina, Doris Sommer faz
uma análise inovadora de romances do século XIX, a partir da relação entre a sexualidade e
política na fundação de diversas nações latino-americanas, entre elas, o Brasil. A autora de-
monstra ainda que esses romances, utilizados como instrumento pedagógico de uma postura
patriótica, apresentam a paixão e o sentimento nacionalista com dois lados de uma mesma
moeda, enfatizando, principalmente, alianças regionais, étnicas e de classe, além de questões
de gênero.

Rede das Letras

Constantemente a crítica acusa Machado de Assis de não se envolver com a causa ne-
gra. Vejamos uma pequena análise de dois contos que contemplam a questão do negro:
• O Caso da Vara;
• Pai contra Mãe.
O caso da vara conta a história de Damião, um rapaz que foge do seminário e tenta se
esconder do pai na casa de uma conhecida, Sinhá Rita. Lá, conhece uma escrava, menina
de seus 12 anos, que é ameaçada pela patroa com uma surra. Damião, inicialmente, tenta
proteger a menina, mas logo se vê impedido de fazê-lo, pois é Sinhá Rita quem lhe presta
ajuda com a fuga do seminário.

108
ADIMARI CAJADO
Já no conto Pai contra mãe temos a história de Cândido Neves, protagonista, que é um
caçador de escravos fujões. Não o é por opção, apenas o é porque não aguenta qualquer
outro emprego. Casa e passa a adquirir dívidas, com clientela cada vez menor; quando en-
gravida a mulher, as dívidas aumentam. Depois de despejados vão morar em um quarto
emprestado e o menino nasce. Após ceder às pressões da tia da esposa, Candinho vai por a
criança na Roda dos enjeitados. Mas no caminho captura uma escrava, recebendo uma
gorda recompensa, mantendo assim a criança. Mas a escrava estava grávida, e provavel-
mente abortou com os castigos recebidos, ficando a vida do filho de Candinho em troca da
de outra.
Há algumas semelhanças nestes contos, que merecem destaque: ambos apresentam os
negros como personagens secundários; em todos os dois casos aparecem de forma sofrida,
na condição de escravos; os protagonistas se veem em situação de sobrevivência e por isso
optam por não ajudar os escravos.

Se interessou pela nossa discussão sobre a questão do negro na literatura brasileira? En-
tão não deixe de ler o artigo A trajetória do negro na literatura brasileira, de Domício Proença
Filho, publicado na revista eletrônica SciELO Brazil, no endereço:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100017
E veja também o artigo Intelectuais pensam o negro no Brasil, visitando o site:
http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2004/jusp686/pag10.htm

De Olho nas Letras


Para refletir sobre a necessidade de criação dos mitos fundacionais, recomenda-se o fil-
me Narradores de Javé, de Eliane Caffé. Somente uma ameaça à própria existência pode mu-
dar a rotina dos habitantes do pequeno vilarejo de Javé. É aí que eles se deparam com o anún-
cio de que a cidade pode desaparecer sob as águas de uma enorme usina hidrelétrica. Em
resposta à notícia devastadora, a comunidade adota uma ousada estratégia: decide preparar
um documento contando todos os grandes acontecimentos heróicos de sua história, para que
Javé possa escapar da destruição. Como a maioria dos moradores é analfabeta, a primeira tare-
fa é encontrar alguém que possa escrever as histórias. A partir daí podemos fazer uma leitura
alegórica dos escritores românticos, tentando imprimir nas narrativas fundacionais a história
grandiosa da Nação.

109
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
110
ADIMARI CAJADO
BLOCO
TEMÁTICO 2
A DIVERSIDADE DA LITERATURA
BRASILEIRA
A DIVERSIDADE DA LITERATURA
BRASILEIRA

2.1
TEMA 3.
MODERNISTAS E MODERNOS

2.1.1
CONTEÚDO 1.
O PRÉ-MODERNISMO:
UMA LITERATURA PRECURSORA
Após ter analisado a literatura sob o aspecto histórico, períodos colonial e nacional, ve-
jamos a sua diversidade depois dessa grande discussão. A partir daqui veremos as propostas
modernistas para a literatura e como a mesma se apresenta nos dias atuais.
Outro período literário situado entre o fim do século XIX e início do XX que apresenta
temáticas importantes é o Pré-Modernismo. Sabemos que esta fase não pode ser considerada
uma escola literária, mas sim um período literário de transição do Realismo/Naturalismo para
o Modernismo, que conserva algumas características desses períodos e acrescenta o prenúncio
de novas formas de expressão mais distanciadas dos padrões europeus e uma visão mais críti-
ca da realidade brasileira.
O termo pré-modernismo foi batizado por Tristão de Ataíde em Contribuição a história
do Modernismo para designar o período que antecipa as ideias e práticas modernistas. Esse
período de transição é marcado por uma espécie de nacionalismo temático, mais crítico e con-
testador, e que traz à tona os personagens mais próximos dos tipos humanos marginalizados.
Alfredo Bosi (1994) comenta que esta fase da nossa literatura é marcada por muitos ne-
os, referindo-se ao neoparnasianismo, neosimbolismo, neorealismo e neonaturalismo, portan-
to, sem grandes inovações, mas concorda que alguns escritores devem ser retirados dessa clas-
sificação por mérito de suas obras:

113
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Caberia ao romance de Lima Barreto e de Graça Aranha, ao largo ensaísmo
social de Euclides, Alberto Torres, Oliveira Viana e Manuel Bonfim, e à vi-
vência brasileira de Monteiro Lobato o papel histórico de mover as águas es-
tagnadas da belle époque, revelando, antes dos modernistas, as tensões que
sofria a vida nacional (BOSI, 1994, p. 306-7).

Portanto, o que podemos perceber dessa fase na literatura brasileira é um despertar para
a diversidade de representações possíveis de nosso país, através da problematização da nossa
realidade social e cultural.

Lima Barreto
Lima Barreto é um desses escritores, considerados pré-modernistas por causa da forma
com que encara os problemas do Brasil. Critica o nacionalismo ufanista surgido no final do
séc. XIX e início do XX.
Apesar de, em seu tempo, não ter sido reconhecido como um grande escritor, imortali-
zou-se com a publicação do romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, uma das obras pri-
mas da nossa literatura. O romance fala da vida e das ideias do nacionalista e visionário Poli-
carpo Quaresma. Entre as suas reivindicações estão: a defesa da língua tupi como a oficial no
Brasil e a ojeriza a tudo que vem de fora, do estrangeiro.
Algumas características da obra literária de Lima Barreto.
• Oposição ao pensamento acadêmico oficial (produção literária, julgamento crítico e
preocupações políticas e sociais);
• Crítica e denúncia social;
• Literatura militante;
• Preocupação e oposição em relação ao trabalho do crítico literário.

Os estudos contemporâneos tem resgatado com afinco a obra de Lima Barreto e discuti-
do algumas das muitas controvérsias a seu respeito. Segundo Bosi (1994) essa contradições já
estão aclaradas e se justificam pela origem humilde do escritor. Entretanto, aponta no escritor
forte engajamento social e, sobretudo, inteligência.

O ressentimento do mulato enfermiço e o suburbanismo não o impediram,


porém, de ver e de configurar com bastante clareza o ridículo e o patético do
nacionalismo tomado como bandeira isolada e fanatizante: no Major Poli-
carpo Quaresma afloram tanto as revoltas do brasileiro marginalizado em
uma sociedade onde o capital já não tem pátria, quanto a própria consciência
do romancista de que o caminho meufanista é veleitário e impotente. Tal
duplicidade de planos, o narrativo (relato dos percalços do brasileiro em sua

114
ADMARI CAJADO
pátria) e o crítico (enfoque dos limites da ideologia) aviva de forma singular a
personalidade literária de Lima Barreto, em que se reconhece a inteligência
como força sempre atuante. (BOSI, 1994, p.318)

Além de Triste Fim de Policarpo Quaresma, merecem destaque aqui duas obras que, por
trazerem à cena discursiva a questão do negro, são muito importantes para a compreensão
desse aspecto da realidade brasileira, são eles: Clara dos Anjos e Recordações do escrivão Isaías
Caminha.
Em Clara dos Anjos, pela denuncia a pobreza e o preconceito racial e a condição social
da mulher pobre e negra. Tema que só será discutido novamente na contemporaneidade.
Já Recordações do escrivão Isaías Caminha temos um texto que pode ser lido como uma
espécie de autobiografia do escritor. Nele o autor projeta suas angústias e frustrações no per-
sonagem Isaías Caminha, evidenciando os preconceitos de cor e de classe e produz uma crítica
muito intensa à sociedade hipócrita e preconceituosa e à Imprensa da qual ele mesmo fez par-
te.
A crítica ainda destaca a importância de Os Bruzundangas, considerada uma obra satíri-
ca, por apresentar uma crítica mais objetiva das estruturas sociais brasileiras.

Graça Aranha
O escritor Graça Aranha participou ativamente do movimento modernista e sua obra é
considerada por alguns como pertencente a este período e não exatamente ao pré-
modernismo. Entretanto, a maioria admite que a classificação enquanto modernista não seria
possível por causa do estilo extremamente artificial.
Sua obra mais conhecida é Canaã, que conta a história de dois jovens alemães que che-
gam como imigrantes no Espírito Santo. Com pensamentos contrários, Milkau e Lentz, con-
seguem trabalhar juntos na nova terra e alcançam a prosperidade. O romance possui outros
personagens, mas o foco de sua atenção fica nas discussões ideológicas dos dois jovens.

Monteiro LobatoEscritor idealista, Monteiro Lobato se tornou um dos maiores críticos


do modernismo, já que não aceitava as inovações estéticas do movimento. Também ganhou
fama de nacionalista extremo, pois não aceitava a submissão da nossa cultura às ideias euro-
péias.
Primeiramente, tenta traçar um perfil do caipira, do homem do Brasil interiorano, atra-
vés da personagem Jeca Tatu. Em seguida, produz uma literatura voltada para o público infan-
til, ambientadas no Sítio do Pica-Pau Amarelo.

115
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Euclides da Cunha
A desigualdade social e a transição do regime monárquico para o republicano fizeram
eclodir diversos movimentos sociais pelo Brasil, como a Revolta de Canudos, ocorrida no final
do século XIX na Bahia, sob a liderança do beato Antonio Conselheiro.
Como jornalista, Euclides da Cunha foi enviado para cobrir os fatos em Canudos. A ma-
téria lhe rendeu a sua obra-prima, Os sertões, considerada uma das melhores obras do pré-
modernismo.

Augusto dos Anjos


Com uma escrita extremamente pessimista e cientificista, o poeta Augusto dos Anjos,
combina elementos como preocupação formal, musicalidade, exagero e deformação expressi-
vos.
Sua poesia é muito singular, uma vez que apresenta uma temática forte, chocante, agres-
siva, comunica-nos a angústia da falta de sentido à vida na decomposição e aniquilamento da
carne. Publicou um único livro, intitulado Eu.

VERSOS ÍNTIMOS
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

FONTE: ANJOS, Augusto dos. Versos íntimos. Disponível em:


http://www.revista.agulha.nom.br/augusto.html#versos> Acesso em: 27 dez. 09

116
ADMARI CAJADO
2.1.2
CONTEÚDO 2.
MODERNISMO – 1ª GERAÇÃO:
INOVAÇÕES E RUPTURAS
Em geral, os artistas e intelectuais de 1922 queriam arejar o quadro mental da nossa "in-
telligentsia", queriam pôr fim ao ranço parnasiano, extremamente elitista e que tinha uma
linguagem inatingível para a maioria da população brasileira. Enfim, queriam renovar a vida
intelectual brasileira. Vejamos um dos poemas que inauguram esse período:
Os sapos
Enfunando os papos, Consoantes de apoio. Canta no martelo".
Saem da penumbra, sem joio. Tudo quanto é belo,
Aos pulos, os sapos. Tudo quanto é vário,
A luz os deslumbra. Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma: Outros, sapos-pipas
Em ronco que aterra, Reduzi sem danos (Um mal em si cabe),
Berra o sapo-boi: A fôrmas a forma. Falam pelas tripas,
- "Meu pai foi à guerra!" - "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". Clame a saparia
Em críticas céticas: Longe dessa grita,
O sapo-tanoeiro, Não há mais poesia, Lá onde mais densa
Parnasiano aguado, Mas há artes poéticas..." A noite infinita
Diz: - "Meu cancioneiro Veste a sombra imensa;
É bem martelado. Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!" Lá, fugido ao mundo,
Vede como primo - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". Sem glória, sem fé,
Em comer os hiatos! No perau profundo
Que arte! E nunca rimo Brada em um assomo E solitário, é
Os termos cognatos. O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como Que soluças tu,
O meu verso é bom Lavor de joalheiro. Transido de frio,
Frumento Sapo-cururu
Faço rimas com Ou bem de estatuário. Da beira do rio...

BANDEIRA, MANUEL. OS SAPOS.

FONTE; HTTP://WWW.REVISTA.AGULHA.NOM.BR/MANUELBANDEIRA04.HTML> ACESSO EM: 28 DEZ. 09

117
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Observem como este poema é diferente de tudo o que estudamos até aqui. A diferença
reside não apenas no tema, como também na forma. Trata-se de um poema modernista.
A semana da arte moderna tornou-se um novo marco da literatura brasileira, uma vez
que trouxe uma série de inovações estéticas e de conteúdo, livrando o texto literário dos pa-
drões formais estabelecidos por uma elite altamente excludente e com tendências canônicas.
A crítica lembra que essa reformulação no cenário cultural brasileiro só foi possível gra-
ças à existência de um grupo de intelectuais pertencente à alta burguesia que pôde viajar à
Europa e participar efetivamente das inovações propostas pelas vanguardas.

Vamos relembrar o que foram as vanguardas européias?

Mário de Andrade (2002), participante do Modernismo e da Semana de Arte Moderna,


confirma que tais ideias foram importadas da Europa. Analisando a sua trajetória e os 20 anos
da semana de 1922, o escritor diz sobre o Modernismo:

Manifestado especialmente pela arte, mas manchando também com violên-


cia os costumes sociais e políticos, o movimento modernista foi o prenuncia-
dor, o preparador e por muitas partes o criador de um estado de espírito na-
cional. A transformação do mundo com o enfraquecimento gradativo dos
grandes impérios, com a prática européia de novos ideais políticos, a rapidez
dos transportes e mil e uma outras causas internacionais, bem como o de-
senvolvimento da consciência americana e brasileira, os progressos internos
da técnica e da educação, impunham a criação de um espírito novo e exigiam
a reverificação e mesmo a remodelação da Inteligência nacional. Isto foi o
movimento modernista, de que a Semana de Arte Moderna ficou sendo o
brado coletivo principal. Dá um mérito inegável nisto, embora aqueles pri-
meiros modernistas das cavernas, que nos reunimos em torno da pintora A-
nita Malfati e do escultor Victor Brecheret, tenhamos como que apenas ser-
vido de altifalantes de uma força universal e nacional muito mais complexa
que nós. Força fatal, que viria mesmo. Já um crítico de senso-comum afir-
mou que tudo quanto fez o movimento modernista, far-se-ia da mesma for-
ma sem o movimento. Não conheço lapalissada mais graciosa. Porque tudo
isso que se faria, mesmo sem o movimento modernista, seria pura e sim-
plesmente... o movimento modernista. (ANDRADE, 2002, p. 253)

Conforme você já estudou durante o Ensino Médio, a literatura de vanguarda surge na


Europa e Estados Unidos para romper com toda a concepção literária até então vigente. O
mundo todo em meio a revoluções e guerras e os avanços das teorias psicanalistas criam o
ambiente para a propagação de novas ideias e formas de expressão.

118
ADMARI CAJADO
FONTE: HTTP://LUMOURA.COM.BR/WP-CONTENT/UPLOADS/2008/01/LES_DEMOISELLES_DAVIGNON1.JPG - 1906 LES DEMOISELLES
D’AVIGNON (MOMA, EM NOVA IORQUE) PABLO PICASSO

A principal contribuição do cubismo para a literatura moderna é o trabalho com a lin-


guagem desmontada, com a finalidade de buscar maior simplicidade para a expressão. Essa
experimentação resultou em palavras soltas, escritas na vertical, contrariando a velha continu-
idade tradicional.
O principal representante dessa estética é o poeta francês Guillaume Apollinaire, que
acabou influenciando toda a poesia contemporânea, dispondo versos em linhas curvas, con-
forme o exemplo abaixo:

APOLLINAIRE, GUILLAUME. A GRAVATA.

