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1 DA LITERATURA MARANHENSE: origem, primórdios, trajetória

O Maranhão [...] é terra que, com Gonçalves Dias, libertou a poesia brasileira; com
João Lisboa, pregou o direito à revolução; com Aluísio Azevedo, incorporou o povo
ao romance e pulverizou todos os preconceitos raciais de seu tempo; com Nina
Rodrigues, criou a antropologia brasileira; com Gomes de Sousa, renovou a nossa
matemática; com Sousândrade, ao fim do século XX, criou formas poéticas que
somente eclodiram quase na segunda metade do século XX; com Viveiros de Castro,
elaborou uma visão socialista do direito penal; com Franco de Sá, criou uma
fonologia estética. (Franklin de Oliveira)

O Maranhão, ao longo de sua história, se vem demonstrando uma seara rica em produção
literária, onde predominam os poetas, superando estes, sobejamente, os prosadores. Em verdade, é justo
na poesia que os nossos literatos mais se têm revelado, numa incidência deveras impressionante. A
poesia, aqui, como que estaciona em cada esquina, perpassa escadarias e becos, itinera pelas ruas e
avenidas, ergue-se pelas praças, passeia pelos bares, articula-se nos teatros, instituições sindicais,
comunitárias e/ou religiosas, estampa-se, grafada, pelos muros e paredões18, indumenta-se de ritmos e
melodias nas escolas-de-samba, nos blocos carnavalescos, é entoada no canto coletivo do Bumba-meu-
boi... E, do senso crítico, para o “senso comum”, costuma-se ouvir (aqui e lá fora) o que já virou jargão
popular: “o Maranhão é terra de poetas”. E corre na boca do povo que, por estas plagas, onde estão
reunidas duas, três pessoas, pelo menos uma destas escreve e/ou recita versos de sua própria lavra.

Mito, lenda, jargão ou verdade das mais puras, com efeito, vale lembrar: desde os primórdios de
sua fundação (atribuída aos franceses – 1612), na Ilha de São Luís (a Upaon- Açu dos Tupinambás),
este pedaço de Brasil vê-se bafejado com o sopro da palavra-arte, respirando, transpirando literatura,
pretexto e inspiração que foi para o surgimento das primeiras produções escritas nesta terra das
palmeiras, onde canta o sabiá, na pena dos cronistas franceses Claude D‟Abbeville e Ives d‟Evreux –
frades cenobitas, colonizadores/evangelizadores, integrantes da comitiva de Daniel de La Touche
(Senhor de La Ravadière) e François de Rasilly (Senhor de Aumelles).

O primeiro, ilustrado monge gaulês, natural de Abbeville, na Normândia (data e prenome de


nascimento incertos – Clément? Firmin?), do tronco genealógico dos Foullons (família sensivelmente
católica), falecido em Rouen, na França, em 162619 ou 163220 (após 23anos de vida monástica), é autor
de Histoire de la mission de pères capucins en l’Isle de

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- como serve de exemplo o que podemos convencionar poesia mural, de tônus proverbial, do escritor/poeta Emylio Ayoub.
19
- segundo Ferdinand Denis In: Viagens ao Norte do Brasil, de Ives d‟Evreux – prefácio da obra.
20
- segundo Jean-Crétian Hoeffer In: Nouvelle Biographie Généralle.
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Maragnan et terres circonvoisines (1614), primeira crônica, no gênero literatura de viagens, sobre a
fundação da cidade. Em linguagem simples, objetiva, o autor vai narrando a tentativa de implantação da
pretensa França Equinocial em terras maranhenses: a viagem, os primeiros contatos com os
indígenas, num enfoque todo especial na primeira missa celebrada em terra firme, após o levantamento
da cruz.