FONTE: DISPONÍVEL EM: < HTTP://WWW.TANTO.COM.BR/APOLLINAIRE.HTM> ACESSO EM 28 DEZ. 09

O Dadaísmo foi um movimento vanguardista mais radical. Seus poetas destruíam a ri-
ma, o ritmo e o significado lógico. O fundador desse movimento foi o romeno Tristan Tzara
(1896-1963).

119
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
FONTE: HTTP://EDUCATORS.MFA.ORG/DYNAMIC/SLIDES/ATTACHED_FILE_9169.JPG

Já o surrealismo pregava a escrita automática, tentando fazer elo entre o sonho e a reali-
dade. Os poetas que se destacaram nessa corrente foram André Breton, Louis Aragon e Paul
Eluard.
Em resumo, os objetivos das vanguardas européias eram:
• Liberar as artes plásticas dos padrões acadêmicos e figurativos tradicionais;
• Defender um constante experimentalismo formal;
• Aproximar as manifestações artísticas da civilização técnica.

Normalmente essas propostas vanguardistas se vinculavam às ideias filosóficas e atin-


gem não apenas a literatura, mas todas as demais manifestações artísticas.
Segundo Bosi (1994), o termo futurismo, significando extravagância, desvario e barba-
rismo só começa a circular no Brasil em 1914. A expressão serviu também para designar todas
as manifestações de vanguarda e que não era aceita pela elite cultural, ainda muito presa ao
modelo parnasiano. Na verdade, o Manifesto Futurista, de Marinetti, tinha como proposta
travar um compromisso da literatura com a nova civilização técnica.
Enfim, a semana de arte moderna pretendia colocar a cultura brasileira a par das corren-
tes de vanguarda do pensamento europeu, ao mesmo tempo em que pregava a tomada de
consciência da realidade brasileira. Isso fez eclodir no país vários movimentos culturais, dos
quais destacam-se: o Pau-Brasil, de 1925, que defendia a produção de uma literatura primitiva
e sofisticada, e que pudesse ser exportada; o movimento Verde-Amarelo, liderado por Menotti
del Picchia e Cassiano Ricardo, que defendiam o nacionalismo xenófobo, aversão a coisas e
pessoas estrangeiras; e o movimento antropofágico, de 1928, que pregava a devoração da cul-
tura brasileira em relação às estrangeiras.
Não podemos esquecer da participação desses escritores e artistas plásticos fundamen-
tais para pensar a semana de arte moderna, tais como: Plínio Salgado, Guilherme de Almei-
da, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Manuel Bandeira.

120
ADMARI CAJADO
Costuma-se dividir o Modernismo literário em três fases:
1ª fase: de 1922 a 1930
2ª fase: de 1930 a 1945
3ª fase: de 1945 até 1960
O movimento apresenta manifestações na poesia e na prosa. A poesia vai ser o principal
veículo de expressão desse primeiro momento e apresenta como características principais:
• Utilização do verso livre
• Livre associação de ideias
• Irreverência
• Valorização do cotidiano
• Incorporação do presente
• Humor e a revisão da história oficial do Brasil
• Aproximação com a prosa
• Linguagem coloquial
• Nacionalismo

A prosa do primeiro momento, embora não tenha o mesmo destaque da poesia, apre-
senta também algumas inovações. As principais são:
• Utilização de períodos curtos
• Apoio na fala coloquial
• Aproximação com a poesia

Alfredo Bosi (1994) lembra da dificuldade de elencar autores e obras principais, alegan-
do que:

Só o estudo monográfico dos principais escritores modernistas pode aparar


as arestas de uma visão esquemática a que força o ritmo da exposição históri-
ca. E é só pela análise das obras centrais do movimento que se compreende a
revolução estética que ele trouxe à nossa cultura. Porque, se no plano temáti-
co, algumas das mensagens de 22 já estavam prefiguradas na melhor literatu-
ra nacionalista de Lima Barreto, de Euclides e de Lobato, o mesmo não se
deu no nível dos códigos literários que passam a registrar inovações radicais
só a partir de Mário, de Oswald, de Manuel Bandeira.
As inovações atingem os vários estratos da linguagem literária, desde os ca-
racteres materiais da pontuação e do traçado gráfico do texto até as estrutu-
ras fônicas, léxicas e sintáticas do discurso. Um poema da Paulicéia Desvai-
rada ou um trecho de prosa das Memórias Sentimentais de João Miramar,
um passo qualquer extraído de Macunaíma ou um conto ítalo-paulista de
Antônio de Alcântara Machado nos dão de chofre a impressão de algo novo

121
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
em relação a toda a literatura anterior a 22: eles ferem a intimidade da ex-
pressão artística, a corrente dos significantes. (BOSI, 1994, p.345)

Pelo motivo explicado por Bosi e levando em consideração que seria injusto citar uns e
outros não, convidamos você a fazer esse trabalho de leitura e pesquisa dos diversos escritores
desse período, a fim de conferir tais inovações. Enfocaremos aqui apenas as ideias mais gerais
sobre o movimento modernista.

MÁRIO DE ANDRADE
Brasil amado não porque seja minha
Pátria,
Pátria é a casa de migrações e do
Pão nosso onde Deus der...

FONTE: ANDRADE, Mário. O Poeta Come Amendoim. Disponível em:


http://www.klickescritores.com.br/pag_imortais/marioandrade_obra.htm> Acesso
em: 30 dez. 09.

As “bases” para o movimento modernista foram definidas por Mário de Andrade em


1922, através do livro Paulicéia Desvairada, em seu Prefácio Interessantíssimo. O poeta, que
foi considerado, um dos grandes líderes desse movimento, contribuiu de maneiras diversas,
como crítico dos artistas da época, como estudioso das tendências, e principalmente como
pesquisador da cultura brasileira. Chegou a propor o seu desvairismo, como uma nova verten-
te, a sua vertente, em que defende a liberdade da poesia.
Uma de suas obras mais importantes é Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. O ro-
mance é considerado um misto de rapsódia, epopéia, mitologia, folclore e história, e traça uma
espécie de perfil do brasileiro, com seus defeitos e virtudes, criando a saga do herói sem cará-
ter.
O escritor era autodidata e possuía enorme biblioteca, em crescimento sempre constan-
te, assim, realizara através da leitura sua formação filosófica, artística, literária e sociológica.
Essa condição e, sobretudo, o critério de leitura revela a influência de outros autores na obra
de Mário de Andrade, havendo em certas situações a transposição dessas nas obras de Andra-
de.
A compreensão do estilo, do planejamento das obras de Mário de Andrade, é possível a
partir da análise das “marginálias”, isto é, das anotações feitas pelo autor em obras lidas e
transplantadas em fichários, nos quais se focalizava o tema a ser tratado no seu futuro escrito,
ou seja, havia um planejamento da escrita, uma espécie de esboço do tema e das obras que
tratavam do mesmo.

122
ADMARI CAJADO
Houve relevante influência de Koch Grunberg nos trabalhos de Mário de Andrade. Este
leu aquele e nas anotações feitas nos exemplares das obras “Von Roraimo Zum Orinoc” e
“Zwei Jahren” se percebe a influência destas na composição de Macunaíma, a qual o Mário
não nega e, em carta a Manuel Bandeira se defende da acusação de plágio formulado por Rai-
mundo Moraes, salientando que se serviu das obras de outros autores para satirizar o Brasil,
como se revela na obra aqui analisada.
A crítica destaca que, para Mário de Andrade, Macunaíma seria uma obra coroamento
de período, na qual há uma junção entre criações populares à estética literária erudita, sátira,
regionalismo e nacionalismo. O escritor incorporou lendas indígenas à obra, buscando uma
definição do Brasil nacional, descobrindo semelhanças ente o anti-herói Macunaíma e o brasi-
leiro amoral, sem caráter (saliente-se que essa é uma preocupação constante entre os autores
Brasileiros, como Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Nina Rodrigues, Euclides da
Cunha, só para citar alguns). Assim, o romance é classificado pela autoria deste texto como
uma fusão entre romance popular, poema heróico-cômico e rapsódia e o próprio Mario de
Andrade se classifica como rapsodo.
A preocupação etnológica do autor da rapsódia se revela no enredo em que se tem a fu-
são entre três elementos étnicos que marcam acentuadamente a composição étnica do Brasil:
índio, negro e português. O próprio Mario de Andrade ressalta, em carta a Manuel Bandeira,
o simbolismo dos personagens presentes na obra, mas que estes não expressam exclusivamen-
te a sua visão do brasileiro, mas uma expressão de aspectos da cultura popular e motivo pela
qual os anti-heróis são aceitos.
Busca-se em Macunaíma quebrar o regionalismo do Brasil, através do deslocamento de
aspectos regionais, isto é, perceber os elementos positivos e negativos na formação do homem
nacional brasileiro – agrega, portanto, valores regionais e esse tipo nacional. Para Mário, na-
cionalismo não é isolamento, mas entrosamento no particular – o nacional – e no geral.

OSWALD DE ANDRADE
Há poesia
Na dor
Na flor
No beija-flor
No elevador.

FONTE: ANDRADE, Oswald de.Baladas do Esplanada. Disponível em:


http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/Modernismo22/OSWALD_DE
_ANDRADE_poesia.htm> Acesso em: 30 dez. 09

123
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
A poesia de Oswald é de grande importância para a cultura brasileira na década de 60,
pois influenciam diretamente movimentos importantes como o Concretismo e o Tropicalis-
mo, a partir do Manifesto Antropófago.
Para entender a antropofagia proposta por Oswald, é necessário conhecer suas obra. Por
isso, vamos discutir um pouco mais sobre a importância de Oswald de Andrade e da criação
de seus manifestos para a literatura brasileira.

A língua sem arcaísmos, sem erudição. A contribuição milionária de todos os erros.


Como falamos. Como somos. Uma única luta – a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de
importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação.

FONTE: ANDRADE, Oswald de. Manifesto Pau-Brasil. Disponível em:


http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/Modernismo22/Oswald_de_A
ndrade_Manifesto_da_Poesia_Pau_Brasil.htm> Acesso em 30 dez. 09

De acordo com os Estudos Culturais, o manifesto antropofágico tocou no cerne do capi-


talismo no terceiro mundo: a dependência cultural. Além disso, denunciou o descaso das ca-
madas cultas, que permanecem alheias à realidade do país, reproduzindo cópias dos países
capitalistas hegemônicos.

Só a Antropofagia nos
une. Socialmente.
Economicamente.
Filosoficamente.

FONTE: ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropofágico. Disponível em:


http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/Modernismo22/Oswald_de_A
ndrade_Manifesto_Antropofago.html> Acesso em 30 dez. 09

124
ADMARI CAJADO
FONTE: HTTP://TARSILADOAMARAL.COM.BR

Oswald de Andrade ridicularizou a mímese que tanto seduz o intelectual, mas não caiu
no equívoco de fechar as portas do país do ponto de vista cultural, pois a "deglutição antropo-
fágica" exige que as ideias mais avançadas do Ocidente se adequem a especificidade de nosso
contorno social e político.
A estrutura social que a antropofagia reflete e denuncia ainda não mudou em seus as-
pectos fundamentais. Pois, apesar da crescente industrialização do país, promovida pelo capi-
talismo, continua, e mantém o quadro de desenvolvimento desigual em nosso país. De um
lado, temos sofisticação e modernização tecnológicas e, de outro, o contingente crescente de
miseráveis.

A antropofagia é uma manifestação artística brasileira da década de 1920. Baseado no


Manifesto Antropófago escrito por Oswald de Andrade, tinha por objetivo a deglutição da
cultura do outro externo, como a norte-americana e européia e do outro interno, a cultura
dos ameríndios, dos afrodescendentes, dos eurodescendentes.
http://naasadovento.files.wordpress.com/2009/09/abaporu50.jpg

Mas Oswald não estava sozinho nessa empreitada. Por isso não podemos esquecer a im-
portância de nomes como Tarsila do Amaral.
A obra ABAPORU serve de inspiração para a produção do manifesto de Oswald. O A-
baporu – tela pintada por Tarsila do Amaral em 1928 – destaca-se no panorama cultural do
Brasil pela importância determinante que exerceu em nosso movimento modernista.

Antropofagia como única lei do mundo. Expressão mascarada de todas as religiões. De


todos os tratados de paz.

125
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
[...]

Contra todas as catequeses.

[...]
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.
[...]
Queremos a revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de to-
das as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua po-
bre declaração dos direitos do homem. A idade do ouro anunciada pela América. A idade
de ouro. E todas as girls.

FONTE: ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropofágico. Disponível em: <


http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/Modernismo22/Oswald_de_Andra
de_Manifesto_Antropofago.html> Acesso em 30 dez. 09

O objetivo do manifesto antropofágico de Oswald de Andrade era alimentar-se de tudo


o que vinha de fora, trazido pelo estrangeiro para o Brasil, sugar-lhe todas as ideias e uni-las às
brasileiras, realizando assim uma produção artística e cultural rica, criativa, única e própria.
Uma metáfora muito pertinente para isso é de conceitos, formas e conteúdos diversos sendo
batido simultaneamente num grande liquidificador.
A aceitação de uma proposta tão inovadora exigia a ruptura com laços passados, como o
simbolismo, ainda fortemente presente naquela época.
Não podemos esquecer também a importância dos textos dos primeiros cronistas para
pensar as questões referente a antropofagia oswaldiana. É o próprio Oswald quem retoma os
textos coloniais de autores como: Gândavo, Jean De Léry e Hans Staden para construir o ma-
nifesto antropofágico.
Dessa forma, podemos perceber a necessidade de se retomar a tradição histórica para re-
ler alguns lugares que foram esquecidos, renegados a segundo plano, quando retomamos a
historiografia da literatura brasileira. Silviano Santiago nos ajuda a perceber isso ao colocar a
proposta de Oswald como um dos antídotos que reverte a má consciência colonizada.
Segundo Eneida Leal Cunha (1997; 130): “O manifesto é um dos antídotos propostos
pelo modernismo para reverter a má consciência colonizada face a incorporação do que não é
próprio, do que é exterior.”
O QUE NÃO PODEMOS ESQUECER:

126
ADMARI CAJADO
A importância do manifesto reside em pensarmos sobre o deslocamento do ato de
imitar, de copiar, de não poder, e assim descolonizar a cultura dependente e afirmar o seu
lugar como valor diferencial.

A mudança dos valores se dá no Brasil via antropofagia. Daí a contribuição e a necessi-


dade de entendermos alguns pontos fundamentais do movimento modernista no Brasil.

VOCÊ LEMBRA QUAIS FORAM AS CONTRIBUIÇÕES DO MODERNISMO?


VAMOS RELEMBRÁ-LAS?

• Ruptura com a estética parnasiana;


• Introdução da inovação formal;
• Crítica ao conservadorismo de nossa língua literária;
• Abertura da prosa e da poesia para os mais variados temas da realidade brasileira.

De acordo com a visão de Mário de Andrade, também são conquistas modernistas:


• O direito permanente à pesquisa estética;
• A atualização da inteligência artística brasileira;
• A estabilização da consciência criadora nacional.

Não podemos esquecer que a antropofagia foi retomada e muito discutida por movi-
mentos e críticos posteriores ao modernismo de 22.

FONTE: HTTP://WWW.AVENUEDSTEREO.COM/MODERN/GOYA_SATURN.JPG

Segundo Silviano Santiago (1982), o modernismo inverteu o processo romântico, à me-


dida que manteve a circunstancia ritual do encontro entre o índio e o europeu, mas transferiu
para o índio a atividade, por isso substitui o famoso e tradicional primeira missa, na qual os
indígenas aparecem pacíficos e maravilhados, pela barbárie da antropofagia.
Vejamos como as questões emergentes do Movimento Antropofágico inventam um ou-
tro modo de ler a literatura brasileira e, consequentemente, o Brasil.

127
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Para resgatar a origem de toda essa história vamos relembrar alguns detalhes do nosso
período colonial. A princípio relembremos a primeira missa realizada no Brasil, que põe em
cena elementos instituintes da história colonial. Pode assim ser lida como tentativa de imagem
da identidade histórica e cultural brasileira, a partir de um viés muito questionável: a questão
da dependência.
São questões referentes à imagem da primeira missa realizada no Brasil:
• Os portugueses tomando posse da terra;
• Dominação política;
• Dominação religiosa;
• Repetição, por parte dos índios, de todos os gestos dos europeus cristãos que parti-
cipavam do ritual;

Alguns elementos são recorrentes e marcam esse discurso, como a imagem congelada
dos índios: pacíficos, atentos, reverentes, integrados e submetidos ao fascínio do ritual civili-
zado europeu.

FONTE: HTTP://WWW.PR.GOV.BR/MON/EXPOSICOES/PRIMEIRA%20MISSA/PRIMEIRA_MISSA_.JPG

A representação da primeira missa não perde o seu vigor no discurso dos românticos.
Vimos como os romances e poemas românticos parecem competidos a corrigir a imagem da
primeira missa somente no que diz respeito à questão da imitação passiva por parte dos ín-
dios. Não podemos esquecer que os românticos corrigem, mas não alteram a cena da primeira
missa. Corrigem buscando legitimar a receptividade do índio, a harmonia idealizada entre as
culturas. Necessita disso para fortalecer o discurso sobre a nação, sobre o povo brasileiro.
O Romantismo torna-se importante para repensarmos:

1. Atividade do colonizador;
2. A receptividade do índio;
3. Interação harmoniosa entre europeus e índios.

128
ADMARI CAJADO
Fazendo uma análise da dependência cultural brasileira, Eneida Leal Cunha (1997) con-
clui: no século XIX, quando a nacionalidade se institui, institui-se também o dilema do inte-
lectual brasileiro: saber-se não europeu, saber-se não índio, compor a própria ascendência.
É na tentativa de compor essa definição do intelectual brasileiro que surge a necessidade
de resgatar elementos e símbolos genuinamente brasileiros, como o índio não idealizado e os
tipos brasileiros.
No balanço feito por Mário de Andrade em 1942 sobre o Modernismo já deixava uma
opinião favorável a esse casamento entre as artes e as questões sociais. Ele salienta que a sua
geração negligenciou esse aspecto e de certa forma preparou o terreno para os escritores se-
guintes:

O movimento de Inteligência que representamos, na sua fase verdadeira-


mente “modernista”, não foi o fator das mudanças político-sociais posterio-
res a ele no Brasil. Foi essencialmente um preparador; o criador de um esta-
do de espírito revolucionário e de um sentimento de arrebentação. E se
numerosos intelectuais do movimento se dissolveram na política, se vários
de nós participamos das reuniões iniciais do Partido Democrático, carece
não esquecer que tanto este com1930 eram ainda destruição. Os movimentos
espirituais precedem sempre as mudanças de ordem social. O movimento
social de destruição é que principiou com o P.D. e 1930. E no entanto, é justo
por esta data de 1930, que principia para a Inteligência brasileira uma fase
mais calma, mais modesta e quotidiana, mais proletária, por assim dizer, de
construção. A espera que um dia as outras formas sociais a imitem.
(ANDRADE, 2002, 265)

A semana de arte moderna e a ruptura modernista de 1922 atingem as representações


do país produzidas ao longo do século XIX. Os elementos que compõem a cena da primeira
missa, fixados por Caminha e restaurados pelo nacionalismo romântico, não podem significar
o Brasil, por que não o comportam, por que excluem os negros, que entre a primeira missa e o
século XIX se tornaram fração relevante da população. Daí a importância do modernismo
para entendermos esse outro Brasil que vem se constituindo na nossa cultura.

2.1.3
CONTEÚDO 3.
2ª GERAÇÃO:
CONCRETIZAÇÃO DE PROJETOS
Passada a efervescência da primeira geração modernista e dos manifestos, os escritores
da segunda e terceira fases se debruçam na prática das teorias pensadas no primeiro momen-
to.

129
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
As mudanças no cenário histórico e político brasileiro fizeram com que a literatura
também manifestasse esses novos anseios. A crise econômica mundial iniciada pela quebra da
Bolsa de Nova Yorque, deu origem a muita pobreza, falências e desempregos.
No Brasil, o fim da República Velha deu início à era Vargas, marcada por muita instabi-
lidade. Enquanto isso, o mundo respirava o nacionalismo autoritário de alguns paises como
Alemanha, Itália, Espanha e Portugal. As tensões desse período fizeram emergir a Segunda
Guerra Mundial.
Assim, a literatura, compreendida entre os anos de 1930 e 1945, passa a apresentar as
preocupações com o destino do homem, deixando de lado o clima de humor da primeira ge-
ração.

POESIA
Os autores surgidos nesta segunda fase recusam o poema piada e voltam-se a temas e
técnicas mais elaborados e que exigiam maior profundidade de pensamento. Mais madura e
muito mais comprometida com o difícil momento social pelo qual o país atravessava, a poesia
da segunda fase amplia temas da fase anterior, além de inaugurar novas preocupações, que se
revelam na tendência religiosa, na social e na metafísica. Por outro lado, preocupações aban-
donadas pelos modernistas da primeira fase são retomadas. É o caso do espiritualismo da poe-
sia de Cecília Meireles.
Considera-se como marco inicial dessa segunda fase poética o livro Alguma poesia, de
Carlos Drummond de Andrade (1930), que viria a se tornar o nosso mais importante poeta de
todos os tempos.

POEMA DE SETE FACES


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens


que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:


pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.

130
ADMARI CAJADO
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.


Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste


se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo


se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer


mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

FONTE: ANDRADE, Carlos Drummond de. Poema de Sete Faces. Disponível em: <
http://www.culturabrasil.pro.br/cda.htm> Acesso em: 04 jan. 10

Merecem destaque ainda, entre os poetas surgidos na Segunda Fase, Murilo Mendes,
Jorge de Lima e Mário Quintana.
As características dessa poesia são:
• Preocupação mais universalizante e menos nacional;
• Temática do século XX: fragmentação da vida contemporânea, solidão, drama exis-
tencial, exploração da realidade de forma mais politizada, o estar no mundo, o papel
do artista, o espiritualismo e o intimismo;
• Permanência dos versos e a retomada de formas consagradas como o soneto.

131
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
PROSA
O romance dessa segunda geração é organizado sob as mesmas contingências sociais
que condicionaram a produção da poesia, que já foram citadas acima. Esse clima propiciou o
surgimento de um romance de denúncia social, retratando a realidade brasileira, as relações
entre o eu e o mundo em diferentes graus de tensão.
Atingido um maior equilíbrio de linguagem, surgem inúmeros romances voltados para
a pesquisa da realidade brasileira. A preocupação nacionalista e, sobretudo, a necessidade de
conclamar à participação social são agora os fatores decisivos. A experimentação de lingua-
gem, que permitia grandes ousadias e que foi o traço marcante da prosa da primeira fase, cede
lugar a uma linguagem de caráter mais documental, adequada à necessidade de registrar a
realidade do momento. Em resumo: as experimentações formais ficam em segundo plano di-
ante da necessidade de uma literatura social.
Durante essas fases, os escritores passam a valorizar temas locais, da terra. Esse período
fica também conhecido como regionalismo.
O ponto mais alto dessa ficção pertence ao romance nordestino, que teve como princi-
pais representantes: Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado. O regionalismo de
30 apresenta uma visão realista e crítica dos problemas sócioeconômicos do Nordeste e de
outras regiões, conforme Mário de Andrade comentava. É uma literatura engajada, muitos
escritores eram militantes do Partido Comunista. Havia um propósito de denúncia das estru-
turas sociais apodrecidas.
O primeiro romance desse gênero foi A Bagaceira, de José Américo de Almeida, em
1928. Este romance teria indicado a direção para a construção de romances que retratassem a
dura realidade do povo brasileiro. Sua colaboração foi maior em relação aos temas do que aos
valores estéticos.
Essa geração teve novas possibilidades de ler e narrar o cotidiano, pela rudeza, pela cap-
tação direta dos fatos, por um realismo psicológico mais bruto, no qual o homem se dissolve
na massa, beneficiadas pelo uso da linguagem oral, dos regionalismos que os modernistas ti-
nham preparado.
Apesar da denominação mais genérica dessa geração ter sido o regionalismo, há tam-
bém, em muitos romances o que se vê é a abordagem de questões universais, que tocam o ser
humano em geral. Em Graciliano Ramos, especialmente, além da questão social, há a análise
psicológica dos personagens.
Por isso, muitos estudiosos rejeitam o termo regionalismo e preferem falar das temáticas
dos romances da segunda geração.

132
ADMARI CAJADO
OS TEMAS DOS ROMANCES DA SEGUNDA GERAÇÃO MODERNISTA
Romances de temática agrária
Pode-se afirmar que uma parte importante do romance de 30 centralizou-se em torno
do universo rural em declínio ou já desaparecido. A tradução deste processo social deu-se em
alguns núcleos temáticos:
• A ascensão e queda dos "coronéis"
• Os dramas dos trabalhadores rurais
• O confronto entre o Brasil rural e o Brasil urbano

Romances de temática urbana


A urbanização ininterrupta do país levou os narradores a olhar para a nova realidade
que se constituía, fosse sob o prisma da denúncia (Jorge Amado, Amando Fontes), da adesão
crítica (Erico Veríssimo) ou de uma tristeza impotente (Cyro dos Anjos). Os núcleos temáti-
cos abordados foram:
• As camadas populares, trabalhadores e marginais
• Os setores médios (pequena burguesia)

2.1.4
CONTEÚDO 4.
MODERNISMO – 3ª GERAÇÃO:
A AVENTURA DA LINGUAGEM
Antes de mais nada é necessário informar que alguns historiadores de nossa literatura
preferem chamar essa terceira fase (1945 – 1960) de Pós-Modernismo, reservando o nome
Modernismo apenas para as duas primeiras fases. É difícil sintetizar essa terceira fase (ou Pós-
Modernismo), pois alguns escritores que surgiram no período ainda hoje estão em atividade,
não tendo, portanto, uma obra concluída. Além disso, não temos distanciamento histórico
necessário para tal análise.
O que a caracteriza é a ampliação de experimentações da linguagem (como Clarice Lis-
pector e Guimarães Rosa), o desenvolvimento pelo do gênero romance, incorporação de no-
vos temas, fluxo interior, inovação da sintaxe, supremacia do meio urbano etc.
Os principais autores da terceira fase modernista são Clarice Lispector, Guimarães Rosa
e João Cabral de Melo Neto.

133
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
É uma geração fortemente marcada por um contexto histórico conturbado, tanto no
Brasil como no mundo. É quando se dá o fim da Segunda Guerra Mundial, e da ditadura de
Getúlio Vargas. Por conta dessa situação, os escritores dessa geração colocaram em segundo
plano as preocupações políticas, ideológicas e culturais dos artistas da década de 30 e passa-
ram a privilegiar a questão estética e subjetiva. No Brasil, 1945 também é marcado por fortes
acontecimentos no cenário cultural: a morte de Mário de Andrade, principal figura do Mo-
dernismo; e a publicação de O Engenheiro, livro de João Cabral de Melo Neto que apresenta
características inovadoras do fazer poético.
Diante de tantos acontecimentos importantes, os autores encontram o grande lema para
sua geração: a aventura da linguagem, a preocupação com a forma e com o rigor do texto.

Clarice Lispector
A sua obra é considerada uma das melhores pós-45. Ficou conhecida por imprimir uma
linguagem intimista e emotiva na literatura. Clarice parece aceitar a provocação que o mundo
ao redor faz à sua sensibilidade, recriando-o a partir de suas emoções e da sua própria inter-
pretação. Assim, seu texto assume um ritmo de procura, de penetração, moldando-se às ne-
cessidades de uma expressão tensa e sugestiva.
Clarice trabalha a linguagem através da leitura interpretativa feminina e inaugura um
novo modelo de linguagem literária, complexo e íntimo, que só será sentida novamente na
contemporaneidade.
Seus livros mais conhecidos são: A hora da estrela, A paixão segundo GH, Laços de Fa-
mília e Perto do coração selvagem.

Guimarães Rosa
A primeira grande inovação do autor é da linguagem, cheia de arcaísmos, neologismos,
onomatopéias, inversões, novas construções sintáticas etc., e que poderia ser resumida na sen-
tença:

Linguajar sertanejo + Recriação estilística = Linguagem revolucionária

É atribuído a Guimarães Rosa o título de “grande inovador” da língua portuguesa, pois


em seus textos – ao contrário do que aconteciam com os demais regionalistas incorporavam
termos regionais ao texto literário –, há a recriação da linguagem regional de forma mais ela-
borada. Ele procura incorporar – na linguagem da região em que "acontecem" as histórias nar-
radas – palavras novas, recupera o significado de outras, toma emprestado expressões de ou-
tras línguas, inverte as relações sintáticas.

134
ADMARI CAJADO
GRANDE SERTÃO: VEREDAS
O regionalismo de Rosa é classificado como regionalismo universalista, pois a ideia de
sertão criada por ele transcende a realidade geográfica, social, política, alcançando uma reali-
dade psicológica e metafísica. Nesse sertão, o sertanejo deixa de ser apenas o homem de uma
região e de uma época específicas, tornando-se um homem universal, que se defronta com
problemas eternos: o bem x o mal; o amor; a violência; Deus x Diabo.
A escolha do mundo retratado em suas ficções, o sertão mineiro, não é à toa, pois reflete
a imagem de um mundo imobilizado no tempo, sem vínculos com o litoral modernizado do
país e cujo principal traço é a consciência mítica dos protagonistas. Trata-se de uma consciên-
cia mágica que explica o mundo pelo fantástico e pelo sagrado. A travessia representa o obstá-
culo a ser superado pelo jagunço e que dará sentido à sua existência, assim como nas novelas
de cavalaria.
Algumas questões que merecem destaque em Grande Sertão Veredas, como a temática
da "jagunçagem" e a prosa inovadora. A obra se baseia no jogo dialético do presente e do pas-
sado.
Mas como o "sertão está em toda a parte, o sertão está dentro da gente", a obra pode ser
pensada como a história de um homem em busca de si mesmo, que só acontece de fato quan-
do entra em contato com o outro.
Assim, percebe-se que o regionalismo, representado na imagem do sertão, funciona co-
mo uma grande metáfora do mundo. Diferentemente dos escritores da geração anterior, que
utilizam a literatura como veiculo de denúncia.

JOÃO CABRAL DE MELO NETO


Nosso outro grande escritor desse período é João Cabral de Mello Neto. Sua obra se
articula como uma profunda reflexão sobre o fazer poético. Para ele, a poesia é entendida
como esforço em busca da síntese, do despojamento total, do trabalho exaustivo com as
palavras, portanto, desprovida de qualquer fonte de inspiração, bem a moda parnasiana.
Vejamos estes versos:

Não a forma encontrada


como uma concha perdida (...)
mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,

135
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
desenrola (...)

FONTE: MELO NETO, João Cabral de. Psicologia da composição. Disponível em:
<http://cilaschulman.wordpress.com/2009/03/29/psicologia-da-composicao-joao-cabral-
de-melo-neto/> Acesso em: 20 dez. 09

A poesia de João Cabral se caracteriza pela objetividade na constatação da realidade e,


em alguns casos, aproxima-se do surrealismo.
Em O cão sem pluma a perfeição de sua linguagem encontra uma temática: o rio Capiba-
ribe, com sua sujeira, seus detritos e com a população miserável que lhe habita as margens,
trágico espelho do subdesenvolvimento.Vejamos um trecho de um de seus poemas que co-
menta essa temática.

Na paisagem do rio
difícil é saber
onde começa o rio;
onde a lama
começa no rio
onde a terra começa da lama;
onde o homem,
onde a pele
começa da lama;
onde começa o homem
naquele homem.

FONTE: MELO NETO, João Cabral de. O cão sem plumas. Disponível em: <
http://www.filologia.org.br/soletras/5e6/13.htm> Acesso em 28 dez. 09

Nota-se, portanto, uma breve semelhança com Guimarães Rosa no que diz respeito à
apresentação do homem em busca de si mesmo, fazendo a travessia no seu lugar de origem, na
sua terra. É como se a consciência do lugar onde vive fornecesse as chaves que abrem as portas
para uma autodescoberta.
Assim, em Morte e vida Severina acompanhamos a caminhada de Severino, um retirante
que vai do sertão ao litoral, em busca de condições melhores de vida, fugindo da seca. Desilu-
dido e já pensando em tirar a própria vida, o retirante presencia o nascimento de uma criança,

136
ADMARI CAJADO
o retirante renuncia à intenção de matar-se. Daí a semelhança com um autonatalino, pois a
criança torna-se sinal de esperança.
É a certeza de uma nova vida, de um novo ser que realimenta o espetáculo da vida.

E não há melhor resposta


que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida (...)
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.