O segundo (Simon Michellet, em seu prenome de origem), nascido em Normanville,


provavelmente em 1557 e falecido em 1632 ou 1633 (no priorado de Saint-Eloy, próximo a Gisors),
dando continuidade ao trabalho do compatrício, é autor de Suitte de l’histoire de choses plus
mémorables advenues en Maragnan les années 1613 et 1614. Narrativas contendo episódios, os mais
significativos, sobre a chegada e permanência dos franceses no Maranhão, contendo cenas variadas do
cotidiano dos indígenas. Ambos historiadores/exploradores e entomologistas (com trabalhos
interessantes no gênero, legados à cultura maranhense), ressalte-se, são patronos do Instituto Histórico e
Geográfico do Maranhão (IHGM – criado em 1925, por iniciativa de Antônio Lopes), respectivamente
das cadeiras de nº. 01 e 02 – aquela, fundada por Monsenhor Joseph Marie Lemercier e posteriormente
ocupada por Monsenhor Ladislau Pop; esta, pelo geógrafo, professor e pesquisador (maranhense de
Viana) Raimundo Lopes, autor (dentre outras produções relevantes) de Uma região tropical (1973).

Como se pode ver, a tradição literária, um dos traços indeléveis da nossa cultura é,
primordialmente, um legado dos franceses, os considerados fundadores da cidade, que já deixam, à
terra, uma certidão de nascimento marcada por livros, uma produção escrita, uma referência literária.
Pode-se dizer, pois, os missionários franceses supra referidos são os pioneiros na arte de fazer da região
maranhense motivo de representação poética, ainda que em estilo de crônica informativa. São eles os
primeiros a observarem/estudarem a natureza circundante, em suas pródigas e exuberantes fauna e flora,
deixando um relato de grande importância histórica para as gerações pósteras.

Mais tarde, é a vez dos Jesuítas, em missão catequética/evangelizadora, com destaque para o
Padre Antônio Vieira (Lisboa-1608/Colégio da Bahia-1697), português de nascimento, chegado ao
Brasil (Salvador-Ba.) aos seis anos de idade, portanto, cultural e literariamente brasileiro (baiano e
maranhense), a aportar por estes rincões. Como se sabe, aqui no Maranhão, um dos grandes centros de
cultura jesuítica no Brasil, toda ela, por excelência, literária, o representante da Companhia de Jesus,
“imperador da Língua Portuguesa” – epíteto
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de Fernando Pessoa (1972, p. 92), no poema Antônio Vieira21, do livro Mensagem – escreveu muitas
das suas célebres Cartas, participou de lutas e contendas em favor da evangelização, da defesa dos
indígenas, da moralização da Província. Dali, do púlpito da Igreja de Santo Antônio22, ele proferiu
alguns dos seus famosos e eruditos Sermões. Dentre estes, o daPrimeira Dominga da Quaresma
(1653), o do Quinto Domingo da Quaresma (1654) e, na sequência de uma disputa com os colonos
portugueses, o alegórico, memorável, Sermão de Santo Antônio aos Peixes (1654) – peça a revelar a
surpreendente imaginação, habilidade oratória e a verve satírico/literária de Vieira que, em notável
construção retórico/argumentativa, faz a apologia das virtudes e a censura rigorosa dos vícios
humanos,na simbologia dos peixes.