FONTE: MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida Severina. Disponível em: <
http://www.releituras.com/joaocabral_bio.asp> Acesso em 10 dez. 09

137
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
138
ADMARI CAJADO
MAPA CONCEITUAL

Resumo
O modernismo pode ser considerado o movimento da literatura brasileira mais impor-
tante, uma vez que renovou completamente as artes no Brasil. Seu legado ainda pode ser sen-
tido até os dias atuais, já que propôs uma renovação constante, quer seja através da estética ou
temática.

139
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
ESTUDO DE CASO
Doze Anos
Composição: Chico Buarque
Ai, que saudades que eu tenho
Dos meus doze anos
Que saudade ingrata
Dar banda por aí
Fazendo grandes planos
E chutando lata
Trocando figurinha
Matando passarinho
Colecionando minhoca
Jogando muito botão
Rodopiando pião
Fazendo troca-troca
Ai, que saudades que eu tenho
Duma travessura
Um futebol de rua
Sair pulando muro
Olhando fechadura
E vendo mulher nua
Comendo fruta no pé
Chupando picolé
Pé-de-moleque, paçoca
E disputando troféu
Guerra de pipa no céu
Concurso de pipoca

Após ouvir a música de Chico Buarque, Doze anos, um estudante do Ensino Médio
lembrou-se do poema Meus oito anos, de Casemiro de Abreu. No dia seguinte, comentou a
experiência na sala de aula e perguntou à professora de literatura o porque daquela

140
ADMARI CAJADO
experiência. Ainda questionou, que sendo uma recriação, a qual escola literária pertenceria a
música. A professora respondeu que a música era uma versão modernista do poema de
Casemiro de Abreu.

a) Explique as razões da professora ter admitido que a música de Chico Buarque era
uma composição modernista.

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b) Discorra sobre como as outras artes podem dialogar com a literatura brasileira e auxi-
liar o processo de ensino aprendizagem nas aulas de literatura.

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141
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
EXERCÍCIOS PROPOSTOS
Questões ENADE, adaptadas ou similares
(ENADE 2005)
QUESTÃO 01
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), talvez o pensador moderno mais in-
cômodo e provocativo, influenciou várias gerações e movimentos artísticos. O Expressionis-
mo, que teve forte influência desse filósofo, contribuiu para o pensamento contrário ao racio-
nalismo moderno e ao trabalho mecânico, através do embate entre a razão e a fantasia.
As obras desse movimento deixam de priorizar o padrão de beleza tradicional para en-
focar a instabilidade da vida, marcada por angústia, dor, inadequação do artista diante da rea-
lidade.

Das obras a seguir, a que reflete esse enfoque artístico é


a) Homem idoso na poltrona

REMBRANDT VAN RIJN – LOUVRE, PARIS. FONTE: DISPONÍVEL EM: HTTP://WWW.ALLPOSTERS.COM

b) Figura e borboleta

MILTON DACOSTA. FONTE: DISPONÍVEL EM: HTTP://WWW.UNESP.BR

142
ADMARI CAJADO
c) O grito

EDVARD MUNCH – MUSEU MUNCH, OSLO. FONTE: DISPONÍVEL EM: HTTP://MEMBERS.COX.NET

d) Menino mordido por um lagarto

MICHELANGELO MERISI (CARAVAGGIO). FONTE: DISPONÍVEL EM: NATIONAL GALLERY, LONDRES:


HTTP://VR.THEATRE.NTU.EDU.TW

e) Abaporu

TARSILA DO AMARAL. FONTE: DISPONÍVEL EM: HTTP://TARSILADOAMARAL.COM.BR

QUESTÃO 02
Para um artista militante, sua função não é exclusivamente produzir uma obra de arte
esteticamente válida, mas, e sobretudo, realizar uma obra que contenha um sentido revolucio-
nário do ponto de vista social. Sua posição consiste em afirmar não unicamente o caráter ideo-
lógico da obra literária, mas, e principalmente, em afirmar a necessidade de que ela atue como

143
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
veículo de conscientização e de esclarecimento do público. (FANTINATI, Carlos Erivany. O
profeta e o escrivão: estudo sobre Lima Barreto. São Paulo: Hucitec, 1978. p. 3.)
Com base no comentário transcrito acima, quanto ao romance Recordações do Escrivão
Isaías Caminha, de Lima Barreto, é correto afirmar:
a) Enquanto escritor militante, que via na literatura um meio de levar à mudança
social, Lima Barreto narra sua história pessoal no romance Recordações do es-
crivão Isaías Caminha, no sentido de mostrar que toda literatura engajada deve
partir de fatos reais, que podem ser comprovados historicamente, e não de fatos
fictícios.
b) Visando o engajamento social, Lima Barreto, na obra Recordações do escrivão
Isaías Caminha, utiliza-se de referências históricas retiradas de livros de História
do Brasil e de crônicas jornalísticas da segunda metade do século XX, sendo seu
livro considerado uma obra essencialmente sociológica.
c) Em Recordações do escrivão Isaías Caminha, a conscientização e o esclarecimen-
to do público quanto à arte e sua finalidade, quanto à posição do artista e ao de-
ver do crítico, são resultados da postura militante de Lima Barreto e encontram-
se nas reflexões e nas críticas feitas por ele à ditadura exercida pela imprensa da
época, começo do século XX. Nesse contexto, o modelo de jornalismo pautava-se
pela crítica elogiosa aos escritores apadrinhados, mantendo no anonimato ou
mesmo descompondo aqueles que não o eram, como ocorre no jornal em que
trabalha o protagonista Isaías.
d) O aspecto revolucionário do romance Recordações do escrivão Isaías Caminha
encontra-se, sobretudo, no trabalho dispensado à linguagem, devido às influên-
cias de princípios estéticos das vanguardas européias do início do século XX,
como o Futurismo e o Cubismo. Nesse romance Lima Barreto rompe com as
normas da sintaxe tradicional, quebra a linearidade do enredo, passando a utili-
zar-se de um vocabulário pouco erudito, próximo ao falar cotidiano do homem
comum, conforme se observa nos artigos de jornal escritos pela personagem Isa-
ías Caminha.
e) O romance Recordações do escrivão Isaías Caminha, ao discutir a posição do
negro, Isaías Caminha, dentro da sociedade carioca do começo do século XX,
resgata o tema da escravidão, bastante discutido pelos escritores românticos, so-
bretudo por José de Alencar, o que revela o caráter social da literatura de Lima
Barreto e a postura engajada do escritor.

144
ADMARI CAJADO
QUESTÃO 03
(FUVEST) Leia o texto abaixo e considere as afirmações.
A inteligência do herói estava muito perturbada. As cunhãs rindo tinham ensinado pra
ele que o sagui-açu não era saguim não, chamava elevador e era uma máquina. De manhãzi-
nha ensinaram que todos aqueles piados berros cuquiadas sopros roncos esturros não eram na-
da disso não, eram mas cláxons campainhas apitos buzinas e tudo era máquina. As onças par-
das não eram onças pardas, se chamavam fordes hupmobiles chevrolés dodges mármons e eram
máquinas.
(Mário de Andrade, Macunaíma)

I. As características modernistas desse fragmento estão não só no estilo, próximo do ex-


pressionismo, como também na ruptura da linguagem literária tradicional, já que pa-
lavras indígenas, coloquialismos e barbarismos passam a integrar o registro literário.
II. Nesse fragmento, o narrador incorpora a visão primitiva de Macunaíma, quando des-
creve a cidade de São Paulo. Pode-se dizer que ocorre uma inversão paródica do que
se encontra em textos descritivos de cronistas europeus do século XVI, já que estes
levavam em conta, muitas vezes, o referencial europeu para relatar a realidade da ter-
ra recém-descoberta.
III. Pode-se dizer que a justaposição de palavras indicadoras de ruídos, algumas onoma-
topaicas, sugere a intensidade do barulho urbano, assim como a enumeração das
marcas de automóveis sugere o volume do tráfego.
Pode-se dizer que está(ão) correta(s)

a) apenas a afirmação I.
b) todas as afirmações.
c) apenas a afirmação II.
d) apenas as afirmações II e III.
e) apenas a afirmação III.

QUESTÃO 04
Como lhes disse, fui guia de cego, vendedor de doce e trabalhador alugado. Estou con-
vencido de que nenhum desses ofícios me daria os recursos intelectuais necessários para en-
gendrar esta narrativa. Magra, de acordo, mas em momentos de otimismo suponho que há
nela pedaços melhores que a literatura de Gondim. Sou, pois, superior a Mestre Caetano e a
outros semelhantes. Considerando, porém, que os enfeites do meu espírito se reduzem a far-
rapos de conhecimento apanhados sem escolha e mal cosidos, devo confessar que a superiori-
dade que me envaidece é bem mesquinha.

145
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
No trecho acima, de São Bernardo, de Graciliano Ramos, o narrador reflete sobre ques-
tões que dizem respeito diretamente à sua competência para desenvolver uma narrativa auto-
biográfica. Essa competência é explicitamente posta em dúvida em outras passagens do ro-
mance, como, por exemplo, em:
a) As pessoas que me lerem terão, pois, a bondade de traduzir isto em linguagem li-
terária, se quiserem.
b) Começo declarando que me chamo Paulo Honório, peso oitenta e nove quilos e
completei cinquenta anos pelo São Pedro.
c) João Nogueira queria o romance em língua de Camões, com períodos formados
de trás para diante. Calculem.
d) E eu vou ficar aqui, às escuras, até não sei que horas, até que, morto de fadiga,
encoste a cabeça na mesa e descanse uns minutos.
e) Reproduzo o que julgo interessante. Suprimi diversas passagens, modifiquei ou-
tras.

QUESTÃO 05
(UFV) Leia atentamente o poema abaixo, de João Cabral de Melo Neto:

A EDUCAÇÃO PELA PEDRA


Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão


(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,

146
ADMARI CAJADO
uma pedra de nascença, entranha a alma.

FONTE: MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1996. p. 21

Assinale a alternativa que NÃO traduz uma leitura possível do poema acima:
a) O poeta apreende da pedra a própria vivência na vida agreste do Sertão: de aus-
teridade, resistência silenciosa e sempre capaz de dar lições de vida e de poesia.
b) Os versos metalinguísticos revelam a própria poética Cabralina: concreta, impes-
soal, concisa, embora profundamente social.
c) Ao partir do pressuposto de que a pedra é muda, e, portanto, não ensina nada, o
poeta suscita uma reflexão sobre a situação educacional precária no Nordeste.
d) O eu lírico também apreende da pedra os próprios versos enxutos, num esforço
de dissecação de quaisquer sentimentalismos.
e) No poema, de intensa economia verbal, a pedra faz-se metáfora da paisagem do
Sertão, que “entranha a alma”, e espelha o fazer poético do autor pernambucano.

CONSTRUINDO CONHECIMENTO
Letras em Ação
Em Aspectos da Literatura Brasileira, Mário de Andrade faz um balanço interessante
não apenas do modernismo brasileiro, como também revisita alguns escritores e obras que
considera importantes para constituir o cenário da nossa literatura.

Rede das Letras


Quer saber mais sobre as vanguardas européias? Então veja o site:
http://www.redacional.com.br/vanguardas.htm

Querendo revisar a Semana de Arte Moderna e suas consequências, não deixe de visitar
também o site:
http://almanaque.folha.uol.com.br/semana22.htm

147
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Quer saber mais sobre o regionalismo de 30? Então veja o artigo do site:
http://www.adufpbjp.com.br/publica/conceitos/6/art_25.PDF

A antropofagia e as leituras da dependência cultural


Na década de 80, as discussões em torno das questões referentes da dependência cultural
no Brasil voltam à tona com força a partir da análise teórica que dois importantes críticos da
literatura brasileira fazem do manifesto antropofágico de Oswald: Silviano Santiago e Roberto
Schwarz.
1. “Apesar de dependente Universal”, de Silviano Santiago
(disponível em http://www.pacc.ufrj.br/literaria/Apesar.html)
2. “Nacional por Subtração”, Roberto Schwarz
(disponível em http://antivalor.vilabol.uol.com.br/textos/schwarz/schwarz_04.html)

Esses ensaios são tomados como sínteses das avaliações contemporâneas da vontade an-
tropofágica de Oswald. Aproveite e leia também o comentário e confronto dos textos feito
pela professora Eneida Leal Cunha, no site:
http://www.pacc.ufrj.br/literaria/leituras.html

De Olho nas Letras


Muitas obras modernistas e pré-modernistas foram adaptadas para o cinema, a exemplo
de Triste fim de Policarpo Quaresma. Para refletir sobre como o pré-modernismo já antecipa
os temas de maior interesse no modernismo, propriamente dito, veja o filme: Policarpo Qua-
resma, o herói do Brasil.

148
ADMARI CAJADO
2.2
TEMA 4.
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS

2.2.1
CONTEÚDO 1.
TENDÊNCIAS DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
O que você sabe sobre as tendências da literatura contemporânea brasileira? Vamos en-
tender mais sobre o que vem acontecendo no cenário brasileiro ou que, pelo menos, tem sido
destaque?
Na verdade, as inovações estéticas promovidas pelo Modernismo no Brasil, possibilita-
ram um movimento de contínua ruptura nas manifestações artísticas brasileiras que podemos
perceber na contemporaneidade.
Chamamos de literatura contemporânea a produção literária das últimas décadas e que
se realizou no âmbito da poesia, das narrativas, do teatro, da música, da televisão e do cinema.
Ou seja, a literatura deixa de estar inscrita apenas nos livros e passa a dialogar com outras lin-
guagens artísticas.
Na poesia, abrem-se duas frentes: uma mais preocupada com o engajamento nas lutas
sociais, a exemplo de Ferreira Gullar e Thiago de Melo, e outra voltada a contrariar os esque-
mas da sintaxe tradicional, baseando-se mais nos aspectos concretos da palavra e nos recursos
gráficos.

O CONCRETISMO
O avanço da tecnologia, somado à aceitação cada vez mais ampla da linguagem dos
meios de comunicação de massa, levou à busca de novas formas de expressão que fossem con-
dizentes com uma sociedade em que tudo acontecia de maneira rápida, objetiva e era instan-
taneamente consumido para ceder lugar ao novo.

Mas o que vem a ser concretismo?


Basicamente podemos definir o concretismo como um movimento que pretende uma
linguagem que ponha em xeque os hábitos do leitor de poesia, já que propõe o predomínio da
comunicação visual sobre a verbal. Abandonando o discurso tradicional, o concretismo privi-
legia os recursos gráficos das palavras, o “desenho” do poema e não o seu conteúdo.

149
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
O movimento concretista despontou em 1952, com o lançamento da revista Noigrandes.
Mas o lançamento oficial do movimento deu-se em 1956, com a Exposição Nacional de Arte
Concreta, realizada em São Paulo. Em 1957 repetiu-se a mesma exposição no Rio de Janeiro,
com maior repercussão.
Os principais nomes do grupo concretista são Décio Pignatari, Augusto de Campos e
Haroldo Campos – iniciadores do movimento. Destacam-se ainda Pedro Xisto, Wlademir
Dias Pino e Ferreira Gullar. Este último abandonou o grupo em 1957.

Características
a) abolição do verso e aproveitamento do espaço.

AZEVEDO, RONALDO.

FONTE: HTTP://WWW.ANTONIOMIRANDA.COM.BR/POESIA_VISUAL/RONALDO_AZEREDO.HTML> ACESSO EM: 08 FEV.10

150
ADMARI CAJADO
b) Exploração do significante da palavra, ou seja, do seu conteúdo sonoro e do seu
conteúdo visual.

CAMPOS, AUGUSTO. OVO-NOVELO.

FONTE: HTTP://CAIXINHADEBADULAQUES.BLOGSPOT.COM/2009/04/OVO-NOVELO-AUGUSTO-DE-CAMPOS.HTML> ACESSO EM 08 FEV.10

c) Rejeição do lirismo e rejeição do tema

AZEVEDO, RONALDO. VAI E VEM.

FONTE: HTTP://3.BP.BLOGSPOT.COM/_OGQHD40VPK0/SLLHER9Z03I/AAAAAAAAAG4/UW8GK8FJ-
XS/S320/VAI+E+VEM,+JOS%C3%A9+LINO+GR%C3%BCNEWALD,+1959.JPG> ACESSO EM: 08 FEV.10

151
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
d) Possibilidades de leituras múltiplas

PIGNATARI, DÉCIO. BEBA COCA-COLA.

FONTE: HTTP://WWW.PCO.ORG.BR/CONOTICIAS/CULTURA_2007/IMAGENS/POESIA_CONCRETA/DECIO
_PIGNATARI_BEBA_COCA_COLA.GIF> ACESSO EM: 08 FEV.10

A POESIA-PRÁXIS E O POEMA/PROCESSO
A chamada poesia-práxis é resultado da proposta de um grupo de escritores dissidentes
do concretismo, liderados pelo poeta Mário Chamie. A tendência se caracteriza por manter
uma forte ligação com a realidade social, a partir da valorização da palavra no contexto extra-
linguístico.

O TOLO E O SÁBIO
O sábio que há em você
não sabe o que sabe
o tolo que não se vê.
Sabe que não se vê
o tolo que não sabe
o que há de sábio em você.
Mas do tolo que há em você
não sabe o sábio que você vê.

FONTE: CHAMIE, Mário. O tolo e o sábio. Disponível em:


http://recantodasletras.uol.com.br/forum/index.php?topic=5624.0> Acesso em: 08
fev.10

152
ADMARI CAJADO
Já o poema-processo veio como uma radicalização da proposta concretista. O poe-
ma/processo relega a palavra a segundo plano, utilizando quase exclusivamente signos visuais.
Basicamente, procura explorar as possibilidades poéticas contidas em signos não verbais. Tra-
ta-se de uma mensagem feita mais para ser vista do que para ser lida. O manifesto do grupo,
de autoria de Wlademir Dias Pino, foi publicado em 1967.

PINO, WLADIMIR DIAS. COR.

FONTE: HTTP://WWW.LIVROSPARATODOS.NET/ESCOLAS-LITERARIAS/POEMA-PROCESSO.HTML> ACESSO EM: 08 FEV.10

A POESIA SOCIAL
O nome é vago, pois houve poesia de caráter social em vários momentos de nossa litera-
tura. Neste caso, foi à designação escolhida para a proposta de um grupo de poetas que reagi-
ram à poesia de uma época (sobretudo a concretista), que consideravam excessivamente ape-
gada ao formalismo e, sobretudo, extremamente alienada. Trata-se, pois, de uma poesia de
expressão política.
Buscando maior compreensão com o leitor, a poesia social propõe o retorno ao verso, o
emprego de uma linguagem mais simples e a escolha de temas relacionados com a realidade
social do país. Além de Ferreira Gullar, que, dissidente do grupo concretista, havia proposto o
neoconcretismo, destacam-se Affonso Romano de Sant’Anna, Afonso Ávila, Thiago de Mello.

153
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
MEU POVO, MEU POEMA
Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a árvore nova

No povo meu poema vai nascendo


como no canavial
nasce verde o açúcar

No povo meu poema está maduro


como o sol
na garganta do futuro

Meu povo em meu poema


se reflete
como a espiga se funde em terra fértil

Ao povo seu poema aqui devolvo


menos como quem canta
do que planta

FONTE: GULLAR, Ferreira. Meu povo, meu poema. Disponível em:


http://literal.terra.com.br/ferreira_gullar/porelemesmo/meu_povo_meu_poema.shtml
?porelemesmo> Acesso em: 08 fev. 10

A POESIA MARGINAL DOS ANOS 70


Os poetas dessa geração recusavam os métodos tradicionais de produção e distribuição
de sua obra. Alguns poetas que surgiram com o grupo “marginal” hoje têm sua obra produzi-
da e distribuída por grandes editoras. É o caso de Chacal, Cacaso, Paulo Leminsky e Ana Cris-
tina Cesar, essa última considerada pela crítica atemporal e com produção superior aos seus
contemporâneos.
A linguagem e a temática da poesia marginal são muito diversificadas. Observam-se não
só influências do Concretismo e do poema/processo como a retomada de algumas caracterís-
ticas do nosso modernismo da primeira fase. Nota-se ainda o desprezo pelo chamado “bom
gosto” da classe dominante. Em todos os casos predomina o coloquialismo e a fusão de poesia
e prosa. A ironia é outra constante nessa poesia produzida sob forte pressão política.

154
ADMARI CAJADO
Ora poesia de expressão subjetiva, pessoal, ora poesia de denúncia, a obra dos “margi-
nais” de 70 obteve maior aceitação do que a poesia dos grupos anteriores.

REFLEXO CONDICIONADO
pense rápido:
Produto Interno Bruto
ou
brutal produto interno
?

FONTE: BRITO, Antonio Carlos (Cacaso). Reflexo condicionado. Disponível em :


<http://www.blocosonline.com.br/literatura/arquivos.php?codigo=p98/p981094.htm&tipo
=poesia> Acesso em: 08 fev.10

A NOVA PROSA REGIONALISTA, A PROSA POLÍTICA E O ROMANCE


REPORTAGEM
Ora mantendo-se na linha do nosso regionalismo da segunda fase, ora incorporando i-
novações desencadeadas pela obra de Guimarães Rosa, destacam-se inúmeros escritores que
pesquisam o espaço e o homem rural brasileiros, sendo chamados de novos regionalistas. En-
tre eles destacam-se: Mário Palmério (O chapadão do bugre, Vila dos Confins); Bernardo Ellis
(O tronco); Ariano Suassuna (O romance da pedra do reino); Jair Vitória; entre muitos outros.
A violência social e política a que o país esteve submetido, sobretudo após 1964, desen-
cadeou também uma farta literatura de caráter político, a chamada prosa-política, em que
temas e enredos servem de veículo de análise, denúncia e protesto. Nessa tendência, é possível
distinguir essas duas modalidades narrativas, diferentes, sobretudo, pela técnica empregada.
Valendo-se de uma mistura de linguagem ficcional com linguagem jornalística, criando
enredos baseados literatura em fatos reais ou ficcionais, surgem obras (romances e contos)
que tratam de torturas, prisões arbitrárias, perseguições. Também conhecidas como verdade
ou romance-reportagem, empregando um estilo direto, seco, objetivo, essas obras parecem
revelar que os escritores assumiam uma nova tarefa: tomar para si o papel de informar, antes
exclusivo da linguagem jornalística, agora submetida à censura severa do período. Destacam-
se Ignácio de Loyola Brandão (Zero); Antonio Callado (Quarup, Reflexos do baile); Roberto
Drummond (Sangue de coca-cola); José Louzeiro (Lúcio Flávio, o passageiro da agonia); Mar-
cio Souza (Galvez, o imperador do Acre, Mad Maria); entre muitos outros.

155
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
O REALISMO FANTÁSTICO, PROSA INTIMISTA E PROSA URBANA
A partir de situações irreais, absurdas, insólitas, alguns escritores também analisam e
denunciam a situação do país e do homem de sua época. A obra desses escritores traça um
mapa metafórico da nossa realidade daquele momento e, por isso, é chamado de Realismo
Fantástico. O antecessor e pioneiro dessa tendência foi o contista Murilo Rubião (O ex-
mágico, O pirotécnico Zacarias), que estreara no final da década de 40, mas que só teve a sua
obra devidamente reconhecida quase 30 anos depois. Na época de sua estréia, era uma voz
isolada, perdida no meio de uma produção de caráter nitidamente realista.
Essa linha vai ser retomada na década de 60 por José J. Veiga (Sombras de reis barbudos,
A hora dos ruminantes). Destacam-se ainda: Moacir Scliar (A balada do Falso Messias, Car-
naval dos animais) e Campos de Carvalho (A chuva imóvel, A vaca do nariz sutil, O púcaro
búlgaro), cuja obra ainda não obteve da crítica a atenção que merece. Além desses, o veterano
Érico Veríssimo surpreendeu, em 1971, com a fábula política Incidente em Antares, cuja se-
gunda fase se estrutura com base numa situação fantástica.
Na mesma linha de sondagem psicológica inaugurada na segunda fase modernista e
consolidada pela obra de Clarice Lispector, a prosa intimista é um tipo de narrativa que apre-
senta personagens mergulhadas em seu mundo interior. Destacam-se Osman Lins (Nove, no-
vena; Avalovara), Autran Dourado (Ópera dos mortos), Lygia Fagundes Telles (em parte de
sua obra), Lya Luft, Nélida Piñon (Tebas do meu coração), Hilda Hilst (Qadós).
Já a prosa urbana mistura ao intimismo o cenário das metrópoles, mostra a relação do
homem com um espaço resultante da urbanização acelerada e desumana. Miséria social, mar-
ginalização, angústia, solidão e violência são os ingredientes que se entrelaçam nesse espaço e
que servem de ponto de partida para autores como Luís Vilela, Ivan Ângelo, Zulmira Ribeiro
Tavares, Ricardo Ramos, mas principalmente Dalton Trevisan (que estreara na década de 50 e
acrescenta o humor e a síntese como ingredientes fundamentais de sua prosa) e Rubem Fon-
seca – que explora radicalmente a violência generalizada na sociedade, não sendo em momen-
to nenhum intimista.

A PROSA HÍBRIDA
Mistura a urbanidade com a memória ou autobiografia, esse último um gênero até então
raro em nossa literatura (Graciliano Ramos, com Memórias do cárcere, é o melhor exemplo),
mas que emergiu com força na década de 70. Destacam-se Pedro Nava (Baú de Ossos) e Érico
Veríssimo (Solo de clarineta I e II). Quanto aos gêneros em que se concretizaram essas ten-
dências, merece destaque o fato de o conto e a crônica terem predominado sobre o romance.
A crítica considera que a melhor ficção brasileira da atualidade está representada pelo
conto. E esse vem num híbrido entre intimista e urbano, autobiográfico e jornalístico, como

156
ADMARI CAJADO
um liquidificador. Além de escritores já consagrados pelo público e pela crítica, surgiram ou-
tros, de técnica e temática revolucionárias. Além dos já citados anteriormente, merecem des-
taque: João Antônio Caio Fernando Abreu, Domingos Pelegrini Jr., Samuel Rawett e muitos
outros.
Como é praticamente impossível dar conta de toda a literatura brasileira que é produzi-
da a partir de 1960 até hoje, costumamos chamá-la apenas de literatura contemporânea. A
maioria dos autores está viva ou morreu há pouquíssimo tempo. Um exemplo significativo
dessa produção é a ficção do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu que traz em sua escrita
todas as angústias e alegrias do homem pós-moderno e as experiências da contracultura (revo-
lução cultural que ocorreu em 1960 no mundo e em 70 no Brasil, contra os modos de vida
burgueses e os padrões de comportamento e de arte estabelecidos).

2.2.2
CONTEÚDO 2.
A LITERATURA CONTEMPORÂNEA E A DIVERSIDADE CULTURAL
Também podemos atribuir à literatura contemporânea um tom de revisão da nossa lite-
ratura e como uma de suas funções podemos listar a tarefa de discutir as questões sobre a cul-
tura e o povo brasileiro: repensar sobre os discursos que, há muito, dizem quem somos.
Dentro dessa perspectiva, emerge as tentativas de se construir a identidade cultural do
povo brasileiro: a edificação da nação é o primeiro passo para tal fim.

Mas quais são os aspectos discursivos que produzem a NAÇÃO?

São três os aspectos básicos capazes de produzir e sustentar esse discurso: produzir o
povo; homogeneizar o tempo e produzir uma etnicidade fictícia.
O que não podemos esquecer é que os discursos empenhados na constituição da nacio-
nalidade estão compelidos a fazê-lo também sob a pressão e a lógica de uma heterogeneidade,
no sentido de que a nação só pode se constituir através de uma relação de contraste, de oposi-
ção ou de diferenciação ao não nacional, ao seu exterior.

O reconhecimento positivo da diversidade racial e étnica é precursor de um dos mais


fortes aspectos da revisão das imagens da nacionalidade.
FONTE: CUNHA, 1997

Para tanto, várias estratégias foram utilizadas, não só pela literatura, para configurar as
imagens da nacionalidade brasileira.

157
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Essa nacionalidade brasileira não foi discutida apenas na literatura. Muitos outros inte-
lectuais como sociólogos, historiadores e antropólogos se mobilizaram em explicar o que é o
Brasil, retomando o conceito de nação como uma comunidade política imaginada. Vejamos
que ideias permeiam seus discursos e como isso se reflete em nossa contemporaneidade.
Segundo Eneida Leal Cunha, em O Brasil ao alcance de todos: imagens da nacionalidade
e comemorações dos 500 anos do descobrimento:

O conseqüente elogio da miscigenação significa um sensível avanço, em rela-


ção ao sentido anterior de degradação e de inviabilidade civilizacional da na-
ção mestiça, mas hoje não podemos deixar de perceber — e com algum des-
conforto — a quem interessa preservar essa interpretação pacificada do país.
(CUNHA, 2000)

A obra de Gilberto Freyre tem sido analisada, discutida e criticada, sobretudo como teo-
ria da formação da sociedade brasileira, pois foi ele quem traduziu a ideia de que “Todo brasi-
leiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena ou do negro”.Vale lembrar os contrapontos
que circunscrevem a obra de Gilberto Freyre. Alguns a contestam como modelo único da so-
ciedade brasileira: patriarcal, latifundiária, monocultura, escravocrata. Outros têm procurado
nela encontrar as evidências da integração biológica e cultural do índio, do português e do
negro africano que resultou no homem brasileiro. Daí a busca por outras formas de leituras e
interpretações do Brasil.

Sérgio Buarque de Holanda:


RAÍZES DO BRASIL
Juntamente com Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda foi
um dos “explicadores do Brasil”.
Um dos principais objetivos de Raízes do Brasil era delinear uma ‘psicologia’ do povo
brasileiro, em algumas de suas principais nuances. Assim sua proposta tem sido comparada a
de Machado de Assis, que em vários momentos de sua obra, recorreu à sensibilidade de zonas
mais sombrias da cultura brasileira para detectar sentimentos e formas da “psique” do brasi-
leiro.
Éder Silveira, em estudo comparativo sobre a obra de Sérgio Buarque e Machado de As-
sis, diz que:

Sérgio Buarque afirma de antemão, buscando evitar más compreensões: a re-


ferida “cordialidade” não se trata, necessariamente, de uma referência direta
ao significado literal da expressão. Na realidade, ao referir-se à cordialidade,
Sérgio Buarque busca enfatizar uma característica marcante do modo de ser

158
ADMARI CAJADO
do brasileiro, segundo sua lupa: a dificuldade de cumprir os ritos sociais que
sejam rigidamente formais e não pessoais e afetivos e de separar, a partir de
uma racionalização destes espaços, o público e o privado. Mais do que uma
espécie de indivíduo, a cordialidade perpassa, em maior ou menor escala, a
todos os atores sociais no Brasil. (SILVEIRA, 2001)

Ainda explicando sua tese da cordialidade, o próprio Sérgio Buarque de Holanda, afirma
que:

A lhaneza no trato, a hospitalidade, e generosidade, virtudes tão gabadas por


estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do
caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a
influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio
rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar
“boas maneiras”, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um
fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Na civilidade há qual-
quer coisa de coercitivo – ela pode exprimir-se em mandamentos e senten-
ças. (HOLANDA, 1999, 141)

Em resumo, podemos confirmar que a tese do brasileiro apresentar-se como um homem


cordial, sendo esse um traço definitivo do caráter brasileiro, resultado de uma "ética de fundo
emotivo", celebrizou Sérgio Buarque de Holanda. Além disso, ele será sempre lembrado por
mostrar ser conflitiva a relação dos indivíduos e das famílias com o estado.Éder conclui seu
texto afirmando:

Logo, pode-se dizer que toda esta parafernália de sentidos, de aparências e de


minúcias presentes diariamente nas relações pessoais/públicas, trata-se ape-
nas de aparente gentileza e afetuosidade, sendo, efetivamente, uma cápsula
protetora, uma estratégia tanto de ascensão quando de “sobrevivência” em
sociedade (SILVEIRA, 2001).

Silviano Santiago: Interprétes do Brasil


A coletânea organizada por Silviano Santiago representa, por sua trajetória como por
seu conteúdo, um mapa muito particular no qual se cruzam coordenadas que definem pers-
pectivas, permitem o traçado de roteiros e situam descobrimentos e descobridores das inter-
pretações sobre o Brasil.
Silviano Santiago reúne um elenco do que considerou grandes intérpretes do Brasil na
década de 1930, já que mantiveram acesa a discussão sobre o moderno Brasil durante a década
de 1920. A coleção foi dividida em três volumes:

159
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
VOLUME 1
• Abolicionismo (Joaquim Nabuco);
• Os Sertões (Euclides da Cunha);
• A América Latina (Manuel Bonfim);
• Populações Meridionais do Brasil (Oliveira Viana)
• Vida e Morte do Bandeirante (Alcântara Machado).