De forma que: a marca maranhense, na obra de Vieira, este grande precursor do diálogo entre
culturas, “se faz notar com firmeza”, aponta Brandão (1979, p.25), acrescentando que o pregador “que
sobe nos púlpitos de São Luís, difere daquele que sobe nos da Capela Real, em Lisboa, ou do Sacro
Colégio em Roma”, posto que, ali, no interior daqueles templos europeus, tem-se o orador mais
empenhado em seduzir o ouvinte – seja pelos voos conceptistas, pelas formalidades cultistas ou ainda
pelos recursos de retórica; ao passo que, “o pregador que enchia com sua voz as naves das igrejas
maranhenses, sabia se fazer entender por quem o ouvia” (id. ibid.), numa desenvoltura de quem se
sentia em casa, com liberdade, portanto, para se dirigir aos ouvintes, apontando-lhes as faltas,
corrigindo-lhes os defeitos, enfim, dizendo-lhes verdades. “Tenho dito tantas verdades, com tanta
liberdade, a tão grandes ouvidos” (apud BRANDÃO, op. cit. p. 25) – eis o que se pode tomar como um
elogio do pregador aos seus ouvintes, naquele tempo, neste lugar. Trata-se, pois, de um Vieira
maranhense, o que se nos permite credenciar este nosso Estado como berço de parte significativa de sua
obra (dele), influenciada esta, efetivamente, por determinadas e determinantes circunstâncias próprias
desta região. A propósito, nessa “luta de Vieira a favor dos índios, podemos identificar o gérmen da
vocação indianista do Maranhão. Seria por puro acaso que o nosso maior poeta indianista sairia
justamente dessa messe que Vieira cultivou quase dois séculos antes? [...]” infere, perquirindo, Brandão
(op. cit. p. 20-21).

Até aqui, produções no/ou sobre o Maranhão. Não ainda o traçado caligráfico ou tipográfico da
verve maranhense, nessas obras ainda projetadas no espelho d‟além-mar,refletindo a cultura lusitana.

21
- o céu „strella o azul e tem grandeza/ Este que teve a fama e a glória tem/ Imperador da Língua Portuguesa/ Foi-nos um céu também./ No
imenso espaço seu de meditar,/ Constelado de forma e de visão,/ Surge, prenúncio claro do luar,/ El-rei D. Sebastião./ Mas não, não é luar: é
luz do ethéreo./ É um dia; e no céu amplo de desejo,/ A madrugada irreal do Quinto Império/ Doira as margens do Tejo.
22
- na praça homônima, margeada pelo Seminário Santo Antônio e pela Escola Modelo Benedito Leite (Ensino Médio) – Centro.
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Verdade é que, desde o século XVII, o sol da poesia já brilhava, no céu da pátria
maranhense, em liras proscritas das quais não ficaram uma só obra que as testemunhasse, que
atravessasse as gerações. Fato que, para José Veríssimo (1915, cap. XI, p. 120), explica-se na
“existência de devassas contra os homens versistas, autores de sátiras contra os governantes”.
Ei-lo a informar:

Bequimão, o cabeça dos motins de 1664, possuía e lia livros de histórias


de revoluções. Mais de um dos fidalgos portugueses que governaram o
Maranhão, além de Berredo23, o autor dos seus Anais, era homem culto e
ainda de letras; e de outros funcionários coloniais portugueses como
Guedes Aranha, Henriarte, há documentos preciosos do que chamo neste
livro literatura de informação. Fosse qual fosse a constituição da
sociedade maranhense nos tempos coloniais, tivesse ela no extremo norte
a primazia da prosápia, da riqueza ou da cultura, e demais, um sentimento
cívico mais apurado pelas suas lutas com o estrangeiro invasor, ou brigas
intestinas que muitas foram e que, bem como aquelas, poderiam concorrer
para lhe aguçar o entendimento, o certo é que, nesse período, não
concorreu o Maranhão sequer com um nome para engrossar o nosso
cabedal literário. Não há, com efeito, um só maranhense entre os
escritores do período colonial (VERÍSSIMO, 1915, p.120).

Assim, arte literária, lavra dos escritores desta terra, mesmo, vem a despontar só mais
tarde, no século XIX (já bem distante de um ideal catequético, pautado na educação indígena),
com o advento do chamado Grupo Maranhense (1832-1864) – responsável, este, pela
incursão e permanência do nosso Estado na literatura nacional, com os maranhenses
destacando-se “nas mais importantes tendências das letras brasileiras” (BRANDÃO, op. cit. p.
15).

REFERÊNCIA:
CORRÊA. Dinacy Mendonça. Da Literatura Maranhense: romance e romancistas
maranhenses do Século XX. Tese (doutorado em Ciência da Literatura). Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, 2014.

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