VOLUME 2
• Retrato do Brasil (Paulo Prado);
• Introdução à História da sociedade patriarcal no Brasil (Casa-Grande & Senzala;
Sobrados e Mucambos, Gilberto Freyre).

VOLUME 3
• Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil (Ordem e Progresso, Gilberto
Freyre);
• Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda);
• Formação do Brasil contemporâneo (Caio Prado Júnior)
• A revolução burguesa no Brasil (Florestan Fernandes).

A LITERATURA E OS SINTOMAS DE MUDANÇA


A literatura contemporânea nos ajuda a refletir que, em termos globalizadores, ganha
vulto uma tendência para a eliminação das fronteiras entre a arte erudita, a arte popular e a
cultura de massa. Assim, os poetas de rua ganham vez e voz.
Isso tem razão de ser por que se destaca na atualidade a importância crescente do inte-
resse e da proliferação de trabalho destes expoentes. Muito particularmente tem se notado o
deslocamento de olhar para esta outra direção, que se imbui do espírito de observação e de
valorização desse universo.
Todo este estado de coisas representa a oportunidade de entrar em contato com outro
“mundo”, capaz de produzir uma riqueza e um legado que considera e reflete sobre as diferen-
tes expressões de cultura e traz uma prática mais democrática, ou menos excludente, que con-
sidera outras narrativas que não aquelas oficiais ou oficializadas pelos discursos que as legiti-
maram (como por exemplo, o da historiografia literária), parte deles imbuídos do espírito da
cisão e hierarquização entre o alto e o baixo, na produção textual.

160
ADMARI CAJADO
Eneida Maria de Souza (2002) lembra que a o diálogo crescente entre as práticas discur-
sivas consideradas “extrínsecas” à literatura, como a cultura de massa, as biografias, os aconte-
cimentos do cotidiano, além da imposição de leis regidas pelo mercado, representam uma das
marcas da pós-modernidade, que traz para o interior da discussão atual, a democratização dos
discursos e a quebra dos limites entre a chamada “alta literatura” e a cultura de massa.
Assim, diante de formas anteriormente consideradas menores, de textos considerados
“para-literários” ou não-literários, de formas vistas como “baixa literatura”, que sempre ocu-
param o lugar das formas excluídas, a contemporaneidade cultural e crítica vêm provocando
vários questionamentos.
Vamos pensar então como os estudos literários remontam suas representações para dar
conta dessas outras interpretações do Brasil.
A obra de João Ubaldo Ribeiro, Viva o povo brasileiro, pode ser classificada como um
romance histórico dentro dessa perspectiva.É também considerada uma das mais importantes
obras da literatura brasileira, uma vez que apresenta histórias inspiradas nas raízes do povo
brasileiro, tendo como personagens negros, índios, mulheres, homossexuais – grupos minori-
tários que também constroem: minorias e os discursos sobre nação. Através dela podemos
repensar algumas dessas questões até então discutidas.

A releitura do processo de formação política e sociocultural do Brasil, realizada por


João Ubaldo Ribeiro em VIVA O POVO BRASILEIRO, promove um desmascaramento da
construção de um determinado tipo de discurso histórico exclusivo e excludente.

OUTRAS LITERATURAS, OUTRAS VOZES


Segundo Eliane Maria de Oliveira Giacon, em A imagem de um povo via romance, artigo
que analisa Viva o povo brasileiro e a questão da identidade:

A cultura do povo brasileiro é um espelho da miscigenação étnica. Através


dela é possível verificar como a carga cultural das matrizes étnicas dos brasi-
leiros: índios, brancos e negros permanecem até hoje na cultura e no modo
de ser do brasileiro. Além disso, observa-se o ato antropofágico da cultura
brasileira, que deglutiu os costumes de seus formadores e produziu, em seu
meio, características culturais e um modo de ser do brasileiro. (GIACON,
2006)

As artes também mudam...


Assim também as artes passam a representar tais discursos e expressões minoritárias;
entra na luta a favor da voz que agora começa a angariar espaço na história.

161
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Na narrativa de João Ubaldo encontramos também diferentes vozes sendo colocadas em
evidência na literatura brasileira. No Brasil, isto compreende os índios; os ciganos; as comuni-
dades negras remanescentes de quilombos; comunidades descendentes de imigrantes; homos-
sexuais; mulheres.
É no período conhecido como pós-modernidade que essas minorias conquistaram e ga-
rantiram espaço para se expressar. Ou seja, conseguiram espaço para escrever e publicar suas
próprias ideias.
A ideia de transformações de certos paradigmas sustentadores do pensamento ocidental
para a inserção de outras formas de pensar o tempo, o espaço, as artes, as identidades, a políti-
ca, as relações culturais e sociais.
Embora ainda recebido com algumas reservas em alguns setores da crítica, o estilo pós-
modernista na arte literária envolve a constelação dos seguintes traços:
• A intensificação do ludismo na escrita;
• Metalinguagem;
• Fragmentação textual;
• Montagem cinematográfica;
• Exaltação do prazer;
• A intertextualidade;
• A mistura de estilos;
• A preocupação com o presente, sem projeção no futuro;
• Reação à funcionalidade dos modernos;
• Culto ao pastiche e à hiper-realidade.

Como vimos, a partir da década de 1970, a ficção brasileira de temática urbana foi con-
dicionada por uma série de novos fatores econômicos, políticos e sociais, promovidos pelo
golpe militar de 1964 e o longo período de ditadura no Brasil.
Conforme vimos anteriormente, o conceito de minorias abarca uma série de segmentos
sociais, econômicos, étnicos e culturais, que assim como a “maioria” deve ter voz e vez.
Os estudos culturais têm viabilizado e contribuído para que os diversos grupos minori-
tários tenham condições de criar e difundir suas expressões culturais. Aqui destacamos alguns
desses grupos, para que você ter uma noção do tipo de literatura produzida por eles.

162
ADMARI CAJADO
ÍNDIOS
Um bom exemplo desse movimento está na produção de Kaká Werá Jecupé, A terra dos
mil povos.
O livro é representante primeiro da iniciativa do Projeto Arapoty, idealizado pelo Insti-
tuto Nova Tribo – ONG comandada por Kaká, que tem por objetivo recuperar a essência dos
povos que já viviam no continente antes das navegações.
Nesta obra vemos a representação da resistência, à medida que é possível vislumbrar as
estratégias utilizadas por Kaká para reverter a má consciência colonizada.

A imensamente prestigiosa e poderosa cultura imperial foi apropriada pelos projetos


da resistência contra-cultural, os quais utilizaram os muitos e diferentes processos indíge-
nas de autodeterminação, locais e híbridos, para desafiar, desgastar, e às vezes suplantar o
grande poder da sabedoria cultural imperial... Uma vez que o povo colonizado tinha moti-
vo para refletir sobre e expressar a tensão que seguiu às problemáticas e contestadas, mas
eventualmente vibrantes e poderosas misturas de língua imperial e experiência local.
FONTE: (SADLIER)

POBRES
Um outro bom exemplo para pensarmos melhor a inserção das minorias na literatura
brasileira está nos trabalhos produzidos pela periferia. Essa busca de “descentramento”, se-
gundo os teóricos do pós-modernismo, é uma tentativa de “ouvir” as “margens”, incluindo-se
aí, todas as minorias raciais, as mulheres e os homossexuais.
Algumas obras que ilustram bem como a literatura é o único espaço onde todas as vozes
se tornam audíveis a um só tempo. Alguns exemplos são:
• Cabeça de porco (MV BILL)
• Cidade de Deus (PAULO LINS)
• O paraíso é bem bacana (ANDRÉ SANT’ANNA)

2.2.3
CONTEÚDO 3.
A LITERATURA ORAL E POPULAR E SUAS APROPRIAÇÕES
Apesar da tentativa plausível das gerações de 30 e 45 em retratar o homem comum, do
povo, não podemos chamar esse tipo de produção de popular, uma vez que ela não é produzi-
da pelo povo.

163
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Para darmos início a discussão sobre a inserção do povo na cultura, precisamos lembrar
que alguns estudos importantes na área foram feitos desde o século XIX. Aqui temos alguns
nomes importantes que se debruçaram sobre a questão do folclore em nossas artes: SÍLVIO
ROMERO, CÂMARA CASCUDO, MONTEIRO LOBATO e MÁRIO DE ANDRADE.
O pioneiro desses estudos é Sílvio Romero. Em sua História da Literatura Brasileira, de
1888, apresenta um conceito de literatura bastante amplo que abrange todas as manifestações
da inteligência de um povo, da ciência ao poético propriamente dito, passando pela política,
economia e outros ramos do conhecimento. Isto confere a esta primeira história da literatura
brasileira um teor muito mais de história da cultura ou da civilização brasileira. Um outro
estudioso muito importante sobre o folclore foi Câmara Cascudo, até hoje utilizado como
referência, uma vez que publicou extensa obra sobre o assunto. Ele coleta e publica uma série
de textos populares e faz estudos sobre os mesmos em diversas obras sobre o folclore brasilei-
ro.Monteiro Lobato também faz suas recolhas, mas as publica na coleção O SÍTIO DO PICA-
PAU AMARELO, sob o título de HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA.
Por último, destaca-se o trabalho de Mário de Andrade, grande defensor da arte popular
no Brasil. Mário de Andrade percorre o Brasil em busca de manifestações populares, não ape-
nas os textos, mas também os falares e os modos de vida. Como resultado, publica um catálo-
go sobre música popular.
Mas a literatura representada nessas obras que vimos até agora representam realmente o
povo? E o que finalmente denominamos Literatura Popular?
A literatura que circula na boca do povo, transmitida de geração a geração, compreende
um vasto repertório como contos, lendas, adivinhas, romances, repentes, cantos de trabalho,
incelências, dentre outros. Esse tipo de texto, em sua maioria oral, precisam ser estudados de
outra forma, respeitando o que a teoria da literatura convencional tratou de retirar do campo
de análise: a funcionalidade.
Também conhecida como folclore, a literatura oral e popular continua mais viva do que
nunca, conforme podemos verificar. Segundo Edil Silva Costa:

Talvez não haja hábito mais antigo em qualquer ajuntamento humano que o
de narrar, relatar fatos, sejam eles fictícios ou não. As narrativas imemoriais
terminam sendo o eixo de ligação entre o homem primitivo e o da sociedade
urbana ocidental. Seus dramas e necessidades não diferem essencialmente,
embora sua cultura os diferencie muito. (COSTA, 2005, p.8)

Para entender porque esse tipo de literatura não é colocada juntamente com as demais é
importante conhecer algumas de suas especificidades, como conceito de performance, por
exemplo.

164
ADMARI CAJADO
A performance refere-se a um momento tomado como presente, a palavra
significa a presença concreta de participantes implicados nesse ato de manei-
ra imediata. Sendo assim, é um momento de recepção: momento privilegia-
do, em que um enunciado é realmente recebido. (ZUMTHOR, 2001, 50)

Alguns grupos de pesquisa têm se preocupado em coletar, transcrever e produzir coletâ-


neas com narrativas orais, tais como contos, romances, adivinhas, cantos de trabalho, incelên-
cias, cantigas etc. É o que acontece com os livros da série Contos Populares Brasileiros, um
projeto da Fundação Joaquim Nabuco, que pretende fazer uma coletânea de cada estado brasi-
leiro.
Além disso, as prefeituras têm se preocupado em resgatar e divulgar a cultura popular e
também a literatura oral, através do patrocínio de coletâneas de textos populares.
Segundo Ariano Suassuna, um estudioso do assunto, a literatura popular em versos do
Nordeste brasileiro pode ser classificada nos seguintes ciclos: o heróico, o maravilhoso, o reli-
gioso ou moral, o satírico e o histórico.
Hoje, os folhetos podem ser encontrados em alguns mercados públicos, como o Merca-
do de São José, no Recife, em feiras, como a de Caruaru, e em sebos (venda de livros usados).
O poeta popular é tido como representante do povo, repórter dos acontecimentos da vi-
da no Nordeste do Brasil. A escolha dos temas para a criação de um folheto é ilimitada. Pode
narrar os feitos de Lampião, as "presepadas" de heróis como João Grilo ou Canção de Fogo,
uma história de amor, enfim, acontecimentos importantes de interesse público. Assim, o poe-
ta ganha o papel de porta voz do povo.
Segundo Luís da Câmara Cascudo, no livro Vaqueiros e cantadores (1939):

Os folhetos foram introduzidos no Brasil pelo cantador Silvino Pirauá de


Lima e depois pela dupla Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas
Batista. No início da publicação da literatura de cordel no País, muitos auto-
res de folhetos eram também cantadores, que improvisavam versos, viajando
pelas fazendas, vilarejos e cidades pequenas do sertão. Com a criação de im-
prensas particulares em casas e barracas de poetas, mudou o sistema de di-
vulgação. O autor do folheto podia ficar num mesmo lugar a maior parte do
tempo, porque suas obras eram vendidas por folheteiros ou revendedores
empregados por ele. (CASCUDO, 1939, p. 16)

165
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
APROPRIAÇÕES DO POPULAR
Mas não é apenas dessa forma mais natural que podemos encontrar essas histórias, pois
há escritores e artistas que fazem inúmeras apropriações do popular em suas obras, conforme
podemos ver a seguir.
O escritor Ariano Suassuna imortalizou a história do “Enterro da Cachorra”, um folheto
de cordel bastante conhecido no nordeste, na obra O auto da compadecida.
E também podemos destacar o trabalho de cantores e compositores ao associar suas
composições ao trabalho de repentistas, como o que vem sendo desenvolvido pelo grupo mu-
sical Cordel do Fogo Encantado.

166
ADMARI CAJADO
MAPA CONCEITUAL

Resumo
A literatura contemporânea não tem apenas uma tendência, mas várias, pois podemos
analisá-la a partir de diversos pontos de vista. Ela pode perfeitamente ser entendida como ra-
mificação do nosso modernismo, uma vez que mantém o legado desse movimento como úni-
co princípio. Inovar, renovar, ler, reler, dar voz a quem nunca pode se expressar, enfim é um
campo aberto para estudos.
ESTUDO DE CASO
Durante o XII CONGRESSO NACIONAL DE FOLCLORE, realizado na cidade de
NATAL – RN no período de 29/08 a 01/09/06, a Professora Dra. Doralice Alcoforado, presi-
dente da Comissão Baiana de Folclore e coordenadora do PEPLP – Programa de Estudo e
Pesquisa da Literatura Oral na UFBA –, proferiu uma palestra, cujo tema foi: O CONTO
POPULAR NA ESCOLA.

XII CONGRESSO NACIONAL DE FOLCLORE


NATAL – RN 29/08 a 01/09/06
O CONTO POPULAR NA ESCOLA
Doralice F. Xavier Alcoforado

Quando estamos diante de conteúdos programáticos de literatura para passar aos nos-
sos alunos, a primeira coisa que nos vem à mente é: Quais os objetivos que pretendemos
atingir no ensino da literatura? Que resultados esperamos alcançar?
Via de regra, o texto literário no Ensino Fundamental e Médio é mais utilizado como
plataforma para estudo de conteúdos lingüísticos da norma padrão ou de conteúdos rela-
cionados à teorização do fato literário; a exploração do texto como veículo de prazer estéti-
co, relegando a segundo plano à gama de potencialidades que o texto literário oferece.
O estudo da literatura tem sido direcionado quase que exclusivamente para o estudo
de obras de autores canônicos selecionadas segundo o gosto e os valores de uma elite inte-
lectual e vinculadas ao domínio e prestígio da escrita. Textos da literatura oral e popular
sempre estiveram, ao longo do tempo, fora dos currículos escolares, talvez por não se ter a
exata medida da sua importância como expressão do cruzamento de diferentes culturas
que se reconstroem em um processo de hibridização. A 32a. Conferência Geral da
UNESCO, realizada em Paris, adota e recomenda uma política para a preservação do pa-
trimônio imaterial, preocupada com o processo de homogeneização dos valores culturais
intangíveis decorrente da globalização que ameaça a diversidade cultural.
No momento em que o debate sobre o patrimônio imaterial em termos de capital cul-
tural está na ordem do dia e ganha foro internacional, é preciso ter-se a clareza da sua im-
portância e o compromisso de defendê-lo como um bem cujo uso social só poderá ser e-
quacionado através de uma política cultural orgânica que atue em conexão com o sistema
educativo como formadores de uma cultura coletiva.
A nossa condição multiétnica engendrou um valioso acervo de manifestações cultu-
rais, natural campo de pesquisa, laboratório a ser utilizado para o estudo e a interpretação
do significado dessas diferenças, para reflexões sobre identidades e suas variadas constitui-
ções.

168
ADMARI CAJADO
Este é o momento propício para a criação de disciplinas de literatura oral e popular ar-
ticuladas a projetos de pesquisas nessa área nas faculdades de Letras e da sua articulação
com as faculdades de educação, responsáveis pela formação metodológica dos futuros pro-
fessores. É importante lembrar que também é necessária a articulação com as secretarias
de educação visando a inclusão de conteúdos de cultura popular nos programas das disci-
plinas do Ensino Fundamental e Médio. Com isso, o imenso e diversificado acervo de cul-
tura popular poderá servir de lastro para práticas pedagógicas e laboratório para estudos
da representação simbólica e identitária de grupos étnicos.
É dentro dessa ótica que os produtos da cultura popular ganham seu espaço de afir-
mação. E à medida que os professores conheçam e se envolvam com esse material, vão
descobrir a diversidade de formas e a riqueza expressiva nele contida e certamente visuali-
zarão as várias possibilidades de abordagens como instrumento pedagógico para as dife-
rentes matérias da grade curricular.
E assim procedendo, vão ter a oportunidade de levar esse saber às gerações mais no-
vas, mormente as citadinas que quase não convivem com essa forma de conhecimento,
uma vez que a mudança de hábitos e de comportamentos da sociedade moderna dificulta a
circulação das histórias que a geração mais velha passava para os mais novos e que estão,
cada vez mais, apenas na memória de quem as ouviu.
As narrativas tradicionais, graças à sua variedade de formas e de temas e do seu caráter
adaptativo a cada contexto sociocultural, levadas à prática na escola, são a garantia da con-
tinuidade dessa corrente transmissora, portadora de marcas identitárias do imaginário po-
ético local. Por outro lado, a prática da narrativa associada ao seu aspecto lúdico e à possi-
bilidade de ser transformada em prática de leitura e de escrita, a partir de exercícios vários
e de oficinas, aponta um caminho atraente para o desenvolvimento da criatividade dos jo-
vens e para a formação do domínio da linguagem, podendo também, através dela, veicular
conteúdos diversificados que a escola pretende transmitir aos seus educandos.
Dessa forma, as várias matérias do currículo escolar poderão se utilizar dos diversos
tipos de narrativa que tratam de situações que aparentemente só existem nos reinos encan-
tados ou nos episódios dos ciclos sobre São Pedro e Jesus ou Pedro Malasarte, uma vez que
no momento da contação das estórias, os contadores atualizam essas narrativas inserindo
nelas fatos e aspectos da sua experiência vida. Levar esses conteúdos para um trabalho sis-
temático nas escolas é uma forma de valorizar a cultura local, de desenvolver a consciência
de que esse patrimônio cultural nos pertence e de que somos responsáveis pela sua preser-
vação. Mostrar que o folclore está em toda parte e em todos os segmentos da sociedade é
uma forma de inclusão cultural e de desenvolver a autoestima de populações excluídas.
Aproveitar o folclore como material didático, sobretudo para a.iniciação do estudante em

169
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
trabalho de pesquisa junto à família, entre vizinhos, com pessoas mais velhas e com cole-
gas é a forma mais eficaz de valorizar o que pertence à comunidade local.

a) Após a leitura do texto, produza um pequeno projeto, viabilizando o trabalho com


textos orais e populares na escola. Atenção: o período da atividade e a série serão es-
tabelecidos por você.

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b) Comente a importância do estudo e da divulgação da literatura oral na contempora-


neidade.

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ADMARI CAJADO
EXERCÍCIOS PROPOSTOS
Questões ENADE, adaptadas ou similares
QUESTÃO 01
(STA. CASA) Transcreve-se um poema de José Lino Grunewald:
Forma
Reforma
Disforma
Transforma
Conforma
Informa
Forma
Este é um poema escrito dentro dos princípios do Concretismo, movimento poético
brasileiro da década de 50, neste século XX. Escrevemos a seguir, que no Concretismo:

I - A poesia não fica apenas no âmbito do consumo auditivo.


II - À noção de poesia incorpora um novo elemento: o visual.
III - O apelo à comunicação não verbal exerce papel fundamental.

Escreveu-se corretamente em:


a) I e II apenas
b) I e III apenas
c) II e III apenas
d) I, II e III
e) nenhuma das frases

QUESTÃO 02
(UFMT) Uma das tendências da vanguarda poética brasileira é o Concretismo iniciado
com a revista Noigrandes na década de 1950. São características do Concretismo, exceto:
a) Abandono do discurso tradicional, privilegiando os recursos gráficos das pala-
vras.
b) Exploração do significante: do aspecto concreto da palavra.
c) Possibilidade de leitura múltipla: linear, vertical e até diagonal.

171
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
d) Significação dos espaços tipográficos e da disposição das palavras no papel.
e) Renovação dos temas, privilegiando a expressão dos estados psíquicos dos poe-
tas.

QUESTÃO 03
(ESPM/SP) Sobre a poesia concreta, Alfredo Bosi afirma: “Se procurarmos um princípio
linguístico geral subjacente a esses processos compositivos, ressaltará, sem dúvida o da substi-
tuição da estrutura frásica, peculiar ao verso, por estruturas nominais; estas, por sua vez, rela-
cionam-se espacialmente, tanto na direção horizontal como na vertical. Outra forma comum à
maioria dos poemas concretos já compostos é a exploração das semelhanças sonoras (paro-
nomásia), no pressuposto de que há relações-não-arbitrárias entre o significante e o significa-
do.”
Assinale a opção cujo poema se enquadra na definição acima:
a) “De sol a sol
soldado
de sal a sal
salgado
de sova a sova
sovado
de suco a suco
sugado
de sono a sono
sonado
sangrado
de sangue a sangue” (Haroldo de Campos);
b) “E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que
também se chama vida” (João Cabral de Melo Neto);
c) “A mulher do fim do mundo
Dá de comer às roseiras,
Dá de beber às estátuas,
Dá de sonhar aos poetas” (Murilo Mendes);
d) “E um grande silêncio fêz-se
Dentro do seu coração

172
ADMARI CAJADO
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão” (Vinícius de Moraes);
e) “Ditadura!... Há muita gente
Que a considera ventura!
Concordo: é dita,
Mas dita dura
De roer...” (Artur Azevedo).

QUESTÃO 04
(PUCPR/PR)
“de sol a sol
Soldado
de sal a sal
salgado
de sova a sova
sovado
de suco a suco
sugado
de sono a sono sonado
sangrado
de sangue a sangue.”

O poema concretista, acima transcrito, apresenta as seguintes inovações no campo ver-


bal e visual:
a) Abolição do verso tradicional; desintegração do sistema em seus morfemas; a pa-
lavra dá lugar ao símbolo gráfico.
b) Apresentação de um ideograma; uso de estrangeirismos; esfacelamento da lin-
guagem.
c) Ausência de sinais de pontuação; uso intensivo de certos fonemas; jogos sonoros
e uso de justaposição.

173
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
d) Uso construtivo dos espaços brancos; neologismo; separação dos sufixos e dos
prefixos; uso de versos alexandrinos.
e) Apresentação de trocadilhos; usos de termos plurilinguísticos; desintegração da
palavra e emprego de símbolos gráficos.

QUESTÃO 05
(UEPG/PR-2007) Considerando o poema concretista de Haroldo dos Campos, assinale
o que for correto.
Se
Nasce
morre nasce
morre nasce morre
renasce remorre renasce
remorre renasce
remorre
re
CAMPOS, Haroldo de. Teoria da Poesia Concreta, 1987.
a) Respeita-se a distribuição linear do verso como elemento fundamental do poe-
ma.
b) A relação entre leitor se dará mais através da comunicação visual do que da ver-
bal.
c) Ocorre exploração estética do som e da letra impressa, com a decomposição e
mon(tagem da palavra.
d) Ocorre um desinteresse pela exploração de novos campos semânticos.
e) No poema concreto ocorre o abandono do discurso tradicional, privilegiando os
recursos gráficos das palavras.

CONSTRUINDO CONHECIMENTO
Letras em Ação
Entre os muitos e variados escritores que vem se destacando na atualidade, aparece
Marcelino Freire, vencedor do prêmio Jabuti em 2005. Por isso, recomendamos a leitura de
Contos Negreiros. O livro tem como inspiração autores clássicos brasileiros como Cruz e

174
ADMARI CAJADO
Sousa, Lima Barreto e Jorge de Lima. Marcelino faz uma releitura moderna do preconceito,
mas não só mais o racial: nos quinze "cantos" deste volume, ele também esquadrinha, com
ironia e muito bom humor, questões como homossexualismo e conflito de classes. Marcelino
Freire é um dos expoentes da nova geração de escritores brasileiros.

Rede das Letras


Quer saber mais sobre o tropicalismo? Leia o artigo que está disponível neste endereço:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01881998000100003&lng=es&nrm=iso&tlng=pt

Para entender um pouco mais sobre este panorama da diversidade da literatura con-
temporânea, acesse o link:
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/poesia/index.cfm?fuseaction=
Detalhe&CD_Verbete=3921

Achou interessante os comentários sobre Viva o povo brasileiro? Então não deixe de ver
o artigo A imagem de um povo via romance, disponível no site:
http://www.letras.ufrj.br/litcult/revista_litcult/revistalitcult_vol5.php?id=6

Veja também o artigo MULTICULTURALISMO E IDENTIDADE NACIONAL, da


Profa. Ligia Chiappini. O texto está disponível a partir do link:
http://www.celpcyro.org.br/multi_identNacional.htm

Para conhecer um pouco mais sobre a obra do escritor Ariano Suassuna, clique em:
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=resumos/docs/compadecida

Para entender a proposta do grupo Cordel do Fogo Encantado e sua viagem pelo popu-
lar, acesse:
http://www.paginadamusica.com.br/edanteriores/outubro02/cordel.htm

De Olho nas Letras


Para entender e acompanhar como a narrativa brasileira da atualidade se comporta, não
deixe de ver o documentário Estamira. Estamira que dá nome ao documentário tem 63 anos.

175
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Com problemas mentais, ela trabalha há mais de duas décadas no Aterro Sanitário de Jardim
Gramacho, no Rio de Janeiro. O filme traça um perfil dessa interessante mulher, colocando
em pauta assuntos como a saúde pública, a vida nos aterros cariocas e a miséria brasileira.
Portanto, traça um diálogo muito tênue com o que está sendo feito na literatura brasileira do
presente.

176
ADMARI CAJADO
GLOSSÁRIO

ALEGÓRICA (ALEGORIA) – Aquilo que representa uma coisa para dar a ideia de outra atra-
vés de uma lição moral.
ANTI-HERÓI – O anti-herói é a personagem desprovida de atributos físicos ou morais ge-
ralmente atribuídos aos heróis. Em nossa literatura são considerados anti-heróis as represen-
tações de malandragem, esperteza, ou seja, personagens que convivem com o famoso “jeitinho
brasileiro”.
BARBÁRIE – A palavra ‘barbárie’ primeiramente foi empregada em meio à mentalidade eu-
rocêntrica, que se considerava o exemplo de sociedade civilizada. Vico [1638-1744] chamou
de ‘barbárie’ o estado primitivo ou selvagem de indivíduos ou grupos que não teriam evoluído
rumo ao estado de homem ocidental civilizado. A barbárie é um ato considerado ‘desumano’
porque não respeita os fundamentais valores conquistados no campo da ética, do direito, da
ciência, da democracia pluralista e da própria organização social. No século 20, o termo ‘bar-
bárie’ sofreu uma virada de sentido com as pesquisas antropológicas que reconheceram as
demais culturas humanas não brancas também eram dotadas de organização social racional,
tinham valores e preceitos morais próprios, portanto, eram civilizadas.
CÂNONE – O cânone literário é geralmente compreendido como obras e escritores de maior
prestígio, possuidores de excelência literária, quer pela linguagem, estilo ou influência. Atual-
mente o conceito de cânone tem sofrido escritores pelo qual se tem apreço.
CIVILIZAÇÃO – O termo faz oposição à barbárie e foi usado para designar os índios que a-
bandonavam a antropofagia e passavam a aceitar e assumir o processo de aculturação, ou seja,
vivia como os brancos colonizadores, com seus valores, hábitos e crenças.
CIENTIFICISMO – Doutrina filosófica que nega a importância dos problemas que estão fora
do alcance da investigação científica. Assim, o Realismo adota os princípios dessa filosofia
para analisar e criticar a sociedade.
COLOQUIALISMO – Os modernistas utilizavam a linguagem coloquial, ou as expressões
corriqueiras da linguagem informal da fala na escrita como referência de uma língua brasilei-
ra, mas as teorias linguísticas comprovam que esse português coloquial não poderia designar
uma língua diferente.
COR LOCAL – A expressão refere-se às características físicas da paisagem brasileira, com sua
variedade de aspectos, para valorizar o país. O romantismo faz uma descrição da paisagem
que é idealizada.
CRÔNICAS – A crônica é um gênero literário que, a princípio, era um "relato cronológico dos
fatos sucedidos em qualquer lugar", isto é, uma narração de episódios históricos. Essa relação
de tempo e memória está relacionada com a própria origem grega da palavra, Chronos, que
significa tempo. Assim, a crônica, desde sua origem, é um relato em permanente relação com
o tempo. A crônica se afastou da História com o avanço da imprensa e do jornal, tornando-se
"folhetim". O folhetim fazia parte da estrutura dos jornais, era informativa e crítica. Aos pou-
cos foi se afastando e se constituindo como gênero literário: a linguagem se tornou mais leve,
mas com uma elaboração interna complexa, carregando a força da poesia e do humor. Ainda

177
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
hoje há a relação da crônica e o jornalismo. Os jornais ainda publicam crônicas diariamente,
mas seu aspecto literário já é indiscutível. O próprio fato de conviver com o efêmero propicia
uma comunicação que deve ser reveladora, sensível, insinuante e despretensiosa como só a
literatura pode ser. No Brasil, a crônica se consolidou por volta de 1930 e atualmente vem ad-
quirindo uma importância maior em nossa literatura graças aos excelentes escritores que re-
solveram se dedicar exclusivamente a ela, como Rubem Braga e Luís Fernando Veríssimo,
além dos grandes autores brasileiros, como Machado de Assis, José de Alencar e Carlos
Drummond de Andrade, que também resolveram dedicar seus talentos a esse gênero. Tudo
isso fez com que a crônica se desenvolvesse no Brasil de forma extremamente significativa.
DETERMINISMO – Princípio segundo o qual todo fato tem uma causa e, nas mesmas condi-
ções, as mesmas causas produzem os mesmos fatos, o que implica a existência de leis específi-
cas que regem fatos e causas. O determinismo foi utilizado como campo de visão dos roman-
ces naturalistas.
ESCOLA LITERÁRIA – A nominação escola literária se marca pela controvérsia. Há pelo me-
nos três possibilidades de entendê-la. Para os historiadores da literatura, em geral significa
agrupamento de autores que se relacionam por aproximação estilística e ideológica e até de
atitudes diante de concepções artísticas. Nesse sentido, fica claro o centramento da análise no
autor e não no texto. Para os que fixam a observação sobre o conjunto estético-estilístico das
obras, escola literária é concepção estética e técnica. A distinção mais significativa e sutil entre
textos ou conjuntos textuais literários é construída na conjunção íntima entre posicionamento
ideológico e elaboração textual do discurso (a relação discurso-linguagem), definida por pre-
dominância.
ESCRITA AUTOMÁTICA – Tipo de escrita que resulta da inspiração do momento, sem pre-
paração prévia nem esquema de trabalho previsto, e que se assume ser imediata, espontânea e
incontrolada. Tanto pode aplicar-se a expressão ao tipo de discurso produzido por indivíduos
em estado de alucinação ou sob hipnose como para um certo tipo de escrita desconcertada
que dadaístas e surrealistas praticaram. O teórico do surrealismo André Breton ajudou a di-
vulgar este tipo de escrita a que chamou “pensamento falado”, entendendo-se este registro
como a tentativa de pôr por escrito pensamentos não controlados pela lógica ou pela razão.
ESTUDOS CULTURAIS – De uma forma geral, chamamos Estudos Culturais a disciplina que
se ocupa do estudo dos diferentes aspectos da cultura, envolvendo, por exemplo, outras disci-
plinas como a história, a filosofia, a sociologia, a etnografia, a teoria da literatura etc. Trata-se
de uma disciplina acadêmica, cujas origens é possível determinar, sendo habitual ligar essa
origem ao próprio desenvolvimento do pós-modernismo e às suas celebrações contra a alta
cultura e as elites sociais, aos seus debates sobre multiculturalismo que têm tido particular
expressão nos Estados Unidos, à sua ênfase nos estudos sobre pós-colonialismo, que ajudaram
a criar uma nova disciplina dentro dos Estudos Culturais, e às suas manifestações sobre cultu-
ra popular urbana, por exemplo. Há hoje uma distinção sólida entre Estudos Culturais e Teo-
ria da Cultura. O conjunto de questões de que os teóricos da cultura se têm ocupado acabou
por fazer o programa da disciplina de Teoria da Cultura. As variações vão desde os estudos
pós-coloniais às opressões culturais, incluindo os estudos sobre gênero, diferenças, feminis-
mo, masculinismo, homossexualidade, teorias marxistas sociais, crítica das práticas tradicio-
nais da política, da antropologia, da literatura e da estética, implicações de temas como o utili-
tarismo, o estruturalismo, o culturalismo, as culturas populares, as metaficções, o pós-
modernismo etc.

178
ADMARI CAJADO
EXÓTICO – Representação do Outro civilizacional e da sua singularidade. Como o próprio
prefixo do termo indica, o exotismo, enquanto discurso sobre a alteridade, implica um movi-
mento do olhar e dos demais sentidos para fora do Eu cultural (ocidental). A visão do alter
mundus leva o Eu a conscientizar-se de que é também Outro no seio de um processo de “lei-
tura” interativa. Da literatura greco-latina à literatura pós-colonial, cada país teve formas dife-
rentes de se “outrar”, que inúmeras vezes se confundem com etnocentrismo e até colonialis-
mo, pois dependendo da proveniência geografico-cultural do sujeito observador-descritor, o
modus vivendi exótico poderá ser ocidental ou não. A focalização exótica e a visão do Outro
relacionam-se, assim, com o ponto de vista de quem descreve e opina. O ponto de partida, as
expectativas e interesses de quem descreve ou mitifica outros povos é determinante para a
construção dessas imagens que são tão diversas como os destinos e interesses dos Europeus.
FUTURISMO – Movimento artístico e literário que teve origem no início do século XX, antes
da Primeira Guerra Mundial, e que se desenvolve na Europa, sobretudo em Itália, com os
trabalhos de F. T. Marinetti, que estudara em Paris, onde publicou La conquête des étoiles
(1902) e Destruction (1904), livros que despertaram o interesse de escritores de créditos já
firmados na época como P. Claudel.
INDIANISMO – Foi a forma mais representativa do nosso nacionalismo literário. Corres-
pondeu à busca de um legítimo antepassado nacional, que fosse diferente do europeu. A figura
do índio foi idealizada com o objetivo de equiparar esse nosso antepassado ao europeu. Por
isso o índio que aparece como personagem na literatura romântica é sempre bom, nobre, co-
rajoso, belo. Com essas características passou a ser um dos símbolos de nossa independência
espiritual, social, política e literária.
INTELLIGENTSIA – é o nome dado a uma classe social de pessoas engajadas em trabalho
mental complexo e criativo direcionado ao desenvolvimento e disseminação da cultura, a-
brangendo grupos sociais e intelectuais próximos dela (por exemplo, artistas e professores).
INTÉRPRETES – São considerados os intelectuais que teriam apresentado à sociedade letrada
brasileira – desde os anos 1920, década em que acordaram para a literatura – interpretações
originais da nação e dos brasileiros, e se tornado precursores dos cientistas sociais, que, nas
décadas de 1930 e 1940, nos ofereceram as interpretações do Brasil que se tornaram canônicas.
INSPIRAÇÃO – Termo precedente do latim inspirare que significa soprar, comunicar, e é
utilizado tanto no campo da teologia como das artes para designar o tipo de motivação que
leva um indivíduo a produzir uma obra de arte. É, sobretudo a partir do séc. XVI, onde surge
nos escritos de Ambroise Paré, que prevalecerá o seu sentido figurado como sinônimo de in-
tuição estética, invocação, gênio, criação e imaginação. No campo das artes, é concebido como
um estado de exaltação emotiva que atinge o escritor e que o faz sentir como iluminado inte-
riormente para encontrar a chave e os recursos expressivos da sua criação literária. Neste pon-
to surgem duas teorias: a primeira defende que a inspiração vem de fora do escritor e a segun-
da defende o contrário, isto é, que vem de dentro. Os românticos consideravam a imaginação
fundamental e acreditavam que sem ela a poesia não seria possível, uma vez que o seu poder
tinha origem no impulso criativo completamente livre, sem qualquer tipo de amarra ou pré-
conceito.
LITERATURA DOS JESUÍTAS – como o próprio título indica, foi criada pelos Jesuítas e era
voltada principalmente para o trabalho de catequese. A título de catequizar o "gentio" e, mais
tarde, a serviço da Contrarreforma Católica, os jesuítas logo cedo se fizeram presentes em ter-
ras brasileiras. Marcaram essa presença não só pelo trabalho de aculturação indígena, mas

179
ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
também através da produção literária, constituida de poesias de fundamentação religiosa, in-
telectual despojadas, simples no vocabulário, fácil e ingênuo. Também através do teatro, cate-
quizador e por isso mesmo pedagógico, os jesuitas realizaram seu trabalho. As peças, escritas
em medida velha, mesclam dogmas católicos com uso indígenas para que, gradativamente,
verdades cristãs fossem sendo inseridas e assimiladas pelos índios. O autor mais importante
dessa atividade é o Padre José de Anchieta. Além de autor dramático, foi também poeta e pes-
quisador da cultura indígena, chegando a escrever um dicionário da língua tupi-guarani. Em
suas peças, Anchieta explorava o tema religioso, quase sempre opondo os demônios indígenas,
que colocavam as aldeias em perigo, aos santos católicos, que vinham salvá-las. Além da poe-
sia de devoção, os jesuítas cultivaram o teatro de caráter pedagógico, baseado em trechos bí-
blicos, e as cartas que informavam aos superiores na Europa o andamento dos trabalhos na
Colônia. José de Anchieta se propôs ao estudo da língua tupi-guarani e é considerado o pre-
cursor do teatro no Brasil. Sua obra já apresenta traços barrocos.
LITERATURA MILITANTE – é a literatura engajada, que defende causas e ou tipos. Muitos
de nossos escritores brasileiros se encaixam neste perfil, sobretudo os modernos e contempo-
râneos.
LITERATURA NACIONAL – A ideia de uma literatura nacional ou brasileira ganha força
com o Romantismo, conforme notamos nas diversas historiografias que estudamos. Em suma,
podemos denominar uma literatura sendo nacional aquela que retrata os problemas e ques-
tões pertinentes à pátria.
MATERIALISMO – Doutrina filosófica que admite como realidade apenas a matéria. Nega a
existência da alma e do mundo espiritual ou divino. Formulada pela primeira vez no século VI
a.C., na Grécia, ganha impulso no século XVI, quando assume diferentes formas. Para os gre-
gos, os fenômenos devem ser explicados não por mitos religiosos, mas pela observação da rea-
lidade. A matéria é a substância de todas as coisas. A geração e a degeneração do que existe
obedecem a leis físicas. A matéria encontra-se em permanente metamorfose. A alma faz parte
da natureza e obedece às suas leis. Essas teses são a base de todo o materialismo posterior. No
século XVIII, os pensadores da Enciclopédia lançam o materialismo filosófico, doutrina que
considera o homem uma máquina e nega a existência da alma, em oposição ao espiritualismo.
No século XIX surge na Alemanha o materialismo científico, que substitui Deus pela razão ou
pelo homem, prega que toda explicação científica resulta de um processo psicoquímico e que
o pensamento é apenas um produto do cérebro.
METAFÍSICA – O objeto de investigação da Metafísica não é qualquer ser, mas do ser en-
quanto ser. Examina o que pode ser afirmado sobre qualquer coisa que existe por causa de sua
existência e não por causa de alguma qualidade especial que se tenha. Também aborda os dife-
rentes tipos de causas, forma e matéria, a existência dos objetos matemáticos e Deus.
MIMESE – designa a ação ou faculdade de imitar; cópia, reprodução ou representação da na-
tureza, o que constitui, na filosofia aristotélica, o fundamento de toda a arte. Heródoto foi o
primeiro a utilizar o conceito e Aristófanes, em Tesmofórias (411), já o aplica. O fenômeno
não é um exclusivo do processo artístico, pois toda atividade humana inclui procedimentos
miméticos como a dança, a aprendizagem de línguas, os rituais religiosos, a prática desportiva,
o domínio das novas tecnologias etc. Por esta razão, Aristóteles defendia que era a mímesis
que nos distinguia dos animais.
NACIONALISMO – Teoricamente, o nacionalismo independe da literatura, pois o significado
fundamental de nação, mesmo o mais difundido na literatura, é político. Com efeito, há nessa

180
ADMARI CAJADO
arte uma inegável aspiração nacional, o que explica, inicialmente, o vínculo do significado
político com o uso estético da linguagem. De maneira geral o Romantismo foi o grande tribu-
tário do nacionalismo, embora nem todas as suas manifestações se integrassem nele. A ten-
dência dessa conexão, que vinha se acentuando desde o século XVIII, encontra no Romantis-
mo o intuito patriótico e o tema da identificação nacional e tudo que nele estava implicado. O
encontro das aspirações de atender o propósito histórico da construção das diversas identida-
des nacionais concomitantemente com a formação das respectivas literaturas nacionais esta-
belece a dupla orientação que define as principais relações entre literatura e nacionalidade.
NEOLOGISMOS – Termo utilizado para classificar uma palavra nova que surge numa língua
devido à necessidade de designar novas realidades - novos conhecimentos técnicos, objetos
gerados pelo progresso científico (neologismos técnicos e científicos) e até por questões estilís-
ticas e literárias, tornando a língua mais expressiva e rica (neologismos literários). Os neolo-
gismos constituem processos fundamentais de renovação do léxico, a par dos arcaísmos que
marcaram a sua presença de forma oposta (desaparecimento de palavras da língua que deixam
de ser usadas pelos seus falantes).
ONOMATOPEIAS – Termo de origem grega (onomatopoiía - criação de palavras, pelo latim
onomatopoeia - invenção de palavras) que significa simultaneamente um fenômeno linguísti-
co e uma figura da retórica que consistem na semelhança, através da imitação ou reprodução,
existente entre o som de uma palavra e a realidade que representa, seja o canto dos animais, o
som dos instrumentos musicais ou o barulho que acompanha os fenômenos da natureza.
PETRARQUISTA – referente ao poeta italiano Petrarca, (1304-74), cuja obra difunde por to-
da a Europa o gosto pela poesia amorosa e pelo soneto.
PÍCARO ESPANHOL – é a personagem do romance picaresco. O pícaro é qualificado como
uma personagem de condição social humilde, sem ocupação certa, vivendo de expedientes, a
maioria dos quais escuso. É uma espécie de anti-herói por excelência, possui uma filosofia de
vida particular: é materialista, primitivo, desleal, manifestando inclinação para a fraude e a
vadiagem. Muitos personagens da literatura brasileira se aproximam dessa definição, uma vez
que se assemelha muito à figura do malandro.
RAPSÓDIA – Rapsódia é um canto épico e normalmente é cantado em verso, mas a epopéia
desaparecerá no sec. XVIII e a sociedade não aceitará mais o herói épico. O rapsodo é um can-
tor popular, que era um homem do povo cantando textos épicos e ia de cidade em cidade can-
tando a história de seu povo. Diante destas definições, Macunaíma teria que ser em verso, para
ser uma rapsódia, mas fica expresso no livro como se fosse uma história que o papagaio con-
tou para o narrador. Neste artifício Mário de Andrade disfarçou como se fosse uma pseudo-
rapsódia.
REBUSCAMENTO – é o trabalho de ou efeito de rebuscar, tornar requintado. Muitos movi-
mentos estéticos valorizam o rebuscamento da linguagem, principalmente: o Barroco e o Par-
nasianismo.
ROMANCE URBANO – esse gênero de romance, também conhecido como romance de cos-
tumes, procura retratar e criticar os costumes da sociedade carioca do século XIX. O criador
desse gênero no Brasil foi Joaquim Manuel de Macedo. Destaca-se, também, José de Alencar
nos romances Senhora, Cinco minutos, A viuvinha, Lucíola, Diva, A pata da gazela, Senhor
d’ouro.

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ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
ROMANCE INDIANISTA – O romântico brasileiro volta-se para a época do descobrimento,
valorizando o indígena, uma vez que não tivemos Idade Média e no mundo inteiro a literatura
procura estabelecer uma origem para os povos. Essa busca das nossas raízes conduz ao nacio-
nalismo, uma das principais características românticas.
ROMANCE REGIONALISTA – Para alguns escritores, o verdadeiro Brasil era o sertão, que
ainda conservava intactos traços de nossa cultura e de nossa natureza. Esses escritores criaram
o romance regionalista, que é de certa forma, o outro lado do nacionalismo literário explorado
pelo indianista. Procuraram fixar traços peculiares de determinadas regiões do país. O primei-
ro desses regionalistas foi Bernardo Guimarães, que retratou o interior de Minas Gerais e de
Goiás em suas obras: A Escrava Isaura e O seminarista. Depois temos Visconde de Taunay,
que ficou conhecido por sua obra Inocência, em que procurou registrar algumas peculiarida-
des do falar sertanejo, além de Franklin Távora, autor de O Cabeleira, que é considerado o
criador da literatura do Nordeste.
ROMANCE HISTÓRICO – Preocupados em enfatizar o nacionalismo em suas obras, alguns
de nossos escritores românticos dedicaram-se à reconstituição de fatos da história brasileira.
Entre os autores que se dedicaram a esse gênero, destaca-se José de Alencar, com as obras As
Minas de Prata e Guerra dos Mascates.
REGIONALISMO – Em algumas obras, o verdadeiro Brasil é representado pelo sertão, espaço
que conservava ainda intactos e naturais alguns traços peculiares de nossa cultura como a lín-
gua e os costumes - e de nossa paisagem. Essas obras, que você vai estudar em outra unidade
deste livro, constituem o romance regionalista.
UFANISTA (UFANISMO) – O adjetivo ufano provém da língua espanhola e significa a van-
glória de um grupo arrogando a si méritos extraordinários. Portanto, no caso do Brasil, pode-
se afirmar que o ufanismo é a atitude ou posição tomada por determinados grupos que enalte-
cem o potencial brasileiro, suas belezas naturais, riquezas e potenciais. Na verdade os ufanistas
acabavam por extrapolar ao se vangloriar desmedidamente das riquezas brasileiras, muitas
vezes expondo a si e ao país uma situação que seria interpretada por outros como vaidade.
VALOR ESTÉTICO – O valor estético de uma obra literária não é algo que possa ser proposto
como um absoluto em si mesmo, na medida em que circula por ordens muito próprias de
existência social e cultural dos objetos considerados artísticos. A relação de dependência mú-
tua entre o valor estético, a função estética e a norma estética foi brilhantemente estudada pelo
checo Jan Mukarovský, durante as décadas de 30 e 40 também conhecida como Estruturalis-
mo Checo. Partindo da premissa de que a obra literária é um signo, e, portanto, pela sua pró-
pria essência, um fato social o estudioso destaca a importância dos valores extra-estéticos con-
tidos numa obra, tanto nos seus componentes formais como temáticos e, por aí, introduz o
receptor como ser social. Função, norma e valor estéticos são entendidos por Mukarovsky
como fatos sociais, isto é, dependentes das contingências de diferentes formações sociais, de
diferentes programas coletivos de conhecimento, de diferentes contextos históricos e cultu-
rais.
VANGUARDA – a palavra deriva do francês avant-garde, "proteção frontal", que em sentido
literal faz referência ao batalhão militar que precede as tropas em ataque durante uma batalha.
Daí deduz-se que vanguarda é aquilo que "está à frente". Desta dedução surge a definição ado-
tada por uma série de movimentos artísticos e políticos do fim do século XIX e início do sécu-
lo XX. Os movimentos europeus de vanguarda eram aqueles que, segundo seus próprios auto-
res, guiavam a cultura de seus tempos, estando de certa forma à frente deles. Muitos destes

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ADMARI CAJADO
movimentos acabaram por assumir um comportamento próximo ao dos partidos políticos:
possuíam militantes, lançavam manifestos e acreditavam que a verdade encontrava-se com
eles.

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ESTUDOS DA LITERATURA BRASILEIRA
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ADMARI CAJADO
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